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I

A Expansão da Mente

cultrix

Tarthang TLilku
Leia também:

REFLEXÕES SOBRE
A MENTE

Tarthang Tulku (org.)

psicologia ocidental está cada vez mais en­


A volvida com o aprofundamento da pesquisa
sobre o funcionamento da mente humana, o desen­
volvimento da personalidade e a interação e inte-
gi ação do complexo corpo/mente. Reflexões sobre
a Mente explora a fascinante abordagem budista
i ibetana com relação a essas preocupações. De um
ponto dc vista novo, o livro fornece um relato atua­
lizado da compreensão tanto budista como ociden­
tal sobre a consciência humana. Psicólogos famo­
sos, como Cláudio Naranjo, G ay Luce e Charles
lart associam suas experiências pessoais das prá­
ticas budistas tibetanas com o treinamento profis­
sional em métodos terapêuticos ocidentais para
oferecer uma perspectiva única sobre as tendências
atuais da psicologia ocidental.
Reflexões sobre a Mente descreve as experiên-
i ia . modernas do amplo conhecimento psicológi­
co do Budismo Tibetano, detalhando uma grande
quantidade de métodos práticos guardados por sé-
11dos pelas tradições espirituais do Tibete. Confor­
me atestam os autores, estas técnicas estão mos-
ti ando ser altamente inovadoras na terapia ociden­
tal l Jm capítulo introdutório excelente e bastante
«hiiingciite do Lama Tarthang Tulku oferece uma
orienta^ Io segura para a compreensão total da pro-
lundidade e potencial da mente humana.
( oiii artigos de:
<ítiy (iaer Luce Theodore M. Jasnos
t Imidio Naranjo Kendra Smith
t ‘Imrloi T.Tart Peggy Lippitt
Aiilmi Sherman James L. Gauer
It itIpli I )avis James Shultz
I ilden 11. Edwards, Jr.
A EXPANSAO DA MENTE
TARTHANG TULKU

A EXPANSÃO DA MENTE

Tradução
MANOEL VID A L

Revisão técnica
I NSTI TUTO N Y I N G M A DO B R A S I L

EDITORA CULTRIX
São Paulo
008585
A EXPANSÃO DA MENTE
E7AP4
O primeiro número à esquerda indica a edição, ou reedição, desta obra A pnmeira
dezena à direita indica o ano em que esta cdiçflo, ou reediçfto foi publicada

Edição Ano

5-6-7-8-9-10-11-12-13 03-04-05-06-07-08-09

Direitos de tradução para a língua portuguesa


adquiridos com exclusividade pela
EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.
Rua Dr. Mário Vicente, 368 - 04270-000 - São Paulo, SP
Fone: 272-1399 - Fax: 272-4770
E-mail: pensarncnto@cultrix.com.br
http://www.pensamento-cultrix.com.br
que se reserva a propriedade literária desta tradução.

Impresso em nossas oficinais gráficas.


SUMARIO

Prefácio 9
Introdução 13

PARTE I: A B E R T U R A

Aprendendo por meio da experiência 19


A auto-imagem 27
A autotransformação 32
Transformando o medo 36
Meditação: deixe ser o que é 43

PARTE II: A PR O FU N D A N D O A M E D ITA Ç Ã O

A corrente que se aprofunda 51


Abrindo-nos para os sentimentos 54
Transcendendo as emoções 59
Fascinação e ansiedade 71

PARTE III: R E A L ID A D E E ILUSÃO

Realidade e ilusão 76
A trama móvel dos sonhos 80
O lótus do sonho 91
A base primordial do ser 95
PARU IV: A L É M DOS SI GNIFI CADOS

Dimensões da meditação 100


Pensamentos 106
Além dos significados 113
Atenção pura 118
A ilusão do agora 125

PARTE V : O D H A R M A V I VO

O Dharma interior 132


Refúgio 138
A m or e compaixão 142
A semente da iluminação 147

ÍNDICE REMISSIVO 151


Dedicado aos estudantes
do Dharma no Ocidente
PREFÁCIO

Muitos livros falam a respeito do Budismo mas poucos


comunicam seu significado. A fim de despertar entendimento
nos outros, é preciso, primeiro, saber e, então, viver o que se
sabe. O conhecimento vivenciado desta maneira é comunicado
sem esforço, como parte de um processo infinitamente criativo.
A expansão da mente é um livro através do qual o Budis­
mo fala ao leitor. Seu primeiro capítulo já enfatiza a impor­
tância da aprendizagem — não tanto como um acúmulo de da­
dos (embora tal acúmulo seja obviamente indispensável ao pro­
cesso da aprendizagem) mas, antes, como uma tentativa, um es­
forço para compreender. Mas, como iremos compreender, a não
ser que voltemos à fonte da qual abstraímos os dados? A fonte
é a experiência — a experiência antes de ser canalizada através
dos padrões conhecidos do pensamento habitual, que transfor­
mam tudo em coisas quantificáveis e mensuráveis; em suma, em
dados isolados e sem vida — excluindo o qualitativo da vida.
O retorno à experiência, que insiste no qualitativo como
parte integrante da vida, requer um outro tipo de pensamento.
Se "meditação", nas atuais circunstâncias, ainda é o termo ade­
quado para designar tal pensamento, certamente é uma questão
discutível. O termo tem sido usado em demasia e, na fala cor­
rente, adquiriu muito de uma aura esotérica ou mística-mistifi-

9
cadora, ao passo que o que se pretende é exatamente o oposto.
A meditação é, em prim eiro lugar, um processo de aprendiza­
gem, de concentração atenta sobre uma situação ou objeto, a
fim de ganharmos entendim ento acerca de sua natureza única e,
assim, capacitarmo-nos a lidar com ele de modo eficiente. Nós,
como seres vivos, estamos sempre dentro de uma situação, não
tanto no sentido de sermos entes isolados dentro de um re cip i­
ente, sem que ambas as "entidades" tenham relação entre si,
mas no sentido de estarmos espraiados por toda a situação. Em
outras palavras, p o r.m e io de uma concentração atenta sobre
um objeto ou situação, aprendemos a discernir e a apreciar as
possibilidades desta situação.
Aprendemos, então, com base nesta atenção plena, a agir
de forma apropriada, o que significa não violentar a tessitura
delicada das situações da vida. Neste sentido, "m e d ita çã o " é
um meio de experienciar, de modo bastante concreto, qualquer
situação de vida em que porventura nos encontremos. Não é, de
maneira alguma, algo transcendental ou "a b stra to ", mas, sim,
eminentemente "p rá tic o ", na medida em que nos auxilia a nos
tornarmos vivos novamente, restabelecendo o livre curso da
corrente da vida. No Budismo, "m editação", como já deve estar
claro a esta altura, não im plica fugir do pensar, mas se trata da
aplicabilidade e da aplicação deste tipo de "pensam ento" na v i­
da cotidiana. Este é o tema condutor deste livro.
Na medida em que o le ito r se sinta atraído pelo que se po­
de chamar de "B udism o aplicado", notará que o livro, em sua
progressão, ca pítu lo a ca p ítu lo , é um "guia do cam inho". O te r:
reno através do qual ele aponta a direção é a natureza rica e
complexa do homem. Sob este aspecto de ser um guia, o livro é
m uito tradicional, no sentido em que reafirma o fato de ser o
homem capaz de crescimento e de ser o crescimento um proces­
so contínuo de expansão para horizontes cada vez mais amplos.
é também semelhante à escalada do pico de uma montanha, o n ­
de temos que atentar para cada passo na subida, ao mesmo te m ­
po em que somos tomados p or vistas que nos tiram o fôlego. No
Tibete, estes "guias" ficaram conhecidos como lam-rim (Etapas
do Caminho), tendo sido preservada uma extensa literatura
sobre o assunto.

10
A obra mais antiga deste tip o é atribuída ao Guru Padma-
sambhava, uma pessoa cuja historicidade ficou sombreada por
lendas e mitos que atestam, todos, o impacto que a sua apresen­
tação das idéias budistas teve sobre aqueles que tomaram con­
tato com a força atrativa delas. O que distingue sua obra (bem
como as obras que se desenvolveram na tradição por ele inicia­
da, conhecida como a ordem Nyingma) de obras da mesma na­
tureza de outras escolas de pensamento é a vividez da apresen­
tação. Temos uma apresentação de experiências vivenciadas por
inteiro, e não uma coletânea rançosa de textos canônicos. Esta
mesma vividez e abordagem direta, o leitor encontrará neste li­
vro, cujo autor é um dos mais destacados estudiosos Nyingma.
A expansão da mente fo i escrito para aqueles que ousam
form ular perguntas que tocam o sentido da vida, e o livro to ­
mou forma a partir da colocação de tais perguntas. É desneces­
sário salientar que o próprio títu lo representa um desafio —
abrirmo-nos significa re stitu ir a mente à sua abertura criativa.
A expansão da mente, sem dúvida, sinaliza o caminho nesta d i­
reção.

Herbert V. Guenther
Universidade de Saskatchewan

11
INTRODUÇÃO

Para este novo volume de ensaios, recolhi material de sete


anos de aulas e seminários sobre meditação, elementares e adian­
tados, dados no Instituto IMyingma. Entre aqueles que fre q u e n ­
taram tais cursos havia profissionais que estudavam novas f o r ­
mas de terapia e de crescimento psicológico, com o tam bém pes­
soas que simplesmente desejavam aumentar sua compreensão
espiritual.
A meditação é um campo comum que reúne interesses va­
riados e múltiplos, é um assunto vasto e com plexo, vo lta d o pa­
ra o desenvolvimento de uma compreensão da mente, uma c o m ­
preensão que pode se estender a todas as nossas experiências.
Meditação não significa retirar-se da vida; ela é uma expansão:
podemos levá-la conosco e enriquecer tudo o que fizerm os, seja
ó que ou onde for.
Este conceito é fundamental aos ensinamentos N yingm a,
que se destinam a propiciar força interior e auto-suficiência. Os
leitores de Gestos de equilíbrio* poderão reconhecer alguns des­
tes temas neste novo volume; mas, enquanto meu p rim e iro v o ­
lume de ensaios foi concebido principalm ente com o uma in tro -

* Publicado pela Editora Pensamento. São Paulo.


dução aos vários aspectos da meditação, A expansão da mente,
corno o tftu io sugere, caminha mais a fundo em direção à natu­
reza da mente.

é de suma importância aprendermos a usar nossa mente


para tornar nossa vida equilibrada e saudável. Hoje em dia, dá-se
muita ênfase à influência que o meio ambiente tem sobre nossa
saúde e sobre nosso estado mental, mas há pouca compreensão
da influência dos nossos estados mentais sobre o meio ambiente.
Quando temos compreensão da natureza da mente, podemos
abordar os problemas da vida de forma segura e integrada, o que
confere uma qualidade saudável a tudo o que fazemos. Nós
nos inter-relacionamos com o mundo à nossa volta de forma
tranquila e fluente.
Por meio da meditação, podemos ensinar nossa mente a
ser calma e equilibrada; dentro desta calma há uma riqueza e
um potencial, um conhecimento interior que pode tornar nossas
vidas infinitam ente plenas de satisfação e de significado. Pode­
mos contatar e fazer uso das qualidades curativas da nossa men­
te. Se é a mente que consegue nos aprisionar em suas armadilhas
de padrões nocivos de tensão e desequilíbrio, é a mente também
que pode nos libertar.
Dentro da mente podemos encontrar o senso de objetivo e
as capacidades que nos permitem trazer significado para as nos­
sas vidas. Podemos aprender a lidar, pronta e eficazmente, com
o que parecia ser problemas insolúveis, ao levar até eles as téc­
nicas simples que aprendemos na meditação. A mente pode se
tornar um instrumento conhecido e ú til que podemos pôr em
uso para o enriquecimento da nossa experiência. Deste modo, à
medida que trazemos equilíbrio ao nosso ambiente interno, nos­
so ambiente externo entra igualmente em equilíbrio. Aprende­
mos auto-suficiência, a liberdade natural da mente.
A tradição Nyingma do Budismo tibetano enfatiza esta a ti­
tude em relação à meditação, que se abre para o mundo. Os en­
sinamentos da tradição Nyingma constituem uma combinação
única do Hinayana e sua ênfase no interesse, esforço e responsa­
bilidade individuais, do Mahayana e sua ênfase no desenvolvi-

14
mento de compaixão e abertura; e do método Vajrayana de
transcender tanto o positivo quanto o negativo, de modo que
tudo o que fazemos se transforma no material com o qual cria­
mos uma vida benéfica e equilibrada. O Vajrayana parece espe­
cialmente moldado às pessoas no Ocidente, que estão constante­
mente enredadas nas preocupações e interesses do mundo co­
tidiano.
Minha esperança é de que este livro venha a ajudar as pes­
soas no caminho do crescimento e da autodescoberta, de modo

15
Dssam, em melhores Condições, fazer face a estes tempos
bados. 0 que temos aqui está longe de ser uma apresen-
com pleta dos ensinamentos Nyingm a, más procurei trans­
as muitas facetas destes ensinamentos e sua visão aberta,
ite é tão vasta quanto o espaço to d o , e o enfoque para sua
compreensão deve ser igualmente am plo.
»

Gestos de equilíbrio despertou uma reação tão positiva en­


tre seus leitores que me senti encorajado a oferecer uma apresen­
tação sobre meditação um pouco mais avançada, neste novo vo ­
lume de ensaios. Aqueles que adotaram Gestos de equilíbrio pa­
ra seus cursos de Budismo e filo so fia deverão, p o rta n to , encon­
tra r m aterial ainda mais ú til em A expansão da mente.
Passei este ú ltim o ano concentrado em escrever, em vez de
lecionar. S into que, a longo prazo, isto será mais ú til para meus
amigos e alunos — um curso term ina em poucas semanas ao pas­
so que um livro pode ser guardado p o r m uitos anos..
Em A expansão da mente cada ensaio fo i escolhido com
uma finalidade: a brir caminhos para que o le ito r se enriqueça
a si mesmo. A fim de apresentar a m aior quantidade possível
de material e to rn a r o te x to tão claro quanto possível, m uitos
dos meus alunos e amigos leram o m anuscrito, u tiliza n d o suas
diferentes formações e interesses para fazer sugestões, com o
o bje tivo de esclarecer e com plem entar a redação e o sentido.
Gostaria de agradecer a todos os que participaram deste p ro ­
cesso. Sou tam bém m uito grato a todas as pessoas da E ditora
Dharma e da Gráfica Dharma que devotaram ta nto s cuidados
à confecção deste livro.
Espero que A expansão da mente seja de valia para m uitos.
Dedico quaisquer benefícios decorrentes deste tra ba lh o à paz de
toda a humanidade
___ £
(_____ ___ )

PARTE I

ABERTURA
APRENDENDO POR MEIO D A EXPERIÊNCIA

A meditação é um modo de abrir nossas vidas para a rique­


za das experiências, e não uma prática esotérica restrita a certas
ocasiões e locais. Quer moremos na quietude do campo ou na
agitação da cidade, a meditação pode, de fato, tornar-se um m o­
do de vida. Neste tip o de meditação, aprendemos a abraçar nos­
sa experiência e a aprender com ela, seja qual for.
Esta forma totalm ente abrangente de meditação, no en­
tanto, não é tão fácil quanto parece, pois implica termos presença
mental em tudo o que fazemos. Do simples ato de levantar, pe­
la manhã, até nossos sonhos, à noite, tudo fica incluído nesta
meditação. Aprendemos a abrir nossos sentidos para cada nuan-
ce da experiência, alertas até mesmo aos mínimos detalhes das
nossas vidas, tais como nosso modo de andar e de falar com os
outros. Desta maneira, aprendemos a nos abrir para a verdade da
nossa experiência. O modo como vivemos, o que está acontecen­
do em nossa vida, como somos afetados por nossa experiência —
este é o campo da realidade e a fonte da atenção pura espiritual.
Podemos cultivar esta atenção pura em cada aspecto da nos­
sa vida — em nosso trabalho, em nossos relacionamentos, e mes­
mo em nossas aptidões. Eles são, todos, mestres em potencial,
para os quais podemos nos abrir e com os quais podemos apren

li)
der, quando enxergamos as possibilidades de crescimento ineren­
tes em tu do aquilo que fazemos.
À medida que aprendemos com nossa experiência, nossa
apreciação da vida aumenta; nossos sentidos se tornam mais agu­
çados; nossa mente se torna mais clara e perceptiva. 0 desenvol­
vim ento da atenção pura, concentração, honestidade, cuidado e
abertura, peide vir a ser uma experiência ilum inadora que irá não
só nos beneficiar, como também edificar qualidades que podem
servir de parâmetro para os que estão à nossa volta.
Conform e nossa atenção pura se desenvolve, todo o nos­
so quadro de referência lentamente se transforma. Vemos as in-
ter-relações entre pensamento e ação, e, como conseqüência,
passamos a ser mais sensíveis em nossa comunicação com os ou­
tros. Nossas observações penetram níveis mais profundos — des­
cobrimos como os sentimentos são produzidos e como os pensa­
mentos funcionam . Quando nossa atenção pura se aprofunda
ainda mais, podemos até mesmo perceber o elo de ligação entre
passado, presente e fu tu ro , e, portanto, aprender a ordenar nos­
sas ações de modo que nossas vidas contenham satisfação e rea­
lização.
No p rin cíp io , todavia, nossa visão é lim itada: não é fácil
determ inar quais serão os resultados dos nossos atos. Podemos
seguir os parâmetros da sociedade, mas poucos deles foram cria­
dos com algo mais do que uma meta ou resultado imediatista
em vista. Assim, embora os resultados das nossas ações pareçam
bons no mom erito, a longo prazo podem se revelar nocivos. Frus­
trados, talvez tentemos im por nossa vontade à situação, to rna n ­
do as perspectivas ainda piores.
A presença mental, por contraste, abre nossa visão para
ações mais construtivas. E a paciência cria espaço para que a
nossa nova visão aconteça. Como um agente secreto, a paciên­
cia trabalha em silêncio para nos proteger, impedindo que seja­
mos envolvidos por ações sem sentido ou pelo desespero. Quan­
do desenvoívèmos conscientemente a paciência, ela pode se to r­
nar uma resposta natural e adequada para cada nova situação;
fortalecemo-nos até mesmo para as ocasiões mais d if ícies.

.•n
Quando o desenvolvimento da paciênci é vigoroso, a
atenção plena brota até mesmo de dentro das nossas negativida-
des, e desta atenção vem a nossa meditação. Vemos que tudo o
que ocorre é uma manifestação de energia, o que, em si, é uma
form a da nossa atenção pura, e nos damos conta de que toda a
experiência, cada uma das vinte e quatro horas do dia, faz parte
da natureza da iluminação • •• %

Esta atenção plena é acessível a todos os que a procuram;


pode sempre ser alcançada pesquisando-se a natureza da expe­
riência. Nossa experiência pode nos levar m uito além do nosso
pensamento, visão e existência comuns. Ela é capaz de nos levar
à própria iluminação.
Quando chegamos a um estado em que somos verdadeira­
mente atentos, somos como uma flo r de lótus: o lótus é puro e
belo, embora cresça no lodo. Desde que estejamos atentos, po­
demos funcionar adequadamente, mesmo em meio às confusões
do mundo. Nossa atitude positiva beneficia tanto a nós mesmos
quanto aos outros; nós vivemos a verdade que adquirimos.
O samsara é como um fru to venenoso. Nós o comemos e
nos deliciamos mas, por fim , ele acabará por nos matar, a menos
que consigamos transmudar o veneno. Nada no nível samsárico
pode, em últim a instância, nos proporcionar liberdade e conten­
tam ento, ou verdadeiramente preencher nossos desejos. Mas,
quando vivemos de acordo com uma visão iluminada, o veneno
não nos prejudica porque o nirvana está “ den tro " do samsara.
Eles são a mesma coisa. Isto, porém, pode ser muito d ifíc il de
compreender, sem prim eiro saber como transmudar emoções e
como transcender nossos obstáculos. Quando conseguirmos isto,
então tudo o que fizermos servirá de ajuda. Mas, até então, em­
bora muitas das nossas atividades possam parecer satisfatórias,
estaremos apenas acumulando mais carma — mais carências e
mais padrões restritivos.

Aluno: Mas você disse que não deveríamos evitar experiência


alguma.*

# Rinpoche é um títu lo tibetano que significa "o mais precioso". Aqui se refere a
Tarthang Tulku. IN .T.)

21
Hinpoche: Isto é verdade, desde que estejamos mais atentos,
desde que estejamos fortes o suficiente para reconhecer as con-
seqüências das nossas ações. Primeiro, porém, precisamos apren­
der como o samsara opera, com o acumulamos d or e frustração.
Começamos a ver que não há nenhuma paz, nenhum prazer, na­
da desejável no modo em que estamos vivendo, e que nossa ex­
periência, de algum je ito , sempre é estragada por preocupação,
culpa ou ansiedade. Uma vez que entendamos isso, vemos que
não há outra alternativa a não ser nos tornarm os iluminados,
nos tornarm os livres do samsara. Não podemos mais retornar à
nossa ignorância.

Aluno: Ainda assim, penso que temos um papel a cum prir na


vida, e que a maioria de nós não pode escapar de estar no m un­
do. Não podemos simplesmente abandonar tudo. No Ocidente,
as circunstâncias legais tornam isto quase que impossível.
Rinpoche: Portanto, temos que aceitar responsabilidade por
nossos compromissos e por nosso carma. O fato de sermos livres
ou não depende da nossa visão e de como atuamos no mundo.
Podemos aprender a transform ar situações negativas. O samsara,
poderíamos dizer, é o nosso campo de treino. O Buda, porém,
ensinou que o samsara não oferece paz alguma. Temos que so­
frer, envelhecer e, por fim , morrer. Todos têm que passar por
isso, mas m uito poucos estão prontos para aceitar esta verdade.
A impermanência é uma das causas que está na raiz do sofrim en­
to, e a ansiedade mental pode parecer ainda mais dolorosa do que
as doenças físicas. Mesmo o mais belo monastério ou tem plo, ou
o mais belo corpo humano, ainda pertence ao samsara, e o sam­
sara acabará por destruí-lo.

Aluno: Mas, ainda que nada perdure, parece im portante desfru­


tar das flores ou saborear tu d o o que fo r impermanente, enquan­
to durar.
Rinpoche: Sim, nosso corpo é como uma casa alugada e, a me­
nos que o utilizemos, não tem valor algum para nós. Mas parece
im portante saber como usar nossa vida de modo construtivo. A
vida é temporária e m uito valiosa. Não temos m uito tempo para
desperdiçar. Podemos usar bem a nossa v id a ... ou desperdiçar
nosso tempo à procura de prazeres e satisfações que apenas au­
mentam nossa ânsia e frustração, quando não os temos. Como
abelhas, podemos ficar indo de flo r em flo r, mas o que iremos
fazer quando todas as flores tiverem murchado? Se aprendermos
a estar totalm ente satisfeitos a cada m om ento, nosso tem po nun­
ca será desperdiçado.

Aluno: Mesmo assim, não vejo uma ponte que possa u n ir posi­
ções separadas com o: de um lado, ignorar ou rejeitar o mundo e,
de o utro , tornar o nosso caminho espiritual parte do mundo e
ajudar as outras pessoas — o ideal do Bodhisattva.
fíinpoche: Precisamos ser capazes de pôr nossas teorias em prá­
tica; precisamos ser capazes de ir além do ego. No entanto, é
m uito d ifíc il a b rir mão do ego. Pode ser que consigamos fazê-lo
por alguns m inutos, mas como poderemos funcio n ar por toda
uma vida, ou mesmo apenas por um dia in te iro sem o ego!
O Buda tinha grande compreensão da mente, em todos os
seus diferentes níveis e estágios de desenvolvimento. Seus ensi­
namentos, portanto, não são lim itados a um único m odo; têm
muitos aspectos diferentes. Um mesmo ensinamento pode ser
uma prática elementar para uma pessoa e, no entanto, uma ins-
truçãOfc.mais adiantada para outra. Há também m uitos ensina­
mentos “ interiores" que são compreendidos de acordo com a
experiência e o entendim ento de cada indivíduo.

/.
Aluno: Quando resolvo olhar o m ündo do ponto de vista do meu
ego e da minha identidade, consigo ver que fu i eu que criei as
situações que me cercam.
fíinpoche: Bom. Mas, aí, qual é a sua situação e o que você faz
com ela?

Aluno: Meu ideal, e às vezes a minha ação, é praticar a ação


correta, m otivado por amor e p or compreensão.
fíinpoche: Mas, para praticar-a ação correta, você precisa estar
atento a cada m om ento. Como você começa?

23
Aluno: 0 tem po todo.
Rinpoche: Sim, mas isto é uma grande tarefa. Somente uma pes­
soa m uito desperta consegue praticar a ação correta em relação
a cada pensamento, sem exceção. Não são muitas as pessoas que
conseguem isto. Podemos estar crescendo em sabedoria e conhe­
cim ento a cada dia, mas o processo ainda requer um espaço de
tem po m u ito grande e é m uito trabalhoso. É preciso que ele seja
mais im portante para nós do que todas as outras coisas.
Sua atitude é m uito positiva e não quero desencorajá-lo,
mas mesmo o Mahayana diz que se leva trinta e três kalpas —
muitas e muitas vidas — para se chegar à iluminação. Podemos
ver a im portância de agir sempre com sabedoria e, até mesmo,
tentar fazer isto, mas nossos apegos ainda se interpõem em nos­
so caminho. Às vezes a nossa boca é mais rápida do que o nosso
coração.

Porém, de acordo com o Mahayana, uma vez que o desejo


de nos tornarm os iluminados nasce na mente, algo acontece in ­
conscientemente dentro de nós. A p rin cíp io , talvez vamos mes­
mo trabalhar contra este desejo e criar mais sofrim ento para nós,
mas é por interm édio deste sofrim ento que poderemos elim inar
m uitos obstáculos e despertar.
Quando começamos a buscar a iluminação, não há com o
voltar atrás; a influência positiva desse desejo pela iluminação é
m u ito grande. Mas precisamos aprender como proceder da fo r­
ma mais eficaz. Nossas intenções podem ser boas, mas colocá-
-las em prática talvez seja d ifíc il. 0 que você .faz com seus ape­
gos samsáricos à comida, diversões ou namoradôs?

Aluno: Comecei a me desapegar dessas coisas.


Rinpoche: Você as rejeita? De que modo você se desapega?

Aluno: É uma a titu d e ...


Rinpoche: Pode ser que a sua insatisfação o esteja levando a re­
nunciar aquilo de que você, na verdade, não gosta. A insatisfa-
ção é m uito diferente do desapego. Podemos facilm ente a b rir
inflo do que achamos insatisfatório, mas é d ifíc il renunciar o u ­
tras coisas. Comer, d o rm ir, divertir-se é m uito im portante pa­
ra nós. Se você elim ina a diversão, então o que lhe sobra?
O mundo está sempre conosco. Mas não sabemos o que ele
vai nos apresentar amanhã: está em constante mudança. Talvez
estaremos nos sentindo alegres ou felizes, ou passando por so fri­
mento e dor. Em outras palavras, não podemos confiar que os
nossos sentimentos permanecerão os mesmos de um dia para o
outro. Amanhã pode ser um dia m uito sereno, e talvez você se
sinta m uito feliz exatamente como está.

Aluno: Às vezes, quando me sento para meditar, a meditação


não parece m uito im portante. O mundo parece mais im portante.
O que quer dizer isto?
Rinpoche: Talvez você esteja começando a tocar a si mesmo. 0
mundo ó im portante — você tem que oferecer ajuda. Encoraje-
-se a não se isolar em sua meditação, mas a estender a mão em
direção aos outros. Quando fazemos da compaixão a nossa prá­
tica, nos tornam os plenos de alegria.

Aluno: Então, tu d o o que eu faça, não impoica o que, ainda é


samsárico.
Rinpoche: Talvez isto seja tudo o que exista.

Aluno: O que estou descobrindo é que o modo como venho vi­


vendo e as coisas que tenho feito, na melhor das hipóteses, ain­
da me deixam vazio.
Rinpoche: Sim. Em últim a análise, tudo é vaziu. Este é o ensi­
namento básico. Mas este ponto de vista não é necessariamente
negativo. O Budismo não é uma filosofia negativista. Ao falar
sobre sofrim ento, o Budismo está apenas tentando lidar com
as coisas da maneira como elas são. Os ensinamentos nos aconse­
lham a compreender nosso sofrim ento de form a completa, para
que não mais precisemos dele.
Freqüentemente, nós nos impedimos de ver nossa situação
com clareza; não queremos assumir responsabilidade por nossos
atos. Ou, então, temos medo de mudar, porque isto ameaça de­
mais a nossa segurança. O sofrim ento pode ser o único modo de

25
podermos acordar e ver claramente a natureza da nossa condição
samsárica. Quanto mais prontos estivermos para a d m itira reali­
dade do sofrimento em nossas vidas, tanto mais necessário se
torna fazer algo sobre esta questão.

Aluno: Nós somos ocidentais, sem um modelo tradicional pa­


ra estes entendimentos. Como podemos ganhar a abertura de
que precisamos para viver em sociedade?
Rinpoche: Penso que os ocidentais estão em condições de enten­
der automaticamente muitos dos ensinamentos básicos do Buda,
porque aqui há uma grande quantidade de frustração. Podemos
compreender uma porção de coisas apenas estudando nossa pró­
pria experiência na vida. O p róprio Buda adquiriu sabedoria em
função do curso natural de sua vida. Mas este caminho demora
m uito, de modo que podemos querer nos beneficiar dos ensina­
mentos do Buda. Com freqüência, porém, os ocidentais têm o
conceito de que o Budismo é uma ''re lig iã o ''; de que é preciso
crer cegamente, sem compreensão; de que é preciso seguir as re­
gras de alguma outra pessoa. Mas o Budismo ou o Dharma é, na
verdade, a compreensão da realidade; ele pode ser constatado
por meio da nossa própria experiência.

Aluno: Parece que estou estudando a mim mesmo, não uma re­
ligião.
Rinpoche: Esta é a razão pela qual o Budadharma pode ser a p li­
cável a todas as pessoas. Todos os seres vivos têm a oportunida­
de de experimentar, por si próprios, a verdade do que o Buda
descobriu.
A A U T O -IM A G E M

O estado natural do nosso ser é a atenção plena: uma aten­


ção que não é voltada para uma dada coisa, mas que é um esta­
do de experiência pura que abrange todas as coisas. Dentro da
atenção plena, nossa mente é equilibrada, leve, livre e flexível.
Não somos, no entanto, capazes de permanecer dentro desta
atenção plena, pois nossa inclinação imediata é querer saber
quem está vivendo o quê. Em conseqüência, a atenção plena ce­
de lugar à nossa consciência comum, que divide nossas percep­
ções em sujeito e objeto, criando como sujeito uma ''auto-im a­
gem'', o "e u ". Mas o que é, na verdade, este "eu "? Será que po­
demos, de fato, encontrá-lo em algum lugar na mente? Quando
olhamos com cuidado, vemos que o "e u " é simplesmente uma
imagem que a mente projetou. Este "e u " não tem realidade al­
guma em si; no entanto, nós o tomamos como real e o deixamos
gerir as nossas vidas. 0 "e u ", então, obscurece nossa atenção ple
na e nos separa da nossa experiência, dividindo-a em um pólo
subjetivo e um objetivo.
Sob a influência da auto-imagem, perpetuamos ost» orlon
taçfío sujeito-objeto. Tão logo nos identificamos, começam as
comparações; logo em seguida surgem tendências A posso e no
egoísmo. A mente, então, põe se o fazer discriminações e jolgn
mentos que provocam conflitos, A mito Imagem fornece energia

y/
a estes conflitos, e estes co nflitos, por sua vez, alim entam a au­
to-imagem. Deste modo, a auto-imagem perpetua-se a si mesma,
tendendo a filtra r as experiências de form a a só p e rm itir espaço
para que as suas próprias estruturas rígidas funcionem . Desprovi­
da de abertura e de aceitação, a auto-imagem nos aprisiona em b lo ­
queios e limitações. O flu x o natural da nossa energia fica in te r­
rom pido, e a nossa sensibilidade de resposta, bem como a p ro ­
fundidade da nossa experiência, ficam com sua am plitude seria­
mente tolhida.
A fim de nos libertarm os da interferência da auto-imagem,
e para que o nosso e q u ilíb rio natural tenha espaço para atuar,
precisamos prim eiro ver que a auto-imagem não é uma parte au­
têntica de nós mesmos, que nós não precisamos dela, e que, de
fa to , ela obscurece o nosso verdadeiro ser. Uma form a de conse­
guir isto é dar um passo atrás e observar nossos pensamentos,
sempre que estivermos em meio a fermentação emocional.

Mesmo quando estamos m u ito perturbados, é possível nos


separarmos da dor da emoção. Recue um pouco e, de fato, olhe
para a dor. Com este conhecim ento, você pode ver que a p e rtu r­
bação é, na verdade, causada pela auto-imagem. Talvez você até
veja que m uito de sua infelicidade resultou do fato de a auto-
-imagem levá-lo a ter expectativas que não poderiam ser preen­
chidas. A auto-imagem é, ela própria, um tip o de fantasia, de
modo que ela tende a co nstru ir um mundo de fantasias. Este
fantasiar levanta uma quantidade m u ito grande de energia, e,
quando estas fantasias não se realizam, a energia fica bloqueada
e se transform a em frustração.
Somos capazes de encontrar to d o tip o de razões racionais
para as nossas dificuldades, mas um exame honesto pode ir
além destas razões e descobrir que a nossa infelicidade advém da
identificação com a auto-imagem e do cum prim ento de suas im ­
posições. A auto-imagem nos dom ina e nos controla, de manei-
r.i que ficamos presos por sua força e perdemos nossa indepen­
dência.
Mesmo quando enxergamos a dificuldade da nossa situação
o tentamos conscientemente p õ r fim ao nosso sofrim ento, nossa
nulo imagem muitas vezes nos leva a continuar a repetir expe-

Vtí
riências dolorosas. Pode ser que não queiramos realmente mudar.
0 apego a uma auto-imagem é poderoso: talvez não queiramos
buscar novas alternativas porque pressentimos uma possível
perda da nossa “ identidade".
Com frequência, nós realmente nos agarramos ao nosso so­
frim e n to , pois o sofrim ento parece oferecer mais segurança do
que uma abertura para mudanças efetivas. C ontudo, para expe­
rim entar felicidade verdadeira e equilíbrio em nossas vidas, te ­
mos que a b rir mão da causa que está na raiz do nosso so frim e n ­
to : a auto-imagem.
No m om ento em que deixamos de servir a auto-imagem e
suas necessidades, todas as nossas dificuldades desaparecem, e
nossa energia é liberada para flu ir sem empecilhos. Esta energia
pode então ser utilizada para incrementar, ainda mais, a com ­
preensão de nós mesmos.

Volte-se para dentro de suas emoções e, intencionalm ente,


faça-as fica r tão vívidas quanto possível, deixando que as sensa­
ções cresçam mais e mais em intensidade. Olhe como a natureza
da auto-imagem é de querer agarrar: está sempre com exigências,
sempre querendo cada vez mais. Ao alimentarmos a auto-im a-
gem, perpetuamos aquilo que nunca poderemos essencialmente
satisfazer. Por fim , temos dificuldade em encontrar qualquer t i ­
po de satisfação, pois a tendência a agarrar transform a a satisfa­
ção em frustração.
A frustração leva a sentimentos negativos, mas qualquer ne-
gatividade c o n flita com a qualidade positiva inerente à energia
mental. A transform ação dos sentimentos negativos ocorre na­
turalm ente quando cultivam os uma atitude positiva e de aceita­
ção em reiação a todas as experiências. A energia que d a í resul­
ta pode nos to rn a r mais criativos, mais atentos, mais abertos pa­
ra aprender. Essa energia pode se opor à ação da auto-imagem,
que se alim enta de negatividade e redobra suas forças a cada frus­
tração que atravessa.
Assim que passamos a conhecera auto-imagem p o r aquilo
que ela é, sabemos que podemos mudar, que podemos desen­
volver fle xib ilid a d e em nossas atitudes, sem renunciar a nada.

29
Esta mudança é possível porque nossa consciência, por natureza,
não é fix a , mas flexível.

Podemos desenvolver esta flexibilidade quando adotamos


uma nova perspectiva. Por exemplo, toda vez que você se sentir
infeliz, diga: "E sto u fe liz ." Diga isto de forma vigorosa para si
próprio, mesmo que os seus sentimentos o contradigam. Lem-
bre-se, é a sua auto-imagem que está infeliz, nãofvocê. É possí­
vel passar instantaneamente para uma atitude feliz,e equilibra­
da, e a í permanecer, pelo fa to de acreditarmos nela. Existe essa
escolha quando estamos abertos a uma atitude positiva. Toda a
nossa qualidade interior pode mudar, mesmo que as condições
externas não mudem.
Uma outra forma de nos contrapormos à auto-imagem é
mergulhar na infelicidade, senti-la e acreditar nela e, então, m u­
dá-la para felicidade, rapidamente, eletricamente, como um pei­
xe que corisca na água. Primeiro, seja a experiência, aceite-a por
com pleto. Então, salte para o extrem o oposto. Como é isto? É
possível ver claramente as diferenças entre a experiência p o siti­
va e a negativa, e, por vezes, viver ambas ao mesmo tempo. A o
saltar m entalmente do positivo para o negativo, e depois saltar
de volta, é possível ver que ambos são manifestações da atenção
plena, e como tal têm uma energia "n e u tra " que pode ser usada
em qualquer direção.
No in íc io , tente adquirir habilidade no emprego dessa
técnica de comutação. Você pode ver o que está sentindo ago­
ra e como estava antes, às vezes sentindo as duas situações d ife ­
rentes simultaneamente. Esta técnica, assim, ensina a aceitação,
tornando possível termos sentimentos positivos em relação a
qualquer experiência que ocorra.

A escolha é nossa: seguir a auto-imagem, que nos faz seus


prisioneiros, ou desenvolver uma atitude positiva que traz leve­
za, plenitude e inteireza. No lado positivo, nenhuma expectati­
va, nenhuma frustração, nenhuma auto-imagem dominadora nos
intua do m om ento imediato do nosso ser. Os obstáculos e as dis-
ii lições não mais dividem nossos sentimentos e nossa mente. Es­
tamos em equil íb rio e nos sentimos por inteiro, exatamente co ­
mo somos.
Podemos escolher nosso ambiente mental, não im porta a
situação em que nos encontremos. E optar pelo e q u ilíb rio dá
propósito à vida. A escolha cabe a nós: temos apenas que esco­
lher o caminho da liberdade.

31
c

A AUTOTRANSFORMAÇÃO

O padrão da vida é a frustração: ele lança uma sombra so­


bre o nosso lazer e o nosso trabalho. Embora nossa vida possa
parecer feliz na superfície, talvez uma sensação profunda de in ­
satisfação ou de não conclusão persista por debaixo desta super­
fície ; uma sensação para a qual não conseguimos encontrar uma
causa definida. Todavia, quando refletim os, vemos que esta sen­
sação vem do fa to de sabermos que não estamos usando nossa
vida de modo tão p ro d u tivo quanto poderíamos. É tão fácil
adiar aquilo que sabemos ser im portante ou mesmo significativo
para as nossas vidas. Mas, esperar pelo fu tu ro é com o esperar
por um ônibus que nunca vem. A menos que comecemos logo a
fazer o que sentimos ser im portante, não vamos chegar a parte
alguma. Pormo-nos em ação, porém, não é uma tarefa fácil, p o r­
que significa assumirmos o comando das nossas vidas e apren­
dermos a ser honestos conosco, de uma form a a que não esta­
mos acostumados.
Sem que percebêssemos, desenvolvemos padrões de co m ­
portam ento que vieram a adquirir força própria. Mais tarde, n o ­
tamos, com surpresa, que esta força, o carma, num sentido real,
assumiu a direção da nossa vida de uma form a quase que a u to ­
mática, e notamos que nos perm itim os perder o co ntro le sobre
os rumos da nossa vida. Nossas oportunidades nos escapam, e
OBte escapar também form a um padrão; o resto de nossa vida po-

32
de consistir simplesmente em viver segundo padrões que não
têm nenhum propósito real.
Esta perda de co ntro le ocorre de formas sutis, mas d e fin i­
das. Por exemplo, deixar de fazer aquilo que sabemos que deve­
mos fazer reforça um padrão de nos esquivar. Esta relutância
se torna um hábito. Começamos autom aticam ente a evitar qual­
quer coisa que seja, mesmo ligeiram ente,-difícil ou desagradável
— oportunidades produtivas e desafiadoras podem ficar perdi­
das, pois o padrão de esquiva tom a as decisões por nós. À me­
dida que o padrão se fortalece, nós nos enfraquecemos ainda
mais.
Conform e o tem po passa, estes padrões ficam mais e mais
fortes, e continuam até mesmo ao longo de outras vidas, quer
nos recordemos delas ou não. Isso é o carma, e ele faz parte do
processo da vida. Devido ao carma, é cada vez mais d ifíc il al­
cançarmos nossos objetivos, encontrarm os preenchimento ou
progredirmos espiritualm ente. Nossas vidas não são verdadeira­
mente saudáveis; no entanto, temos estes padrões tão introjeta-
dos — por menos saudáveis que sejam — que não é fácil mudar.
Sem que nos déssemos conta, esta estruturação de padrões pas­
sou a fazer parte de nós.

Como podemos desfazer estes padrões? Primeiro, precisa­


mos reconhecê-los, simplesmente. Então, pela identificação dos
nossos hábitos, podemos elim inar o poder velado que eles têm
de determ inar nossa vida. Isto pode pôr fim às nossas desculpas
e dar in ício a uma responsabilidade honesta e ativa por nossa
vida — em substituição à tendência de ansiar passivamente por
um lugar perfeito, um Shangri-lá, onde a vida seja isenta de pro­
blemas.
Não podemos m udar do dia para a noite, mas podemos co­
meçar um processo que irá a d q u irir im pulso, um processo que
nos dará uma qualidade sólida e autêntica que ajuda a nos to r­
narmos mais vitais, mais equilibrados. Começamos pelo ro m p i­
mento dos padrões de esquiva. Podemos nos concentrar, com re­
gularidade, sobre o trabalho que não queremos fazer, e então
m editar inform alm ente sobre as emoções que surgem ao reali­
zarmos este trabalho — emoções com o raiva e frustração.

33
Fique com uma destas emoções; sinta seu sabor por meio
da meditação. Pratique até que um sentimento surja por trás da
emoção original, um sentim ento que se manifesta, a p rin c íp io ,
como um aperto físico ou tensão. À medida que você continua
a penetrar em sua resistência, talvez o sentimento se in te n s ifi­
que. Por fim , você reconhecerá o sentimento com o sendo medo.
O medo é fugidio. A maioria de nós não aceita de p ro n to
que o medo dirija as nossas escolhas e as nossas ações. A sensa­
ção de estarmos no controle da nossa vida faz parte da nossa tão
querida auto-imagem, uma auto-imagem que queremos proteger.
Nós nos sentimos seguros com nossos padrões estabelecidos; te ­
memos o incerto e o desconhecido como ameaças a estes pa­
drões. Quando cedemos a este medo, mesmo sem estar ciente
dele, nós o reforçamos. Assim, o medo cria mais medo e se trans­
forma numa sutil força propulsora. 0 que talvez nos pareça
uma situação sobre a qual não tenhamos nenhum controle pode,
na verdade, ser o nosso medo de nos pormos diante do que está
dentro de nós. Este medo pode permear toda a nossa vida.
Quando entramos em co nta to com o nosso medo e o reco­
nhecemos, podemos ver que a maioria das nossas racionaliza­
ções, os nossos insignificantes gostos e aversões, mesmo as pe­
culiaridades de personalidade que tanto apreciamos, são simples­
mente esquemas de sustentação do ego que servem para escon­
der o fato de que cedemos ao medo. Estas propensões, aparente­
mente inofensivas, mostram seu real poder como padrões cárm i-
cos em ação — padrões que encobriram tão astutamente nossa
verdadeira motivação que perdemos a capacidade de ser efetiva­
mente honestos com nós mesmos. Quando adquirimos essa co m ­
preensão, precisamos põ-la em prática, pois é a esta altura que
temos conhecimento e oportunidade para romper nossas lim i­
tações.

A fim de quebrarmos estes padrões, é preciso que e xperi­


mentemos nosso medo diretam ente. Podemos questionar o
próprio conceito de medo, penetrando-o por meio da m edita­
ção. Entramos dentro do nosso medo. À medida que nossa
consciência ingressa na emoção, paramos de rotular a sensação
com medo, e nos damos conta de que o que estamos sentindo é

34
simplesmente energia. A tensão circundante então se parte, per­
m itindo-nos relaxar e liberar essa energia. Essa liberação nos dei­
xa calmos e em paz conosco.
Quando atravessamos o medo na meditaçãc, podemos
aprender a ser eficazes em situações nas quais, antes, não conse­
guíamos sequer agir. Podemos rom per com o nosso "não querer
fazer". Precisamos apenas contatar a sensação destas situações
de forma dire ta : com paciência, tranqüilidade, confiança. Este
padrão é genuinamente sadio e nos capacita, de fa to , a determ i­
narmos as nossas ações e as nossas vidas.
Ao compreender os padrões do carma, fazemos da vida
uma enorme oportunidade. A existência humana é preciosa;
quando nos libertam os das nossas respostas automáticas, pode­
mos entender o potencial ilim itado dela. É apenas uma questão
de encontrarm os os locais de silêncio que estão além dos pa­
drões, de entrarm os em contato com a nossa verdadeira nature­
za e, então, n utrirm os seu crescimento. Realizamos isto apren­
dendo a ser honestos conosco. Embora este rom pim ento de ve­
lhos padrões não aconteça em um dia, ele virá quando, m om en­
to a m om ento, aprendermos a manter e q u ilíb rio em nossas
vidas.

35
TRANSFORMANDO O MEDO

Desde a infância, com o medo do escuro, até a velhice,


com o medo da morte, o medo é uma parte normal das nossas
vidas. Mas, suponhamos que questionássemos nossos medos.
Quando estudamos o medo com calma, fazemos uma descoberta
notável: o medo é uma criação da nossa mente. Nós rotulamos
um determinado sentimento de "m e d o ", atribuím os a ele uma
natureza e uma definição específicas e estabelecemos regras so­
bre como vamos reagir a ele. Criamos um padrão de sentir medo
que assume uma realidade toda própria.
Simplesmente entender as "razões" dos nossos medos, nu­
ma tentativa de controlá-los, alcança apenas os sintomas, não a
causa. A origem verdadeira do nosso medo encontra-se em nos­
sa mente — acrescentar mais pensamentos e conceitos somente
ajuda a sustentar o padrão do medo. Precisamos de uma atitude
diferente.

O medo não é nada, a não ser energia mal-aplicada, uma


projeção mental, uma idéia. Quando o nosso corpo reage ao me­
do, ele próprio não sente medo. O medo vem dos conceitos e
pensamentos que aprendemos a associar com esta reação. A pe­
sar de não poder existir com o uma entidade sólida, um conceito
pode ser tão convincente que passamos a acreditar nele; quando

36
acreditamos nele, damos ao conceito poder sobre nós, quer ele
seja real ou não.
A sombra do medo está sempre escondida no vão que exis­
te entre os nossos mundos subjetivo e objetivo. Temos medo de
nos perder, de perder nossa identidade. Somos tão apegados aos
nossos conceitos de quem e do que somos que temos medo de
sua possível ruptura.

Podemos afrouxar um pouco a garra do medo sobre nós


por meio da meditação. A meditação relaxa nossa orientação su­
jeito-objeto habituai; na meditação, o diálogo interno é silencia­
do e, quando os pensamentos surgem, não os seguimos nem f i ­
xamos interpretações neles. Assim, quando o medo ou qualquer
outro pensamento aparece, simplesmente deixamos que venha e
vá, permanecendo relaxados e calmos. Podemos deixar o medo
passar por nós, e o estado m editativo continua, sem perturbação.
No entanto, a meditação também pode desobstruir vários
bioqueios, de modo que, às vezes, libera energias potentes. Não
habituados a este flu x o poderoso que vem à tona, podemos pen­
sar que ele traz alguma ameaça. Então, rotulam os esta manifes­
tação de medo e damos-lhe uma forma. Agora, temos que rom ­
per e atravessar o pensamento do "m e d o " para descongelar estas
energias.

Lembrar que o medo é apenas uma associação é algo que


ajuda; o medo não existe até que um sentimento seja rotulado e
objetificado com o tal. Quando conseguimos abrir mão dos nos­
sos conceitos e expectativas, não há nada de que se te r medo.
Ao observarmos nossos medos, podemos ver que eles não cons­
tituem urna parte essencial da nossa natureza, mas são, sim, pa­
drões que construím os. O simples reconhecimento do padrão do
medo ajuda-nos a entender como estamos sendo enganados e
aprisionados por uma ilusão. Com esta compreensão, podemos
relaxar e começar a nos abrir para a energia que há dentro dos
nossos corações; podemos encarar nossos medos de form a dire­
ta. Isto é um sinai de que fizemos, da nossa experiência, nossa
meditação. Nós nos abrimos para novos aspectos da experiên­
cia, confiantes em nossa meditação e em sua elasticidade.

37
Ver que os nossos medos nada fazem, a não ser restringir
nossa energia, pode nos dar um poder e uma força fantásticos,
possibilitando-nos descobrir o verdadeiro dinamismo da nossa
consciência. Nada no mundo físico pode nos proteger dos obje­
tos do medo; transcender o próprio medo por meio da m edita­
ção é a nossa verdadeira proteção.

Há m uito tempo, no Tibete, aqueles que queriam vencer o


medo iam de fato aos cemitérios e dorm iam entre os cadáveres.
Eles deliberadamente deixavam que sua imaginação se desen­
freasse até que ficassem aterrorizados e, então, confrontavam o
medo e tentavam integrá-lo em sua mente. Ao penetrar o medo,
conseguiam fazer uso da grande força localizada dentro do seu
ser e utilizá-la para meditação. Desta form a, cultivavam liber­
dade do medo.
A insubstancialidade do medo pode ser compreendida filo ­
soficamente, mas isto não nos serve m u ito . Precisamos entender
experiencialmente o que é o medo. Então, a vida passa a ter um
sentido lúdico.

Há uma história verídica sobre um lama que estava apren­


dendo a ser um chod praticante, uma pessoa que aprende a d o ­
minar todos os medos. 0 treinam ento chod requer de três a
quatro meses de prática, ao final dos quais o aluno vai sozinho
a um cemitério todas as noites por uma semana, e a í executa
uma certa prática. 0 aluno carrega consigo um tam bor chamado
damaru, um sino e uma trom beta feita de ossos humanos, que é
utilizada para chamar os demônios. Quando soa a trom beta, o
aluno conclama os demônios: "V enham , comam o meu c o rp o !"
Os aldeões sempre ficam amedrontados quando ouvem as tro m ­
betas soarem.

O cemitério para o qual este lama fo i mandado ficava num


vale coberto de grama, cercado por altas montanhas. Era um lo ­
cal solitário e batido pelo vento, vazio exceto por formações de
rocha nua e uivos de cachorros selvagens.
Bem, este lama vinha se gabando de seus poderes. Por três
dias não parara de falar, contando com o os demônios tinham

38
vindo até ele e como os subjugara. Era um homem m u ito orgu­
lhoso, mas m uitos o respeitavam porque tinha poderes de cura.
Na últim a noite de sua semana no cemitério, um grupo de jo ­
vens lamas, que não gostavam dele, decidiu espiar e ver exata­
mente como ele executava sua prática.

Os cemitérios no Tibete são lugares assustadores. Os corpos


são colocados sobre rochas, amarrados em estacas e abandona­
dos aos abutres. Os abutres deixam o cabelo e os ossos. Há um
odor forte e fétido.
Os jovens lamas, escondidos atrás de um am ontoado de
grandes rochas, viram o praticante do chod ir até o centro do ce­
m itério, onde colocou uma almofada sobre uma pedra e se sen­
tou. Quando já tinha escurecido, o lama começou a soar sua
trom beta e a bradar: 'T o d o s os demônios, venham! Todos os
deuses, venham! Comam os meus braços e pernas! Estou pronto
para entregar todo o meu corpo a vocês!" Em voz alta, chamou
repetidas vezes: "Dem ônios, venham até mim agora; comam o
meu c o rp o !" Ele se pôs a rezar m uito seriamente e a recitar
mantras.

Os jovens lamas cobriram seus rostos e mãos com uma pas­


ta de enxofre, de modo que ficaram brilhantes. Então, assobian­
do baixinho enquanto se moviam, puseram-se a rastejar lenta­
mente em direção a ele. De início, ele nada notou: estava m uito
ocupado em tocar sua trom beta e a rezar aos brados. Então, viu
os rostos brilhantes sobre a grama, movimentando-se em sua d i­
reção, de todos os lados. Começou a tocar sua trom beta e a ba­
ter seu tam bor cada vez mais alto. De novo, olhou em volta ner­
voso, e passou a rezar mais e mais rápido. Mas os rostos b rilh a n ­
tes se movimentavam para mais e mais perto.
Finalmente, ele jogou tudo para o ar e, segurando as, saias
da sua túnica, saiu correndo, deixando cair seu damaru. O dama-
ru e o seu sino quebraram-se, e ele fugiu apavorado do cem i­
tério.

No dia seguinte, os professores do lama, como de costume,


perguntaram sobre sua experiência da noite anterior. Também

39
perguntaram onde estava seu belo damaru, com o qual havia re­
zado pela manhã. Nas manhãs de todos os dias anteriores, ele
havia contado como conversara com demónios e com que es­
perteza os havia subjugado. Mas, desta vez, nada disse. Mais
tarde, desistiu da prática do chod por com pleto.

Quando praticamos, âs vezes parece que existem demônios


reais e medos reais. Podemos controlá-los como simples eventos
mentais, mas, quando surgem situações atemorizantes, fica mais
d ifíc il fazer face ao medo. Podemos não ser atacados por demô­
nios em form a física, mas há toda uma série de diferentes obs­
táculos que podem surgir; embora não tenham substância algu­
ma, quando os aceitamos como reais, nós os tornamos reais.
Assim que vemos problemas surgindo, podemos agir; quan­
do estamos sempre alertas aos obstáculos, podemos desafiá-los
logo cedo e nos proteger. Considerem a morte. Não gostamos
nem mesmo de pensar sobre ela; contudo, chegará um tempo
em que seremos separados do nosso corpo, quando nos encon­
traremos sós em nossa consciência. Ao final, nossas vidas parece­
rão como o sonho de uma noite — um sonho m u ito longo, com
todos os tipos de experiência, mas, ainda assim, um sonho de
uma só noite.

O fato de que temos que m orrer não é uma idéia agradável,


mas se superarmos nossa relutância em pensar sobre ela e desen­
volvermos consciência da m orte, poderemos nos proteger do me­
do e da confusão mental que sobrevêm quando a morte nos pe­
ga de surpresa. De repente, somos forçados a abrir mão de nos­
sa fam ília, amigos, entes queridos e pertences. Quando a morte
chega, nada pode nos ajudar: nessa hora, nossa inteligência,
nossa beleza, nosso dinheiro e nosso poder não têm nenhuma
serventia. Nós compreendemos, novamente, o quanto o mundo
é bolo — os jardins, as árvores, as montanhas, as pessoas — ea esta
compreensão segue-se a profunda mágoa de que somente aprecia-
mo:» <i vida, de verdade, quando estamos prestes a morrer. A vida
é inacreditavelmente bela. Mas temos que deixar este lugar maravi­
lhoso; não podemos sequer levar conosco o nosso corpo.

40
0 medo da m orte é extremamente poderoso; é, de longe,
mais intenso do que qualquer outra emoção. Quando estamos
frente à morte, podemos tentar ignorá-la ou rezar, mas, de fato,
nada ajuda. Ainda mais potente do que a dor física é a dor do
medo. Até a palavra "m o rte " nos parece assustadora, visto que
denota um fim . Podemos acreditar que a consciência e o corpo
são a mesma coisa e que, se o corpo morre, então a consciência
deve cessar também. Mesmo se acreditamos que a nossa consci­
ência sobrevive depois que o corpo morre, sabemos que na m o r­
te eles têm que se separar, e a idéia de abrir mão do nosso corpo
nos faz sentir m uito perdidos e amedrontados.
Todavia, à medida que aumenta nosso entendimento do
significado da existência humana, é possível ver que a m orte não
é uma separação mas, sim, uma transformação. Quando conse­
guimos ampliar nossa perspectiva, podemos ver que a vida não
pode ser perdida e não pode desaparecer. Conforme o entendi­
mento cresce, o medo declina. A morte se torna um excelente
mestre.

Vida e m orte constituem partes de um processo in d e fin i­


damente co n tín u o de mudança e recriação sutis; este processo é
como uma roda sempre a girar. Uma vez que tenhamos estabele­
cido nossos padrões cármicos, não temos, conscientemente,
que dar impulso à roda — ela gira por si própria. Quando come­
çamos a compreender este processo, aí a morte não parece mais
tão assustadora, porque sabemos que vamos ter uma outra o p o r­
tunidade, enquanto a roda continua a girar. Como no caso de
qualquer medo, é o ró tu lo que gera o medo, não o objeto do
medo em si mesmo.
Quando desistimos de ro tu la r nossas experiências como
sendo de alegria ou dor, juventude ou velhice, vida ou m orte —
podemos encontrar nelas um certo interesse desapegado. Pode­
mos até ter uma atitude lúdica em relação a elas. Podemos nos
colocar em diferentes perspectivas segundo a nossa vontade;
nenhum medo de uma experiência em particular nos domina.
Neste nível, morte se torna apenas mais uma palavra para mais
uma experiência.

4 I
Infelizm ente, nos Estados Unidos, a m orte é um assunto
tabu. Seria de ajuda para nós se a m orte fosse reconhecida mais
abertamente como parte natural da existência, e não com o uma
grande tragédia. Ao entender a impermanência da vida, pode­
mos valorizar plenamente cada momento. A consciência da m o r­
te nos ensina a desfrutar a vida, não possessiva ou em ocional­
mente, mas com simplicidade, preenchida pela beleza e c ria tiv i­
dade de um viver pleno.

A medida que nos damos conta da nossa responsabilidade


em fazer o m elhor de nossas vidas, podemos lidar mais facilm en­
te com a idéia da m orte. Quando encaramos a m orte com o uma
transformação e não como um fim , o medo generalizado da m o r­
te perde seu poder sobre nós, e a energia até então presa no me­
do deixa de ficar bloqueada. Podemos então usar esta energia
para te r uma percepção mais intensa da beleza inerente à rica
textura da nossa experiência. Não teremos ressentimento algum
quando chegar o m om ento da nossa morte. Saberemos que faze­
mos parte da natureza da existência, parte do cosmos, na vida
atual e depois.
Nosso corpo humano é um veículo precioso decrescim en­
to e experiência, o único meio pelo qual podemos nos ilum inar.
Mas precisamos u tiliza r nosso corpo humano para este fim , pois,
na hora da m orte, nossa melhor companheira é uma mente ilu ­
minada.
Nossa tarefa, portanto, é fortalecer nossa meditação, fazer
da nossa mente um cristal, de sorte que não haja separação entre
o interno e o externo. Então, "om alguma compreensão da n atu ­
reza da iluminação, todos os medos se dissolvem, inclusive o
mais poderoso dos medos, o medo da morte. Os canais que le­
vam à iluminação se abrem e todo o nosso ser se transform a.
Antes, estávamos dorm indo um sono inquieto, cheio de medo;
agora, estamos acordando. Assim que estivermos inteiram ente
despertos, iremos compreender a qualidade ilum inada da nossa
mente natural.
M E D IT A Ç Ã O : D E IX E SER O QUE F.

O ensinamento do Buda corresponde a um modo de vida.


É um caminho para se viver uma vida equilibrada, serena e p ro ­
veitosa: um caminho que nos oferece uma saída para a série in ­
findável de problemas e lutas que enfrentamos na vida. Pode­
mos descobrir este caminho na meditação, uma via que nos abre
para o significado da iluminação.
Embora a meditação seja, na verdade, m uito simples, é fá ­
cil nos confundirm os com as muitas e diferentes descrições das
prática^ meditativas. Esqueça-as todas e apenas sente-se em si­
lêncio. Fique m uito quieto e relaxado, e não tente fazer nada.
Deixe tudo — pensamentos, sentimentos e conceitos — passar
por sua mente, sem atrair sua atenção. Não agarre as idéias ou
pensamentos à medida que vêm e vão, nem tente manipulá-los.
Quando você acha que tem que fazer alguma coisa em sua me­
ditação, apenas a torna mais d ifíc il. Deixe que a meditação se
faça por si mesma.
Depois de ter aprendido a deixar os pensamentos passar
por você, eles dim inuem de velocidade e quase desaparecem.
Então, atrás do flu xo dos pensamentos, você sentirá uma sen­
sação que constitui a base da meditação. Quando entrar em co n ­
tato com este lugar silencioso que há por trás de seus diálogos
internos, deixe que sua consciência deie fique mais forte. Você
pode simplesmente repousar nesta quietude, porque, nela, não

43
[iá nada a fazer; não há m otivo algum para produzir alguma co i­
sa ou parar alguma coisa. Apenas deixe tudo ser.
Quando meditamos deste modo simples e receptivo, a qua­
lidade meditativa gradualmente se torna mais pronunciada e sua
experiência, mais imediata. Após cada meditação, a luz desta
experiência permanecerá e se fortalecerá com a prática. A m edi­
tação simplesmente vem por si própria, como o Sol da manhã; a
atenção interior, uma vez tocada, irradia-se naturalmente. T oda­
via, encontrar esta atenção in te rio r requer prática diária, de m o ­
do que é im portante reservar tem po para a meditação.

À medida que perseverarmos em nossa prática, saberemos,


ao examinar nossas vidas, se estamos no caminho certo e se a
nossa meditação é eficaz. Quando a nossa mente está serena e
mais amorosa, quando as nossas emoções são constantes e está­
veis, e a nossa vida transcorre sem tropeços, então sabemos que
estamos progredindo.
O silêncio interior que brota da meditação alivia a tensão
destes tempos de mudanças rápidas, em que é tão fácil perder­
mos nosso senso de estabilidade e de equilíbrio. Ao tentar fazer
coisas demais em tem po m u ito curto, podemos ficar agitados e
transtornados. Porém, quando nossa mente está relaxada e
quieta, a vida se torna simples e equilibrada, livre de extremos
que nos descontrolam. Quando estamos equilibrados, somos sau­
dáveis — o corpo fica relaxado e a mente serena. Tornamo-nos
isentos de confusões, decepções e ilusões. Aprendemos a nos
orientar a partir da nossa experiência da meditação.

O equ ilíbrio é de im portância capital, até mesmo em nos­


sa relação com os ensinamentos espirituais. O Dharma, por
exemplo, é um pouco com o muitas facuidades e universidades —
r nos oferecida toda uma variedade de matérias interessantes, e
podemos desperdiçar nosso tem po e energia tentando aprendê-
las todas. Um granoe mestre disse uma vez que oconhecim en-
!<> e como as estrelas da noite — não podemos contar sua im en­
sidão. Por isso, é melhor não tentar fazer tudo de uma só vez,
inrMiii) no campo espiritual.
A p rin cíp io , é im portante nos concentrarmos naqueles en­
sinamentos que são, de forma mais imediata, relevantes para
nós — ensinamentos em relação aos quais nós temos uma form a­
ção. Caso contrário, jogamos fora o nosso tempo e ganhamos só
frustração. Contente-se em progredir gradativamente, passo a
passo, mantendo fo rte sua motivação e perseverando na prática
da meditação. É uma grande verdade que, no desenvolvimento
da meditação, o caminho mais lento é o mais rápido. Quando
cultivamos nossa meditação cuidadosamente, sem forçar, os
resultados serão sempre claros: embora possamos não perceber
o crescimento a cada dia, ele é constante. Este caminho não é
como uma chuva torrencial, que nos obriga a buscar abrigo; é
mais como a neve que vai suavemente recobrindo a terra.

Torne sua meditação descontraída, aberta — sem vigiá-la


ou forçá-la. As experiências da meditação virão. Estas experiên­
cias, em si, não são tão valiosas, mas podem co nstitu ir uma fo r ­
ma de prolongam ento da meditação: certas experiências podem
tocar as sutilezas da mente e ajudar a esclarecer a natureza da
existência.

Aluno: Eu tenho uma vontade m u ito forte e freqüentemente a


uso para me induzir a relaxar ou a suportar situações dolorosas.
Qual è o lugar, ou a direção ou o uso correto da vontade na me­
ditação?
Rinpoche: Este é o problema. Não há necessidade alguma de
vontade na meditação. Comumente, a idéia de exercer a von­
tade é a de fazer esforço. A maioria das pessoas tem dificuldade
em não fazer esforço, em não fazer alguma coisa na meditação.
Mas, a vontade não ajuda; a mente é sensível e não pode ser fo r­
çada. Quando tentamos forçar a mente, atrapalhamos a nossa
meditação.

Aluno: Então, como é que tentamos?


Rinpoche: Traga mais leveza para a sua meditação. Então, quan­
do alguma dor ou auto-imagem ou quaiquer outra coisa o inco
modar, será mais fácil transcendê-ia. Quando sua meditação tem
uma qualidade pesada, "v o lu n tá ria ", talvez não lhe seja possí

'1'»
vel progredir. O pesado é querer que alguma coisa seja de um
certo modo. Queremos uma determinada condição, sentimento,
bem material, identidade — um pequeno ninho. Queremos estar
em um certo lugar, e este querer tem uma qualidade pesada. É
limitado, estreito, específico; ele é confinado por identidades e,
conseqüentemente, o ego tam bém está envolvido nisso.
A leveza é transparente, com o um cristal. Não tem um lu ­
gar particular, não pertence a lugar algum. A leveza é livre, co­
mo o Sol. Na meditação, não há ciência de sujeito nem de ob ­
jeto. Não pode haver vontade, pois não há mais ninguém para se­
gurar-se a coisa alguma. Não há orientação subjetiva. O sujeito
e transcendido; tudo o que sobra é a meditação; apenas a expe­
riência. Tente desenvolver este tip o de atitude.

Aluno: A esta altura, a meditação form al é necessária? Quando


não há nem sujeito nem objeto, tudo deve ser meditação.
Rinpoche: Quando sua vida fica livre de problemas e você está
sempre em estado m editativo, então a meditação formal não é
tão importante. Você, aí, fica livre de pensamentos c o n flitu o ­
sos, livre de emoções, livre de identidade. No entanto, ao mes­
mo tempo, consegue agir de form a eficaz. Isto é conhecimento
meditativo, que é diferente do conhecim ento comum.
Para adquirir conhecim ento com um , precisamos sempre fa ­
zer esforço. Se tentamos, aprendemos e, então, vivemos a expe­
riência. Mas, na meditação, embora seja preciso fazer algum es­
forço no início, uma vez que se entra nela, não há necessidadede
mais nenhum esforço. É por isto que usamos a palavra "s e r" ...
porque "ser'' significa que nós somos a meditação. Uma vez em
meditação, o próprio tem po é transcendido. Não há passado,
não há futuro, nem mesmo o presente.

Aluno: É realmente possível chegar a um lugar onde não exista


o tempo?
Rinpoche: Sim. Assim que você consegue ficar no espaço entre
<>:. pensamentos, o tempo não existe.

Aluno: E quando a gente sai e se movimenta no mundo, o tem ­


po ainda continua não existindo?
Rinpoche: Quando você se movimenta, talvez seja diferente. O
movimento o traz de volta ao m undo relativo, de volta aos pen­
samentos, onde o tempo novamente existe.

A lu n o : Mas dim inui nossa ansiedade saber que podemos sempre


estar num lugar onde não existe o tempo, não é assim? Mesmo
que nos movimentemos por aí, não há a mesma premência ou
dor ou emoções, não é mesmo?
Rinpoche: Às vezes podemos ter o que se chama uma experiên­
cia mística. Então, pode ser que apareça uma luz especial. A í,
não há tem po; todos os conceitos comuns são transcendidos.

Aluno: Eu vejo isto acontecer por breves momentos durante a


meditação. Mas estou querendo dizer no curso da vida.
Rinpoche: A meditação é um tem po no curso da vida. Está
acontecendo dentro desta vida. Mas podemos expandir esta com ­
preensão; podemos am pliar nossa experiência e fazer menos es­
forço. Então, é possível termos esta experiência da meditação
em qualquer momento.

Aluno: Desde que comecei a m editar, vejo que estou menos


apegado. Não me im porto se as coisas sejam feitas ou não, mas
elas precisam ser feitas. O que devo fazer?
Rinpoche: Penso que você está gostando tanto da sua meditação
que não liga para mais nada. Nós, porém, vivemos neste m undo;
temos que sustentar nossas vidas. Aprenda a desenvolver sua
atenção plena durante as horas de trabalho — seja calmo e pre­
sente; não se deixe apressar ou ser pressionado. Você apreciará
mais seu trabalho e irá aceitá-lo como parte da meditação; esta
atitude vai torná-lo um pouco mais fácil.

Aluno: O tempo parece passar mais devagar durante a m edita­


ção.
Rinpoche: Isto é sinai de que sua meditação está se desenvol­
vendo. Você está entrando no nível experiencial. Nossa mente
em geral vive pulando de um lado para o outro, de modo que
quando você verifica que o tempo se desacelera, sua meditação
está melhorando.

47
0 tem po não se move em apenas duas direções. O tem po li­
near é uma relação entre dois pontos, mas, no nível experiencial
da consciência interior, o tem po se torna m ultidim ensional: pa­
ra frente, para trás, para cima e para baixo. O tempo, na form a
que comumente pensamos nele, implica os conceitos relativos
de passado, presente e fu tu ro . Acreditam os que, enquanto esti­
vermos vivendo o presente, o fu tu ro não pode ainda ser, e que,
tão logo o presente passa, o fu tu ro vem tom ar o seu lugar. Mas,
dentro da meditação, nós efetivam ente nos tornamos a experiên­
cia, e estes aspectos relativos do tem po deixam de existir.
Geralmente, vemos a memória do mesmo modo que vemos
o tem po comum — acreditamos que a memória seja linear. Acha­
mos que podemos te r lembranças apenas uma após a outra. Mas,
quando nossa experiência se alarga, nos damos conta de que es­
távamos vendo apenas em uma dimensão. De uma perspectiva
mais sensível e completa, as dimensões da experiência se m u lti­
plicam.

Aluno: Quando eu costumava m editar várias horas por dia, t i ­


nha relances de compreensão que me levavam adiante. Mas não
tenho mais estes relances. Eu me pergunto: se eu os tivesse de
novo, isso iria estimular-me a caminhar mais depressa?
Rmpoche: Quando começamos a m editar, acreditamos que as
experiências pertencem à mente ou à consciência, e isto leva a
uma espécie de anseio por experiências. Enquanto permanece­
mos nesse nível da mente relativa, que conta fatos a si mesma
ou tenta convencer o ego de que há progressos, então pode ser
que precisemos dessas experiências. Mas, uma vez que sejamos
capazes de abrir mão da nossa experiência meditativa, de manei­
ra que não haja mais um sentido de propriedade ou de identida­
de, não im porta mais se temos experiências ou não.
PARTE I I

APR O FU N D A N D O A M E D IT A Ç Ã O
A CORRENTE QUE SE APROFUNDA

Ocasionalmente, experimentamos grande alegria, mas isso


é raro. Como geralmente não nos sentimos preenchidos, tende­
mos a cair no hábito de devanear sobre o fu tu ro ou fu g ir para o
passado. É tão agradável reviver momentos em que fom os inspi­
rados pela beleza, pelas montanhas, por um rio ou um bosque.
Ansiamos por experiências semelhantes a estas. Desta maneira,
alimentamos nosso desejo de experiências positivas com esperan­
ças em; relação ao fu tu ro ou lembranças do passado.
Em certo sentido, todas as experiências estão disponíveis
para nós; no entanto, nós nos atemos a uma trilha estreita, avan­
çando para o fu tu ro ou retrocedendo para o passado. Com nossa
mente presa em um padrão tão estreito, vemos m u ito pouco do
que está, de fato, à nossa volta. Nossas experiências sucedem-se
rapidamente, com novos apegos levando continuam ente a decep­
ções. Nossa energia salta de estím ulo em estím ulo, arrastando
consigo nossa consciência e nossa atenção. Por fim , nossas vidas
chegam ao final de seu curso e todas as oportunidades de uma
vida verdadeiramente satisfatória, de alguma form a, desaparece­
ram.
Embora pareça haver movimento em nossas vidas, na rea­
lidade nossa experiência se apresenta congelada em uma única
dimensão. Nossa mente trabalha m uito rapidamente, mas num

51
padrão circular. Mesmo quando tentamos rom per o c írc u lo , ca­
da novo cam inho parece term inar onde havíamos começado. Ao
tentar escapar, permanecemos aprisionados dentro do cicio, ce­
gos às oportunidades ao nosso redor.
Quando estamos neste ciclo, somos como um botão de flo r
fechado, com a riqueza, cor e perfume trancados do lado de den­
tro. No m om ento em que aprendemos a nos desapegar, a rom ­
per com esses padrões de excitação e desejo intenso, há uma vas­
ta abertura, um espaço ilim itado em que todas as possibilidades
nos esperam. Mas não é fácil nos abrirmos para novos com porta­
mentos, e para muitos de nós o próprio esforço pode conter
uma qualidade voraz que somente fortalece os padrões mentais
que nos confinam .
Como é que quebramos esse ciclo de desejo ansioso e frus­
tração? Uma maneira é fazer uso dos próprios hábitos que esta­
beleceram o ciclo. Por exemplo, podemos usar nossas lembran­
ças. Viver no passado, basicamente, reforça esses padrões, mas,
ao mesmo tem po, as experiências passadas muitas vezes reúnem
ao seu redor sentimentos profundos e genuínos. E estes senti­
mentos profundos ajudam a nos abrir para todas as demais
experiências e situações.

Relaxe-se do modo mais com pleto possível, e deixe suas re­


cordações "flu tu a re m ". Toque suavemente belas lembranças:
verdes vales, bons amigos, ou ocasiões felizes com sua fam ília.
Há momentos da primeira infância de que você talvez se recor­
de, momentos maravilhosos. Viva de novo seu antigo quarto,
seus prim eiros amigos, seus pais quando eram jovens. Olhe para
as imagens, sinta o sabor da experiência; aprofunde o sentim en­
to até que você seja envolto por uma atmosfera calorosa, rica
em imagens.
Mantendo a imagem, suponha que ela se encontre no pre­
sente, e desloque os seus sentimentos em direção a você. Deslo­
que os de novo para longe de você, para o passado, e depois em
sua direção, para frente e para trás. Esse deslocamento pode le-
vn lo a ver sua experiência de modo diferente, pode levá-lo a
umn nova perspectiva. E essa nova perspectiva pode nos ajudar a

1)2
compreender com o nossa maneira habitual de ve ra experiência
distorce e lim ita as nossas vidas, isolando-nos de um contato d i­
reto com o meio que nos cerca e com as nossas possibilidades.
Nossa percepção, ela própria, se transforma. Desenvolvemos
uma nova qualidade de visão e uma m aior am plitude e p ro fu n d i­
dade de sentim ento.

Conform e nossas idéias fixas sobre a experiência se m o d ifi­


cam, vemos que, até agora, nós mal apreciamos nossa experiên­
cia imediata. Esta falta de atenção veio reforçar nossa tendência
de viver no passado ou de buscar novas experiências no fu tu ro .
Podemos inverter isso. Em vez de escapar de cada m om ento, co­
mo de costume, podemos u tiliz a r nossas recordações com o ins­
trum entos para enriquecer nossa vida. Ao visualizarmos expe­
riências felizes, ao evocarmos e intensificarmos sentimentos
como amor e alegria, podemos transform ar nossas negatividades.
Quanto mais profundam ente sentimos nossa experiência, mais
fortalecemos a natureza positiva da nossa vida.
Temos uma tendência a guardar vigilantemente nossa expe­
riência, por m enor que seja. Somos fechados, defendidos. À me­
dida que nossa experiência se torna mais profunda, deixamos de
ter medo de perder o que temos e, assim, de ter necessidade de
ficar numa posição defensiva. Quando superamos nossos medos,
nós nq$ abrimos naturalm ente para os outros. A dquirim os co n ­
fiança e removemos ainda mais barreiras ao aprofundam ento
constante da nossa experiência.
Conform e nossa experiência se abre para perspectivas mais
amplas, nossos sentidos, nosso corpo e nossa consciência se to r ­
nam vivos e vibrantes. Padrões de desejo e frustração cedem lu ­
gar a uma interação fluente com o processo da vida. Todos os
desequilíbrios se desfazem, e toda a satisfação ou regeneração
de que precisamos são supridas naturalmente. Esta proteção,
este e q u ilíb rio e esta autêntica auto-suficiência perm item abrir-
nos às possibilidades sem fim de cada momento, e descobrir a ri­
queza e a profundidade de toda a experiência.

53
ABRINDO-NOS PARA OS SENTIMENTOS

Em vez de encontrarm os confiança dentro de nós mesmos,


olhamos constantemente para fora, à procura de aprovação e
de preenchimento. Mesmo quando nos decepcionamos repetidas
vezes, continuam os a buscar e a tentar agarrar a felicidade. Nós
nos entretemos com festas, bebida, sexo, café, cigarro, seja o
que for, mas estes prazeres oferecem apenas satisfação temporá-
são como tentar sobreviver comendo algodão-doce. Os pra­
zeres externos somente podem levar a um ciclo interminável de
desejos. São, na verdade, com o o carvalho venenoso; quando
nos coçamos, aliviamos momentaneamente a sensação de co m i­
chão, mas o veneno acaba se espalhando por todo o corpo.
Satisfação autêntica só é encontrada dentro dos nossos co ­
rações, onde mora a paz e uma beleza sutil e extasiante. A í, ao
integrarmos corpo, mente e sentidos, podemos estabelecer equi­
líb rio in te rio r e harmonia. Este equ ilíbrio in te rio r, então, per­
manece conosco em tu d o o que fizermos.
Nossos problemas se encontram nas nossas cabeças e cora­
ções, e as soluções para eles também estão aí. Nossos problemas
surgem porque não deixamos nosso coração e nossa cabeça tra ­
balharem bem, juntos — é com o se vivessem em dois mundos d i­
ferentes... não se com unicam entre si nem atendem às suas ne­
cessidades recíprocas. E, quando o corpo e a mente não são sen­
síveis um ao outro, não pode haver base real para satisfação.

64
A ponte entre o corpo e a mente é feita pelos sentidos, sen­
do que alguns estão relacionados mais de perto com o corpo, e
alguns com a mente. Por causa dessa sobreposição, os sentidos
têm o potencial de auxiliar o corpo e a mente a trabalharem ju n ­
tos, de forma natural. Primeiro, porém, precisamos reconhecer
nossos sentidos e vivenciá-los de form a mais profunda.
Os prazeres externos que pensávamos fossem desenvolver
nossos sentidos, na verdade, os amorteceram, pois não fizemos
pleno uso deles. De modo geral, passamos de uma experiência
para outra antes de conhecermos as nossas sensações e sentimen­
tos; mal somos capazes de sentir o que experienciamos. Não
damos tempo aos nossos sentidos para desenvolver, uma expe­
riência, nem perm itim os que a mente e o corpo integrem
nossas sensações e sentimentos.
Nossos sentidos são filtro s através dos quais percebemos
nosso m undo; quando estão amortecidos, não conseguimos ex­
perimentar a riqueza da vida, nem nos aproximar de uma verda­
deira felicidade. A fim de tocar nossos sentidos, temos que en­
trar em contato com as sensações e sentimentos da nossa expe­
riência. Precisamos d im in u ir o ritm o, escutar e sentir os tons e
vibrações que nossas sensações e sentimentos estão tentando
nos com unicar; então, poderemos aprender como tocar — tocar
grosseiramente, tocar delicadamente. Cada sentido é dotado de
qualidades físicas mas, com freqüência, não estamos plenamente
cientes delas. Podemos começar a aumentar nossa atenção pura
em relação aos sentidos, aprendendo a relaxar e a ser mais aber­
tos.
Nossos sentidos são alimentados quando ficamos tra n q u i­
los e relaxados. Podemos vivenciar cada sentido, saboreando sua
essência. Para fazer isto, toque um dos aspectos dos sentidos e,
então, deixe a sensação se ampliar. À medida que passamos para
um nível ainda mais profundo, podemos intensificar e fru ir os
valores e a satisfação que a í encontramos. Assim como organis­
mos diferentes têm estruturas diferentes, o mesmo acontece
com os sentidos. Há várias camadas em nossa experiência dos
sentidos, camadas que são reveladas quando estamos relaxados,
não apressados, atentos.
A meditação, que nos encoraja a desenvolver uma q u a li­
dade viva de escuta, nos fornece um meio de explorar estas ca­
madas. Usando os instrum entos da presença mental e da concen­
tração, podemos aprender a remover a tensão e deixar nossa
energia flu ir por todo o corpo. O verdadeiro relaxamento é mais
do que um momento agradável ou um simples repouso; s ig n ifi­
ca ir além da form a física e a b rir completamente todos os sen­
tidos. Ter esta experiência é com o tom ar um banho refrescan­
te dentro dos nossos corações.

Podemos estim ular esta abertura e relaxamento visualizan­


do um espaço vasto, aberto, e pensando em todos os objetos e x­
ternos, bem como em nosso corpo, como fazendo parte deste es­
paço, tudo dentro do m om ento imediato; Ao final, nenhuma
barreira remanesce. 0 que resta é uma atenção pura mais eleva­
da, viva e regeneradora, que nos oferece calor e alim ento.
Podemos permanecer dentro deste espaço, dentro desta
atenção plena, tanto tem po quanto quisermos, sem precisar f o ­
calizar ou manter nossa atenção em um objeto qualquer. T udo o
que precisamos trazer para a meditação somos nós mesmos, pois
o nosso corpo e mente constituem a base da meditação. A respi­
ração, que funciona com o uma coordenadora do corpo e da
mente, é a essência do ser que os integra.
À medida que meditamos, a respiração se torna tranqüila e
regular, o corpo relaxa, e toda a energia do corpo e da mente ga­
nha vida. Isto favorece uma atitude mental positiva, pois, quan­
do o corpo e a respiração estão estáveis, é mais fácil relaxar a
mente e acalmar as emoções.

É conveniente considerar o corpo como a âncora dos sen­


tidos e da mente; eles são todos inter-relacionados. Sinta to d o o
seu corpo físico. Deixe sua respiração se tornar relaxada e tra n ­
qüila. Quando seu corpo e sua respiração ficam m uito quietos,
você pode sentir uma sensação m uito leve, quase com o voar,
que traz consigo uma qualidade fresca e viva. Abra todas as suas
células, até mesmo todas as moléculas que compõem seu corpo,
dosnbrochando-as como pétalas. Não segure nada: abra mais do

hl»
que o seu coração; abra todo o seu corpo, cada átomo dele. En­
tão, pode brotar uma experiência bonita que tem uma qualidade
para a qual você pode voltar muitas e muitas vezes, uma q uali­
dade que irá regenerá-lo e sustentá-lo.
Quando você toca sua natureza in te rio r desta maneira, tu ­
do se torna silencioso. Seu corpo e mente fundem-se em pura
energia; você se torna realmente integrado. Benefícios enormes
decorrem desta união, inclusive grande alegria e sensibilidade. A
energia que flu i dessa abertura cura e nutre os sentidos: eies se
preenchem de sensações, abrindo-se como flores.
Quando nossa mente e nosso corpo se tornam unos, pode­
mos entender o silêncio e o vazio; conhecemos satisfação p o r­
que nossas vidas estão equilibradas. As raízes de nossa tensão
são cortadas, de m odo que nosso c o n flito interno cessa; nós nos
tornamos m u ito serenos e preenchidos.

Quanto mais exploramos a intensificação dos sentidos, ta n ­


to maior a profundidade que encontramos dentro dos nossos
sentimentos. As sensações ficam mais ricas, dotadas de texturas
e nuances sutis, e de uma alegria mais intensa. Não temos que
aprender técnicas exóticas para enriquecer nossas vidas. Uma
vez que contatam os esse sentim ento intensificado dentro de nós,
e!e nos sustenta ao longo do nosso cotidiano — ao caminhar, ao
trabalhar, ao realizar quaiquer atividade. A prática diária sig n ifi­
ca que persistimos no esforço para co ntin u ara desenvolver nos­
so equil íbrio in te rio r tanto quanto possível, onde quer que este­
jamos e quaiquer que seja a nossa atividade.
Gradualmente, incorporam os esse sentimento aos nossos
pensamentos e à nossa atenção plena. É como um condim ento
que dá sabor às nossas vidas. Nossa mente, corpo e sentidos to r ­
nam-se m uito vivos, como se possuíssem uma inteligência na­
tural própria. Até mesmo mudanças fisiológicas podem ocorrer.
Portanto, desfrute essa efervescência de vida, em que cada m o ­
mento é com o um renascer; saiba apreciá-la e tenha confiança.

Podemos explorar a textura cremosa das nossas sensações


e sentimentos mais profundos, e contatar um nível ainda mais
sutil de beleza dentro do nosso corpo e sentidos. Dentro do es­
paço aberto da meditação, podemos encontrar alegria in fin ita e
perfeita felicidade. Começamos a viver um novo tip o de honesti­
dade, uma energia vital que vem da compreensão real de nós
mesmos, de sermos verdadeiramente diretos e abertos. Este é
um processo vivo e dinâm ico, que se estende m uito além das c ir­
cunstâncias externas.
Quando descobrimos esse espírito de vitalidade, que é a
essência da atenção plena, vemos que nosso corpo se torna, de
fato, um canal pelo qual somos capazes de contatar um nível
superior de atenção plena d e n tro de nós. Embora possamos ain­
da ter problemas em nossas vidas, estaremos fortalecidos contra
as decepções por nossa alegria e força interiores. Sabemos que
nossa beleza e direção internas não podem se perder por causa
das ações e atitudes dos outros. Depender de nós mesmos, por
meio de um conhecimento mais ín tim o da nossa natureza in te ­
rior, constitui uma base sólida, uma fonte real de alim ento e
de felicidade duradoura.

Aprender dessa form a é algo artístico e belo, que nos pos­


sibilita alcançar equii íb rio de corpo e mente, viver em harmonia
tros, e trazer mais significado para as nossas vidas, em
íveis. Quando vivemos assim, os resultados se refletem
nossas vidas, mas também no mundo.

liifl
TRANSCENDENDO AS EMOÇÕES

Nossa vida é um flu x o co n tín u o de um tip o de experiên­


cia após outro, com momentos de grande amor e alegria, sendo
muitas vezes rapidamente seguidos por experiências de raiva,
frustração e dor. Conforme isto acontece, tendemos a classifi­
car nossas experiências como boas ou más, positivas ou negati­
vas. Não vemos que, ao cin dir nossa experiência deste modo, ao
tratar algumas experiências como amigas e outras como in im i­
gas, nós nos separamos da riqueza da experiência com o um " t o ­
d o ". Ficamos alienados de nós mesmos no c o n flito que daí re­
sulta, e estimulamos energias que criam novos problemas, mes­
mo enquanto estamos tentando resolver os antigos.
Essa divisão da experiência cria negatividades infindáveis.
Quanto mais baseamos nossas ações neste tip o de pensamento
"o u /o u ", tanto mais eie passa a nos dirigir, tornando m uito d if í­
cil encontrarmos o caminho do meio entre os extremos do posi­
tivo e do negativo.
Quanto mais nossa energia é colocada em tentativas de re­
prim irm os nossos problemas e de sermos felizes, tanto mais
reforçamos nossa infelicidade. Assim, tendemos a nos fixa r em
uma negatividade que se autoperpetua, um verdadeiro mar de
confusões. Como uma mãe que sonha que seu filh o está m orren­
do, vivemos nosso sofrim ento quase como se fosse mais do que

60
real. Mas podemos acordar. Quando percebemos que nossas
idéias de bem ou mal, branco ou preto, são apenas rótulos — que
a existência em si é neutra e que é apenas o nosso ponto de vista
que a colore de positiva ou negativa — então sabemos que a res­
posta verdadeira encontra-se dentro de nós mesmos. Temos que
mudar nossos padrões de reação à experiência, pois nossos p ro ­
blemas não estão nas experiências p or nós vividas, mas, sim, em
nossa atitude para com elas.

Quando vemos a maneira como condicionamos nossa expe­


riência, a vida é, a um só tem po, o ensinamento e o caminho
que nos afasta das frustrações. Não precisamos mudar ou perder
nada, nem desistir de nada. Quando estamos centrados, os altos
e baixos emocionais são com o as ondas na superfície do oceano
— que é calmo e sereno em suas profundezas. Se simplesmente
aceitamos todas as nossas emoções com o naturais, compreende­
mos que todas as experiências têm uma qualidade natural, cer­
ta para o momento e o lugar.

Podemos ser gratos por nossas emoções, por nossas frustra­


ções, medos e mágoas; eles nos ajudam a despertar. Não temos
mensagens mais claras do que eles sobre o que está acontecendo
em nossas vidas. Nossas emoções mostram-nos para onde d iri­
gir nossa atenção; em vez de obscurecer o caminho, podem es­
clarecê-lo e precisá-lo. Conforme penetramos nas energias pode­
rosas das nossas emoções, entendemos que nossos obstáculos e
o nosso caminho espiritual são uma só coisa.
Quando aceitamos nossas emoções conform e vêm, cultiva­
mos uma atitude de abertura — podemos fazer amizade com
nossas emoções e perm itir que percorram seu curso natural.
Uma vez que adotemos esta atitude de abertura e receptividade,
vemos tudo, em certo sentido, como perfeito.
Qualquer experiência é fresca e valiosa quando abrimos mão
das nossas expectativas e resistências, dos nossos julgamentos e
conceitualizações. Com uma atitude de aceitação, até mesmo
nossas emoções negativas têm o potencial de aumentar nossa fo r­
ra e energia. De modo geral, enxergamos apenas o lado negativo
da energia que integra experiências como ansiedade, frustração,
raiva e dor, mas podemos transformarestasexperiênciasem com­
preensão.

A m aior parte do nosso sofrim ento é psicológica, alim en­


tada pelo medo e por nossa identificação com a der. É im por­
tante romper com a idéia de que se trata do nosso sofrim ento,
do nosso medo. Concentre-se no sentimento, não nos pensamen­
tos a respeito dele. Concentre-se no centro do sentim ento; pene­
tre neste espaço. Há uma densidade de energia neste centro que
é clara e distinta. Essa energia possui grande força e é capaz de
transm itir muita clareza.
Nossa consciência pode penetrar a emoção, contatar essa
energia pura, de modo que nossa tensão se desfaça. Com suavi­
dade e autocompreensão, nós controlamos essa energia. Força
não funciona. Portanto, prepare-se com vagar, tom ando cuidado
para não saltar de repente para o meio da negatividade. Fique cal­
mo e sensível, e observe cada situação à medida que ela brota.
Com uma meditação assim sensível, qualquer emoção pode ser
transformada, pois a emoção é essa energia... podemos moldá-la
de diferentes formas. Para transform ar nossas negatividades, pre­
cisamos aprender a tocá-las com habilidade e suavidade.

Aluno: Quando você diz aceitem-se como são, você quer dizer
que não devemos tentar mudar?
Rinpoche: Estamos sempre nos rejeitando, nos culpando por
uma coisa ou outra. Pode ser também que estejamos aceitando
negatividades em nossa pessoa que na realidade não existem. Em
vez de nos rejeitarmos, seria mais útil compreender que nossas
negatividades, quer sejam verdadeiras ou falsas, não têm solidez
alguma. Quando nossos pensamentos e conceitos se modificam,
nossas atitudes se m odificam , e uma energia de curso livre é li­
berada. Essa energia encontra-se bloqueada por nossas negativi­
dades, que têm uma qualidade fixa. Quanto mais soltamos nos­
sos conceitos e contrações, tanto mais essa energia flu i.

Aluno: Quando estou com bastante raiva e medo, e medito so­


bre isso, a coisa fica infinitam ente pior.
Rinpoche: Essas emoções podem se tornar m uito intensas na

61
meditação. Seu senso de tem po pode ficar d istorcido: um m inu­
to pode parecer meia hora. Há uma certa energia de medo que
se amplia e interfere com certas experiências. E certos estados
m editativos são tão altamente sensíveis que qualqúer perturba­
ção aumenta de form a exponencial.
Por exem plo, quando você usa todos os seus esforços para
contro la r seus pensamentos, é exatamente a í que os pensamen­
tos ficam mais incômodos. Não é que você tenha escolhido o
m om ento errado; é apenas que a mente se torna m u ito sensível
quando tentamos trabalhar com ela. Nessas ocasiões, nossa cons­
ciência não é mais bi mas, sim, tridim ensional. Quando olhamos
por uma lente de certo modo, tudo fica maior ou menor. Quan­
do você se encontra em uma certa sintonia, coisas incomuns
acontecem. Você pode se sentir totalm ente feliz ou péssimo,
por um período que pode parecer um dia todo, quando, na ver­
dade, trata-se apenas de meia hora.
Na meditação, como na vida, muitas coisas acontecem,
-tanto bonitas quanto dolorosas. Precisamos permanecer atentos.
f i‘ frustração está sempre por perto, tentando-nos e jogando co­
nosco. Precisamos aprender a esperar por ela. Quanto mais de­
pressa nossos olhos se abrirem, mais cedo poderemos nos con­
trapor a quaisquer negatividades que surjam.

Aluno: M editar sobre as nossas emoções negativas, sobre a nossa


raiva, é algo que ajuda?
Rinpoche: O a n tíd o to para a raiva é o amor, a compaixão e a
paciência. Mas, até que saibamos como aplicá-los, talvez vamos,
em lugar disso, tentar d im in u ir nossa raiva à força. Podemos te n ­
tar isto ficando em silêncio, caminhando, dorm indo, lendo li­
vros — mas nenhuma destas atividades serve de a n tíd o to para o
veneno da raiva. O que podemos fazer é nos concentrar na raiva,
não p erm itindo que quaisquer outros pensamentos entrem.
Isto significa que nós nos sentamos com nossos pensamen­
tos raivosos, focalizando nossa concentração na raiva — não em
seu objeto — , de forma que não fazemos nenhuma discrim ina­
ção, não temos nenhuma reação. Do mesmo m odo, quando sur­
tiu uma ansiedade ou qualquer outro sentimento que o pertur­
be, mantenha o sentimento concentrado. É im portante não per-
dê-lo. Mas, também, é im portante não pensar mais coisas sobre
ele nem atuar sobre ele; apenas sinta a energia, nada mais.
Isto ó o que eu gostaria que você fizesse. De manhã, ao le­
vantar, considere todas as possibilidades que estão à sua espera.
Esteja atento e preparado. Quando seus olhos estiverem abertos,
você deve estar pronto para qualquer coisa. Desafie cada m in u ­
to, pois há sempre alguma coisa a ser aprendida. A meditação
pode ajudá-lo. Se surgir dor, confusão ou tristeza, entenda que
mesmo estes problemas podem ser úteis, como amigos que con­
versam e brincam com você. Lembre-se que, se você não entra
no jogo, não se diverte. Você pode brincar com as situações e
ver seus diferentes aspectos; pode reagir de forma inesperada.
Esta é a maneira pela qual você pode desafiar cada situação.
Apenas deixe que seus problemas venham e não se im porte tanto.
Nós tentamos vencer nossos problemas. Quando não rea­
gimos a eles, eles perdem sua substância; eles apenas constituem
obstáculos quando fazemos deles obstáculos. Quando ficamos
presos em nossos problemas, não somos mais livres para escolher
como iremos responder a eles. Todavia, quando ficamos despre­
ocupados mas atentos, podemos jogar como campeões. Pode­
mos jogar e brincar com cada fato que acontece.

Quanto melhor entendemos nossas emoções, tanto mais


precisa, profunda e lím pida se torna nossa atenção. Ao final,
nem mais precisamos usar nossa mente consciente para nos li­
bertarmos das nossas dificuldades. Num nível mais elevado de
ser, não precisamos usar nosso cérebro — apenas a atenção ple­
na que desenvolvemos. A fim de desenvolver esta atenção, te­
mos necessidade de um caminho, de um mapa ou instrução que
somente nossa atenção plena pode nos mostrar. Podemos, po­
rém, encontrar este caminho da atenção plena dentro da medi­
tação.
Quando queremos conseguir mel, mesmo que tenhamos
as abelhas e a colméia, ainda assim precisamos dar tem po para
que as abelhas façam seu trabalho. Da mesma form a, prepara­
mo-nos para a meditação por meio do silêncio e do relaxamento
profundo. Daí vem a atenção pura.

G3
Aluno: Como podemos ajudar uma pessoa que está atravessando
uma experiência emocional dolorosa?
Rinpoche: Lidar com emoções intensas não é fá c il; as emoções
projetam uma forma de energia que torna d ifíc il, para qualquer
pessoa que esteja por perto, manter uma perspectiva equilibra­
da. Então, antes de tentar ajudar, é im portante saber como man­
ter uma atitude suave, uma atitude de compaixão. Quando as
pessoas ficam presas em meio a agitação emocional, são m uito
sensíveis e vulneráveis; podem facilmente pressentir emoções
que estejam abaixo da superfície, e podem também facilm ente
ser machucadas por mal-entendidos. Portanto, quando quere­
mos ajudar, devemos estar especialmente alertas para a energia
que nós mesmos estamos projetando. Nossa responsabilidade é
manter um estado de atenção plena que possa proteger a nós
mesmos e aos outros.
Se não form os cuidadosos, em vez de ajudar, podemos fa ­
zer o desequii íbrio emocional ficar ainda pior. Como as emoções
são, em sua substância, energia pura, tendem a "sugar" qualquer
energia que seja direcionada para elas. Isto funciona nos dois
sentidos: enquanto nossa energia pode mexer com a emoção,
podemos também ficar "contagiados" pela energia negativa. A
energia parece intensificar-se a si mesma, como se tivesse vida
jrópria.
O ego tem m uito a ver com este processo. As emoções são
Jefesas montadas pelo ego para desviar a atenção de si mesmo;
acobertado pelas emoções, o ego pode então entregar-se a seus
ogos e subterfúgios. Assim, quando o ego é posto em cheque,
3S emoções se movimentam como o m ercúrio para construir
jm a defesa.
é preciso, portanto, tocar as emoções com habilidade, de
modo que elas não sintam necessidade de fugir. Podemos ir por
trás delas com suavidade, e liberar sua energia, transformando-as
com amor e compreensão. Mas, a menos que sejamos hábeis em
expor as raízes da emoção, até mesmo um simples ato de dar
"apoio em ocional" pode ser prejudicial. Emoções alimentadas
por emoções e compartilhadas com outras pessoas emotivas,
nu pessoas susceptíveis a emoções, não podem jamais criar uma
nituíiçffo saudável.

M
Aluno: Então, o que devemos fazer?
Rinpoche: Simplesmente deixar que a situação percorra seu c u r­
so natural e deixar que as emoções gastem seu gás pode ser uma
solução criativa. Depois disso, talvez você possa sugerir às pes­
soas em questão que respirem fundo e olhem para a situação de
forma mais profunda. Às vezes, este constitui o melhor, senão
o único, conselho ou a u xílio que devemos dar.*
Dentre os m uitos elementos que compõem a nossa existên­
cia, as emoções têm vida bastante curta. Porém, no momento
certo, o co n fo rto da nossa experiência pode ser um presente
verdadeiramente precioso.

Aluno: Buscar conseihos com alguém, quando estamos infelizes,


é uma coisa que ajuda?
Rinpoche: Tentar com partilhar nossos problemas emocionais
pode somente criar mais problemas, tanto para nós como para
os outros. Em vez de correr para um amigo, tente puxar a ener­
gia do problema para dentro da sua meditação. Deixe sua mente
transmudar a negatividade em uma perspectiva sadia. É im p o r­
tante sermos capazes de ficar em pé por nós mesmos, e encarar­
mos nossas dificuldades de form a direta.

Aluno: O sr. pode dizer alguma coisa sobre o que fazer quando
se é interrom pido? Quando sento em meditação durante o dia,
se tudo está totalm ente em silêncio, fico calmo. A í, quando m i­
nha filha entra e quebra o silêncio, tenho muita dificuldade em
voltar para o meu sentar.
Rinpoche: Sempre que somos interrom pidos e somos atrapalha­
dos por um barulho, imediatamente nos concentramos no obje­
to que provocou a interrupção. Ao invés de olhar para o objeto,
olhe de volta para a experiência, e entre em contato com ela. E,
de novo, entre em sua meditação. Deixe que a meditação o con­
vide a voltar. Mais tarde, na sua prática, até mesmo o barulho
não perturbará, porque não haverá mais um lugar "de onde".
Em vez de ser uma interrupção, o ruído é meramente um acon­
tecimento interessante. Mesmo os fatos que ocorrem norm al­
mente se tornam interessantes, porque constituem uma surpre
sa; o que não existia passa a existir.
Aluno: Rinpoche, quando se tem uma fam ília e crianças peque­
nas, quase todo o tempo disponível é tomado por elas. É d ifíc il
encontrar uma hora para meditar.
Rinpoche: Tente ver seus filhos como a meditação. Tudo com o
que estiver envolvido na sua vida — faça disto a sua meditação.
A meditação não precisa de um lugar ou de um momento espe­
cífico . Qualquer lugar, qualquer hora pode se tornar a sua m edi­
tação. Isto é consciência superior. Fique apenas dentrò da si­
tuação sem qualquer apego, sem envolvimento de ego, sem que­
rer se agarrar. Sua vida se tornará fácil e agradável, porque não
haverá lugar para negatividades.

Aluno: Quando eu estou meditando num lugar que tenha


barulho e vejo que ele me incomoda, não seria melhor ir para
um lugar quieto, em vez de fingir que o barulho não incomoda?
Rinpoche: Quando você entende o que está acontecendo, não
tem necessidade de encontrar um o u tro lugar. Assim que come­
çamos a nos conhecer e a entrar em contato com um nível mais
profundo de entendimento, nossas relações com as outras pessoas
e com o nosso meio tornam-se equilibradas e harmônicas. Geral­
mente, nós nos relacionamos com as outras pessoas como se
fossem muito estranhas a nós, como um elefante tentando se
relacionar com um pavão ou uma cobra. Podemos mudar isto.

Aluno: Você pode falar sobre como nos livrarmos da dor?


Rinpoche: A dor pode simplesmente ser aceita; ela não tem que
nos incomodar, pois a dor, em si, não é má. Esta atitude, no en­
tanto, não é aceitável ao nosso senso comum; sentimos que pre­
cisamos lutar contra a dor, forçá-la a ir embora. Mas o único
modo de realmente curarmos a dor é aceitá-la. Isto irá liberara
própria dor.

Aluno: Você conhece algumas maneiras que possam nos ajudar


a aceitar a dor?
Rinpoche: Podemos nos separar dela, podemos nos tornar es­
pectadores, observando a nossa parte que tem dor simplesmente
vivendo-a. E apenas quando nos identificamos com a dor que f i­
c a m o s presos nela.

(>(>
Aluno: É possível nos observarmos a nós mesmos reagindo à dor?
Rinpoche: Apenas pergunte: "Quem está vivendo a d or?" Tal­
vez os sentidos, os sentimentos, os hábitos ou os conceitos. Co­
loque-se acima de todos eles: apenas observe, sem participar.

Aluno: Isto faz com que a dor desapareça, ou não im porta mais
se ela desaparece ou não?
Rinpoche: Certo. Não im porta. Quando toda a nossa atitude
passa a ser diferente, nossa consciência também passa a ser d ife ­
rente. Pode ser possível que a dor desapareça, mas devemos ter
a atitude de que não im porta se a dor desaparece ou não. Não
tenha desejo de que desapareça. Somente a observe.

Aluno: Se aceitamos a dor e sentimos que está bem assim, então


não há nada a desejar.
Rinpoche: Certo. O medo também some. Isto é possível para as
pessoas que meditam, porque elas podem aceitar a situação.
Para alguém que nunca tenha meditado, é m u ito d ifíc il aceitar
a dor, porque as interações entre pensamentos, medo, imagina­
ção, sentimentos, etc., são m uito fortes.

Aluno: Mas nós sentimos medo porque achamos que estamos


nos protegendo.
Rinpoche: Assim que você aceita a experiência, não há mais
medo algum. A aceitação implica saber que não há nada a pro­
teger. Podemos dizer que aceitamos a experiência, mas a acei­
tação tem que ir além da cabeça. Caso contrário, continuamos
a nos identificar com a dor e o medo.

Aluno: Podemos também aceitar emoções com o frustração e


raiva?
Rinpoche: Estas emoções são m uito fortes. Normalmente, seus
efeitos são negativos, mas elas têm, de fato, uma certa força que
está baseada na atenção pura. Há aí um potencial m u ito bom para
alguém que saiba usá-lo. Não recomendo que você desperte raiva,
medo ou emoções fortes. Mas não devemos tentar escapar delas
nem neqá-ias ou reprimi-ias — o que fazemos com freqüência.

67
Aluno: Então, se sentimos que uma emoção está vindo à tona, o
adequado é deixar que saia, mantendo-nos, porém, atentos ao
que estamos fazendo?
Rinpoche: E mais do que ficar atento. Você tem de saber como
fazer.

Aluno: Como deixar sair?


Rinpoche: Você precisa saber com o agir. Você tem que saber
como estar enraivecido, sem raiva; você tem que saber como es­
tar apegado, sem apego. Não é sempre uma coisa simples, e não
é apenas uma questão da nossa atenção plena. Quando uma pes­
soa lança um foguete, ela não pode apenas estar ciente do que
fez ou só se im portar com a direção que ele vá tomar. Precisa­
mos conhecer exatamente os resultados; caso contrário, as pes­
soas vão se machucar. Há m uita responsabilidade impl feita nisto.
O que estou dizendo é que as emoções têm valor, mas ape­
nas quando sabemos como usá-las para crescimento espiritual
e iluminação. O meditador, sabendo com o usar uma única emo­
ção que seja, pode transcender todas as emoções. Este uso das
emoções é parte de um conjunto de conhecimentos a p artir do
qual podemos ajudar a nós mesmos e aos outros.
Uma vez que nos damos conta de que a energia se manifes­
ta sob diferentes formas, podemos abraçar as energias das emo­
ções e trazê-las para dentro do nosso estado meditativo. Pode­
mos aprender a relaxar dentro dessas energias quando deixamos
de d ivid ir nossas experiências em positivas e negativas. Então,
as emoções são bem-vindas, porque entendemos que são ensina­
mentos; as emoções, elas próprias, são capazes de revelar seu sig­
nificado, sem que precisemos olhar para além delas.
Com cuidado, nossas emoções negativas, quando mistura­
das com a vitalidade da meditação, podem aumentar nossa aten­
ção pura. E como passar de um quarto escuro para a luz do Sol
nossos olhos precisam se ajustar à claridade para podermos
ver. De modo semelhante, todas as nossas experiências contêm
dinamismo e força, mas precisamos desenvolver nossa atenção
pura antes de conseguirmos utilizá-las bem.
Gradualmente, aumentamos nosso senso de alerta e desper­
tamos nossos sentidos: este senso protege-nos como o pára-cho-
que de um carro. Com uma consciência mais ampla a respeito
de como a nossa mente funciona, começamos a nos libertar dos
nossos padrões arraigados. Esta sensibilidade relaxada, porém
alerta, permite-nos estar cientes do que está acontecendo em
qualquer situação, livrando-nos, portanto, da manipulação das
emoções.

Desta maneira, podemos gradativamente transform ar todas


as nossas negatividades, pois, quanto mais as compreendemos,
mais vemos que até elas fazem parte da atenção pura. Nada pre­
cisa ser ignorado ou negado. Assim como os pavões podem co­
mer até veneno, da mesma form a uma pessoa iluminada pode
u tilizar todos os tipos de energia. Do ponto de vista da ilu m i­
nação, há apenas um canal: a confusão é clara e a escuridão é
luminosa. Este é o m otivo da arte budista retratar os aspectos
compassivos e irados como sendo ambos manifestações da mes­
ma forma.
A partir de uma visão que compreende a natureza das nos­
sas emoções, a vida se torna mais fácil. Os obstáculos, que antes
nos pareciam ondas enormes, podem agora parecer apenas um
leve ondular da água. Temos a capacidade de escolher como gos­
taríamos de nos manifestar; podemos mudar de posição livre­
mente, para frente e para trás; podemos ficar com raiva, co n fu ­
sos oü alegres — qualquer coisa que gostaríamos de ser. Esta
criatividade é verdadeira e, por meio dela, moldamos o nosso
mundo. Neste contexto, toda a experiência faz parte da ilu m i­
nação.
Podemos construir um universo m uito bonito. Quando
nossos problemas se tornam nossos amigos e nosso apoio, como
presentes ou contribuições, a í não temos mais problemas. En­
tão, ficamos livres de co n flito interno; temos paz interior, a
mais elevada das liberdades.

Quando começamos a gozar desta liberdade, nossa atitude


em relação a nós mesmos e à nossa experiência se m odifica. Nos­
sa compreensão e comunicação com os outros aumentam e,
pouco a pouco, podemos ajudar a criar uma atmosfera de paz e
harmonia no mundo. Quanto mais conseguimos libertar nossa

69
mente de suas tendências "o u /o u ", ta nto mais podemos sentir
amor e compaixão pelas outras pessoas. Este é um passo m uito
im portante, pois a abertura é o m elhor alicerce para o cresci­
mento espiritual. Se soubermos com o trabalhar com todas as
nossas aparentes negatividades, poderemos aprender como nos­
so ambiente interior trabalha com a natureza do nosso ser.
à medida que a experiência passa a te r mais significado,
sabemos como ensinar a nós mesmos, como cuidar de nós mes­
mos. Sabendo que a liberdade decorre da aceitação da nossa
própria natureza, da nossa própria compreensão, da nossa pró­
pria mente iluminada, poderemos encontrar sempre o caminho
do meio. Quando transcendemos os apegos e as aversões da
mente, todas as aparentes negatividades tornam-se veículos po­
derosos de iluminação.
FASCINAÇAO e a n s ie d a d e

0 mundo é um lugar fascinante, cheio de beleza, de sen­


sações extraordinárias, com todo o gênero de atrativos quase
que irresistíveis. Mas, m uito embora estes atrativos ocupem
continuamente nossa atenção, raramente nos dão qualquer sa­
tisfação duradoura. Somos como passarinhos: nossas bocas
abertas, permanentemente famintos. E a fome parece sempre
continuar. Estamos constantemente nos sentindo não preenchi­
dos, de modo que nossa insatisfação aumenta ainda mais.
Famintos o tempo todo, passamos a nos atrair pelo que os
outros possuem; ficamos enredados em um processo contínuo
de buscar e agarrar, em uma procura exaustiva. Nossa mente,
cansada e distraída, perde as verdadeiras oportunidades de rea­
lização. Nós nos apegamos às mensagens que as nossas percep­
ções sensoriais nos transmitem e, portanto, não aproveitamos a
qualidade nutriente do flu xo natural dos nossos próprios senti­
mentos e sensações. Em vez de nos voltar para as sensações que
experimentamos, nós nos focalizamos em nossos pensamentos
sobre elas — os quais nunca podem nos trazer muita satisfa­
ção.
Quando tomamos consciência desta situação, podemos ver
que ela é causada por uma sutil progressão psicológica: a busca
de fascinação leva à ansiedade, e a insatisfação leva a novas bus­

71
cas. Ficamos presos nesta progressão porque nossos pensamen­
tos, nossas fascinações, não podem nos preencher; não têm su­
bstância real. Não podemos segurá-los. Seguidamente nos colo­
camos numa situação de correr atrás do arco-íris. E, quanto mais
o perseguimos, mais ansiosos e frustrados ficamos.

Nós fixam os nossa mente em prazeres e satisfação, mas as


atitudes que tomamos para tentar alcançar estas metas têm um
efeito que é justamente o contrário. Nossa mente salta de pensa­
mento para pensamento — relembra o passado, pula para o fu tu ­
ro ou se detém em alguma atração constante. Nossa mente rara­
mente se centra no momento imediato da experiência, que é
onde a realização se encontra.
À medida que a corrente de imagens mentais persiste, nos­
sa mente continua a produzir um flu x o aparentemente infindá­
vel de pensamentos a respeito destas imagens. Este é o principal
fa to r no estabelecimento do nosso sentido de um eu que precisa
"p o ssu ir" e que precisa "fa z e r". Mesmo em nossa meditação,
quando tentam os não "fa z e r" nada, o mesmo processo continua
a acontecer.

Na meditação, porém, este processo é tão sutil que, com


freqüência, não temos ciência de que está ocorrendo. Podemos
tentar não ter quaisquer expectativas ou pensamentos sobre nos­
sa meditação, mas talvez eles se escondam no fu nd o da nossa
mente, manifestando-se como um tip o de impaciência, um espe­
rar que algo ocorra. Esse sentimento não precisa ser m uito forte
para que o estím ulo inconsciente da expectativa — da fascina­
ção — surja como uma onda em nossa consciência. Quanto mais
fo rte esse sentimento, mais "rá p id a " e mais potente a onda, que
tem uma qualidade tensa, "acelerada". Isso leva rapidamente à
sensação de aperto da frustração e da ansiedade.
A p rin c íp io , nossa meditação começa a dissolver o senso
do eu que precisa "fa ze r". Mas, então, a mente se põe a perse­
guir imagens, com o uma form a de compensação. A ansiedade
aumenta, agravando ainda mais o flu x o de pensamentos e ima­
gens. Tão logo nos envolvemos com esta qualidade de "fa ze r",
Mintimos necessidade de contato — com imagens, palavras, con-

n
ceitos, self ou objetos. Esta necessidade torna-se mais fo rte e f i ­
xa o padrão ainda mais. As coisas todas acontecem tão rapida­
mente que não temos tempo para pensar sobre elas. A velocida­
de deve-se à energia poderosa que está por debaixo de nossas
expectativas e ansiedades.

0 relaxamento pode reduzir o ritm o desta qualidade tensa


e acelerada. Podemos relaxar a mente, d im inu ir a velocidade dos
nossos pensamentos, criar um "to m " diferente que afrouxa os
nossos sentimentos mais profundos de expectativa. Quando co n ­
seguimos desacelerar e ficar calmos e relaxados, as ondas da an­
siedade se reduzem a um leve ondular.
Assim, na meditação, observe seus pensamentos de perto.
Simplesmente os observe. A fascinação é como uma onda que se
levanta; note como aparece. Ela tem muitas cores cintilantes,
atraentes por natureza. Os bonsmeditadores observam a onda f i ­
car cada vez mais alta, até entender como a fascinação nos faz
perder o m om ento. Aprendem porque imagens belas e idéias
interessantes nos distraem tão facilmente.
Podemos aprender a alterar o ciclo da fascinação e da an­
siedade, desenvolvendo plena atenção das idas e vindas dos pen­
samentos e imagens. Ao expandir cada pensamento e, então,
levar seu sentim ento para um nível mais profundo, podemos evi­
tar de sucum bir à ansiedade — àquela parte da nossa consciência
que quer se movim entar, quer fazer alguma coisa.
Podemos im pedir que sejamos arrastados a "fa z e r", a aban­
donar nossa meditação, relaxando e mantendo nossa atenção
plena. Quando conseguimos conservar nosso e q u ilíb rio e ficar
realmente quietos na meditação, a ansiedade e a fascinação, não
importa que pensamentos particulares surjam, perdem seu p o ­
der sobre nós, liberando nossa energia para flu ir desimpedida.
Quando nos libertamos da dominação da ansiedade e da
fascinação, cada m om ento nos oferece uma oportunidade para
despertar. Podemos romper o padrão que nos aprisiona, e pode­
mos encontrar, na energia que é liberada, a verdadeira fo n te de
alim ento e de satisfação, a liberdade natural da mente.

73
PARTE I I I

R E A L ID A D E E ILUSÃO
REALIDADE E ILUSÃO

De um ponto de vista convencional, o m undo das nossas


experiências é real. Certamente não é uma ilusão no sentido de
ser um coelho tirado de uma cartola. Mas, juntam ente com o
processo de considerar nosso mundo real, tendemos a considerar
m uito do nosso mundo, m uito da nossa experiência, com o per­
manente. Baseados nesta suposição, construím os um elaborado
ordenamento da reaiidade, utilizando as categorias de conceitos
que aceitamos de comum acordo, e que explicam a natureza do
nosso mundo.
Na verdade, porém, todos os diferentes aspectos da exis­
tência são transitórios: cada momento é uma mudança em rela­
ção ao que veio antes. Não há nada em nosso m undo que perdu­
re por m uito tem po. Não há realidade alguma em que se segurar,
e tudo aquilo em que tentarmos nos firm a r irá mudar.
Tão logo uma experiência ocorra, já ficou para trás. No en­
tanto, com freqüência, sentimos apenas vagamente que este
processo de mudança está se desenrolando — muitas mudanças
acontecem tão lentamente que não parecem estar acontecendo
em absoluto. Muitas vezes, não vemos o processo até que, de
repente, vemos o resultado. Por exemplo, quando olhamos para
trás, para nossa infância, vemos que não somos nem um pouco

76
— física ou mentalmente — os mesmos que éramos antes. No
entanto, ainda consideramos aquela criança como sendo nós.

A fim de entendermos mais claramente a transitoriedade,


às vezes, ajuda a pensar em nossas vidas como sendo um so­
nho. Quando estamos sonhando, aquilo que vivemos parece bas­
tante real: passamos momentos ju n to de nossos amigos, ouvimos
música, sentimos muitas sensações maravilhosas. Somente quan­
do acordamos do sonho descobrimos que a experiência não era
de fato “ real". O campo da mente serviu de palco para todas as
imagens, toda a ação, toda a linguagem do sonho. De modo bas­
tante similar, a mente do estado de vigília sustenta e ordena nos­
sos pensamentos, sentimentos e percepções que passam. O resul­
tado parece real e abrange o que conhecemos como a experiên­
cia comum. Todavia, quando olhamos para trás, para nossa ex­
periência, vemos que ela não se compõe de nada, a não ser de
pensamentos e de impressões transitórios.

Na verdade, pode ser m uito atemorizante, m uito ameaça­


dor, compreender que toda a experiência é transitória, que tudo
o que buscarmos irá sempre nos evadir. As mudanças são p e rtu r­
badoras e a idéia de mudança constante talvez seja mais incôm o­
da do que gostaríamos de imaginar. Queremos que nosso mundo
seja, ao’ menos em parte, sóiido e estável, algo em que possamos
nos apoiar. Não vemos que, se alguma parte da nossa existência
fosse fixa ou sólida, isto, na verdade, representaria um grande
obstáculo — pois o que perm ite crescimento e desenvolvimento
é a mudança. A transitoriedade não é, de modo algum, uma
ameaça; antes, é uma abertura para novos horizontes.

Há uma história sobre uma rã que vivia numa pequena la­


goa. Como nunca tinha ido a qualquer outro lugar, a rã pensava
que sua lagoa fosse o mundo in te iro . Então, um dia, uma ta rta ­
ruga chegou à lagoa e disse à rã que viera do oceano. Mas a rã
nunca tinha ouvido falar de um oceano e quis saber se era como
sua lagoa. “ Não", disse a tartaruga. "É m uito m a io r." "Três ve­
zes m aior?", perguntou a rã. A tartaruga continuou tentando ex­
plicar à rã o tamanho do oceano, mas esta não queria ouvir. Por

77
fim , a rã desmaiou: era apavorante até mesmo tentar pensar em
um lugar assim.

Como a rã, muitas vezes limitamos nossos horizontes, acre­


ditando apenas naquilo que nos é fam iliar. Embora cada sis­
tema de convicções possa expressar um certo aspecto da verda­
de, estes sistemas são todos baseados na consciência com um do
homem e, deste modo, podem apenas apontar para verdades
relativas, nunca para nada além. Enquanto um sistema de convic­
ções pertencer ao campo das idéias e conceitos, ele nos lim ita a
uma parte m u ito pequena do conhecimento que, de fato, nos
é disponível.
P ortanto, a fim de descobrir todas as possibilidades à nossa
frente, precisamos, de algum modo, aprender a ir "a lé m " da
consciência humana comum, e entrar no d o m ín io da experiên­
cia direta. Isso é d ifíc il de se conseguir porque nossa mente sabe
apenas com o seguir idéias, instruções e conceitos; portanto, pro­
jetamos a idéia de ir além, de transcender ou transm utar. Ainda
continuam os presos em uma idéia e, por isso, permanecemos no
nosso nível de consciência antigo. Enquanto seguirmos nossos
pensamentos deste modo, ficaremos no nível de consciência que
é lim itado a conceitos.

Por meio da meditação, podemos obter uma compreensão


da natureza m utante de toda a existência, e podemos, então,
nos abrir para uma nova maneira de ver. Inerente ao entendim en­
to de que nosso m undo cotidiano está, na verdade, sempre m u­
dando, está a compreensão da atenção pura intrínseca. Esta aten­
ção permeia todas as formas aparentemente sólidas. Quando co­
meçamos a abrir nossa perspectiva e a desenvolver esta atenção
pura, descobrimos um mundo vasto e inexplorado, um lugar em
que cada m om ento traz um tipo novo de experiência. É como
aprender a nadar. Quando tentamos freneticamente nos agarrar
a alguma coisa na água, a água nos atrapalha; mas quando rela­
xamos e boiamos, a água nos mantém à tona. Nosso am orteci­
mento, confusão e inquietude se desfazem juntam ente com to ­
das as outras ilusões, e nossa experiência adquire um novo sig-
nificado. Quando somos capazes de ver nosso mundo a p artir

78
da perspectiva da mudança, abrimo-nos para uma nova liberdade
e atenção plena.
Obstáculos ao nosso progresso ainda surgem, mas somos
capazes de contorná-los; aprender a " f lu ir " com a experiência
nos dá verdadeira estabilidade e liberdade. Quando descobrimos
a mudança como a natureza real da existência, nossa velha con­
cepção de mundo parece dim inuta e limitada. Nosso mundo
acorda para a vida; somos inteiros novamente. Uma nova reali­
dade emerge da antiga, como uma fênix do fogo.

79
A luno: As vezes, tenho consciência de que meu corpo está dei­
tado na cama e, no entanto, sei que estou sonhando. Como ou
p o r que isto acontece?
Rinpoche: No estado de sonho, é possível ver de várias maneiras
ou em várias dimensões ao mesmo tem po. Enquanto o estado
acordado é lim itado por conceitos do que é “ real" e "possível",
o estado do sono é naturalm ente mais aberto; ele cria padrões
espontaneamente, e não de maneira forçada. E por isto que os
sonhos podem ser im portantes para o desenvolvimento da aten­
ção plena. Perceber, durante o sonho, que o sonho é um sonho,
pode ser um grande benefício; podemos utilizar este conheci­
m ento para moldar nossos sonhos.
Podemos até mesmo aprender a moidar nossos sonhos a
p a rtir do nosso estado de vig ília , loguins adiantados são capazes
de fazer praticamente qualquer coisa em seus sonhos. Podem se
transform ar em dragões ou pássaros m íticos; ficar maiores, me­
nores ou desaparecer; vo lta r à infância e reviver experiências;
ou mesmo voar através do espaço.
No final do século X havia um mestre hindu chamado
Atisha que fo i convidado a ir ao Tibete para ensinar. Seus a lu ­
nos perguntaram como ele ia fazer isto sem conhecera língua, e
ele respondeu que iria se manifestar aos tibetanos e ensiná-los
por meio de seus sonhos. A linguagem dos sonhos é a mesma
em todas as culturas.
Geralmente, comparamos o estado de vigília ao conscien­
te, e o estado de sonho ao inconsciente. Mas em ambos os esta­
dos utilizamos o mesmo processo de raciocínio. Os estados de
sonho e de vigília não são tão diferentes assim um do o u tro .
Quando nos damos conta de que toda a existência é como um
sonho, o hiato entre o sono e a vida acordada deixa de existir.
As experiências que adquirim os com práticas executadas duran­
te nosso período de sonho podem então ser trazidas para nos­
sa experiência durante o dia. Por exem plo, podemos aprender
a transformar as imagens assustadoras que vemos nos nossos
sonhos em formas pacíficas. Empregando o mesmo processo,
podemos transmutar as emoções negativas que sentimos durante
o dia em uma atenção mais plena. Assim, podemos usar nossas
experiências nos sonhos para desenvolver uma atitude mais fle ­
xível.

A luno: Vejo que os sonhos que me incomodam afetam todo o


meu dia. Eles passam para o estado de vigília com m uita força.
Rinpoche: Quanto mais você entender a natureza dos sonhos,
menos eles vão incom odá-lo. Não há, na realidade, tanta diferen­
ça entre o que é agradável e o que é desagradável. Num sonho,
posso ver um rosto bon ito ou um rosto horrível. Eles são, am­
bos, somente expressões; são, ambos, apenas rostos.
No nosso nível habitual de compreensão, acreditamos exis­
t ir uma realidade dentro da qual precisamos nos colocar numa
posição fixa. Mas, gradativamente, podemos aprender a criar
nossa própria realidade. O mundo, nossa realidade, não é sóli­
do; tudo interage, tudo pode ser penetrado. Não há uma única
realidade. Quando percebemos que as situações não são concre­
tas com o pensávamos antes, nossa seriedade e tensão diante da
vida começam a se dissolver.
É proveitoso pensar em toda a nossa experiência com o sen­
do semelhante a um sonho. Então, quando fazemos isto, os con­
ceitos e auto-identidades que nos confinavam começam a se des­
manchar. Conform e nossa auto-identidade se torna menos r í ­
gida, nossos problemas se tornam mais leves. Ao mesmo tempo,
um nível m uito mais profundo de atenção pura se desenvolve.

Aluno: Com a prática, é relativamente fácil para mim, a esta a l­


tura, ver tanto o estado de sonho quanto o estado de vigília
como um sonho. Mas, quer eu esteja dorm indo, quer acordado,
ainda tenho um senso de "e u ". Exceto por algumas pouquíssi­
mas vezes na minha vida, o conhecedor e o conhecido permane­
cem separados, e o sentido de "e u " permanece bastante sólido,
como uma pedra, m u ito duro de penetrar. É fácil ver tudo fora
de m im como um sonho, mas ainda é m uito d ifíc il me ver como
um sonho.
Rinpoche: É d ifíc il nos livrarmos das garras do ego. No entanto,
uma vez que efetivamente nos damos conta de que tu d o é como
um sonho, o ego muda naturalmente. Não precisamos brigar com
o ego, porque não nos identificam os mais com ele.
Aluno: Quando nos damos conta de que tudo é um sonho, pare­
ce que poderíamos jogar qualquer jogo de ego que escolhêssemos.
Rinpoche: Quando temos de fa to essa compreensão, não é mais
o ego que está atuando. Nós nos tornam os a própria energia, de
modo que qualquer tipo de jogo não é pessoal.
Quando não estamos tolhidos pelas limitações do ego, nos­
sa energia é vívida e precisa, com o a luz do Sol — tão brilhante
que não se pode olhar para ela diretam ente. Nesse momento,
quando uma emoção surge, ela pode ser expandida até que fique
maior do que o nosso corpo, m aior do que uma montanha, maior
do que a Terra inteira e to d o o espaço. Ela se torna tão grande
que vai além da imaginação, além da mente. A experiência se
une àquele que a vive; isto é a expansão to ta l, a abertura to ta l.
A penetração nos leva além do pensamento, além da substância,
além da ação.

Aluno: Rinpoche, vejo que quanto mais eu m edito, cada vez mais
consigo lembrar das experiências nos meus sonhos.
Rinpoche: Isto é porque na meditação sua mente fica calma e si­
lenciosa. Nossas lembranças estão sempre conosco e a calma per­
mite-nos ver um maior número delas. Quando meditamos, pode­
mos pensar que a mente está vazia, mas nossas mentes estão ape­
nas mais claras do que de costume. Quando nossa mente se as­
senta, conseguimos ver mais claramente o que está debaixo da
superfície.

Aluno: Procurar o começo de um sonho é igual a procurar o co­


meço de um pensamento?
Rinpoche: Sim, há semelhanças. Mesmo quando olhamos de per­
to, é d ifíc il encontrar o começo ou o finalzinho de um sonho. O
mesmo é verdade quando tentamos apanhar o começo de um
pensamento ou o lugar em que o pensamento termina.

Aluno: Tenho a sensação de que um processo se desenrola quan­


do estou dormindo ou acordado. Estar acordado é como dar um
passo com o pé esquerdo; aí, estar d orm indo é como dar um ou-
tm passo com o pé d ire ito : dia e noite. E o sonhar faz parte da
vida.

M
Rinpoche: Nós temos a mesma mente, tanto acordados como
dorm indo.

Aluno: Na realidade do estado de vigília, quando interajo com


uma pessoa, sinto que há alguém ali que está respondendo. Mas,
na realidade do sonho, há alguém ali?
Rinpoche: Há um texto que contém um diálogo, num sonho,
em que duas pessoas conversam. Uma diz: "Se você vier para o
meu sonho, vou conversar com você, do mesmo modo que esta­
mos conversando agora." Isto, na verdade, é possível, mas não
quero lhe dar a impressão de que o estado o nírico e o estado de
vigília são exatamente o mesmo. Posso dizer isto em termos f i ­
losóficos e fazer com que esta afirmação tenha sentido intelec­
tual; mas, na prática, não podemos dizer que este estado é igual
ao estado de vigília.

Aluno: Se eu tenho um diálogo com um amigo que morreu, eu


estou só sonhando com ele ou estou, de fato, me com unicando
com ele?
Rinpoche: No nível do sonho, você está se com unicando. Quan­
do seu amigo morre, você tom a o fato como real. Quando você
se comunica com ele num sonho, isto também é real — a expe­
riência existe. Quando examinamos de perto, o que é real e o
que não é real é determinado por nossa experiência. Seu sonho
é uma experiência ou não?

Aluno: N\as ele também está vivendo a experiência?


Rinpoche: Não sabemos se alguém está vivendo a mesma coisa
que nós — é m uito d ifíc il determinar, mesmo quando esta­
mos acordados. Ele está tendo uma experiência mas não é igual
à sua experiência. Eu sou real; existe alguma outra coisa além da
minha experiência da pessoa do outro?

Aluno: Então, as duas realidades são uma só coisa: há separação


numa reaiidade enquanto que na outra realidade não há separa­
ção. É isto que você está dizendo? Há uma polaridade e não há
uma polaridade.

8b
Rinpoche: Para entender a natureza da realidade é preciso um
número m uito grande de explicações. Pode ser confuso. O que é
verdade para mim, pode não ser verdade para uma outra pessoa.
Porém, todos concordamos quanto à realidade convencional. Is­
to é uma mesa. Conceitualmente, não temos nenhum problema
em aceitar que isto é uma mesa. Estamos todos de acordo.

Aluno: Se eu pensasse que talvez isto não fosse uma mesa, isto
alteraria a percepção que as outras pessoas têm do objeto?
Rinpoche: Enquanto nós todos acreditarmos na mesa, não.

Aluno: Isto tudo quer dizer que, se a minha meditação fosse


perfeita, então eu poderia ver toda a minha vida acontecendo
como parte da minha meditação, dia e noite, acordado e d or­
mindo?
Rinpoche: Uma das finalidades de se aprender sobre sonhos é
nos ajudar a perceber que as distinções que criamos, como por
exemplo entre o real e o irreal, a dor e o prazer, não têm um fu n ­
damento real. Nós percebemos que a totalidade da nossa expe­
riência é um sonho, que o sonho não é apenas o que vivencia-
mos quando dormimos à noite.

Aluno: Meu objetivo ao examinar estas questões é tentar fazer


cessar o sofrimento. Como fazemos cessar o sofrimento na vida
desperta? Os elementos que existem quando estamos dormindo
e sonhando também existem quando acordamos?
Rinpoche: Mas a questão é: o que realmente significa acordado?

Aluno: Bem, de uma forma simples, significa que os nossos olhos


estão abertos.
Rinpoche: Isto é bem verdade, mas talvez não seja o suficiente.
A consciência é bastante semelhante a um sonho. Um sonho não
está de fato ali. Sem fundamento ou causa, ele simplesmente
aparece. Do mesmo modo, mesmo enquanto eu vivendo este
aparecimento, nada está acontecendo, na verdade.

Aluno: Mas a consciência está acontecendo.


Rinpoche: Não. A consciência é como um sonho. Eles são quase
que a mesma coisa. Não podemos dizer que seja exatamente o
mesmo, mas o sonho está m uito próxim o da natureza da cons­
ciência. O problema é que nós nos prendemos em distinções en­
tre os níveis de realidade do mundo dos sonhos e do mundo real.
Mas, se os examinarmos com bastante cuidado, constataremos
que os dois estão m uito próxim os. Durante a noite, quando algu­
ma coisa aparece num sonho, o próprio aparecimento é, em si,
sem substância. O que aparece, o que vem, não pode ser visto.
Portanto, a figura, a imagem, o sonho, não existe. É a não-exis­
tência que estamos vendo.
Quanto mais profundam ente esta compreensão se estabe­
lece, tanto mais flexível passa a ser nossa capacidade de viven-
ciar plenamente a vida. Ao perceber mais a fundo a natureza do
processo do sonho, podemos chegar mais perto da realidade
que se encontra dentro do sonho. Podemos vir a conhecer nos­
sos sonhos tão bem que conseguimos controlá-los como uma te ­
levisão. Esse conhecimento pode então ser utilizado, na nossa
realidade do estado de vigília, para mudar nosso modo de pen­
sar. Podemos transform ar um dragão num nenezinho.
A lun o: Mas não podemos fazer com que todas as outras pessoas
acreditem nisto.
Rinpoche: Não, essa realidade é individual. Geralmente, não po ­
demos ver os sonhos uns dos outros. Quando estamos sonhando,
aquele mundo é todo o nosso mundo consciente. Naquele m o­
mento, é possível ver o quanto podemos manipulá-lo, refiná-lo
e transcendê-lo — o quanto podemos jogar. Gradualmente, per­
cebemos que, sendo nós mesmos uma projeção, somos tão fle ­
xíveis quanto as outras imagens. Assim, podemos aprender a nos
mudar também. Além disso, conform e nos desenvolvemos psi­
quicamente, é possível que possamos com partilhar dos sonhos
dos nossos amigos.
Aluno: Na noite passada, sonhei que estava em pé num campo
amplo. Enquanto estava lá, sem nenhum esforço, desci escorre­
gando por um caminho coberto de areia e pedregulho. Era um
prazer maravilhoso. Nunca tinha feito isto.
Rinpoche: 0 sonho que você estava projetando era livre das li­
mitações do tem po ou das categorias do que é "re a l" ou "irre a l".

87
Tanto o estado de vigília quanto o estado de sono são com o es­
pelhos. Você estava olhando para o seu rosto no espelho, que
nesse caso era o sonho. 0 sonho em si mesmo não tem funda­
mento algum. É como uma bolha; a imagem não tem uma se­
mente. Onde estão as imagens do sonho de ontem à noite?
Para onde elas desapareceram?

A luno: E as imagens que chegaram à minha percepção ontem ,


em meu apartam ento; elas também se foram . Há, aparentemen­
te, dois sonhos acontecendo — um que temos quando estamos
dorm indo e o u tro que temos o resto do tem po. Eles são a mes­
ma coisa?
Rinpoche: Sob alguns aspectos, eles são a mesma coisa; sob ou ­
tros, não. Basicamente, há dois tipos de experiência na vida: o
estado de vig ília e o estado de sonho. E como um ponto que,
por alguma razão, tem dois lados. Se você quer se convencer de
que sonhar não é mais ilusório do que estar acordado, lembre-se
das vezes em que você está sonhando, mas não d orm indo —
quando você subitamente se dá conta de que está em algum lugar,
mas não sabe com o foi parar lá. Ou você vê imagens fantásticas
que fazem você rir ou chorar. Estas imagens são m u ito seme­
lhantes, tanto no estado de sonho com o no de vig ília . Com fre ­
quência, durante o dia, ficamos tão presos em imagens oníricas
que perdemos de vista o lugar onde estamos. É com o viver num
m undo de ficção.

A luno: Parece que tudo é uma ilusão, e este pensamento me as­


susta.
Rinpoche: O que você quer dizer com "assusta” ?

Aluno: Quero dizer que estou vivendo em uma não-realidade


agora.
Rinpoche: Mas isso significa que você está começando a com pre­
ender. Talvez você não perceba por inteiro a experiência que es­
tá acontecendo, mas você tem uma noção, uma noção interpre-
liit iva. Como você ainda não está realmente vivenciando a expe-
riôncia, há o medo. Mas isso também faz parte do sonho.

HM
Aluno: Há algum modo de nos livrarmos desse medo?
Rinpoche: O medo faz parte do vão, da separação que vemos
entre o sonho e a realidade do estado de vigília. Mas, na verda­
de, a natureza de toda a nossa experiência é a de um sonho. D i­
gamos que eu tenha um sonho em que um tigre, um cachorro e
uma cobra estão todos me atacando, e eu sinta medo. É apenas
quando acordo de manhã que percebo que todo o programa do
sonho fazia parte de mim. A mesma coisa acontece quando você
se torna ilum inado: nesse momento, você se dá conta de que t o ­
do o samsara faz parte da sua própria criação. Você está criando
toda a sua experiência.
Quando temos experiências com sonhos à noite, podemos
aplicar o que aprendemos nesses sonhos para tornar as nossas
vidas mais fáceis e sadias. Passar do estado de sonho para o es­
tado de vigília é como cruzar uma ponte, de um nível de consci­
ência para o u tro . Com atenção plena e prática, podemos fazer
uma viagem divertida.

Aluno: Eu consigo me ligar nisto. Mas, me ligar em coisas com o


ver o sofrim ento e a m orte com o um sonho, parece errado, por
alguma razão.
Rinpoche: O problema é que você não respeita o sonho ou não
acredita realmente nele. Em alguma medida, você ganhou cons­
ciência da qualidade onírica da sua experiência, mas você não
percebe, ainda, que o sonho é o que você está vivenciando. Não
é tão-somente uma idéia sobreposta à situação.

Aluno: Se eu pensar que a m orte faz parte do sonho, então não


vou sentir a realidade da m orte de uma pessoa, nem com o ela
me afeta.
Rinpoche: Se você de fato acreditasse que a realidade é um so­
nho, então não se relacionaria com a morte a p a rtir do espaço
lim itado que diz que a m orte é uma coisa ruim , so frim ento,
c h o ro ... Um o u tro ponto é que não devemos pensar no sonho
como abrangendo apenas objetos externos. Na verdade, todo o
nosso senso subjetivo, todas as nossas percepções, toda a nossa
consciência — tu do — é um sonho. 0 sonho não consiste s im ­
plesmente nas imagens da nossa percepção.
A luno: Então, se eu quero fazer esta prática, devo ficar me d i­
zendo isso, com uma voz na minha cabeça?
Rinpoche: Não, perceba o fato diretamente. Quando você ten­
ta forçar ou se convencer, não funciona.

Aluno: Como ficam as coisas quando você se dá conta de que tu ­


do é um sonho?
Rinpoche: Ficam m u ito , m uito interessantes, além de prazerosas.

Aluno: É por isso que podemos dizer que samsara é nirvana?


Rinpoche: Sim. Isto parece bem próxim o do cam inho.

Aluno: O que acontece quando você passa a saber?


Rinpoche: Mesmo as coisas mais difíceis se tornam divertidas e
fáceis. Quando você compreende que tudo é com o um sonho,
você alcança a atenção plena. A maneira de alcançar esta aten­
ção é compreender que toda a experiência é como um sonho.

<)()
O LÓTUS DO SONHO

Nos sonhos, podemos fazer o impossível — podemos trans­


form ar nosso corpo, usar de telepatia e até voar. Nosso estado de
sonho é como sondar as profundezas do oceano, ao passo que
nosso estado de vigília é como navegar na superfície do mar.
Como os sonhos não são elaborados de form a consciente, mas
brotam espontaneamente, conseguem se desviar dos filtro s exis­
tentes em nossa consciência do estado de vigília. Nossos sonhos
podem nos levar a um conhecimento inalcançável em estado
desperto.
Todavia, nem sempre é fácil trabalhar com o estado de so­
nho, pois ainda precisamos usar nossos conceitos comuns para
entrar em contato com as experiências oníricas. Há formas, p o ­
rém, de nos sintonizarmos com a densidade e o ritm o do padrão
dos sonhos, e, assim, explorarmos essa fonte de conhecimento.
Uma delas é praticar certas visualizações logo antes de irmos d o r­
mir.
A fim de favorecer este tipo de visualização, o ideal é criar
uma qualidade de sentimento adequada, relaxando-nos de mo­
do p rofundo, imediatamente antes do sono. Em especial, relaxe
a cabeça e os olhos, os músculos do pescoço e as costas, e, por
fim , relaxe to d o o seu corpo. Solte toda a tensão e, limpando a
mente tanto quanto possível, simplesmente fique deitado e res­

91
pire de forma muito lenta e suave. Deixe seu corpo e sua mente
sentirem a qualidade leve e reconfortante do relaxamento.
Em seguida, conduza a mente da maneira delicada como
você, talvez, conduziria uma criança pequena. A mente gosta
muitíssimo de sentimentos; por isso, faça-a assentar-se com sen­
timentos calorosos, alegres e tranqüilos. A mente pára de ficar
pulando de um lugar para outro; suas preocupações e conceitos
vão desaparecendo e você será capaz de relaxar profundamente.
Agora, você está em condição de visualizar de modo eficaz.

Quando você estiver se sentindo bem calmo e sereno, visua­


lize uma flo r de lótus linda e suave, em sua garganta. O lótus
tem pétalas rosa-claro que se curvam ligeiramente para dentro;
e, no centro deste lótus, há uma chama luminosa de cor laranja-
avermelhado, que é clara nas bordas, passando a uma tonalidade
mais escura no centro. Olhando com bastante suavidade, concen­
tre-se na ponta da chama, e continue a visualizá-la tanto tempo
quanto puder.
Esta chama representa a atenção pura, que tem a mesma
qualidade luminosa da energia do sonho. As experiências da
nossa vida no sonho e no estado desperto têm características
diferentes. Mas, visto que sua estrutura é essencialmente a mes­
ma, a atenção plena de um estado pode passar desimpedida pa­
ra o outro.

Continue a manter a imagem do lótus e da chama. À me­


dida que você faz isto, observe como os pensamentos surgem e
como a imagem visual do lótus se entrelaça com eles. Note
como esses pensamentos e imagens refletem as suas próprias
associações, passadas e presentes, bem como as suas projeções
futuras. Observe este processo, mas continue a se concentrar no
lótus, de modo que sua visualização permaneça clara.

Pode ser que outras imagens continuem a entrar em sua


mente, e talvez você sinta que não possa conservar a mente li­
vre de pensamentos nem por um m inuto. Não se preocupe com
eles; apenas observe o que acontece, seja o que for. Embora ou­
tras imagens e pensamentos apareçam na mente, enquanto o fio
da visualização permanecer intato, ele vai se transpor para o
sonho. Todavia, tentar interpretar ou "pensar sobre" sua visua­
lização quebrará este fio. Cria-se um hiato entre o estado de vi­
gília e o do sonho, e sua visualização e sua atenção pura se per­
dem; sua atenção pura vai se perder no sonho. Portanto, tome
cuidado para não forçar a visualização; apenas deixe que ela
aconteça, mantendo, porém, sua concentração no lótus.
Deixe que a forma se reflita sobre sua atenção pura até que
sua atenção e a imagem se tornem uma só coisa. Então, não ha­
verá espaço para pensamentos — esta é a contemplação plena.
Quando a concentração é completa, sujeito, consciência, objeto,
imagens — , todos se tornam uma só coisa.

De in íc io , quando você passa para o estado dos sonhos e


as imagens aparecem, talvez você não se lembre de onde elas vie­
ram. Porém, sua atenção pura irá naturalmente se desenvolver,
até que você seja capaz de ver que está sonhando. Quando o b ­
servar com m u ito cuidado, será capaz de ver toda a criação e a
evolução do sonho. As imagens do sonho, que a p rin cíp io são
borradas e difusas, vão se tornando claras e abrangentes.
Esta atenção clara é como ter um órgão especial de cons­
ciência que nos possibilita ver o estado de vigília a p a rtir do es-
tado.de sonho. Por meio desta prática, podemos ver uma outra
dimensão da experiência, e ter acesso a uma outra form a de co ­
nhecimento de como a experiência surge. Isso é im portante, pois,
quando sabemos isto, podemos moldar nossas vidas. As imagens
que emergem da atenção pura no sonho irão intensificar nossa
atenção pura no estado de vigília, perm itindo-nos ver melhor a
natureza da existência.

Com prática continuada, vemos cada vez menos diferença


entre o estado de vigília e o estado de sonho. Nossas experiên­
cias na vida acordada se tornam mais vívidas e diversificadas,
como resultado de uma atenção plena mais leve e refinada. Não
ficamos mais limitados pelas concepções convencionais de tem ­
po, espaço, form a e energia. Dentro dessa perspectiva mais vas­
ta, podemos também verificar que os assim chamados feitos e
lendas sobrenaturais dos grandes ioguins e mestres-não-são,mi­
tos ou milagres. Quando a consciência une os vários pólos da
experiência e passa além dos limites do pensamento convencio­
nal, poderes ou habilidades psíquicos são, na verdade, naturais.
Este tip o de atenção plena, baseada na prática com sonhos,
pode ajudar a criar um e qu ilíbrio interno. A atenção plena a li­
menta a mente de um modo que nutre todo o nosso organismo.
A atenção plena lança luz sobre facetas da mente até então não
vistas, e ilum ina o caminho para que exploremos dimensões sem­
pre novas da realidade.

04
A BASE PRIMORDIAL DO SER

Comumente, nós vemos apenas a superfície da nossa expe­


riência. A poeira de inúmeros conceitos e interpretações embota
nossos sentidos e percepções, de modo que podemos ver somen­
te uma pequena parcela do que está realmente acontecendo.
Não é de adm irar que, com tanta freqüência, a vida pareça in ­
satisfatória — não conseguimos mais ver a sua riqueza.
A mente tem uma complexidade linda, mas nossa percep­
ção com um não nos permite vê-la. Nossa mente é com o um raio
laser que é capaz de atravessar instantaneamente uma resma de
papel... no entanto, vemos apenas um furo, embora haja cen­
tenas deles. Apesar de cada camada da nossa consciência ser to ­
cada peias experiências, uma a uma, nossa atenção norm alm ente
não é pura e precisa o suficiente para nos perm itir ver estes níveis.
O prim eiro estágio da experiência é o que poderíamos cha­
mar de a base prim ordial do ser. Todavia, "atenção plena" seria
um term o m elhor para a experiência desse estágio, pois ao nível
desta base nós, na realidade, não "vivemos qualquer experiên­
cia ": nossa consciência não registra percepções enquanto tais.
Nele, não há diferença alguma entre o físico e o mental, ou en­
tre sujeito e objeto.
Podemos vivenciar o nível desta base ocasionalmente,
quando estamos m uito embriagados ou sob o efeito de drogas;

95
quando estamos m uito felizes; quando estamos à beira da mor­
te; quando estamos gravemente feridos ou talvez inconscientes
em virtude de um acidente. Este nível aparece instantaneamen­
te. Não há preparação para essa experiência pois, nessas ocasiões,
não há qualquer noção de tem po, qualquer noção de passado ou
futuro. O nível desta base é como um espaço aberto; não há ne­
nhum senso específico de consciência. A mente se apresenta co­
mo se todas as percepções sensoriais estivessem encerradas den­
tro do que foi descrito como um buraco negro — uma negritu­
de que não é opressiva mas, sim, um tipo de abertura.

Na maioria das situações, a experiência dessa esfera prim or­


dial não dura m uito tempo. Mas, enquanto dura, ela abrange to ­
das as coisas; tudo funciona dentro dela: a mente, a consciência
e todas as percepções. Embora essa base não tenha qualidades
específicas, ela é a fonte de toda a experiência, e dela nascem
todos os pensamentos e imagens que compreendem o nosso
mundo conceituai.

Todos nós fazemos parte do ser; nós somos o ser. Toda a


nossa experiência de vida consiste nesse ser, neste terreno, que
abarca toda a existência. O nirvana e o samsara manifestam-se,
ambos, dentro desse nível prim ordial. Quanto mais entendemos
isto, mais a vida se torna rica e preenchedora. Vemos que o te r­
reno do ser é totalm ente aberto; tudo se manifesta ali. Nada p o ­
de destruir essa abertura.

A meditação nos possibilita permanecer na esfera deste


terreno ou base por períodos de tempo mais longos. Por ser um
estado m uito sereno, livre de desejos e de emoções conflituosas,
alguns dos discípulos do Buda permaneceram neste nível por
centenas de anos. Todavia, o terreno prim ordial é apenas um es­
tágio inicial; nada pode, de fato, ser compreendido aí. A mente
naturalmente se movimenta do nível deste terreno para um se­
gundo estágio, que é um nível mais consciente, semelhante a um
reconhecimento. Este segundo estágio não consiste, na verdade,
nas percepções sensoriais, mas, sim, numa qualidade intuitiva e
vidente, uma leveza e clareza. Por meio de um desenvolvimento
m uito sensitivo da nossa atenção plena, nós tocamos diretam en­
te esse segundo nível intuitivo.
O prim eiro estágio da experiência é como tocar o solo; o
segundo estágio é como olhar em volta; e, então, ocorre o tercei­
ro estágio, que é como examinar o horizonte — observar com
mais precisão e perceptividade. O que geralmente denominamos
"e xperiência" é produzido no segundo e terceiro níveis. Pode­
mos aprender a reconhecer estes três níveis de experiência em
cada pensamento: prim eiro, a esfera do terreno prim ordial; então,
reconhecemos a quaiidade da experiência; finalmente, aprende­
mos a prolongar a experiência tanto quanto possível.

À medida que nos fam iliarizam os mais com as distinções e


qualidades de cada um desses níveis de experiência, somos ca­
pazes de apreciar as sutis complexidades e o funcionam ento mais
interno da mente. Até que a nossa percepção tenha se desenvol­
vido desta maneira, somos com o uma pessoa que nunca comeu
damasco: não conseguimos imaginar o seu sabor. Mas, uma vez
que adquiramos a habilidade de perceber o nascimento e o flu x o
dos pensamentos, seremos capazes de ir além desse nível de per­
cepção, para vivenciar um nível que é semelhante ao frescor das
percepções da infância. Somos capazes de experienciar direta­
mente a mente, como um processo. Quando podemos alçar vôo,
quando conseguimos transm utar a qualidade da mente, então
nos aproxim am os da verdadeira liberdade.

97
PARTE IV

A LÉ M DOS SIG N IFICADO S

V'

'■ >■
DIMENSÕES DA MEDITAÇÃO

A experiência m editativa possui muitas dimensões. Pode­


mos ter uma experiência linda, m uito satisfatória e agradável,
mas esta experiência ainda é limitada, porque "pertence" a um
"e u ". Há um quadro de referência a partir do qual reagimos e,
portanto, iremos perder a experiência. Deste modo, continua­
mos a ter nossos altos e baixos. Mais tarde, pode ser que a nossa
experiência meditativa se expanda, tornando-se ilim itada: sem
um ponto de referência, sem um centro. Tudo, sem exceção, faz
parte da meditação. Isto pode levar ao terceiro estágio, onde
não há distinções a serem feitas. Nós acordamos e vemos que a
realidade e a verdade não são apenas unidimensionais, mas, co ­
mo uma pedra preciosa, possuem muitas facetas. Este nível con­
siste na atenção pura.

Aluno: No nível da atenção pura, nós temos pensamentos mas


estamos, de algum modo, além dos pensamentos?
Rinpoche: Estamos acima dos pensamentos, nos pensamentos,
fora dos pensamentos. Podemos ainda ver os pensamentos, mas
não nos envolvemos com eles. Eles apenas iatem de mansinho —
não mordem com muita força.

Aluno: Como podemos ter consciência de que estamos m editan­


do desta maneira?

100
Rinpoche: É possível alguém gastar muitos anos praticando, sem
fazer progressos substanciais. Mas podemos distinguir quando es­
tamos meditando bem, pois nos níveis mais elevados de m edita­
ção não temos ciência de que estamos fazendo coisa alguma —
não há movimento reflexivo. Enquanto houver paredes, enquan­
to houver parâmetros, vamos questionar e tentar medir o espa­
ço. Mas, desde que entremos no espaço aberto da meditação,
não podemos dividi-lo deste ou daquele modo. As perguntas já
não se aplicam mais.
Quando começamos a meditar, é importante abrir mão de
todos os pensamentos; libertarmo-nos do seu passado e do seu
futuro. No espaço entre eles, encontramos a meditação. Mas,
conforme nossa meditação se torna mais desenvolvida, uma qua­
lidade meditativa pode ser descoberta intrinsecamente dentro de
cada pensamento e de cada emoção. A meditação, então, passa a
ser uma parte natural de nós mesmos — uma experiência que p o ­
demos sustentar ao longo da nossa vida diária.

Aluno: Você está dizendo que podemos usar nossos problemas


do dia-a-dia como base para a meditação?
Rinpoche: Todas as experiências que vivemos, sejam quais f o ­
rem, podem se tornar a nossa meditação; em nossa meditação,
porém, não devemos tentar classificar e selecionar. Nossa respi­
ração, sentimentos, tensão muscular, desejos, ego, voracidade e
confusão — tudo o que vivemos pode ser nossa meditação. A
meditação, na realidade, faz parte de nós e não podemos nos
afastar de nós mesmos.
A meditação não só pode nos ajudar a resolver nossos p ro ­
blemas, como também pode nos proteger do aparecimento de­
les. O processo da meditação nos relaxa e nos acalma, de modo
que, quando quaisquer conceitos e emoções surgem, eles não
nos puxam mais para o seu contexto. E, desta forma, seu poder
sobre nós começa a sè dissolver.

Aluno: Tenho uma tendência a confundir concentração com


tensionamento e esforço. Se eu entendo o que você está dizen­
do, isto não é correto; eu devo ser mais descontraído.

101
Rinpoche: A meditação é uma concentração não rígida. Para o
principiante, a concentração requer esforço. Mas, embora haja
volição, não deve haver força.

Aluno: 0 que é exatamente o ego?


Rinpoche: O ego está intim am ente relacionado com voracidade
e identidade. Mas, quando aprendemos a meditar, o ego começa
a perder seu poder sobre nós.

Aluno: No meu conceito, equaciono ego com consciência.


Rinpoche: Mas este conceito está baseado em certas imagens ou
interpretações que surgem p o r interm édio dos seus sentimentos
e sentidos — elas são apenas padrões, sem qualquer significado
substantivo. A pessoa que pode confiar em sua meditação des­
cobre que a experiência não tem nome nem forma.
Muitas pessoas sentem que a essência e o ego são a mesma
coisa. Quanto mais profunda a investigação e mais refinada a
compreensão, mais fo rte o entendim ento de que não existe um
absoluto, uma essência, um ego. Estas são apenas paiavras vazias
que não contêm nenhum significado.

Aluno: Parece que, sempre que m edito, minha mente é constan­


temente inundada por imagens.
Rinpoche: Às vezes, quando nos concentramos, imagens sub­
conscientes — recordações e arquétipos — chegam à superfície.
Muitas experiências não conhecidas parecem pular para a cons­
ciência. Algumas técnicas de meditação revolvem e inflam estas
imagens. Este tip o de experiência significa que você está no cam i­
nho da meditação. A concentração, naturalmente, leva a tais ex­
periências, mas a concentração também leva para além delas.
Relaxe-se e abra mão do "observador". Tente não estar ciente
de coisa alguma. Use de paciência. Volte para dentro da sua me­
ditação e tente ficar em co nta to com a sensação de relaxamento
p ro fu n d o ... Conforme sua experiência da meditação fo r se apro­
fundando, sua inquietude irá naturalmente declinar.
Portanto, não preste atenção à quantidade ou qualidade da
m m meditação. Apenas conserve-a aberta. Você é o centro da

m m meditação.
A luno: Freqüentemente, quando tento me concentrar ou quan­
do tento meditar, fico com d o r de cabeça.
Rinpoche: Então sua meditação está sendo rígida ou dura de­
mais. Esqueça o conceito de meditação; sclte-se do sentimento
de posse. Quando você tem uma experiência boa ou má, você
sente que é o dono dela. Este segurar gera contração. Quando
conseguir abrir mão da experiência, suas dores de cabeça irão
desaparecer. Muitas vezes, somos cuidadosos demais com a me­
ditação, e agimos como se estivéssemos num quarto com um be­
bê d orm indo: qualquer barulho fará o bebê acordar. Precisamos
relaxar e soltar esta atitude.
Seja gentil com o seu corpo. Massageie com delicadeza os
músculos do pescoço para que ali a energia se movimente livre­
mente. Solte todas as suas tensões e resistências. Você não pre­
cisa fazer nada em particular. Seus olhos, mãos, estômago, os­
sos e músculos estão todos tom ando conta de si mesmos. Deixe
sua atenção pura flu ir pelo seu corpo e mente.

A luno: Mas não é necessário que a pessoa no caminho espiritual


tenha algum tip o de guru ou in stru to r pessoal?
Rinpoche: É m uito d ifíc il generalizar. Algumas pessoas, talvez,
precisem de um guru — outras, talvez, não. O único modo de sa­
ber é olhar dentro do seu coração e ver se você consegue progre­
dir, de fa to , sem que seu ego ou seu auto-engano se ponha no
caminho.

Aluno: Qual é o papel que a reiigião efetivamente tem a desem­


penhar na meditação?
Rinpoche: Religião e devoção são úteis — são um outro aspecto
da meditação. O sentimento religioso pode ser m uito im portan­
te, pois, assim que você crê e segue, sua consciência segue ta m ­
bém. Enquanto você acreditar e tiver fé e devoção, fará progres­
sos.

Aluno: Ela é apenas um outro instrumento?


Rinpoche: Certo. Não é a única via, mas é um instrumento
m uito im portante.

103
Aluno: Ela pode se transform ar num apego?
Rinpoche: Sim. Vocé pode se to rna r apegado ao ouro ou à m edi­
tação, à sua casa ou a pessoas. Você pode se apegar a qualquer
coisa. Não há diferença: um apego é, ainda, um apego.

Aluno: E a filosofia?
Rinpoche: A filosofia, antes de mais nada, se ocupa de pensa­
mentos e conceitos. Os pensamentos e conceitos vão se refinan­
do e, então, ganham uma direção. Essa direção chega a um pon­
to em que se torna uma regra e, depois, um sistema. 0 sistema
cresce e, pouco a pouco, uma consciência ética se forma — certo
e errado, positivo e negativo, virtude e mérito, carma ruim — ,
coisas dessa natureza. Gradualmente, então, à medida que a filo ­
sofia se torna um modelo, passa a ser restrita e amarrada a m u i­
tos detalhes complexos.
Quanto mais perguntas form ulam os, mais perguntas pas­
sam a existir. Por fim , percebemos que não precisamos fazer per­
guntas, pois não há respostas definitivas. Mas, se não começar­
mos fazendo as perguntas, talvez nunca iremos nos dar conta dis­
to. Em certo sentido, nosso conhecimento comum não é in ú til,
porque nos ajuda a aprender como dar respostas... mas ele ta m ­
bém nos mostra que as perguntas não têm fim . É como esfregar
dois pedaços de madeira um no outro. Eles se aquecem e aca­
bam consumidos pelo fogo. Assim é o conhecimento intelectual.
O único modo de não dar respostas é perceber, defin itiva ­
mente, que não há respostas. Dar respostas não é a resposta. Dar
respostas contribui para as perguntas, e elas meramente repetem
o ciclo. As perguntas e respostas não levam a lugar algum; elas
se reaümentam umas às outras.

Aluno: Por que você nos incentivou a fazer perguntas?


Rinpoche: Nós temos pensamentos, e expressá-los é algo que po ­
de ajudar. Quando fazemos perguntas, podemos ver onde esta­
mos. Indagar é uma forma de conhecer; outra é por meio da ex­
periência. Quando ambas ocorrem ao mesmo tempo, é ótim o,
mas às vezes não conseguimos sentir a experiência. No final, tu ­
do se torna uma só coisa e não há diferenças.
Perguntas e respostas não levam m u ito longe, mas podem
representar uma experiência ú til, e não algo a ser rejeitado.
Quando descartamos a filosofia e a compreensão intelectual, iso­
lamo-nos de uma parte im portante de nós mesmos. Quando esti­
vermos vivendo, estudando e trabalhando no mundo, precisare­
mos fazer esse tip o de exercício ta n to quanto possível. Mas,
quando estivermos meditando, não deve haver indagações.
Quando você estiver intelectualm ente confuso, tente, com
a meditação, sentir a confusão; trabalhe com ela. Isto não é uma
perda de tem po — tudo é um processo de aprendizagem. Quan­
do você acorda pela manhã, perceba que aquele é o m omento;
ali está o desafio. Tente aprender a cada instante; suas aulas
ocorrem na vida diária. Você está participando de jogos no cam­
po da meditação vinte e quatro horas p or dia. O desafio é: "Que
lado está ganhando: o positivo ou o negativo?" " 0 que estamos
conseguindo?" Em um sentido ú ltim o , não há nem ganho nem
perda; mas, até que entendamos esta verdade, continuaremos a
nos envolver com ganho e perda. P ortanto, por ora, nós traba­
lhamos com o que temos.

105
PENSAMENTOS

Quando somos capazes de aquietar nosso corpo, respiração e


mente, surge naturaimente uma sensação m uito confortável e
apaziguadora. E, à medida que expandimos essa sensação, ve­
mos que, dentro deia, nos sentimos m u ito em casa... podemos
voltar a essa sensação inúmeras vezes na meditação diária. Pode­
mos começar praticando apenas uns poucos minutos a cada dia.
Um dia, porém, conform e prolongam os estes períodos, vemos
que podemos meditar sem esforço. E, por meio do contato repe­
tido com essa sensação, nossa concentração se desenvolve natu­
ralmente. Nosso progresso, no entanto, pode ficar prejudicado
se tentarmos interpretar essas sensações intelectualmente, pois
o processo do pensamento, ele próprio, nos separa da expe­
riência.
Nossos pensamentos fazem ta nto parte de nós que, mesmo
quando estamos meditando, tendemos a aceitar o mundo das
idéias e conceitos como a nossa realidade. Nós nos limitamos a
essa esfera conhecida e, por conseguinte, limitamos a nossa medi­
tação. Enxergamos claramente esse efeito quando examinamos
de perto a natureza dos pensamentos.

Quando surge um pensamento na mente, nós nos '"apega­


m os" a ele como se fosse nosso filh o . Nós nos sentimos como

10(3
mães dos nossos pensamentos; na realidade, porém, isto é uma
peça que a mente nos prega. De fato, se observarmos com cuida­
do e tentarmos permanecer desapegados, poderemos ver que
cada pensamento surge e se vai sem uma ligação efetiva com o
subseqüente. Os pensamentos tendem a ser erráticos, a pular de
uma coisa para outra, como cangurus. Cada pensamento tem sua
própria natureza. Alguns são lentos e outros rápidos; um pensa­
mento pode ser muito positivo, e o próxim o, m uito negativo. Os
pensamentos estão só de passagem, como os carros que passam
por uma estrada. Em sucessão muito rápida, um pensamento
aparece à medida que o últim o some de vista.
À medida que um pensamento leva ao próxim o, parece que
eles têm uma certa direção; mas, apesar da sensação de movi­
mento, não há uma progressão verdadeira. Os eventos mentais —
os pensamentos — são como um film e: embora exista uma sensa­
ção de continuidade, a continuidade, em si, é uma ilusão criada
pela projeção de uma série de imagens semelhantes mas, na ver­
dade, distintas.

À medida que um determinado pensamento ou idéia apare­


ce, ele começa a tomar forma, como um bebê crescendo dentro
do útero. Ele se desenvolve por um certo tempo dentro de nós;
então, "nasce" como uma idéia totalm ente formada. Assim que
o pensamento emerge, ele se põe a chorar; precisamos cuidar de­
le. Os pensamentos são muito difíceis e exigentes. É preciso
aprender a lidar com eles de maneira adequada.
Pela observação cuidadosa dos pensamentos, podemos
aprender a experienciar diretamente cada pensamento ou
conceito que brota. Se ficarmos com cada pensamento de uma
maneira delicada e habilidosa, poderemos sentir seus diferentes
padrões e tons. É isto o que se quer dizer com entrar na
experiência interior ou tornar-se de fato a experiência.

A concentração é importante para se entrar em contato com


a energia dentro de cada pensamento, mas uma concentração
forçada não tem efeito algum. Forçar pode parecer funcionar
por períodos curtos de tempo, mas, aí, novos pensamentos con­
tinuam a surgir e a concentração falha. Quando estamos lidan­

107
do apenas pela metade com um pensamento, um outro já surge,
e depois outro. Para evitar isto, é importante conduzira mente
delicadamente para uma unidirecionaiidade que possa se con­
centrar plenamente dentro da experiência in te rio r de cada pen­
samento. Por meio de uma autodisciplina branda, podemos gra­
dualmente desenvolver e expandir esta concentração.

Quando estamos muito atentos, podemos nos tornar cien­


tes do espaço que há entre cada um dos pensamentos. Isto não é
fácil, já que, tão rápida e sutilmente um pensamento desapareça,
o próxim o surge. Mas este processo tem um ritm o — e, quando
nos sintonizamos com esse ritm o, podemos ver um "vã o " entre
os pensamentos: um "espaço" ou um nível de consciência onde
os sentidos não nos distraem. O espaço entre os pensamentos
tem uma qualidade de abertura que é m uito próxima da qualida­
de do vazio. Este espaço não é tomado por discriminações ou
obscurecimentos. Atingi-lo é como dar um profundo mergulho
no oceano; há uma vasta quietude. Na superfície podem haver
inúmeras ondas mas, quando penetramos no fundo, há paz pro­
funda e equil íbrio.
Esse espaço entre os pensamentos é semelhante ao interva­
lo entre este momento e o fu tu ro : este pensamento já se foi mas
o próxim o ainda não existe. De fato, esta presença de atenção
pura não se envolve com passado ou fu tu ro ; não se envolve nem
com a nossa idéia habitual do presente. Entrar em contato com
esse espaço é como fazer uma viagem a um outro mundo, e a
qualidade da experiência é m uito diferente daquilo com que
normalmente nos deparamos.

Assim que encontramos este espaço entre os pensamentos,


podemos expandi-lo até que se transforme numa experiência
profunda e plena. Conforme expandimos a calma do espaço que
há entre os pensamentos, a mente gradativamente vai perdendo
sua inquietude, e o estado natural da mente começa a se revelar.
De início, é d ifíc il manter esse estado, porque nossa mente ten­
de a se distrair com pensamentos. Porém, à medida que desen­
volvemos mais equilíbrio, a mente gravita com maior facilidade
para um nível mais profundo de atenção pura. Quando apren-

10H
demos a sustentar esta atenção pura por períodos cada vez mais
prolongados, ela se torna como uma luz interior, sempre radian­
te. Esta é a atenção pura intrínseca. Ela nos liberta da confusão
e da seqüência habitual e aparentemente infindável dos pensa­
mentos.
Podemos expandir essa calma para além do nosso corpo,
para além, mesmo, deste mundo, e podemos sentir a amplidão
do espaço aberto, a sua ausência de centro. Nossa experiência
se torna viva, fresca, clara e positiva. Quanto mais profundam en­
te entramos neste espaço entre os pensamentos, mais poderosa
passa a ser a nossa experiência.
Dentro do espaço entre os pensamentos, vemos que a men­
te, em si, é espaço, que é transparente e sem form a. Vemos que
os nossos pensamentos, também, são abertos e desprovidos de
forma. Quando vivenciamos diretamente essa sensação de espa­
ço aberto, não ficamos mais confinados dentro das caixas dos
conceitos, palavras e imagens que, anteriorm ente, restringiam
nossa experiência.
No espaço que há entre os pensamentos existe apenas a qua­
lidade cristalina da atenção plena e pura. O passado e o fu tu ro
se dissolvem, porque esse espaço está além da esfera dos concei­
tos... vasto, aberto, não se prendendo a nada, embora p e rm itin ­
do tudo.

Aluno: Além de falar a respeito de entrar no espaço que há entre


os pensamentos, você mencionou penetrar no próprio pensamen­
to. Você poderia esclarecer isso?
fíinpoche: Podemos aprender a simplesmente manter a nossa
atenção plena no momento, e apenas sermos, sem criar qualquer
separação entre o nosso "e u " e o pensamento. Essa é a maneira
de atravessar ou penetrar um pensamento. Se tentarmos ana
lisar ou agarrar um pensamento, vamos sempre permanecer fora
dele. Nossos pensamentos não estão fora de nós; a realidade não
está em algum outro lugar.
Os pensamentos são um pouco como bolhas que sobem no
mar. Dentro do pensamento em si, há uma atenção pura ou uma
clareza, leve e fresca. É im portante contatar essa natureza inte­
rior ao próprio pensamento.
A lun o: Se eu pudesse entender todos os meus pensamentos e
atos, e ntã o ...
Rinpoche: Mas, para isso, é preciso alguém que seja extrema­
mente atento. Nós não nos recordamos nem mesmo de quantos
pensamentos tivemos hoje de manhã antes de levantar da cama.
Mesmo quando tentamos contar nossos pensamentos por uma
hora, e ver quantos pensamentos positivos, negativos e neutros
temos, não conseguimos nos lembrar deles; não conseguimos
nem mesmo lembrar dos pensamentos que estão atrás dos pen­
samentos. Somente uma pessoa verdadeiramente desperta pode
aprender a usar cada pensamento, sem exceção, para desenvolver
atenção pura.

Aluno: Com freqüência, você diz para desistirmos da mente que


discrim ina; no entanto, a palavra que significa sabedoria é, às
vezes, traduzida em certos textos como "atenção discriminado-
ra". Eles estão se referindo a alguma coisa diferente?
Rinpoche: O que chamamos de atenção discriminadora é m uito
diferente da nossa discriminação comum ou da "percepção de"
alguma coisa; é uma atenção pura in tu itiva, dotada de uma qua­
lidade mais brilhante, mais elevada do que a percepção comum.
É um m odo de cortar e atravessar nossa dependência em relação
a palavras e conceitos.
Esta atenção pura nos proporciona uma outra maneira de
ver, um o u tro ponto de vista a partir do qual observamos a ex­
periência. A consciência humana consegue geralmente ver apenas
uma ou duas dimensões de cada vez, mas, com esta visão mais
profunda, o passado, presente e fu tu ro juntam-se para form ar
um só espaço. Todas as dimensões podem ser vistas ao mesmo
tem po.

Aluno: O que significa expandir o pensamento? Como é que o


próprio pensamento pode se tornar meditação?
Rinpoche: Prim eiro, você percebe que um pensamento está vin­
do. Deixe sua consciência entrar no pensamento; encontre o
seu núcleo, que é uma atenção pura e silenciosa dentro do pensa­
mento. Isto significa ver. 0 pensamento, em si, é baseado na aten­
ção pura: sem atenção pura, não há pensamento. Quando você

110
contatar esta atenção ou energia, expanda-a tanto quanto puder.
Faça desta expansão do pensamento um exercício.
Ou, então, veja por este ângulo: um pensamento está aqui
e o p róxim o pensamento ainda não veio; no exato m om ento
que o atual pensamento se vai, fique neste espaço antes que o
próxim o chegue. Isto é que é expandir. Tão logo um conceito se
fo i, este é o lugar onde você permanece.

Aluno: Fico me perguntando se expandimos um pensamento e


gostamos tanto dele que podemos ficar apegados a ele... então o
que acontece?
Rinpoche: Então isto é apego, manifestando-se sob form a do
próxim o pensamento. Quando você está gostando de alguma
coisa, você está se segurando a ela; fica preso ali. Por isso, você
tem este pensamento; desta maneira, você está congelando a
meditação. É uma noção errada. Deixe os pensamentos irem —
agarrar-se a eles quebra a meditação.

Aluno: Ainda não entendo como ficar no espaço entre os pensa­


mentos.
Rinpoche: Para permanecer no espaço entre os pensamentos,
abra mão de qualquer qualidade que force a concentração, e
aprenda a não fazer esforço algum. Quando você consegue abrir
mão de qualquer idéia de preparação, mesmo num nível mental
m uito sutil, então você pode meditar m uito naturalmente, sem
se focar em alguma forma em particular. Deste m odo, sua men­
te, de fato, se torna espaço; sua consciência e o espaço tornam -
se unos. A atenção pura é bastante semelhante à luz, e a cons­
ciência, ao espaço. Sem espaço não pode haver luz.
A natureza reai da mente é livre de conceitos. Embora nós
falemos de um espaço "e n tre ", este "e n tre ", na verdade, não
existe. Não há um buraco determinado; mas, para aludir â expe­
riência. usamos palavras como "espaço" e "e n tre ". No nível da
superfície pode haver muitas manifestações, mas, num nívei
mais orofundo e sutii, a mente é xotalmente aberta e silenciosa.
Para contatar este lugar de silêncio, não ponha sua m edita­
ção ou sua mente em "lugar'' algum. Apenas fique aberto, sem
se seaurar, sem centro. Assim que aprender a contatar direta
mente este nível mais elevado de atenção plena, então, sem pre­
cisar se contrapor a eles, você será capaz de controlar seus pen­
samentos e emoções m uito naturalmente, pois eles ficarão co m ­
pletamente impregnados desta atenção plena. Quando você fo r
capaz de renunciar à mente que é limitada por conceitos e entrar
no espaço natural e aberto que há entre os pensamentos, sua
atenção plena superior atuará sem interrupção, e todo o seu
mundo poderá transformar-se.

112
A LÉ M DOS SIG NIFICADO S

Quando a tentativa de encontrar sentido para a nossa vida


leva a um interesse pelo caminho espiritual, fica logo claro que
'"caminho espiritual'" não significa a mesma coisa para todos. O
que para uma pessoa é a mais elevada espiritualidade, para uma
outra é, muitas vezes, justamente o oposto. Então, como achar­
mos a via correta? Podemos nos voltar para a filosofia a fim de
obter uma resposta, mas a filosofia, com freqüência, vem reves­
tida de conceitos e teorias que achamos d ifíc il de relacionar
com nossa vida do cotidiano.

Às vezes, esquecemos que as teorias podem ser postas em


prática. A filo so fia , por d irig ir nossa atenção para questões que
afetam exatamente o cerne de nossas vidas, é freqüentemente a
porta que leva a compreensões mais elevadas. Esta é a razão da
im portância de se estudar os textos que contêm os ensinamen­
tos do Buda e os sistemas filosóficos que se desenvolveram a par­
t ir deles. Estas são apenas formas externas, mas são também fe r­
ramentas valiosas — elas nos proporcionam meios de irmos além
das nossas limitações. Nós nos apoiamos nas palavras porque é
assim que os ensinamentos chegam até nós... as palavras apon­
tam as direções e os estágios do caminho.
Há sempre, porém, o perigo de que as formas externas pas­
sem a ser fins em si mesmas. Os conceitos e significados têm tan-

113
ta atração sobre a nossa mente conceituai que é fácil ficarmos
presos neles — ficarmos emaranhados nas palavras e perdermos
de vista as mensagens que carregam. As formas externas de to ­
dos os tipos, quer as do estudioso, quer as do monje, podem ser
armadilhas: podemos, com facilidade, pegar a forma e perder o
significado que está por trás dela. Podemos facilmente c o n fu n ­
dir o dedo que aponta com a Lua. O caminho espiritual não sig­
nifica necessariamente passar a vida estudando filosofia e faian­
do sobre ensinamentos espirituais. A fim de que o caminho espi­
ritual tenha valor real para nós, precisamos compreender suas
verdades diretamente.

Mas, como fazemos para aplicar os conceitos altamente


abstratos do Dharma às nossas vidas? A resposta se encontra na
meditação. Não é que vamos pensar sobre estes conceitos em
nossa meditação, mas, sim, que, por meio da meditação, chega­
mos a compreensões que nos ajudam a integrar os ensinamentos
às nossas vidas. Somos inspirados a estudar estes ensinamentos
para obter novos insights e aplicações. A meditação também usa
estas mesmas compreensões para nos ajudar a entrar em contato
com uma atenção pura in te rio r, que podemos usar diretamente.
Conforme aprendemos a fazer uso desta atenção pura, a barrei­
ra aparente entre a meditação e a nossa mente samsárica se
desfaz.
A mente é m uito mais do que simplesmente o órgão em
que o pensamento ocorre. Sob um aspecto, a mente é o meio
pelo qual desenvolvemos a meditação. Num sentido mais amplo,
a natureza da mente é a meditação. A meditação é o processo de
se trabalhar com o nível de mente que estamos experienciando,
seja ele qual for.
O nível mais profundo é o da experiência direta. Ele ime­
diatamente dá lugar à formação de imagens, e estas, por sua vez,
levam à interpretação dos conceitos. Este últim o nível, de in te r­
pretações e conceitos, é o que geralmente consideramos como a
base da nossa realidade; mas, na verdade, estes conceitos são de
"segunda mão" — estão m uito afastados da experiência direta.
No nível dos conceitos e idéias, nós nos focamos nos signi­
ficados, procurando, às vezes, por significados atrás dos signifi-
cados. Esta busca de significados é como perseguir palavras num
dicionário — uma palavra é explicada por outras palavras, que
são explicadas por outras, e assim por diante. Mas, um significa­
do, em si mesmo, não é nada; só tem valorem relação a outros
significados. Passar de conceito em conceito, cada qual criado
pelo que veio antes, é uma caçada que desperdiça tempo e ener­
gia. Vistos desta form a, os significados assemelham-se ao samsa-
ra — palavra que sugere o m ovim ento circular de uma roda que
gira constantemente. Não poderemos nunca nos libertar, até que
compreendamos a inutilidade fundam ental de perseguirmos este
ciclo. Quando vemos que não temos que a trib u ir significados a
coisa alguma, quando perm itim os que as coisas sejam simples­
mente o que são, descobrimos nelas sua natureza intrínseca.

Visto que a busca de significados leva apenas a mais signi­


ficados, como podemos fazer para pôr fim a esse cicio? Como
obter respostas sem colocar perguntas? Talvez as respostas que
estamos procurando encontrem-se além dos conceitos, além de
"respostas". Isso não quer dizer que devamos parar de usar pala­
vras, conceitos e significados, mas apenas que há um ponto em
que eles deixam de ter utilidade.
Isso é especialmente verdadeiro nos casos em que tentamos
buscar sentido na meditação. Na verdade, quando efetivamente
encontramos significado na meditação, algo está errado, porque
investigar o significado de experiências meditativas nos traz de
volta àquele ciclo inútil. Quando encontramos significados, não
conseguimos penetrar além deles. Procurar por significados leva
apenas a mais significados, mesmo na meditação.
Portanto, durante a meditação, não tenha expectativas.
Não tente chegar a algum lugar ou conseguir alguma coisa. Metas
lixas apenas representam conceitos adicionais — são projeções
mentais, viagens de cabeça, e não levam a parte alguma. A concen-
ticição meditativa não envolve uma atenção que seja assim ner­
vosa. Nossa meditação deve ser como escutar um som distante e
vn/io; atenção em excesso somente produz tensão.
Ter em mira objetivos específicos, tentar alcançar resulta­
dos, é algo que impede uma concentração verdadeira. Nós nos
(involvemos novamente com significados e avaliações: con-

115
centramo-nos em saber se estamos seguindo as instruções d ire i­
to, se a nossa meditação é boa ou má, clara ou confusa... embo­
ra tudo isto nada tenha a ver com a meditação em si.

No começo, muitas vezes nós nos restringimos a sessões


curtas de meditação formal que sentimos ser, de algum modo,
"especiais". Esse espaço de meditação é limitado, como o pe­
queno ninho de um pássaro. Devemos expandir nossa idéia de
meditação. A meditação não tem limites; seus horizontes são
tão amplos quanto nos perm itirm os ver. Quando aprendemos a
manter nosso corpo de um modo equilibrado, tudo o mais flu i
com facilidade — o ritm o da respiração natural, os olhos serenos
e relaxados. Nós aprendemos essa form a externa e depois a es­
quecemos; ela é útil apenas para promover um estado in te rio r
calmo e relaxado. Ela, então, nos conecta com um outro nível
mais profundo.
A concentração meditativa alcança esse nível mais p ro fu n ­
do. Quando passamos além dos significados e expectativas, veri­
ficamos que um certo tipo de concentração nunca deixou de
estar presente. Meditação é só deixar ser o que é. Podemos,
assim, sustentar essa abertura e essa permissibilidade... não
apenas durante a meditação sentada, como também na vida
diária.
Desde que estejamos conscientes, podemos meditar — não
há uma maneira determinada que devamos obedecer. Há várias
técnicas úteis que podemos empregar, mas elas são apenas su­
gestões, símbolos que apontam a direção. Quando atingimos o
coração da meditação, não há instruções. A meditação está em
toda parte. A meditação, então, se transpõe para a vida cotidia­
na, e tudo o que fazemos é visto desta mesma forma aberta e
relaxada.

Na vida cotidiana, assim como na meditação, nossos empe­


cilhos fundamentais são os nossos conceitos e expectativas. Nós
compartimentamos as nossas vidas. Podemos, porém, u tiliza r
esse processo que inter-relaciona sujeito e objeto, como a nossa
meditação. Todas as situações — nossos relacionamentos com o
mundo, com o meio ambiente, nossos amigos, nossa fam ília,
nosso trabalho — podem ser levados para dentro da nossa me­
ditação.
Por exempJo, em meio ao sofrim ento ou confusão, pode­
mos ficar ju n to do sentimento e olhá-lo de todos os lados — de­
pois de um certo tempo, a mente parece pairar acima da nossa
identificação com o desejo ou a dor. Essas emoções, então, per­
dem seu caráter imediato, sua agudeza. A meditação não repri­
me essas emoções: ela as transforma, perm itindo que a mente se
aclare. A experiência meditativa, assim, nos proporciona a com ­
preensão de uma outra forma de enxergar a experiência, perm i­
tindo-nos substituir nossas interpretações dualistas habituais por
uma visão panorâmica. Nossa meditação pode, então, ser aber­
ta ... uma experiência direta, não bloqueada por conceitos e in­
terpretações.
Quando passamos além dos nossos modos convencionais de
pensamento, descobrimos uma esfera não-conceitual, uma esfera
de consciência pura que está além do condicionante e do
condicionado, além do nível samsárico comum. Essa experiência
não decorre do processamento ordinário de informações recebi­
das dos sentidos, nem decorre de qualquer das atividades mentais
que constantemente atribuem "signif içado" à nossa experiência.
Ela é, em si mesma, experiência imediata. Em outras paiavras,
podemos livrar nossas experiências da natureza estruturante, li­
mitadora e automática dos nossos conceitos, auto-imagens e
apegos. Dentro de cada experiência, dentro de cada percepção,
encontra-se a semente da iluminação. Ela está permanentemen­
te acessível a nós.
A experiência em si pode, então, se tornar o significado —
um significado que se revela não em palavras ou conceitos, mas
na qualidade das nossas vidas, na beleza e no valor intrínsecos a
todas as coisas. Quando nossas ações brotam naturalmente de
uma celebração do viver, todos os conceitos caem por terra. Nós
nos tornam os o próprio significado, iluminados por toda a exis­
tência.

117
ATENÇAO PURA*

À medida que desenvolvemos nossa meditação, nossa aten­


ção pura vai aumentando, pouco a pouco. A mente naturalmen­
te se limpa de confusões e insatisfações, e tocamos uma clareza
meditativa, uma atenção pura que permanece presente, não im ­
porta aonde nossos pensamentos vão, não importa o que ocorra.
Uma vez que nos abrimos para esta atenção pura, encontramos
força e confiança verdadeira dentro de nós mesmos: não uma
confiança arrogante, mas um sentim ento positivo que é realmente
integrado e equilibrado. Todas as nossas decisões vêm sem esfor­
ço; todas as nossas ações brotam com naturalidade dessa aten­
ção pura, profunda e nutriente.
Nossa idéia habitual de atenção, todavia, é restrita a uma
associação com objetos. A tendência comum da mente é olhar
adiante, antecipar e form ar imagens mentais — um tipo de aten­
ção que está sempre voltada para objetos. Esta é a atenção "sam-
sárica" — um padrão de antecipação e de observação: observa­
mos nossos conceitos, nossos sentimentos, nosso passado, nosso
futuro.

• No original. awareness. Aqui traduzido como "atenção pura" e em outras passagens


como "atenção plena". Denota o campo aberto, naturalmente iluminado e ciente da
mente; a consciência total; a visão clara e direta que independe de um ponto central
do referência ou de um objeto determinado de conhecimento (A/. T.).

118
A atenção comum é fechada e unidimensional — nesse n í­
vel mais baixo de atenção, embora possam não nos parecer as­
sim, nossas ações são extraordinariam ente previsíveis. Este é um
nível de jogos programados, onde nossa atenção fica com prim i­
da dentro de um labirinto de pensamentos e imagens que con­
tinuam ente sustentam os mesmos jogos e padrões. Somente com
uma mente quieta, uma mente atenta, podemos ver estes pa­
drões em ação e fazê-los cessar. Esta é a prática da presença
m ental,* de estarmos, a cada momento, m uito conscientes do
que exatamente está acontecendo em todos os aspectos da nos­
sa vida.

A presença mental requer uma observação aguda, mas deve


ser isenta de interpretações e julgamentos. A prática da presença
mental desenvolve nossa atenção normal ao seu nível mais sutil;
com esta atenção pura, podemos nos proteger de sermos tirados
de e q u ilíb rio por nossos pensamentos e emoções.
Com o desenvolvimento da presença mental, podemos ir
além das nossas formas habituais de pensamento dualista. Nós
podemos fazer uma idéia da não-dualidade, mas isto não ajuda
m uito a nos levar além do dualismo, pois mesmo o conceito de
não-dualidade nos separa da experiência. O conceito de não-dua­
lidade, assim, na realidade, reforça nosso quadro de referência
dualista. Em tudo que normalmente pensamos ou fazemos, nós
nos encontramos dentro de uma idéia, dentro da moldura de
um pensamento; nossa atenção é limitada. Permanecemos neste
nível de compreensão até chegar o momento em que entramos
em contato com uma atenção mais ampla, que não se ocupa
com sujeitos e objetos, uma atenção pura que está além do nos­
so entendimento cognitivo. Esta atenção pura é a melhor de to ­
das as proteções; por meio dela, todo o nosso ser se protege
naturalmente.

Por baixo do nível superficial dos jogos, há uma atenção


pura, clara e bela, uma atenção que não se volta para uma deter-

No original, mindfulness (A/. 7".).

119
minada coisa, mas que é a abertura total. No entanto, passar
além do conceito para a experiência em si mesma, é um salto
d ifíc il. O prim eiro obstáculo é a orientação subjetiva da mente
— o espectador, o observador autônom o. Raramente transcen­
demos esta parte da nossa mente egóica, porque é o espectador
que nos dá o sentido de sermos "reais". Mesmo em nossa medita­
ção, somos segurados por este senso de identidade, pela parte
conceituai da nossa mente que diz "este sou eu", aquele "fa z " a
meditação, aquele "te m " uma experiência.
Quando buscamos ou enfatizamos experiências na medi­
tação, despertamos uma qualidade possessiva que traz nossa
mente samsárica para dentro da própria meditação. Nós a trib u í­
mos significados a um insight , e o destruím os ao transformá-lo
num objeto dentro de uma estrutura dualista. Ao tentar nos se­
gurar à experiência, nós a cortamos.
Mesmo os sentimentos elevados de felicidade que podemos
ter na meditação, embora possam ser positivos e trazer abertura,
facilmente se tornam empecilhos, quando passamos a considerá-
los como "o b je tivo s" da nossa meditação. Quando isto ocorre,
tendemos a passar por cima da totalidade da experiência, d iv i­
dindo-a em pormenores com os quais nossa mente se sente fam i­
liarizada. Nós nos centramos na imagem, nas cores, nos pontos
altos emocionais. Mas essas manifestações são apenas as sobras
ilusórias, o "e fe ito incidental" da experiência. Por fim , perce­
bemos que, quando prendemos nossa visão às formas conhecidas
do nosso mundo samsárico, tudo o que encontrarmos ou realizar­
mos poderá tão-somente repetir as nossas experiências anterio­
res. Estamos nos isolando de qualquer coisa maior, mais p ro fu n ­
da, mais aberta.
É ú til lembrar que a atenção pura que buscamos acabará
por vir; tudo o que temos a fazer é deixar de segurar e perm itir
que até mesmo as experiências belas passem. Não pense sobre
elas; não espere nada. Apenas deixe que sejam — observe-as nas­
cer, manifestar-se e desaparecer. Seu nível de concentração irá
aprofundar-se, à medida que sua necessidade de agarrar e de
discriminar começar a declinar.
Há vários exercícios que ajudam a aumentar a atenção pu­
iu Essas técnicas, porém, são apenas instrumentos. Ajudam a
torna r possíveis certas experiências, mas as experiências não de­
pendem dessas técnicas. As técnicas funcionam porque as expe­
riências já estão conosco, permanentemente acessíveis.

Quando um pensamento brota, geralmente sentimos neces­


sidade de rotulá-lo e identificá-lo. Tente interrom per esse proces­
so. Embora você possa sentir o pensamento, vê-lo e vivenciá-lo
enquanto acontece, o pensamento, em si mesmo, é uma proje­
ção do "observador". 0 pensamento não é separado do "obser­
vador".
A fim de compreender isso, simplesmente observe o flu x o
de imagens mentais que passa por sua mente. A medida que as
projeções-imagens passadas e futuras desfilam, interponha-se en­
tre elas, olhando não para os pensamentos e imagens, mas para
"q u e m " está observando os pensamentos. Tente desenvolver
uma sensibilidade dos pensamentos observando o "observador".
Quando você se põe diretamente frente ao "observador",
sua atenção pura e o "observador" se fundem. Não há mais um
eu que observa coisa alguma. Há apenas a observação, apenas o
processo. Não há nem sujeito, nem objeto. 0 processo é a expe­
riência... ou, você poderia dizer, a atenção pura.

Aiobservação cuidadosa da mente mostra que ela manifes­


ta diretam ente os objetos da nossa experiência. Sujeito e objeto
ocorrem na mente simultaneamente, e ambos são manifestações
da mente. Não há posição alguma sobre a qual podemos nos
apoiar, não há nada para investigar. Não existe coisa alguma
para a qual podemos voltar as nossas vistas, tanto adiante quan­
to atrás.
Não ter nenhuma posição, nenhuma identidade, nada com
o que se relacionar, pode parecer m uito amedrontador — mas,
para nos amedrontar, precisamos de alguma coisa da qual ter
medo. No exato momento em que atingimos este estado de
"não ter posição alguma", não estamos mais sob o d o m ín io do
ego; nosso corpo e mente estão totalm ente abertos e receptivos.
Perigo pode surgir apenas quando duas coisas se chocam. Mas,
nesse mom ento de atenção pura, além do dualismo, não há

121
mais uma divisão entre sujeito e objeto; não pode haver in im i­
go; não pode haver nada do que se ter medo.

Mas como podemos existir sem os suportes dos nossos con­


ceitos? Como pode uma existência assim ter qualquer significa­
do para nós? é d ifíc il, a princípio, aceitar que possamos existir
sem pensamentos. No entanto, podemos começar a ver essa
possibilidade quando, em nossa meditação, aprendemos a entrar
em contato com o estado silencioso que há entre os nossos pen­
samentos. Podemos olhar dentro deste buraco de agulha; esse é
o espaço em que devemos nos concentrar. No instante preciso
em que um pensamento desaparece, apanhe a energia da quali­
dade de visão que há nesse espaço. Simplesmente fique na ener­
gia que existe entre o passado e o futuro.
Uma advertência pode evitar confusão. Podemos chamar
esse momento, entre o passado e o futuro, de presente, mas com
isto estamos apenas sinalizando. Na verdade, o presente não
existe, porque o presente é sempre o produto de uma consciên­
cia ciente de alguma coisa. O mesmo pode ser d ito sobre o con­
ceito de tempo. Por meio da conceitualização e interpretação
da nossa experiência, criamos a idéia de tempo. Precisamos des­
te senso de tempo a fim de ter experiências. Quando unimos o
sujeito e o objeto da experiência, passamos além de ''estarmos
cientes d e "; transcendemos nossa mente comum. Não estamos
mais presos pelo tempo, pela identidade ou por suas associações.
A b rir mão de todos os pensamentos e imagens, deixá-los ir
onde quiserem, revela que não há nada por detrás, nenhum
observador autônomo, nenhum professor que observa seus alu­
nos trabalharem. Não há nenhum comentarista por detrás dos
pensamentos que relata e julga fatos. Não há absolutamente na­
da "atrás", nem mesmo um "e u "... apenas um presente imedia­
to e verdadeiro. Em outras palavras, não há o passar do tempo,
o passado, o presente ou futuro. Tudo existe no momento.

Quando as imagens ocorrem à sua mente, desvie-se delas.


Fique com a energia, com a qualidade de vidência do próprio
pensamento. Pouco a pouco, sinta uma abertura que faz parte
do pensamento, um lugar vazio. Veja essa abertura e expanda-a.

vn
Nesse mom ento de "visão", é im portante também ouvir. Quando
vemos desse modo, sentimos com o se estivéssemos ouvindo com
nossos olhos; a qualidade de visão passa a ser uma qualidade de
audição, quando mantemos os olhos soltos e relaxados. Então,
fique nesse lugar. No instante em que os pensamentos e concei­
tos vierem, tente ver a sua qualidade e vivacidade.

Todo pensamento, sem exceção, possui um núcleo de ener­


gia, um centro de força e de atenção pura que podemos fa cil­
mente encontrar, assim que colocamos de lado idéias de fazer
e conseguir. A energia neste centro simplesmente se abre. Isto é
o ser. O ser não precisa de nenhum melhoramento; não precisa
de nenhuma ação ou m ovim ento. O ser não é passado, não é fu ­
tu ro , nem mesmo presente. No entanto, podemos expandir esse
estado de atenção pura. Prim eiro, encontre os pequenos vãos, os
pequenos pontos de entrada que você aprenderá a reconhecer.
Depois, torne esses vãos maiores, até que se expandam e abran­
jam o todo. De in ício , você verificará que está observando, rela­
cionando-se com a situação. Mais tarde, conseguirá engajar a to ­
talidade do seu corpo e mente; tudo passa a fazer parte da aten­
ção plena. Você pode expandi-la para além do seu corpo, além
da sua casa. Eia não tem lim ites. Você está uno com a sua expe­
riência. Esta é a prática da meditação: a expansão, a contração,
e novamente a expansão desse estado de atenção plena.
Essa atenção prim ordial não pertence a absolutamente na­
da: nem a nós, nem a qualquer lugar, nem a qualquer tempo. N in­
guém a possui. Ela é completamente aberta, uma nova dimensão.'
Esse nível universal de atenção plena inclui tudo — a consciência
individual abarca toda a consciência. Nada é rejeitado ou e x c lu í­
do; tudo é claro. Nós nos tornam os m uito claros, totalm ente
equilibrados.
À medida que essa atenção pura intrínseca vai se expan­
dindo, vemos que agimos de maneira harmoniosa em cada situa­
ção na vida. Já que não somos mais tolhidos por concepções de
como as coisas devem ser, podemos ser eficazes de modos até
então nem sonhados. Por estarmos unos corri a situação, respon­
demos com total harmonia. Nossa atenção pura tem uma quali­
dade dinâmica, equilibrando-nos de um modo que permite as

123
nossas energias flu íre m livre e serenamente. Nesse estado m edi­
tativo relaxado, nós penetramos em toda a riqueza e p ro fu n ­
didade da experiência. Essa é a beleza e a potencialidade do ser.

■i<\
A ILUSÃO DO AGORA

M uito se diz atualmente sobre a importância de vivermos


no presente, sobre a importância do "a q u i" e "agora". Mas será
que há, na verdade, um "agora"? Se olharmos com m uito cuida­
do para o que exatamente é o "agora", iremos talvez concluir
que ele não existe. Talvez vejamos que não há um "presente".
A princípio, isto parece absurdo: eu tenho pensamentos
agora, e eles acontecem para mim agora. Toda a experiência que
está acontecendo está, obviamente, acontecendo agora. Eu estou
aqui ; você está a í. Posso falar com você; você pode falar comigo.
Não há dúvida de que nos consideramos mutuamente reais. É
tudo m uito simples.
Não obstante, a realidade é diferente para cada um de nós.
Do meu ponto de vista, vejo uma coisa; do seu, você vê outra.
Do meu ponto de vista, eu sou o sujeito da experiência e você ó
o objeto. Para você, evidentemente, ocorre o inverso.
Nenhum de nós vive exatamente a mesma realidade. Mes­
mo se tentássemos duplicar, com absoluta precisão, as circuns
tâncias de uma determinada experiência, nunca seria exatamen­
te a mesma coisa. Se pudéssemos "d a r" a uma outra pessoa a
nossa experiência, a experiência não seria a mesma para ela, pois
ela a veria de sua própria perspectiva. Nossas experiências, nossa
realidade, dependem da nossa consciência individual. E até que

125
ponto essa consciência é estável? Drogas, doenças, febre, calor,
fadiga, podem todos afetar profundamente nossa mente. Pode­
mos ver dragões ou figuras coloridas, ou a sala se mexendo. Sa­
bemos que essas experiências não são reais... mas o que é real?

Nossas sensações, percepções, pensamentos, reconhecimen­


tos, lembranças, experiências, sentimentos, conceitos, emoções:
todos são organizados sob form a de um padrão, do mesmo m o­
do que a estrutura de uma flo r é um padrão. Quando desmem­
bramos uma flo r para ver com o é feita, ela deixa de ser uma flor.
Igualmente, quando dividim os nossa experiência em suas "p a r­
tes", ela já não é mais a mesma experiência.
Nossa experiência habitual se encaixa dentro de um padrão
dualista: dividimos o mundo entre aquele que tem a experiência
(eu, o sujeito) e aquilo que é experienciado (ele, o objeto). Assim
que temos uma determinada experiência, o eu (o sujeito) pensa
sobre a experiência (o objeto), ou a considera de algum modo.
Mas nossos pensamentos são apenas reflexos da experiência; não
podem ser a própria experiência. Em vez de formarem "e stru tu ­
ras" isoladas de experiência, nossas experiências aparecem so­
brepostas uma às outras.

Ao tentar classificar e arranjar nossas experiências, criamos


apenas uma confusão de camadas e divisões. Pode ser que cul­
pemos as complexidades da vida moderna por essas confusões.
Assim, tentamos sim plificar as nossas vidas, abandonando as nos­
sas reponsabilidades para viver no "presente". Mas este viver no
"presente" acaba sendo ainda uma tentativa de agarrar a expe­
riência, ainda um sujeito que examina um objeto.
As nossas próprias idéias sobre o que significa estar no
"presente", ou estar aqui "agora", criam raízes e nos enredam
com suas complexidades. Onde está essa mente, a minha mente
na qual acredito que as idéais e as experiências ocorram? Os
pensamentos existem; nós temos um senso do presente; nós so­
mos dotados de consciência. Mas, quando tentamos determinar
com precisão a experiência que estamos de fato tendo, não con­
seguimos encontrar nada em nossa descrição da experiência que
seja real mesmo. O que, na verdade, encontramos, não é nunca

1?(5
a realidade da experiência, mas apenas um conjunto de concei­
tos que formamos sobre a nossa experiência. Quando tentamos
viver no "presente", partim os para ir além dos conceitos, além
do tempo, além das nossas experiências habituais; mas tudo o
que fazemos com nossa zelosa antecipação é reforçar nossa
mente dualista.

Como é possível, então, ir além desta superfície ou plano


relativo, quando até mesmo o desejo de ir além acaba nos impe­
dindo de fazer isso? O prim eiro passo é perceber que todas as
coisas que pertencem ao plano relativo, inclusive a linguagem,
as idéias e conceitos, são formas iguais às nuvens no céu. Elas
parecem sólidas; têm form atos diferentes; elas se movimentam;
e, no entanto, não são tão diferentes do céu em que flutuam .
Do mesmo modo, criamos formas com as nossas diferentes ex­
periências, por meio de emoções, imagens e conceitos. Desen­
volvemos "enredos" que se assemelham aos dragões de nuvem
que deslizam pelo céu. Geralmente, consideramos essas expe­
riências "iguais às nuvens" como se fossem objetos reais, separa­
dos de nós. Mas, quando compreendemos que são manifestações
de superfície, podemos relaxar e entrar em contato com o espa­
ço sutil que se encontra além dos conceitos e emoções "seme­
lhantes às nuvens", o espaço no qual não há dualidade alguma
entre sujeito e objeto.

A princípio, é d ifíc il aceitar que esse espaço vazio exista.


Como não temos desenvolvido o tip o de percepção que é neces­
sário, temos dificuldade em entender a experiência. Por isso, pre­
cisamos, primeiramente, a d q u irir uma compreensão intelectual;
depois, podemos, por meio da meditação, nos abrir para a expe­
riência efetiva. Por um lado, a compreensão intelectual apóia a
experiência; por outro, a experiência inspira uma compreensão
mais profunda. Elas se aprofundam juntas, em apoio mútuo.
Nosso entendimento intelectual é um mecanismo de testa-
gem, um mecanismo que cria um meio de provar coisas de fo r­
ma lógica. Essa faculdade é im portante — mas, a partir de um
determinado ponto, ela se torna cada vez menos confiável, p o r­
que os conceitos e a lógica só nos levam até uma certa distância.

127
Somente a experiência pode nos levar além das imagens, além
dos conceitos e palavras, além do tempo. Mas isso não é a nossa
idéia habitual de experiência... é atenção pura.
A meditação nos ajuda a deixar que os nossos conceitos e
idéias cedam lugar a essa atenção pura e aberta. Na meditação,
fazemos nosso contato mais íntim o com o nosso lado experien-
ciai, onde se encontra a iluminação, a consciência superior. Quan­
do passamos diretamente para dentro de um momento qual­
quer, quando dissolvemos as formas ou "nuvens" dos conceitos
e cedemos lugar à experiência pura, descobrimos nosso grande
recurso — o espaço iluminado. Podemos garimpar nossa expe­
riência para encontrar esse grande tesouro que se encontra den­
tro de cada pensamento.
Quando essa compreensão emerge, tudc passa a fazer parte
da meditação. Nós nos centramos no momento imediato da ex­
periência e, no entanto, ainda participamos de suas formas exter­
nas, usando conceitos, gestos etc., para manifestar nossa expe­
riência interior. Essa compreensão é uma verdadeira integração,
uma ligação autêntica de todo o nosso ser com a realidade da
experiência, com o "agora" que não é limitado pelo tempo ou
pelo espaço.
É possível descobrir essa "realidade", esse "agora", duran­
te a meditação. Nós a encontramos no espaço que há tanto den­
tro dos pensamentos como entre eles; esse espaço é um "te r­
reno" silencioso e sereno que constitui a base da consciência.
Esse "te rre n o " é totalmente receptivo; todas as informações
provenientes dos nossos sentidos se assentam aí, como sementes
semeadas num campo. As "sementes" incluem todas as expe­
riências e toda a atividade mental, positiva e negativa; todas são
plantadas nesse "terreno". Quando as condições estão propícias,
as "sementes" brotam. Esse brotar, esse ganhar vida é a ação do
carma. O "terreno"' para cada um de nós é o mesmo. O carma,
então, é o impulso que transforma esse terreno da consciência
na consciência singular de cada indivíduo, dando lugar à cons­
ciência individualizada do samsara.
A consciência, quando tomada isoladamente, não possui
quaisquer características determinantes. Podemos dizer que este
ó o sou aspecto "nirvânico". No entanto, podemos dizer o mes-
mo com relação à consciência "sam sárica"... a única diferença é
que, no plano samsárico, os pensamentos criam um dualismo,
um senso de sujeito e objeto, e um senso de separação entre eles.
Nosso "agora" convencional discrim ina entre "esta" pre­
sença do agora e "aquela" presença do agora. Portanto, antes
que possamos de fato vivenciar a "presença da atenção pura", é
necessário transcender esses conceitos e esse processo de discri­
minação. Até lá, não poderemos nunca saber, com certeza, se
a nossa consciência está revelando a realidade ou a ilusão.

Há uma história sobre um vaqueiro que desejava aprender a


meditar. Estava, porém, encontrando dificuldades, porque havia
passado toda a sua vida guardando vacas, e conhecia apenas os
costumes dos animais do campo. Um dia, seu mestre, Nagarjuna,
perguntou-lhe como sua prática de meditação estava progredin­
do. O vaqueiro respondeu que, sempre que tentava meditar, as
caras das vacas entravam em sua mente. Nagarjuna, então, per­
guntou: "Será que você conseguiria pensar, de modo ainda
mais vívido, no que vê? Você poderia praticar essa visualiza­
ção por seis meses?" O homem respondeu que sim.
Todos os dias, por o ito horas, o vaqueiro se concentrava
firm em ente, visualizando a cara de uma vaca. Depois de seis
meses, o rosto do homem ficou exatamente igual ao de uma va­
ca. Nasceram-lhe até mesmo chifres! Quando Nagarjuna retor­
nou e disse ao vaqueiro que era tem po de deixar sua casa, o
homem retrucou que não poderia, porque seus chifres eram
grandes demais para passar pela porta. Nagarjuna, então, disse-
lhe para meditar novamente do mesmo modo, mas para visuali­
zar uma vaca sem chifres. Depois de alguns dias, os chifres desa­
pareceram e o homem fo i capaz de deixar sua casa. Nesse mo­
mento, Nagarjuna sentiu que o vaqueiro estava pronto para re­
ceber ensinamentos mais eievados.
Este é o modo como a consciência opera. Pode criar uma
ilusão e transformar o mundo em samsara. No entanto, a mesma
consciência pode vazar a ilusão e o mundo é compreendido como
nirvana. O meio para se realizar qualquer uma dessas duas coisas
reside integralmente dentro de nós, e a escolha é unicamente
nossa.

129
PARTE V

O D H A R M A V IV O
O DHARMA INTERIOR

Pelo espaço de muitas vidas, ignoramos nosso potencial pa­


ra despertar e, em vez disto, seguimos as exigências do nosso
ego. Há um momento, porém, em que fica claro que as nossas
ocupações egoístas nos levaram unicamente ao tédio, à ansieda­
de e à frustração. Pode ser, então, que comecemos a procurar
por uma satisfação mais duradoura, e essa busca pode nos levar
ao Dharma, aos ensinamentos do Buda.
Contudo,,nosso interesse inicial pelo ensinamento freqüen-
temente tem um lado egoísta. Talvez esperemos poder, de algu­
ma maneira, aliviar nosso tédio e nossa frustração ao adotar um
modo de vida "e x ó tic o ", ou talvez contemos que o Dharma vá
resolver nossos problemas, nos fazer felizes e nos libertar de
confusões e depressões. Assim, muitas vezes ficamos decepcio­
nados quando nossa vida não se torna subitamente repleta de
felicidade e realização.
Visto que temos inúmeras expectativas em relação ao
Dharma, é fácil perder o interesse quando não há resultados
imediatos... descobrimos que perseverar no caminho da ilu m i­
nação é algo que requer esforço. Somos facilmente atraídos
para longe de nossa busca, por amigos, fam ília, e por nossos
próprios desejos. É fácil ficarmos presos entre os nossos desejos
dn prazeres e as nossas tentativas de seguir os ensinamentos e

132
fortalecer a nossa prática. Por essa razão, quando encontramos
um ensinamento que possa nos ajudar, é im portante ficar com ele,
mergulhar no Dharma tanto quanto pudermos. Ao fazer isto,
passamos a compreender a verdadeira natureza dos ensinamen­
tos, e verificamos que o Dharma é um modo de vida em que de­
sejos egoístas não têm atração ou significado algum.

Certa ocasião, o Buda instruiu seu primo, Nanda, para estu­


dar e praticar o Dharma mais a fundo, mas Nanda se recusou, d i­
zendo que não tinha tempo. "Q uero poder estar com a mulher
que amo. Além disso, não gosto de estudo nem de disciplina." O
Buda, então, respondeu: "B em , então venha fazer uma viagem
curta comigo; há um lugar que eu gostaria que você visse."
Nanda concordou com a viagem, desde que não se ausen­
tasse por m uito tempo. E, assim, o Buda levou Nanda, voando,
para um dos reinos celestiais. Então, deixou que seu prim o fos­
se dar uma volta, enquanto ele próprio fo i meditar num bosque
próxim o.
Por toda parte que Nanda olhava, havia palácios que c in ti­
lavam com as cores do arco-íris. Homens principescos acompa­
nhados de mulheres encantadoras passeavam aqui e a li, dançan­
do, ouvindo ensinamentos e caminhando por jardins prazerosos,
onde tocavam menestréis. Quando olhou para cima, Nanda viu
donzelas celestiais voando pelo ar. Ele estava tão arrebatado pela
beleza do lugar que nem notou que muitas horas haviam se passa­
do. Porém, não deixou de notar que, enquanto todos os outros t i ­
nham uma companhia, ele estava só, observando do lado de fora.
Então, reparou que cinco donzelas, mais belas do que todas as
outras coisas juntas, estavam entrando num palácio. Não havia
homem nenhum à vista, de modo que ele se aproxim ou delas
o disse: "Vocês são as únicas mulheres desacompanhadas que eu
vi. Estou curioso; quem são vocês?" E elas responderam: "A h ,
estamos esperando um certo jovem que está se interessando pela
prática do Dharma. Como ele está criando carma positivo, irá
nascer aqui." "Quem é este homem de sorte?", perguntou ele.
"O primo do Buda", elas responderam. Nanda ficou tão e ntu ­
siasmado com a resposta que correu de volta para onde o Buda
estava meditando e pediu para ser aceito como aluno.

133
Como nós, Nanda, de início, não se sentia atraído pelo
Dharma em si mesmo; .seu interesse estava naquilo que pudesse
tornar sua vida mais agradável. Mais tarde, porém, à medida que
desenvolveu sua prática, descobriu que a profundidade e a bele­
za do Dharma ultrapassavam a glória dos reinos celestiais. Depois
de haver transmudado seus apegos mundanos, ele se ilum inou.

Praticar o Dharma é mais d ifíc il para nós, porque vivemos


em tempos mais difíceis. Hoje em dia, como todos iutam para
ter prazeres, dinheiro, poder ou posição, há muitas coisas para
nos dispersar. Seguir o Dharma requer paciência, esforço e disci­
plina; desenvolver compreensão e habilidade na meditação é al­
go que requer tem po. Mesmo quando temos motivação para pra­
ticar, podemos não ter tempo ou oportunidade. Ou, talvez, não
encontremos um mestre no qual possamos confiar. Restam
alguns mestres verdadeiros nesta época sombria da Kaii Yuga,
mas há m uitos outros que podem desperdiçar o nosso tempo.
Eles podem nos dar o que pensamos ser ensinamentos, ou mes­
mo poderes, m uito impressionantes, mas que talvez, no final
das contas, não tenham nenhum valor efetivo.

Há uma história sobre um homem que tomava conta de


cabras para ganhar a vida. Seu trabalho era árduo e sempre lhe
parecia que nunca tinha o suficiente para comer, de modo que
adquiriu o hábito de roubar leite das cabras antes de levar os
animais para casa, para serem ordenhados por seu dono. Ele
sempre se certificava de que estava pegando mais do que o su fi­
ciente, para que não fosse ficar com fome mais tarde. Todos os
dias, tirava o leite das cabras, bebia o que podia e jogava o resto
num rio que corria ao lado da caverna em que se abrigava.
Bem, havia uma fam ília de Nagas que morava no rio, e as
Nagas adoram leite de cabra. O rei das Nagas pensou que quem
quer que oferecesse assim tanto leite precioso deveria ter um
m otivo, e, portanto, uma noite, apareceu para o guardador de
cabras e perguntou: 'T o r que m otivo você nos oferece este a li­
mento maravilhoso?" Disse o guardador: "Sou um homem m ui­
to grandioso; por isso eu as alim ento." A Naga respondeu: "C a­
io amo, o que então posso lhe oferecer? Posso lhe dar todos os
poderes que desejar." O guardador, entusiasmado, disse: "Eu
gostaria de ser capaz de sentar no ar; aí, poderia atrair muitos dis­
cípulos por causa desta habilidade." A Naga respondeu: "Está
bem. Vou conseguir isto para você, se continuar a me fornecer
leite de cabra. Sempre que fo r tra nsm itir ensinamentos, você
poderá sentar-se sobre as minhas costas, mas eu estarei invisível
para todas as outras pessoas."
A n otícia da capacidade do guardador de cabras sentar-se
no ar espalhou-se, e muitos aldeões vieram receber ensinamentos
dele. Embora os ensinamentos não fizessem m uito sentido, mui­
tas pessoas passaram a venerá-lo, devido ao seu "p o d e r".
Então, o grande pândita Nagarjuna ouviu falar desse guar-
daaor e veio vê-lo. A Naga, percebendo que um mestre consu­
mado como Nagarjuna seria capaz de enxergá-la, logo se pòs a
correr, deixando que o guardador despencasse no chão. Desiiu-
didos e desgostosos, os discípulos foram todos embora.

Como o guardador de cabras, podemos dar a impressão,


por um determ inado tempo, de estarmos ganhando certos pode­
res e capacidades, mas não podemos contar com um poder que
venha de uma outra pessoa. 0 poder verdadeiro é a capacidade
de controlar a nossa mente e as nossas emoções, e isso somente
pode ser conseguido por meio dos nossos próprios esforços.
Dado que a experiência real da iluminação apenas pode vir
através das nossas próprias ações, precisamos fazer com que to ­
das as-nossas atividades contribuam para o nosso crescimento.
Mesmo atividades corriqueiras, como o trabalho na cozinha ou
numa fábrica, oferecem oportunidades para desenvolvermos
nossa atenção plena e nossa disposição para servir os outros.
Nunca falta oportunidade para nos testarmos, nos olharmos de
frente, sermos honestos e sinceros. Devoção, confiança e aceita-
cão verdadeiras começam nos nossos próprios corações. Mais ta r­
de, quando tiverm os que enfrentar situações difíceis, não iremos
esquecer os ensinamentos da nossa compreensão interna; essas
dificuldades irão transformar-se em novas oportunidades para
crescermos e despeitarmos interiorm ente.

13!)
Havia uma vez um jovem monge chamado Paka Trubangwa.
Ele não sabia ler ef por isso, seu mestre lhe disse para passar os
dias limpando o tem plo. Em vez de estudar os textos, ele passou
anos limpando e limpando e lim pando. Haviam-lhe d ito para re­
petir, enquanto limpava: " o pó se vai; o cheiro se vai./# Um dia,
pensou: "O que é o pó?" Naquele momento, compreendeu que
o pó verdadeiro são as emoções que nos agrilhoam. Quanto mais
repetia estas palavras, mais compreendia a natureza da exis­
tência.
É a nossa motivação, a nossa concentração, a nossa presen­
ça mental que é im portante; podemos transmutar tudo o que fa­
zemos; transformar o pó em ouro. Na maioria dos casos, se al­
guém nos dissesse para não fazer nada, exceto limpar um te m ­
plo, iríamos nos ressentir. Porém, quando aceitamos todos os
aspectos da vida, vemos que podemos aprender com qualquer si­
tuação. O Dharma, na verdade, se torna uma parte nossa, e nós
nos tornamos uma parte do Dharma. Força vem, então, seguida
de encorajamento e de confiança.

O lama tibetano do século X V III Jigmay Lingpa certa vez


disse: "Em bora possamos te r adquirido grande conhecimento e
sabedoria, em decorrência de anos de estudo e prática, e embora
possamos ter aprendido a ser pacientes e a praticar meditação
com vigor, ainda assim podemos estar longe de alcançar a ilu ­
minação. Só se pode alcançar a compreensão últim a por meio de
sincera devoção e total confiança nos ensinamentos e no mestre."
Confiança e devoção, quando combinadas com uma cons­
ciência da responsabilidade que temos em relação aos outros, le­
vam à verdadeira compaixão para com todos os seres vivos, e,
portanto, à iluminação. Devoção e compaixão complementam-
se mutuamente e dão suporte à nossa prática. Quando nossa
compaixão é forte o suficiente, ela inspira nossa devoção; e
quando temos tanto devoção quanto compaixão — uma aber­
tura amorosa para todas as form as sensíveis da vida — há equi­
líbrio e harmonia.

É muito simples. A devoção e a compaixão podem nos le­


var muito próximo da realidade absoluta. A devoção abre o co-

136
ração, onde reside nossa energia essencial ou atenção plena, ma­
nifestando-se como nosso guia interno. Devoção significa entre­
garmo-nos a esta energia superior, a esta atenção plena e pura.
A entrega requer abertura, para p erm itir que o Dharma alcance
os nossos corações. A compaixão serve de porta.
Uma vez que consigamos nos abrir, todos os conceitos dua­
listas se dissolvem, como nuvens. Aceitamos cada parte de nossa
experiência, porque tudo é visto como adequado e harmônico.
Pode ser que ainda tenhamos que enfrentar m uitos obstáculos,
mas aprendemos a aceitar nossas deficiências com docilidade.
Quando aprendemos a nos abrir por meio do Dharma, vemos
que o Dharma, ele próprio, é o guia em quem podemos confiar,
nosso amigo e companheiro de todas as horas. Ao nos abrirmos,
reconhecemos os ensinamentos do Buda em toda a nossa expe­
riência.
Tudo, então, faz parte do Dharma. Quando o Dharma entra
em nossa mente, em nosso coração e nossos sentimentos, e c ir­
cula por nossa corrente sangüínea, nós somos o Dharma vivo.
Esta compreensão é o Dharma in te rio r; não há paredes entre nós
e o Dharma. Isto, descobrimos, é uma entrega à nossa própria e
verdadeira natureza.

137
REFÜGIO

O p r im e ir o e o mais fu n d a m e n ta l passo no caminho budis­


ta é b u s c a r re fú g io n o B uda, no D harm a e na Sangha, a Com u­
n id a d e E s p iritu a l. Isso in d ic a que aceitam os essas três Jóias
c o m o nossos ve rd a d e iro s guias e p ro te to re s ao longo do cami­
n h o d a ilu m in a ç ã o .
N ó s b u sca m o s re fú g io em nosso p ró p rio mestre, como uma
m a n ife s ta ç ã o d o Buda. Buscam os re fú g io no Dharma, nos ensi­
n a m e n to s , rep re sen ta do s pelos escritos e com entários do câ­
n o n e b u d is ta . B uscam os re fú g io na Sangha, nossos companhei­
ros d e v ia g e m no c a m in h o — d o passado, presente e fu tu ro — cu­
jas p rá tic a s e e sforço s pessoais c o n tin u a m e n te nos encorajam.

É n a tu ra i co m e ça rm o s seguindo a q u ilo que acreditamos ser


m a is e le v a d o e s p iritu a lm e n te do que nós. Sob a maioria dos
a s p e c to s , is to é b o m ; apren d e m o s a d ar menos ênfase aos nossos
d e s e jo s, a re s p e ita r as necessidades dos o u tro s, a ser fiéis. Mas
c o n s e g u im o s a p re n d e r apenas um c e rto ta n to com professores
e liv r o s ; n o fin a l, precisam os nos a b rir para a nossa própria com ­
p re e n s ã o , e n te n d e r as verdades e sp iritu a is a p a rtir da nossa expe­
riê n c ia in te r io r . E ntã o , q u a n d o nos a brim o s de maneira autênti­
ca, e s ta b e le c e m o s nossa ligação in te rio r com o Buda, o Dharma
t> .1 S a n g h a . C om eçam os a d esp e rta r para a ilum inação.

138
As ações "e sp iritu a is" são aquelas que acontecem natural­
mente, quando agimos com um coração aberto. No entanto, os
ensinamentos apenas apontam a direção para essa abertura, e
não é fácil viajar para onde os ensinamentos apontam. Muitos
aprendem a "a tu a r" de acordo com os ensinamentos; nem tan­
tos aprendem a vivê-los de fato.
Por exem plo, os ensinamentos dizem para abrirmos mão
do ego. Talvez possamos tentar abrir mão dos nossos "interesses
egocêntricos" juntando-nos a um grupo espiritual, ou passando
nosso tem po a estudar as escrituras; o ego, todavia, se põe tão
à vontade — talvez até mesmo mais — numa biblioteca ou mes­
mo num monastério, quanto num cinema. Há m uitos que se
orgulham demais de seus conhecimentos, de suas visualizações,
meditações, iniciações, sadhanas e mandalas. E há até mesmo
os que se orgulham de suas experiências religiosas.
A ilum inação, no entanto, nada tem a ver com conceitos
ou aquisições. A verdadeira renúncia do ego ocorre quando ve­
mos que não há diferença alguma entre o "in te r io r " e o "e x te ­
rio r", quando encontramos a sabedoria do Buda dentro de nós
mesmos. Em nosso nível samsárico, podemos supor que o Buda
descobriu alguma sabedoria extraordinária que podemos reco­
lher dos ensinamentos que deixou. 0 Budadharma não é um en­
sinamento deste tipo . O que o Buda compreendeu séculos atrás
encontfa-se dentro da própria consciência; não há nada em sua
compreensão que pertencesse a ele. A qualidade da iluminação
está sempre presente, sempre acessível.

Alguns poderiam dizer que olhar para dentro de nós em


busca de verdades espirituais é egocêntrico e egoísta, e que a au­
sência de ego e o altruísm o consistem em trabalhar para o pró
ximo neste mundo. Mas, até que encontremos nossa verdade in
terior, nosso trabalho no mundo irá sempre girar em torno dos
nossos "e g o s".-E nq u a nto pensarmos no mundo em termos d<*
"e u " e "o u tro s ", nossas ações serão egoístas. Nosso "e u " nos
acompanhará aonde quer que formos, de modo que os resulta
dos positivos serão limitados.
Antes de estar em condições de ajudar os outros, precise
mos encontrar tanta força dentro de nós quanto possível Po

139
demos encontrar essa força deixando que o Buda e o Dharma
ganhem vida dentro de nós. Todavia, a maioria de nós ainda não
é capaz de vivenciar essa verdade interior. Podemos tentar, mas,
por ora, parece que temos que viver num nível mais superficial,
voltado para sujeitos e objetos.
Essa é a razão pela qual a meditação é im portante. Na me­
ditação, podemos ter compreensões experienciais que rompem o
nosso modo conceituai de lidar com as experiências, e estas
compreensões nos ajudam a enxergar de um p onto de vista mais
ilum inado. Nós entramos em contato com acalma ea clareza que
se encontram por debaixo do nível conceituai. A meditação, en­
tão, passa a ser o nosso refúgio, pois, sempre que precisamos,
podemos apelar para ela para nos dar e q u ilíb rio . Buscar refúgio
em nós mesmos, dessa maneira, nos proporciona uma base mais
sólida, e uma maior confiança para fazer face à vida cotidiana.
Isto é refúgio num nível mais elevado.
O refúgio definitivo consiste num contato constante com
o estado m editativo, dentro do qual descobrimos a qualidade
imediata do Ser, onde não existem distinções artificiais. Nesse,
que é o mais alto dos níveis, vemos toda a experiência como a
atenção pura que alcançamos por meio da meditação. Não há
Buda, nem Dharma, nem Sangha. Não há sujeito nem objeto,
nenhum "e u " para buscar refúgio em coisa alguma; o conceito
de buscar refúgio cai por terra.

Quando ficamos sabendo como buscar refúgio, e quando


entendemos que não existe o conceito de um " e u " que precisa
ser reforçado, temos verdadeira proteção. Assim que nos damos
conta de que o Buda, o Dharma e a Sangha são realidades vivas
— o que vale dizer que toda a experiência faz parte do Buda, do
Dharma e da Sangha — a experiência religiosa passa a fazer parte
de nós. A experiência, então, transcorre num plano inteiramente
diferente do nível comum das sensações e percepções. 0 ver, ou ­
vir, sentir, tocar: todas as dimensões da experiência são inteira-
mente vivas e infinitam ente ricas.
A fonte para o aprendizado e estudo do Dharma está sem­
pre à mão; não temos que sair e com prar um exemplar dele,
pois ele está sempre presente em nossa experiência. Esse Dhar-
ma vivo é o ensinamento. Quando nos abrirmos para ele, quan­
do entrarmos em contato com essa experiência viva, o significa­
do da Sangha também se abrirá. Iremos ver a unidade essencial
de todos os seres. Assim que tivermos integrado nossa experiên­
cia, o Buda, ele próprio, aparecerá. Por isso, todos os dias deve­
mos nos lembrar do Buda, do Dharma e da Sangha vivos; isso é
buscar refúgio.
Há, desta forma, vários níveis de buscar refúgio, dependen­
do da nossa compreensão. No começo, nós nos damos conta de
que o Buda, o Dharma e a Sangha podem nos guiar e nos dar
apoio, nos alim entar e nos confortar. A essa altura, estamos
ocupados em cuidar de nós mesmos e nos tornar sadios, de co r­
po e mente. Num nível um pouco mais profundo, nós com ­
preendemos que o Budadharma é o centro da nossa vida, e que
há beleza e significado em toda a experiência. Num nível ainda
mais profundo, compreendemos que o Buda, o Dharma e a San­
gha estão sempre dentro de nós, de modo que não há necessida­
de alguma de veneração externa. No nível mais profundo, já não
há mais qualquer refúgio, porque o ego deixa de existir. Há ape­
nas uma mandala — perfeita em todas as dimensões.

141
AMOR E COMPAIXÃO

Ao aprofundar nossa compreensão da existência, abrimos


a porta que leva à compaixão. O desenvolvimento de uma cons­
ciência da dor e da ignorância que nós, bem como os outros, v i­
vemos, estimula simpatia e, depois, empatia. Esse crescente in ­
teresse pelos outros inspira um sentimento de am or — um amor
que perde suas ligações com os nossos conceitos e sentidos, um
amor que é sem sujeito nem objeto.
A com paixão é a capacidade de sentir plenamente a situa­
ção de uma outra pessoa. Relacionamentos familiares próxim os
ajudam a desenvolver essa capacidade, mas, hoje em dia, o senso
de união da fa m ília não é forte. Sem o apoio da fam ília, tende­
mos a nos retrair para dentro de nós mesmos. Já que achamos
tão d ifíc il nos relacionar com os outros, mesmo com nossos
bons amigos, dedicamos nossos esforços para proteger a nós e
aos nossos bens materiais. Nosso interesse raramente vai além de
nós mesmos, além das nossas necessidades e desejos pessoais. 0
cuidado para com os outros e a sensibilidade em respondera eles,
ambos fundamentais à compaixão, têm pouca chance de se de­
senvolver.
Um modo de aprender compaixão é cultivar o desejo de
ajudar os outros. Este simples gesto abre, automaticam ente, o
coração. Nós alargamos nossas perspectivas e aumentamos nossa

142
sensibilidade às necessidades dos outros, e isso, então, nos leva a
desenvolver a capacidade de, efetivamente, servir de ajuda. Por
fim , podemos aprender a amar sem qualquer motivo u lterior ou
qualquer sentido de ego. Esse sentimento de amor altruísta es­
tim ula uma abertura que permite à compaixão surgir natural­
mente. Podemos, então, agir com habilidade e compaixão em
toaas as circunstâncias.

Aluno: Mas como fazemos isto: como aprendemos a pôr de lado


o fato de sermos centrados em nós mesmos?
Rinpochc: A bertura, num sentido últim o, significa compaixão.
Quanto mais aberto você se deixar ser, mais você será capaz de
se comunicar com seus amigos, com sua fam ília, com qualquer
pessoa. Em vez de reprim ir ou tentar evitar seus sentimentos,
abra tanto quanto puder seu coração, seus sentimentos, toda a
sua personalidade. Abra-se para seus níveis mais fundos de sen­
timentos. Você pode fazer isto por meio do relaxamento, que é
a chave da meditação.

Fique m uito quieto, respire m uito delicada e suavemente, e


mantenha sua mente na presença da atenção pura. Uma vez que
o relaxamento tenha se estabelecido deste modo, você irá curar
seus sentimentos interiores. Então, um caior interior virá. Com
este caflor e este relaxamento interiores, você sentirá mais aber­
tura e, com esta abertura, mais comunicação. Visto que o calor
in te rio r se transm uta em sabedoria, você será capaz de ver as si­
tuações das outras pessoas mais claramente, e, com essa clare­
za, poderá também aprender mais sobre você mesmo. Você po­
derá abrir-se para sua natureza interior.
Quando seu coração se abre verdadeiramente, você pode se
comunicar com todos os seres, com toda a existência. Pode ver
a natureza do samsara. A abertura é a chave da compaixão, de
modo que, quando você conseguir desenvolver uma abertura
maior, o ego e a tendência a agarrar as coisas para si perdem sua
forca. Quando estiver assim menos autocentrado, poderá ver
que cada in divíd uo tem que passar por este ciclo do samsara.
Você aprende a ter mais aceitação, e a compaixão cresce em
profundidade e se torna mais abrangente.
A compaixão autêntica está além dos pensamentos, além
do "ego", livre de qualquer crença de que há um "e u " presente
no ato da compaixão. A verdadeira compaixão, portanto, gera
um sentido profundo de aceitação, e mesmo de perdão, com re­
lação àqueles que nos causaram dor ou infelicidade. Quando so­
mos sensíveis às fraquezas e egoísmos dos outros, percebemos
que o mal que fazem é fe ito simplesmente por ignorância.

Aluno : Tenho problemas em aceitar o que você está dizendo so­


bre o perdão quando penso em todas as pessoas que sofreram e
morreram durante a II Guerra Mundial.
Rinpoche: Desenvolver compaixão por aqueles que fazem coisas
horríveis é, na verdade, algo que nos regenera. Os atos de tais
pessoas mostram que elas não têm nenhuma consciência verda­
deira de si mesmas, e nenhum controle sobre suas próprias men­
tes. Suas emoções agressivas são tão poderosas que não sabem
o que estão fazendo. Elas são, de fato, loucas. Compreendendo
isso, podemos aprender a te r compaixão.

Aluno: Quando amo m uito alguém, é fácil esta pessoa me fazer


sentir ciúme. Qual é a razão disso?
Rinpoche: O ciúme só pode aparecer quando há medo ou inse­
gurança, alguma sensação de fraqueza bem no fundo. Quando
você não confia em si totalm ente, pode sentir que a outra pes­
soa está se aproveitando de você. Mas, quando você aprende a
confiar em sua força in te rio r, não há nada que possa perder. En­
tão, você pode descobrir com o amar sem fazer exigências ou
criar ciúmes.

Aluno: 0 Budismo não parece te r a mesma atitude que as outras


religiões têm com relação ao mal.
Rinpoche: Seria tolice dizer que as ações más são boas; mas, se
não houvesse negatividades com que lidarmos, não haveria ne­
cessidade de cultivarmos atenção plena, nem meditação, nem
compaixão. Sem nenhum problema ou negatividade, não po ­
deríamos ficar iluminados; portanto, temos sorte em ter tanto
situações positivas quanto negativas para lidar. Embora não seja
fácil ultrapassar nossos problemas, eles são nosso campo de tes-
te. Em vez de termos raiva daqueles que nos prejudicam, pode­
mos ser gratos a eles por nos dar a oportunidade de desenvolver
paciência — e mesmo amor e compaixão. Essa maneira de ver as
situações pode abrir ainda mais os nossos corações.

Afuno: Como posso desenvolver um coração mais compassivo?


Rinpoche: Trabalhe com alegria ju n to com as outras pessoas e
coloque tanta energia em seu coração quanto puder. Seja natu­
ral e jovial. Aprenda a aceitar os outros mesmo com suas falhas.
Embora o mais alto sentimento positivo seja chamado de amor,
até mesmo o amor é lim itado pela relação sujeito-objeto: tenta­
mos fazer com que aqueles que nos são próximos se enquadrem
dentro do que sentimos que devam ser. Eles podem ser nossos
amigos, nossos namorados, nossos filhos, ou mesmo Deus ou
Buda. Somente a compaixão nos liberta dessa relação lim itado­
ra. A compaixão aceita os outros como eles são. A pessoa que
compreende a compaixão por inteiro não vê mais qualquer se­
paração entre "e u " e "o u tro s ". A compaixão é a resposta saudá­
vel e espontânea a todas as situações.

Aluno: Parece im portante ajudar o próxim o por compaixão. No


entanto, muitas vezes não sei o que fazer; sinto-me ignorante e
impotente na maioria das situações. Você poderia dizer alguma
coisa sobre isto?
Rinpoche: A m elhor maneira de mostrar compaixão é por meio
do desejo de ajudar. Quando você não puder fazer nada numa
situação, simplesmente deseje com sinceridade poder ajudar.
Embora esses sejam apenas pensamentos, ter bons pensamentos é
algo que tem valor. Você pode também se dar conta de que o
motivo pelo qual não consegue ajudar é porque lhe faltam
sabedoria e força espiritual. Mas o desejo irá encorajá-lo e fo rta
lecerá a sua prática. Quanto mais você desenvolver a sua prática,
mais força terá para ajudar os outros.
O desejo consiste não apenas em palavras, mas em um sen
tim ento profundo que vem do fundo do seu coração. Quando
você tiver cultivado esse sentimento com vigor, então a disposi
ção virá, e, depois, a abertura. A esta altura, você consegue agir
de modo eficaz. É assim que a compaixão começa. Você vê os

145
problemas dos outros, sente sua dor, sua mágoa, seu sofrim ento.
Seu desejo de ajudar se torna mais forte, conforme você se abre
mais e sente com maior profundidade.

Aluno: Às vezes, parece m uito egoísta dizer: "Não posso fazer


nada."
Rinpoche: Não quando você, de fato, quer ajudar com todas as
suas forças, mas sabe que, na realidade, simplesmente não há
nada que possa fazer.
Aluno: Tenho muitos amigos participando de movimentos so­
ciais que tentam transform ar a sociedade. Eu também vejo m ui­
tas coisas que estão erradas, mas é muito d ifíc il explicara uma
outra pessoa que a meditação vai ajudara sociedade. Eu recebo
muitas críticas e não sei como lidar com elas, embora saiba que
meditar está certo.
Rinpoche: Para ajudar os outros, você precisa ter, ao mesmo
tempo, sabedoria e força, o que significa compaixão. Quando
uma destas qualidades ou ambas estão faltando, é d ifíc il ser bem-
sucedido. Apesar de você ter boas intenções, a falta de força
significa falta de eficácia. É melhor desenvolver sua atenção ple­
na, sua força, sua capacidade de agir.
Primeiro, você precisa adquirir sensibilidade para ver o que
uma situação contém dentro de si; então, poderá lidar com ela
de modo apropriado. Sem preparação, é d ifíc il levar a cabo boas
idéias.

Aluno: Sabedoria e meditação soam muito semelhantes para


mim. Qual é exatamente a ligação entre elas?
Rinpoche: Sim, a sabedoria e a meditação se tornam m uito se­
melhantes. Meditação é atenção pura; e, quando esta atenção se
desenvolve, ela se transforma em sabedoria. Quando entende­
mos o sofrimento dos outros, podemos cultivar o desejo de aju­
dar; depois, a disponibilidade para ajudar; e, então, nosso cora­
ção se abre. A sabedoria nos permite ver o que pode ser fe ito e
nos dá a capacidade de aliviar o sofrimento dos outros.
A SEMENTE DA ILUMINAÇÃO

A iluminação é a natureza de toda a experiência, o que sig­


nifica que a iluminação está disponível a nós, todo o tempo. A
auto-imagem, porém, nos divorcia da visão iluminada — por
isso, a maioria de nós tem pouca convicção de que há, de fato,
algo a mais na vida, além daquilo que vivemos cotidianamente.
Quando temos estas dúvidas, pode ser que nem tentemos trans­
cender as limitações que o nosso ego nos impõe. Mas, quando
vemos que talvez possa haver alguma verdade nas crenças espi­
rituais, pomo-nos num caminho que nos leva além das nossas
limitações para estados de atenção pura cada vez mais elevados.
Nós nos tornamos mais e mais despertos para a nossa verdadeira
natureza, até que, ao final, nada existe entre nós e nossa expe­
riência da iluminação.
Os ensinamentos do caminho da iluminação têm sido trans­
mitidos de mestre a aluno em uma linhagem ininterrupta que,
no passado, chega até o próprio Buda. O Buda ensinou, e aque­
les para quem ensinou, por sua vez, ensinaram outras pessoas.
Esta é a tradição viva que mantém o caminho da iluminação.
Aqueles que passam os ensinamentos o fazem por interm édio da
compreensão dos ensinamentos do Buda em si mesmos, e, por­
tanto, transmitem não apenas os textos e seus significados ver
dadeiros, como também a efetiva experiência da iluminação.

147
Os mestres da linhagem, trabalhando em níveis internos,
podem transm itir a linhagem da iluminação diretamente — sem
palavras ou conceitos, sem mesmo o uso de expressões ou gestos
simbólicos. Todavia, não é fácil receber esta transmissão; nossa
mente conceituai, nosso ego que julga e interpreta toda a nossa
experiência, se põem no meio do caminho.
Naquilo que geralmente chamamos de ensino, o aprendiza­
do é uma questão de filtra r palavras e significados através da
nossa compreensão conceituai. Mas, nos ensinamentos do cami­
nho, como cada palavra é uma porta direta para a iluminação,
precisamos compreender os significados internos, por meio da
nossa experiência direta. Quando nossos corações e mentes se
abrem para estes significados mais profundos, um mestre pode,
então, nos ajudar a transcender as limitações que a nossa mente
conceituai impõe à nossa compreensão.

A compreensão intelectual e a vivencial, ambas, crescem e


se aprofundam juntas. Assim, cada passo na transmissão — os
ensinamentos, os textos e o processo de aprendizagem — deve
ser cumprido com o máximo cuidado, ou então o caminho dire­
to para a iluminação ficará obscurecido. Impacientes com o
nosso progresso, podemos sentir que, quanto "m ais" aprende­
mos, melhor a nossa situação. Mas ficar indo de professor em
professor dilui a nossa compreensão, em vez de aprofundá-la.
Precisamos, portanto, selecionar cuidadosamente um guia rea­
lizado e então segui-lo, até que a nossa compreensão se torne
profunda e clara.
Como podemos ter certeza de que nosso professor será ca­
paz de nos guiar até esse entendimento? Tendo por guia tanto a
nossa inteligência quanto a nossa intuição, somos naturalmente
atraídos por um professor que tenha consumado aquelas quali­
dades que desejamos desenvolver em nós mesmos. Um mestre v i­
ve o significado interior dos ensinamentos e, deste modo, vemos
nele nossa natureza interior. Então, por meio de sua compaixão
iluminada, ele nos ajuda a desenvolver nossas próprias qualida­
des de compaixão, integridade e confiança interior.
Quando o mestre é compassivo e aberto, o caminho se abre
n.ituralmente, e as nossas vidas assumem uma qualidade unifor-

MM
me e fluente. Gradualmente, tornamo-nos cientes da nossa na­
tureza in te rio r e aprofundamos nossa autocompreensão, nossa
força interior.

No entanto, os ensinamentos nem sempre vèm em formas


agradáveis para nós ou nossos egos. Um mestre compassivo, ao
revelar nossa natureza interior à nossa atenção consciente, ta m ­
bém traz à tona qualidades que não gostamos de a dm itir em nós.
Podemos nos livrar delas depois que as vemos, mas estas qualida­
des podem ser tais que os nossos egos não queiram renunciá-las.
E nossos egos, quando se sentem ameaçados de perda, podem fa ­
zer com que duvidemos dos ensinamentos e do mestre; podem
mesmo nos levar a crer que, se não gostamos de um certo ensi­
namento, certamente ele deve estar errado. Nesse momento, po­
demos nos sentir compelidos a romper com o mestre, em vez de
romper com o nosso ego.
Mas romper com o mestre equivale a romper com nossa
confiança em nós mesmos. Ao agir assim, cheios de vontades,
aceitando aqui e rejeitando ali, solapamos o nosso próprio de­
senvolvimento e reforçamos apenas as nossas limitações. Desse
modo, não só atraím os confusão, como também um profundo
sentimento de culpa e fracasso que torna extremamente d i f í ­
ceis novos progressos ao longo do caminho.
..Portanto, confiança no mestre e no que ele representa é ne­
cessário desde o início. Para que a linhagem continue in in te r­
rupta, deve haver confiança mútua, abertura, honestidade e in te ­
gridade, como bases do caminho. Comunidades construídas so­
bre estes alicerces continuarão a prosperar, e o fu tu ro da linha­
gem estará assegurado.

Os ensinamentos que levam à experiência direta são as pe­


dras de toque dos estágios do nosso crescimento. Por fim , desco­
brimos que os ensinamentos e a nossa própria experiência da ilu ­
minação se fundem . Transcendemos a nossa natureza samsárica.
Agora, vemos que toda a natureza e toda a existência já estão
iluminadas.
Quando nos tornamos iluminados, passamos a fazer parto
da iinhagem, e com partilham os do mesmo conhecimento e com
preensão vivos do Buda. Este é o fio da iluminação. Nós então
levamos isto adiante em nossa própria compreensão, em nosso
trabalho no mundo.
Depois dessa experiência, não permanecem quaisquer ques­
tões ou dúvidas: nós temos compreensão da linhagem in in te r­
rupta. A inspiração desta antiga linhagem de iluminação vive
dentro de nós, e nós nos abrimos para a natureza iluminada que
é inerente à toda a existência.
INDICE REMISSIVO

A b e rtu ra , 56, 60, 70, 96, 108, 111, Base do ser, 95 segs.
1 1 6 , 12 0 , 1 3 7 , 1 4 3 , 145 Bodhisattva, 23
A çã o c o rre ta , 2 3 Buda. 22, 23, 26. 96, 133, 138 segs.,
A g a r r a r . 5 4 , 6 6 , 7 1, 1 2 6 145, 147, 150
e a u to -im a g e m , 2 9 Budismo, 14, 16, 25. 43, 69, 1 13, 132
e p e n s a m e n t o s e im a g e n s , 4 3
A n s i e d a d e , 4 7 , 71 segs.
A p e g o , 5 1 , 6 3 , 7 0 , 1 0 4 , 106 Caminho, 43, 60, 147, 148
A t e n ç ã o ( p u r a ) , ( p l e n a ) , 19, 4 4 , 5 1 , 5 5 , Caminho do meio, 59, 70, 133
5 8 . 6 3 . 6 7 , 6 8 , 7 8 , 108, 109, 110, Caminho espirituai, 60, 70, 103, 113,
114
1 1 3 segs., 1 4 0
Carma, 21, 22, 33, 35, 41, 81, 128
c o m o base d o ser, 9 5
Chod, 38-40
c o m o e n e r g ia . 21
Ciúme, 144
com o e x p e riê n c ia p o s itiv a e nega­
Compaixão, 15, 62, 69, 136, 137, 142
tiv a , 3 0 segs.
d e n tr o d o s p e n s a m e n to s , 1 0 0 , 108- Comunicação, 20, 54, 55, 69, 85, 143
109 dos sentidos, 55
d is c rim in a d o ra , 110 Compreensão experiencial, 53, 57, 60,
na m e d i t a ç ã o , 6 3 78. 79, 101, 107, 117, 147, 148
na v i s u a l i z a ç ã o d o ló tu s d o s o n h o , Conceitos, 76, 78, 91, 95, 104, 111,
9 2 -4
113, 114, 122, 127
Concentração, 101-03, 107, 108, 111,
s a m s á r ic a , 1 1 8 - 1 9
115,116
A tis h a , 8 2
Confiança, 135, 136, 149
A titu d e , 46-7, 5 6 , 6 0
Consciência, 27, 30, 38, 41, 48, 51.
A tra ç ã o , 7 1
61-3, 66, 67, 78, 81, 82, 91, 93 5.
A u to c o n fia n ç a , 5 4 , 148 108, 122, 126. 128
A u t o - i m a g e m , 2 7 segs., 3 4 , 8 1 , 8 3 , 1 0 0 , níveis da, 89, 108
14 7 pura, 117, 139
A u to -s u fic ié n c ia , 5 3 , 58 Criatividade, 29, 69,89
Demónios, 38-40 Hinayana, 14
Devoção, 103, 135, 136, 137 Honestidade. 32 segs., 58
Dharma, 26, 44, 114, 132, 133 segs.,
138 segs.
Dor, 2 8 .4 1 ,4 5 ,6 1 ,6 6 -6 7 Iluminação. 69, 89, 117, 132, 134,
Dualismo, 117, 119, 121, 126, 127 135, 136, 138. 139. 147 segs.
desejo pela. 24
Ilusão, 37, 76 segs., 88, 107, 129
Ego, 23, 34, 46, 48, 64, 66, 83, 84, Impermanéncia. 22, 42 Wer também
102, 120, 121, 132, 139, 148, 149 T ransitoriedade)
Emoções, 40, 59 segs., 84, 117 Integração, 56, 57, 118, 128
como energia, 60 segs., 64
como manifestação do ego, 64
Jigmay Lingpa. 136
lidando com as, 64-5
transmudando as, 21, 28, 29, 30,
33. 34, 59 segs., 82. 116-17,
Lembranças, 48, 52 segs.
136 Linhagem. 147 segs.
Energia, 21, 28, 29, 35, 36, 42, 51 ,56 ,
Ludismo, 4 1 ,6 3
57, 59, 61. 68. 69. 73, 84, 93. 122
como medo, 36-7, 62
Ensinamentos Nyingma, 11, 13, 14 Mahayana. 14, 24
E quilíbrio interior, 54, 57, 69, 94
Esforço, 45, 46, 52, 62, 101, 102
Espaço, 56, 93, 111, 122, 127 Meditação, 42, 43 segs., 63. 65, 66, 84,
como nível básico, 96 86. 100 segs., 114, 115. 116, 123,
da meditação, 101 129, 140. 146
Existência humana (importância da), ansiedade na, 72-3
41 ,42 atenção pura na, 114, 146
Experiência, 29. 55, 84, 95, 96. 97, desejo de experiências na, 48, 72,
106, 125, 126 120
caráter imediato da, 19 segs., 71, experiencial. 19 segs., 127, 128
78, 1 14, 117, 149 exploração dos sentioos na. 56
níveis da, 97, 114 natureza da mente e, 14
positiva e negativa, 30, 59, 60, 67 níveis da. 96, 97, 106
realidade da. 85-6 penetrando o medo na. 34, 37. 38
Experiência mística, 93 pensamentos na, 106 segs., 110
relaxamento e, 43 segs., 53, 102
tempo em relação à. 47.48
Fantasia. 28 terreno da, 96
Fascinação, 71 segs. transformação de emoções negati­
Filosofia, 25, 85, 104, 105, 113, 114 vas na, 60 segs., 65
Força. 145, 146 transitoriedade e. 78
da energia, 61 Meao, 34-5, 36 segs., 53. 61, 62, 67,
Frustração, 23, 26, 28-9, 32, 52, 62. 7 8 ,8 8 .8 9 , 121
132 como criação da mente. 36, 37

152
Mente. 14, 24. 56, 62, 72. 77, 85, 95, Religião, 103
96. 106, 108, 121, 126, 153 Renúncia, 24
meditação e a, 84. 114 Respiração, 56, 116
natureza da, 14 Rotulação (da experiência), 37, 41, 60.
padrões da. 5 1 80-1, 120
Mestres. 41, 103. 134, 147 segs.
Morte, 22, 40-2. 89
Sangha, 133 segs.
Mudança, 29, 32 segs., 41, 44, 76 (ver
Samsara. 21, 22, 25, 89, 90, 96. 115.
:3mhóm impermanència)
1 2 8 ,1 2 9 , 1 3 9
Saúde, 44
N agarjuna. 129. 135 efeito da mente sobre a, 14
Negatividades. 53, 59, 144 Sentidos, 19, 54 segs., 7 1 , 9 6
transform ação. 60 segs., 69 camadas dos, 55
Nirvana. 2 1 , 9 0 . 9 6 , 128, 129 Sentimentos. 37, 52, 53, 54 segs., 61,
7 1 ,9 2 .1 4 3
Sentimentos positivos, 56, 145
Orientação sujeito-objeto, 27, 36. 37, S e r , 9 5 . 9 6 . 123, 124, 140
46. 116, 118. 120, 140. 145 Significados, 68. 113 segs.
Sistemas de ccnviccões, 78
Sociedade, 20, 26
Paciência, 20, 2 1 ,6 2 S o frim e n to , 24, 25, 29, 61 segs., 86,
Padrões. 32 segs., 51 segs., 60, 73, 126 89, 117
Wer tombem Carma) Sonhos, 40, 59, 80 segs., 93
do medo, 37 atenção plena nos. 92 segs.
rompendo os. 33-4, 73 como exemplo da transitoriedade,
Pensamentos. 37. 61, 62, 72. 73, 84, 77
92. 104, 106 segs.. 121 segs., 126 uso dos, na exoloração da realidade.
atenção p u ra e , 100, 101 80 segs.
espaço entre, 108 segs., 122 segs., visualização nos, 92 segs.
128
natureza dos. 107
o observador e, 121 segs. Tem po, 20, 24, 46-48. 62, 93, 122.
Poder, 134, 135 1 2 6 ,1 2 7
Prazeres, 54, 55, 71, 132, 134 T e n s ã o ,14
Presença mental, 20. 4 7 , 5 6 , 119 Tibete. 82
meditação e, 19 Transitoriedade. 24, 40. 77

Raiva, 59, 6 1 ,6 2 . 67. 68 Vaj rayana, 15


Realidade, 19, 26, 36. 76 segs., 80. 81, Vazio. 25, 57, 108
83. 85 segs., 100, 109, 120, 125. Verdade, 78. 100
126, 128, 129 Verdade relativa, 48, 78, 12/
Reoeneracão. 57 Visualizações, 129
Relaxamento. 43. 52. 56 segs.. 63, 73, Visualização do lójus do vpnho, d 1
7 8 ,9 1 .1 0 1 ,1 1 6 ,1 4 3 Vontade. 20. 49
Lá *ia também:

GESTOS DE E Q U IL ÍB R IO

Tarthang Tulku
Lama-Chefe do Centro Tibetano
de Meditação Nyingma e do
Nyingma Institute

Desde sua primeira publicação em língua inglesa, G estos


de E quilíbrio tornou-se um best-seller entre as obras do autor
e um dos livros sobre m editação mais lidos em todo o mundo,
por apresentar o mais profundo estudo a respeito de uma
tradição antiga traduzida em termos facilm ente assim iláveis
para a nossa experiência ocidental.

G uia introdutório à percepção, à autocura e á m editação,


este livro discute as qualidades básicas para uma abordagem
espiritual da vida, que deve ser vivid a com honestidade, res­
ponsabilizando-se cada qual pelos próprios atos e abrindo o
coração aos outros.

Ao ensinar, nesta obra, com o viver o Budismo na vida


agitada de nosso dia-a-dia, seu autor — um lama tibetano
que há mais de 10 anos continua no seu trabalho pioneiro
de aproxim ação entre O cidente e O riente através do que este
possui de mais elevado: sua tradição filosófico-religiosa —
realizou a façanha de tornar acessíveis para os ocidentais o
pensamento e as práticas milenares ensinadas pela tradição
budista no Tibete.

E D IT O R A PENSAM ENTO
KUM NYE
TÉCNICAS DE RELAXAMENTO

Tarthang T ulku

Lama-chefe do Centro Tibetano


de Meditação Nyingma e do Nyingma Institute
de Berkeley, Califórnia.

U m sistema de tratam ento que alivia a tensão, transform a


os padrões negativos, ajuda a reconquistar o equilíbrio e a
saúde, aum entando o gosto de viver sufocado pelos modernos
sistemas de vid a — eis com o pod eríam os definir estas Técnicas
de relaxam ento, pela prim eira v e z en feixadas em livro.
Incluindo exercícios de respiração, autom assagem e dife­
rentes tipos de m ovim ento que podem ser feitos por jovens ou
velhos, estes exercícios de relaxam ento têm com o resultado uma
qualidade vital e duradoura m aior que o sentim ento de bem -estar
proporcionado pelos exercícios físicos ou até por disciplinas
com o o yoga. F áceis de executar, dispensando a orientação de
professores, eles abrem os sentidos e o co ração , fazendo com que
apreciem os mais plenam ente cad a um dos aspectos da vida
m ediante a conquista de uma perfeita integração entre o corpo,
a mente
o*
e os sentidos.
A tradição escrita destas técnicas pode ser encontrada em
antigos textos budistas do T ibete relacionad os com o exercício
da M edicina e que estão na origem das mais recentes disciplinas
ligadas ao aprim oram ento do corpo e da alma. M as o sistema
aqui apresentado foi especialm ente ad aptado para servir às ne­
cessidades m odernas por seu autor, T arth an g Tulku, cujo pai,
m édico e lam a, iniciou-o na teoria e na prática destas técnicas
milenares.
D e T arthan g T u lku a E d itora Pensam ento já publicou G e s­
tos de equilíbrio, igualm ente inspirado na tradição budista do
Tibete e um dos livros sobre m editação mais lidos cm todo o
mundo.

ED ITO R A PEN SA M EN TO
A MENTE OCULTA DA LIBERDADE

Tarthang T nlku

Constam deste livro as palestras realizadas por Tarthang


T u lku, sobre m editação e autodesenvolvim ento, no N yingm a
Institute de Berkeley, C alifórn ia.
A m ente oculta da liberdade não se propõe com o uma dis­
ciplina definitiva do cam inho para a ilum inação. A esperança
do autor é que as sugestões aqui apresentadas estim ulem uma
qualidade de leveza e de naturalidade no dia-a-dia do leitor,
incentivando seus esforços para explorar o potencial da mente.
A mente é mais do que os pensam entos que ela tece; sob eles
encontra-se uma energia vital, que é ativa, sensível e atenta a
cada m om ento. O contato direto com essa energia gera uma
sensação de verdadeira alegria e satisfação que nos permite
apreciar nossa experiência em toda a sua plenitude.
V ivem os num m undo superpopuloso e frustrante, no qual,
com um ente, torna-se fácil esquecer que a paz dentro de nossa
mente é nosso único refúgio verdadeiro. Q ue as passagens deste
livro sirvam para recordar a claridade e liberdade da mente
desperta, cham ando-nos à nossa m orada natural.

EDIT O R A PENSAMENT O
O L IV R O T IB E T A N O DOS M O R T O S

C om pilação e coordenação

W. Y. Evans-W entz

O Bardo Thõdol, apropriadamente intitulado por seu organizador,


W. Y . Evans-W entz, O livro tibetano dos mortos, pertence a essa catego­
ria de escritos que não interessam apenas aos estudiosos do Budism o
Mahayana, mas também e especialmente — pelo fato de possuir um pro­
fundo humanismo e uma compreensão ainda mais profunda dos segredos
da psique humana — ao leitor comum que procura ampliar seus conheci­
mentos da vida.
Durante anos, desde que foi publicado pela primeira vez, o Bardo
Thõdol tem sido meu companheiro constante e a ele devo não apenas muitas
idéias e descobertas estimulantes, mas também muitos esclarecimentos fun­
damentais. A o contrário dO livro egípcio dos mortos, que sempre nos induz
a falar demais ou muito pouco, o Bardo Thõdol nos oferece uma filosofia
inteligível, endereçada a seres humanos, mais do que a deuses ou a selva­
gens prim itivos. Sua filosofia contém a quintessência da crítica psicológica
budista; nessa qualidade, podemos realmente dizer que ele é de uma supe­
rioridade sem par.

O livro não é um cerimonial fúnebre, mas um conjunto de instruções


para os mortos, um guia através dos cambiantes fenômenos do reino do
Bardo, esse estado de existência que continua por 49 dias após a morte até
a próxim a reencarnação.

O Bardo Thõdol é, então, conforme observa igualmente o D r. Evans-


Wentz, um processo de iniciação cujo propósito é o de restaurar na alma
a divindade que ela perdeu ao nascer. [. . . ] O livro descreve um caminho
de iniciação em sentido inverso, a qual, diferentemente das expectativas
escatológicas da Cristandade, prepara a alma para uma descida à existên­
cia física.

Esse tratado dos mortos é tão detalhado e tão adaptado às aparentes


modificações na condição do morto que qualquer leitor sério ver-se-á pro­
penso a perguntar se esses velhos sábios lamas não teriam, afinal de contas,
apreendido algo da quarta dimensão e levantado o véu de um dos maiores
segredos da vida.

C. G. Jung
“Comentário Psicológico”

E D IT O R A P E N S A M E N T O
Leia também:

A ESSÊNCIA DA
MEDITAÇÃO BUDISTA

Bhikkhn Mangalo

mundo moderno anseia visivelm ente por um


O método novo, não-dogmático, científico e
prático de compreensão das verdades perenes que
cada um, instintivamente, sabe que existem mas
percebe que estão escondidas de sua compreensão
direta e pessoal pela “ religião” dogmática e orga­
nizada.
Assim sendo, no final, até a própria palavra
“ religião” passa a adquirir, na mente de algumas
pessoas, uma conotação pejorativa, o que é de se
lamentar, já que elas se afastam, desperançadas, da
“ religião” , à procura de verdades que só a religião
— no verdadeiro sentido — pode lhes revelar.
Esse anseio por uma abordagem não-dogmáti­
ca pode ser satisfeito através da simples prática da
recordação, que é, de fato, a essência da meditação
budista.
A prática da recordação é ensinada sistema! ica-
mente no Extremo Oriente, particularmente em
Burma, onde foi revivida e popularizada sob a
competente e douta orientação do Venerável Ma-
hasi Sayadaw. A partir daí, o interesse por esse mé­
todo milenar, mas notavelmente moderno, espa­
lhou-se por muitos outros países.
Temos a certeza de que aqueles que o aplicarem
haverão de descobrir nele uma “ porta para o Etei
no” realmente simples e acessível.

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EDITORA CUI T R IX
Rua I)r Mário Vicente, 174
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A EXPANSÃO DA MENTE

T a r t h a n g T u l k u

Para as pessoas que, em número cada vez maior, estão se


interessando por um modo de vida mais espiritual, A exp a n sã o
da m e n te explica de forma clara o que é a meditação e ensina
em termos bem acessíveis a melhor forma de meditar. Contudo,
embora este seja o tema geral do livro, seus ensinamentos podem
ser aplicados a tudo na vida, pois através deles podemos chegar
à compreensão da natureza da mente, dos pensamentos e dos
sentimentos humanos.
Por apontar novos rumos no campo da meditação, este
livro constitui um avanço oportuno e expressivo para a com­
preensão do Budismo Tibetano entre os ocidentais.
Tarthang Tulku, um lama tibetano que durante os últimos
dez anos vem pregando e trocando idéias com os ocidentais, é
um pioneiro na tão esperada fusão do Oriente com o Ocidente.
Dele, a Editora Pensamento já editou: G e s t o s d e eq u ilíb rio ,
K u m N y e — técn ica s d e rela xa m en to e A m e n te o cu lta da
lib erd a d e.

ISBN 85-316-0163-0

EDITORA C U L T R IX 9 88531 601637

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