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Teorias e Sistemas

em Psicologia
Psicologia Sócio-Histórica

Profa. Luciana França


Aula de hoje
• VII. A Psicologia Sócio-Histórica.
VII. 1 A Contribuição Marxista: O Materialismo Histórico e
Dialético.
VII. 2 Os Primórdios da Psicologia Sócio-Histórica.
VIII. 3 A Concretização da Psicologia Sócio-Histórica.

Leitura Obrigatória: ROSA, E. Z.; ANDRIANI, A. G. P.


Psicologia sócio-histórica: uma tentativa de sistematização
epistemológica e metodológica. In: KAHHALE, E. M. P. (org.)
A Diversidade da Psicologia: Uma Construção Teórica. 4ª ed.
São Paulo: Cortez, 2011. (Capítulo 10).
A Contribuição Marxista: O
Materialismo Histórico e Dialético
• A teoria marxista entende que a humanidade define-se por sua
produção material, por isso a palavra “materialismo” em seu nome. O
marxismo também entende que a história da humanidade é a história da
luta de classes, colocando, assim, as classes sociais como opostas.
• Para os materialistas, a única realidade é a matéria em movimento, que,
por sua riqueza e complexidade, pode compor tanto a pedra quanto
produzir efeitos surpreendentes como a luz, o som, a emoção e a
consciência. O materialismo contrapõe-se ao idealismo, cujo elemento
primordial é a ideia, o pensamento ou o espírito”.
• No materialismo histórico e dialético, sujeito e
objeto estão em relação dialética, portanto não
há neutralidade no conhecimento, há sempre
uma intenção do sujeito sobre o objeto. Essa
intenção é histórica e deve ser considerada.
• Em outras palavras, o materialismo histórico e
dialético permite trabalhar com a historicidade
dos fenômenos e, por isso, contrapõe-se à sua
naturalização.
• “Indivíduo e Sociedade são inseparáveis, segundo a dialética, pois o particular
contem em si o universal, deste modo, se desejamos conhecer cientificamente o ser
humano, é necessário considerá-lo dentro do contexto histórico, inserido em um
processo constante de subjetivação/objetivação.
• A “matéria” (o concreto) está em uma relação dialética com o psicológico e o social.
• Lane afirma que os avanços da Psicologia Social na América Latina estão diretamente
relacionados à epoca da crise teórica e metodológica da Psicologia Social, a qual
assumiu aí um caráter político, dado o contexto das ditaduras militares e da repressão,
bem como das injustiças e opressões vividas nas décadas de 1960 e 70. Questionava-
se então, como a Psicologia Social poderia trazer subsídios para transformações
sociais, pensando não só em reformulações de caráter teórico, mas também em
transformações de cunho metodológico e de atuação” (p. 270).
• A Psicologia Sócio-Histórica toma como base a Psicologia Histórico-Cultural
de Vigotski (1896-1934).
• Segundo Vygotsky, os objetos de estudo eleitos pelas abordagens em
psicologia – o inconsciente (psicanálise); o comportamento (behaviorismo) e o
psiquismo e suas propriedades (gestalt) – não davam conta de explicitar
claramente a gênese das funções psicológicas tipicamente humanas.
• Ele propôs, então, uma nova psicologia que, baseada no método e nos
princípios do materialismo dialético, compreendesse o aspecto cognitivo a partir
da descrição e explicação das funções psicológicas superiores, as quais, na sua
visão, eram determinadas histórica e culturalmente.
• Ou seja, propõe uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano que
inclui tanto a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes à formação e
desenvolvimento das funções psicológicas, como a especificação do contexto
social em que ocorreu tal desenvolvimento.
• Vigotski concebe o homem como ativo,
social e histórico; a sociedade, como
produção histórica dos homens que,
através do trabalho, produzem sua vida
material; as ideias, como
representações da realidade material; a
realidade material, como fundada em
contradições que se expressam nas
ideias, e a história, como o movimento
contraditório constante do fazer
humano, no qual, a partir da base
material, deve ser compreendida toda
produção de ideias, incluindo a ciência
e a psicologia.
Princípios da teoria de Vigotsky
• A compreensão das funções superiores do homem não podem ser vistas
apenas como resultado da maturação de um organismo nem alcançadas
pela psicologia animal, pois os animais não têm vida social e cultural.
• A consciência e o comportamento são aspectos integrados de uma
unidade, não podendo ser isolados pela Psicologia.
• “A mudança individual tem sua raiz nas condições sociais de vida. Assim,
não é a consciência do homem que determina as formas de vida, mas é a
vida que se tem que determina a consciência” (BOCK ET AL, 2005, p. 87).
Para a Psicologia Sócio-Histórica, o
fenômeno psicológico:
✓Não pertence à natureza humana – o indivíduo é construído ao longo de sua vida a
partir de sua intervenção no mundo e da relação com os outros seres humanos.
✓Não é preexistente ao homem – através da mediação das relações sociais e das
atividades que desenvolve, o ser humano se individualiza. A linguagem é
instrumento fundamental nesse processo.
✓Reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem os seres humanos.
✓Para a Psicologia Sócio-Histórica, falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente
falar da sociedade. Falar da subjetividade humana é falar da objetividade em que
vivem os homens. A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do
“mundo externo”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um
processo no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez,
propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. [...] É na relação
com o mundo material e social que se desenvolvem as possibilidades humanas.
• “A Psicologia tem sua história ‘colada’ aos
interesses dos grupos dominantes. Estivemos
sempre produzindo conhecimentos e
traduzindo-os em uma Psicologia aplicada,
de forma a permitir o aumento do controle
sobre os grupos sociais, a ampliação da
capacidade produtiva dos trabalhadores, a
distribuição de crianças de forma
homogênea ou heterogênea nas classes,
para garantir aprendizado e disciplina, a
seleção do homem certo para o lugar certo, a
higienização moral da sociedade, o controle
do comportamento, a classificação e a
diferenciação” (BOCK, p.26).
PROCESSOS DE PRODUÇÃO
DE CONHECIMENTO
• “O conhecimento produzido acerca do homem nunca será apresentado como
uma produção finalizada e estática; ele também é produto de um momento
histórico e, portanto, também sofre transformações”.
1. Para além de constatar fatos, se constroem ideias.
2. A singularidade é legitimada na construção do conhecimento e a qualidade está
na profundidade e não na magnitude numérica (quanti x quali)
3. Os processos de produção de conhecimento nas ciências humanas são
processos de relacionamento, em que um constrói o outro. O instrumento deve
ser uma ferramenta de interação e não uma ferramenta de se obter resposta.
Intervenções em Psicologia
Sócio-Histórica
• A preocupação da Psicologia Sócio-Histórica se
direciona à possibilidade de transformação da atuação
e das relações deste ser humano em seu meio.
• As propostas de intervenção devem estar preocupadas
com a condução de uma reflexão crítica. A atuação do
psicólogo está comprometida com a promoção de
saúde, partindo do princípio que saúde e doença são
processos produzidos nas relações sociais.
• A saúde é entendida enquanto possibilidade de o
indivíduo lidar com a realidade e com os obstáculos
por ela impostos.
“O dopping dos pobres”
Eliane Brum
“Parte da minha família tem origem rural e lá está até hoje. [...] Toda prosa começava
com o preço da soja ou do trigo, evoluía para a fúria da geada do inverno daquele ano,
quicava por quanto fulano e beltrano estavam plantando e, por fim, chegava ao ponto que
me interessava.
Eu era um toco de gente, mas sentada num banquinho ao pé dos adultos e do fogão à
lenha, não havia nada que me arrancasse dali. Depois desses assuntos chatérrimos [...]
finalmente minhas tias começavam a atualizar meus pais sobre as fofocas locais.
Invariavelmente havia alguém que tinha descarrilado. Vinha então a voz meio sussurrada, em
tom de sentença: "fulana sofre dos nervos". [...]
Depois de "atacadas dos nervos", pessoas até então trabalhadeiras, de repente, não
achavam mais que acordar às 4h da madrugada para tirar leite de vaca e plantar soja era a
vida que tinham pedido a Deus. Mulheres sensatas largavam as panelas e os filhos ao vento e
recusavam-se a juntar o marido bêbado na bodega do povoado. Rebelavam-se. Por culpa
dos nervos. [...]
Cresci, apalpei outras geografias, mas revisito aquele mundo rural sempre que
possível. Nas minhas recentes passagens por lá, descobri que os nervos desapareceram.
Não há mais nervos em parte alguma. Agora há depressivos e vítimas de pânico. E, em vez
de ataques de nervos, as pessoas têm crises de ansiedade. Antes, o contra-ataque se dava
por um arsenal de chás e ervas de nomes estranhos. [...] E agora tudo é tratado com
comprimidos de cores variadas. [...]
Há algum tempo penso nos muitos significados dessa enorme mudança. Significa que
as pessoas estão sendo mais bem tratadas e tendo acesso a medicamentos? Talvez. Mas não
me parece que seja isso. [...] Antes, quando batia na casa das pessoas mais humildes, os pais
de família me apresentavam sua carteira de trabalho. Isso sempre me devastou, porque
revelava a violência silenciosa que vitimava os mais pobres. Com o gesto, eles queriam
provar que eram trabalhadores, gente de bem - e não vagabundos ou bandidos porque
eram pobres [...]
Hoje, quase não acontece mais. De uns tempos para cá, o que muita gente tem me
mostrado são, adivinhem: "seus" medicamentos. [...] Querem saber se faz bem mesmo. Se
posso explicar como devem tomar. Se acho que o guri que só apronta na escola deveria
tomar também. Me arrepio. Examino o conteúdo. Procuro as bulas. Boa parte são
antidepressivos e tranquilizantes. [...] A medicalização da dor de existir não é nenhuma
novidade. Antidepressivos e tranquilizantes estão disseminados em todas as classes sociais.
Para boa parte das pessoas tomar uma pílula para conseguir "aguentar a pressão" é tão
trivial quanto tomar um cafezinho.
Mas penso que, se você é de classe média, tem mais acesso à informação, à terapia,
a um tratamento mais competente. Tem mais acesso à escuta da sua dor. É importante fazer
a ressalva. Não sou contra antidepressivos e tranquilizantes. Nem tenho autoridade para
ser. Acho que medicamentos têm sua hora e seu lugar. Mas não é preciso ser médico para
saber que, em geral, seu uso deve ser temporário, monitorado e acompanhado por outros
recursos. Como psicoterapia e análise, em muitos casos. Ou seja, devem ser usados com
muita parcimônia, critério e acompanhamento. E não como se fossem pílulas de açúcar,
que podem ser tomadas por todos a qualquer sinal de dor psíquica.
[...] O que tenho visto é um doping social. Combate-se a maconha, o crack, até o
cigarro, ótimo. Mas e as drogas médicas que estão pelos barracos e pelos palácios? São
menos drogas porque dadas por um doutor?
[...] "Basta chorar", afirma uma psiquiatra muito conceituada. "Há poucos psiquiatras
na rede pública, em qualquer parte do país. Em geral, as pessoas vão ao médico por algum
outro motivo. Então choram. E o médico, seja qual for a sua especialidade, receita um
antidepressivo ou um benzodiazepínico (tranquilizantes - ansiolíticos e hipnóticos). Meses
depois a pessoa volta. E continua chorando. Aí ganha um mais forte. Ou ganha dois. E ela
continua chorando. Mas tudo o que ouve é que é doente e tudo o que lhe dão são
remédios. Só que ela continua chorando.".
"As pessoas são levadas a acreditar que o remédio pode acabar com a sua dor, uma
dor que tem causas muito concretas. Não resolve, claro. Um exemplo. Uma mulher tinha
dois empregos, um de dia, outro de noite. O que ganhava não dava para pagar as contas.
Os ônibus que pegava para chegar até esses empregos eram lotados. Ela vivia num
barraco. Aí procurou o posto de saúde e lhe trataram com antidepressivos. Não adiantou.
Deram-lhe outro medicamento. Nada. Um dia, sem nenhuma esperança ou recurso, ela
tentou suicídio", conta uma psicóloga. "A questão é que não há promoção de saúde,
porque isso implicaria se preocupar com projeto de vida, com perspectiva de vida, com
melhoria das condições de vida. O que há é medicalização da vida. Vemos o tempo todo
gente que foi viciada em ansiolíticos nos postos de saúde."
[...] Se você pega seis ônibus lotados por dia, trabalha 15 horas, é humilhado pelo
seu chefe, mora num barraco e não tem dinheiro para pagar as contas, você está
deprimido porque não tem mais forças para suportar esse cotidiano ou está doente
porque não consegue dormir? Não. Não é preciso ser médico para saber que ninguém
pode estar bem em condições de vida como essas. Sua alternativa não é se entupir de
tarja-pretas, mas criar um jeito de lutar por uma vida melhor, pressionar o poder público,
criar uma associação comunitária para exigir seus direitos, construir um projeto de vida
com aquilo que é possível e brigar por aquilo que precisa se tornar possível.
Ser ativo e ser parte é ter saúde. Não há nada mais
doentio e aniquilador do que o sentimento de impotência.
E, quando a questão é esta, tomar remédios como se sua
dor não fosse legítima, não tivesse causas reais que
precisam ser escutadas e transformadas, é acentuar o
abismo da impotência. É o contrário de saúde. Por isso, fico
muito preocupada quando entro nas casas e os moradores
me mostram suas pílulas”.
Referências
• BOCK, A.M.B. A Psicologia sócio-histórica:
uma perspectiva crítica em Psicologia. In:
BOCK, A.M.B. (org.) Psicologia sócio-histórica
(cap. 1), p.15-35.
• BOCK, A. M. B. ET AL. São Paulo: Psicologias:
uma nova introdução. Saraiva, 2005.
• BRUM, E. O dopping dos pobres. Texto
completo em:
http://portal.mpc.rs.gov.br/portal/page/porta
l/noticias_internet/textos_diversos_pente_fin
o/Artigo_1.pdf
PRÓXIMA AULA
IX. A Psicologia da Criança.
1. Claparède e Piaget.
2. Diálogos entre a Psicologia e a Pedagogia.
3. A perspectiva genético-funcional na obra de Jean
Piaget.
Leitura Obrigatória:
CAMPOS, R. H. F. O funcionalismo europeu:
Claparède e Piaget em Genebra, e as repercussões
de suas ideias no Brasil. In: JACÓ-VILELA, A. M.;
FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. (orgs.) História da
Psicologia: Rumos e Percursos. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Nau Editora, 2013. (Capítulo 15).

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