“DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO PSICOLÓGICO” DE GENI
NUÑEZ: UMA RESENHA CRÍTICA
Partindo do pressuposto que a produção de conhecimento no campo da Psicologia Social
Brasileira está em processo de produção e transformação, o contato com obras que defendam uma prática contextualizada com a realidade da população de países latino-americanos e que tragam reflexões e posicionamentos críticos do que, de fato, envolve esse cenário, ocupa um espaço importante na literatura cientifica. É nesse sentido que a ativista indígena, psicóloga e escritora contemporânea Geni Nuñez, constrói seu texto “Descolonização do Pensamento Psicológico”.
Em um primeiro momento, a autora faz questão de relembrar ao leitor que a colonização
não foi um processo histórico que se encerrou e ficou para trás. Longe disso, ela foi atualizada e transformada no que hoje se nomeia como “colonialidade”, e seus efeitos são ainda muito fortes na nossa sociedade. Podemos percebê-los em enfoques variados, como por exemplo na desigualdade econômica – que estabeleceu um pequeno percentual de pessoas ricas no país (herdeiros diretos da riqueza acumulada a partir da exploração e escravização dos povos negros e indígenas), enquanto a maioria da população é empobrecida e não branca (herdeiras das pessoas que foram escravizadas e tiveram todo seu contexto de vida expropriado) – e, principalmente, pelo silenciamento e apagamento de uma possibilidade de nomeação da violência que acometeu esses povos, o que, segundo a autora, acaba ditando os termos e as narrativas pelas quais a história é contada e livrando a população branca de entrar em contato com o que fere sua própria construção subjetiva (que está disfarçada em uma perspectiva heroica, protagonista e meritocrática).
A autora instiga o leitor a questionar, principalmente, se o psicólogo é capaz de construir
uma prática que de fato acolha e compreenda o sofrimento psíquico do sujeito sem considerar e ampliar esse cuidado a trajetória psicossocial em que o esse constitui. Ao longo da leitura, fica claro que a resposta para essa pergunta é não. Com isso, outro questionamento surge: quais ferramentas nós temos para alcançar, então, uma compreensão integral do sujeito? A descolonização do pensamento psicológico é o caminho proposto por Nuñez.
O grande passo para a descolonização do pensamento é questionar criticamente qual a
real efetividade das contribuições teóricas europeias para a psicologia. Essas, que partiam de um humano branco, heterossexual, sem deficiência e “idealizado”. Ao tentar aplicar esse conceito de humano em uma prática, exclui-se um contingente imenso de experiencias de vida e subjetividades possíveis. Descolonizar-se, então, é refletir até que ponto as ferramentas produzidas para aquele ideal de pessoa se aplicam à realidade da população brasileira e suas multiplicidades.
Geni Nuñez pontua algumas considerações relevantes para esse processo de
descolonização do pensar. Ela fala sobre a necessidade de perceber de que forma nomeamos as experiencias. A psicologia tem um certo poder quando se trata de dar nome. Nomeia-se configurações familiares, sexualidade, transtornos e patologias. Muitas vezes essa nomeação impede que o sujeito seja capaz de entrar em contato com suas dores e vivencias e isso dificulta seu processo. Dessa forma, é papel do psicólogo construir um território seguro e profícuo para que as pessoas tenham ferramentas para se entender e entender suas relações, nomeando-se de forma saudável no mundo. Além disso, a autora defende que os processos de subjetivação se constituem de maneira coletiva e histórica, e que, se as feridas são coletivas, a saída para elas também deve estar na coletividade. A elaboração de pesquisas realizadas por uma nova geração de acadêmicos, que, como ela, puderam acessar a universidade através de cotas, também é uma ferramenta decolonial. Uma produção acadêmica descolonizada abre caminho para novas pautas, que antes não encontravam espaço para emergir.
Partindo de suas concepções, os leitores – especialmente psicólogos em formação –
conseguem compreender a necessidade de desenvolver um saber psicológico historicamente construído a partir do próprio contexto, e, ao exercer a profissão, priorizar uma forma de cuidado e promoção de bem-estar que esteja associado às lutas, movimentos, mudanças sociais, e principalmente, à garantia de direitos.
REFERÊNCIA
NÚEZ, Geni. Descolonização do Pensamento Psicológico. Plural: Valorização
profissional em tempos de 'novas' práticas em Psicologia, Florianópolis, p. 06 - 11, 21 ago. 2019.
Abraham Maslow, da hierarquia das necessidades à realização pessoal: Uma viagem na psicologia humanista através da hierarquia das necessidades, da motivação e da realização do pleno potencial humano