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Resumo: O presente ensaio buscar tecer reflexões sobre a neutralidade nos estudos de caso
organizacionais, ou melhor, a falta de neutralidade. Enquanto o rigor cientifico do positivismo prega
que para uma pesquisa ser considerada válida, e portanto, ser credível na academia, ela tem que trazer
elementos que vão possibilitar sua experimentação e, consequentemente, a criação de verdades
cientificas que tem como características a neutralidade do pesquisador e a generalização da pesquisa,
outros vieses epistemológicos como o interpretativismo e fenomenologia vão se apoiar que existem
outras formas de validação de pesquisa que possibilitam ausências de características positivista e ainda
assim tornam o trabalho confiável. Nesse sentido, o Estudo de Caso, sendo método de pesquisa
predominantemente não-positivista, coloca o pesquisador como instrumento essencial para o
desenvolvimento do trabalho de campo, e como isso, o entrelaçamento das visões de mundo do
pesquisador se “misturam” com o fazer pesquisa, retirando assim, um elemento positivista que é a
neutralidade do pesquisador. O que se defende nesse ensaio é enfatizar que a impossibilidade de
neutralidade nos estudos de caso, não tiram a legitimidade da pesquisa, pelo contrário, as tornam
válida tanto quanto as pesquisas positivistas.
O fato de o conhecimento não poder ser formalmente generalizado não significa que
ele não possa entrar no processo coletivo de acumulação de conhecimento em um
determinado campo ou em uma sociedade. Um estudo de caso puramente descritivo
e fenomenológico sem qualquer tentativa de generalização pode certamente ser
valioso neste processo e frequentemente ajudou a abrir um caminho para a inovação
científica. Isso não é para criticar as tentativas de generalização formal, pois tais
tentativas são meios essenciais e eficazes de desenvolvimento científico; antes, é
apenas para enfatizar as limitações, que se seguem quando a generalização formal se
torna o único método legítimo de investigação científica (FLYVBJERG, 2006, p.
227, tradução nossa).
Mesmo que tal crítica seja útil, porque nos sensibiliza para uma questão importante,
pesquisadores de caso experientes não podem deixar de ver a crítica como uma
demonstração de falta de conhecimento do que está envolvido na pesquisa de estudo
de caso. Campbell e outros mostraram que a crítica é falaciosa, porque o estudo de
caso tem seu próprio rigor, diferente com certeza, mas não menos estrito do que o
rigor dos métodos quantitativos. A vantagem do estudo de caso é que ele pode “se
aproximar” de situações da vida real e testar visões diretamente em relação aos
fenômenos conforme eles se desenvolvem na prática (FLYVBJERG, 2006, p. 234-
235, tradução nossa).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tratar sobre a impossibilidade da neutralidade em estudos de caso esse ensaio buscou
enfatizar que um pesquisador ao escolher um objeto de estudo, cujos requisitos da escolha se apoia na
proximidade e experiência, e com isso, já entra em campo com preconcepções sobre seu objeto,
reafirmo o entendimento de que não ser neutro na pesquisa não significa que ela perde sua validade,
mas sim que os laços anteriores do pesquisador com o objeto fazem com que ele saia de um viés
positivista de pesquisa e caminhe para um paradigma mais interpretativista.
E essa falta de neutralidade não irá deixar o trabalho menos válido e de qualidade, pois o
caminho percorrido no estudo de caso, proporciona ao pesquisador uma forma de trabalhar não
convencional, com idas e vindas ao campo que resultará numa intensa reconstrução do trabalho até o
resultado final. Com isso, o aspecto de “falsificação” que o estudo de caso proporciona, faz com que a
falta de neutralidade faça surgir no pesquisador uma sensibilidade no fazer a pesquisa que é necessária
para a construção do trabalho com qualidade.
Portanto, a neutralidade proposta pelo protagonismo epistemológico do positivismo para a
validação e confiabilidade da pesquisa, ao ser retirada não invalida o trabalho, pois existem outros
mecanismos de validação que modelos não positivistas se apoiam para desenvolver seus trabalhos e
manter a qualidade e prestigio.
É o papel contemporâneo da ciência, criticar a razão indolente que vem orientando os
debates filosóficos e epistemológicos nos últimos anos, e mostrar que aquilo que é considerado pela
ciência dura como não-credível na verdade encontra outros elementos de validação que fogem na
neutralidade do pesquisador e da generalização da pesquisa.
REFERÊNCIAS
FLYVBJERG, Bent. Five Misunderstanding about case study research. In: SEALE, Clive et al.
(Eds.) Qualitative research practice. London: Sage, 2006.
GODOY, Arilda. Estudo de caso qualitativo. In: GODOI, Christiane K.; BANDEIRA-DE-MELLO,
Rodrigo; SILVA, Anielson B. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas,
estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006. Cap.5, p.115-146.