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Alunas:
Anita Turnes Pereira Demetrio (22202729)
Júlia dos Santos Ferreira (22200577)
Júlia Freitas Severo de Oliveira (22202727)
Keithy de Oliveira Urnau (22215538)
Maria Eduarda Pimenta Sampaio (22204205)
Rafaela de Oliveira da Rosa (22203260)
FLORIANÓPOLIS
2023
1. INTRODUÇÃO
Não é algo novo que a questão do reconhecimento dos direitos da natureza e dos
animais seja abordado e bastante debatido não somente no âmbito jurídico, mas
sim de forma interdisciplinar, expondo de certa forma duas concepções que se
emaranham sem que haja uma conclusão de fato concreta. Como descrito por
Zaffaroni:
Desde a tradição grega até o presente se cruzam duas posições: ou os seres humanos somos uns
convidados a mais para participar da natureza ou esta foi criada para nosso habitat e, portanto,
dispomos dos direitos sobre ela (administradores, proprietários, com diferente intensidade de
direitos).
A verdade é que, muitos pensadores se puseram na posição onde a natureza
está à espera do ser humano, pronta e rica de uma diversidade de recursos a serem
explorados pelos mesmos, assim como muitos filósofos apontavam para o ideal de
que, nós seres humanos somos apenas uma espécie a mais “convidadas” para
participar e contribuir com essa natureza que nos abriga e sustenta, um ponto inicial
capaz de demonstrar tamanha dificuldade na tentativa de desemaranhar esse nó
que divide a história de toda a vida na Terra. Ainda que discutida por muitos na
atualidade, sem que se chegue em alguma conclusão de fato, outra questão
decorrida desse debate é vista na relação entre o ser humano e o animal, deixando
implícito – por muitas vezes, talvez explícito - os valores simultaneamente opostos
do ser humano em relação ao animal.
O animal, mesmo que definidos por nós como inferiores, possuem diversas
diferenças na mesma medida em que se assemelha aos demais seres, e suas
particularidades. Sabemos que os animais vivem, sentem dor, sentem fome, são
dotados naturalmente de um instinto de caça pelo seu próprio sustento, sabendo
usufruir dos recursos de seu habitat em razão das suas necessidades, mas que,
não são dotados, portanto, do reconhecimento da razão, ou até a própria razão,
dificultando um certo reconhecimento de igualdade ou equiparidade de espécies,
valendo-se daí uma hierarquização baseado em um suposto caráter científico, visto
que, os animais não possuem o desenvolvimento do raciocínio ou noção, ou seja,
são irracionais. Desse modo, o ser humano logo tomou a frente da dominação e
posição na natureza, classificando os animais – inferiores – e a si mesmos –
superiores – mediante as características e definições que já haviam atribuídos aos
animais anteriormente. Diziam portanto, que os animais não possuíam da
característica principal que define um ser humano, a racionalidade, persistiu por
muito tempo a noção de ambivalente relação entre o animal e o ser humano,
reconhecendo de certa forma, ao não humano alguma dignidade derivada das
semelhanças entre as espécies, definindo-o finalmente, como um ser não humano,
mas que mantinha uma relação bem próxima do outro, sendo assim, um ser
inconsciente e talvez intuitivo de processão filogenética, fazendo uma analogia aos
nossos primeiros ancestrais.
Apesar dessa semelhança entre as espécies, nenhum direito no qual debatemos
na atualidade, fora reconhecido ao animal. Porém, não podemos esquecer a o
período moderno no qual, usava o poder punitivo como uma forma de concentrar a
vingança racionalizada de diversas maneiras, numa tentativa de controlar e
organizar a sociedade a fim de evitar uma possível violência generalizada,
movendo-se sempre contra um certo grupo resumido em bode expiatório,
acarretando por outro lado, uma violência organizada contra algum grupo “distinto”,
cabendo ao animal nesse período, o papel de bode expiatório, recaindo penalidades
e vinganças como punição, evitando que estas fossem contra outro ser humano,
sendo assim, culpando o animal era a forma mais fácil e prática de reafirmar e expor
sua autoridade até mesmo sobre os animais, evitando que a vingança recaísse
sobre eles mesmos. Essa mesma noção, ainda está enraizada até os períodos mais
recentes, porém com um novo sentido ao termo bode expiatório, ao vermos que fora
convertido em alguém que possui de certas características miméticas, recaindo
agora, aos seres humanos inferiores, definido por aqueles de maior poder de
dominação, portanto, os pobres, imigrantes, negros, mulheres e também outros que
fazem parte dessa minoria. Ao atribuir direitos aos seres humanos e negar aos
demais seres, fora preciso redefinir a visão que se tinha do animal, extinguindo as
penas abusivas e qualquer atribuição que o determinasse, um sujeito de direitos,
passando a recair sobre os seres humanos. A definição cartesiana do animal, é
demonstrada nesse pequeno trecho:
“Os animais são coisas, não podem ser punidos, nem existe obrigação nenhuma com relação a eles,
são apropriáveis, objetos do domínio humano, não lhes cabe nenhum direito, nem há limitação ética
ou jurídica a seu respeito. O ser humano é o senhor absoluto da natureza não humana e sua missão
progressista e racional consiste em dominá-la. “
Vejamos que, o pensamento cartesiano nada mais fez, senão transgredir aquele
que antes, não passava do imaginário, favorecendo cada vez mais a extinção de
espécies, partindo de uma visão especista derivada do pensamento filosófico e
iluminista de René Descartes, que consistia no ser humano como único ser
animado, dono de todos aqueles que são inanimados, considerando ainda, que os
animais eram apenas máquinas, disponíveis como objeto disposto ao domínio
humano e, portanto, desprovidos de alma. Apesar de uma concepção um tanto
quanto absurda, nota-se que esta, fora um ponto crucial para a consolidação da
discriminação de grupos étnicos, classificando ainda mais as espécies - também de
maneira intraespecífica - fazendo-se valer do consumo desenfreado, a efetivação do
capitalismo.
O direito passa então, a criminalizar os maus-tratos contra os animais, lutando
contra a crueldade para com os animais, uma luta provinda da indignação de um
povo recém abolido da escravidão, período regido por uma vasta exploração
dominante das classes menores, ou seja, dos selvagens e irracionais, os definidos
por bode expiatório. Uma indignação que veio marcando a iniciativa da luta em favor
dos animais, que se mostra como um dos marcos iniciais, a implantação do código
de defesa aos animais não humanos, primeiramente na Europa, por volta de 1840,
colocando o animal, novamente no âmbito jurídico no que se refere à
particularidades protetivas.
Sendo assim, também vemos uma evolução na proteção aos animais contra a
crueldade humana, com o artigo 255 da Constituição Brasileira, onde os bens
jurídicos principais a serem protegido são a fauna e a flora, assim favorecendo
principalmente a proteção da natureza e efetivando uma busca pela garantia de sua
preservação, afinal somente ela seria capaz de preservar e alimentar os seres,
evitando a extinção das espécies. O animal como um sujeito de direito consagrou
dois pensamentos distintos. O pensamento kantiano era resumido na noção de
direitos animais dependentes da vontade do ser humano, visto que o direito é
propriedade dos seres dotados de razão e vontade, ou seja, capazes de fluir
plenamente a partir das leis, sua razão e ação, o que acarreta a vontade. Já o
pensamento animalista encarava de outra forma a noção entre os seres humanos e
seres não humanos, acreditando que ambos fazem parte de um mesmo mundo
ético, onde aos animais, é atribuída somente a capacidade de sentir e sofrer.
O reconhecimento dos direitos aos animais teve um grande avanço por meio do
incentivo dos animalistas, incitando diversos projetos de proteção aos animais e
grandes pesquisas científicas ou no plano ético, que buscam reconhecer
plenamente aos animais, a condição de sujeito de direitos. Por meio desse avanço
na discussão do reconhecimento de direitos a seres não-humanos, é evidente que a
evolução não passa muito do debate teórico, mas manifesta-se juridicamente,
mesmo que através de avanços embrionários insuficientes para a efetividade ótima
da proteção do meio ambiente, no desenvolvimento do novo campo jurídico voltado
ao meio ambiente – o direito ambiental – uma vertente do direito penal,
desenvolvida para a garantia penal do meio ambiente, evitando qualquer infração
capaz de propagar uma extinção em massa, ou até um dano à natureza do longo
prazo. Um outro ramo capaz de reconhecer a ecologia no campo do direito é visto
no chamado ecologismo jurídico que determina na condição de bem jurídico, o meio
ambiente, relacionado ao ser humano na via de bens coletivos, tutelando
constitucionalmente o meio ambiente, que é um direito do ser humano.
O ecologismo jurídico, converteu-se em duas linhas de pensamento, ao ser
considerado o ser humano como titular dos direitos, cabendo à natureza o mero
papel de baú de recursos dispostos aos seus proprietários e exploradores, ou seja,
os seres humanos, como é visto na ecologia ambientalista. Por diferente, a ecologia
profunda possui uma visão distinta da ambientalista, reconhecendo a natureza como
titular de direitos, portadora de uma personalidade jurídica, capaz de se autorregular
e preservar, independentemente do ser humano.
A ecologia profunda é discutida por diversos pensadores ao redor do planeta,
trazendo um grande debate de pensamentos que, em geral, atribui à natureza o
papel de titular de direitos. Como é visto primeiramente com os pensadores
norte-americanos e europeus, Aldo Leopold é um filósofo ambiental, um dos
precursores do direito dos seres não humanos, trazendo um extenso trabalho
contribuinte à conservação da vida selvagem e do meio ambiente, demonstrando
uma bela discussão em uma de suas obras – Sand County – é apontado que existe
uma base ética natural, presente em todos os seres habitantes da Terra, onde
prevalece o instinto de fraternidade surgido da convivência e cooperação, da
relação de interdependência com a terra, sua vegetação e também com os animais,
mostrando que mesmo que seja capaz de valer-se da natureza e modificá-la em
razão de seus próprios interesses, o ser humano não pode deixar perder esse
instinto. Que apesar de sua relação de superioridade com os demais seres,
naturalmente, o ser humano possui essa espécie de instinto que o faz manter uma
certa dependência com os seres não humanos que consideram inferiores, ou até
como suas propriedades, distanciando um pouco dessa noção, os seres humanos
dominaram a natureza por meio de uma exploração agressiva que decorreu na
categorização de cada espécie, onde somente uma classe dominante e “pura” pode
se aproveitar da natureza e todos os outros, ainda que parte da mesma espécie
humana, ainda que dotados de razão e consciência, são submetidos a inferioridades
por meras características físicas. Zaffaroni aponta uma teoria australiana
apresentada por Peter Singer, na qual é demonstrada a negação dos direitos aos
animais não humanos um especismo paralelo ao racismo, ou até mesmo o sexismo,
afirmando que negar o direito pelo simples fato de possuir chifres ou asas, não é
muito distante de fazê-lo pelo seu gênero ou cor de pele.
Outra discussão da ecologia profunda se dá no âmbito científico, retratando a
partir dos cientistas, a hipótese de Gaia, demonstrada por James Lovelock, que nos
oferece uma teoria um tanto quanto reflexiva que explica o planeta como um ser
vivo, num sentido sistemático que se autorregula, recriando as condições de vida e
evoluindo conforme o tempo, valendo-se também dos seres vivos. Trazendo ainda,
em sua visão, resquícios de um pensamento derivado de Darwin, elucidando que na
evolução não cabe somente privilegiar a competência, mas também a cooperação
por meio de uma relação simbiótica da qual nós, seres, nos instalamos em seu meio
– na natureza como um ser vivo – buscando formas de sobrevivência e dependendo
diretamente dos outros seres e da natureza para a garantia da vida. De modo
científico, isto é explicado pelos biólogos como as células, que possuem núcleos
formados por relações simbióticas – relações de benefícios mútuos, de
reciprocidade – resultantes de fusões de invasores com bactérias primitivas. A
evolução, portanto, se dá por meio de uma relação de reciprocidade de dois ou mais
seres que dependem entre si, para a sobrevivência. O reconhecimento da simbiose
como força evolutiva importante tem implicações filosóficas profundas. Todos os
organismos macroscópicos, incluindo nós mesmos, são a prova viva de que as
práticas destrutivas acabam falhando. Ao final, os agressores destroem a si
mesmos, deixando seu lugar para outros indivíduos que sabem como cooperar e
progredir.
Por conseguinte, a vida não é somente uma luta competitiva, mas também
uma vitória da cooperação e da criatividade. De fato, desde a criação das primeiras
células nucleadas, a evolução procede mediante acordos de cooperação e de
coevolução cada vez mais intrincados. Assim, dessa hipótese de Gaia, deriva-se a
ética para Gaia. Argumentando a importância do reconhecimento dos direitos de
todos os outros seres que partilhamos a convivência na Terra, tendo ao menos, a
mínima consciência de sua existência e seu direito ao desenvolvimento pacífico de
suas vidas. Sendo a ética de Gaia, uma parte do panorama do ecologismo profundo
e também do animalismo, ou seja, de uma perspectiva que entende o direito à
sobrevivência para todos os entes vivos na natureza.
Partindo dessa nova concepção, nasce uma transformação de Gaia para o
Pachamama do direito constitucional latino, elevando o pensamento ameríndio para
a sobrevivência de todos os seres. Assim, a necessidade da reciprocidade e
harmonia como regra principal para a sobrevivência, Leonardo Boff critica
principalmente a essência competitiva do capitalismo, do qual regido por uma
constante luta pelo pódio, em detrimento de suas vontades, é considerado o único
obstáculo para a salvação da sociedade no planeta e para a libertação dos seres
oprimidos sob um cenário de civilização relacionada a violência social sobre a
natureza e com os demais, nos exilando e nos separando entre si. Boff expressa
precisamente sua noção sobre Gaia:
Art.33 - As pessoas têm direito a um meio ambiente saudável, protegido e equilibrado. O exercício
desse direito deve permitir aos indivíduos e coletividades dos presentes e futuras gerações, além de
outros seres vivos, desenvolver-se de maneira normal e permanente.
Art. 34. - A qualquer pessoa, a título individual ou em representação de uma coletividade, está
facultada da obrigação das instituições públicas de atuar de ofício perante os atentados contra o
meio ambiente.
Dessa forma, vemos que o salto que o constitucionalismo andino deu à ecologia
profunda, desenvolveu-se numa ideia de um verdadeiro ecologismo constitucional,
trazendo a noção da Pachamama com a exigência de seu respeito, resumida na
regra básica ética do sumak awkay – bem viver ou pleno viver baseado na ética -
que há o intuito de coordenar as ações do Estado na mesma medida que se deve
relacionar socialmente entre si e com a natureza. Assim, Gaia, ou Pachamama para
nós, vem carregada do saber cultural ancestral de convívio com a natureza,
trazendo uma contribuição crucial ao constitucionalismo social, uma rica cultura
ancestral dos povos andinos, que nem mesmo anos de manchas sangrentas na
nossa história são capazes de apagar, mostrando tamanha força dessa noção, que
persiste de diversas maneiras enraizada na sociedade, escondidos ou oprimidos
pelo paradigma de exploração para dominação social através de uma incessável
competição em buscas de interesses sociais. Entende-se disso que, um dos fatores
essenciais à ideia moderna de Constituição é justamente essa cultura ancestral
enraizada como uma herança deixada por aqueles que observam a natureza e seus
entes como um todo, como um único ser em busca de preservação e sobrevivência,
se mostrando importante para os mais urgentes conflitos da humanidade.
Seguindo por esse lado, surge um questionamento, será que então a
Pachamama é um arquétipo? É de suma importância salientar que a Pachamama
nada mais é do que a própria vida, como um tipo de deidade protetora, que significa
Terra no sentido de mundo, que te mantém e sustenta ao mesmo tempo em que a
habitamos, exigindo reciprocidade e cooperação para um bem viver. Desta forma, a
relação da Pachamama ao direito constitucional pode ser vista como uma espécie
de intuição universal do qual está enraizado em todo ser humano como reflexo de
anos de interações sociais e experiências de sobrevivência da espécie, mas não
pode de fato, ser ignorada por muito tempo.
É fato que, ao discutir uma solução para alcançar o sumak awkay dos andinos,
preservando o futuro de toda a humanidade, questiona-se o processo de reiteração
do pensamento dominus pelo pensamento frater, visto que o primeiro se estruturou
de maneira quase inalterável fortalecida por um milênio de história. Dito isso, o autor
demonstra tamanho narcisismo do ser humano que, mesmo diante de um milênio de
guerra proporcionada por uma civilização dominadora e colonizadora, como aponta
num trecho da obra:
“O dominus com seu saber senhorial não se entregará tão facilmente após um milênio de dominação.
Não podemos acabar com a fabulosa capacidade de perversão ideológica que nossa civilização tem
demonstrado para neutralizar e eludir os pensamentos mais generosos, mas podemos e devemos
pensar em alguns dos desvios que nossa estreita capacidade imaginativa nos indica como mais
prováveis para distorcer e neutralizar a vigência efetiva dessas normas e também para colocá-las em
prática num sentido completamente oposto à vontade da lei. “
7. CONCLUSÃO