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Princípio da precaução: manual de instruções

Article  in  RevCEDOUA · January 2008


DOI: 10.14195/2182-2387_22_1

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Alexandra Aragao
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Princípio da precaução: manual de instruções
Autor(es): Aragão, Alexandra
Publicado por: CEDOUA
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/8833
persistente:
DOI: http://dx.doi.org/10.14195/2182-2387_22_1

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2/11_ 9 - 57 (2008) > Doutrina

Princípio da precaução:
manual de instruções*

Resumo
Um dos factores que mais contribuiu para as dúvidas e receios,
que actualmente envolvem o princípio da precaução, foi a
rapidez da sua disseminação no discurso político, jornalís-
tico, e até na linguagem comum. Procurando corresponder
às preocupações do Conselho Europeu no ano 2000, vamos
procurar reforçar o conhecimento e promover a clarificação
de um princípio que beneficia de “unção jurisdicional”1 pelos
tribunais europeus desde há cerca de uma década, mas ao qual
falta ainda a bênção dos tribunais nacionais.

1. Surgimento e evolução do princípio da precaução

Apesar de Bruno Latour, considerar que um princípio da precaução não tem um verda-
deiro “pedigree filosófico”2, é habitual situar as primeiras referências à ideia de precaução,
na década de 70, nos escritos de Hans Jonas. Na sua obra de 1979, sobre o Princípio da res-
ponsabilidade3, o filósofo alemão considera a energia nuclear e a clonagem como ameaças
à humanidade, das quais faz decorrer uma “ética do futuro”4 e uma obrigação precaucional
transgeracional de evitar catástrofes5.
* O título do presente estudo pretende ser uma referência à inspiradora obra de Buckminster Fuller em 1969, Manual
de Instruções para a Nave Espacial Terra, na qual o autor imagina o nosso planeta como um satélite artificial: “A
Nave Espacial Terra foi tão extraordinariamente bem inventada e concebida que, tanto quanto sabemos, os huma-
nos estiveram a bordo dela durante dois milhões de anos sem nunca se terem apercebido de que se encontravam
a bordo de uma nave espacial (…) A propositada omissão do livro de instruções sobre como operar e conservar a
Nave Espacial Terra e os seus complexos sistemas regeneradores e de apoio à vida, forçou o homem a descobrir,
retrospectivamente, quais eram exactamente as suas aptidões prospectivas mais importantes”. (Manual de Ins-
truções para a Nave Espacial Terra, Porto, Via Óptima, 1998, p. 29-31). Ora, tal como o planeta Terra, o princípio da
precaução também veio sem “manual de instruções”.
1
Nicolas de Sadeleer, “Les Avatars du Principe de Précaution en Droit Public. Effet de Mode au Révolution Silen-
cieuse?» in: Revue Française de Droit Administratif, 2001, Mai-Juin, p.548.
2
«Du principe de précaution au principe du bon gouvernement: vers de nouvelles règles de la méthode expérimen-
tale», in: Politiques de la nature. Comment faire entrer les sciences en démocratie. Paris, La Découverte, 1999, p.339.
3
Le principe de responsabilité. Une éthique pour la civilisation technologique, Ed. Champs, Flammarion, Paris,
1999. (tradução da edição original Das Prinzip Verantwortung. Versuch einer Etik für die technologische Zivilization,
Frankfurt, 1979).
4
Op. cit, p. 63.
5
Segundo Frédérick Lemarchand, o termo catástrofe tem uma etimologia ligada ao teatro. Catástrofe seria preci-
samente a última estrofe de uma tragédia grega. Seria portanto o fim de uma história com um desenlace funesto.
(Catástrofe, in: Dictionaire des Risques, Yves Dupont (dir), Armand Colin, Paris, 2007, p.75-80).

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Também na Alemanha, em 1974, a Lei Federal de Protecção Contra Emissões (Bundes-


Immissionsschutzgesetz) consagra, pela primeira vez, o princípio da precaução no âmbito
da poluição atmosférica6.
Porém, é na década de 90 que este princípio começa a ganhar um reconhecimento
doutrinal mais generalizado e a receber consagração mais frequente em instrumentos de
Direito Internacional.
Em 1992, o princípio da precaução surge na Declaração do Rio, na Cimeira das Nações
Unidas sobre ambiente e desenvolvimento, na Convenção das Nações Unidas sobre a
Diversidade Biológica, na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climá-
ticas, nas Convenções de Helsínquia sobre a Protecção e a Utilização dos Cursos de Água
Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais e sobre a protecção do ambiente marinho do
Mar Báltico, na Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, e no
Tratado de Maastricht, que institui a União Europeia.
O ano 2000 foi, na Europa, outro ano marcante para este princípio:
- A Comissão Europeia adopta uma extensa Comunicação7 apenas sobre o modo de
“utilizar o princípio da precaução”, uma espécie de interpretação autêntica deste princípio;
- O Conselho Europeu de Nice, em 9 de Dezembro, aprova uma Resolução, na qual for-
mula um convite aos Estados Membros para que reforcem o conhecimento e promovam a
clarificação do princípio da precaução (ponto 25);
- No Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, corre o processo Pfizer
(T-13/99), um recurso de anulação interposto pela multinacional farmacêutica Pfizer contra
um Regulamento da Comissão Europeia, que retirou a autorização para utilização da virginia-
micina como aditivo na alimentação animal. O Acórdão de 11 de Setembro de 2002, favorável
à Comissão Europeia, analisa o risco de transferência da resistência aos antibióticos dos
animais, para o Homem, à luz do princípio da precaução.
Dez anos passados, a aceitação do princípio da precaução vai-se pacificando e começa
a dar frutos o reconhecimento de que, por causa do princípio da integração8, o princípio da
precaução não se aplica só à política ambiental, mas a todas as políticas da União Europeia.
De facto, ao nível do Direito europeu em vigor, o peso do princípio da precaução é, actu-
almente, esmagador: 76 actos jurídicos contêm referências expressas ao princípio da pre-
caução e outros 255 têm, pelo menos, menções à precaução ou a estratégias precaucionais9.
Um número total de 301 documentos oficiais europeus em vigor, com referências directas
à precaução, fazem dele um princípio fundamental, não apenas de Direito Ambiental mas
de Direito Europeu, em geral. Em 2002 o Tribunal Europeu de Primeira Instância afirmou-o
expressamente no caso Artegodan10.
6
Analisando a exportação da “receita alemã de Vorsorge“, Sonja Boehmer-Christiansen (“The Precautionary Principle
in Germany,- Enabling Government”, in: Timothy O’Riordan e James Cameron, (ed.) Interpreting the Precautionary
Principle, Earthscan, 1994) , alude ao significado literal da palavra alemã que esteve na origem do princípio da pre-
caução: Vorsorge significa “cuidado e preocupação pévios”(p. 38) e conclui que “embora vaga, a ideia de precaução
teve um papel poderoso na política ambiental germânica, estabelecendo objectivos ambiciosos e indicando um
conjunto de mecanismos através dos quais a política devia evoluir para os alcançar (p. 55).“
7
COM(2000) 1 final, Bruxelas, de 2 de Fevereiro de 2000.
8
Elisabeth Fisher, Judith Jones, René von Schomberg, Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and
Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p.4.
9
Apesar de alguns autores acentuarem a importância da distinção entre aproximação precaucional e princípio da
precaução, concordamos com Rosie Cooney que desvaloriza e considera a distinção como uma questão meramen-
te semântica (“A Long and Winding Road? Precaution from Principle to Practice in Biodiversity Conservation”, in:
Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 223.)
10
“O princípio da precaução pode ser definido como um princípio geral de Direito Comunitário que exige que as
autoridades competentes tomem medidas para prevenir determinados riscos potenciais para a saúde pública, a
segurança e o ambiente, dando precedente às exigências relacionadas com a protecção desses interesses em
relação aos interesses económicos” (Processos apensos T-74/00, T-76/00, T-83/00 to T-85/00, T-132/00, T-137/00
e T-141/00, com acórdão de 26 de Novembro de 2002).

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Na realidade, no vasto conjunto de actos jurídicos de inspiração precaucional, encontra-


mos temáticas tão díspares como a segurança dos produtos11, a protecção contra pandemias
e epizootias12, a conservação de espécies e ecossistemas13, as nanotecnologias, as emissões
poluentes, a gestão territorial de zonas sensíveis, avaliação ambiental de planos e programas,
ou até doações de sangue.
É um facto incontornável que, apesar de ter surgido num contexto ambiental, actualmente
vemos o princípio da precaução aplicado em contextos muito diferentes14. Além dos temas
mais próximos, como a saúde pública (em sentido amplo, abrangendo a saúde das pessoas,
dos animais e ainda a protecção vegetal), a protecção dos consumidores ou a agricultura, tem
sido invocado igualmente em matéria de comércio internacional (nomeadamente casos junto
da Organização Mundial de Comércio, concretamente quanto aos acordos sobre medidas
sanitárias e fitosanitárias e sobre barreiras técnicas ao comércio15, a propósito de aditivos
alimentares à base de hormonas, do amianto, dos organismos geneticamente modificados),
no direito da família (por exemplo, no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a sua aparição
em casos de regulação do poder paternal16 tem sido recorrente) e até em direito orçamental,
aplicado ao cálculo das receitas17.
A proliferação das referências legais leva-nos a afirmar, com Cécile Castaing, que o princí-
pio da precaução hoje corresponde “tanto a uma vontade política como a uma necessidade
jurídica”18.

11
Diplomas sobre segurança geral dos produtos, cosméticos, segurança dos brinquedos, fórmulas para lactentes,
alimentos à base de cereais e alimentos para bebés destinados a lactentes e crianças jovens, restrição do uso de
determinadas substâncias perigosas em equipamentos eléctricos e electrónicos, resíduos de equipamentos eléc-
tricos e electrónicos, substâncias indesejáveis nos alimentos para animais, segurança dos géneros alimentícios,
classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas, produtos químicos, fitofarmacêuticos, máquinas
de aplicação de pesticidas e organismos geneticamente modificados.
12
Nomeadamente sobre leite e produtos à base de leite provenientes de uma exploração na qual foi confirmado
um caso de tremor epizoótico clássico, o nemátodo da madeira do pinheiro, regras para a prevenção, o controlo e
a erradicação de encefalopatias espongiformes transmissíveis.
13
Sobre conservação dos ecossistemas marinhos da zona do Voordelta, a protecção dos ecossistemas marinhos
vulneráveis do alto mar, a utilização na aquicultura de espécies exóticas e de espécies ausentes localmente, a
protecção e utilização dos cursos de água transfronteiras e dos lagos internacionais, a conservação das Aves
Aquáticas migradoras Afro-Eurasiáticas, a protecção do meio marinho do Atlântico Nordeste, a cooperação para a
protecção e utilização sustentável do Danúbio, a conservação e exploração sustentável dos recursos haliêuticos,
a conservação dos recursos da pesca através de determinadas medidas técnicas de protecção dos juvenis de orga-
nismos marinhos, as pescas do Atlântico Nordeste, as possibilidades de pesca e condições associadas, aplicáveis
nas águas comunitárias.
14
Sobre a evolução das políticas públicas induzidas pelos riscos, ver Pontier, Jean-Marie, «Le droit de la prévention
des risques, droit en devenir des sociétés développées, d’aujourd’hui et de demain», in: Les plans de prévention
des risques, Université Paul Cézanne- Aix Marseille III, 2007, p. 49 e ss. Michel Franc chama a atenção para o facto
de o princípio da precaução, em França, se estender a outros sectores que correspondem, cada um deles, a um
escândalo: a qualidade da fabricação de produtos (dioxinas, vacas loucas), a qualidade das construções (amianto),
a qualidade dos cuidados prestados em estabelecimentos de saúde (sangue contaminado com o vírus da SIDA)
(«Traitement Juridique du risque et principe de précaution», in: Actualité Juridique Droit Administratif, n.º8, 3 Mars,
2003, p. 361).
15
Designados, respectivamente por SPS, da designação em língua inglesa Sanitary and Phitosanitary Measures e TBT
ou Technical Barriers to Trade, ambos no anexo 1A ao acordo que estabelece o Organização Mundial de Comércio.
16
Por exemplo o caso Neulinger and Shuruk v. Switzerland, de 8 de Janeiro de 2009.
17
No artigo “Prudent Budgetary Policy. Political Economy of precautionary taxation” (CESifo – Münchener Gesells-
chaft zur Förderung der Wirtschaftswissenschaften – working paper, n.º1973, de Abril de 2007), Frederick van der
Ploeg funda um dever de sub-estimar as receitas para não correr riscos de desequilíbrio orçamental precisamente
no princípio da precaução.
18
“La mise en œuvre du principe de précaution dans le cadre du référé suspension”, in: Actualité Juridique Droit
Administratif, nº43, 15 Décembre 2003, p.2297.

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Doutrinalmente, os desenvolvimentos teoréticos sobre o princípio da precaução resultam


da expansão da “riscologia”19.
Porém, continua a haver, na Europa e fora dela, quem pretenda diluir o princípio da pre-
caução no princípio da prevenção, ou pior ainda, quem advogue a supressão de um princípio
“vago com definições conflituantes”20
Ora, não termos certezas em relação à força de um princípio, cujo âmbito de aplicação é
tão vasto, e cujos efeitos podem ser tão drásticos, é assustador, sobretudo em matéria am-
biental e na Europa, onde o dever, imposto pela União Europeia, de prevenção de riscos, por
parte dos Estados, abrange não só os riscos tecnológicos mas também já os riscos naturais21.

2. Riscos naturais e riscos antrópicos

A prevenção de acidentes, tanto de origem natural como antrópica, é uma preocupa-


ção crescente da União Europeia (manifestada em Resoluções do Parlamento Europeu22,
Conclusões do Conselho Europeu23, Comunicações da Comissão Europeia24) que culminou
na introdução de um novo artigo25 no Tratado sobre o Funcionamento da União referente à
prevenção das catástrofes26.

19
É Georges Jousse que usa o termo «riscologia» para referir o conjunto das ciências que estudam o risco (Traité
de riscologie - La science du risque, Imestra Éditions, 2009). Ortwin Renn classifica as várias perspectivas do risco
em sete abordagens diferentes: contabilística, toxico-epidemiológica, probabilística, económica, psicológica,
sociológica e cultural (“Concepts of Risk: a Classification”, in: Social Theories of Risk, Sheldon Krimsky e Dominic
Golding (Ed) Praeger, London, 1992, p. 57).
20
Nancy J. Myers, e Peter Montague, in: Precautionary tools for reshaping environmental policy, the MIT press,
Cambridge, Massachusetts, 2006, p. 120-123.
21
É o caso das inundações, reguladas pela Directiva 2007/60, de 23 de Outubro de 2007, cujo prazo de transposição
para o ordenamento jurídico português terminou em 26 de Novembro de 2009.
22
Resolução de 19 de Junho de 2008 sobre o aprofundamento, pela União Europeia, da capacidade de resposta
aos desastres.
23
Conclusões de 16 de Junho de 2008.
24
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões sobre
uma Aproximação Comunitária à Prevenção de Catástrofes de Origem Natural e Humana (COM (2009) 82 final, Bru-
xelas, 23.2.2009) que identifica como elementos chave a criação de um inventário de informação sobre catástrofes,
a difusão de melhores práticas, o desenvolvimento de linhas orientadoras sobre riscos e mapeamento de riscos,
o apoio a actividades de investigação, a ligação entre os actores ao longo do ciclo de gestão de catástrofes, etc..
25
O artigo 196.º do Tratado sobre o Funcionamento da União, relativo à protecção civil, integra-se no título XXIII da
Parte III, sobre as políticas e acções internas da União, onde surge a par do mercado interno, da livre circulação de
mercadorias, pessoas, serviços e capitais, da agricultura e pescas, da saúde pública, da defesa dos consumidores,
das redes transeuropeias, do ambiente, da energia, etc.
O 1. do artigo 196º define o âmbito de actuação da União Europeia em matéria de protecção civil: “1. A União incen-
tiva a cooperação entre os Estados-Membros a fim de reforçar a eficácia dos sistemas de prevenção das catástrofes
naturais ou de origem humana e de protecção contra as mesmas. A acção da União tem por objectivos:
a) Apoiar e completar a acção dos Estados-Membros ao nível nacional, regional e local em matéria de prevenção
de riscos, de preparação dos intervenientes na protecção civil nos Estados-Membros e de intervenção em caso de
catástrofe natural ou de origem humana na União;
b) Promover uma cooperação operacional rápida e eficaz na União entre os serviços nacionais de protecção civil;
c) Favorecer a coerência das acções empreendidas ao nível internacional em matéria de protecção civil.
2. O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, estabelecem as
medidas necessárias destinadas a contribuir para a realização dos objectivos a que se refere o n.º 1, com exclusão
de qualquer harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros.”
A protecção civil é, portanto, um domínio em que “A União dispõe de competência para desenvolver acções desti-
nadas a apoiar, coordenar ou completar a acção dos Estados-Membros”. (artigo 6º do mesmo Tratado).
26
Marie-Béatrix Crescenzo-d’Auriac procura definir o limiar a partir do qual uma ocorrência assume dimensões
catastróficas (Les Risques Catastrophiques, Évènements Naturels Politiques et Technologiques, L’Argus, Paris,
1988, p.13 e ss.).

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Em regra, considera-se que os riscos naturais são riscos excepcionais, concentrados e


heterogéneos e, por isso, mais dificilmente seguráveis27, enquanto os riscos ditos “tecnoló-
gicos” são estatisticamente mais frequentes, mais disseminados no tempo e no espaço e
relativamente homogéneos, logo, mais seguráveis.
Porém, a distinção entre riscos de origem natural e riscos de origem humana é cada vez
mais subtil28. Existem diversas formas pelas quais causas naturais (físicas, meteorológicas,
geológicas ou biológicas) podem potenciar riscos antrópicos e vice-versa, dando origem a
acidentes mistos. Sendo os riscos climáticos29 o exemplo máximo dessa indistinção, vamos
dar três exemplos baseados em fenómenos desta natureza. Para Abelkhaleq Berramdane30,
hipóteses destas poderão ser consideradas como catástrofes naturais ou como acidentes
tecnológicos, consoante privilegiemos a causa primária ou a causa imediata.
a) Causas naturais extraordinárias: Um fenómeno natural nada habitual, que cria riscos
tecnológicos. Por exemplo, a passagem de um furacão de escala 5, com ventos superiores
a 249km/h, que está na origem do risco de explosão de uma fábrica de indústria química
no Barreiro31.
b) Causas naturais invulgares: Um fenómeno natural ordinário, mas com uma intensida-
de surpreendente e que, por isso, potencia o risco tecnológico. O exemplo são chuvas
diluvianas em Santarém que põem uma barragem, como a de Castelo de Bode, em risco
de ruptura, por falta de capacidade do descarregador de cheias.
c) Causas naturais ordinárias. Um fenómeno natural habitual, com uma intensidade
dentro dos valores normais, mas cujos efeitos danosos são profundamente agravados
por factores humanos32 intensificados ao longo do tempo. A melhor ilustração é o risco
de inundação e aluimentos na ilha da Madeira, na sequência da remoção do coberto
vegetal e da impermeabilização progressiva do solo, pela urbanização excessiva das
encostas da ilha33.
27
Kerry H. Whiteside, a propósito das responsabilidades ingeríveis das alterações climáticas, afirma: “Onde as
seguradores não se atrevem a ir, os governos entram em cena” (Precaucionary Politics. Principle and Practice in
Confronting Environmental Risk, Massachusetts Institute of Technology”, 2006, p. 32)
28
Sobre a relativização da distinção entre riscos naturais e antrópicos, ver Jean-Marie Pontier, «Le droit de la pré-
vention des risques, droit en devenir des sociétés développées, d’aujourd’hui et de demain», in Les plans de pré-
vention des risques, Université Paul Cézanne- Aix Marseille III, 2007, p. 36 e ss. Pierre Martin reafirma a dificuldade
de distinguir os riscos com e sem interferência humana, mas esforça-se por provar que existem acções e meios
racionais para prevenir os efeitos de fenómenos como sismos, inundações, deslizamento de terras, vulcões, etc.
(Ces Risques que l’on Dit Naturels, Eyrolles, Paris, 2006, p. 367 a 405).
29
As alterações climáticas têm ocasionado impactes dificilmente previsíveis. Um exemplo citado por Joren van der
Sluijs e Wim Turkenburg (“Climate Change and the precautionary principle”, in: Implementing the Precautionary
Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 249) foi o colapso de um dique na
Holanda, num período de seca extrema, levando à inundação da aldeia de Wilnis, perto de Amesterdão. Estudos
posteriores revelaram que o imprevisível colapso se deveu à secura extrema da turfa que se encontra na terra com
que são construídos muitos dos diques na Holanda. Milhares de quilómetros de diques feitos de terra contendo
turfa estão nas mesmas condições…
Sobre as situações climáticas perigosas ao longo da história ver Emmanuel le Roy Ladourie, «L’historien face à
l’histoire climatique et à l’attitude des autorités en cas de conjoncture «climatico-perilleuse», in: Les pouvoirs publics
face aux risques naturels dans l’histoire. Publications de la MSH-Alpes, 2005, p.13 a 29.
30
«L’Obligation de prévention des catastrophes et risques naturels», in: Revue du Droit Public et de la Science
Politique en France et a l’Étranger, n.º6, 1997, p. 1717.
31
Os especialistas das empresas resseguradoras especializadas em riscos climáticos admitem a probabilidade de,
em virtude do aquecimento global, dentro de duas ou três décadas Lisboa vir a ser afectada por furacões (http://
www.climate-insurance.org).
32
“Os factores humanos de agravamento ou de despoletamento de catástrofes naturais são frequentemente difusos,
contínuos e difíceis de delimitar e impossíveis de recensear na sua totalidade” (Philippe Ségur, «La catastrophe
et le risque naturels : essai de définition juridique» in: Revue du Droit Public et de la Science Politique en France
et a l’Étranger. - 0035-2578. - N. 6 (1997), p. 1699). O autor dá o exemplo do êxodo rural, da desflorestação, da
construção de túneis, estradas, canalizações, diques, barragens, etc..
33
Riscos que se vieram a concretizar no início de Fevereiro de 2010.

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> Doutrina

A dificuldade de distinção entre riscos naturais e antrópicos foi ultrapassada, no caso da


Lei de Bases da Protecção Civil, (Lei n.º 27/2006 de 3 de Julho), acabando simplesmente com
a distinção nas definições legais de acidente grave e de catástrofe. Esta constitui uma altera-
ção substancial em relação às definições constantes da lei anterior, a Lei nº 113/91, de 29 de
Agosto. Onde antes se lia: “catástrofe é um acontecimento súbito quase sempre imprevisível,
de origem natural ou tecnológica, susceptível de provocar vítimas e danos materiais avulta-
dos, afectando gravemente a segurança das pessoas, as condições de vida das populações e
o tecido sócio-económico do país” (artigo 2º, n.º2), pode ler-se, desde 2006: “catástrofe é o
acidente grave ou a série de acidentes graves susceptíveis de provocarem elevados prejuízos
materiais e, eventualmente, vítimas, afectando intensamente as condições de vida e o tecido
sócio-económico em áreas ou na totalidade do território nacional” (artigo 3º, n.º2).
Na mesma linha, também nós não diferenciaremos entre precaução de riscos de origem
natural e antrópica, primeiro, porque, como já vimos, a distinção tende a diluir-se, e segun-
do, porque em ambos os casos existe o dever de precaução em relação a riscos evitáveis.
Por outro lado, a relativa previsibilidade científica, mesmo de fenómenos naturais incon-
troláveis, levou a que o legislador tenha abandonado também, na definição de “catástrofe”,
da Lei de Bases da Protecção Civil, a referência à imprevisibilidade. Daí defendermos a ideia
de que o direito dos cidadãos a serem protegidos, contra riscos previsíveis, excessivos e
desnecessários, decorre do direito à liberdade e segurança consagrado internacionalmente
na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 5º), na Convenção Europeia para
a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (artigo 5º) e na Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 6º). No caso da Convenção Europeia,
abrir-se-ia uma nova via interpretativa para aplicação da Convenção aos casos, cada vez
mais frequentes, que envolvam questões de protecção ambiental.

3. O papel do princípio da precaução no Direito

Um dos factores que contribuiu, de forma determinante, para as dúvidas e receios que
actualmente envolvem o princípio da precaução, foi a rapidez da sua disseminação no dis-
curso político, jornalístico, e até na linguagem comum. Tal como já acontecera com o princípio
do poluidor pagador, cuja banalização conduziu a uma compressão do seu conteúdo, até
ficar reduzido a uma mera dimensão sancionatória do Direito Ambiental34, também a vulga-
rização da ideia de precaução, como bordão de linguagem, contribuiu definitivamente para
descredibilizar a precaução, enquanto princípio jurídico35.
O nosso propósito com o presente estudo é, portanto, desmistificar o princípio da pre-
caução36, defendendo que ele não é, (ao contrário do que diz uma parte da doutrina37), um
34
Alexandra Aragão, O Princípio do Poluidor Pagador, Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente, Studia
Iuridica, nº23, Coimbra Editora, 1997 especialmente artigo 131 e ss.
35
Do outro lado do Atlântico, a doutrina norte americana, mantém-se relutante em aceitar um princípio que con-
sidera tipicamente europeu. Por isso, Timothy O’Riordan e James Cameron, dizem que o princípio da precaução é
um conceito culturalmente marcado (Interpreting the Precautionary Principle, Earthscan, 1994, p. 12). Entre os mais
cépticos destaca-se Cass Sunstein que, em Worst Case Scenarios (Harvard University Press, Cambridge, 2007, p.
125-126) afirma: “O problema real com o princípio da precaução, tal como é entendido, é que não oferece qualquer
orientação – não que esteja errado mas proíbe todas as acções possíveis, incluindo a regulação. Se for levado a
sério é paralizante, proibindo os próprios passos que ele simultaneamente exige.”. Para ilustrar o seu ponto de
vista, avança três tipos estilizados de problemas, dando origem a três tipos diferentes de riscos: “O primeiro pro-
blema cria uma possibilidade de 999,999 num milhão de que ninguém morra, e uma possibilidade, de um num
milhão, de que morram 200 milhões de pessoas. O segundo problema cria uma possibilidade de 50 por cento, de
que ninguém morra, e uma possibilidade de 50 por cento de que morram 400 pessoas. O terceiro problema cria
uma percentagem de 100 por cento de que 200 pessoas morram. (…) Se os resultados e as probabilidades forem
simplesmente multiplicados, os três problemas são equivalentes: a perda expectável é de 200 vidas”. Com este
exemplo estereotipado, o autor pretende demonstrar que as grandes catástrofes “não merecem, nem deveriam

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> Doutrina

princípio de medo38 ou de irracionalidade39 mas é, pelo contrário, um princípio racional e


cientificamente fundado de “responsabilidade pelo futuro”40. Na linguagem, expressiva de
Lester Brown, diríamos que como o “Plano A” não resultou, precisamos agora de um “Plano
B”41. O princípio da precaução é o nosso “Plano B”.
receber, menos atenção do que os danos mais prováveis, com um valor esperado equivalente”. Na nossa opinião,
o erro de raciocínio reside no facto de não fazer sentido multiplicar as probabilidades estatísticas pelo número de
mortes para concluir que os problemas são equivalentes. Na terceira hipótese morrem 200 pessoas mas na segunda,
se se concretizar, morrem 400 e na primeira, por muito remota que seja a probabilidade, se vier a ocorrer, morrerão
200 milhões de pessoas… Os problemas são diferentes consoante a fonte do dano, a controlabilidade do dano,
a previsibilidade do dano, etc. e não podemos pretender torná-los equivalentes pelo simples jogo dos números.
36
No capítulo “Respondendo às críticas”, Nancy J. Myers, e Peter Montague identificam e rebatem rapidamente as princi-
pais críticas apontadas ao princípio: um princípio vago com definições conflituantes; como se aplica a tudo deveríamos
acabar com toda a tecnologia por causa dele; exige o risco zero, que é um objectivo impossível de alcançar; é desne-
cessário, porque temos a análise de riscos, é arriscado por impedir a utilização de tecnologias mais seguras; aplicá-lo
é demasiado caro; é contra a ciência e é um disfarce para medidas proteccionistas comerciais (“Answering the Critics”,
in: Precautionary tools for reshaping environmental policy, the MIT press, Cambridge, Massachusetts, 2006, p. 120-123).
37
Em 2002, Manuel Gros e David Deharbe protagonizaram na Revue du Droit Public et de la Science Politique um
exercício de estilo interessante em torno do princípio da precaução (“La Controverse du Principe de Précaution”, in:
Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et à l’Étranger, Mai-Juin 2002, nº3, p. 821-845).
Manuel Gros coloca-se do lado da acusação e desenvolve uma peça em que o réu é precisamente o princípio da
precaução, acusado de ser um conceito fluido e sem consistência, moralmente indiscutível mas juridicamente sem
rigor, um princípio que não é direito positivo, em suma, um mau utensílio jurisprudencial. Conclui afirmando que
se trata de um não-conceito. (p. 821-830).
Em seguida, David Deharbe desempenha o papel de advogado de defesa e frisa a plasticidade do princípio, ao
mesmo tempo que desenvolve a ideia da utilidade política do soft law e expõe o processo de jurisdicização ou
“cristalização” do princípio da precaução. Realça a dimensão subversiva do princípio, tanto para a ordem jurídica
como para a doutrina jurídica, constatando que uma das suas virtudes intrínsecas é ser capaz de recolocar a eterna
questão das condições de produção do Direito. (p. 830-845).
38
Foi este entendimento que levou Cass Sunstein a escrever Laws of Fear – Beyond the Precautionary Principle.
Cambridge University Press, Cambridge 200 e Risk and Reason. Safety, Law and the Environment, University of
Chicago Law School, Cambridge University Press, 2002.
39
Em Portugal, Vasco Pereira da Silva que critica certos entendimentos mais extremistas do princípio, é de opinião
de que “não vale a pena introduzir, pela via da precaução, a irracionalidade no domínio ius-ambiental” (“«Mais
vale prevenir do que remediar», prevenção e precaução no Direito do Ambiente”, in: Direito Ambiental Contempo-
râneo, Prevenção e Precaução, Juruá Editora, Curitiba, 2009, p.16) Em síntese, a posição do autor é esta: “mais do
que proceder à autonomização de uma “incerta” precaução, julgo preferível adoptar um conteúdo amplo para o
princípio da prevenção, de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos,
tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de
razoabilidade e bom senso” (idem, p.18).
40
Retomamos aqui a proposta de Hans Jonas (Le principe de responsabilité. Une éthique pour la civilisation tech-
nologique, Ed. Champs, Flammarion, Paris, 1999, p.63).
Numa construção mais recente e muito interessante, Catherine Thibierge distingue os “três tempos da responsabi-
lidade” e as três “naturezas da responsabilidade jurídica”

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Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente 15
> Doutrina

Por outro lado, pensamos também que o princípio da precaução não é um motivo de
estagnação42 ou bloqueio do desenvolvimento científico43 mas, pelo contrário, uma fonte
de progresso científico44.
Entendemos ainda que o princípio da precaução não cria insegurança jurídica na gestão
do risco. Antes pelo contrário, atenua-a45.
Por fim, consideramo-lo como um princípio de justiça em sentido clássico, na medida
em que o princípio da precaução protege sobretudo a parte mais frágil, aqueles que não
têm condições de se proteger a si próprios, e responsabiliza quem tem o poder e o dever
de controlar os riscos. Num tempo e numa sociedade de riscos, o princípio da precaução
contribui determinantemente para realizar a justiça tanto numa perspectiva sincrónica como
diacrónica ou, por outras palavras, justiça intrageracional e intergeracional.
É nesta tentativa, de clarificar as condições de recurso ao princípio da precaução – um prin-
cípio que veio sem “manual de instruções” – que vamos primeiro começar por analisar os seus
pressupostos de aplicação, para examinar, em seguida, o processo de aplicação do princípio.

4. Pressupostos de aplicação do princípio da precaução

O princípio da precaução tem-se afirmado por contraposição ao princípio da prevenção que,


tanto doutrinal como legalmente, o antecedeu. Na União Europeia, por exemplo, o princípio da
prevenção surgiu com força constitucional com o acto Único Europeu, que em 1985 o introduziu
no Tratado da Comunidade Económica Europeia, ao lado do Princípio do Poluidor Pagador. Já
o princípio da precaução só surgiu em 1992, com o Tratado de Maastricht, da União Europeia,
que o colocou antes do princípio da prevenção na lista de princípios constitucionais europeus.

«Avenir de la Responsabilité, Responsabilité de l’Avenir», Le Recueil Dalloz, 4 Mars 2004, nº9, 7150, p. 582.
41
Plan B 2.0, Rescuing a Planet Under stress and a Civilization in Trouble, Earth Policy Institute, W.W. Norton &
Company, New York, 2006, p. 17.
42
Nas palavras de Michel Franc: “Contrariamente ao que se pensa, é mais um princípio de acção do que de inacção.
Retomando uma fórmula já usada por outros autores, o princípio da precaução não consiste em erigir como máxima:
«na dúvida, abstém-te» mas antes «na dúvida, põe em prática tudo o que te permita agir melhor» («Traitement
Juridique du risque et principe de précaution», in: Actualité Juridique Droit Administratif, n.º8, 3 Mars, 2003, p.362).
43
Carla Amado Gomes defende a inoperatividade do princípio da prevenção, numa versão “maximalista” (todas
as actuações que, com um grau de possibilidade mínimo, pudessem lesar o ambiente, devem ser evitadas, salvo
havendo certeza quase absoluta sobre a sua inocuidade). Assim entendido, o princípio levaria a uma atitude “com-
pletamente irrealista, dadas as características da sociedade de risco”. Em alternativa, propõe um entendimento,
que reduz o princípio da precaução à versão qualificada do princípio da prevenção (A Prevenção à Prova no Direito
do Ambiente. Em Especial, os Actos Autorizativos Ambientais Coimbra Editora, 2000, p. 34 e ss).
Mais recente e desenvolvidamente a ideia é retomada em “Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador
de Deveres de Protecção do Ambiente” (Coimbra Editora, 2007), onde pode ler-se: “Por um lado, porque a precaução
é uma noção que comporta riscos graves e atentatórios de valores constitucionais fundamentais. Por outro lado,
porque a precaução é um conceito inútil em face das potencialidades e da lógica da prevenção” (p.419).
44
Também Joel Tickner e David Kriebel, reconhecem que o princípio da precaução costuma ser apresentado como
sendo contrário à visão científica e inconsistente com decisões baseadas em dados científicos (“The role of Science
and Precaution in environmental and publick helath policy”, in: Implementing the Precautionary Principle. Perspec-
tives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p.42).

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Embora os princípios da prevenção e da precaução sejam ambos manifestações modernas


de uma ideia antiga – de defesa da prudência ambiental e da sustentabilidade, presente,
desde sempre, nas grandes culturas e civilizações antigas46 –, eles distinguem-se, tanto
pelas condições de aplicação, como pela natureza das medidas evitatórias que promovem.
Entendemos, por isso, que não faz sentido defender o alargamento do princípio de preven-
ção, a ponto de consumir o princípio da precaução.
Das definições do princípio da precaução, legalmente consagradas no plano interno e no
plano internacional, resulta que as condições básicas de recurso ao princípio da precaução
são relativamente consensuais.

No plano interno, o princípio surge expressamente definido em três leis principais: na Lei da
Água, na Lei de Bases de Protecção Civil e na Lei da Conservação da Natureza e da Biodiversidade:

- Lei da Água (Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro), artigo 3º, n.º1 e): “Princípio da
precaução, nos termos do qual as medidas destinadas a evitar o impacte negativo de uma
acção sobre o ambiente devem ser adoptadas, mesmo na ausência de certeza científica da
existência de uma relação causa-efeito entre eles”.

- Lei de Bases de Protecção Civil (Lei n.º 27/2006 de 3 de Julho), artigo 5º c): “O princípio
da precaução, de acordo com o qual devem ser adoptadas as medidas de diminuição do
risco de acidente grave ou catástrofe inerente a cada actividade, associando a presunção de
imputação de eventuais danos à mera violação daquele dever de cuidado”.

- Lei da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (Decreto-Lei n.º 142/2008 de 24


de Julho), artigo 4º e): “Princípio da precaução, nos termos do qual as medidas destinadas a
evitar o impacte negativo de uma acção sobre a conservação da natureza e a biodiversidade
devem ser adoptadas mesmo na ausência de certeza científica da existência de uma relação
causa-efeito entre eles“.

Também no plano externo olhando para os instrumentos de Direito Internacional em que


o princípio da precaução é consagrado, verificamos que nem sempre ele é definido. Não
o é, por exemplo, no Tratado da União Europeia. Vejamos alguns instrumentos de Direito
Internacional que, de forma mais ou menos clara, definem o princípio:

- Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, aprovada durante a Conferência


das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Princípio 15: “Para que
o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacida-
des, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será
utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes
em termos de custo para evitar a degradação ambiental”.
45
Acompanhamos, neste ponto, Nicolas de Sadeleer, quando afirma: “num direito pós-moderno, onde a estrutura
fortemente hierarquizada das normas foi substituída por uma interacção delicada entre o direito, a ética e a política,
este princípio é chamado a preencher uma função crucial: guiar o juiz e a Administração quando pesam os interes-
ses em causa. Longe de exacerbar a insegurança jurídica, o princípio da precaução deve constituir um elemento
estável sobre o qual as regulamentações movediças e caóticas podem arrimar-se” (“Les Avatars du Principe de
Précaution en Droit Public. Effet de Mode au Révolution Silencieuse?» in: Revue Française de Droit Administratif,
2001, Mai-Juin, p.562).
46
O Juiz Christopher Gregory Weeramantry (juiz natural do Sri Lanka, membro do Tribunal Internacional de Justiça e
Vice-Presidente entre 1997 e 2000), na sua célebre declaração de voto anexa à decisão do Tribunal Internacional de
Justiça no caso Gabcíkovo Nagymaros (Acórdão proferido em 1997, no processo instaurado em 1994 pela Hungria
contra a Eslováquia, a propósito da construção de um empreendimento hidroeléctrico no rio Danúbio), dá inúme-
ros exemplos provenientes da Tanzânia, do Irão, da China, do México e, claro, do antigo Ceilão, actual Sri Lanka.

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> Doutrina

- Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 1992, (aprovada pelo
Decreto n.º 21/93, de 21 de Junho) no parágrafo nono do preâmbulo, frisando que “Quando
exista uma ameaça ou redução significativa ou perda de diversidade biológica, a falta de cer-
teza científica não deveria ser razão para adiar medidas para evitar ou minimizar tal ameaça”.

- Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, de 1992, (aprovada
pelo Decreto n.º 20/93, de 21 de Junho), no artigo 3º, n.º3: “As partes deverão tomar medidas
precaucionais para antecipar, prevenir ou minimizar as causas das alterações climáticas e mitigar
os seus efeitos adversos. Quando haja ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de certeza
científica não deveria ser usada como uma razão para adiar tais medidas, tendo em consideração
que as políticas e medidas para lidar com as alterações climáticas deveriam ser razoáveis em
termos de custos, de forma a garantir benefícios globais ao custo mais baixo possível”.

- Convenção de Helsínquia sobre a Protecção e a Utilização dos Cursos de Água Transfron-


teiriços e dos Lagos Internacionais, concluída a 17 de Março de 1992, (aprovada pelo Decreto
n.° 22/94, de 26 de Julho), no artigo 2º, n.º5, a): “O princípio da precaução segundo o qual
elas [as partes] não diferem a elaboração de medidas destinadas a evitar que o lançamento
de substâncias perigosas que possa ter um impacte transfronteiriço quando a pesquisa
transfronteiriça não demonstrou plenamente o elo de causalidade entre essas substâncias,
por um lado, e um eventual impacte transfronteiriço, por outro”.

- Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste47, de 1992, (aprovada


pelo Decreto n.º 59/97, de 31 de Outubro), no artigo 2º, n.º2 a): “O princípio de precaução
segundo o qual medidas de prevenção devem ser tomadas quando existem motivos razoáveis
de preocupação quanto a substâncias ou energia introduzidas, directa ou indirectamente, no
meio marinho que possam acarretar riscos para a saúde do homem, ser nocivas para os recur-
sos biológicos e para os ecossistemas marinhos, ser prejudiciais para os valores de recreio ou
constituir obstáculo a outras utilizações legítimas do mar, mesmo não havendo provas conclu-
dentes de uma relação de causalidade entre esses motivos [no original, inputs] e os efeitos”.

- Convenção de Helsínquia sobre a protecção do ambiente marinho do Mar Báltico, de


1992, no artigo 3º, nº2: “As partes contratantes devem aplicar o princípio da precaução,
isto é tomar medidas preventivas quando haja razões para admitir que as substâncias ou
energia introduzidas, directa ou indirectamente, no ambiente marinho possam criar riscos
para a saúde humana, danificar os recursos vivos e os ecossistemas marinhos, danificar os
encantos ou interferir com outros usos legítimos do mar mesmo quando não há evidência
conclusiva de uma relação causal entre as entradas e os alegados efeitos”.

- Protocolo de 1994 à Convenção de 1979 sobre poluição atmosférica a longa distância


com vista à redução das emissões de enxofre (ainda não ratificado por Portugal), no pará-
grafo quatro do preâmbulo: Convencidos de que quando houver ameaças de danos sérios
ou irreversíveis, a falta de certeza científica absoluta não deveria se usada como uma razão
para adiar tais medidas tendo em consideração que as medidas precaucionais para lidar
com as emissões de poluentes atmosféricos devem ser razoáveis em termos de custos”.

- Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, de 2000, (aprovado pelo Decreto n.º


7/2004, de 17 de Abril), no artigo 10º, n.º6: “A falta de certezas científicas devido à insufici-
47
Também designada por Convenção OSPAR, resultou da junção e actualização das disposições da Convenção de
Oslo, de 1972 sobre deposição de resíduos no mar, e da Convenção de Paris de 1974, sobre fontes de poluição de
origem telúrica.

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> Doutrina

ência da informação e conhecimento científico relevantes relativos à extensão dos potenciais


efeitos adversos, sobre a conservação e uso sustentável da diversidade biológica, de um
organismo vivo modificado na Parte importadora, tendo em consideração os riscos para a
saúde humana, não deve ser razão para a Parte não tomar uma decisão adequada relativa-
mente à importação do organismo vivo modificado em causa, como referido no parágrafo 3,
supra, com vista a evitar ou minimizar os potenciais efeitos adversos” e no artigo 11º, n.º8:
“A falta de certeza científica devido à insuficiência da informação e conhecimento científico
relevantes relativos à extensão dos potenciais efeitos adversos sobre a conservação e uso
sustentável da diversidade biológica, de um organismo vivo modificado na Parte importadora,
tendo em consideração os riscos para a saúde humana, não deve ser razão para a Parte não
tomar uma decisão adequada relativamente à importação do organismo vivo modificado
destinado ao uso directo como alimento para pessoas ou ração para animais ou para pro-
cessamento, com vista a evitar ou minimizar os potenciais efeitos adversos.”

- Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, de 2001, (aprovada pelo


Decreto nº 15/2004, de 3 de Junho) no artigo 8º, n.º9: “O Comité recomendará, baseado no perfil
de riscos referido no parágrafo 6 e na avaliação da gestão de risco referida no parágrafo 7 (a) ou
parágrafo 8, se as substâncias químicas devem ser consideradas pela Conferência das Partes para
listagem nos Anexos A, B e/ou C. A Conferência das Partes, tendo em consideração as recomen-
dações do Comité que incluam alguma incerteza científica, decidirá, precaucionalmente, se deve
listar as substâncias químicas e suas medidas de controlo específicas nos Anexos A, B e/ou C”.
Simplificadamente, o que resulta da análise de todas as consagrações do princípio é
que, em matéria ambiental, o princípio da precaução só intervém em situações de riscos
ambientais e de incertezas científicas. Nisso se distingue, antes de mais, do princípio da
prevenção. Por outras palavras, a precaução destina-se a limitar riscos ainda hipotéticos ou
potenciais, enquanto a prevenção visa controlar os riscos comprovados48. Por isso, o princípio
da precaução é proactivo, enquanto que o princípio da prevenção é reactivo49.
Por outro lado, as medidas precaucionais não são “um fim em si mesmas”50. E também
em razão Gilles Martin, quando defende que, enquanto as acções fundadas no princípio da
prevenção têm como finalidade imediata evitar a ocorrência de um dano certo, as acções justifi-
cadas pelo princípio da precaução têm um duplo objectivo: «por um lado, evitar imediatamente
o “laissez faire” em situações de incerteza legítima; por outro lado, e sobretudo, produzir o
conhecimento sobre o risco em causa, seja para dar origem a uma acção preventiva – se a
hipótese do risco se verificar – seja para “liberar” a actividade afastando a hipótese de risco»51.
Ora, a passagem da “regulação preventiva” para a “regulação precaucional”52 dos riscos
representa uma mudança de paradigma e exige uma definição muito clara dos pressupostos
de intervenção do Estado e dos actores sociais (empresas, organizações não governamentais,
cientistas, público em geral).
Em suma, na gestão tradicional do risco exigiam-se provas científicas concludentes, antes
de avançar para a regulação de um produto ou actividade envolvendo riscos. O princípio da

48
Jean-Marc Favret, «Le príncipe de précaution ou la prise en compte par le droit de l’incertitude scientifique et du
risque virtuel», in: Dalloz, 6 Décembre, 2001, p. 3462.
49
Nancy J. Myers, Carolyn Raffensperger (eds.), Precautionary tools for reshaping environmental policy, the MIT
press, Cambridge, Massachusetts, 2006, p. 35.
50
Cécile Castaing, “La mise en oeuvre du principe de précaution dans le cadre du référé suspension”, in: Actualité
Juridique Droit Administratif, nº43, 15 Décembre 2003, p. 2291.
51
Gilles J. Martin, “Principe de Précaution, Prévention des Risques et Responsabilité”, in: Actualité Juridique Droit
Administratif, n.º40, 28 Novembre 2005, p.2223.
52
As expressões são de Judith Jones e Simon Bronitt, “The Burden and Standard of Proof in Environmental Regulation:
the Precautionary Principle in an Australian Administrative Context”, in: Implementing the Precautionary Principle.
Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 145.

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> Doutrina

precaução, enquanto nova forma de gestão da incerteza, representa uma evolução relativa-
mente à gestão preventiva, em que os actores políticos e os operadores económicos podiam
usar e abusar53 da divergência persistente entre os cientistas, como uma desculpa para não
agir54, dando origem àquilo que se designa por “parálise pela análise”55. Pelo contrário, a ges-
tão precaucional implica a regulação urgente de riscos hipotéticos, ainda não comprovados.
Sabendo que os pressupostos fundamentais de aplicação do princípio da precaução são
a existência de riscos ambientais e a incerteza científica quanto aos riscos, vamos analisá-
-los sucessivamente.

4.1. Primeiro pressuposto: os novos riscos

Já vimos que na gestão antecipatória dos “novos riscos”56 não podemos “dar-nos ao
luxo de esperar e verificar que estamos errados”57. Os riscos são importantes de mais e as
consequências graves de mais para ficarmos à espera das provas irrefutáveis e do consenso
científico geral, em torno delas.
Segundo Joren van der Sluijs e Wim Turkenburg, a partir de agora, devemos “pensar o
impensável” imaginando e construindo cenários de ocorrências ambientais indesejáveis
futuras, mesmo pouco prováveis58.
53
René von Schomberg, “The Precautionary Principle and its Normative Challenges, in: Implementing the Precau-
tionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p.23.
54
Sobre o dever de decidir, ver o estudo de Sérvulo Correia sobre “O Incumprimento do Dever de Decidir”, in:
Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, vol II, Coimbra Editora,
2006, p. 217 – 254.
55
Da expressão em língua inglesa, paralisis through analisis. Micharel More analisa o adiamento (“delay”), por razões
ideológicas ou políticas, como ferramenta política nos processos de decisão. O adiamento ocorre nos processos
que envolvam uma “alteração da ordem instituída” mas em que se receie o resultado dessa alteração ou em que
haja uma oposição conceptual dos decisores, à alteração. O método mais comum de adiamento é o excesso de
consulta pública (“Political Practice: Uncertainty, Ethics and Outcomes”, in: Uncertainty and Risk. Multidisciplinary
Perspectives, Earthascan, London, 2008, p. 179). Por isso, o tempo para resolver as incertezas é ou deve ser limitado
por lei. Judith S. Jones, (“Certainty as Illusion: The Nature and Purpose of Uncertainty in the Law”, in: Uncertainty
and Risk. Multidisciplinary Perspectives, Earthascan, London, 2008, p. 277).
56
A expressão é de Kerry H. Whiteside em Precaucionary Politics. Principle and Practice in Confronting Environmental
Risk, Massachusetts Institute of Technology”, 2006. p. 30.
57
A afirmação é da Comissão Europeia no Quinto Programa de Acção em Matéria de Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, em vigor no período 1993-2000, aprovado por uma Resolução do Conselho e dos representantes dos
Governos dos Estados-membros, reunidos no Conselho, em 1 de Fevereiro de 1993.
58
“Climate Change and the precautionary principle”, in: Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and
Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 262.
59
Stephen Dovers identifica as “características dos problemas políticos que tornam difícil a escolha das políticas
de resposta:
- escalas espaciais e temporais alargadas, aprofundadas e altamente variáveis;
- possibilidade de existência de limites ecológicos absolutos às actividades humanas;
- complexidade dos problemas e conexões entre problemas;
- risco difuso e incerto, frequentemente não susceptível de análise probabilística;
- efeitos irreversíveis;
- impactes cumulativos e não descontínuos;
- novas dimensões morais (por exemplo, outras espécies, gerações futuras);
- causas sistémicas, embutidas em padrões de produção, consumo, ocupação do território e governança;
- valores ambientais importantes não transaccionados em mercados formais, e portanto sem um valor monetário atribuído;
- dificuldade em separar custos e benefícios públicos e privados;
- falta de aplicação ampla de instrumentos de política e falta de abordagens de gestão;
- falta de definição de políticas, direitos de gestão e de propriedade, de papéis e de responsabilidades;
- necessidade de conhecimentos integrados/interdisciplinares;
- solicitações intensas de participação da comunidade na formulação e na gestão das políticas; e
- novidade absoluta na sequência dos problemas de política”.
(“Precautionary policy assessment for sustainability”, in: Implementing the Precautionary Principle. Perspectives
and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p.90.)

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> Doutrina

O princípio da precaução destina-se, sobretudo, a regular os chamados “novos riscos”59


ambientais que se caracterizam por ser riscos globais, retardados e irreversíveis.
Por serem globais e irreversíveis mas, na maior parte dos casos, riscos futuros, que afec-
tarão gerações que ainda não nasceram, é que o princípio da precaução é um princípio de
justiça na sua acepção mais clássica60. Já na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789, se proclamava que “a liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique
o próximo”61. Neste caso, o próximo são as gerações futuras.

4.1.1. Riscos globais


Os riscos globais são riscos em larga escala, com magnitudes sem precedentes, abran-
gendo vastas regiões do Planeta.
As acções conjugadas da evolução científica e tecnológica e da intensificação da produção
industrial e agrícola, com a aceleração do consumo e a a globalização do mercado dos produtos
e serviços, conduzem a uma massificação dos riscos, que se tornam riscos planetários. Por isso,
a necessidade de convocar a aplicação do princípio da precaução é também mais frequente
agora62. Mas isso não significa que, nos séculos passados, não tenha havido produtos ou tec-
nologias que justificassem o recurso a este princípio, se ele já tivesse sido conjecturado nessa
altura. Se existem exemplos de avanços científicos e tecnológicos em que os riscos não se
concretizaram, e dos quais estamos actualmente a usufruir as vantagens (como os antibióticos,
as vacinas, a energia eléctrica ou os transportes aéreos), há também catástrofes passadas,
dentro e fora do âmbito ambiental, cujas consequências ainda hoje estamos a gerir: os casos
do sindroma de envenenamento por mercúrio na Baía de Minamata desde a década de 50, da
contaminação radioactiva de Chernobil em 1986, dos lotes de sangue contaminado com Sida
administrado a doentes em França, no início da década de 90, da encefalopatia espongiforme
bovina no Reino Unido no mesmo período, das marés negras do Erika, em França, em 1999 e
do Prestige, em Espanha, em 2002, são apenas alguns exemplos.

4.1.2. Riscos retardados


Riscos retardados são aqueles que se desenvolvem lentamente, ao longo de décadas ou
séculos, que levam gerações a materializar-se, mas que assumem, a certa altura, dimensões
catastróficas em virtude da extensão e da irreversibilidade. Este padrão de crescimento toma
a designação de “crescimento exponencial”. É um padrão que muitos fenómenos (naturais
e sociais) apresentam e que, por isso, torna urgente a adopção de medidas precaucionais.
Malthus foi o primeiro a escrever sobre este padrão de crescimento em relação às populações,
com a publicação, em 1798, da obra An essay on the principles of population as it affects
the future improvement of society63. Mais recentemente, e no âmbito ambiental, o impres-
sionante efeito do crescimento exponencial foi notavelmente ilustrado por uma charada
citada por Donella e Denis Meadows e Jorgen Rangers: «suponhamos que se tem um lago em
que cresce um nenúfar. O nenúfar duplica de tamanho todos os dias. Se deixasse a planta
crescer livremente, ela cobriria completamente o lago em trinta dias, provocando a morte de
60
Recordando a trilogia de Ulpianus (“Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cui-
que tribuere”. [Ulpiano, Digesta 1.1.10.1; Institutiones 1.1.3]) o princípio da precaução visa dar cumprimento ao
“alterum non laedere” (sendo que o alterum corresponde agora a um outro mais alargado, que abrange também
as gerações futuras).
61
- Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos
naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o
gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
62
Por exemplo: só recentemente, com a intensificação do tráfego aéreo, se tornou evidente o risco das erupções
vulcânicas para a navegação aérea.
63
Disponível online em versão integral, através da Library of Economics and Liberty da Fundação Liberty Fund,
instituída em 1960, na América, por Pierre Goodrich (http://www.econlib.org/library/Malthus/malPlong.html).

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todas as outras formas de vida aquática. Durante muito tempo o nenúfar parece pequeno,
por isso você resolve não se preocupar com ele enquanto não ocupar metade do lago. Em
que dia acontecerá isso?» A resposta é, à primeira vista, surpreendente: «No vigésimo nono
dia. Fica-lhe só um dia para salvar o lago»64. Esta é a razão da premência de uma actuação
precaucional: evitar enfrentar a magnitude do problema no penúltimo dia…
Desde a desertificação à eutrofização dos rios, desde a extinção de espécies à produção
de resíduos, exemplos não faltam, pois, na Natureza, o crescimento exponencial verifica-se
aos mais diversos níveis.

4.1.3. Riscos irreversíveis


Riscos irreversíveis são aqueles que, se se concretizarem, terão consequências permanen-
tes ou, pelo menos, tão duradouras que podemos considerá-las irreversíveis à escala humana.
A novidade, e relativa complexidade, da ideia de riscos irreversíveis justifica que lhe
dediquemos mais algum tempo da nossa atenção.
A irreversibilidade é um aspecto fulcral da caracterização dos riscos, que comporta, para
as gerações futuras, perda de oportunidades de realização. A defesa de certas irreversibili-
dades justifica-se, portanto, pelo interesse na “manutenção das escolhas potenciais para
o presente e para o futuro”65.
Mas a irreversibilidade significa apenas “a impossibilidade de retornar ao passado”, por
isso, “uma irreversibilidade não é, em si mesma, nem boa nem má; ela é neutra”66.
As irreversibilidades positivas já existem em leis aprovadas para preservar valores
arqueológicos, artísticos, culturais ou paisagísticos, considerados património municipal,
nacional ou até da humanidade. Agora trata-se de reconhecer que a importância de certos
valores genéticos, biológicos ou ecológicos também justifica a proibição da sua destruição
e o estabelecimento de uma irreversibilidade ambiental positiva.
Na análise das irreversibilidades, Alexandre Kiss67 fala em irreversibilidades negativas e
irreversibilidades positivas. As irreversibilidades negativas seriam “evoluções destrutivas
irreversíveis”, ou seja, riscos que, se se concretizarem, se transformam em danos definiti-
vos. O exemplo paradigmático é a extracção de recursos não renováveis até à exaustão ou
a exploração de recursos renováveis para lá da capacidade de renovação. Mas nem todas
as irreversibilidades estão ligadas à conservação da natureza. Outro exemplo é a lei sobre
armazenagem de resíduos radioactivos em França, que obriga a que eles devem ser guarda-
dos de forma a poderem ser recuperados, um dia, quando o progresso dos conhecimentos
científicos já permita neutralizá-los68.
No entanto, a irreversibilidade, como alerta Cass Sunstein, deve ser correctamente entendida:
“não há uma linha a separar claramente a reversibilidade da irreversibilidade. Há um continuum
e não uma dicotomia. A questão não é saber se um efeito pode ser revertido, mas a que custo”69.
Se por um lado podemos aceitar a ideia de Sunstein, concordando que a irreversibilidade
até pode ser um conceito gradual, por outro lado não podemos deixar de admitir que há um

64
Além dos limites. Da catástrofe total ao futuro sustentável, Difusão Cultural, Lisboa, 1993. p. 18 e 19.
65
Martine Rèmond-Gouilloud, «L’Irreversibilité: de l’Optimisme Dans l’Environnement», in: Révue Juridique de
l’Environnement, numéro spécial, 1998, p. 17.
66
Idem, p. 9.
67
Alexandre Kiss, “L’Irreversibilité et le Droit des Generations Futures”, in: Révue Juridique de l’Environnement,
numéro spécial, 1998, p. 52.
68
Michel Prieur explora desenvolvidamente as vantagens e os inconvenientes da deposição definitiva de resí-
duos radioactivos («L’irreversibilité et la Gestion des Déchets Radioactifs dans la Loi du 30 Décembre 1991», in:
L’irreversibilité, Revue Juridique de l’Environnement, nº spécial, 1998, p. 125).
69
Worst Case Scenarios, Harvard University Press, Cambridge, 2007, p. 183. Exemplificando os graus de dificulda-
de de reversão com a decisão de casar ou não casar, Sunstein nota que um casamento pode ser revertido, mas o
divórcio raramente é fácil” (op. cit., p. 176).

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limiar, a partir do qual a irreversibilidade se torna incontestável. Citando Martine Rèmond-


Gouilloud, podemos admitir que há “irreversibilidades certas e incertas”70. Por isso, o prin-
cípio da precaução prescreve que há certos limiares que não podem ser ultrapassados para
que não se materializem as irreversibilidades ambientais negativas certas. O contrário de
irreversibilidade não é, portanto, a reversibilidade, mas a durabilidade dos recursos bióticos
e abióticos, o respeito dos processos e dos ecossistemas, numa palavra, a sustentabilidade.
Por alguma razão, durabilidade e sustentabilidade são sinónimos em língua francesa.
Mas a irreversibilidade, que consta da definição constitucional e legal71 em França, e tam-
bém do Protocolo de 1994 à Convenção de 1979 sobre poluição atmosférica a longa distância
com vista à redução das emissões de enxofre, é um elemento omisso no Direito português.
Recordemos o artigo 5º da Charte de l’Environnement: “Quando a realização de um
dano, se bem que incerto, no estado actual dos conhecimentos científicos, possa afectar
de maneira grave e irreversível o ambiente, as autoridades públicas velam, por aplicação do
princípio da precaução, e no seu domínio de atribuições, pela aplicação de procedimentos
de avaliação dos riscos e pela adopção de medidas provisórias e proporcionadas a fim de
evitar a realização do dano”72. Em França, só o dano que além de incerto, é também grave
e irreversível, é que suscita a aplicação do princípio da precaução. Ou seja: enquanto no
Direito francês, a irreversibilidade é um elemento que acresce à gravidade, no Direito portu-
guês − onde não encontramos referências autónomas à irreversibilidade − ela é apenas um
critério, entre outros, de gravidade. Em Portugal nada parece indicar que haja um estatuto
jurídico mais forte da irreversibilidade, enquanto pressuposto de aplicação do princípio da
precaução. Na prática, a diferença está em que, em Portugal, um dano ambiental pode não
ser irreversível e convocar, mesmo assim, o princípio da precaução, desde que seja grave
em função da magnitude, extensão, complexidade, etc..
Mas isso não significa que a irreversibilidade não seja relevante e não deva ser tida em
consideração no ordenamento jurídico português. Significa apenas que ela não é um elemen-
to autónomo na qualificação do risco. Indo ainda mais longe, com base nas consagrações
legais do princípio no nosso ordenamento jurídico, verificamos que parece prescindir-se da
irreversibilidade e mesmo da gravidade do dano, bastando a incerteza científica para convocar
a aplicação do princípio. Esta interpretação é válida pelo menos em matérias ambientais,
nomeadamente na conservação da natureza e biodiversidade (Decreto-lei n.º 142/2008, de
24 de Julho) e na protecção de águas (Lei n.º58/2005, de 29 de Dezembro), mas logicamente
também em matéria de gestão de resíduos, controlo da poluição atmosférica, prevenção de
ruído, mitigação das alterações climáticas, etc., mas já não quanto à protecção civil).
70
«L’Irreversibilité: de l’Optimisme Dans l’Environnement», in: Révue Juridique de l’Environnement, numéro spécial,
1998, p. 12. Também Agnès Michelot considera que “o princípio da precaução traduz a tomada em consideração
da irreversibilidade incerta” (“Utilization durable et irreversibilité(s). Du «jeu» de la temporalité aux enjeux de la
durabilité», in: Révue Juridique de l’Environnement, numéro spécial, 1998, p.36).
71
Artigo 110, II, 1° do Código do Ambiente: «o princípio da precaução, segundo o qual, a falta de certezas, conside-
rando os conhecimentos científicos e técnicos do momento, não devem retardar a adopção de medidas efectivas e
proporcionadas visando prevenir o risco de danos graves e irreversíveis ao ambiente a um custo economicamente
aceitável”.
72
A doutrina francesa nota que o princípio da precaução foi o único que se manteve na Charte de l’Environnement
enquanto princípio. Diferentemente, os princípios da prevenção e do poluidor pagador ganharam uma formulação
mais densa, e transformaram-se em normas constantes, respectivamente, do Artigo 3 (todos devem, nas condi-
ções definidas na lei, prevenir as ofensas ao ambiente que sejam susceptíveis de causar ou, subsidiariamente,
limitar as suas consequências”) e do Artigo 4º (Todos devem contribuir para a reparação dos danos que causam
ao ambiente, nas condições definidas na lei”). No entanto, Olivier Godard, (em “The Precautionary Principle and
Catastrophism on tenterhooks: lessons from a constitutional reform in France”, in: Implementing the Precautionary
Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p. 78) defende que o artigo 5º da Carta
do Ambiente, em França é o único que tem efeito directo, podendo ser invocado em Tribunal sem necessidade de
leis e regulamentos adicionais que o tornem aplicável. Em 2003 a Revue Juridique de l’Environnement dedicou um
número especial ao ambiente na Constuição: La Charte Constitutionnelle en Débat.

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Mas esta interpretação maximalista do princípio da precaução é muito criticável por


facilitar excessivamente o recurso a um instrumento, cuja utilização permite a adopção de
medidas bastante gravosas de restrição da iniciativa económica, em situações de incerteza
científica, devendo, por isso, ser excepcional.
A solução passa por fazer uma interpretação correctiva das condições de recurso ao
princípio da precaução, à luz das definições consagradas fora do país, adoptando os requi-
sitos uniformemente exigidos no direito internacional, os quais se reconduzem à exigência
alternativa de, pelo menos, uma das características do dano potencial: gravidade ou irrever-
sibilidade. Assim, para aplicação do princípio da precaução, basta que o risco seja grave,
mesmo que não seja irreversível; ou que seja irreversível, mesmo que não seja muito grave.
Nunca apenas um dano incerto.

4.2. Exemplos

Os exemplos de riscos globais, irreversíveis e retardados73, infelizmente, não são poucos74,


e o seu reconhecimento como problemas ambientais graves faz com que beneficiem de
regulação à escala internacional.

1. Os CFC75
O clorofluorcarbono – CFC – (gás usado comercialmente desde a década de 50, como
solvente orgânico, como refrigerante e como propulsor, em extintores de incêndios e aeros-
sóis), é um exemplo perfeito de um risco global. O buraco da camada do ozono (confirmado
cientificamente na década de 80, embora se especulasse sobre a sua existência desde a
década de 70), localizado sobre o hemisfério Sul, resultou da emissão de grandes quanti-
dades deste gás – CFC - , sobretudo no hemisfério Norte. É um risco planetário. Por outro
lado, após a sua emissão para a atmosfera, as partículas de CFC não só não desaparecem
como perduram ao longo de décadas76, durante as quais o efeito de fotólise produz reacções
em cadeia, destruidoras do ozono atmosférico. Também por isso pode ser considerado um
risco retardado.

2. Os POP77
Riscos globais e retardados são também os efeitos dos poluentes orgânicos persisten-
tes – POP78 – que existem no ambiente, em concentrações da ordem dos microgramas ou
nanogramas, que são desreguladores endócrinos, e actuam por bio-acumulação, no orga-
73
Rosie Cooney também avança alguns exemplos, distinguindo entre a aplicação do princípio em “cenários verdes”
− associados à conservação da natureza e à protecção da biodiversidade − e em “cenários castanhos” − ligados
às políticas de prevenção da poluição em meio industrial ou urbano − (“A Long and Winding road? Precaution from
Principle to Practice in Biodiversity Conservation”, in: Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and
Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 229).
74
Para uma discussão detalhada de catorze exemplos de temas que, pelas suas características, convocam o prin-
cípio da precaução, ver a obra editada pela Agência Europeia do Ambiente Late Lessons from Early Warnings: the
Precautionary Principle 1896-2000, Copenhagen, 2001, p. 17 a 192.
75
Regulados pela convenção de Viena para a Protecção da Camada de Ozono, de 1985 (aprovada pelo Decreto do
Governo n.º 5/88, de 9 de Abril), e pelo Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Empobrecem a Camada
de Ozono de 1987 (aprovado pelo Decreto n.º 20/88, de 30 de Agosto. A alteração ao Protocolo, de Dezembro de
1999, foi aprovada pelo Decreto n.º 9/2006 de 23 de Janeiro).
76
O tempo de vida dos CFC na atmosfera varia entre 40 a 80 anos para o CFC-11, e os 75 a 150 anos para o CFC-12.
77
Regulados pela Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, de 2001, aprovada pelo Decreto
nº 15/2004 de 3 de Junho.
78
Alguns são usados na agricultura como biocidas (é o caso do DDT, da aldrina, da endrina, da dieldrina, do clordano,
do heptacloro, do hexaclorobenzeno, etc.), outros são usados em diversas aplicações industriais (como PCB usado
em condensadores, transformadores, e líquidos refrigeradores) e outros são emitidos em processos de produção
industrial (dioxinas, furanos).

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nismo dos seres vivos, sendo transmitidos, com graus de concentração crescente, ao longo
da cadeia alimentar.

3. Os GEE79
Também o fenómeno dos gases com efeito de estufa – GEE – é um exemplo de um risco
global e irreversível à escala humana. A interferência humana no clima é estudada cientifica-
mente desde a década de 60, mas apenas na década de 90 se conseguiu reunir um consenso
científico, quanto às alterações climáticas e à influência dos GEE no aquecimento global.

4. Os OGM80
Os organismos geneticamente modificados – OGM – representam um exemplo de escola
de riscos retardados, irreversíveis e potencialmente globais. A libertação no ambiente de
OGMs, pela utilização agrícola de variedades vegetais geneticamente modificadas, comporta
riscos de poluição genética, contaminação de espécies agrícolas convencionais pelos genes
modificados. A contaminação, que pode ocorrer por processos naturais como polinização
ou ventos fortes, pode afectar geneticamente as espécies, pondo em perigo os equilíbrios
ecológicos e a diversidade biológica.

5. As radiações ionizantes81
Outro exemplo flagrante são os riscos nucleares, riscos que, além da dimensão potencial-
mente global, envolvem uma escala temporal de tal modo longa, que permite qualificá-los
como riscos irreversíveis. A explosão e fusão do reactor nuclear de Chernobil, a maior catás-
trofe tecnológica da história da humanidade, provocou a libertação de césio, xénon, iodo
e outros materiais radioactivos em quantidades maciças82, afectando milhões de pessoas
numa área territorial alargada83 e dando origem à criação de uma “reserva radioactiva” com
30km2 em torno do reactor, onde é previsível que os níveis de radioactividade se mantenham
elevados durante milhares de anos.

6. As extinções de recursos bióticos84.


Um exemplo de riscos mais retardados e menos visíveis, mas com efeitos também po-
tencialmente catastróficos, são a extinção de espécies da fauna, nomeadamente da fauna
piscícola em virtude da sobrepesca85 e a extinção de espécies piscícolas86 Outro exemplo, mas
79
Regulados pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, de 199279e o Protocolo de
Quioto de 1997, aprovada pelo Decreto n.º 7/2002 de 25 de Março.
80
Regulados pela Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 1992 (aprovada pelo Decreto
n.º 21/93, de 21 de Junho) e pelo Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, de 2000 (aprovado pelo Decreto
n.º 7/2004, de 17 de Abril).
81
Reguladas pela Convenção de Londres para a Prevenção da Poluição Marinha Causada por Operações de Imersão
de Detritos e Outros Produtos, de 1972 (aprovada pelo Decreto n.º 33/88 de 15 de Setembro), pela Convenção de
Viena sobre Notificação Rápida em caso de Acidente Nuclear, de 1986 (aprovada pela Resolução da Assembleia
da República nº 22/92 de 2 de Abril), pela Convenção de Viena sobre Assistência em Caso de Acidente Nuclear ou
Emergência Radiológica, de 1986 (Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 72/2003, de 12 de
Setembro), e pela Convenção Conjunta de Viena sobre a Segurança da Gestão do Combustível Usado e a Segurança
da Gestão dos Resíduos Radioactivos, de 1997, (aprovada pelo Decreto nº 12/2009 de 21 de Abril).
82
Estima-se que a magnitude tenha sido equivalente a 400 bombas de Hiroshima.
83
160 000 km2 foram oficialmente declarados como tendo sido afectados por esta catástrofe.
84
Reguladas pela Convenção de Ramsar sobre Zonas Húmidas de importância internacional, de 1971 (aprovada
pelo Decreto n.º 101/80, de 9 de Outubro), pela Convenção de Washington sobre o Comércio Internacional de
Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção, de 1973 (aprovada pelo Decreto n.º 50/80, de 23
de Julho) e pela Convenção de Berna sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais na Europa, de 1979 (aprovada
pelo Decreto 95/81, de 23 de Julho).
85
Pesca excessiva, além do que é sustentável em termos de reposição do equilíbrio populacional da espécie.
86
Michel Landis, em “Fate, Responsability and “Natural” Disaster Relief: Narrating the American Welfare State”, (in:

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agora de extinção de espécies da flora e de habitats é a desflorestação, com a consequente


perda de biodiversidade, erosão, secagem dos aquíferos, desertificação, desaparição dos
recifes de coral, etc. Veja-se a impressionante descrição dos efeitos em cadeia da desflo-
restação no arquipélago das Filipinas, no caso Oposa vs. Factoran que em 1993 foi julgado
no Supremo Tribunal, em Manila87.

6. As alterações do regime hidrológico88


O caso da desaparição incontrolável e iminente do mar Aral, entre o Cazaquistão e o
Uzbequistão89 é o modelo, por excelência, de um risco retardado. A catastrófica transforma-
ção do mar Aral num deserto salgado é perfeitamente conhecida desde há décadas e a sua
evolução pode ser apreciada, por comparação das imagens obtidas a partir do espaço, desde
as primeiras missões lunares, com as actuais imagens de satélite, onde é bem perceptível
o pouco que resta dele.
Fenómenos similares ocorrem noutras partes do mundo, sendo alguns dos exemplos
mais significativos a redução da superfície do lago Chad (fazendo fronteira entre a Nigéria,
o Chade e os Camarões) ou a desaparição dos glaciares na Patagónia.
Perante exemplos tão expressivos, questionamo-nos sobre se não haverá casos menos
extremos mas que convoquem igualmente o princípio da precaução. Quão importante deve
ser o risco90 para que se justifique convocar o princípio da precaução?

4.3. A gravidade relevante

Doutrinalmente, são avançados vários critérios de gravidade dos riscos. Nancy J. Myers
e Carolyn Raffensperger91 apontam os seguintes: risco de danos não reversíveis (uma perda
irreparável de biodiversidade ou funções do ecossistema), risco de dano alargado (impactes
que se estendem para lá das fronteiras agrícolas, biológicas ou políticas), risco de danos
cumulativos (acumulação ou exacerbação de riscos ambientais já existentes), risco de danos
involuntários (sem consulta, notificação ou escolha por parte das vítimas); risco de danos
injustamente distribuídos (quem suporta os riscos não é quem beneficia das vantagens); e
risco potenciador (susceptível de provocar danos em cadeia).
Law and Society Review, vol 33, n.º2 1999, p. 263), compara o pedido de ajuda dos pescadores ao governo pelas
dificuldades crescentes da faina em virtude da escassez de peixe, ao criminoso, que mata os pais, e depois pede
clemência ao juiz porque é órfão.
87
Caso celebrizado por Alexandre Kiss em vários dos seus escritos e que se encontra disponível na íntegra em
http://www.lawphil.net.
88
Regulado pela Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar, de 1982 (aprovada pela Resolução da Assembleia
da República n.º 60-B/97, de 14 de Outubro) e pela Convenção de Helsínquia sobre a Protecção e a Utilização dos
Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais, de 1992 (aprovada pelo Decreto n.° 22/94, de 26 de
Julho).
89
Para combater o fenómeno foi criado, em 1993, um Fundo Internacional para Salvar o Mar Aral (The International
Fund for Saving the Aral Sea (IFAS), integrando representantes do Cazaquistão, Tadjiquistão, Turquemenistão e
Quirguistão.
90
A Comissão Europeia, na sua decisão de 2000, identifica e descreve alguns momentos autónomos do processo
de avaliação do risco:
1. Identificação do perigo. O perigo é aqui corporizado nos agentes biológicos, químicos ou físicos potencialmente
responsáveis pelo dano;
2. Caracterização do perigo. Determinação quantitativa e qualitativa da natureza e gravidade dos efeitos de um
produto ou actividade.
3. Avaliação da exposição. Esta avaliação equivale à vulnerabilidade dos receptores. As cartas de riscos de inun-
dação, onde se identificam os valores susceptíveis de serem afectados pelas inundações, são instrumentos de
avaliação da exposição
4. Caracterização do risco (espécie de declaração conclusiva sobre a importância do risco), que resulta da consi-
deração e devida ponderação da probabilidade, com a natureza e a dimensão dos efeitos e com a vulnerabilidade.
91
Precautionary tools for reshaping environmental policy, the MIT press, Cambridge, Massachusetts, p. 39e 40.

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Legalmente, é no regime jurídico da avaliação de impacte ambiental de projectos que


encontramos critérios densificadores do conceito de riscos importantes.
Estes critérios foram consagrados no anexo III da Directiva 85/337, de 27 de Julho92, e
destinam-se a auxiliar o legislador nacional na definição de limiares e condições de sujeição
a avaliação de impacte ambiental, aplicáveis às categorias de projectos constantes da lista
anexa II, mas também como auxiliares da administração, na selecção de outros projectos
(diferentes dos constantes da lei) a sujeitar à avaliação de impactes. Por esta razão os mesmos
critérios foram transcritos para o nosso ordenamento jurídico aquando da transposição da
Directiva pelo Decreto-lei n.º 69/2000, de 3 de Maio (alterado e republicado pelo Decreto-lei
n.º 197/2005 de 8 de Novembro) e incluídos como anexo V93.
Embora os critérios se apliquem originalmente apenas aos riscos antrópicos decorrentes
de projectos (entendidos como “obras de construção ou de outras intervenções no meio
natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração de recursos na-
turais”94), não nos parece excessivo defender a sua aplicação analógica aos riscos naturais
ou semi-naturais.
Vamos, por isso, proceder à análise dos referidos critérios de selecção, tendo em mente
os diferentes tipos de riscos, naturais, antrópicos e mistos. Da leitura do anexo V, em que
estão consagrados, resulta que os critérios legais de gravidade se encontram organizados
em três categorias: critérios que resultam das características dos projectos, critérios ligados
à localização e critérios relativos aos impactes ambientais dos projectos.

4.3.1. Características dos projectos

As características dos projectos são o primeiro elemento a ter em consideração na sub-


missão ou não de um projecto a AIA. Assim, relativamente à caracterização do projecto (ou
do fenómeno natural), tomam-se em consideração a dimensão, a natureza e a localização.
A natureza do projecto ou fenómeno natural ajuda a compreender a intensidade de uti-
lização de recursos naturais, os impactes resultantes da produção de resíduos, poluição e
incómodos, o risco de acidentes, e os efeitos cumulativos relativamente a outros projectos
ou fenómenos naturais.
Ou seja, um projecto grande, que usa muitos recursos naturais, que produz muitos re-
síduos, que gera muita poluição, que utiliza substâncias e tecnologias perigosas, e que se
situa junto a instalações semelhantes, será sempre um projecto muito incómodo, em termos
de impactes ambientais, independentemente da sua localização. Se algum dos impactes
forem incertos, podemos convocar a aplicação do princípio da precaução.
Pelo contrário, em relação a um projecto de pequena dimensão, que usa poucos recur-
sos naturais, que produz poucos resíduos, gera pouca poluição, não utiliza substâncias ou
tecnologias que possam considerar-se perigosas, que está isolado de outras instalações, e,
sobretudo, que não se localiza numa zona sensível, dificilmente justificará a invocação do
princípio da precaução, mesmo que subsistam incertezas.

4.3.2. Localização dos projectos

A localização em zonas ecológica ou humanamente sensíveis é um dos mais importantes


critérios de submissão a avaliação de impacte ambiental e uma das formas mais eficazes de
prevenir a ocorrência de impactes indesejáveis.

92
Alterada pela Directiva 97/11/CE, de 3 de Março, e pela Directiva 2003/35/CE, de 26 de Maio.
93
Que incluímos no final ao presente trabalho como anexo.
94
Artigo 2º o) do Decreto-lei n.º 69/2000.

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Quanto à localização em zonas ecologicamente sensíveis, releva sobretudo a afectação


do solo, a riqueza, a qualidade e a capacidade de regeneração dos recursos naturais e a
capacidade de absorção do ambiente natural. Considerando este critério, são consideradas,
em abstracto, como sensíveis, as seguintes zonas naturais: zonas húmidas, zonas costeiras,
zonas montanhosas e zonas florestais.
São ainda sensíveis as zonas já legalmente reconhecidas como importantes. É o caso
das reservas e parques naturais, das zonas de protecção especial das aves selvagens, dos
sítios da Rede Natura 2000, e de outras zonas classificadas ou protegidas por lei. Dentro
dos sítios da Rede Natura 2000, alguns habitats são considerados como especialmente
carecidos de protecção: são os habitats prioritários, ou seja, aqueles que estão ameaçados
de extinção no território nacional95 e que, para estes efeitos, poderíamos considerar como
zonas naturais ultra-sensíveis96.
Mas não podiam deixar de ser também relevantes as zonas “humanamente sensíveis”,
que são zonas de forte densidade demográfica e as paisagens importantes do ponto de vista
histórico, cultural ou arqueológico.
Por fim, embora à primeira vista possa parecer surpreendente, também se consideram
como sensíveis as “zonas nas quais as normas de qualidade ambiental fixadas pela legis-
lação comunitária já foram ultrapassadas”. Esta solução decorre de uma ideia de não criar
“pontos negros de poluição” que fiquem para lá do ponto de não retorno. Não devem ser
ultrapassados os limiares de poluição tolerável. O objectivo é evitar degradações definitivas,
ou, numa palavra, irrerversibilidades. Por outro lado, outro efeito desejável desta inovadora
norma, que consiste em tratar como zonas especialmente merecedoras de protecção, os locais
fortemente poluídos, é promover a justiça espacial na distribuição dos riscos dos projectos
e das actividades que venham a ser autorizadas. Seria normal pensar que, se já existe uma
zona do território nacional onerada com actividades poluentes e incómodas, ela devesse
ser escolhida para prosseguir novas actividades similares, “poupando”, deste modo, zonas
menos degradadas, e até simplificando a burocracia associada à aprovação e à avaliação
de impacte ambiental do projecto. Mas esta solução, além de não ser boa do ponto de vista
ambiental, não é equitativa na repartição dos encargos e dos riscos ambientais, pelo que
deve ser evitada.
A localização de projectos, sobretudo se forem ambientalmente onerosos nos termos an-
teriormente descritos, em qualquer destas zonas sensíveis justifica, verificadas as restantes
condições, o recurso ao princípio da precaução.
Relativamente a fenómenos naturais, o raciocínio é algo semelhante: as preocupações
precaucionais são maiores nos casos em que os efeitos do fenómeno possam afectar espe-
cialmente zonas sensíveis.

4.3.3. Impactes ambientais dos projectos

A gravidade dos danos potenciais do projecto, actividade, ou fenómeno é maior ou


menor consoante a extensão, a magnitude, a complexidade, a probabilidade, a duração, a
frequência, a reversibilidade ou a natureza transfronteiriça do impacte.

95
Artigo 3º, n.º1 e) da lei que cria a Rede Natura 2000, o Decreto-lei n.º 140/99, de 24 de Abril, alterado e republicado
pelo Decreto-lei n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro.
96
A afectação de um habitat prioritário ou de uma espécie prioritária por uma acção plano ou projecto, só pode
ser autorizada por motivos de protecção da saúde ou da segurança públicas, para obter consequências benéficas
primordiais para o ambiente ou por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, mediante parecer
prévio da Comissão Europeia (artigo 10º, n.º11 da Lei da Rede Natura 2000).

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28 Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente
> Doutrina

Vamos analisar os critérios relativos aos impactes ambientais dos projectos, um por um, a
fim de vermos em que medida podem eles convocar a aplicação do princípio da precaução.

4.3.3.1. Extensão
A extensão, como decorre da própria lei, resulta da dimensão da área geográfica e da po-
pulação afectada. A dimensão quantitativa dos impactes tem expressão objectiva no regime
europeu de prevenção de acidentes industriais graves, onde encontramos elementos que nos
auxiliam na densificação da gravidade relevante. Regulado pelo Decreto-Lei n.º 254/2007 de
12 de Julho97, que transpõe o regime europeu de prevenção de acidentes industriais graves,
considera que um acidente grave envolvendo substâncias perigosas é “um acontecimen-
to, designadamente uma emissão, um incêndio ou uma explosão de graves proporções,
resultante do desenvolvimento não controlado de processos durante o funcionamento de
um estabelecimento abrangido pelo presente decreto-lei, que provoque um perigo grave,
imediato ou retardado, para a saúde humana, no interior ou no exterior do estabelecimento,
ou para o ambiente, que envolva uma ou mais substâncias perigosas” (artigo 2º, a))98.
Mais concretamente, será grave, dando origem ao dever de notificação da Comissão
Europeia, qualquer ocorrência que possa ter algum dos efeitos danosos descritos no anexo
VII intitulado “critérios para o enquadramento de acidente grave envolvendo substâncias
perigosas”. Os prejuízos relevantes são pessoais, materiais, ambientais e transfronteiriços.
Atendendo aos danos pessoais, um acidente será grave sempre que provoque: um mor-
to; seis feridos no interior do estabelecimento e hospitalizados, pelo menos, durante vinte
e quatro horas; hospitalização, durante, pelo menos, vinte e quatro horas, de uma pessoa
situada no exterior do estabelecimento; alojamentos localizados no exterior do estabeleci-
mento danificados e inutilizáveis devido ao acidente; evacuação ou confinamento de pessoas
durante mais de duas horas (multiplicando o n.º de pessoas pelo n.º de horas o valor deverá
ser, pelo menos, igual a 500); interrupção dos serviços de água potável, electricidade, gás
ou telefone durante mais de duas horas multiplicando o n.º de pessoas pelo n.º de horas o
valor deverá ser, pelo menos, igual a 1000).
No que respeita aos danos materiais, consideram-se relevantes danos no estabeleci-
mento, a partir de dois milhões de euros ou no exterior do estabelecimento a partir de meio
milhão de euros.
Quanto aos danos ambientais, são graves os danos permanentes ou a longo prazo cau-
sados a 0,5 ha ou mais de um habitat terrestre importante do ponto de vista do ambiente
ou de conservação da natureza, protegido por lei; 10 ha ou mais de um habitat terrestre
mais amplo, incluindo terrenos agrícolas; danos significativos ou a longo prazo causados a
habitats marinhos ou de água de superfície atingindo os seguintes valores: 10 km ou mais
de um rio, canal ou ribeiro; 1 ha ou mais de um lago ou lagoa; 2 ha ou mais de um delta; 2
ha ou mais de uma zona costeira ou do mar; danos significativos causados a 1 ha ou mais
de um aquífero ou a águas subterrâneas.
Por fim, são graves todos os danos transfronteiriços seja qual for a sua natureza ou dimensão.
Para evitar manipulações dolosas ou subterfúgios fraudulentos de limiares, definidos com
tamanho rigor matemático, a lei construiu o conceito de “quase acidentes”, que são ocorrências
envolvendo as substâncias perigosas previstas no diploma que, embora não correspondam
aos critérios quantitativos referidos, desencadeiam os mesmos efeitos dos acidentes,
nomeadamente o dever de notificação à Comissão Europeia e a revisão dos relatórios de
segurança (anexo VII, ponto II).

97
Que transpõe a Directiva 96/82, de 9 de Dezembro de 1996, alterada pelo Regulamento 1882/2003, de 29 de
Setembro, e pela Directiva 2003/105 de 16 de Dezembro.
98
Equivale ao artigo 3º n.º5, da Directiva europeia.

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> Doutrina

4.3.3.2. Magnitude
A magnitude, está relacionada com a intensidade do impacte (proveniente da instalação,
da actividade ou do fenómeno natural) e, logicamente, com a profundidade da afectação dos
valores protegidos. Não existem escalas científicas para medição da intensidade de todos
os impactes mas, por exemplo, a magnitude dos impactes sonoros mede-se em decibéis, a
magnitude da poluição atmosférica mede-se em nanogramas ou ppm (partes por milhão),
a poluição por radioactividade mede-se em becquerels, etc. No caso de riscos associados a
fenómenos naturais, existem escalas internacionalmente aceites (de Richter e Mercali para
sismos, Fugita para tornados, Saffir-Simpson para furacões, etc.).

4.3.3.3. Complexidade
A complexidade do impacte depende, antes de mais, da existência de interacções prejudi-
ciais, ou sinergias negativas, entre vários riscos. São situações em que um risco desencadeia
outro, de natureza igual ou diferente, originando aquilo, a que habitualmente se chama “efeito
dominó”. O artigo 2º, d) do Decreto-lei n.º254/2007, de 12 de Julho, define “efeito dominó”
uma situação em que a localização e a proximidade de estabelecimentos abrangidos pelo
presente decreto-lei são tais que podem aumentar a probabilidade e a possibilidade de aci-
dentes graves envolvendo substâncias perigosas ou agravar as consequências de acidentes
graves envolvendo substâncias perigosas ocorridos num desses estabelecimentos.
Em sentido mais amplo, a complexidade do impacte pode resultar também da ampliação
dos riscos pela localização da fonte numa zona sensível, na acepção exposta supra, ou muito
perto dela. Em casos destes, quando os efeitos típicos de um projecto, actividade, ou fenómeno
afectam especialmente uma zona sensível, podemos afirmar que os impactes são agravados pela
proximidade dos factores vulneráveis (humanos ou naturais) presentes nas zonas sensíveis.
É o que acontece se uma unidade industrial, onde se produzem ou armazenam substâncias
químicas perigosas, estiver localizada em zona classificada para conservação da natureza,
tal como uma zona húmida de importância internacional, onde se encontram espécies raras
de aves selvagens migratórias, ou em zona urbana densamente povoada, onde residem
milhares de pessoas.

4.3.3.4. Probabilidade
A probabilidade dos impactes pode ser avaliada quantitativa ou qualitativamente. A pri-
meira exprime-se em números99, através de percentagens; a segunda através de critérios de
razoabilidade, em função da capacidade de antevisão do “homem médio” ou do “bom pai de
família”. A quantificação das probabilidades tem a vantagem de legitimar mais fortemente
os órgãos decisores que devem tomar decisões juridicamente vinculativas em situações
de incerteza, desresponsabilizando o decisor e delegando nos cientistas e nos peritos a
responsabilidade principal do estabelecimento de nexos de causalidade.
Porém, as probabilidades não quantificadas, que se exprimem através da ideia de ve-
rosimilhança, entendida como probabilidade não quantificada de que, no futuro, possam
vir a ocorrer danos100, corresponde melhor a critérios jurídicos, pelo que são preferíveis101.
99
A propósito da quantificação das probabilidades, Timothy O’Riordan e James Cameron dizem que “os números
dão uma aura de certeza” (Interpreting the Precautionary Principle, Earthscan, 1994, p. 62).
100
Por outras palavras, Stephen Dovers (“Precautionary policy assessment for sustainability”, in: Implementing the
Precautionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p.100) diz que a precaução
apela mais aos ónus legais do que aos científicos. Os ónus da prova científicos (95% ou 98% de certeza) são dife-
rentes dos ónus da prova legais (ponderação de probabilidades para lá de quaisquer dúvidas razoáveis).
101
A propósito da relutância judicial em atender a probabilidades matemáticas (sobretudo em processo penal)
Judith S. Jones explica que uma coisa é a probabilidade dos factos e outra diferente é a provabilidade dos factos
(“Certainty as Illusion: The Nature and Purpose of Uncertainty in the Law”, in: Uncertainty and Risk. Multidisciplinary
Perspectives, Earthascan, London, 2008, p. 279).

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Assim, verosímil será um fenómeno que não seja absurdo ou irrazoável, à luz da ciência
actual, mesmo que as probabilidades (quantificadas) sejam baixas.
Seguindo as palavras do juiz Boštjan M. Zupančič, do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, “(…) a mentalidade «civilizada», mais séria [é a] que encara a causalidade num
quadro probabilístico”102. Na falta de certezas absolutas, o Direito tem que bastar-se com
certezas probabilísticas, as quais não deixam de ser também certezas científicas.
A Directiva relativa à avaliação e gestão dos riscos de inundações103 é o exemplo para-
digmático desta abordagem, mais probabilística do que determinística, na prevenção dos
riscos. Apenas dois exemplos servem para demonstrar o probabilismo subjacente a toda a
construção da Directiva Inundações:
- na avaliação preliminar do risco de inundação, os Estados devem elaborar “uma descri-
ção das inundações ocorridas no passado que tenham tido impactos negativos importantes
na saúde humana, no ambiente, no património cultural e nas actividades económicas, nos
casos em que continue a existir uma probabilidade significativa de inundações semelhantes
voltarem a ocorrer no futuro (…)”104
- nas cartas de zonas inundáveis que devem cobrir “as zonas geográficas susceptíveis
de ser inundadas, de acordo com os seguintes cenários: a) fraca probabilidade de cheias ou
cenários de fenómenos extremos; b) probabilidade média de cheias (periodicidade provável
igual ou superior a 100 anos); c) probabilidade elevada de cheias, quando aplicável”105.

4.3.3.5. Duração
A importância da duração resulta de haver impactes temporários e impactes permanen-
tes. Lógico seria que o dano durasse enquanto dura a fonte do impacte. Assim, os impactes
temporários, gerariam danos temporários, e os impactes permanentes deveriam gerar danos
permanentes. Mas nem sempre é assim.Na realidade, um impacte temporário, de grande
intensidade e extensão, pode gerar danos permanentes. Por exemplo, a extinção de uma
espécie endémica após uma mega-explosão, não seguida de incêndio nem de emissão de
radiação, mas suficiente para matar todos os indivíduos da espécie, numa área considerável.
Pelo contrário, os impactes permanentes podem gerar danos apenas temporários. Pensemos,
por exemplo, no impacte visual de uma construção sobre uma determinada espécie de aves.
Num primeiro tempo, a presença da construção afecta a espécie (efeito de “espantalho”),
alterando e reduzindo a sua área de dispersão natural. Mas, após o período inicial de habi-
tuação e adaptação, as espécies retornam e retomam o padrão de dispersão anterior, como
se o obstáculo não existisse, ou até utilizando-o como espaço complementar de habitat. Este
fenómeno verifica-se com as cegonhas nos postes de electricidade.

4.3.3.6. Frequência
A frequência permite-nos responder à questão: quão amiúde pode ocorrer um determinado
tipo de impacte num certo período de tempo? A frequência revela a repetição do impacte
ao longo do tempo. Se, por um lado, a frequência é um critério de gravidade (quanto mais
frequente, mais grave), por outro lado, ela permite aprender com a experiência, dissipando
dúvidas e incertezas científicas.
Deste modo, a ocorrência, muito pouco frequente, de um determinado impacte, é um
indicador de que podemos ter necessidade de recorrer ao princípio da precaução. Pelo contrário,

102
Caso Baia Mare, proferido em 27 de Janeiro de 2009, no processo Tatar contra Roménia, a propósito da recusa
do Tribunal quanto ao reconhecimento do nexo de causalidade entre o acidente ocorrido nas minas Aurul e os
problemas de saúde sentidos pelos Srs. Vasile Gheorghe Tatar e Paul Tatar.
103
Directiva 2007/60/CE, de 23 de Outubro de 2007.
104
Artigo 4º, n.º2. sublinhado nosso.
105
Artigo 6º, n.º 3. Sublinhado nosso.

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> Doutrina

um impacte com frequência elevada que já tenha ocorrido algumas vezes, torna-se altamente
previsível nos seus contornos, pelo que o recurso ao princípio da precaução se considera
desnecessário e ilegítimo.

4.3.3.7. Reversibilidade
A reversibilidade pode ser natural ou humana. Na realidade, alguns sistemas revelam uma
capacidade de auto-regeneração espontânea e, após a cessação do impacte, os equilíbrios
fisíco-químicos, biológicos e ecossistemáticos, fazem com que muitos sistemas ambientais,
mesmo gravemente danificados, recuperem o equilíbrio natural inicial. Claro que, à escala
humana, esse tempo pode ser longuíssimo, de milhares ou milhões de anos. Trata-se, neste
caso, como já vimos, de uma irreversibilidade prática106.
Todavia, na maior parte dos casos, a reversibilidade será humanamente induzida. É a
limpeza das costas após uma maré negra, é a reflorestação, é a reintrodução de espécies
da fauna, é a descontaminação dos solos, é a realimentação das praias com areia dragada
dos rios, etc.107. É assim que a duração dos impactes depende também de se dar início, ou
não, a processos de restauração natural. Mas claro que há casos em que a requalificação
ambiental, por processo de restauração natural, não é física ou biologicamente possível, e
há outros em que não é economicamente exigível.

4.3.3.8. Natureza transfronteiriça


Por fim, a natureza transfronteiriça é a última característica do impacte, que resulta
pura e simplesmente do reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas actividades
desenvolvidas no seu território. Independentemente da extensão, da magnitude, da com-
plexidade, da probabilidade, da duração, da frequência ou da reversibilidade do impacte, o
risco de afectar valores situados no território de outro Estado é um elemento de reforço da
justificação do recurso ao princípio da precaução.

4.3.3.9. Exemplo prático de aplicação dos critérios ao risco de inundação


Ensaiando a aplicação dos critérios que acabámos de expor, a riscos de inundação
pela cheia de um rio, verificamos que eles podem ser analisados em função da sua exten-
são (área geográfica e populações afectadas), magnitude (rapidez da subida e altura das
águas), complexidade (uma cheia que inunda uma fábrica de produtos tóxicos e venenosos
hidrossolúveis), probabilidade (plausibilidade da ocorrência), duração (tempo que as águas
levam a recuar), frequência (mensal, anual, centenária), reversibilidade (se puder haver uma
restauração in natura dos danos) ou natureza transfronteiriça (se pode afectar terrenos e
populações dum país vizinho), ou localização (se afecta zonas sensíveis).

4.4. Segundo pressuposto: incerteza científica

O segundo dos pressupostos de recurso ao princípio da precaução é existência de uma


incerteza científica, por isso, uma abordagem precaucional implica sempre conjecturas e
“construção de cenários”108.
106
O caso da Fundição de Trail, julgado em 1937, num Tribunal Ad Hoc, marcou o início do reconhecimento desta
responsabilidade dos Estados.
107
Cunhal Sendim analisa com pormenor as dificuldades subjacentes à restauração natural (Responsabilidade Civil
por danos ecológicos. Da reparação do dano através de restauração natural, Coimbra Editora, 1998, especialmente
p. 153 e ss.).
108
Joren van der Sluijs e Wim Turkenburg (“Climate Change and the precautionary principle”, in: Implementing the
Precautionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 277). A propósito da difi-
culdade de antecipar mudanças climáticas a partir da aplicação de modelos, os autores afirmam que “o passado
deixou de ser uma chave fiável para o futuro” (idem, p. 262).

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Ironicamente podemos afirmar, com Gilles Martin, que a aplicação do princípio da pre-
caução pressupõe a “prova da existência… de uma incerteza”109.
E a incerteza pode dizer respeito a três tipos de situações:
a) Aquelas em que há danos reais e confirmados, mas se desconhece a causa (dúvidas
quanto ao o quê);
b) Outras, em que há uma causa hipotética para os danos reais, mas não é claro o nexo
entre ambos (dúvidas quanto ao porquê);
c) e outras em que nem sequer há ainda um dano confirmado, havendo apenas suspeitas
(dúvidas quanto ao se). Sobretudo neste último caso, a invocação do princípio da precaução
só se justifica quando, apesar de não haver quaisquer danos comprovados (associados a um
determinado produto, substância ou tecnologia), houver, mesmo assim, uma probabilidade
mínima. A Comissão Europeia fala em “motivos razoáveis” mas nós preferimos falar numa
verosimilhança. Verosimilhança poderia ser também a tradução, para português, da expressão
inglesa “likelihood” que é “algo menos do que a probabilidade e mais do que uma remota
possibilidade”110. Na ausência de danos, a verosimilhança é o limite mínimo da relevância
da incerteza científica. A razão é simples: estando em causa riscos graves e irreversíveis,
todas as hipóteses devem ser admitidas. No âmbito do raciocínio científico, estamos a falar
do uso de simulações conceptuais111, quando é impossível desenvolver uma experiência
científica para comprovar uma determinada teoria (também denominado raciocínio “what
if”112 ou, numa tradução livre, raciocínio “e se”?).
Rosie Cooney distingue dois tipos de incerteza: a epistemológica, que resulta da inexistên-
cia, inadequação ou incompletude dos dados, e a ontológica, que deriva da natureza intrinse-
camente complexa dos sistemas estudados, da sua escala, carácter aleatório e dinâmico, etc.113.
Mesmo a incerteza científica de tipo epistemológico, tanto se pode dever à total falta de
provas científicas, como à existência de provas contraditórias.
Nas palavras de Steve Longford, “só há uma coisa pior do que não ter informação sufi-
ciente, e que é ter demasiada informação”114.
Na União Europeia, a controvérsia científica é intensificada quando, em virtude dos
princípios da imparcialidade e do contraditório, é o próprio Conselho Europeu que promove
o dever de dar especial destaque às opiniões minoritárias115.
Isto significa que, sob o impulso do princípio da precaução devemos prestar mais atenção
aos “lançadores de alerta”, figura muito debatida no Direito Francês, considerados por uns
como os “profetas da desgraça”, ou tecno-cépticos116 que receiam sempre o “pior cenário
109
“Se não quisermos que o princípio da precaução seja invocado por tudo e por nada, em todas as petições – como
acontece infelizmente na imprensa e nos discursos políticos – deve exigir-se aos requerentes que tragam perante o
juiz os elementos de prova da existência… de uma incerteza” (Gilles J. Martin, “Principe de Précaution, Prévention
des Risques et Responsabilité”, in: Actualité Juridique Droit Administratif, n.º40, 28 Novembre 2005, p. 2223).
110
Judith Jones and Simon Bronitt, “The Burden and Standard of Proof in Environmental Regulation: the Precautionary
Principle in an Australian Administrative Context”, in: Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and
Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p. 153.
111
Susan Bell Trickett, e J. Gregory Trafton, “What if...”: The Use of Conceptual Simulations in Scientific Reasoning”,
in: Cognitive Science Vol. 31, n.º5, September-October 2007, p. 843-875.
112
Frederick Warter, “What if? Versus if it ain’t broke, don’t fix it”, in: Timothy O’Riordan e James Cameron, (ed.)
Interpreting the Precautionary Principle, Earthscan, 1994, p. 102.
113
“A Long and Winding road? Precaution from Principle to Practice in Biodiversity Conservation”, in: Implementing
the Precautionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 229.
114
“Uncertainty in Decision-making: inteligence as solution”, in: Uncertainty and Risk. Multidisciplinary Perspectives,
Earthascan, London, 2008, p. 219.
115
Orientação que resulta do ponto 10 da Resolução do Conselho Europeu de Nice, em 9 de Dezembro de 2000.
116
Indivíduos que, nas palavras de Silvio Funtowicz, padecem do “sindroma Challenger-Chernobyl” (Silvio O.
Funtowicz e Jerome R. Ravetz, “Three types of Risk Assessment and the Emergence of Post-Normal Science”, in:
Social Theories of Risk, Sheldon Krimsky e Dominic Golding (Ed) Praeger, London, 1992, p. 267 e também“Scienza
e decisioni di polity”, in: Notizi di Politeia, anno XIX, n.º70, 2003, p.29 a 30).

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possível”117 mas a cujas opiniões, desde que minimamente verosímeis e motivadas por
razões altruístas (e não de concorrência comercial, de visibilidade mediática, de vingança,
ou outras) não podemos simplesmente fechar os olhos.
Ora, se a incerteza científica tanto pode residir na causa, como no efeito, como no nexo,
interessa agora saber por que é que, num tempo em que a ciência impera, ainda subsistem
tantas incertezas científicas. E as razões podem ser várias:
- primeiro, podemos estar perante substâncias ou tecnologias muito recentes e inovadoras,
cujos impactes ambientais ainda são pouco conhecidos (por exemplo, as nanotecnologias
ou os organismos geneticamente modificados) mas que podem afectar as próximas gerações
(maxime, através de efeitos mutagénicos).
- depois, pode também acontecer que os impactes tenham sido estudados apenas em
contexto laboratorial, e não em contexto ambiental real; apenas numa escala temporal de
anos ou décadas quando devia ter sido de séculos ou milénios; e apenas numa escala es-
pacial restrita e não numa escala alargada a todo o “mercado planetário” (por exemplo, a
infinidade de substâncias químicas utilizadas comercialmente como aditivos alimentares
ou noutras funções, cuja descoberta, produção e comercialização é recente118 e cujos testes
prévios foram relativamente limitados).
- por fim, pode ainda acontecer que os efeitos ambientais de uma tecnologia tradicional
não fossem evidentes e só recentemente começassem a ser notados em virtude do tempo
decorrido desde a sua primeira aplicação ou da explosão geográfica e da intensidade da
utilização (caso das alterações climáticas por GEE, da destruição da camada de ozono pelos
CFC, ou das radiações electromagnéticas provenientes de antenas retransmissoras de telemó-
vel ou de linhas eléctricas de alta tensão). Estes são exemplos de tecnologias “tradicionais”
e que até à data não tinham dado razões para recear impactes ambientais ou humanos119.
Andy Stirling, Ortwin Renn e Patrick van Zwanenberg120, apresentam uma ilustração
esquemática que mostra quatro graus de dúvida que designam sucessivamente por risco,
incerteza, ambiguidade e ignorância:

117
Segundo Cass R. Sunstein, muitas pessoas são pagas para pensar nos piores cenários. O grupo de especialistas
em piores cenários é grande: inclui médicos, juristas, líderes militares, secretários de estado da defesa, ambien-
talistas e todas as pessoas que trabalham em companhias de seguros. (Worst Case Scenarios, Harvard University
Press, Cambridge, 2007, p. 275).
118
Estamos a pensar na proliferação de aditivos alimentares (como antioxidantes reguladores de acidez, anti-aglo-
merantes, aromatizantes, agentes de volume, corantes, emulsionantes, intensificadores de sabor, humidificantes,
conservantes, espessantes, gelificantes, edulcorantes, endurecedores; levedantes; agentes de brilho) mas, sobre-
tudo, nos aditivos não alimentares que, por não se destinarem a ser ingeridos, beneficiam de um regime menos
rígido (como estabilizantes, plastificantes, lubrificantes, agentes antiestáticos, retardantes de chama, pigmentos
e corantes, agentes de expansão, agentes anti-embaciamento, espumantes, anti espumantes, etc.).
119
Uma boa ilustração da persistência da incerteza científica e da conflituosidade que se gera em torno dela é o
processo T-334/07, decidido pelo Tribunal de Primeira Instância em 19 de Novembro de 2009. Neste recurso de
anulação, a empresa Denka International de produtos fitofarmacêuticos pretende que seja declarada a invalidade
de uma decisão da Comissão que não autoriza a utilização comercial de uma substância biocida (diclorvos) eficaz
na protecção dos bolbos das flores, em estufas. A decisão contestada baseou-se na não demonstração, pelos re-
querentes, de que os riscos de efeitos genotóxicos e cancerinogénicos da substância fossem aceitáveis. A incerteza
quanto aos efeitos da substância activa na saúde humana e no ambiente resulta do tipo de riscos, cuja verificação
exige monitorização dos efeitos (maxime, os efeitos mutagénicos) da exposição, ao longo de várias gerações; do
resultado dos testes (os ratos desenvolveram cancro precisamente numa zona do estômago que não tem equivalente
no Homem) e, em geral, da qualidade medíocre dos dados científicos apresentados pelo requerente.
120
“A Framework for the precautionary governance of food safety: integrating science and participation in the
social appraisal of risk”, in: Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar,
Cheltenham, 2008 p. 288.

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O risco, (no canto superior esquerdo) corresponde à situação em que existe, cientifica-
mente, a capacidade de caracterizar as diferentes possibilidades e determinar com confiança
a sua probabilidade relativa.
O estado de incerteza (no canto inferior esquerdo), é uma condição em que os resultados
possíveis são claros (os graus de danos ou de benefício) mas as probabilidades são difíceis
de quantificar.
A ambiguidade (canto superior direito) surge quando o problema não são as probabi-
lidades mas a identificação dos próprios cenários que resultam do produto ou actividade
potencialmente danosa.
Finalmente, a ignorância (canto inferior direito) ocorre quando nem as probabilidades
nem os resultados podem ser caracterizados plenamente ou com segurança. Neste último
caso, segundo os autores, “nem sabemos o que não sabemos”121.
Para Silvio Funtowicz a incerteza pode ser ”temporária”, se for teoricamente eliminável,
desde que haja tempo e recursos, ou “irredutível”122, na medida em que esteja ínsita na
natureza da própria metodologia científica123.
Perante tanta incerteza, a conclusão à qual se chega é que as ciências “duras” estão
cada vez mais “moles” (na medida em que não conseguem prever os efeitos das novas
tecnologias e se limitam a apresentar hipóteses e probabilidades) e apesar disso – ou por
causa disso – , pede-se às ciências “moles” (como as ciências sociais e o Direito, que tomem
decisões “duras”)124. Quando, sem uma base científica sólida, se exigem ao Direito decisões
juridicamente vinculativas em condições de grande incerteza, ou seja, decisões de sim ou não
sobre actividades, produtos, substâncias ou técnicas, os juristas devem agir com prudência
e um especial bom-senso na aplicação das medidas evitatórias.
Assim, os juristas vão desenvolvendo formas de controlar o futuro, como o recurso cada
vez mais frequente a dados estatísticos, com a imposição de planeamento plurianual obri-
gatório num número crescente de sectores125, ou com a avaliação ambiental das grandes

121
Ibidem, p. 289.
122
“Scienza e decisioni di polity”, in: Notizi di Politeia, anno XIX, n.º70, 2003, p.34.
123
Usando uma sugestiva metáfora, este autor procura caracterizar a ignorância: “é impossível definirmos a igno-
rância mas o mar ilimitado da ignorância banha costas das quais é possível traçar um mapa”. “Scienza e decisioni
di polity”, in: Notizi di Politeia, anno XIX, n.º70, 2003, p.25.
124
Por exemplo, a decisão de encerrar uma instalação industrial ou de retirar um produto do mercado, quando ainda
não há provas irrefutáveis da sua nocividade. A ideia das ciências “moles” a proferir decisões “duras” é também
de Silvio Funtowicz, na mesma obra, (p. 24).
125
Os planos são precisamente documentos de prospectiva que pretendem antever e apreender antecipadamente
as questões que se vão colocar no futuro. Integrando ambiente e saúde, o Plano Nacional Ambiente e Saúde é um
óptimo exemplo de um documento estratégico que reflecte uma abordagem precaucional relativamente aos danos
na saúde, causados pela degradação do ambiente ou pela proximidade ou contacto com elementos ambientais

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decisões estratégicas de desenvolvimento126. Sabendo que o risco zero127 é “uma ficção”128 e


que não se pode exigir a prova da inocuidade total das actividades e produtos autorizados,
estas são algumas das armas dos juristas para combater a incerteza.
Mas a melhor forma de garantir a prudência e o bom-senso, perante a necessidade
inadiável de tomar decisões concretas, é o respeito do princípio da proporcionalidade129.
Nesse caso, como veremos no capítulo 5.3.3., a defesa dos juristas passa por tomar de-
cisões de gravidade proporcional ao risco e à inaceitabilidade social do risco, decisões que
devem ser sempre provisórias, revisíveis e revistas periodicamente, através de procedimentos
flexíveis, participados e iterativos.

perigosos (químicos, radioactivos, etc.) ou até epidemias sem agente patogénico, como acontece com as mortes
por ondas de calor. Outros exemplos são os vários planos de gestão de resíduos (o plano nacional de gestão de
resíduos, os planos específicos de gestão de resíduos e os planos multimunicipais, intermunicipais e municipais
de acção previstos actualmente nos artigos 13º a 18º da Lei dos Resíduos, O Decreto-lei n.º 178/2006 de 5 de
Setembro) planos hidrográficos, (o plano nacional da água, os planos de ordenamento de albufeiras de águas
públicas, os planos de ordenamento da orla costeira, os planos de ordenamento dos estuários, os planos de
gestão de bacia hidrográfica, os planos específicos de gestão de águas [abrangendo uma sub-bacia ou uma área
geográfica específica, ou então abrangendo um problema, tipo de água, aspecto específico ou sector de actividade
económica com interacção significativa com as águas]), os planos do turismo (por exemplo, o Plano Estratégico
Nacional de Turismo, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2007 de 4 de Abril), os planos do
ordenamento do território (como o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, aprovado pela Lei
n.º 58/2007, de 4 de Setembro).
Segundo Jean-Marie Pontier os planos de riscos servem para sensibilizar a população, para regulamentar a ocu-
pação do território, para instituir obrigações de fazer ou não fazer. («Le droit de la prévention des risques, droit en
devenir des sociétés développées, d’aujourd’hui et de demain», in Les plans de prévention des risques, Université
Paul Cézanne- Aix Marseille III, 2007, p. 70).
126
O Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho, faz depender a aprovação de planos e programas “cuja elaboração,
alteração ou revisão por autoridades nacionais, regionais ou locais ou outras entidades que exerçam poderes
públicos, ou aprovação em procedimento legislativo, resulte de exigência legal, regulamentar ou administrativa”,
de uma avaliação ambiental estratégica.
127
O risco zero é uma situação ideal e utópica que, na lei sobre a segurança geral dos produtos (Decreto-Lei n.o
69/2005 de 17 de Março) parece, à primeira vista, ter sido adoptada. Com efeito, sendo o objectivo daquela lei,
garantir a segurança dos produtos e serviços colocados no mercado, e preocupando-se a lei em esclarecer o que é
um “produto seguro”, parecia realmente transmitir a ideia de ser possível eliminar completamente os riscos ineren-
tes aos produtos colocados no mercado. Um “produto seguro” é “qualquer bem que, em condições de utilização
normais ou razoavelmente previsíveis, incluindo a duração, se aplicável a instalação ou entrada em serviço e a
necessidade de conservação, não apresente quaisquer riscos ou apresente apenas riscos reduzidos compatíveis
com a sua utilização e considerados conciliáveis com um elevado nível de protecção da saúde e segurança dos
consumidores (…)” (artigo 3º b)).
Porém, uma análise mais cuidada revela que se trata apenas de um abuso de linguagem, pois se a primeira situa-
ção contemplada é perfeitamente utópica (um produto seguro é aquele que não apresenta “quaisquer riscos“) já
a segunda é mais razoável e compatível com o princípio da precaução: um produto seguro é aquele que apresenta
“riscos reduzidos”. Foi mesmo o princípio da precaução que motivou, em 2001, a alteração da Directiva 92/59,
de 29 de Junho, pela Directiva 2001/95, de 3 de Dezembro. Esta Directiva devia ter sido transposta até Janeiro de
2004 mas em Portugal foi transposta apenas em Março de 2005. Curiosamente, esta lei considera, e bem, a vulne-
rabilidade social como factor agravante do risco. Assim, na determinação da segurança do produto atender-se-á
às “características do produto, designadamente a sua composição”, à “apresentação, a embalagem, a rotulagem
e as instruções de montagem, de utilização, de conservação e de eliminação, bem como eventuais advertências
ou outra indicação de informação relativa ao produto”, aos “efeitos sobre outros produtos quando seja previsível
a sua utilização conjunta e às “categorias de consumidores que se encontrarem em condições de maior risco ao
utilizar o produto, especialmente crianças e os idosos” (artigo 3º b), I, II, III, e IV).
128
Jean-Marc Favret, «Le principe de précaution ou la prise en compte par le droit de l’incertitude scientifique et du
risque virtuel», in: Dalloz, 6 Décembre, 2001, p. p. 3463.
129
A propósito da importância do princípio da proporcionalidade na aplicação do princípio da precaução, Sadeleer
usa a imagem de que “de nada serve matar moscas com um martelo pneumático” (Nicolas de Sadeleer, “Les Avatars
du Principe de Précaution en Droit Public. Effet de Mode au Révolution Silencieuse?» in: Revue Française de Droit
Administratif, 2001, Mai-Juin, p.559).

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> Doutrina

5. O processo de aplicação do princípio da precaução

Depois de determinada a necessidade de recorrer ao princípio da precaução, na sua apli-


cação ao caso concreto, há questões de governância dos riscos que devem ser resolvidas130.
Na Europa, a governância estrutura-se em torno de um conjunto de princípios131, a saber:
transparência132, abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência.
Para melhor compreender como a governância se relaciona com o princípio da precaução,
e em que medida é que os princípios da governância influenciam o processo de aplicação
do princípio da precaução, vamos considerar três momentos de ponderação relevantes, no
processo de aplicação do princípio da precaução:
1. a ponderação de vantagens e inconvenientes da acção pretendida;
2. a avaliação da aceitabilidade social dos riscos;
3. a escolha das medidas precaucionais, adequadas e proporcionais
Em cada um dos momentos, os princípios da governância influenciam de forma determi-
nante, objectivando a avaliação e racionalizando as escolhas.
O princípio da eficácia133, releva sobretudo na ponderação das vantagens e inconvenientes
e na escolha das medidas precaucionais.
Os princípios da participação134 e da abertura135 são especialmente importantes na per-
cepção da aceitabilidade social dos riscos.
O princípio da coerência136, é crucial na escolha das medidas precaucionais.
Em todos os momentos, o princípio da transparência impõe-se como uma exigência muito
especial na regulação de decisões polémicas como são forçosamente as que convocam o
princípio da precaução.

130
“A par das questões de avaliação, gestão e comunicação de riscos, a governância dos riscos estende-se a ques-
tões de configuração institucional, processo legislativo, estilo de consultas, cultura organizacional, acreditação
de peritos, escolha de metodologias, accountability política, negociação com stakeholders [grupos de interesses]
resolução de conflitos e exercício de poder”. (Andy Stirling, Ortwin Renn e Patrick van Zwanenberg, “A Framework
for the precautionary governance of food safety: integrating science and participation in the social appraisal of risk”,
in: Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008 p. 286).
131
Presentes no Livro Branco da Governança Europeia, COM(2001) 428 final, Bruxelas, 25 de Julho de 2001, p. 11.
Sobre a opção linguística entre “governança” e “governância”, ver o nosso artigo sobre «A Governância na Consti-
tuição Europeia. Uma oportunidade perdida?», in: A Constituição Europeia. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor
Lucas Pires, FDUC, Coimbra, 2005.
132
Apesar de o princípio da transparência não ter consagração autónoma, ele está inegavelmente presente ao longo
de todo o Livro Branco, sendo a ideia de transparência mencionada cinco vezes, a vários propósitos, a começar
pela apresentação do princípio da abertura.
133
“As políticas deverão ser eficazes e oportunas, dando resposta às necessidades com base em objectivos claros,
na avaliação do seu impacto futuro e, quando possível, na experiência anterior. A eficácia implica também que as
políticas da União Europeia sejam aplicadas de forma proporcionada aos objectivos prosseguidos e que as decisões
sejam adoptadas ao nível mais adequado” (Livro Branco… p.11).
134
“A qualidade, pertinência e eficácia das políticas da União Europeia dependem de uma ampla participação
através de toda a cadeia política – desde a concepção até à execução. O reforço da participação criará seguramen-
te uma maior confiança no resultado final e nas instituições que produzem as políticas. A participação depende
principalmente da utilização, por parte das administrações centrais, de uma abordagem aberta e abrangente, no
quadro do desenvolvimento e aplicação das políticas da União Europeia” (loc. cit.).
135
“As instituições deverão trabalhar de uma forma mais transparente. Em conjunto com os Estados-Membros, de-
verão seguir uma estratégia de comunicação activa sobre as tarefas da União e as suas decisões. Deverão utilizar
uma linguagem acessível ao grande público e facilmente compreensível. Este aspecto reveste particular importância
para melhorar a confiança em instituições complexas“ (loc. cit.).
136
“As políticas e as medidas deverão ser coerentes e perfeitamente compreensíveis. A necessidade de coerência na
União é cada vez maior: o leque das tarefas aumentou; o alargamento virá aumentar a diversidade; desafios como
a mudança climática e a evolução demográfica extravasam as fronteiras das políticas sectoriais, em que a União
se tem vindo a basear; as autoridades regionais e locais estão cada vez mais envolvidas nas políticas da União
Europeia. A coerência implica uma liderança política e uma forte responsabilidade por parte das instituições, para
garantir uma abordagem comum e coerente no âmbito de um sistema complexo” (loc. cit.).

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5.1. Primeiro momento: ponderação de vantagens e inconvenientes

Muitos discursos empolgados, a favor ou contra o princípio da precaução, baseiam-se no


preconceito de que a decisão que se tomar será a favor de um produto ou uma tecnologia boa,
e contra um produto ou uma tecnologia má, ou vice-versa… Mas as decisões que convocam
o princípio da precaução são mais complexas e menos maniqueístas do que a forma como
os detractores do princípio as apresentam.
Felizmente para o mundo (mas infelizmente para quem tem o dever de decidir), quase
sempre o produto, a tecnologia ou a actividade, que envolvem riscos importantes, também
comportam enormes vantagens económicas, sociais e até ambientais, colocando, frequen-
temente, os decisores públicos perante um dilema paralisante. Um bom exemplo são os
projectos ligados a algumas fontes de energia renovável, como a construção de barragens
para produção de energia hidroeléctrica, ou a plantação de cana-de-açúcar para produção
de biocombustíveis. O objectivo de produzir energia limpa e lutar contra o efeito de estufa
é, incontestavelmente, um objectivo importante e nobre. Mas a aura de bondade ambiental
de que beneficiam estes projectos não deve fazer-nos esquecer que eles também podem
ter impactes ambientais ou sócio-económicos significativos.
No caso das barragens137, investimentos avultadíssimos, com um tempo de vida relativa-
mente limitado e riscos elevados, relevam as alterações dos fluxos hidrológicos, a perturba-
ção dos ecossistemas, tanto terrestres como fluviais, e a criação de micro-climas locais, que
podem ser prejudiciais a certas actividades económicas, como a viticultura.
No caso dos biocombustíveis, um dos aspectos mais criticáveis é a afectação dos solos
agrícolas (cada vez mais escassos num mundo com uma população de quase sete mil milhões
de habitantes, com fenómenos de urbanização e desertificação crescentes), à produção de
variedades vegetais não alimentares, concorrendo assim com a agricultura138 para produção
de alimentos.
O principal problema reside no facto de, muitas vezes, as vantagens estarem concentradas
num local geográfico determinado e num momento temporal, que é a actualidade, enquanto
os inconvenientes são geograficamente difusos e reportam-se a um momento futuro.
Curiosamente, a inversa também pode ser verdadeira: se pensarmos concretamente
nas acções de protecção ambiental activa (medidas como a reflorestação, a reintrodução
de espécies selvagens, a descontaminação de solos, a requalificação fluvial ou a própria
luta contra as alterações climáticas) apercebemo-nos de que envolvem custos actuais e
benefícios futuros.
Outro exemplo é a energia nuclear de fissão, que propicia a enorme vantagem para as
gerações actuais de uma disponibilidade energética quase ilimitada à disposição da eco-
nomia actual, mas comporta também enormes inconvenientes, que são os eternos resíduos
radioactivos e o risco de acidentes no futuro.
Uma das razões, pelas quais preferimos falar de vantagens e inconvenientes, e não de
custos e benefícios, é pretendermos afastar ponderações puramente economicistas baseados
em cálculos que, em matéria ambiental, são difíceis de realizar. Isto não significa que não
se possam fazer análises de custo-benefício; significa apenas que elas podem conduzir a
conclusões perniciosas.

137
Vejam-se os impactes de uma mega-barragem na descrição do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva,
disponível em http://www.edia.pt.
138
Este problema é amplamente debatido por Lester Brown em Plan B 2.0, Rescuing a Planet Under stress and a
Civilization in Trouble, Earth Policy Institute, W.W. Norton & Company, New York, 2006.

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A contabilização, estritamente económica139, de ganhos e perdas, não deve aplicar-se aos


riscos ambientais, por duas razões. Primeiro, porque, como já dissemos, além das vantagens
e desvantagens sentidas “aqui-e-hoje”, se pretende igualmente abarcar as vantagens ou
desvantagens que venham a ocorrer “além-e-amanhã”. E, se nem sempre é fácil contabilizar
economicamente efeitos actuais e locais, muito mais difícil é contabilizar impactes futuros
e remotos. Segundo, porque sendo o princípio da precaução uma ferramenta importante
na prossecução do desenvolvimento sustentável, além do aspecto económico, pretende-se
abranger também os aspectos sociais e ambientais das decisões. E o que é certo é que o
bem-estar, a qualidade de vida, a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas, que são
valores fundamentais, são também muito dificilmente redutíveis a dinheiro.

5.1.1.Instrumentos de ponderação
Já dissemos que, de acordo com as regras de governância, a ponderação de vantagens e
inconvenientes deve resultar de um processo pluridisciplinar, contraditório, independente
e transparente. Já existem, consagrados na lei, alguns instrumentos de avaliação ambiental
abrangente, de carácter simultaneamente jurídico e científico140, que reúnem estas características.
Referimo-nos, antes de mais, ao procedimento de avaliação de impacte ambiental de
projectos, aplicável aos projectos listados na Lei de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)
e na Directiva relativa à Avaliação de Impacte Ambiental141. Como exemplos de critérios de
ponderação, temos os já referidos anteriormente – dimensão da população afectada, proba-
bilidade de ocorrência do dano, reversibilidade do dano, extensão geográfica, a importância
dos valores pessoais e naturais afectados, etc..
Diferentemente da AIA europeia, em Portugal, cabe à autoridade de AIA ponderar não só
os impactes ambientais mas também sociais, do projecto. Artigo 2º, j) «Impacte ambiental»—
“conjunto das alterações favoráveis e desfavoráveis produzidas em parâmetros ambientais
e sociais, num determinado período de tempo e numa determinada área, resultantes da
realização de um projecto, comparadas com a situação que ocorreria, nesse período de
tempo e nessa área, se esse projecto não viesse a ter lugar”. Num sistema em que a decisão
final de AIA é vinculativa, o objectivo da lei foi garantir que a ponderação das dimensões
ambientais e sociais do projecto são conjuntamente ponderadas pela autoridade de AIA sem
que argumentos de natureza social possam servir para justificar posteriormente projectos
com impactes ambientais comprovados.
A reconhecida insuficiência ambiental da avaliação dos impactes de projectos, levou à
criação do regime de avaliação de impacte ambiental de planos e programas, ou avaliação
estratégica, aprovada em Portugal, em 15 de Junho de 2007, pelo Decreto-lei nº 232/2007,
(que transpõe, para o ordenamento jurídico português, a Directiva 2001/42, de 27 de Junho).
A avaliação estratégica consiste na “identificação, descrição e avaliação dos eventuais
efeitos significativos no ambiente resultantes de um plano ou programa, realizada durante
um procedimento de preparação e elaboração do plano ou programa e antes de o mesmo
ser aprovado ou submetido a procedimento legislativo, concretizada na elaboração de um

139
David Pearce reconhece que a adopção do princípio da precaução pode ser dispendiosa, mas seja qual for a
regra de abstenção ou de acção que se aplique, ela vai sempre implicar um valor económico (The Precautionary
Principle and Economic Analysis”, in: Timothy O’Riordan e James Cameron, (ed.) Interpreting the Precautionary
Principle, Earthscan, 1994, p. 145).
140
Segundo Gomes Canotilho, o Estado Constitucional Ecológico assume o “dever de acompanhar todo o processo
produtivo e de funcionamento sob um ponto de vista ambiental” (“Estado Constitucional Ecológico e Democracia
Sustentada”, in: RevCEDOUA, nº 8, ano IV, 2, 2001, p. 12).
141
Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, (com as alterações do Decreto-Lei n.º 74/2001, de 26 de Fevereiro, do
Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril, da Lei n.º 12/2004, de 30 de Março, e do Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8
de Novembro). A Directiva é a n.º 85/337, de 27 de Junho de 1985, alterada em 1997, pela Directiva 97/11, de 3 de
Março, e pela Directiva 2003/35, de 26 de Maio.

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> Doutrina

relatório ambiental e na realização de consultas, e a ponderação dos resultados obtidos na


decisão final sobre o plano ou programa e a divulgação pública de informação respeitante
à decisão final”. (artigo 2º a). Assentando numa estrutura substancialmente idêntica à da
AIA, este procedimento promove uma ponderação dos impactes ambientais das grandes
opções estratégicas, reforçando a abordagem preventiva e permitindo uma maior eficácia
das medidas pró-ambientais.
Por fim, a ponderação das vantagens e inconvenientes deve passar também pela análise
dos impactes regulatórios142, que, na União Europeia foi introduzido em 2002, tendo sido
actualizado em 2009, com a adopção das Linhas Orientadoras da Comissão Europeia Re-
lativas à Avaliação de Impactes143, segundo a qual a avaliação de impactes é um “conjunto
de etapas lógicas a seguir aquando da preparação de propostas legislativas” (p. 5), um
processo que conduz à recolha de informações sobre as vantagens e os inconvenientes das
opções políticas possíveis, através de um exame dos seus impactes potenciais. A OCDE tem
igualmente dedicado grande atenção nos últimos anos144 à análise dos impactes regulatórios.
Estes impactes são analisados em três categorias: as incidências económicas, as sociais
e as ambientais.
Quanto às incidências económicas, são objecto de análise questões como o funciona-
mento do mercado interior e as relações internacionais, a concorrência, os encargos admi-
nistrativos suportados pelas empresas e a competitividade, a inovação e investigação, os
consumidores e economias domésticas, e o ambiente macro-económico.
Os impactes sociais, na União Europeia, são avaliados de acordo com as linhas orientado-
ras adoptadas em 2009145 e cobrem os impactes sobre o emprego e o mercado de trabalho,
não discriminação, inclusão social e protecção de grupos particulares, equidade no trata-
mento e igualdade de oportunidades, protecção social, segurança social, saúde pública, etc..
Relativamente às incidências ambientais, elas cobrem sobretudo o clima, transporte e
consumo de energia, qualidade do ar, biodiversidade, flora, fauna e paisagem, qualidade
da água, qualidade dos solos e recursos geológicos, recursos renováveis, produção e reci-
clagem de resíduos, amplitude dos riscos ambientais e bem estar dos animais, entre outros.

5.1.2. O resultado da ponderação: justiça intrageracional e intergeracional


Dissemos que o princípio da precaução era um princípio de justiça. A justiça inerente ao
princípio da precaução resulta do reconhecimento de um facto: os riscos não afectam igual-
mente as populações nem os territórios. Primeiro, porque são as pessoas e as comunidades
mais vulneráveis que mais sofrem com os riscos; segundo, porque os riscos (ao contrário
das vantagens) se fazem sentir, essencialmente, no futuro. O princípio da precaução é, por
isso, uma via para a realização da justiça, tanto numa perspectiva espacial como temporal,
ou, por outras palavras, é um princípio de justiça inter e intrageracional.
Comecemos pela dimensão mais óbvia do princípio da precaução, a dimensão diacrónica,
enquanto princípio de realização da justiça intergeracional.
De facto, os efeitos da inércia, na adopção de medidas precaucionais, fazem-se sentir
sempre no porvir. Não podemos esquecer que muitos dos riscos, que convocam a aplica-
ção do princípio da precaução, são riscos aos quais chamámos retardados, cujos danos se
manifestam através de um padrão de crescimento exponencial. Pode ser um futuro mais

142
Ragnar E. Löfstedt, “The Swing of the Regulatory Pendulum in Europe: From Precautionary Principle to (Regulatory)
impact analysis”, in: The Journal of Risk and Uncertainty, 28:3, 2004, p. 237-260.
143
SEC(2009) 92, 15 de Janeiro de 2009.
144
Sobretudo desde o relatório de 1997 Regulatory Impact Analysis: Best Practice in OECD Countries, (OECD, Paris),
até à adopção dos OECD Guiding Principles for Regulatory Quality and Performance, (OECD, Paris, 2005)
145
Guidance for assessing Social Impacts within the Commission Impact Assessment System, Ref. Ares(2009)326974
- 17/11/2009.

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ou menos longínquo, mas será, em regra, um momento bastante posterior ao momento da


tomada de decisão. Expressão acabada da nova responsabilidade pelo futuro146, o princípio
da precaução protege sobretudo as gerações futuras, impotentes perante as consequências
das decisões e das acções das gerações actuais. Estes são os contornos principais da im-
portantíssima dimensão temporal do princípio da precaução.
Já numa perspectiva sincrónica, ou de justiça intrageracional, o princípio da precaução
é uma ferramenta fundamental em virtude da injustiça da incidência social e territorial dos
riscos, no sentido de que o dano excepcional, que resulta de uma catástrofe, causa uma
ruptura na igualdade dos cidadãos147.
E é um facto que são as populações social, económica e geograficamente mais vulneráveis
as mais afectadas, tanto em termos absolutos como em termos relativos, pelos riscos. Por
isso, um aspecto importante da ponderação de vantagens e inconvenientes é a consideração
da vulnerabilidade das comunidades humanas afectadas. A vulnerabilidade é uma forma
de fragilidade social, económica, cultural e geográfica148, que expõe mais gravemente aos
riscos certos indivíduos e certas comunidades149.

5.1.2.1. Riscos territoriais, vulnerabilidade geográfica


Se pensarmos menos em termos de probabilidade temporal, e mais em probabilidade
espacial, verificamos que há uma infeliz coincidência entre a ocorrência geográfica dos
riscos e a ocupação do solo por populações vulneráveis150, a qual dá origem à injustiça na
repartição espacial dos riscos, à qual aludíamos antes.
As vítimas mais frequentes dos riscos são quem vive paredes-meias com a desgraça,
residindo em locais muitas vezes não urbanizáveis151, mais expostos aos riscos territo-
riais, sejam naturais (como inundações, avalanches, deslizamentos de terras) sejam
tecnológicos152(acidentes industriais químicos, radiológicos, incêndios, explosões, etc.).
Daí a utilidade das cartas de riscos, anexas aos planos de ordenamento territorial153,
que são representações geográficas dos riscos, servem para todos os domínios do risco,
natural ou antrópico, e revelam a distribuição espacial dos riscos: as zonas ameaçadas, as
características dos danos e os efeitos da concretização do risco, os valores vulneráveis, etc..

146
François Ost fala de uma responsabilidade “menos no sentido de imputabilidade de uma falta eventualmente
cometida num dado momento do passado, do que no sentido de uma missão assumida para o futuro” (“Ecología
y Derechos del Hombre”, Humana Iura, n.º6, 1996, p.208).
147
Marie-Béatrix Crescenzo-d’Auriac, Les Risques Catastrophiques, Évènements Naturels, Politiques et Technologi-
ques, L’Argus, Paris, 1988, p.13 e ss.
148
Margatet R. Somers, trata da coincidência dos riscos com a vulnerabilidade social Genealogies of citizenship.
Markets, statelessness and the right to have rights, Cambridge University Press, 2008.
149
Esta é a situação em que estão a República do Vanuatu e o Reino do Tuvalu, ambos Estados do Pacífico Sul,
cujo território corre o risco de desaparecer sob as águas oceânicas, em virtude da subida do nível médio do mar.
As migrações forçadas de refugiados climáticos, para fora do seu país, sem previsão de retorno, são um problema
complexo, e infelizmente já actual, com relevância internacional crescente, com o qual estão confrontados os
respectivos governos, e que envolvem negociações com os grandes Estados vizinhos: Austrália e Nova Zelândia.
150
Em França, 70% dos estabelecimentos industriais mais perigosos estão implantados em áreas urbanas. Éliane
Propeck, Theirry Saint-Gérand, “Espace et risques”, in: Dictionaire des Risques, Yves Dupont (dir), Armand Colin,
Paris, 2007, p. 206.
151
Sobre riscos urbanísticos ver Alves Correia, “Risco e Direito do Urbanismo”, in: Revista de legislação e Jurispru-
dência, n.º 3955, Março-Abril 2009.
152
Benjamin Davy estuda essencialmente o fenómeno da exclusão social através dos LULUS - Localy Unwanted Land
Uses ou Usos Indesejáveis do Solo ao Nível Local na obra Essential injustice: when legal institutions cannot solve
environmental and land use disputes, Springer-Verlag, Wien, New York, 1997.
153
Orientações Gerais do Secretario de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades para a Elaboração dos
Planos Regionais de Ordenamento do Território, de Novembro de 2005, p. 18.

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5.1.2.2. Riscos difusos, outras vulnerabilidades


Em relação aos riscos difusos, é um facto que as populações sem recursos materiais,
populações social, cultural e economicamente carenciadas, são as vítimas mais frequentes
e mais graves dos riscos154
Em relação aos riscos difusos ou não territoriais, estas são também as principais vítimas –
cidadãos sem-abrigo que sofrem mais pela dificuldade de tomar medidas de auto-protecção,
por não possuírem, por exemplo, meios adequados de aquecimento ou refrigeração, que os
protegeriam das ondas de frio ou de calor.
Em suma, além da convivência forçada com os riscos, as populações desfavorecidas são
ainda as vítimas mais graves dos riscos, na medida em que vivem em condições mais difíceis
(ocupando habitações precárias e degradadas), não têm conhecimentos nem condições para
prevenir a ocorrência dos danos (baixa escolaridade e dificuldades ao nível da leitura, sem
computador ou telemóvel para receber informação em tempo real sobre a proximidade do
risco, sem viatura própria para abandonar rapidamente o local e retirar os seus haveres).
Por fim, são sobretudo pessoas com menor resiliência, ou seja, com menor capacidade de
recuperar após a ocorrência do risco155. Nisso diferem dos grupos sociais privilegiados que,
além de meios de comunicação e transporte, são pessoas que têm uma segunda habitação
para se realojarem, têm seguros, têm outras fontes de rendimento, têm redes sociais fortes
em que se podem apoiar156. Nada disto têm os “descidadãos”157, vítimas de múltiplas formas
de exclusão social, como pessoas que vivem sós (idosos, deficientes) ou comunidades
isoladas (imigrantes, grupos sociais marginalizados).

5.2. Segundo momento: a construção social do risco e o nível adequado de protecção

A propósito da construção social dos riscos concordamos com Michel Franc, quando
afirma que «o tratamento jurídico do risco é antigo. O que é novo é a evolução dos próprios
riscos e a percepção, pela sociedade, do risco admissível ou tolerado”158.
A intolerância social aos riscos159 resulta da evolução da percepção e da imagem social
da Natureza, e da própria relação do Homem com a Natureza. Antigamente, nas percepções
da vida e dos riscos, havia um “espaço para a fatalidade”160, mas actualmente as catástrofes

154
Quem faz uma análise lúcida e incisiva desta realidade, especialmente nos Estados Unidos da América, é Susan
L. Cutter, em Hazards, vulnerability and environmental justice, Earthscan, London, Sterling, VA, 2006.
155
Siambabala Bernard Manyena, “The concept of resilience revisited”, Disasters, ano 2006, vol 30 issue 4 p.433 a 450.
156
Nas populações desfavorecidas, a privação de alojamento, que é o resultado de uma exclusão económica, so-
cial e cultural, é também, um factor de exclusão, na medida em que pode constituir um obstáculo ao acesso das
populações ao emprego, à educação, à protecção social ou à saúde. Françoise Zotouni, «Les Personnes Publiques
Iniciatrices d’Operations d’Aménagement et l’Obligation de Relogement des Occupants», in: Mélanges en l’Honneur
d’ Henri Jacquot, Presses Universitaires d’Orléans, 2006, p. 597-616.
157
Os conceitos de “descidadania” e de “cidadania responsável solidária” são desenvolvidos por Casalta Nabais,”que
fala dos deveres que são assumidos pelos cidadãos em virtude do reconhecimento de que não são tarefa exclusi-
vamente estadual, com vista à promoção da inclusão de todos os membros na comunidade (“Solidariedade Social,
Cidadania e Direito Fiscal”, in: Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa
Franco, vol II, Coimbra Editora, 2006, p. 642-645).
158
«Traitement Juridique du risque et principe de précaution», in: Actualité Juridique Droit Administratif, n.º8, 3
Mars, 2003, p. 360.
159
Philippe Ségur refere, sobre a percepção social da catástrofe, que “a catástrofe faz nascer um consensus populi
que exprime uma emoção partilhada perante os danos sofridos por uma parte da população” («La catastrophe et
le risque naturels: essai de définition juridique» in: Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et a
l’Étranger. - 0035-2578. - n. 6 (1997), p. 1704).
160
Michel Franc, op. cit. p. 361.

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42 Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente
> Doutrina

naturais deixaram de ser vistas como fatalidades ou castigos divinos161, perante os quais não
restava ao Homem senão a resignação162, e passaram a ser vistos como fenómenos directa
ou indirectamente influenciados pelas actividades humanas163 e, portanto, controláveis.
Mesmo quando sejam puramente naturais, fenómenos de natureza catastrófica revelam-
se cada vez mais previsíveis e, em certa medida, preveníveis, sobretudo quando, pela sua
repetitividade, se tornam antecipáveis.
Exemplificando: podemos não saber exactamente – ou sequer aproximadamente – quan-
do ocorrerá uma grande inundação num rio, mas sabemos que, em média, de cem em cem
anos, o rio transborda e atinge níveis ditos históricos, o que nos permite planear estratégicas
de protecção antecipadas.
A evolução descendente do limiar da aceitabilidade social dos riscos é bem visível, hoje
em dia, nas exigências, muito maiores, de segurança alimentar e de garantia quanto a pro-
dutos defeituosos, e na tolerância, muito menor, em relação à aleatoriedade dos cuidados
médicos (a chamada álea médica) e aos riscos farmacêuticos.

5.2.1. Aceitabilidade social do risco


Trata-se agora de fazer uma ponderação autónoma da relação entre as vantagens e os
inconvenientes, por um lado, e os níveis socialmente adequados de protecção, por outro.
Para este efeito, a participação pública é essencial. A participação deve ser precoce e
alargada, ou seja, ocorrer desde os primeiros estádios do procedimento, envolvendo todas
as partes potencialmente afectadas ou interessadas.
A importância e obrigatoriedade da participação do público encontram-se reforçadas
desde a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Pro-
cesso de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente164. Nela se prevê a
participação do público em decisões sobre actividades específicas, em planos, programas
e políticas em matéria de ambiente e na preparação de regulamentos e/ou instrumentos
normativos legalmente vinculativos aplicáveis na generalidade165.
Correspondendo aos princípios da transparência e da abertura, a participação deve ser
informada, precoce, alargada, plural, flexível, e útil166.
Esta é uma dimensão recente da governância dos riscos: a relevância atribuída aos cida-
dãos, leigos cuja opinião profana foi, desde sempre, desprezada e só recentemente, com a
Convenção de Aarhus começou a ganhar algum estatuto.
161
Valérie Sansseverino-Godfrin descreve com pormenor a influência, classicamente atribuída aos Deuses, sobre os
fenómenos marítimos, meteorológicos e vulcânicos: Neptuno que revoltava as águas, Júpiter criava a tempestade
e Vulcano fazia jorrar fogo das entranhas da Terra (Le cadre juridique de la gestion des risques naturels, Editions
Tec Doc, Paris, 2008). Na mesma linha Abelkhaleq Berramdane chama a atenção para as referências bíblicas ao
Dilúvio e à destruição de Sodoma e Gomorra e ainda para o muito difundido mito de Atlântida («L’Obligation de
prévention des catastrophes et risques naturels», in: Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et
a l’Étranger, n.º6, 1997, p. 1717).
162
É bem conhecida a influência do terramoto de 1755 sobre o pensamento filosófico europeu daquela época, ao
desencadear uma célebre troca de ideias entre Voltaire e Rousseau, durante o ano de 1756, a propósito das origens,
divinas ou humanas, da catástrofe que arrasou Lisboa.
163
Para Philippe Ségur, “a questão da aceitabilidade social dos riscos resulta do reconhecimento da natureza antrópica
de muitos riscos” («La catastrophe et le risque naturels. Essai de définition juridique», in: Révue du Droit Public et
de la Science Politique en France et a l’Étranger, vol. 6, Novembre-Décembre, 1997, pp.1693-1716).
164
Esta Convenção da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa foi celebrada em 1998, mas só entrou em
vigor em 2001. Em Portugal foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º11/2003, de 25 de Fevereiro.
165
Artigos 6º, 7º e 8º.
166
Artigo 6º da Convenção de Aarhus:
“2 — O público interessado será informado de forma efectiva, atempada e adequada, quer através de notícia pública
ou individualmente, conforme for mais conveniente, no início do processo de tomada de decisão, inter alia, sobre:
a) A actividade proposta e o pedido sobre o qual será tomada a decisão;
b) A natureza das decisões possíveis ou o projecto de decisão;

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> Doutrina

Desta forma, a legitimação social das decisões de gestão de riscos167 vem acrescer à
legitimação científica, que muitas vezes cria uma mera “aparência de certeza”, enquanto
noutros casos “os inputs científicos têm a propriedade paradoxal de prometer, pela sua
forma quantificada e numérica, objectividade e certeza mas acabam por produzir só maior
desacordo quanto à substância”168. Mas a importância da percepção social do risco é direc-
tamente proporcional à incerteza científica que subsiste sobre uma determinada matéria.
Quanto mais incerteza, maior a importância da construção social do risco.
A meio caminho entre as opiniões subjectivas dos cidadãos anónimos e as opiniões
objectivas dos cientistas, surge agora uma nova classe de peritos que vem subverter, de
certa forma, as regras da participação. De facto, com o aumento do poder das associações
ecologistas, houve uma mudança quantitativa e qualitativa no papel dos peritos169:
primeiro, a multiplicação do número de “especialistas”, e depois, o surgimento de uma nova
categoria de peritos que, em vez de primarem pela neutralidade, assumem o comprometi-
mento com uma causa170. Jane Hunt chega a advogar um novo estatuto para o conhecimento
científico, que deixaria de ser o “árbitro final e objectivo” para se assumir como uma nova
forma de conhecimento mais condicional e em busca de consensos171.

c) A autoridade pública responsável pela tomada de decisão;


d) O procedimento previsto, incluindo, como e quando esta informação pode ser fornecida:
i) O início do procedimento;
ii) As oportunidades de participação do público;
iii) A data e o local de qualquer consulta pública prevista;
iv) Indicação da autoridade pública que pode fornecer informação relevante e onde se encontra a infor-
mação para consulta do público;
v) Indicação da autoridade pública competente ou qualquer outro organismo público ao qual possam ser
submetidos as perguntas ou comentários e o prazo de envio das perguntas ou comentários; e
vi) Indicação sobre que informação relevante em matéria de ambiente para a actividade proposta se
encontra disponível;
3. - Os processos de participação do público devem incluir prazos razoáveis para as diferentes fases, de forma a
permitir tempo suficiente para informar o público, de acordo com o disposto no parágrafo 2, e para que o público
se possa preparar e participar efectivamente ao longo do processo de tomada de decisão em matéria de ambiente.
4 — Cada Parte tomará decisões para que a participação do público se inicie quando todas as opções estiverem
em aberto e possa haver uma participação efectiva do público.
5 — Cada Parte, quando apropriado, encorajará os futuros requerentes a identificar o público envolvido, a participar
nas discussões e a fornecer informação relativa aos objectivos do seu pedido antes de ser concedida uma licença.
6 — Cada Parte solicitará às autoridades públicas competentes que autorizem o acesso do público interessado à
consulta, quando solicitada nos termos da legislação nacional, de forma gratuita e logo que esteja disponível, de
toda a informação relevante no processo de tomada de decisão
7 — Os procedimentos de participação do público devem permitir ao público, durante o inquérito ou audiência
pública com o requerente, apresentar, por escrito ou como for conveniente, quaisquer comentários, informação,
análises ou opiniões que este considere relevante para a actividade proposta.
8 — Cada Parte assegurará que, aquando da tomada de decisão, será tomado em devida conta o resultado da
participação do público.
9 — Cada Parte assegurará que, aquando da tomada da decisão pela autoridade pública, o público seja prontamente
informado de acordo com o procedimento adequado. Cada Parte tornará acessível ao público o texto das decisões
bem como das razões e considerações em que a decisão se baseou”.
167
Em sentido idêntico, defendendo que as normas jurídicas ambientais não podem sustentar-se exclusivamente
no conhecimento pericial, Maria da Glória Garcia, O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente, Almedina, Coimbra,
2007, p. 402.
168
Silvio Funtowicz, “Scienza e decisioni di polity”, in: Notizi di Politeia, anno XIX, n.º70, 2003, p.28.
169
Silvio O. Funtowicz e Jerome R. Ravetz, falam da democratização da qualidade de perito (“democratization of
the expertise”), (“Three types of Risk Assessment and the Emergence of Post-Normal Science”, in: Social Theories
of Risk, Sheldon Krimsky e Dominic Golding (Ed) Praeger, London, 1992, p. 253) p. 273).
170
Geneviève Decrop, Jean-Pierre Galland, Claude Gilbert, «Les risques de l’Expertise» in: Actes d’Expertise et Res-
ponsabilités: le Risque de Montagne”, Techniques, territoires et sociétés, Paris, Ministère de l’Équipement, des
transports et du turisme, n.º28, Janvier 1995, p.7-9.
171
“The social construction of precaution”, in: Timothy O’Riordan e James Cameron, (ed.) Interpreting the Precau-
tionary Principle, Earthscan, 1994, p.125.

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5.2.2. Percepção social do risco


Cabe à Comissão Europeia o mérito de ter dado o devido destaque à percepção social
dos riscos, na sua Comunicação sobre o princípio da precaução do ano 2000172. Mas mes-
mo numa sociedade social e culturalmente homogénea como é a europeia173, há grandes
disparidades ao nível da percepção social dos riscos174. Os dados do Eurobarómetro sobre
protecção civil175, tornam esta realidade bem perceptível:

Reconhecendo a importância dos aspectos psico-sociais do risco, Cass Sunstein chama


a atenção para o facto de o sentimento de insegurança e o pânico colectivo, mesmo quando
provocados por um risco inexistente mas que se receia intensamente176, são males sociais a
evitar. Por isso, o constitucionalista norte americano chega a interrogar-se sobre se, no caso
de um risco não ser socialmente aceitável, mesmo quando as probabilidades de ocorrência do
dano são baixas e as vantagens elevadas, se justificará a “compra da segurança regulatória”177.
172
“Diversos acontecimentos recentes mostraram que a opinião pública tem uma percepção acrescida dos riscos
aos quais as populações ou o seu meio ambiente se expõem potencialmente. (…) As instâncias de decisão políticas
têm o dever de ter em conta os temores relacionados com esta percepção e criar medidas preventivas para suprimir
ou, pelo menos, limitar o risco a um nível mínimo aceitável”. (Comunicação…, p. 7)
173
Em 2008, numa acção de incumprimento (processo C-165/08) instaurada pela Comissão Europeia, a Polónia
invoca o princípio da precaução para justificar medidas nacionais proibindo a produção agrícola de organismos
geneticamente modificados, com fundamento em razões de ordem moral, ética e religiosa. Alega, nomeadamente,
que os polacos não aceitam de organismos geneticamente modificados porque são um povo muito religioso, que
não gosta de modificar o que foi feito pela mão de Deus. Em 16 de Julho de 2009 o Tribunal não lhe deu razão e
considerou que a Comissão Europeia já tinha tomado o risco em devida consideração nas várias directivas e decisões
que autorizam a libertação voluntária no ambiente de organismos geneticamente modificados.
174
Michael Smithson confirma que quando se trata de analisar como as pessoas reagem à incerteza, a cultura pode
ser determinante. Estudos psicológicos em matéria de risco, comparando as culturas ocidentais e asiática, têm
revelado que ocidentais e orientais têm diferentes estilos cognitivos (Psychology’s Ambivalent View of Uncertainty”,
in: Uncertainty and Risk. Multidisciplinary Perspectives, Earthascan, London, 2008, p.213-214).
175
Edição especial n.º 328, de Novembro de 2009.
176
Foi muito citado o caso ocorrido em França em Abril de 2009, quando os membros de uma família de Saint-Cloud,
após a instalação de uma antena retransmissora de telemóvel (da rede Orange) em frente à sua casa, começaram a
manifestar sintomas de fadiga intensa, um sabor metálico na boca e hemoptises. Na sequência de um comunicado
da operadora proprietária das antenas ficou provado que instalação das antenas não estava concluída, pelo que as
antenas nunca tinham funcionado nem emitido qualquer radiação. (http://www.bestofmicro.com/actualite/26785-
antenne-relais.html)
177
Dando o exemplo dos seguros de assistência em viagem, Sunstein demonstra o importante efeito de criação de
bem-estar. Antes de uma viagem é normal ficar ansioso e receoso de que o carro possa avariar. Mas se tiver um
número de telefone para onde ligar a pedir ajuda (mesmo que na prática não ligue), isso é reconfortante. Por isso,
ao subscrever um seguro de assistência em viagem estou a “comprar protecção contra os meus próprios receios”,
o que pode não fazer sentido em termos económicos, mas em termos de bem-estar faz todo o sentido (Worst Case
Scenarios, Harvard University Press, Cambridge, 2007, p.141).

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> Doutrina

Por outras palavras, devem os governantes tomar medidas legislativas ou administrativas só


para pacificar a população, criando uma a reconfortante “ilusão do controlo”178?
A resposta depende do grau de alarme social179 gerado em torno de um “não–risco”,
mas pensamos que mesmo nestes casos, os poderes públicos devem fazer alguma coisa180,
nomeadamente promover a informação ambiental, a educação sobre prevenção de riscos,
e o financiamento da investigação científica.
Parte da explicação para a discrepância entre a avaliação objectiva do risco e a percep-
ção subjectiva do mesmo181, reside no facto de a tolerância social ao risco não depender
apenas de factores objectivos e quantificados relativos ao risco ou aos danos (como a pro-
babilidade, a magnitude ou a reversibilidade) mas de outros factores qualitativos182. Alguns
foram identificados por Cass Sunstein em 2002 na obra Risk and Reason: safety, Law and
the Environment183.
Por exemplo, a identificabilidade, tanto do agressor como da vítima, é um factor importante
na reacção perante uma determinada ocorrência danosa. “Na realidade, antes da catástrofe
só há números”, diz expressivamente, Philippe Ségur184. Por isso, as pessoas respondem
mais intensamente perante um ofensor identificável ou uma vítima identificável.
Citando Josef Stalin, Cass Sunstein descreve o sentimento social perante uma tragédia de
grandes proporções: “uma morte é uma tragédia. Um milhão de mortes é estatística”185.
Alguns factores qualitativos funcionam como agravantes, “amplificando” riscos pouco
graves ou pouco prováveis, e outros como atenuantes, criando uma habituação/aceitação
mesmo de riscos graves e muito prováveis. Eis os principais factores agravantes ou atenu-
antes identificados por Sunstein:

178
John Handmer, “Emergency Management Thrives on Uncertanty”, in: Uncertainty and Risk. Multidisciplinary
Perspectives, Earthascan, London, 2008, p. 237.
179
No mesmo sentido, Gilles J. Martin: “Será necessário ir mais longe e defender que a dúvida é ainda legítima nos
casos em que, independentemente de qualquer fundamento científico retirado das ciências exactas, a existência de
uma percepção na sociedade – uma consciência partilhada – de risco pode ser constatada através de instrumentos
de medidas das ciências sociais?” (“Principe de Précaution, Prévention des Risques et Responsabilité”, in: Actualité
Juridique Droit Administratif, n.º40, 28 Novembre 2005, p.2223).
180
Sobre o Estado de Direito como educador na prevenção de riscos ver João Loureiro, “Da sociedade técnica de
massas à sociedade de risco: prevenção, precaução e tecnociência – Algumas questões jurisprudenciais”, Boletim
da Faculdade de Direito, Studia Jurídica, 61, 2000, p. 109.
181
Philippe Ségur, fala da distinção entre “riscos reais” e “riscos percebidos” («La catastrophe et le risque naturels.
Essai de définition juridique», in: Révue du Droit Public et de la Science Politique en France et a l’Étranger, vol. 6,
Novembre-Décembre, 1997, pp.1693-1716).
182
Stephen Dovers também defende que saber o que é uma “ameaça séria ou irreversível” depende de aspectos
espaciais, da magnitude, longevidade, geribilidade, mas também da preocupação pública relativamente a ela e do
entendimento do que é uma “ameaça séria ou irreversível” (“Precautionary policy assessment for sustainability”,
in: Implementing the Precautionary Principle. Perspectives and Prospects, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p.119).
183
Cambridge University Press, 2002.
184
«La catastrophe et le risque naturels: essai de définition juridique» in: Revue du Droit Public et de la Science
Politique en France et a l’Étranger. - 0035-2578. - N. 6 (1997), p.1710.
185
Worst Case Scenarios, Harvard University Press, Cambridge, 2007, p. 63-64.

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> Doutrina

Por outro lado, a avaliação da aceitabilidade social dos riscos depende também de
ponderações subjectivas186, as quais podem ser motivadas por preconceitos, atitudes mais
egoístas ou mais altruístas, etc.. Pior ainda é o facto de muita aceitação social ser devida
simplesmente à ignorância dos riscos, à desinformação ou até às eventuais compensações
que sejam previstas pelos promotores do projecto ou prometidas durante o processo187.

186
Por exemplo, David Pearce explica que a “aversão aos desastres” é a razão pela qual as pessoas reagem de
maneira diferente a um desastre em que morrem 10 pessoas ou a dez desastres em que morre uma pessoa. No
total o número de mortes é o mesmo, mas a reacção social é bastante diferente (“The Precautionary Principle
and Economic Analysis”, in: Timothy O’Riordan e James Cameron, (ed.) Interpreting the Precautionary Principle,
Earthscan, 1994, p. 134).
187
A dificuldade que existe em relação à aceitabilidade social dos riscos, existe também em relação à aceitabilidade
social das compensações. Se os cidadãos tendem a aceitar mais facilmente os riscos quando lhes são dadas, a
título de compensação, outras vantagens ou formas alternativas de satisfação de necessidades, quem é que deverá
pronunciar-se sobre o interesse que as gerações futuras possam ter numa determinada acção compensatória a de-
senvolver hoje? Será que esta substituição interessa às gerações futuras? Preferirão as gerações futuras viver num
mundo cheio de estradas ou cheio de florestas? Ou então, imaginando que para compensar as perdas de habitats
e de espécies resultantes da construção das estradas, se construíam zoos, gostariam eles de viver num mundo
cheio de estradas e também de jardins zoológicos?

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> Doutrina

5.2.3. Nível adequado de protecção


A consequência da participação é o dever de “tomar em consideração”188 os resultados da
participação pública189. Mas este dever não significa que a opinião do público deva prevalecer
em todos os casos. Quando a Comissão Europeia exprime a preocupação de “coerência”
e “não discriminação” na escolha das medidas precaucionais, está também a sugerir que
há limites na ponderação da aceitação social do risco. Se as sondagens mostrarem que a
aceitação ou não aceitação de um risco resultarão num tratamento discriminatório ou inco-
erente, a percepção social dos riscos não pode prevalecer.
E não pode prevalecer sobretudo quando, na determinação da tolerabilidade dos riscos,
as sondagens e as estatísticas muitas vezes trazem surpresas. Estamos a referir-nos, mais
uma vez, às sondagens oficiais europeias sobre temas como as alterações climáticas, a
clonagem ou a protecção civil, que são publicados no Eurobarómetro. Na análise destas
sondagens o que se verifica é que nem sempre riscos elevados dão origem a uma grande
intolerância social. Pode acontecer que um risco elevado seja, mesmo assim, socialmente
aceitável190. E, o que também é frequente, pode acontecer o inverso – o risco ser baixo mas,
mesmo assim, ser socialmente inaceitável191.
Este é o caso de certos projectos infra-estruturantes importantes – aterros, incinerado-
ras de resíduos, aeroportos, hospitais, etc. – cuja existência é socialmente vantajosa, mas
cuja localização é liminarmente recusada pelos residentes, em virtude dos incómodos de
vizinhança, reais ou imaginados, que comportam.
“No meu quintal, não” (not in my backyard) é o lema mais frequente das manifestações
populares ditas nimbyistas, que ocorrem quando os potenciais afectados pensam que, mes-
mo que a probabilidade de um risco se materializar seja muito baixa (uma probabilidade de
um em um milhão, por exemplo), se o risco vier realmente a ocorrer, sabemos quem vai ser
afectado: não serão os cientistas que avaliaram o risco, não serão os políticos que decidiram
aquela localização, mas sim os trabalhadores (que convivem com ela oito horas por dia), os
vizinhos (que passam grande parte da sua vida junto à instalação) e, em última instância,
os componentes ambientais que não podem fugir.
Por tudo isto, não podem ser as gerações actuais a determinar, por sufrágio, o que é
ou não aceitável para as gerações futuras192. Saber se um determinado risco é aceitável ou
não, não pode depender apenas de sondagens de opinião, muito provavelmente favoráveis
a actividades ou produtos envolvendo riscos graves, desde que os inconvenientes sejam

188
O reconhecimento da particular relevância social como fundamento do Recurso de Revista Excepcional para o
Supremo Tribunal de Justiça, previsto, desde 2007, no artigo 721.º-A do Código de Processo Civil (“1 - Excepcional-
mente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: (…) b) Estejam
em causa interesses de particular relevância social”) não será também um reconhecimento da relevância, cada vez
maior, da opinião dos leigos nos processos judiciais e nas decisões jurídicas?
189
Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 69/2000, de
3 de Maio. “1—No prazo de 25 dias a contar da recepção do relatório da consulta pública, a comissão de avaliação,
em face do conteúdo dos pareceres técnicos recebidos, da apreciação técnica do EIA, do relatório da consulta
pública e de outros elementos de relevante interesse constantes do processo, elabora e remete à autoridade de
AIA o parecer final do procedimento de AIA”.
Artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho, sobre avaliação ambiental estratégica: “o relatório ambiental
e os resultados das consultas realizadas nos termos dos artigos 7.º e 8.º do presente decreto-lei são ponderados
na elaboração da versão final do plano ou programa a aprovar”.
190
Cass Sunstein dá o exemplo dos índices elevadíssimos de mortes nas estradas, consideradas como um risco
socialmente aceitável…
191
Exemplo disso são os receios quase irracionais em relação a certos poluentes atmosféricos como dioxinas e
furanos, aos organismos geneticamente modificados, a todo e qualquer processo de co-incineração, etc..
192
Para Sonja Boehmer-Christiansen, “a precaução exige sobretudo uma sociedade capaz e desejosa de investir
no futuro, sendo que essa necessidade não pode ser “provada” de antemão mas se mantém uma questão de fé”
(“The Precautionary Principle in Germany,- Enabling Government”, in: Timothy O’Riordan e James Cameron, (ed.)
Interpreting the Precautionary Principle, Earthscan, 1994, p. 57).

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futuros e os benefícios actuais. Agora o problema é saber quem é que tem que considerar o
risco como aceitável ou não: na impossibilidade de sondar a opinião das gerações futuras,
forçosamente serão as gerações actuais. Considerando a dificuldade de antever os desejos
e aspirações das gerações futuras, alguns ordenamentos jurídicos optaram pela sua perso-
nificação, como aconteceu em 1993 em França, com a criação de uma instância consultiva
de política legislativa, o Conselho para os Direitos das Gerações Futuras193. Mais recente-
mente, em 2007, na Hungria, foi criado o cargo de Comissário Parlamentar para as Gerações
Futuras194. Em termos de representação judicial é bem conhecido o caso das crianças das
Filipinas que, em 1993 instauram, no Supremo Tribunal de Manila, e em nome das gerações
futuras, uma acção para proteger as florestas195. Mas, independentemente da representação
institucional das gerações futuras, a grande dificuldade reside na previsão de quais possam
ser as legítimas aspirações dessas gerações…
Ora, o nível adequado de protecção é a materialização das presumíveis expectativas das
gerações futuras, e deve ser definido pelos poderes políticos196, com base noutros elementos
além das opiniões do público.
Se a avaliação do risco é eminentemente científica, a definição da aceitabilidade do
risco, e consequentemente do nível adequado de protecção, é uma decisão essencialmente
ética197 e política198.
Deste modo, um risco deve ser considerado inaceitável, se violar o que consideramos
serem os deveres das gerações actuais para com as gerações futuras. Quando esteja em causa
a protecção do ambiente e da saúde pública, é a própria ordem jurídica Europeia que define
o nível de protecção199, o qual deve ser elevado. Este é um aspecto constitucional da Política
Europeia do Ambiente (“A política da União no domínio do ambiente terá por objectivo atingir
um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas
diferentes regiões da União”, lê-se no artigo 191, n.º2 do Tratado sobre o Funcionamento da
União), e um ponto especialmente enfatizado pela Comissão Europeia, na Comunicação de
Fevereiro de 2000.
Em termos ambientais200 não são aceitáveis, por exemplo, quaisquer riscos que impliquem
perdas irreversíveis. Concretizando, a nível da biodiversidade, são inaceitáveis actividades
que possam originar extinções de espécies, perdas de habitats naturais prioritários (en-
démicos ou característicos de uma região biogeográfica) ou, quanto aos bens abióticos, o
esgotamento total de um recurso mineral. Para Nicolas de Sadeleer, “quando o risco ameaça

193
Criado pelo Decreto n.º 93-298, de 8 de Março.
194
Após longa discussão parlamentar foi escolhido o nome de Sándor Fülöp, eleito em 28 de Maio de 2008 para
ocupar o cargo de Comissário Parlamentar para as gerações futuras até 2014 (mais informação disponível em
http://jno.hu/en).
195
Caso Oposa v. Factoran, disponível em http://www.lawphil.net.
196
Fora da área jurídica, negando o papel da política na determinação do nível adequado de protecção, José Delgado
Domingos, em “Por uma sociedade com menos CO2” (in: A energia da Razão. Por uma sociedade com menos CO2,
Gradiva publicações, Lisboa, 2009, p. 153 a 211).
197
Alain Thomasset, professor de teologia moral, frisa que a ética contemporânea da responsabilidade supõe “um
novo «hábito» alimentado de prudência e de sabedoria, que se traduz no dever de respeitar o princípio da precaução,
como uma primeira injunção moral. Nesta acepção, o princípio da precaução consistiria em, antes de agir, “nos
preocuparmos com os efeitos longínquos ou indirectos, mas previsíveis, dos nossos poderes” (De la prudence à la
précaution. Vers une étique du risque, in: http://www.ceras-projet.com Julho de 2006, p. 3).
198
Esta é também a posição de David Byrne, na presentação da Comunicação da Comissão sobre o Princípio da
Precaução perante o Parlamento Europeu, em 2000.
199
Claro que o estabelecimento de níveis elevados de protecção ambiental e a adopção de rigorosas medidas pre-
caucionais, têm custos. Sobre os custos dos direitos fundamentais ver (Casalta Nabais,”A Face Oculta dos Direitos
Fundamentais: os Deveres e os Custos dos Direitos”, in: Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel
Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 737-792).
200
Não estamos a pensar em danos ambientais, como danos em bens jurídicos humanos patrimoniais ou extrapa-
trimoniais, mas apenas em danos ecológicos, ou seja danos ambientais puros.

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Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente 49
> Doutrina

produzir algo irreparável ou comprometer as faculdades naturais essenciais, ele deve ser
esconjurado, porque é inaceitável”201.
Já em termos sociais, não são aceitáveis os riscos que afectem essencialmente os secto-
res populacionais ou grupos sociais mais frágeis. Por exemplo: se a maioria dos indivíduos
potencialmente afectados pertencerem a uma etnia, religião ou cultura minoritárias, ou se
forem populações economicamente carenciadas e menos resilientes nos termos que refe-
rimos anteriormente.
Em suma, o princípio da precaução não se destina só a evitar os riscos que são considera-
dos graves e irreversíveis por uma parte significativa da comunidade científica, mas também
os que são sentidos como intoleráveis e injustos pela generalidade dos cidadãos (em função
da avaliação da percepção social do risco), e ainda os que sejam considerados inaceitáveis
pelos poderes políticos (em função da definição do nível de protecção adequado). Estas são
as três fontes materiais das medidas precaucionais.

5.3. Terceiro momento: escolha das medidas precaucionais

Diagnosticada a incerteza e a importância do dano, que justificam o recurso à precaução,


seguidos os trâmites de ponderação objectiva (vantagens e inconvenientes) e subjectiva
(aceitabilidade social) do risco, resta a escolha das medidas a tomar.
Como já vimos, na governância dos riscos, a escolha das medidas precaucionais, além de
contribuir para evitar os danos, tem também uma função importante de pacificação social (a
“compra da segurança regulatória”, de que fala Sunstein). Mas a intensidade das medidas
precaucionais pode também ter um efeito negativo importante: se, com o tempo, o risco não
se confirmar, tal facto pode contribuir para descredibilizar as estratégias precaucionais. Daí
a importância da escolha e aplicação correcta das medidas precaucionais.

5.3.1. Medidas urgentes


Em matéria de riscos ambientais, globais, retardados e irreversíveis, a inércia é má
conselheira. As medidas devem ser tomadas urgentemente. Nas palavras de Lester Brown,
Apesar de os riscos serem retardados, apesar de a causalidade ser difícil de estabelecer,
apesar de a proporcionalidade ser difícil de avaliar, as medidas não podem ser adiadas.
A gravidade202 das consequências explica a urgência das medidas evitatórias.
A urgência é um conceito importante a ter em consideração na determinação das medidas
proporcionais: não é só a gravidade, magnitude, reversibilidade, mas também a iminência
do dano, que conduz à urgência das medidas. Se um efeito ambiental nocivo está quase a
acontecer, não é razoável pedir tempo para fazer estudos com vista a obtenção de certezas
científicas dos nexos e meios de prova dos danos…

5.3.2. Medidas provisórias


Uma característica das medidas precaucionais, que são tomadas com a consciência da
incerteza e apesar dela, é não poderem nunca ser medidas definitivas. Pelo contrário, são
sempre medidas provisórias, susceptíveis de revisão, e que devem efectivamente ser revistas
com uma periodicidade curta ou sempre que surjam novos dados científicos. Quanto ao tem-
po de vigência, as medidas precaucionais são, portanto, medidas com “prazo de validade”
curto, adoptadas através de procedimentos participados e iterativos.
201
Nicolas de Sadeleer, “Les Avatars du Principe de Précaution en Droit Public. Effet de Mode au Révolution Silen-
cieuse?» in: Revue Française de Droit Administratif, 2001, Mai-Juin, p.560.
202
Um critério possível de análise da gravidade das consequências é o número de “anos potenciais de vida perdi-
dos”. Segundo Catherine Herbert, (in: Dictionaire des Risques, Yves Dupont (dir), Armand Colin, Paris, 2007, p.33)
este é um indicador de saúde pública que permite calcular, ao nível colectivo, o número de anos de vida perdidos
por uma população sujeita a um determinado evento, num determinado tempo.

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> Doutrina

Deste modo, a revisão periódica das medidas implica o desenvolvimento de investigação


científica, com vista ao aprofundar dos conhecimentos sobre a actividade, o produto ou a
tecnologia em causa.
Por isso, um dever acessório de todas as medidas provisórias de carácter autorizativo,
fundadas no princípio da precaução, é o dever de investigação científica. Quanto mais forte e
restritiva for a medida de precaução, em relação à actividade considerada, mais a produção
de conhecimentos deverá ser vista como urgente e juridicamente vinculativa203.
Já no caso das proibições provisórias, baseadas no princípio da precaução, a investiga-
ção científica passa a ser um ónus do interessado na autorização da actividade. Porém, no
processo de determinação de factos e de obtenção de provas, a produção de informação
pela parte interessada, se tiver motivação económica suficiente para fazer grandes investi-
mentos na obtenção de dados, potencialmente pode originar informação tendenciosa, ou
pelo menos percebida como tal204.
De qualquer forma há aqui uma deslocação da responsabilidade, quanto à produção de
novas provas científicas: o regime da autorização prévia inverte o ónus da prova205. In dubio
pro ambiente é a expressão que, sinteticamente, exprime esta ideia.
Idealmente, o que acontecerá é que, após algumas iterações, quando a incerteza científica
se dissipar, uma decisão tornar-se-á definitiva. A matéria em causa passa então a ser regu-
lada pelo princípio da prevenção. Eis como o princípio da precaução promove directamente
o progresso científico num contexto de “ciência pós-normal”206.

5.3.3. Medidas proporcionais


A última característica das medidas decorrentes do princípio da precaução é deverem
ser proporcionais. A proporcionalidade tem, em todo o processo de aplicação do princípio
da precaução, um papel-chave. Mas se a proporcionalidade pressupõe uma comparação
seguida de uma ponderação, quais são aqui os elementos a ter em consideração?
As medidas devem ser proporcionais às ponderações feitas anteriormente:
a) por um lado, às vantagens e inconvenientes (ambientais, sociais e económicos) que de-
correm da autorização da actividade, da aprovação do produto ou da aplicação da tecnologia;
b) por outro, ao nível de protecção definido como adequado, pelos poderes públicos (e
que pode não corresponder à aceitabilidade social do risco, como já vimos antes).
Agora, para efeito de escolha das medidas, não relevam nem a gravidade absoluta dos
danos potenciais, nem a eventual falta de consenso científico quanto aos riscos. Interessa,
sim, atender a toda a ponderação previamente feita quanto à compatibilidade da decisão
final com o desenvolvimento sustentável, nas suas vertentes ambiental, social e económica.
Se as vantagens da actividade, produto ou tecnologia forem mínimas, os inconvenientes,
forem significativos e o nível de protecção exigido, for elevado, então a medida proporcional
e adequada poderá ser uma proibição tout court.

203
Gilles J. Martin, “Principe de Précaution, Prévention des Risques et Responsabilité”, in: Actualité Juridique Droit
Administratif, n.º40, 28 Novembre 2005, p.2224.
204
Judith S. Jones, “Certainty as Illusion: The Nature and Purpose of Uncertainty in the Law”, in: Uncertainty and
Risk. Multidisciplinary Perspectives, Earthascan, London, 2008, p. 275.
205
Para Nicolas de Sadeleer, mais importante do que saber quem tem o ónus da prova do risco ou da sua ausência,
é saber quem deve pagar os custos das avaliações levadas a cabo pelas autoridades públicas. Na sua opinião, só
o princípio do poluidor pagador pode responder a esta questão (“Les Avatars du Principe de Précaution en Droit
Public. Effet de Mode au Révolution Silencieuse?» in: Revue Française de Droit Administratif, 2001, Mai-Juin, p. 554).
206
Conceito cunhado por Silvio Funtowicz (por contraposição ao conceito de “ciência normal” de Thomas Khun) para
caracterizar o método de análise necessário quando os factos são incertos, os valores são controversos, os riscos
elevados e as decisões urgentes (Silvio O. Funtowicz e Jerome R. Ravetz, “Three types of Risk Assessment and the
Emergence of Post-Normal Science, in: Social Theories of Risk, Sheldon Krimsky e Dominic Golding (ed) Praeger,
London, 1992, p. 253 e também“Scienza e decisioni di polity”, in: Notizi di Politeia, anno XIX, n.º70, 2003, p.25).

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No outro extremo, se as vantagens da actividade, produto ou tecnologia forem muito


significativas, os inconvenientes, reduzidos, e o nível de protecção exigido, baixo, poderão
bastar simples deveres de informação, dos clientes ou vizinhos maxime, através do rótulo
do produto ou de dísticos adequados afixados em local visível.
Entre os dois extremos, outros exemplos de medidas precaucionais207 de intensidade
variável208 são: moratórias, autorizações precárias e por prazos curtos209, respeito da regra
ALARA210, substituição de produtos, exigência de garantias financeiras, redução do tempo
de exposição a produtos ou emissões, deveres de monitorização e auto-controlo, deveres de
notificação para aumentar a rastreabilidade, deveres de registo (de produtos, actividades,
etc.) ou simples recomendações para a população exposta ao risco211.
Ao nível administrativo, as medidas adequadas podem consistir na alteração de proce-
dimentos, no envolvimento de entidades especializadas, na criação de órgãos de natureza
científica com poderes consultivos ou deliberativos, na generalização de procedimentos de
pós-avaliação, na aprovação de planos de prevenção de riscos212, etc..

207
Filipa Urbano Calvão faz uma análise sistemática das diversas formas de actuação da administração na protec-
ção do ambiente, com especial incidência nas actuações preventivas (“As Actuações Administrativas no Direito do
Ambiente”, Direito e Justiça, Vol. XIV Tomo 3, 2000, p. 121 a 146).
208
Na escolha entre as diferentes abordagens jurídicas possíveis, é útil ter em mente a construção de Catherine
Thibierge a propósito do “soft law” (traduzido para francês como “le droit souple”). A autora propõe uma “dupla
escala” quanto à “suavidade da força”.

«Le Droit Soupe. Réflexions sur les Textures du Droit», in: Révue Trimestrielle de Droit Civil, Octobre, Décembre
2003, p. 617.
209
Cécile Castaing apresenta esta ideia de uma forma sugestiva: “a medida de precaução não é um fim em si mesma
e parece, pelo contrário, votada à efemeridade: é uma medida que deve ser provisória, à espera que o conhecimento
científico disponível se afine”, “La mise en oeuvre du príncipe de précaution dans le cadre du référé suspension”,
in: Actualité Juridique Droit Administratif, nº43, 15 Décembre, 2003, p. 2291.
Sobre os actos administrativos não definitivos no Direito Administrativo, ver o estudo de Filipa Urbano Calvão Os
actos precários e os actos provisórios no direito administrativo: sua natureza e admissibilidade: as garantias do
particular, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1998.
210
Em matéria de substâncias perigosas, a regra é reduzir a sua utilização até ao nível mais baixo possível: “as low
as reasonably achievable”.
211
Por exemplo a Recomendação 90/143/Euratom, de 21 de Fevereiro de 1990, relativa à protecção da população
contra a exposição interior ao radão, gás radioactivo que ocorre naturalmente em zonas graníticas. “Embora
actualmente não existam provas sólidas relativas aos efeitos da exposição interior ao radão sobre o público em
geral”, mas considerando que se suspeita que possa estar na origem de cancro do pulmão e que o radão interior é
tecnicamente controlável, a Comissão Europeia recomenda, desde 1990, que a construção de edifícios de habitação
em zonas graníticas tenha este fenómeno em consideração.
212
Jean-Marie Pontier caracteriza os planos de prevenção de riscos como instrumentos “previsionais” e não decisó-
rios, “na fronteira da normatividade”, que se multiplicam no domínio da prevenção e gestão de riscos, («Le droit de
la prévention des risques, droit en devenir des sociétés développées, d’aujourd’hui et de demain», in Les plans de
prévention des risques, Université Paul Cézanne- Aix Marseille III, 2007, p. 61). Especificamente sobre a natureza

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Embora a “compra da segurança regulatória”, não possa ser nunca o objectivo primário,
concordamos que um efeito secundário desejável da aplicação das medidas precaucionais,
sobretudo se elas forem amplamente divulgadas, é a consciencialização social do risco213,
a qual, por sua vez, gera primeiro, uma maior preparação para reagir ao risco, se ele se vier
a concretizar214; e segundo, o aumento da confiança, e portanto do bem-estar social, relati-
vamente à sobrevivência numa sociedade de riscos.
Por outras palavras, se é verdade que “quem não arrisca não petisca”, também é um facto
que, arriscando com plena consciência dos riscos, e adoptando medidas preparatórias para
os enfrentar, não só ganhamos em tranquilidade como, se o risco se vier a concretizar, os
impactes serão certamente menores215.

6. Conclusão

Princípio intrinsecamente ligado aos novos tempos do direito ambiental, o princípio da precau-
ção é, por excelência, um instrumento de realização do desenvolvimento sustentável. Preocupações
ambientais, sociais e económicas perpassam os vários momentos de aplicação do princípio.
Proteger as gerações actuais e futuras contra riscos globais, retardados e irreversíveis é um
imperativo ao qual o princípio da precaução parece dar uma resposta adequada.
Este princípio corresponde hoje “tanto a uma vontade política como a uma necessidade jurídica”216
e da sua aplicação resultam, pois, políticas de gestão de riscos realistas217, prudentes e praticáveis.
O respeito dos princípios fundamentais da governância na aplicação do princípio,
envolvendo toda a sociedade, reforça a aceitabilidade social de decisões onerosas, cujas
vantagens, muitas vezes, só serão sentidas no futuro.
Em suma, com Olivier Godard, diríamos que a precaução evoluiu de um “conceito técnico
que criou o seu espaço no mundo organizado da gestão de riscos, para um conceito pivot
de uma mudança radical, desejada ou receada, dos valores fundamentais da sociedade”218.

Alexandra Aragão
Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

e características dos planos de exposição aos riscos, ver Raphael Romi, «Risque et droit quelles problématiques?»
in: La prévention des risques naturels, échec ou réussite des Plans d’exposition aux risques?, Université de Nice
Sophie Antipolis, 1993, p. 23 e ss.
213
Em França o Ministério da Ecologia e do Desenvolvimento Sustentável desenvolveu um “Guia de Concertação entre
o Estado e as Colectividades Territoriais Relativamente aos Planos de Prevenção dos Riscos Naturais Previsíveis”,
Ministère de l’Écologie et du Développement Durable, Plans de Prévention de Risques Naturels Prévisibles. Guide
de la concertation entre l’Etat et les collectivités territoriales. Paris, Décembre 2003.
214
“De facto, o nível de danos não é apenas função da intensidade desta última [a catástrofe] mas de múltiplos
factores como a adequação dos meios de protecção, os planos de evacuação, a instrução e rapidez de intervenção
dos salvadores, da qualidade e flexibilidade da gestão, do grau de informação prévia sobre as vítimas, etc. Neste
caso, a apreensão do risco catastrófico determina em certa medida a extensão da própria catástrofe” (Philippe
Ségur, «La catastrophe et le risque naturels - essai de définition juridique» in: Revue du Droit Public et de la Science
Politique en France et a l’Étranger. - 0035-2578. - N. 6 (1997), p. 1714-1715).
215
José Manuel Mendes e Alexandre Tavares mostram, através do caso concreto da região centro em Portugal, que
a consciência do risco e a preparação para o risco influenciam negativamente a magnitude dos danos. “Building
Resilience to Natural Hazards. Practices and Policies on Governance and Mitigation in the Central Region of Portugal”,
in: Safety, Reliability and Risk Analysis: Theory, Methods and Applications, Martorell et al. (eds), Taylor & Francis
Group, London, 2009, p. 1577 a 1584.
216
Cécile Castaing, “La mise en oeuvre du príncipe de précaution dans le cadre du référé suspension”, in: Actualité
Juridique Droit Administratif, nº43, 15 Décembre 2003, p.2297.
217
“Colocada num contexto construtivo e habilitador, a precaução pode funcionar como um catalizador com um
valor incalculável no reconhecimento do papel adequado da ciência numa era em que a incerteza é reconhecida
pelo que é: um indicador prudente da falibilidade humana na construção do seu mundo”. (Timothy O’Riordan e
James Cameron, (ed.) Interpreting the Precautionary Principle, Earthscan, 1994, p. 68).
218
Le principe de precaution, in: http://www.ceras-projet.com Julho de 2006, p. 4.

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ANEXO

Decreto-lei n.º 69/2000 de 3 de Maio


(alterado e republicado pelo Decreto-lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro)

ANEXO V
Critérios de selecção referidos nos n.os 4 e 5 do artigo 1.º
1— Características dos projectos—as características dos projectos devem ser consideradas
especialmente em relação aos seguintes aspectos:
Dimensão do projecto;
Efeitos cumulativos relativamente a outros projectos;
Utilização dos recursos naturais;
Produção de resíduos;
Poluição e incómodos causados;
Risco de acidentes, atendendo sobretudo às substâncias ou tecnologias utilizadas.
2—Localização dos projectos—deve ser considerada a sensibilidade ambiental das zonas
geográficas susceptíveis de serem afectadas pelos projectos, tendo nomeadamente em conta:
A afectação do uso do solo;
A riqueza relativa, a qualidade e a capacidade de regeneração dos recursos naturais da zona;
A capacidade de absorção do ambiente natural, com especial atenção para as seguintes zonas:
a) Zonas húmidas:
b) Zonas costeiras;
c) Zonas montanhosas e florestais;
d) Reservas e parques naturais;
e) Zonas classificadas ou protegidas, zonas de protecção especial, nos termos da legislação;
f) Zonas nas quais as normas de qualidade ambiental fixadas pela legislação nacional
já foram ultrapassadas;
g) Zonas de forte densidade demográfica;
h) Paisagens importantes do ponto de vista histórico, cultural ou arqueológico.
3—Características do impacte potencial—os potenciais impactes significativos dos
projectos deverão ser considerados em relação aos critérios definidos nos n.os 1 e 2 supra,
atendendo especialmente à:
Extensão do impacte (área geográfica e dimensão da população afectada);
Natureza transfronteiriça do impacte;
Magnitude e complexidade do impacte;
Probabilidade do impacte;
Duração, frequência e reversibilidade do impacte

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RevCEDOUA 2.2008
Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente 57

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