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Neves Shida Saide Amisse

Princípios e conceitos fundamentais do Direito do Ambiente

Universidade Rovuma
Nampula
Março, 2024
Neves Shida Saide Amisse

Princípios e conceitos fundamentais do Direito do Ambiente

Trabalho para efeitos avaliativos a ser entregue na


cadeira de Direito Internacional do Ambiente, no
curso de licenciatura em Direito, 3o Ano, 1o semestre.

Docente: Feliciano Metazama

Universidade Rovuma
Nampula
Março, 2024
Índice
Introdução ....................................................................................................................................... 4

Objectivos ....................................................................................................................................... 4

Metodologia .................................................................................................................................... 4

Princípios e conceitos fundamentais do Direito do Ambiente ........................................................ 5

i. Princípio da Precaução ............................................................................................................ 5

ii. Princípio da Prevenção ............................................................................................................ 7

iii. Princípio do Poluidor Pagador ............................................................................................. 9

iv. Princípio do Desenvolvimento Sustentável ....................................................................... 11

v. Princípio da responsabilidade ................................................................................................ 13

Conclusão...................................................................................................................................... 16

Referências bibliográficas ............................................................................................................. 16


Introdução
O presente trabalho tem como tema principios e seus conceitos fundamentais do Direito do
Ambiente. Tal como nos demais ramos de Direito, também o Direito do Ambiente conta com os
seus princípios basilares ou estruturantes. Conforme Paulo de Bessa Antunes, “o princípio jurídico
servirá de base para a constituição de um direito, mas não é um direito.
Não obstante a consagração de princípios ambientais no Direito Internacional, vamos
centrar-nos na identificação dos princípios jurídico ambientais fundamentais e/ou estruturantes
definidos no quadro jurídico-legal ordinário moçambicano.
Objectivos
 Objectivo geral
 Descrever os principios fundamentais do Direito Internacional do Ambiente;
 Objectivos específicos
 Contextualizar os princípios no âmbito internacional;
 Consolidar os princípios com as normas internas moçambicanas;
Metodologia
Para Gil (2006), Metodologia “é o caminho para se chegar a um determinado fim. É um
método científico como o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adoptados para atingir
o conhecimento” (p. 26). E Segundo Richardson (1999, citado em Assique, 2015) “metodologia é
o conjunto de passos, caminhos, métodos e técnicas científicas que se usam numa pesquisa para
chegar-se ao objectivo pré-definido.”
Para materialização do presente trabalho recorreu-se à uma pesquisa bibliográfica que
cingiu-se na consulta de obras bibliográficas, Dissertação, e os artigos cientificos, reflexão sobre
os conteúdos encontrados e a respectiva compilação de dados.

4
Princípios e conceitos fundamentais do Direito do Ambiente
Tal como nos demais ramos de Direito, também o Direito do Ambiente conta com os seus
princípios basilares ou estruturantes. Estes não devem ser confundidos com as normas jurídicas,
desde logo porque não produzem efeitos jurídicos junto de terceiros, deles não derivam
directamente nem direitos nem obrigações.
Conforme Paulo de Bessa Antunes, “o princípio jurídico servirá de base para a constituição de
um direito, mas não é um direito. Com base em determinados princípios jurídicos (constitucionais
ou não) tenho um direito assegurado em lei. E mais: em determinadas situações, mesmo a
inexistência de uma lei não servira de obstáculo para que eu possa exercer um direito que decorra
de uma adequada aplicação de um princípio jurídico”.
i. Princípio da Precaução

O princípio da precaução consta na lista de princípios da Lei do Ambiente, proclamando-se


que a gestão do ambiente deva “priorizar o estabelecimento de sistemas de prevenção de actos
lesivos ao ambiente de modo a evitar a ocorrência de impactos ambientais negativos significativos
ou irreversíveis, independentemente da existência de certeza científica sobre a ocorrência de tais
impactos”1.

Ao nível internacional, o princípio da precaução foi consagrado no leque de princípios da


Declaração do Rio de Janeiro, nos seguintes termos:

“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser


amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Onde
existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de
certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em
termos de custos para evitar a degradação ambiental”2.

Foi igualmente consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas,
segundo a qual

“As partes deverão tomar medidas de precaução para antecipar, prevenir e


minimizar as causas das variações climáticas e mitigar os seus efeitos adversos.

1
Cf. Artigo 4.° c) da Lei do Ambiente.
2
Cf. Princípio XV da Declaração do Rio. Veja-se ainda, sobre este assunto, GOMES, Carla Amado (2007), ob. cit.,
p. 265 – 269.

5
Onde existam ameaças de danos sérios e irreversíveis, a ausência completa de
certeza científica não deverá ser usada como razão para adiar tais medidas (...)”3.

A consagração do princípio da precaução decorre assim da constatação de que “o


conhecimento científico é susceptível de uma aplicação paradoxal: pode ser canalizado não
somente para as melhores realizações (a descoberta de um medicamento ou vacina susceptível de
curar uma doença fatal) como para os piores feitos (a invenção da bomba atómica e das armas
químicas e bacteriológicas)”.

José Ruben Morato Leite defende que “o princípio da precaução, como estrutura
indispensável do Estado de justiça ambiental, busca verificar a necessidade de uma actividade de
desenvolvimento e os potenciais de risco ou perigo desta. Partem-se dos pressupostos que os
recursos ambientais são finitos e os desejos e a criatividade do homem infinitos, exigindo uma
reflexão pela precaução se a actividade pretendida, ou em execução, tem como escopo a
manutenção dos processos ecológicos e de qualidade de vida”4.

Este princípio encontra-se também consagrado na Lei de Pescas, segundo a qual, “tendo
em conta o grau de incerteza do conhecimento científico existente em cada momento, a gestão, a
conservação e a exploração dos recursos aquáticos vivos têm em vista a sua protecção,
conservação e sustentabilidade e o estabelecimento de sistemas de prevenção de actos lesivos ao
meio ambiente”5;

Na Lei do Ordenamento do Território, para a qual, “a elaboração, execução e alteração


dos instrumentos de gestão territorial deve priorizar o estabelecimento de sistemas de prevenção
de actos lesivos ao ambiente, de modo a evitar a ocorrência de impactos ambientais negativos,
significativos ou irreversíveis, independentemente da existência da certeza científica sobre a
ocorrência de tais impactos”6;

3
Cf. Artigo 3.°, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
4
LEITE, José Rubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à Natureza”, Lusíada
– Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Porto, Universidade Lusíada do Porto, p. 530.
5
Cf. Artigo 5.° b) da Lei de Pescas (Lei n.º 22/2013 de 1 de Novembro).
6
Cf. Artigo 4.° d) da Lei do Ordenamento do Território.

6
E na nova Lei do Mar, consubstanciando a obrigação do Estado de adoptar medidas para a
protecção, conservação, sustentabilidade da biodiversidade e dos ecossistemas e de estabelecer
sistemas de prevenção de actos lesivos ao meio ambiente7.

ii. Princípio da Prevenção

O princípio da prevenção traduz o ditado popular “mais vale prevenir do que remediar”.
Segundo Maria Aragão mais vale prevenir e remediar por três razões fundamentais:

(i) porque em muitos casos é impossível remover a poluição ou o dano real, ficando
descartada a possibilidade de proceder à reconstituição natural da situação anterior à
poluição;
(ii) porque, mesmo sendo possível a reconstituição in natura, frequentemente ela é de tal
modo onerosa, que não pode ser exigível um tal esforço ao poluidor; e porque
economicamente é muito mais dispendioso remediar do que prevenir, pois o custo das
medidas necessárias a evitar a ocorrência da poluição é geralmente muito inferior ao
custo das medidas de despoluição após a ocorrência do dano”8.

Para José Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala “a prevenção se justifica pelo perigo
potencial de que a actividade sabidamente perigosa possa produzir efectivamente os efeitos
indesejados e, em consequência, um dano ambiental, logo, prevenindo de um perigo concreto, cuja
ocorrência é possível e verosímil, sendo, por essa razão, potencial. Constata-se, nessa operação,
que sua aplicação procura evidenciar que é provável que a actividade perigosa demonstre-se de
facto perigosa, ou seja, concretamente perigosa, evidenciando que é possível que venha a produzir
os efeitos nocivos ao ambiente”9.

Segundo Carla Amado Gomes, o princípio da prevenção determina que, “na iminência de uma
actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais,

7
Cf. Artigo da Lei n.º 20/2019, de 8 de Novembro.
8
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade de Direito,
Stvdia Ivridica, n.° 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 116 - 117.
9
LEITE, José Rubens Morato, AYLA, Patyck de Araújo (2004), Direito Ambienta na Sociedade de Risco, 2.ª Edição
revista, actualizada e ampliada, Forense Universitária, Rio de Janeiro, p. 30.

7
essa intervenção deve ser travada”10. Martins Soveral acrescenta, que este princípio “legítima
medidas cautelares, políticas, administrativas, ou mesmo judiciais, tendentes a evitar quer o início
quer a manutenção de actividades lesivas do ambiente”11. Para Paulo de Bessa Antunes, o princípio
da prevenção “aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança,
estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos
impactos futuros mais prováveis”12.

Isto quer dizer que o princípio da prevenção contrapõe-se ao princípio da precaução na medida
em que lida com os chamados perigos, ou seja, aqueles riscos certos e conhecidos, em relação aos
quais existe, portanto, certeza científica do seu impacto junto do ambiente13. Determina que os
órgãos licenciadores tomem em consideração a necessidade de proteger o ambiente, recusando-se
a emitir a licença requerida sempre que houver certeza de que determinada actividade possa vir a
causar danos ambientais em termos sérios e irreversíveis; e o mesmo se diga à possibilidade de
condicionar a emissão da licença à alteração do projecto inicial ou à introdução de medidas de
protecção ambiental14.

Sendo assim, os princípios da precaução e da prevenção não podem ser confundidos,


considerando que apesar de partirem de uma base comum (um momento anterior à própria
ocorrência de danos no ambiente), traduzem duas realidades distintas: a precaução actua num
momento anterior à própria prevenção, isto é, “a precaução exige uma actuação mesmo antes de
se impor qualquer acção preventiva, uma vez que as medidas destinadas a precaver danos
ambientais devem ser tomadas antes de ser estabelecida qualquer relação causal por intermédio de

10
GOMES, Carla Amado (2000), A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente, Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra,
p. 22.
11
SOVERAL, Martins (1988), Legislação Anotada sobre Ambiente e Associações de Defesa, Coimbra, Fora do Texto
(Centelha), p. 18.
12
ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), Direito Ambiental, 8.ª Edição Revista, Ampliada e Atualizada, Rio de Janeiro,
Lumen Juris, p. 39.
13
SERRA, Carlos Manuel (2014), O Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e Recuos na
Construção do Direito Moçambicano, Escolar Editora, Maputo.
14
Idem, p. ().

8
provas científicas absolutamente claras”15; ao passo que “a prevenção tradicional lida com a
probabilidade, a precaução vai além, cobrindo a mera possibilidade – e mesmo a descoberto de
qualquer base de certeza científica”16.

Ao nível do quadro jurídico nacional, o princípio da prevenção não faz parte da Lei do
Ambiente, mas sim da Lei de Florestas e Fauna Bravia, com a designação de “princípio da
prevenção e da prudência”, segundo o qual “A introdução de espécies animais e vegetais e de
tecnologias modernas no sector florestal e faunístico devem ser precedidos de estudos de avaliação
do seu impacto sobre os mesmos com vista a garantir a sua sustentabilidade”.

iii. Princípio do Poluidor Pagador

O Princípio do Poluidor Pagador (PPP), antes de assumir importância como princípio


fundamental do direito internacional do ambiente e de diversos direitos estaduais, foi preparado e
criado no mundo da economia, tendo o seu surgimento oficial tido lugar no dia 26 de Maio de
1972, no quadro de uma Recomendação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) sobre Política do Ambiente na Europa17.

Foi elevado à categoria de princípio do Direito Internacional do Ambiente, através da sua


consagração na Declaração do Rio, nos seguintes termos;

“as autoridades nacionais deverão esforçar-se por promover a


internalização dos custos ambientais e utilização de instrumentos
económicos, tendo em conta o princípio de que o poluidor deverá, em
princípio, suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo
interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos
internacionais”18.

No caso do ordenamento jurídico moçambicano, o Principio do Poluidor Pagador começou por


ser incluído no leque de princípios da Política Nacional do Ambiente, segundo a qual: “o poluidor

15
DIAS, José Eduardo Figueiredo (2002), Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos CEDOUA,
Coimbra, CEDOUA, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Livraria Almedina, Coimbra, p. 19.
16
GOMES, Carla Amado (2001), “Dar o Duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o Princípio da Precaução”, Revista
Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, N.° 15/16, Coimbra, Almedina, IDUAL Almedina, p.13.
17
ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., p. 42.
18
Princípio XVI, da Declaração do Rio.

9
deve repor a qualidade do ambiente danificado e/ou pagar os custos para a prevenção e eliminação
da poluição por si causada”.

José Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala consideram que o conteúdo do PPP é
essencialmente cautelar e preventivo, importando necessariamente na transferência dos custos e
ónus geralmente suportados pela sociedade na forma de emissões de poluentes ou resíduos sólidos,
para que seja suportado primeiro pelo poluidor19.

Gomes Canotilho sublinha que o PPP tem assim como finalidades fundamentais a prevenção
e precaução dos danos ambientais, por um lado, e a justiça na redistribuição dos custos das medidas
públicas de luta contra a degradação do ambiente, por outro20. É precisamente na primeira
característica que encontramos a diferenciação do PPP em relação ao princípio da
responsabilização.

O PPP não se resume na intervenção de reparação dos danos uma vez concretizada a lesão no
bem jurídico do ambiente, assentando na antecipação em relação àquelas lesões, pressupondo a
contribuição do poluidor para a realização de iniciativas, públicas ou privadas, no domínio da
prevenção ambiental. Daí que se diga e se defenda que “o PPP é o princípio que, com maior
eficácia ecológica, com maior economia e equidade social, consegue realizar o objectivo de
protecção do ambiente”21.

Dai que Gomes Canotilho sublinhe que o fim da prevenção-precaução, em que os poluidores
ou degradadores são chamados a suportar os custos de todas as medidas, adoptadas por si próprios
ou pelos poderes públicos, indispensáveis à precaução ou prevenção da poluição normal e
acidental, bem como dos custos da actualização dessas medidas22.

19
LEITE, José Ruben Morato, AYLA, Patrick de Araújo (2004), Direito Ambiental na Sociedade de Risco, 2.ª Edição
revista, actualizada e ampliada, Forense Universitária, Rio de Janeiro, pp. 96 - 97.
20
CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1998), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta,
Lisboa, pp. 50 e seguintes.
21
CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1998), ob. cit., p. 51.
22
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade de Direito,
Stvdia Ivridica, n.º 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, pp. 123 - 124.

10
No caso do ordenamento jurídico moçambicano, temos como exemplo paradigmático da
aplicação do PPP a chamada taxa de limpeza, paga pelos munícipes, por via da factura da
Electricidade de Moçambique. Neste caso, os munícipes são considerados poluidores, como
produtores de resíduos, pelo que são chamados a contribuir para a gestão dos mesmos.

Conforme Carlos Serra e Fernando Cunha,

“vigoram, neste caso, as ideias da prevenção de danos ambientais (pretende-


se, através da contribuição geral, montar um sistema eficaz de gestão de resíduos,
com o objectivo fundamental de diminuir substancialmente o seu impacto junto
do ambiente, no geral, e da saúde das pessoas, em particular) e de justiça
distributiva (onde todos os custos decorrentes do funcionamento do sistema de
gestão dos resíduos são distribuídos equitativamente por todos os produtores de
resíduos, quer sejam empresas quer pessoas singulares) ”23.

No plano ordinário, o PPP encontra-se consagrado na Lei de Pescas, traduzido “na


responsabilização de pessoas singulares ou colectivas pelo custo de reposição da qualidade do
ambiente danificado e ou pelos custos para a prevenção e eliminação da poluição por si causada,
no exercício das actividades pesqueiras e complementares da pesca”; e na Lei do Mar, consistindo
“na obrigação de o poluidor assumir os custos de reposição do ambiente marinho poluído, em
resultado do desenvolvimento de actividades económicas ou outras acções”

iv. Princípio do Desenvolvimento Sustentável

O conceito de desenvolvimento sustentável conheceu a projecção internacional através do


Relatório Brundlant (“Nosso Futuro Comum”)24, publicado em 1987, da autoria de uma Comissão
nomeada pelo Secretário-geral das Nações Unidas, para realizar um estudo aprofundado sobre os
principais problemas ambientais que ameaçam e obstam ao desenvolvimento da maioria dos países
do Sul. Nos termos do presente Relatório, o desenvolvimento sustentável define-se como “aquele
que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem às suas necessidades”25.

23
SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. 108.
24
Esta comissão foi presidida pela então primeira Ministro norueguesa, Gro-Harlen Brundlant.
25
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1987), Nosso Futuro Comum, 2.ª
Edição, Editora da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1991, p. 46.

11
O desenvolvimento pressupõe uma noção profundamente diferente, na medida em que, à
preocupação numérica e quantitativa, que não desaparece, principalmente no contexto de uma
economia de mercado, se junta um conjunto de valores de ordem qualitativa, como a justiça social,
a redistribuição da riqueza, entre outros. Por conseguinte, não haverá desenvolvimento à custa da
miséria de uma maioria ou da exclusão social de muitos, e, em termos positivos, lutar contra a
pobreza constitui uma das dimensões fundamentais do conceito de desenvolvimento”26.

Por seu turno, o conceito de desenvolvimento sustentável vai mais longe dos que os anteriores
conceitos, pois integra uma dimensão já não mais considerada antagónica ao progresso – a
protecção, conservação e valorização do ambiente, sem a qual não se poderá falar de
desenvolvimento. Pelo que este princípio integra hoje três pilares fundamentais: (i) o
desenvolvimento económico, (ii) o desenvolvimento social, (iii) e a protecção do ambiente27.

Há várias referências ao longo da Declaração de Princípios, com destaque para o princípio III
(“o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda equitativamente às
necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras”), bem como para
o princípio IV (“a fim de alcançar o estágio do desenvolvimento sustentável, a protecção do meio
ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser
considerada de forma isolada”).

Considerando os impactos gigantescos da produção e consumo, bem como do crescimento


demográfico exponenciais, determina o princípio VIII da Declaração do Rio que “Para se alcançar
um desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos, os
Estados deverão reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e de consumo e promover
políticas demográficas apropriadas”.

Ao nível do quadro jurídico nacional, nota de destaque para a Constituição de 2004, a qual, em
nosso entendimento, consagrou o princípio de desenvolvimento sustentável em diversas normas,
com uma referência expressa incluída no n.º 2 do artigo 117.°, Alusivo ao papel do Estado no
domínio do ambiente.

26

27
O princípio do desenvolvimento sustentável constitui uma dos principais marcos resultantes da Conferência do Rio
(1992).

12
Na Lei do Ambiente não encontramos o princípio de desenvolvimento sustentável no leque de
princípios constante no artigo 4.°, mas tão-somente a definição do conceito: “desenvolvimento
baseado numa gestão ambiental que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer
o equilíbrio do ambiente e a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem também as suas
necessidades”28.

Somos do entendimento de que a Lei do Ordenamento do Território, apesar de não fazer


constar este princípio no leque de princípios consagrados no artigo 4.°, tem o principio do
ordenamento do território como principio estruturante, fundamental e orientador do próprio
ordenamento do território, na medida em por este se entende: “conjunto de princípios, directivas e
regras que visam garantir a organização do espaço nacional através de um processo dinâmico,
contínuo, flexível e participativo na busca do equilíbrio entre o homem, o meio físico e os recursos
naturais, com vista à promoção do desenvolvimento sustentável (sublinhado nosso)”29.

v. Princípio da responsabilidade

Qualquer violação do Direito implica a imposição de uma sanção ao responsável pela ofensa
à ordem jurídica30. Nesse sentido, a palavra responsabilidade deriva do latim red spondeo,
traduzindo a capacidade de assumir as consequências dos actos ou das omissões31.

Paulo de Bessa Antunes chama-nos a atenção para o facto de o Direito do Ambiente ser, em
grande medida, construído sobre o princípio da responsabilidade, o qual, considerando a natureza
da matéria, é construído de forma peculiar32.

Nesse sentido, conforme nos ensina José Rubens Morato Leite, “não há Estado de
Democrático de Direito se não é oferecida a possibilidade de buscar uma imputação daquele que
ameace ou lese o ambiente”, e “princípios como a precaução, actuação preventiva e cooperação

28
Cf. Artigo 1.°, n.º 9 da Lei do Ambiente.
29
Cf. Artigo 1.° da Lei do Ordenamento do Território.
30
ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit.. p. 41.
31
SĖGUIN, Elida (2006), O Direito Ambiental – Nossa Casa Planetária, 3.ª Edição, revista e actualizada, Editora
Forense, Rio de Janeiro, p. 379.
32
ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit.. p. 41.

13
podem oferecer subsídios importantes à edificação de um Estado mais justo do ponto de vista
ambiental, mas deve-se revelar que estes, isoladamente não funcionam” 33.

Dai que se aluda ao princípio da responsabilidade, fortemente associado à necessidade de


considerar danos transfronteiriços, temática que se encontra na génese do surgimento do Direito
Internacional do Ambiente e alimentou apaixonados debates ao longo de décadas. A Conferência
do Rio (1992) abordou o assunto, facto que culminou no reconhecimento do princípio de que

“Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os


princípios da lei internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios
recursos segundo suas próprias políticas ambientais e de desenvolvimento, e a
responsabilidade de velar para que as actividades realizadas sob sua jurisdição
ou sob seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de
zonas que estejam fora dos limites da jurisdição nacional”34.

Por outro lado, previu-se que “os Estados deverão desenvolver a legislação nacional relativa à
responsabilidade e à indemnização referente às vítimas da contaminação e outros danos
ambientais. Os Estados deverão cooperar de maneira diligente e mais decidida no preparo de novas
leis internacionais sobre responsabilidade e indemnização pelos efeitos adversos dos danos
ambientais causados pelas actividades realizadas dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, em
zonas situadas fora de sua jurisdição35.

Em termos conceptuais, o princípio da responsabilidade pode ser perspectivado em três


vertentes principais: penal, administrativa ou civil. Nesse sentido, conforme diz-nos Elida Séguin,
“se a acção ou a omissão feriu um comando jurídico, tem-se um ilícito. Se a norma ferida for penal,
ter-se-á um ilícito penal, se civil um ilícito civil e se administrativo, um ilícito administrativo. O
ilícito pode decorrer de uma obrigação legal, da transgressão de um comportamento preceituado
ou pactuado”36.

33
LEITE, José Rubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à Natureza”, Lusíada
– Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Porto, Universidade Lusíada do Porto, p. 536.
34
Cf. Principio II da Declaração do Rio (1992).
35
Cf. Principio XIII da Declaração do Rio (1992).
36
SĖGUIN, Elida (2006), ob. cit., p. 379.

14
No domínio do nosso Direito, veja-se, em primeiro lugar, a Lei do Ambiente, Lei n.º 20/97, de
1 de Outubro que consagrou, no seu leque de princípios fundamentais, o princípio da
responsabilização nos seguintes termos: “quem polui ou de qualquer forma degrada o ambiente,
tem sempre a obrigação de reparar ou compensar os danos daí decorrentes”37.

A Lei do Ordenamento do Território, Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho, prevê o “princípio da


responsabilidade das entidades públicas ou privadas por qualquer intervenção sobre o território,
que possa ter causado danos ou afectado a qualidade do ambiente e assegurando a obrigação da
reparação desses mesmos danos e a compensação dos prejuízos causados à qualidade de vida dos
cidadãos”38

Um destaque merece a consagração do princípio da responsabilidade ambiental na Lei de


Conservação da Biodiversidade, Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, segundo o qual “a preservação,
protecção e gestão do meio ambiente deve priorizar o estabelecimento de sistemas de prevenção
de actos lesivos ao ambiente. O dever de quem danifica os recursos naturais, repô-los e/ou pagar
os custos para a eliminação e compensação dos danos por si causados de modo a garantir que não
ocorra nenhuma perda líquida da biodiversidade ou dos recursos naturais”39.

37
Cf. Artigo 4.º, g), da Lei do Ambiente.
38
Cf. Artigo 4.° e) da Lei do Ordenamento do Território.
39
Cf. Artigo 4.° e) da Lei da Conservação da Biodiversidade.

15
Conclusão
O presente trabalho teve como tema princípios e seus conceitos fundamentais do Direito do
Ambiente. Das pesquisas feitas, cheguei a conclusão

Em 1972, a Organização das Nações Unidas realizou, em Estocolmo, em 1972, a primeira grande
Conferência sobre o ambiente. A Conferência de Estocolmo constitui sem dúvidas um marco muito
importante na institucionalização do Direito do Ambiente. A Declaração de Princípios que deste encontro
resultou foi fortemente influenciada pelos diversos tratados, convenções e protocolos internacionais, e, por
sua vez, tornou-se fonte de Direito de muitos Estados que participaram no evento.

Surge assim um ramo novo e autónomo de Direito, especializado nas questões ambientais, dotado
de princípios e normas de cariz específico, assentes no primado da protecção e conservação do ambiente,
que passou a ser leccionado, em meados da década de setenta, em várias universidades.

Portanto, em termos sucintos e objectivos, poderemos definir o Direito do Ambiente como conjunto
integrado de princípios e normas jurídicas dirigidas a proteger, conservar e garantir a utilização sustentável
do ambiente, integrando os componentes ambientais naturais e humanos, bem como as relações que se
estabelecem entre aqueles.

Referências bibliográficas
 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental, 8.ª Edição Revista, Ampliada e
Atualizada, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005.
 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da
Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, n.° 23, Coimbra, Universidade de Coimbra,
Coimbra Editora, Coimbra, 1997.
 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa,
Universidade Aberta, Lisboa, 1998.

 DIAS, José Eduardo Figueiredo. Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente,


Cadernos CEDOUA, Coimbra, CEDOUA, Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Livraria Almedina, Coimbra, 2002.

16
 GOMES, Carla Amado. A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente, Coimbra, Coimbra
Editora, Coimbra, 2000.
 LEITE, José Rubens Morato. “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios
à Natureza”, Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente,
Porto, Universidade Lusíada do Porto, 2001.
 SERRA, Carlos Manuel. O Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e
Recuos na Construção do Direito Moçambicano, Escolar Editora, Maputo, 2014.
 SOVERAL, Martins. Legislação Anotada sobre Ambiente e Associações de Defesa,
Coimbra, Fora do Texto (Centelha), 1988.
 Lei de Pescas (Lei n.º 22/2013 de 1 de Novembro).

17

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