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Amazônia I aquecimento global I setembro 2007 especial caros amigos

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Amazônia, regulador climático

O Brasil é hoje o quarto maior emissor de gases de efeito estufa no mundo. Nos
dois primeiros, China e Estados Unidos, o principal emissor é a queima de combustíveis
fósseis, já na Indonésia e no Brasil, o desmatamento e as queimadas respondem
primordialmente pelo aumento e concentração de carbono na atmosfera, afetando o
clima no planeta.
Cientistas calculam que o desmatamento e queimadas na Amazônia resultem em
torno de 75% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, como ozônio (O3),
metano (CH4), dióxido de nitrogênio (NO2), dióxido de carbono (CO2), monóxido de
carbono (CO) e óxido nitroso (N2O). No total, segundo Carlos Nobre, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, no Brasil, desmatamento e queimadas
respondem pela emissão de 200 a 300 milhões de toneladas/ano, contra menos de 100
milhões de toneladas/ano resultantes da queima de combustíveis fósseis.

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Com o dano à Amazônia, perde-se duplamente, pois se por um lado, a destruição


da floresta amazônica aumenta a quantidade de emissões de carbono na atmosfera e
acirra o problema do aquecimento global, por outro, perde-se um imenso reservatório de
carbono. O projeto de pesquisa do Experimento de Grande Escala da Biosfera da
Amazônia – LBA calcula que a absorção de carbono anual da floresta gira entre 100 e
400 milhões de toneladas.
E não é só isso, o papel da Amazônia como regulador climático global deve-se
também à sua influência no regime hídrico, influenciando na distribuição de chuvas em
todo o planeta. Segundo o físico Rodrigo da Silva, professor da Universidade Federal do
Pará – UFPa, “a Amazônia funciona como regulador térmico ao redistribuir a umidade
proveniente do Oceano Atlântico ao longo de toda a região e até para regiões ao sul do
continente”.
Para Paulo Moutinho, coordenador de pesquisas do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia – Ipam, 52,5% do total das emissões brasileiras estão
diretamente relacionadas às queimadas para abrir pastos para a pecuária. A formação de
pastagens na Amazônia é fonte contínua de emissão de gases, não apenas no
desmatamento e na queima inicial, mas também nas sucessivas queimadas para a
manutenção dos pastos. É importante salientar que, além da incineração da cobertura
vegetal, a exposição do solo nu provoca a emissão de gases de efeito estufa que estão
estocados no solo mantidos pela sua atividade biológica. Para Hudson Silva, professor
do curso de física ambiental da UFPa, “a exposição dos solos proveniente da
degradação da vegetação libera gases ainda mais eficientes para a intensificação do
aquecimento global do que o próprio CO2 que é liberados naturalmente pela fisiologia
da floresta e que ser facilmente reassimilado pela própria vegetação”.
Porém, a pecuária na Amazônia liga-se por diversos caminhos à grilagem das
terras, onde quase sempre ela se implanta; à extração ilegal de madeiras, que lhe
abre as estradas e fronteiras; e à expansão dos campos de soja, que, pela compra das
terras, avança sobre os pastos, impulsionando-os para a floresta. Além de que, a
madeira, a soja e a grilagem, sem dúvida, são também e por si próprias fatores de
devastação da floresta.

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Esses e outros grandes vetores de destruição da Amazônia implantam-se


historicamente assegurados por uma mediação estatal voltada a assegurar o acesso da
floresta à sede insaciável do lucro.

Invasões bárbaras

Até a década de 1970, apesar da muito antiga ocupação dessas florestas, menos de
4% da cobertura florestal da Amazônia era modificada. Além da imemorial presença de
centenas de povos indígenas, a Amazônia há muito é habitada por populações
extrativistas, como seringueiros, pescadores, castanheiros etc. Nessa época, talvez por
profunda ignorância, talvez por não considerar como humana essa população, a ditadura
militar propagou a idéia da Amazônia como um vazio demográfico, um deserto humano,
e deu início aos programas estatais para a “ocupação” da Amazônia. Foi também quando
vieram as grandes obras. Como conta o jornalista Lúcio Flávio Pinto, dizia-se na época
que quando a rodovia Transamazônica estivesse terminada, poderia ser, como a muralha
da China, vista da Lua. “A diferença é que a muralha da China foi construída para defesa
contra os bárbaros e a Transamazônica foi a estrada dos bárbaros”.
Logo em seguida aos projetos de colonização, o governo empenhou uma grande
campanha de atração do grande capital para a Amazônia. E nesse momento se pôde
entender a verdadeira intenção dessa colonização: abastecer de mão-de-obra a região
para viabilizar a instalação de grandes grupos econômicos.
As florestas habitadas e usadas como fonte de vida de inúmeras populações
originárias foram entregues à empresas do centro-sul do país que, após expropriar seus
legítimos ocupantes, deu à terra um uso diferente do que havia até então. A floresta
passou a ser concebida não como fonte, mas como obstáculo. As matas com castanhais
do Sul do Pará, por exemplo, que abrigavam uma população de coletores de castanha-
do-pará, tornam-se pastos de empresários do centro-sul do país, generosamente
financiados pela Sudam. O mesmo começou a acontecer nos seringais do Acre quando o
movimento de resistência pela proteção das florestas e pelo reconhecimento direito dos
seringueiros à terra freou a derrubada dos seringais. Ou ainda com os tantos povos que

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habitavam imemorialmente áreas imensas que foram entregues a grandes grupos


mineradores. Seringueiros, castanheiros e inúmeros outros grupos dependem da floresta
em pé. Ao derrubar-se a mata, não só se abria caminho às incentivadas pecuária,
monoculturas e exploração mineral, como também se expulsava os habitantes originais
que dependiam diretamente da floresta saudável para sua própria sobrevivência.

Desenvolvimento e fetichismo

A Amazônia vivia sob os augúrios de um Estado que tudo apostava na


premissa de que o único caminho para o desenvolvimento seria a adesão do grande
investidor privado. A implantação do grande capital, então sinonímia de progresso,
justificava tudo e legitimou, além de uma bárbara degradação ambiental, também o
massacre dos povos da floresta – o mais concreto obstáculo ao, tão sonhado,
“desenvolvimento”.
O conceito de desenvolvimento, entendido como tradução de crescimento
econômico e de industrialização, reduzia as mais diversas formas de vida social a uma
linha única de evolução: o modo de produção industrial, destino certo e líquido da
evolução natural das potencialidades humanas.
Apesar de já nos anos 70 estar claro que o “desenvolvimento” não só não
reduziria a pobreza, como também, até o final do século XX, elevaria os níveis de
miséria absoluta a até 2/5 da população do planeta, o conceito manteve seu valor
axiomático: um caminho certo e inequívoco que levaria sempre do pior para o
melhor, mesmo quando para a maioria das pessoas o efeito fosse exatamente o
contrário.
A crise do petróleo dos anos 70 deixou claro para quem ainda não havia
percebido que o desenvolvimento dependeria de garantido suprimento, a longo
prazo, do de recursos naturais. Os recursos começam, então, a ser percebidos como
limitados e o discurso ambientalista ganha expressão no âmbito da gestão
empresarial, restrito, porém, à preocupação do abastecimento de matérias-primas
pelo maior tempo possível.

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Uma das soluções adotadas foi a transferência de transnacionais com


atividades que demandassem muitos recursos ou com grande produção de lixo tóxico
para o terceiro mundo. Guillermo Foladori, em seu livro Limites do desenvolvimento
sustentável, reproduz um memorando interno do Banco Mundial, assinado por um de
seus principais economistas, onde recomenda ao BM que incentive as indústrias
poluentes dos países ricos a migrarem para o terceiro mundo. Três argumentos
justificam a proposta: 1) as indenizações aos indefectíveis danos à saúde dos
trabalhadores dessas indústrias seriam menores; 2) os impactos gerados pela poluição
residual da atividade dessas indústrias seria menor em países não poluídos e 3) a
demanda por um ambiente saudável é menor em culturas do terceiro mundo, citando
como exemplo, “a preocupação com um agente que cause mudança de um em 1
milhão na possibilidade de câncer de próstata será obviamente mais alta em um país
onde a população vive suficientemente para ter câncer de próstata que em países onde
a mortalidade infantil de menos de 5 anos é de 200 por mil”.
Na época, a política brasileira era, exatamente, atrair essas indústrias e todo
seu imenso passivo, dando a entender à sociedade de que a vinda dessas indústrias
era “ajuda ao desenvolvimento” prestada pelos países ricos. Na Conferência de
Estocolmo sobre meio ambiente, em 1972, o Brasil liderou os países
subdesenvolvidos em um bloco de resistência a qualquer preocupação com os
impactos ambientais. Nesse mesmo ano, o país anunciava no New York Times que
não tinha controle de impactos ambientais e conclamava todas as indústrias
poluidoras, eletro ou recurso-intensivas a aqui se instalarem. Na época (como
também agora), a preocupação ambientalista era rechaçada sob a alegação de que
se oporia ao desenvolvimento. E esse, era pregado como o caminho para
erradicação da pobreza que, aliás, ele próprio criava e ampliava, como uma
conseqüência certa e indefectível do processo de industrialização capitalista.
Porém, a partir das preocupações referentes aos limites dos recursos naturais, o
discurso do desenvolvimento estava prestes a uma nova guinada. Wolfgang Sachs
explica que, assim como ele se metamorfoseara em “desenvolvimento eqüitativo”
quando disposto a harmonizar o impossível, ou seja, erradicar a pobreza que ele

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mesmo criava; agora, frente às evidências da crise ambiental, surgia o


“desenvolvimento sustentável”. Uma abstração que prometia, no mesmo veículo o
veneno e o antídoto. Nada mudava no que concebia por desenvolvimento, apenas se
prometia – no plano do discurso – fazê-lo sem prejuízo ambiental. A propaganda,
então, anuncia a conciliação do crescimento econômico com a proteção ambiental.

Desenvolvimento sustentável

A força hegemônica que o conceito de desenvolvimento sustentável adquiriu a


partir dos anos 90 foi tamanha que o pôs acima de qualquer discussão e passou a ser
caução para legitimar o que quer que fosse. Reforça-se a fé nos prodígios da tecnologia
e do mercado para nos libertariam das impossibilidades – inclusive físicas e econômicas
– de se compatibilizar a acumulação indefinida e necessariamente crescente da
economia industrial com os limites e finitudes dos recursos naturais. A devoção chegou
a ponto de o economista Robert Solow receber o Prêmio Nobel por alardear que os
recursos naturais já eram completamente dispensáveis à produção e ao crescimento, pois
uma milagrosa tecnologia poderia provir sinteticamente qualquer escassez e tratar de
“consertar” as limitações de renovação dos recursos naturais ou, no mínimo, determinar
“medidas mitigadoras” suficientes para anular qualquer impacto.
Hoje, as políticas para a Amazônia, mais do que nunca, são sentenciadas pelo
axioma do desenvolvimento. A melhor demonstração disso foi dada pelo próprio
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro de 2006, durante a inauguração da
unidade de biodiesel da usina Barralcool, em Barra do Bugres (MT), quando discursava
ao lado de seu, então, aliado político, o governador Blairo Maggi. Depois de ter
garantido que "não tem nenhum sistema financeiro mais perfeito do que o nosso", Lula
elencou os entraves ao desenvolvimento do país: índios, quilombolas, ambientalistas e
Ministério Público. Fica muito claro, além do desinteresse ambiental, que o tão
aclamado “desenvolvimento” não é para todos os brasileiros. Alguns não combinam
com o figurino e serão, logo de cara, direta e sumariamente excluídos. É..., o progresso
tem seu preço: em nome do desenvolvimento, um governo sacrifica os interesses vitais

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se seu povo. Aliás, é procedimento bastante comum não só no Brasil, como em todo o
terceiro mundo.
Muitas e diversas organizações levantaram-se contra os dizeres do presidente,
porém, a grande maioria das manifestações não escaparam do conceito hegemônico de
desenvolvimento. Queixavam-se do que fora chamado de “entrave”, e pleiteavam um
“desenvolvimento sustentável”. O desenvolvimento sustentável, então, põe-se acima de
qualquer discussão, um consenso mudo a servir de ponto de partida para se pensar
qualquer ação, inclusive, as que tangem a preservação ambiental. Desenvolvimento
sustentável é, antes de tudo, desenvolvimento, no sentido clássico de industrialização e
concentração de riquezas, e mesmo as mais sinceras preocupações com o meio, acabam,
submetendo os critérios ambientais à lógica de, como nos casos do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL), onde se pretende criar um mercado de CO2, ou os
Mecanismos de Certificação Florestal (MCF), onde supostamente se garantiria a
consumidores “conscientes” a origem sustentável da madeira.
O verniz de “desenvolvimento sustentável” legitima e revigora uma premissa
que perdura desde a colônia. A Amazônia é concebida em um olhar que reduz toda a
floresta a “recursos”, matéria-prima para abastecer as necessidades do colonizador.
Minérios, carne, grãos, madeira, energia (principalmente na forma de alumínio) e outros
recursos para suprir o Primeiro Mundo são as principais causas da imensa devastação. E
basta olhar as ações previstas pelo PAC para a Amazônia para ver o norte escolhido.
A ilegalidade da degradação é flagrante e tão evidente quanto irrelevante frente
ao argumento do desenvolvimento que trazem. Os desmatamentos para pecuária são
sempre criminosos, sem as devidas licenças, mesmo porque a grande maioria está em
terras públicas griladas. O mesmo acontece com a madeira extraída ou com a soja
plantada na Amazônia. Nesse particular, é exemplar o caso do grande porto da
multinacional Cargill, construído à revelia da lei, às margens da foz do rio Tapajós, em
Santarém. O empreendimento não cumpriu uma das etapas básicas do processo de
licenciamento: a elaboração do Estudo de Impactos Ambientais (EIA). Vários grupos
populares de Santarém não aceitam o desrespeito legal da Cargill e, menos ainda, a
conversão das suas florestas em campos de soja incentivados pela Cargill. Também o

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Ministério Público Federal, há anos, empenha uma acirrada batalha jurídica contra a
empresa. Segundo o Procurador da República, Felipe Fritz Braga, a decisão dos
desembargadores no, até então, último julgamento envolvendo a questão mostra “uma
situação contraditória, pois, por um lado declara a obrigatoriedade de se realizarem os
Estudos de Impactos Ambientais para que se emita a licença de operação, mas por outro
permite a operação sem que haja licença. Enquanto isso, os danos ambientais causados
pelo porto proliferam”.

O preço do progresso

Os resultados do “desenvolvimento” na Amazônia são cada vez mais evidentes.


O primeiro mandato do Governo Lula respondeu por uma destruição histórica da
floresta amazônica, superando os índices de destruição de todos os governos anteriores.
Foram mais de 84 mil km2 de desmatamento – uma área pouco menor que Portugal –
que se somaram a um acumulado de cerca de 630 mil km2 de cobertura florestal que já
se perderam na Amazônia Legal (incluindo o cerrado) apenas nos últimos 40 anos. O
ritmo é assustador: os oito anos do governo FHC responderam por 25% de todo o
desmatamento acumulado e, só nos primeiros quatro anos de Lula, desmatou-se mais
14% sobre esse total.

1977 – 1988 21.000 km2


1988 – 1990 31.500 km2
1990 – 1994 39.700 km2
1994 – 1998 77.800 km2 (1º. Mandato FHC)
1998 – 2002 76.900 km2 (2º. Mandato FHC)
2002 – 2006 84.400 km2 (1º. Mandato Lula)
Fonte: Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

No início de agosto, o governo federal comemorou os dados publicados pelo


Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) indicando que, entre 2006 e 2007, o
desmatamento na Amazônia foi em torno de “apenas” 9,6 mil km2, o menor desde
1988, quando o órgão começou o monitoramento. Usando referências do futebol,

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bem ao gosto do Presidente, isso significa que entre o segundo semestre do ano
passado e o primeiro semestre de 2007, desmatou-se a área equivalente a um campo
de futebol a cada 17 segundos na Amazônia. E durante os doze meses do período,
uma porção de floresta quase do tamanho do Líbano foi posta a baixo.
O motivo da comemoração deve-se também ao fato de ser o terceiro ano
consecutivo de queda nos índices de desmatamento na Amazônia, o que foi atribuído
pelo governo aos seus supostos sucessos na política de controle ambiental. Sem
dúvida, a intensificação de ações do Ibama no período influíram na mudança de uma
tendência crescente de destruição das florestas, porém, foram ignorados todos os
fatores conjunturais que desmotivaram alguns tradicionais agentes causadores do
desmatamento, como a pecuária e o agronegócio. Os baixos preços da carne bovina e
da soja, e os interditos à comercialização de carne de muitas regiões da Amazônia
em virtude da contaminação pela febre aftosa desencorajaram a expansão dessas
atividades. Um quadro que não se repetirá no próximo período e ao qual se somará a
euforia especulativa em torno dos agrocombustíveis.
É importante saber, portanto, que a queda do desmatamento não se deve, na
grande maioria dos casos, a ações de controle e de um Estado que se faz presente.
No caso do eixo da BR-163, no sudoeste do Pará, por exemplo, uma das regiões com
os maiores índices de desmatamento nos anos anteriores, a sensível queda se
relaciona diretamente à criação de 6,4 milhões de hectares de unidades de
conservação na região. Não que essas reservas tenham sido implantadas, muito ao
contrário, limitaram-se à decretação, não saíram do papel. Sua função no controle do
desmatamento se deve ao estreito laço entre o desmatamento e a grilagem de terras.
Acredita-se que mais de 80% das terras na Amazônia sejam públicas, nem o
Incra sabe ao certo. Esse caos fundiário abriga, na Amazônia, uma verdadeira guerra
por terra e, apesar da imensidão de terras públicas, não se encontra um só palmo que
não esteja sendo disputado por meio da violência e poder político. Grandes grupos
econômicos se dizem donos de gigantescas porções de florestas, expulsam índios,
populações tradicionais, camponeses e também grileiros menores. Nesse processo de
apropriação, os grileiros desmatam, queimam e criam gado para demonstrar a “posse

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produtiva”, quesito valioso para a obtenção da documentação da terra. O crime


ambiental é, muitas vezes, aos olhos do Incra, “benfeitoria” e comprovação da
“posse útil”. Como explicou Karlson Melo, chefe da base operativa do Ibama em
Itaituba até 2005, “é freqüente o grileiro fazer uma grande derrubada e em seguida
telefonar ao Ibama pedindo que o autuemos. A multa é usada por ele como uma
comprovação de ocupação da terra perante o Incra”.
A especificação, por decreto, das reservas como áreas de domínio da União,
sob jurisdição do Ibama, não passíveis de terem o domínio transferido, torna-as um
espaço dificilmente “grilável”, e assim livra essas áreas de algumas etapas da longa
seqüência de mecanismos para a apropriação ilícita da terra. Assim, o respeito aos
limites das reservas ambientais, no mais das vezes, não se deve à eficiência da
fiscalização (inexistente na maioria delas), ou, menos ainda, à aceitação da proteção
ambiental como imperativo moral.
De qualquer forma, a criação de unidades de conservação foi efetiva no
controle ao desmatamento e causa preocupação o fato de, em 2007, o governo
federal não ter criado uma única unidade de conservação na Amazônia. Há, pelo
menos, 14 projetos de criação de reservas ambientais que já passaram por todos os
trâmites, aguardando somente a assinatura do presidente. Porém, os decretos de
criação dessas novas áreas de proteção ambiental foram “interceptados” pela
ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e estão sendo usados como moeda de troca
pelas licenças ambientais das mega-obras do setor energético defendidos pela
ministra.
Nada mais coerente com a política de desenvolvimento do governo Lula. Não
só pela construção das mega-obras com impactos ambientais ainda incomensuráveis,
mas pelo perfil dessas obras. A hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, terá sua
energia disponibilizada para a produção de alumínio que é extremamente eletro -
intensiva e gera pouquíssimos empregos. Nas últimas décadas, o primeiro mundo
fecha suas indústrias de alumínio por não quererem pagar o altíssimo custo social e
ambiental dessa atividade. Simultaneamente, a implantação delas passa a ser

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financiada nos países do terceiro mundo. O hilário é que isso ainda vem como
“impulso para o desenvolvimento”.
A degradação não se limita aos milhares de hectares de florestas alagadas, à
barreiras biogeográficas erigidas e mais um sem fim de impactos diretos. Mas
estende-se às populações indígenas e ribeirinhos que vivem a montante e que
resistem bravamente à imposição da barragem. O enfraquecimento dessas
populações talvez seja o maior impacto ambiental das grandes obras, pois
efetivamente eles são o verdadeiro obstáculo à destruição da floresta.

Vidas caboclas: moedas de troca

Das unidades de conservação que têm sua criação retida na Casa Civil, várias
cumprem a vital missão de reconhecer o direito à terra aos seus ocupantes originais,
como a Reserva Extrativista (Resex) Médio Xingu, que beneficiaria a floresta e a
população tradicional que dela vive. A não criação da Resex beneficia diretamente a CR
Almeida, que tenta se apoderar de mais de 7 milhões de ha e, para isso, tenta expulsar a
gente que lá vive há anos.
É também o caso da Resex Montanha-Mangabal, onde mais de uma centena de
famílias resiste a mais de 140 anos, enfrentando as mais violentas pressões de grileiros
para expulsá-los da terra. Essa área é o último remanescente de população tradicional do
alto curso do rio Tapajós e, não por coincidência, é um dos últimos remanescentes de
mata nativa às margens desse trecho do rio. Em todos os demais trechos onde a
população local foi expulsa, a floresta foi derrubada.
Seja na Médio Xingu, seja em Montanha-Mangabal, aquela gente resistiu a
intimidações e violência de grileiros, madeireiros e pistoleiros. Resta saber se resistirão
ao posicionamento do governo federal em negar-lhes o reconhecimento do direito ao
território que ocupam.
Além de socialmente insana, essa postura é ambientalmente perniciosa. Bem se
sabe como é inocente crer na eficácia de ações de fiscalização para deter a degradação
ambiental na Amazônia. Os vários movimentos que brotam nas florestas de todos os

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Estados da Amazônia, resistindo contra o avanço dos pastos, dos campos do


agronegócio e dos madeireiros deixa bem claro, pra quem quiser ver: só há
possibilidade de efetiva proteção da floresta se isso for algo que inclua e parta dos
povos da floresta, quem, de fato, têm o controle do território. Como disse Nilson Vieira,
gerente do Ibama em Santarém até o início de 2007, “ainda que o efetivo do Ibama
fosse multiplicado por dez, nossa tarefa seria ingrata, seria quase impossível se não
houver a participação comunitária, se a sociedade não se organizar e nos ajudar a fazer o
que precisa ser feito”.
A sustentabilidade do modo de vida dos povos da floresta deve-se diretamente
ao profundo conhecimento que têm das florestas onde vivem. Saberes que permitem,
inclusive, identificar os limites ao uso que fazem da floresta. Esses limites são
fundamentados não só nas necessidades do grupo, mas também nas condições de vida,
de fartura e de sustento de seus descendentes futuros.
Mas os direitos dos povos da floresta são sistematicamente violados e seu modo
de vida e seus saberes ridicularizados em confrontação com a tecnocracia
desenvolvimentista de um ambientalismo pró-mercado. Mais do que desconsiderar a
provada eficiência das populações indígenas e extrativistas em deter a devastação, as
ações governamentais vão no sentido de expropriá-los.
O constructo ideológico do desenvolvimento sustentável, demanda um aparato
político e jurídico para se ordenar o território de modo a viabilizar, a grandes grupos
econômicos, o acesso à terra e vias menos truculentas, mais “técnicas”, de se livrar o
acesso aos recursos do incômodo obstáculo de índios, caboclos, quilombolas e
ribeirinhos e demais “selvagens”.

A Lei 11.284/2006, novo marco regulatório

A Lei de Gestão de Florestas Públicas (11.284/2006) vem atender a essa


demanda ao instituir e regulamentar a concessão de florestas públicas para a exploração
privada dos recursos madeireiros e serviços florestais. “É a economia da floresta que vai
salvar a floresta”, alardeia o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo,

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quando anuncia, em julho último, a concessão de 1 milhão de hectares de florestas


públicas para exploração madeireira. Aposta-se numa estranha lógica: para se preservar
há que se derrubar, ao mesmo tempo em que, mais uma vez, se passará por cima do
saber patrimonial das populações extrativistas que habitam essas florestas há gerações e
gerações mantendo-as em pé.
Essa Lei vem no momento em que a devastação causada pelas madeireiras tende
a aumentar ainda mais o seu ritmo já ensandecido. Até os últimos anos, o mercado
mundial de madeiras foi abastecido pelas poucas sobras das florestas tropicais asiáticas.
A tomar pela intensa migração de madeireiras asiáticas (principalmente chinesas) para a
Amazônia, essa será a “bola da vez” para saciar de matéria-prima o mercado mundial
madeireiro.
Segundo Elder de Paula, professor da Universidade Federal do Acre, o
abastecimento das grandes corporações que controlam o comércio internacional de
madeira foi a verdadeira motivação da Lei 11.286/06. “Houve uma intensa pressão
internacional através da elaboração de parâmetros e de sua imposição aos países
detentores de grandes “estoques” de florestas tropicais. A intermediação da ONU
legitimou a construção pactuada dessa regulação. O agronegócio da madeireira
abocanhará algo em torno de 13 milhões de ha de florestas públicas na Amazônia numa
primeira tacada, podendo chegar, posteriormente, a 50 milhões, por meio de contratos
de concessão com prazos de até 40 anos”.
Durante os pouquíssimos debates sobre essa Lei que passaria a gerir uma
vastíssima porção da Amazônia, os argumentos dos arautos do “desenvolvimento
sustentável” pautaram-se na premissa de que a adoção das técnicas do “manejo
florestal” garantiriam o “uso sustentável” da floresta. De Paula argumenta que “a
proliferação de muitos resultados de pesquisas, artigos e a elaboração de cartilhas e
manuais de ‘manejo’, foram poderosos instrumentos para a formação de um consenso
em torno da exploração madeireira nas florestas públicas. Isso reproduz o credo na
infalibilidade da ‘autoridade tecnocientífica’ na racionalização sobre a natureza na
Amazônia”. E a legitimação científica é bastante seletiva, uma vez que o consenso sobre
a sustentabilidade da exploração comercial de madeiras e de seu controle restringe-se a

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pesquisadores favoráveis ao projeto, passando ao largo de outros reconhecidos nomes


como Niro Higuchi, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia-INPA, que alerta
sobre a falta de garantias dessa exploração sobre a saúde da floresta.
De dentro da mata, lideranças contemporâneas de Chico Mendes, como o
seringueiro Osmarino Amâncio, também reagem à entrega de suas florestas sob o
argumento da sustentabilidade: “Eles estão destruindo árvores de 500, 600, 800 anos e
tão dizendo que as outras vão se recompor em 30 anos. Isso não é verdade, porque em
nenhum lugar do mundo foi feito o manejo que eles estão fazendo e deu certo”. E, de
fato, os resultados da concessão de florestas em outros países ficou longe de ser
discutida no rápido processo de tramitação da Lei, como explica de Paula:
“Conseguiram a grande façanha de difundir a idéia de que a melhor maneira de
‘proteger’ as florestas públicas seria entregando-as à guarda dos madeireiros... e o que é
pior, não ocorreu a ninguém uma simples pergunta: o que aconteceu naqueles países
onde ocorreu a concessão florestal? Se a fizessem, teriam ‘descoberto’ que as florestas
foram praticamente dizimadas”.
Os povos da floresta serão o grande obstáculo a essa concessão de florestas
públicas. No Oeste do Pará, em 2006, o governo estadual concedeu autorizações de
detenção de terras públicas para extração madeireira em duas regiões, nas proximidades
do rio Uruará e do rio Arapiuns. Nos dois casos houveram conflitos violentos. No
primeiro caso, os ribeirinhos chegaram a atear fogo em balsa que transportava madeira
cortada de seus territórios; no segundo, recentemente uma liderança indígena que
organiza grande resistência foi espancado. No Acre, de Paula explica que “As áreas que
serão objeto de concessão estão praticamente todas ocupadas por populações
extrativistas; não haverá lugar para elas quando as madeireiras assumirem o controle.
Há 500 mil ha de florestas estaduais que serão licitadas para concessão no eixo da BR-
364 – trecho Tarauacá / Cruzeiro do Sul – centenas de famílias estão sendo pressionadas
pelo governo estadual a abandonar suas áreas e deslocarem-se para pequenos lotes de
terra nas margens dessa rodovia.” O discurso da geração de empregos também não
procede, pois devido ao elevado grau de mecanização de extração da madeira, a
absorção de força de trabalho local é irrisória.

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Amazônia I aquecimento global I setembro 2007 especial caros amigos

A população indígena talvez seja atingida de forma ainda mais violenta. Para o
antropólogo e professor da Universidade Federal do Acre, Jacó Piccoli, o Estado não
tem a menor condição de controlar a exploração de florestas próximas às Terras
Indígenas e, “se hoje existe retirada ilegal de madeira do interior de Terras Indígenas,
agenciadas por grandes madeireiras, mas executada por pequenas, de modo sutil e com
o aliciamento de lideranças indígenas, imaginemos quando a exploração de madeira em
grande escala for autorizada nas proximidades das Terras Indígenas”.
Outro ponto que preocupa Piccoli é a ameaça de que a concessão de florestas
para extração madeireira sobreponha-se a áreas de ocupação indígena ainda sem seus
territórios reconhecidos, “só no Acre, há pelo menos 7 Terras Indígenas a serem
definidas contando-se apenas os povos já integrados”. Além disso, há vastas áreas
ocupadas por povos indígenas isolados e não contactados. Segundo o antropólogo
“só na fronteira Brasil-Peru, sabe-se da existência de, no mínimo, 6 povos nessa
situação, também sem seus territórios reconhecidos”. A concessão de florestas
públicas, nesse caso, representa uma grande ameaça a essas populações, “haverá
muita proximidade, quando não, sobreposição, entre as terras ocupadas por índios
isolados e as atividades das madeireiras. Isso provocará contágio endêmico de
conseqüências imprevisíveis. Populações inteiras poderão, da noite para o dia, ser
completamente dizimadas. O que no fundo acabaria indo ao encontro dos interesses
empresariais: um território livre da presença de seus ocupantes e aberto à exploração
econômica indiscriminada”, explica Piccoli.
O reconhecimento do direito à terra dos povos da floresta já mostraram muito
claramente sua eficiência em deter o desmatamento e a degradação ambiental. Ainda
assim, processos de criação de Reservas Extrativistas ou de homologação de Terras
Indígenas são retidos na Casa Civil, enquanto a concessão dos territórios dessa gente
às madeireiras corre livre.
Tanto socialmente, como ambientalmente, a formalização da situação da terra
em favor de seus legítimos ocupantes seria uma completa obviedade. Porém, hoje como
nos anos 70, como disse o presidente, esses são entraves ao desenvolvimento. E ele tem
razão. A ideologia do desenvolvimento pressupõe incorporar a floresta, como matéria-

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prima, à economia de mercado. Se esses recursos já estão em uso por pessoas que daí
tiram sua sobrevivência e reproduzem seu modo de vida com suficiente tecnologia para
permitir que a floresta se renove, isso impede a apropriação pelo mercado desses
recursos e, portanto, obstaculiza o desenvolvimento. Mas se o desenvolvimento chega,
expulsando os inconvenientes ou, como sugerem as novas propostas do
desenvolvimento sustentável, transformando-os e reduzindo-os a pequenos madeireiros,
criam-se novas formas de pobreza social e degradação ambiental. Mas isso também é
visto como desenvolvimento.
Mais do que nunca, todo o mundo se volta ao maior desmatamento do planeta e
atenta à importância da Amazônia como um regulador climático global. De maneira
nova, se pensam em novas tecnologias que tornem a vida nos centros urbanos menos
impactante e que demandem uma menor devastação da Amazônia. Porém, mantém-se,
como sempre, a visão da Amazônia como um banco de recursos a ser predatoriamente
explorado e uma veemente recusa em reconhecer a vital função dos povos que habitam
as matas da Amazônia em deter sua devastação.
A maior causa de desmatamento é o não reconhecimento do direito à terra dos
povos da floresta.

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