Você está na página 1de 3

TI SAWRE MUYBU sem perpetuamente postergados.

A decisão, entretanto, não foi TI SAWRÉ MUYBU CERCADA POR


cumprida e, poucos dias depois de sua publicação, o Tribunal HIDRELÉTRICAS PLANEJADAS (ISA, 2016)

A Incômoda Existência Regional Federal da 1ª Região (TRF1) concedeu efeito suspensivo,


isto é, sua suspensão temporária até o julgamento do recurso.

Apesar das alegações oficiais da Funai para não dar prossegui-


mento ao processo, em setembro de 2014, a então presidente
interina do órgão, Maria Augusta Assirati, em reunião com
lideranças munduruku realizada na sede da Funai, em Brasília,
justificava que não havia cumprido o compromisso assumido com
Maurício Torres Cientista social, professor colaborador do PPGRNA/Ufopa
os índios em virtude das pressões do próprio Governo Federal,
que antevia que o reconhecimento da TI inviabilizaria a cons-
trução da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Afinal, a TI Sawre
Muybu, situada na região da foz do rio Jamanxim no Tapajós,
SÃO LUIZ DO TAPAJÓS FOI ANUNCIADA COMO Ou, talvez, fosse desconsiderada apenas sua humanidade. E, a seria diretamente afetada pelos projetos de barramento, e, sem a
A PRIMEIRA HIDRELÉTRICA AMAZÔNICA EM tomar pelos fatos, o que pautava o governo federal era a versão da publicação do RCID, a área sequer seria considerada de “ocupação
REGIÃO DE FLORESTA SEM OCUPAÇÃO HUMANA, inexistência humana. Mostra disso foi que, quatro meses após a tradicional indígena”, apesar da sabida existência de indígenas no
DESCONSIDERANDO A EXISTÊNCIA DE INDÍGENAS E promessa de diálogo feita pelos ministros, um importante local local. Afinal, conforme a regulamentação proposta na Portaria
RIBEIRINHOS EM SUA ÁREA DE IMPACTO DIRETO. A sagrado para o povo Munduruku, a Cachoeira de Sete Quedas, Interministerial n° 419/2011, apenas seriam consideradas Terras
META DE CONCLUIR O LEILÃO EM 2014 NÃO OCORREU foi dinamitada para viabilizar a construção da UHETeles Pires, Indígenas “as áreas ocupadas por povos indígenas, cujo RCID
SOBRETUDO POR CONTA DA RESISTÊNCIA DOS sem que houvesse qualquer vislumbre de consulta aos povos e tenha sido aprovado por portaria da Funai e publicado no
MUNDURUKU, QUE ATRASARAM O PROCESSO ATÉ QUE comunidades tradicionais. Contudo, o povo Munduruku não se Diário Oficial da União, ou áreas que tenham sido objeto de seus termos, deram início à autodemarcação física de suas ter-
O CENÁRIO POLÍTICO-ECONÔMICO DO PAÍS MUDASSE aquietou ante a privação de seus direitos e mobilizou uma árdua portaria de interdição expedida pela Funai em razão da locali- ras. Para eles, o maior desafio não era, propriamente, percorrer
DRASTICAMENTE. AINDA ASSIM, NADA ESTÁ SELADO campanha contra os projetos hidrelétricos, com diversas ações, zação de índios isolados” (grifo meu). em meio à floresta, os mais de 200 quilômetros de perímetro a
que envolveram desde a ocupação do canteiro de obras da UHE de serem demarcados, mas sim experienciar o brutal saqueio de
Belo Monte, no rio Xingu, à detenção de pesquisadores envolvidos Em 1° de outubro daquele ano, nove dias depois desta tensa reu-
Em 2011, logo após a aprovação dos estudos de inventário do madeira e palmito de que a área é vítima. E, note-se, desde 1998,
no licenciamento das barragens no Tapajós que invadiam o que nião com os Munduruku, a então presidente interina apresentou
aproveitamento hidrelétrico do Tapajós, o povo Munduruku deu a área já era uma Unidade de Conservação, a Floresta Nacional
os Munduruku reconhecem como seu território. seu pedido de exoneração. Em sua primeira entrevista fora da
início a uma série de manifestações em oposição ao projeto, de Itaituba II.
Funai, concedida à jornalista Ana Aranha e publicada no portal
exigindo, desde o início, seu direito de ser ouvido, conforme Em paralelo a isso, tramitava na Funai o processo de reconhe- da Agência Pública, em 27 de janeiro de 2015, Assirati revelou Porém, apesar de todas as dificuldades, a autodemarcação se-
especificado na Convenção 169 da Organização Internacional do cimento da Terra Indígena Sawre Muybu, em área que seria que as manobras para licenciar a hidrelétrica a obrigaram a guia e já pouco se esperava do governo quando, após a Câmara
Trabalho (OIT). Em novembro do mesmo ano, os então ministros parcialmente alagada caso a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós descumprir compromissos assumidos
da Secretaria Geral da Presidência da República e da Justiça,

© RUY SPOSATI/AG. RAÍZES, 2013


fosse levada adiante. Depois de esperar por vários anos pela e a não publicar o relatório que delimi-
receberam diversas lideranças indígenas Munduruku, Kayabi, publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e De- taria a TI Sawre Muybu: “Nós tivemos
Kayapó e Apiaká em Brasília, e, em nome do governo, garantiram limitação (RCID), em fevereiro de 2013, em reunião na Funai, que descumprir esse compromisso
que manteriam um canal aberto de diálogo e que procederiam em Brasília, lideranças munduruku ouviram da presidência do em razão da prioridade que o governo
a regulamentação da Convenção nº 169 da OIT. órgão, o compromisso de que o documento seria publicado. En- deu ao empreendimento. Isso é grave”.
Entretanto, por outro lado do mesmo governo, membros do pri- tretanto, a promessa acabou esbarrando no interesse barrageiro Neste contexto, e entre idas e vindas a
meiro escalão de órgãos ligados ao Ministério de Minas e Energia e nada aconteceu. Brasília, os Munduruku decidiram ir
(MME) – como Maurício Tolmasquin, então presidente da Em- Em outubro de 2014, ao deferir parcialmente um pedido de para a ação. Em outubro de 2014, os
presa de Pesquisa Energética (EPE) – mantinham-se insistentes liminar ajuizado pelo Ministério Público Federal (MPF), em “guerreiros munduruku”, conforme
nas afirmações, amplamente divulgadas na imprensa, de que a Santarém, a Justiça Federal em Itaituba determinou um prazo
planejada hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, seria a primeira a de 15 dias para que a Funai publicasse o RCID de Sawre Muybu,
ser construída em região não habitada ou em áreas da floresta visto que os argumentos do órgão para a demora careciam de
amazônica onde não havia ocupação humana. Com isso, descon- razoabilidade e fundamentação válida, além de invocar uma
siderava-se a existência de indígenas, ribeirinhos e camponeses genérica e vazia alegação de priorização das regiões Centro-Sul,
que viviam na área de impacto direto da pretendida hidrelétrica. Sudeste e Nordeste, de modo que os direitos dos indígenas fos- Cacique tupinambá Babau (ao centro) acompanha
guerreiros munduruku na ocupação de Belo Monte.

434 TAPAJÓS / MADEIRA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL 2011/2016 - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL POVOS INDÍGENAS NO BRASIL 2011/2016 - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL TAPAJÓS / MADEIRA 435
~
MOVIMENTO IPEREĞ AYU
© LETÍCIA LEITE/ISA, 2013

Habilidades de Quem Sabe se Defender

Rosamaria Loures Engenheira-agrônoma, mestranda em Ciências Ambientais, Ufopa

Maurício Torres Cientista social, professor colaborador do PPGRNA/Ufopa

Munduruku entregam ao representante do Governo


Federal carta resposta à ordem de desocupação de FORMADO EM 2012, O MOVIMENTO MUNDURUKU respondeu de pronto: “foi no contato com os brancos”. E, de
Belo Monte. ~
IPEREĞ AYU LIDEROU A OPOSIÇÃO À IMPLANTAÇÃO fato, os Munduruku sempre forjaram, desde tempos remotos,
DE HIDRELÉTRICAS NO TAPAJÓS, ENTENDIDAS inúmeros movimentos em defesa de seus territórios, tanto contra
Federal votar o afastamento da presidente Dilma Rousseff, num Contava também o fato de que, ao contrário do que se passou COMO A PRINCIPAL AMEAÇA AOS SEUS DIREITOS E outros povos indígenas quanto contra os não indígenas (pariwat).
momento em que se rompeu o dito “governo de coalizão”, o então com os povos do Xingu, no Tapajós a Justiça Federal obrigou TERRITÓRIOS. NO CERNE DE SUAS REIVINDICAÇÕES De modo que, para os integrantes do MMIA, “movimento” é uma
presidente da Funai assinou o Despacho nº 28, aprovando o RCID taxativamente o Governo Federal a cumprir a lei e realizar a ESTÁ O DIREITO À CONSULTA LIVRE, PRÉVIA E tradição munduruku.
de Sawre Muybu, publicado no Diário Oficial da União em 19 CLPI, conforme tanto exigiram os Munduruku, algo que não era INFORMADA, DESRESPEITADO PELO GOVERNO
de abril de 2016. Meses depois, em 4 de agosto, o Ibama acabou tão simples, uma vez que o governo nunca o havia feito. E, por FEDERAL. PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DO O MMIA também não foi o primeiro movimento contra projetos
arquivando o processo de licenciamento da planejada hidrelétrica fim, a eclosão da Lava Jato, criando uma enorme crise política e BRASIL, ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL desenvolvimentistas que atropelavam seus direitos territoriais,
de São Luiz do Tapajós. Entre os motivos do arquivamento, estava desmascarando o esquema de corrupção que envolvia grandes FORAM CONDUZIDOS SOB ESCOLTA ARMADA e, tampouco, o primeiro contra as pretensões de barramento do
o alagamento da TI Sawre Muybu e a remoção forçada de aldeias, empreiteiras e os megaempreendimentos públicos, pôs uma pá Tapajós. Uma ata da assembleia do povo Munduruku de 1987,
algo vedado constitucionalmente, senão por razões humanitárias de cal nas pretensões imediatas do barramento de São Luiz do por exemplo, registrava: “Nós estivemos reunidos para debater
Na madrugada de 3 de julho de 2012, guerreiros e guerreiras
excepcionais como epidemias ou outras catástrofes, mediante Tapajós. vários assuntos do nosso interesse. Principalmente a represa do
munduruku derrubaram parte da parede da delegacia de polícia
aprovação do Congresso Nacional. Rio Tapajós. Porque isso vai causar muitos problemas para a área
A intenção do governo era que São Luiz do Tapajós estivesse lei- de Jacareacanga (PA). O ato era uma resposta ao assassinato de
munduruku. Tiveram (sic) 47 líderes das comunidades indígenas
loada já em 2014, antes de todos esses eventos. E o leilão só não Lelo Akay Munduruku, ocorrido dez dias antes naquela cidade
MUNDURUKU, UM PROTAGONISMO debatendo esse assunto. Esta barragem pode trazer muito dano
ocorreu por conta da aguerrida resistência do povo Munduruku após roubarem as pepitas de ouro que ele levava no bolso. Com a
DE BASTIDORES para reserva, principalmente caças e o alagamento das florestas
pelo seu território. Sua luta, articulada pelo movimento Ipereğ “ação da delegacia”, como viria a ficar conhecida, os Munduruku
que são de grande utilidade para a lavoura. (...) Então por isso a
Sem dúvida, foram muitos os fatores que atravancaram o barra- Ay¤, foi o grande e verdadeiro responsável por atrasar o proces- exigiam uma resposta ao crime.
comunidade Munduruku não aceita a construção dessa barragem
mento do rio, para viabilizar a UHE de São Luiz do Tapajós. Em so de licenciamento e leilão da obra até que todo esse cenário Para muitos, esse foi o ato fundante do Movimento Munduruku nesse local. E por isso estamos pedindo ao governo para que não
primeiro lugar, a crise econômica que desde o final do primeiro político se alterasse. Ainda assim, nada está selado. O RCID de Ipereğ Ay¤ (MMIA) – ou, ao menos, o momento em que a or- seja feita essa represa”.
mandato de Dilma Rousseff se agravava somada ao perfil do Sawre Muybu está no período administrativo do julgamento das ganização de enfrentamento munduruku se alinhou em torno
empresariado brasileiro que jamais gasta dinheiro próprio, contestações. Dentre os pedidos apresentados de impugnação a desta denominação. A partir daí, o MMIA seguiu se fortalecendo
esta TI estão os do Ministério de Minas e Energia e do Consórcio HISTÓRICO E SIGNIFICADOS
sabendo que é bem melhor fazê-lo com dinheiro público. O a cada novo ato e ganhando contornos mais precisos, ao colocar, ~
Tapajós, grupo composto pela Eletrobrás e mais seis empresas, DO IPEREĞ AYU
recém-nomeado ministro da economia, Joaquim Levy, antes no centro de suas discussões internas, a oposição às pretensões
mesmo de assumir o cargo, já dava sinais de que não haveria dentre as quais a empreiteira Camargo Corrêa e outras do setor de implantação de hidrelétricas na região do Tapajós, ainda que Ipereğ ay¤, na língua Munduruku, pode significar ‘o povo que sabe
mais tanto dinheiro para obras de infraestrutura, apontando elétrico. O interesse em desconstituir e negar o direito originário não tenha se restringido a essa pauta. Ao contrário, a importância se defender’, ou que ‘não é fácil de enganar’, ou, ainda, que ‘não
para a guinada neoliberal, ocorrida a partir do início do segundo do povo Munduruku se traduz, literalmente, na intenção direta da resistência às barragens decorria do fato de representarem é fácil de pegar’. A organização social do MMIA foi estruturada
governo Dilma. Por outro lado, havia também o passivo da UHE do barramento do Rio Tapajós. (outubro, 2016) o que o MMIA entendia como a principal ameaça ao que seria, em estreita conexão com a cosmologia munduruku, na medida
Belo Monte, no Xingu, que se tornava cada vez mais indisfarçá- essa sim, sua razão de ser: o território e os direitos do povo Mun- em que mimetiza o grupo de guerreiros liderado por Karodaybi,
vel e com um peso político cada vez maior sobre este que era o duruku. Ao ser perguntado sobre o primeiro movimento de seu o grande guerreiro-criador Munduruku, que havia escolhido os
próximo megaempreendimento da lista do PAC. povo, Jairo Saw, um importante representante dos Munduruku, cinco mais hábeis guerreiros para sua proteção: Pukorao Pik

436 TAPAJÓS / MADEIRA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL 2011/2016 - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL POVOS INDÍGENAS NO BRASIL 2011/2016 - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL TAPAJÓS / MADEIRA 437
© ANTÔNIO CRUZ /ABr, 2013
Pik, Pusuru kao, Waremucu Pak Pak, Surup Surup e Wakobur¤. como uma forma de intimidação para viabilizar a implantação Após inúmeras reuniões e pressões do Governo Federal
Como o mito, o MMIA se organiza em cinco grupos, cada qual do Complexo Hidrelétrico do Tapajós. A truculenta e inesperada para que uma comitiva de poucos Munduruku partisse
associado ao nome de um dos guerreiros de Karodaybi, sendo invasão da aldeia Teles Pires teve como principal saldo 19 indí- para uma reunião em Brasília, a proposta do número
um deles (Wakobur¤) formado por mulheres guerreiras. Em genas feridos e o assassinato da uma liderança, Adenilson Kirixi restrito foi rejeitada pelo MMIA, apontando que só acei-
cada um deles há um pajé na linha de frente, que “conserva o Munduruku. Em 2013, a consequência direta foi um expressivo tariam a reunião com todos os 150 manifestantes e dois
sagrado forte”, para acompanhar o grupo. Sua importância vai aumento da tensão entre os Munduruku e as tropas que escolta- cachorros. E assim foi aceita a condição pelo Governo,
da proteção espiritual que invoca aos guerreiros, ao uso de suas vam os autores da dita pesquisa, quando estas cercavam por dias que enviou dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB)
duas visões, que permitem ver para além do plano material. seguidos as aldeias e comunidades beiradeiras, efetuando atos para transportar todos os manifestantes. Uma vez em
Os pajés são capazes de compreender para além, conseguem de violência, intimidação e forte pressão psicológica1. Brasília, o então ministro Gilberto Carvalho, entretanto,
prever o que está por vir e o que pode lhes afetar. E, por apontar limitou-se a dizer que o Governo não abriria mão dos
Esses ocorridos e o posicionamento do Governo Federal em não
caminhos, são consultados nos diversos momentos e contextos projetos de barramento no Rio Tapajós e, quanto à
dialogar – embora estivesse sempre disposto a um simulacro
do movimento. CLPI, afirmou que, embora a consulta prévia tivesse
de comunicação, por meio da Secretaria Geral da Presidência
que ser ampla e devesse acolher sugestões, não haveria
As ações do MMIA são, também, momentos de reprodução ritu- da República (SGPR) – concorreram para que os Munduruku, Munduruku protestam em pista de pouso em Brasília contra a construção de hidrelétricas
qualquer direito de veto. Assim, os representantes do no Tapajós, Xingu e afluentes.
alística. Canções são evocadas em ações de vigilância e disputa, em 2013, acirrassem seus ímpetos de resistência. No cerne de
MMIA decidiram retornar para o seu território na bacia
como nas ocupações dos canteiros de obras da UHE Belo Monte suas reivindicações estava o direito de serem consultados nos
do Tapajós e empreender outras formas de defesa. captura dos pesquisadores, representantes da Funai de Brasília
(ver adiante). Os/As “cantores(as) munduruku” são importantes termos da Consulta Livre Prévia e Informada (CLPI), pactuada
No final de junho, no retorno de Brasília, mais uma vez o MMIA (falando também em nome da SGPR) estavam em Jacareacanga,
membros integrantes do MMIA, já que conhecem e bem entoam pela Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Ou seja,
se deparou com denúncias de pesquisadores empenhados com prometendo, em praça pública, a imediata suspensão dos estu-
os cantos rituais munduruku, que têm o poder de enfraquecer lutavam para que o próprio Governo Federal cumprisse a lei.
o licenciamento do CHT em território munduruku. Já não era a dos e garantindo que sua continuidade estaria condicionada a
o inimigo, entre muitas outras coisas.
Estrategicamente, o MMIA entendeu que conseguiria maior re- primeira vez: ao menos desde agosto de 2012, havia denúncias realização da CLPI. Mediante essas condições, os pesquisadores
percussão política se ocupasse o canteiro de obras de Belo Monte. sobre pesquisas realizadas pelas empresas envolvidas com o li- foram soltos. Porém, confirmando a precariedade da palavra do
TRAVESSIAS DE (R)EXISTÊNCIAS Parada a maior obra de engenharia do Programa de Aceleração Governo Federal empenhada com o MMIA, menos de um mês
cenciamento ambiental do CHT. A fim de apurarem as denúncias,
Em uma das ações do MMIA, quando pararam o canteiro de do Crescimento (PAC) em andamento, certamente, o Governo não o grupo realizou uma expedição e encontrou 25 pesquisadores depois, o Ibama ratificou a autorização de pesquisa à Concremat,
obras de Belo Monte, os Munduruku ouviram de um cacique do poderia ignorá-los. Maio e junho de 2013 foram dois meses em contratados pela empresa Concremat para a realização dos estu- garantindo assim continuidade arbitrária dos estudos. A Concremat,
povo Arara – que havia vivido a trágica experiência do “licencia- que os Munduruku, em analogia com suas expedições ancestrais, dos demandados para o licenciamento da hidrelétrica de Jatobá, então, retornou ao Tapajós tendo, de um lado, pesquisadores que
mento cosmético” de Belo Monte – que, se quisessem impedir percorreram mais de 900 quilômetros de distância até o Rio também planejada para a região. se submetem a esse tipo de trabalho e, de outro, um aparato de
a construção das hidrelétricas no Tapajós, teriam que evitar a Xingu. Fizeram duas ocupações no canteiro de obras da UHE Belo guerra para constranger ou mesmo impedir à força a mobilização
O Governo alegava que tais pesquisadores estavam fora da TI
conclusão dos estudos. Os Munduruku o ouviram e decidiram Monte; a primeira de 2 a 9 de maio, e a segunda de 27 de maio a dos Munduruku. Daí em diante, todos os trabalhos de pesquisa
Munduruku formalmente demarcada. Por outro lado, o MMIA
resistir a todas as pesquisas efetivadas sem qualquer processo 4 de junho. A entrada para ocupação dos canteiros foi pacífica e foram realizados sob escolta da FN, que acompanhou cada um dos
dizia que os estudos eram realizados em todo o curso do Tapajós,
de consulta, como entendiam ter direito. contou com cerca de 170 pessoas das etnias Munduruku, Juruna, pesquisadores todo o tempo. Como fruto da resistência mundu-
que integra o território munduruku. Chocavam-se, assim, concep-
Kayapó, Xipaya, Kuruaya e Arara, além de pescadores e ribeiri- ruku, tivemos, pela primeira vez na história do Brasil, estudos de
Em meio a esse conturbado processo de realização dos estudos ções distintas do que seriam as terras e o território munduruku.
nhos. Durante as duas ocupações manteve-se a mesma pauta, impacto ambiental conduzidos sob escolta armada.
para o licenciamento ambiental, em março de 2013, o Governo Enquanto o governo sustentava que o território seria equivalente
clara e anunciada por cartas e pronunciamentos, demonstrando
Federal editou o Decreto 7.957, que formalizou a participação da à terra estipulada por atos normativos, os Munduruku entendiam Com o arquivamento do processo de licenciamento do barra-
que não estavam lá para negociar com os construtores de Belo
Força Nacional de Segurança Pública (FN) na escolta aos pesqui- como seu território a porção tradicionalmente ocupada por eles mento planejado em São Luiz do Tapajós, o projeto de aprovei-
Monte e, menos ainda, para apresentar uma lista de pedidos a
sadores, a fim de garantir a realização dos estudos exigidos. No e seus ancestrais. E, de fato, conforme o item 2 do artigo 13 da tamento hidrelétrico de Jatobá será o próximo a ser protocolado
serem atendidos, conforme destacaram em uma carta pública
mesmo mês, foi iniciada a Operação Tapajós e enormes contin- Convenção 169 da OIT, a alegação do movimento encontra base pelo Governo Federal para a região. Será a próxima ameaça ao
divulgada em 3 de maio de 2013:
gentes da FN, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, legal, pois o conceito de terra toma por referência o conceito de povo Munduruku, mas também, certamente, a próxima pauta
com forte aparato militar aéreo e terrestre, deslocaram-se ao Nós estamos aqui para dialogar com o governo. Para território, que “abrange a totalidade do habitat das regiões que os de resistência. (outubro, 2016)
Médio e Alto Rio Tapajós para escoltar os técnicos que iriam protestar contra a construção de grandes projetos que im- povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma”.
realizar os estudos de viabilidade do Complexo Hidrelétrico do pactam definitivamente nossas vidas. Para exigir que seja Nesse sentido, o local onde os pesquisadores foram encontrados NOTAS
Tapajós (CHT); uma verdadeira operação de guerra. regulamentada a lei que vai garantir e realizar a consulta era território munduruku, por ser em frente à pedra do Cantagalo, 1
Para mais, leia M. TORRES. 2014. “De seringais, gateiros e garimpos: o Alto
prévia – ou seja, antes de estudos e construções! Por fim, onde há pinturas rupestres que são fundamentais à sua cosmologia. Tapajós e suas gentes”. In: Sousa Jr., Wilson Cabral de (org.). Tapajós: hidrelétri-
É importante lembrar que, em novembro de 2012, na TI Kayabi, cas, infraestrutura e caos: elementos para a governança da sustentabilidade
e mais importante, ocupamos o canteiro para exigir que em uma região singular. São José dos Campos: ITA/CTA.
Rio Teles Pires, o Governo Federal já havia deflagrado a polêmica Então, os Munduruku abordaram a equipe de pesquisa, con-
seja realizada a consulta prévia sobre a construção de
e trágica Operação Eldorado, anunciada como um esforço de com- fiscaram seus materiais e detiveram três pesquisadores, de 2
Esta carta e outros materiais podem ser acessados em: <https://ocupacao-
empreendimentos em nossas terras, rios e florestas2. belomonte.wordpress.com>.
bate à garimpagem irregular, que foi entendido pelos Munduruku forma a garantir a atenção do Governo Federal. Dois dias após a

438 TAPAJÓS / MADEIRA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL 2011/2016 - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL POVOS INDÍGENAS NO BRASIL 2011/2016 - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL TAPAJÓS / MADEIRA 439

Você também pode gostar