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Governo do Estado do Rio de Janeiro

S ecretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa


Assessoria Jurídica

Manifestação.SECEC/ASSJUR SEI Nº 619 Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2021

DIVERGÊNCIA DE
ENTENDIMENTO ENTRE
ÓRGÃOS LOCAIS DO SISTEMA
JURÍDICO DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO. SUBMISSÃO DA
QUESTÃO À D. PROCURADORIA
GERAL DO ESTADO, NOS
TERMOS DO ART. 4º, IV DA LEI
ESTADUAL Nº 5.414, DE 19 DE
MARÇO DE 2009 E DO ART. 6º, §
2º DO DECRETO ESTADUAL Nº
40.500/2007. TOMBAMENTO
PROVISÓRIO. TERREIRO DA
GOMEIA. PROCEDIMENTO
PREVISTO NA LEI ESTADUAL Nº
509/1981 E NO DECRETO
ESTADUAL Nº 5.808/1982.
INTERVENÇÃO DECISÓRIA
ANÔMALA EM MOMENTO
PROCESSUAL IMPRÓPRIO DO
EXMO. SR. GOVERNADOR DO
ESTADO. NEGATIVA DE
TOMBAMENTO PROVISÓRIO
POR FATORES ECONÔMICOS.
CONSIDERAÇÕES

I – RELATÓRIO

A presente consulta é formulada à douta Procuradoria Geral do Estado, nos termos do art. 4º,
IV da Lei Estadual nº 5.414, de 19 de março de 2009 e do art. 6º, § 2º do Decreto Estadual nº 40.500, de 01
de janeiro de 2007, tendo em vista a divergência de entendimento entre a Assessoria Jurídica da Secretaria
de Estado de Cultura e Economia Criativa – ASSJUR/SECEC e a Assessoria Jurídica da Secretaria de
Estado da Casa Civil – ASJUR/SECC (despacho doc. SEI 9808705), apta a gerar impacto para a
administração pública estadual, no bojo do processo administrativo nº E-18/007/760/2019.
O mencionado expediente foi instaurado para tombamento do Terreiro da Gomeia,
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localizado na Avenida Prefeito Braulino de Matos Reis, nº 360, Vila Leopoldina, no município de
Duque de Caxias/RJ, após solicitações da sociedade civil fluminense (fls. 04/09).
Às fls. 11/116, o Departamento de Pesquisa e Documentação apresentou pesquisa histórica do
Terreiro e manifestou-se favoravelmente ao tombamento (fls. 117).
No doc. 8612547, consta parecer favorável do Departamento do Patrimônio Imaterial do
Inepac, recomendando o tombamento do Terreiro da Gomeia “Manso Bantuqueno ngomessa Kat’espero
Gomeia da Nação Kongo / Angola”.
Posteriormente, o Departamento de Patrimônio Cultural e Natural – DCPN apresentou
pesquisa e parecer técnico favorável ao tombamento provisório (doc. 8658708).
Em seguida, foram juntados aos autos minuta de Edital de Tombamento Provisório do Terreno
da Gomeia (doc. 8663153) e minuta de Ato de Tombamento Provisório (doc. 8711892).
Os autos foram encaminhados à Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa (doc.
8712106) e, em seguida, à Secretaria de Estado da Casa Civil, para ciência do Exmo. Sr. Governador do
Estado, nos termos do art. 5º da Lei Estadual nº 509, de 03 de dezembro de 1981 (doc. 8770747).
Na Secretaria de Estado da Casa Civil, o processo foi remetido à Assessoria Jurídica da
Pasta, para análise e parecer das minutas (doc. 9574416).
Em sua manifestação (doc. 9808705), a ASJUR/SECC destacou que a atribuição para o
exame das minutas de edital de tombamento e de ato de tombamento provisório é da Assessoria Jurídica da
Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa – ASJUR/SECEC.
Inobstante, destacou que o tombamento de determinado bem, ainda que provisório, atrai para
o ente tombador deveres concretos para com a conservação do mesmo (art. 19 da Lei nº 509, de 03 de
dezembro de 1981), gerando risco de eventuais gastos para a Administração Pública estadual. Ademais,
frisou que em oportunidades anteriores, quando da ciência de processo de tombamento provisório, o
Exmo. Sr. Governador interviu no feito para indeferir de plano o tombamento por conta dos riscos
econômicos da responsabilidade subsidiária pela conservação do bem.
Entendeu, por fim, que os autos deveriam ser remetidos à ASSJUR/SECEC, para análise das
minutas e, que fosse procedimentalizada a ciência do Governador a respeito do tombamento provisório,
oportunidade em que se decidirá se haverá ou não intervenção decisória na fase de tombamento provisório.
É o relatório.

II – FUNDAMENTOS JURÍDICOS

II.1 - A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A preservação do patrimônio cultural como política pública de Estado teve seu pontapé inicial
na Revolução Francesa, oportunidade em que os bens do clero e da nobreza foram confiscados pelo Poder
Público, sendo alojados, em sua maioria, em museus. Para tanto, criou-se um método para preparar o
inventário dos bens confiscados, bem como todo o procedimento de administração dos bens. Originaram-se,
assim, os procedimentos iniciais de preservação do patrimônio cultural.
A Constituição brasileira de 1934 foi a primeira Carta Magna a citar a proteção do patrimônio
histórico-cultural, sendo posteriormente editado o Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que trata

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especificamente da obrigatoriedade de o Poder Público proteger os bens culturais nacionais.
Percebe-se, portanto, que a preservação do patrimônio histórico-cultural sempre foi objeto de
anseio social, o que se extrai da própria origem da palavra. O termo patrimônio vem do latim pater que
significa pai. Murguia e Yassuda asseveram que “ o patrimônio representava, como ainda representa, os
bens de herança que são transmitidos aos filhos. Ao longo dos tempos o significado do termo
patrimônio estendeu-se aos bens de determinados grupos sociais, que eram passados para as gerações
futuras como forma de transmitir seus conhecimentos e seu poder de dominação[1]”.
Seguindo essa mesma linha, Souza discorre que “o hábito de guardar objetos que
contenham algum significado afetivo, como documentos, cartas, fotografias e uma infinidade de
pequenas lembranças sob os mais variados formatos, é comum desde que o homem se organizou em
sociedade. Nos dias atuais, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico advindo da área da
informática, continuamos a reunir informações que nos são caras, agora em arquivos digitais,
registrados em CDS, DVDS e outros meios magnéticos. Se, particularmente, os indivíduos assim
precedem, em coletividade passarão por processos semelhantes. Assim, é usual as sociedades
preservarem os testemunhos de sua história e de sua cultura. O resultado dessa preservação compõe o
que chamamos Patrimônio Cultural[2]”.
Depreende-se, ainda, que a valorização do patrimônio cultural e sua preservação se
consolidaram como direito de todos e dever do Estado, com status de direito fundamental, principalmente
em razão do papel da cultura na identificação da população para com seu local.
Para fins didáticos, cumpre trazer à baila a clássica proposta de Kasel Vasak quanto às
dimensões de direitos fundamentais, inspirada no lema da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e
fraternidade.
Em síntese, pode-se dizer que os direitos de primeira dimensão são aqueles ligados à liberdade
em seu sentido amplo (direitos civis e políticos). Os direitos de segunda dimensão, por sua vez, são aqueles
relacionados à igualdade em sentido amplo (direitos econômicos, sociais e culturais). Já os direitos de terceira
dimensão são aqueles ligados à fraternidade (direitos difusos e coletivos). A proteção da cultura e a
preservação do patrimônio cultural constituem um direito de segunda dimensão, que demandam prestações
positivas do Estado para a sua efetiva concretização.
Diante disso, verifica-se que a preservação da cultura e do patrimônio cultural constituem uma
das formas mais importantes de se manter a identidade de um povo e, por conseguinte, quando o ente público
não pauta políticas públicas voltadas à preservação do patrimônio cultural, ocasiona verdadeiras perdas no que
diz respeito à essa identidade para a população.
Quando a Administração Pública atua na preservação, pode-se valer de mecanismos
elencados pela legislação vigente, sendo, contudo, a proteção por intermédio do ato de tombamento, a
forma mais efetiva de preservação. Nesse ínterim, convém destacar que o tombamento constitui forma de
intervenção estatal na propriedade com vistas à proteção do patrimônio cultural brasileiro. Segundo Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, o tombamento é um procedimento administrativo através do qual o Poder Público
sujeita restrições parciais ao bem, sempre em vista ao interesse público maior, isto é, à proteção do patrimônio
histórico-cultural nacional[3].
A Constituição Federal estabelece em seu artigo 216, § 1º que o “Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação”.
No âmbito estadual, podemos destacar o Decreto-lei nº 2, de 11 de abril de 1969 (que define
os bens integrantes do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Estado Guanabara e institui medidas
para a sua proteção), a Lei nº 509, de 3 de dezembro de 1981 (que dispõe sobre o Conselho Estadual de
Tombamento) e o Decreto nº 5.808, de 13 de julho de 1982 (que regulamenta a Lei 509/1981).
Além disso, convém destacar a criação do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural,
inicialmente como Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, da Secretaria de Estado da Educação e
Cultura, em 25 de março de 1963, pelo Decreto nº 1.594, de 08 de abril de 1963 e regulamentado em 31 de
dezembro de 1964.
Diante desse panorama de preservação do patrimônio histórico-cultural, pode-se dizer que
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apesar de, em tese, o ato de tombamento ter caráter discricionário para o gestor público, a preservação e a
promoção do patrimônio cultural são deveres da Administração Pública, por se tratarem de direitos
de segunda dimensão assegurados constitucionalmente e, principalmente, por contribuírem para a
construção da identidade cultural do povo. A identidade de um povo depende de seu patrimônio histórico-
cultural, de forma que a preservação de bem cultural e seu consequente tombamento não podem ser
encarados como uma mera escolha administrativa.
Feitas tais considerações iniciais, passa-se a discorrer sobre a divergência de entendimento
desta Assessoria Jurídica com o entendimento da d. Assessoria Jurídica da Casa Civil.

II.2 – DA VIOLAÇÃO AO PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI Nº 509, DE 03 DE


DEZEMBRO DE 1981 E NO DECRETO Nº 5.808, DE 13 DE JULHO DE 1982

O presente processo administrativo foi encaminhado à d. Secretaria de Estado da Casa Civil


com vistas à publicação em Diário Oficial do Edital de Tombamento Provisório e do Ato de Tombamento
Provisório do Terreiro da Gomeia, localizado na Avenida Prefeito Braulino de Matos Reis, nº 360, Vila
Leopoldina, no município de Duque de Caxias/RJ. Contudo, na análise realizada pela Assessoria Jurídica da
referida Pasta de Estado (doc. 9808705) chegou-se ao seguinte entendimento:

Dessa forma, ainda que não seja um elemento explícito constante na Lei estadual n° 509/81 e no
Decreto estadual n° 5.808/82, legítima a consideração do risco financeiro quando da deliberação
política do ato de tombamento. Nesse sentido, inclusive, esta assessoria tem conhecimento de que,
em oportunidades anteriores, quando da ciência de processo de tombamento provisório, entendeu
por bem o Exmo. Sr. Governador, no exercício do seu "juízo preliminar e discricionário" (art. 5º
da Lei Estadual nº 509/81) intervir no feito e indeferir de plano o tombamento por conta dos
riscos econômicos da responsabilidade subsidiária da conservação do bem.
Registra-se que a intervenção governamental na referida fase processual é anômala, vez que, a
princípio, o juízo discricionário do Exmo. Sr. Governador dar-se-ia quando do exame do
tombamento definitivo. De toda sorte, considerando a competência governamental de direção
superior do Poder Executivo estadual, bem como sua expressa competência para deliberação
quanto ao tombamento definitivo, não se vislumbra qualquer ilegalidade na interferência
antecipada a luz de seu juízo político e discricionário.
Noutro giro, sem embargo desse juízo político, pertinente esclarecer que não há óbices
estritamente jurídicos para o prosseguimento da etapa provisória do tombamento, na forma dos
diplomas normativos supracitados.
Ante o exposto, figura necessário que a Chefia de Gabinete procedimentalize a ciência Exmo. Sr.
Governador a respeito do tombamento provisório pretendido nos autos, oportunidade em que se
decidirá, em juízo discricionário, se procederá a intervenção anômala na atual etapa do processo de
tombamento, sustando do prosseguimento da medida. (Grifo nosso)

Como se vê, a orientação da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Casa Civil é pela
negativa do tombamento provisório do imóvel pelo Governador, no exercício de seu poder hierárquico. Como
se percebe, entretanto, na própria manifestação, a d. Assessoria Jurídica reconhece que a intervenção
decisória do Governador em sede de tombamento provisório é anômala. Pois bem, por anômalo
entende-se algo irregular ou fora do comum. É qualidade daquilo que se opõe à ordem natural das coisas.
Data máxima vênia, causa-nos incômodo que no mesmo ato em que se afirma que não
deveria haver intervenção do Governador nesta fase do processo, haja, efetivamente, ingerência no exercício
ordinário e regular do poder de polícia do Inepac.
Explico. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o procedimento para tombamento de bens é
disciplinado pela Lei Estadual nº 509, de 03 de dezembro de 1981, que dispõe sobre o Conselho Estadual de

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Tombamento – CET, e pelo Decreto Estadual nº 5.808, de 13 de julho de 1982, que regulamenta a
mencionada lei. Vejamos o que estabelecem o art. 5º da lei e o art. 5º do decreto, respectivamente:

Art. 5º - O processo de tombamento, ciente previamente o Governador do Estado por intermédio da


Secretaria de Estado de Educação e Cultura, será iniciado pelo Instituto Estadual do Patrimônio
Cultural, que determinará o tombamento provisório do bem, mediante notificação ao proprietário,
sendo, em seguida, ouvido o Conselho Estadual de Tombamento, cujo Parecer será levado ao
Secretário de Estado de Educação e Cultura.
§ 1º - O tombamento provisório equipara-se para todos os efeitos ao tombamento definitivo, mas
só terá validade até a publicação do ato do Secretário de Estado de Educação e Cultura, a quem
cabe decidir sobre o pedido de tombamento definitivo, com a prévia autorização do Governador do
Estado.

Art. 5º - O processo de tombamento será iniciado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural,
da Secretaria de Estado de Educação e Cultura, mediante as seguintes normas de procedimento:
I - identificado o bem a ser tombado, o Instituto solicitará ao Secretário de Estado de Educação e
Cultura que dê ciência prévia ao Governador, para que seja determinado o tombamento provisório
do bem;
II - o tombamento provisório será comunicado ao proprietário mediante notificação;
III - processo, com toda a documentação relativa ao fato, será remetido ao CET que opinará pelo
tombamento definitivo ou pela denegação do pedido de tombamento;
IV - o Presidente do CET encaminhará o processo, com o Parecer do Conselho, ao Secretário
Estadual de Educação e Cultura;
V - o Secretário de Estado de Educação e Cultura, com prévia autorização do Governador, decidirá:
a) pelo tombamento definitivo;
b) pela denegação do pedido, tornando-se sem efeito o tombamento provisório.

À luz dos dispositivos, é possível sintetizar o procedimento de tombamento da seguinte forma:

1. A Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa deve dar ciência ao Governador do Estado
da abertura de processo de tombamento de bem integrante do patrimônio histórico e cultural do Estado
do Rio de Janeiro;
2. Após, o procedimento é efetivamente iniciado pelo Inepac. O Inepac tomba provisoriamente o
bem, através de ato de seu Diretor, devidamente motivado consoante as razões técnicas
constantes do processo administrativo de tombamento.
3. Extrato do Ato de Tombamento Provisório é publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro,
consoante as razões técnicas constantes do processo de tombamento, na forma do artigo 5º da Lei
Estadual 509/1981;
4. O Inepac comunica o proprietário acerca do tombamento provisório;
5. O processo é encaminhado ao Conselho Estadual de Tombamento para deliberação e parecer
acerca do tombamento definitivo;
6. O processo é devolvido à SECEC e encaminhado pela Secretária de Estado de Cultura e Economia
Criativa para o Governador do Estado para análise acerca do tombamento definitivo;
7. Caso o Governador denegue o pedido de tombamento definitivo, a decisão deverá ser acolhida pela
SECEC;
7. 1 Caso o Governador autorize o tombamento, cabe à Secretária de Estado de Cultura e
Economia Criativa decidir sobre o tombamento definitivo ou não do bem.

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Sobre o tombamento definitivo, cumpre destacar que, nos termos do art. 2º do Decreto-lei nº
02, de 11 de abril de 1969[4], a competência para sua efetivação e para a determinação da inscrição em livro
próprio é da Ilma. Sra. Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa. Além disso, como visto
anteriormente, o § 1º do artigo 5º da Lei 509/1981 esclarece que cabe à Secretária de Estado de Cultura e
Economia Criativa decidir sobre o pedido de tombamento definitivo, com a prévia autorização do
Governador do Estado.
Diante disso, surgem duas possibilidades: a da autorização ou da denegação do Governador
para com o tombamento definitivo. Havendo autorização do Governador e manifestação positiva da Secretária
de Estado de Cultura e Economia Criativa, o tombamento provisório se tornará definitivo, nos termos do art.
5º, § 1º da Lei nº 509/1981.
Por outro lado, caso a Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa denegue o pedido
de tombamento definitivo, com a autorização prévia do Governador do Estado, o tombamento provisório
tornar-se-á sem efeito, nos termos do art. 5º, § 2º da Lei 509/1981. Da decisão da Secretária de Estado de
Cultura acerca do tombamento definitivo cabe recuso ao Exmo. Governador do Estado, conforme preceitua
art. 2º, § 2º do Decreto-lei nº 02/1969.
Verifica-se, dessa forma, que, em matéria de tombamento definitivo, houve delegação de
poderes por intermédio normativo para a Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa.
Ademais, o Decreto nº 23.055, de 16 de abril de 1997, que dispõe sobre a tutela do
patrimônio cultural do Estado, estabelece em seu art. 1º que a “Secretaria de Estado de Cultura e Esporte,
com a assessoria do Conselho Estadual de Tombamento e apoio técnico imediato do Instituto Estadual do
Patrimônio Cultural – INEPAC, exercerá, na forma da lei, o poder de polícia de competência do Estado,
relativo à prevenção, controle e repressão de atividades que ponham em risco ou causem dano aos bens
culturais, sejam eles materiais ou imateriais, públicos ou privados, naturais ou produto de ação humana.” O
parágrafo primeiro do referido dispositivo legal complementa que o exercício do poder de polícia implica no
exercício da vigilância e tutela dos bens do patrimônio cultural.
Depreende-se, assim, que o ato de tombamento, ainda que provisório, constitui exercício
regular do poder de polícia na tutela do patrimônio cultural. Frise-se que o poder de polícia foi delegado
para a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, com o apoio técnico do Inepac.
A partir dessas considerações, é possível verificar que a legislação é bastante clara no que diz
respeito à participação do Exmo. Governador do Estado na fase de tombamento provisório: sua atuação
restringe-se tão somente à ciência da abertura do processo. Não se deve admitir, portanto, que
nesse momento inicial seja analisado o mérito do tombamento provisório.
Como bem salientado no despacho de doc. 9808705, não se pode negar que a competência
final para decidir sobre o pedido de tombamento é do Chefe do Poder Executivo. Ocorre que tal competência
somente poderá ser exercida quando da análise do tombamento definitivo do bem, após a emissão de
parecer pelo Conselho Estadual de Tombamento.
Assim, ao considerar juridicamente viável o indeferimento do tombamento provisório pelo
Governador do Estado, a ASJUR/SECC adota orientação que, s.m.j, é incompatível com os trâmites definidos
por lei. O entendimento consagra de uma só vez, ao nosso ver, duas impropriedades: (i) viola a competência
da Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa em determinar, por intermédio do Inepac, o
tombamento provisório do bem e (ii) subverte o procedimento administrativo de tombamento previsto
na Lei nº 509/1981 e no Decreto nº 5.808/1982, ferindo o princípio do devido processo legal.
Ademais, ainda que a Assessoria Jurídica da Casa Civil não tenha vislumbrado óbice ao
indeferimento do tombamento provisório, fato é que o Conselho Estadual de Tombamento sequer se
manifestou nos autos. Dessa forma, o juízo de mérito negativo proferido na fase de tombamento provisório
inviabiliza a atuação do Conselho, suprimindo a competência prevista no art. 2º, I da Lei nº 509/1981, que
assim dispõe:

Artigo 2º - Compete ao Conselho Estadual de Tombamento:


I – exarar parecer prévio sobre os atos de tombamento e destombamento, o qual terá efeito
vinculativo para a Administração se, num ou noutro caso, concluir contrariamente à providência;

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Importante destacar, ainda, que a intervenção decisória anômala do Exmo. Sr. Governador
nesta fase do procedimento justificar-se-ia em virtude do exercício de seu poder hierárquico. Na prática,
houve verdadeira avocação da competência do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac em
determinar o tombamento provisório.
Ocorre que, como nos ensina José dos Santos Carvalho Filho, a avocação de competência é o
ato através do qual o “chefe superior pode substituir-se ao subalterno, chamando a si (ou avocando) as
questões afetas a este, salvo quando a lei só lhe permita intervir nelas após a decisão dada pelo
subalterno[5]”. Verifique que a ressalva consagra exatamente a hipótese dos autos.
A Lei nº 509/81 e o Decreto nº 5.808/1982 estabelecem com clareza que a manifestação do
Chefe do Poder Executivo sobre o mérito do tombamento somente ocorrerá por ocasião do tombamento
definitivo, após as manifestações do Inepac e do Conselho Estadual de Tombamento sobre o tombamento
provisório. Antes disso, a intervenção do Governador se limita à ciência do processo, de forma que,
salvo melhor juízo, o argumento do poder hierárquico não se sustenta.
À vista do exposto, constata-se que a política de patrimônio cultural do Estado do Rio de
Janeiro, mais do que mera liberalidade do gestor, é uma obrigação constitucional. Existem procedimentos
previamente definidos pelo legislador que precisam ser observados e não podem ser suprimidos pela
justificativa de exercício do poder hierárquico. Dessa forma, data máxima vênia, diante da específica
inobservância do procedimento definido na Lei nº 509/1981 e no Decreto nº 5.808/1982, não podemos
concordar com o entendimento da douta Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Casa Civil sobre o
ponto.

II. 3 – DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PELA


CONSERVAÇÃO DO IMÓVEL

Outro foco de divergência entre os entendimentos diz respeito à extensão da responsabilidade


patrimonial do Estado do Rio de Janeiro pela conservação de bens tombados. No despacho de doc.
9808705, o ilustre subscritor assinalou que o tombamento atrai para o ente tombador certos deveres
concretos que podem gerar eventuais gastos para a Administração Pública Estadual.
Nos termos do art. 19 do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, (diploma que
veicula normas gerais sobre tombamento), o ente tombador deve arcar com as despesas para a realização de
obras de conservação e reparação do bem tombado quando o proprietário não dispuser de recursos para
tanto. Vejamos o que diz o dispositivo:

Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de
conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa
correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as
mesmas serem iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a
desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário
requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em
qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a
iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a
que alude este artigo, por parte do proprietário.

Em seguida, salientou-se que, na prática, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

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vem recorrentemente condenando o Estado a arcar com as despesas para manutenção de imóveis tombados,
reconhecendo, inclusive, a responsabilidade solidária entre o ente tombador e o proprietário do bem
tombado.
Sobre o ponto, merecem ser tecidas algumas considerações.
Inicialmente, cumpre destacar que o art. 19 do Decreto-Lei nº 25/1937 deve ser lido da
seguinte forma: (i) o ônus econômico pela conservação e manutenção do bem tombado é primariamente do
proprietário; (ii) quando o proprietário não dispuser de recursos para proceder às necessárias obras, o
ente tombador deverá executá-las, às suas expensas; (iii) para tanto, o proprietário deve notificar o ente
tombador, comprovando sua incapacidade econômico-financeira de conservar o bem tombado e (iv)
arcando o ente tombador com os custos da reparação ou manutenção do imóvel, ser-lhe-á sempre assegurado
o direito de regresso em face do proprietário.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o Decreto-Lei nº 02, de 11 de abril de 1969
consagra expressamente o entendimento, ao estabelecer em seu art. 5º que

Artigo 5º - Os bens tombados serão mantidos sempre em perfeito estado de conservação e ao


abrigo de possíveis danos por seus proprietários e possuidores, que procederão sem demora às
reparações necessárias, após a autorização da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico.
§ 1º - Verificada pela Divisão a necessidade de reparações, o proprietário ou o possuidor omisso,
será notificado para efetivá-las em prazo razoável; se não o fizer, poderá o Estado realizá-las,
cobrando depois o custo respectivo.
§ 2º - Correrão as reparações por conta do Estado, quando comprovadamente faltarem ao
proprietário ou ao possuidor os recursos necessários para sua realização.
§ 3º - Se o bem estiver sujeito a dano resultante de ato de terceiros ou fato da natureza, o
proprietário ou o possuidor dará ciência da situação à Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico,
para as providências cabíveis.
§ 4º - Se o dano for imputável ao proprietário ou ao possuidor, a Divisão o notificará para que
reponha o bem em estado de segurança, procedendo-se em seguida, se for o caso, pela forma
prevista na parte final do §1º.

Ocorre que, com as devidas vênias, parece-nos que houve certa confusão na forma como a
ideia de responsabilidade solidária foi apresentada no despacho de doc. 9808705. À vista dos julgados
colacionados pela douta Assessoria Jurídica, poder-se-ia chegar à desacertada conclusão de que o ente
tombador sempre poderia ser diretamente executado pelos custos econômicos com a conservação do bem,
ainda que o proprietário tenha condições econômicas de fazê-lo. Isso, porque a responsabilidade entre eles
seria solidária.
Todavia, não é essa a interpretação que deve ser dada à questão. Não se pode negar que o
ente tombador é solidariamente responsável com o proprietário em seu dever de conservação do bem
tombado, pois tal múnus decorre de seu dever constitucional de promoção e proteção do patrimônio
cultural[6]. Entretanto, não se pode confundir essa responsabilidade com a responsabilidade patrimonial do
Estado pela conservação desses bens, que será, via de regra, subsidiária.
Explica-se: a responsabilidade pelo custeio das obras necessárias à manutenção e
conservação do bem tombado é primariamente de seu proprietário. Somente a insuficiência de recursos deste
é que afastará a subsidiariedade, justificando a execução patrimonial direta do ente tombador. Para que isso
ocorra, contudo, é necessário que haja efetiva comprovação da incapacidade econômico-financeira do
proprietário, como visto anteriormente.
Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou classificando a hipótese
prevista no art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 como de responsabilidade civil de imputação solidária e
execução subsidiária.

PROCESSUAL CIVIL. PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL. ART. 1.228, § 1º, DO CÓDIGO


CIVIL. ART. 19, CAPUT E § 3º, DO DECRETO-LEI 25/1937. FUNÇÃO MEMORATIVA DO
DIREITO DE PROPRIEDADE. OBRIGAÇÕES DO PROPRIETÁRIO E DO ESTADO.

Manifestação 619 (13066166) SEI E-18/007/760/2019 / pg. 8


CONVENÇÃO RELATIVA À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO MUNDIAL, CULTURAL E
NATURAL DA UNESCO. CIDADE DO RIO DE JANEIRO. IMÓVEL TOMBADO. LIMITAÇÃO
ADMINISTRATIVA. ÔNUS DA PROVA DA FALTA DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS PARA A
RESTAURAÇÃO. MULTA CIVIL JUDICIAL TARIFADA. OFENSA AO ART. 489 DO CPC/2015
CONFIGURADA.
1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público contra o Estado do
Rio de Janeiro e o proprietário de bem tombado, integrante do "Conjunto Arquitetônico e
Urbanístico da Rua Martins Ferreira e Adjacências", localizado no Bairro de Botafogo. O Parquet
pleiteia a condenação dos réus a: a) executarem obras de recuperação e restauração dos imóveis;
b) pagarem indenização por danos morais coletivos.
2. A proteção do patrimônio histórico-cultural, bem da Nação, é direito de todos e dever do
proprietário e do Estado. Não se trata de modismo fortuito ou mero favor vanguardista em
benefício da coletividade, mas de ônus inerente ao âmago do domínio e da posse em si, inafastável
condição absoluta para sua legitimidade e reconhecimento pelo ordenamento jurídico. Com base
nessa obrigação primária, decorrente da função memorativa do direito de propriedade, incumbe ao
Estado instituir, in concreto, eficaz regime de limitações administrativas, portador de obrigações
secundárias ou derivadas, utilizando-se, para tanto, de instrumentos variados, entre os quais o
tombamento.
3. As obrigações que compõem a ordem pública do patrimônio histórico e cultural derivam de
princípios gerais do direito e de normas nacionais (federais, estaduais e municipais, inclusive
constitucionais) e internacionais. Na legislação brasileira, sobressaem o Decreto-Lei 25/1937 e o
próprio Código Civil, que expressamente inclui, entre as "finalidades econômicas e sociais" do
direito de propriedade, a preservação do "patrimônio histórico e artístico" (art. 1.228, § 1º).
Ademais, há tratados internacionais sobre a matéria, como a Convenção Relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, aprovada pela Conferência Geral da Unesco, realizada em
Paris, de 17 de outubro a 21 de novembro de 1972, e recepcionada entre nós pelo Decreto
Legislativo 74/1977 (confira-se, especificamente, o art. 4º, que prevê a obrigação estatal de
"identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural e
natural").
4. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que incumbe ao titular da propriedade ou da
posse o dever primeiro de conservar o bem tombado, sem excluir correlato dever do Poder
Público, instituidor do tombamento e garantidor maior do patrimônio histórico e cultural da
Nação. A hipótese é, pois, de responsabilidade civil de imputação solidária e execução subsidiária,
pela qual desrespeito às normas de regência da matéria impõe condenação conjunta do
proprietário e do Estado, executado este somente se o particular "não dispuser de recursos para
proceder às obras de conservação e reparação" (art. 19, caput, do Decreto-Lei 25/1937).
Precedentes: AREsp 176.140/BA, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 26/10/2012;
REsp 895.443/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 17/12/2008; REsp:
1.184.194/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 22/9/2010. Obviamente, o
benefício de ordem desaparece quando verificada "urgência na realização de obras e conservação
ou reparação" (art. 19, § 3º), ressalvado nesse caso o direito de regresso do ente público.
5. Se o proprietário do bem tombado não contar com meios financeiros para medidas de
conservação e reparação de rigor, dele se exige que: a) leve ao conhecimento do órgão competente
do patrimônio histórico e cultural a necessidade das obras, sob pena de multa civil tarifada, a ser
aplicada pelo juiz, "correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido"
pelo bem (art. 19, caput, do Decreto-Lei 25/1937), além de outras sanções administrativas e penais
incidentes e da responsabilidade civil por eventuais prejuízos materiais e morais que da ação ou
omissão decorram; b) demonstre cabalmente a ausência de recursos próprios, pois trata-se de
onus probandi que, por óbvio, lhe incumbe.
6. Observa-se, como aduz o Estado do Rio de Janeiro, que o proprietário do imóvel em momento
algum provou incapacidade econômico-financeira para conservar o bem tombado, deixando, por
outro lado, de cumprir a indispensável providência fixada no art. 19, caput, do Decreto-Lei 25/1937
(informar, prévia e formalmente, à Administração Pública). O aresto vergastado não explicitou as
razões, lastreadas em provas dos autos, que levaram o Tribunal a concluir pela incapacidade
financeira do proprietário, matéria relevante para o deslinde da controvérsia.
7. Recurso Especial do Estado do Rio de Janeiro provido para anular o aresto proferido nos
Embargos de Declaração e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que profira
novo julgamento e aborde a matéria omitida, acima descrita. Agravo em Recurso Especial do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro não conhecido, por incidência da Súmula 7/STJ.
(Grifou-se)[7]

Em termos patrimoniais, portanto, depreende-se que o ente tombador somente será executado
de forma subsidiária, nas hipóteses em que o proprietário do bem tombado comprovadamente não tiver
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condições financeiras para arcar com os custos de conservação/manutenção do bem. Não parece razoável,
portanto, inviabilizar o tombamento provisório em virtude de um eventual dispêndio de recursos pelo
Estado, circunstância incerta, que pode inclusive sequer acontecer.
A própria ASJUR/SECC afirma que o tombamento envolve a POSSIBILIDADE (frise-se) de
assunção de despesas pelo Poder Público. Ademais, data máxima vênia, a argumentação utilizada para
sugerir o “indeferimento” do tombamento provisório é demasiadamente genérica.
Ainda que se acolha que o fundamento da intervenção do Governador é o exercício de seu
poder hierárquico, importante alertar que, nos termos do art. 13 da Lei Estadual nº 5.427/2009[8], a
avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior será admitida, em caráter
excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados.
Ora, parece-nos não ter sido demonstrada qualquer circunstância concreta que comprove que
o proprietário do bem não possui condições financeiras de arcar com os reparos necessários à sua
conservação, circunstância que atrairia a responsabilidade patrimonial do Estado. Pelo contrário, recusa-se o
tombamento provisório com base exclusivamente em um juízo hipotético, sem que tenha sido
promovido qualquer estudo técnico em relação à existência de custos ou não para o Estado do Rio
de Janeiro. Não se verifica, por conseguinte, a motivação necessária e suficiente para justificar a avocação de
competência e o “indeferimento” do tombamento provisório.
Além disso, faz-se imprescindível destacar que podem ser realizadas políticas públicas voltadas
à conservação e manutenção dos imóveis tombados sem qualquer custo para a Administração Pública, por
intermédio de parcerias e, caso o bem tombado seja público, através de contraprestações pela utilização do
imóvel, sendo esta última já utilizada em alguns equipamentos desta Secretaria.
Conclui-se, portanto, que um interesse público secundário da Fazenda Pública de não ser
onerada com os custos que eventualmente o tombamento de um bem acarrete não pode se sobrepor ao
interesse público primário de proteção do patrimônio cultural, que é, acima de tudo, uma obrigação
constitucional, cujo descumprimento pode gerar, inclusive, a responsabilização do Administrador Público.

II.4 – DA RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR PÚBLICO PELA NÃO IMPLEMENTAÇÃO DE


POLÍTICA DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Como bem salientado nos tópicos anteriores, o art. 216, § 1º da Constituição Federal impõe
ao Poder Público a obrigação de preservar e tutelar o patrimônio cultural, sendo certo que o próprio
constituinte elenca, em rol exemplificativo, alguns dos instrumentos de que deve se valer o gestor para dar
concretude ao comando constitucional. Vejamos:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e
de outras formas de acautelamento e preservação.

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O tombamento se apresenta como um desses instrumentos e provavelmente como a mais
efetiva forma de preservação do patrimônio cultural. Trata-se de espécie de intervenção estatal restritiva da
propriedade privada que é veiculada através de ato discricionário do Poder Público. Tradicionalmente, isso
significa que, em seu juízo de conveniência e oportunidade, compete ao administrador público a escolha entre
tombar ou não o bem.
Ocorre que o poder discricionário deve ser exercido obedecendo aos limites da juridicidade.
Assim, quando o ordenamento jurídico impõe ao Poder Público um dever, não pode o argumento da
discricionariedade ser utilizado para sistematicamente justificar o não cumprimento de tal obrigação.
No presente caso, ao que tudo indica, o juízo discricionário do Exmo. Sr. Governador do
Estado será utilizado para negar o tombamento provisório do Terreiro da Gomeia. Ocorre que, como vem se
observando na praxe administrativa desta Pasta de Estado, a douta ASJUR/SECC vem
sucessivamente manifestando-se de forma contrária ao tombamento provisório de diversos bens,
cujo valor histórico e cultural é evidente.
Recentíssimo exemplo ocorreu no bojo do processo administrativo nº E-18/007/686/2019,
instaurado para fins de tombamento do imóvel que abriga o Casarão de Generozo Portella, localizado na
Praça Salim Chimelli, nº 135 e 135 casa 01 e à Rua da Maçonaria, nº 148 – Três Rios/RJ.
Na instrução processual, reconheceu-se que o Casarão é a construção mais antiga da cidade e
único exemplar existente de arquitetura eclética de inspiração neoclássica do final do século XIX. Inobstante, a
Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Casa Civil manifestou-se nos mesmos moldes e com os
mesmos argumentos apresentados no presente processo administrativo. Alertou que o tombamento de um bem
traria riscos de oneração ao Estado e concluiu pela viabilidade de uma intervenção decisória anômala do
Governador na fase de tombamento provisório.
Data máxima vênia, isso demonstra que o entendimento jurídico daquela Pasta de
Estado vem caminhando no sentido de inviabilizar todo e qualquer procedimento de tombamento que
chegue à análise do Chefe do Poder Executivo estadual, impossibilitando por completo a efetivação de
uma política de proteção do patrimônio cultural pelo Estado.
Neste ponto, faz-se mister evidenciar que a não execução de uma política de patrimônio
cultural pode, inclusive, ensejar a caracterização de ato de improbidade administrativa, gerando a
responsabilização do Exmo. Sr. Governador, nos moldes da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, que, em
seu art. 11, II, assim estabelece:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.

Ademais, o contexto fático de não implementação de qualquer política de patrimônio cultural,


em função da reiterada não utilização dos instrumentos de tombamento em nenhum dos imóveis
tecnicamente considerados aptos para essa proteção, contém em si todos os elementos necessários à
caracterização do ato improbo: o dolo na prática da conduta de não tombar, a sua reiteração através de
pareceres uniformes de sistemática não aplicação da lei e a contrariedade às normas de proteção ao
patrimônio cultural.
Ressalte-se, ainda, que, hipoteticamente, em tese, eventual condenação pela prática de ato de
improbidade administrativa pode conduzir à sanção de suspensão dos direitos políticos, nos termos do que
dispõem tanto o art. 12, III da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, quanto o art. 37, § 4º da Constituição:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação
específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que
podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o

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valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda
da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Por suspensão de direitos políticos, entendam-se abrangidas a capacidade eleitoral ativa e a


capacidade eleitoral passiva, de forma que o agente político condenado por ato de improbidade
administrativa pode, inclusive, em tese, tornar-se inelegível, por força da previsão contida no art. 15,
CRFB[9]. Por todos esses motivos, o argumento de discricionariedade do juízo do Chefe do Poder Executivo
no processo de tombamento deve ser visto com extrema cautela.

II.5 – DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA PRESERVAÇÃO E PROMOÇÃO DO


PATRIMÔNIO CULTURAL

Outrossim, importante alertar que a negativa de tombamento por fatores econômicos pode,
inclusive, surtir o efeito reverso do pretendido, gerando maiores custos para a Administração Pública do que
esta eventualmente teria caso tivesse procedido ao tombamento do bem.
Explica-se. Nas palavras de José Eduardo Ramos Rodrigues e Marcos Paulo Miranda, “o
tombamento é um ato administrativo que declara um valor cultural preexistente, declaração que pode não ter
sido efetivada pelo Poder Público, apesar do interesse cultural do bem, seja por falta de tempo, por erro,
culpa ou dolo. Nesse caso, impõe-se a propositura de ação civil pública como já consagrado pelo
entendimento de nossos tribunais[10]”.
Isso significa que o Poder Judiciário pode determinar, com força coercitiva, que o Poder
Público adote as medidas necessárias à preservação e conservação de bem cultural, ainda que não tenha sido
este formalmente tombado pelo ente. Ademais, há até mesmo precedente reconhecendo a possibilidade de
que o Estado seja judicialmente compelido a proceder ao tombamento do bem. Vejamos:

REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECONHECIMENTO


DE BEM DE VALOR CULTURAL PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE.
TOMBAMENTO. TRANSGRESSÃO AO PRINCÍPIO DE SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO
OCORRÊNCIA. DESCARACTERIZAÇÃO DOS IMÓVEIS PELA AÇÃO DO TEMPO E HUMANA.
NÃO CONFIGURADA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CONHECIDAS E
DESPROVIDAS.
1. O reconhecimento de bem, material ou imaterial, como pertencente ao patrimônio cultural não
é ato exclusivo do poder legislativo ou do poder executivo. O Poder Judiciário pode declará-los,
determinando a inscrição no livro do tombo, mormente quando há omissão do Poder Público em
tutelá-los.
2. Não há de se falar em transgressão ao princípio da separação dos poderes, uma vez que
administração pública não está isenta do controle judicial, sobretudo quando descumpre os
deveres constitucionais a ela impostos.
3. Os imóveis declarados na sentença como portadores de valor histórico e cultural, embora
danificados pela ação do tempo e pela ação humana, não perderam sua carga valorativa, sendo
passíveis de restauração. 4. Remessa necessária e apelação cível conhecidas e desprovidas.
(Grifou-se)[11]

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Tombamento e preservação de imóvel. Valor histórico e arquitetônico.


Interesse da comunidade, no sentido de resguardar-se a arquitetura local. Reconhecimento de sua

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existência que pode ser efetivado pelo Judiciário, não sendo privativo do órgão Legislativo ou
Administrativo. Recurso não-providos. (Grifou-se)[12]

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PORTO ALEGRE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL


PARTICULAR. VALOR HISTÓRICO E CULTURAL. AUSÊNCIA DE LEI MUNICIPAL QUE
INCLUA O BEM ENTRE O PATRIMÔNIO CULTURAL A SER PROTEGIDO. POSSIBILIDADE
DE O PODER JUDICIÁRIO DETERMINAR A PRESERVAÇÃO DO IMÓVEL. PERIGO DE
COLAPSO. INTERESSE PÚBLICO CARACTERIZADO.
O Poder Público, mesmo ausente lei municipal que estabeleça a preservação do imóvel constante
da listagem de valor histórico cultural, pode determinar ao proprietário sua conservação. Além do
valor artístico, histórico ou cultural que importem na sua preservação, cumpre atentar para a
conservação estrutural, sob pena de se causarem danos a integridade e vida de pessoas. Agravo
ministerial provido. Liminar confirmada (Grifou-se)[13]

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PATRIMÔNIO CULTURAL. AUSÊNCIA DE TOMBAMENTO.


IRRELEVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE PROTEÇÃO PELA VIA JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO
ART. 216, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Não há qualquer exigência legal condicionando a defesa do patrimônio cultural – artístico,
estético, histórico, turístico, paisagístico – ao prévio tombamento do bem, forma administrativa de
proteção, mas não a única. A defesa é possível também pela via judicial, através de ação popular e
ação civil pública, uma vez que a Constituição estabelece que ‘o Poder Público, com a colaboração
da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento, desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação.’ (art. 216, § 1º). (Grifou-se)[14]

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL –


LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PERIGO DE REMOÇÃO DO BEM. O Ministério
Público possui legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio histórico e
cultural, mesmo que o bem ainda não tenha sido tombado. Ante o perigo iminente de remoção do
bem tombado para outra localidade, como se alega oficialmente, é correto o deferimento da liminar
que limite a possibilidade dessa remoção. (Grifou-se)[15]

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PATRIMÔNIO HISTÓRICO.


PILARES DE ESTRADA DE FERRO. PERÍCIA. (…) A ausência de prévio tombamento, ou outro
ato oficial de preservação, não impede a tutela jurisdicional voltada à proteção do patrimônio
cultural. Prova que pode ser determinada de ofício, torna irrelevante o prazo para o seu
requerimento. (…) Negado provimento ao recurso, com observação, cessado o efeito suspensivo.
(Grifou-se)[16]

No presente caso, o bem cultural, que, ao que tudo indica, terá seu tombamento provisório
negado pelo Chefe do Poder Executivo, pode vir a ser objeto de posterior ação judicial, em que se pleiteia seu
tombamento ou a realização das medidas necessárias à sua conservação. Em sendo condenado o Estado na
demanda, é possível que, em função do decurso do tempo e eventual inércia do proprietário, o bem venha a
sofrer degradações em seu estado de conservação.
Ora, se o argumento da douta Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Casa Civil é de
que não deve ser efetuado o tombamento provisório do bem porque tal medida acarretaria despesas que não
se compactuam com a realidade econômica do Estado do Rio de Janeiro, maiores gastos adviriam de uma
posterior condenação pelo Poder Judiciário a arcar com as despesas de conservação de um bem em
estado possivelmente mais precário.
É de se destacar, por fim, que as possibilidades de que tal cenário se torne realidade não são
remotas, uma vez que os órgãos de controle, sobretudo o Ministério Público Federal, vêm atuando
incessantemente na fiscalização dos deveres de proteção e promoção do patrimônio cultural
protegido pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa.

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III – CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, pede-se vênia para discordar das manifestações da d. Assessoria
Jurídica da Casa Civil, concluindo que:

I- a preservação do patrimônio cultural constitui um dos mecanismos mais


importantes de se manter a identidade cultural de um povo;
II - o tombamento constitui a forma mais efetiva de preservação do patrimônio cultural;
III - o tombamento provisório de um bem faz parte do poder de polícia do Inepac;
IV - a intervenção decisória anômala do Exmo. Sr. Governador de Estado na fase de
tombamento provisório (i) viola a competência da Secretária de Estado de Cultura e
Economia Criativa em determinar, por intermédio do Inepac, o tombamento provisório do
bem; (ii) subverte o procedimento administrativo de tombamento previsto na Lei nº
509/1981 e no Decreto nº 5.808/1982, ferindo o princípio do devido processo legal e (iii)
inviabiliza a atuação do Conselho Estadual de Tombamento, suprimindo a competência
prevista no art. 2º, I da Lei nº 509/1981;
V- uma possível avocação da competência para determinar o tombamento provisório
do bem pelo Exmo. Sr. Governador do Estado é medida excepcional, que deveria ter sido
devidamente justificada, o que não ocorreu;
VI - o art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37 consagra hipótese de responsabilidade civil de
imputação solidária e execução subsidiária, sendo certo que: (a) o ônus econômico pela
conservação e manutenção do bem tombado é primariamente do proprietário; (b) quando o
proprietário não dispuser de recursos para proceder às necessárias obras, o ente tombador
deverá executá-las, às suas expensas; (c) para tanto, o proprietário deve notificar o ente
tombador, comprovando sua incapacidade econômico-financeira de conservar o bem
tombado e (d) arcando o ente tombador com os custos da reparação ou manutenção do
imóvel, ser-lhe-á sempre assegurado o direito de regresso em face do proprietário;
VII - o tombamento provisório não pode ser negado com base exclusivamente em um
juízo hipotético, sem que tenha sido promovido qualquer estudo técnico em relação à
existência de custos ou não para o Estado do Rio de Janeiro
VIII - é possível a realização de políticas públicas voltadas à conservação e manutenção
de bens tombados sem qualquer custo para a Administração Pública, por intermédio de
parcerias e, caso o bem tombado seja público, através de contraprestações pela utilização
do imóvel, sendo esta última já utilizada em alguns equipamentos desta Secretaria;
IX - a não implementação de qualquer política de patrimônio cultural, em função da
reiterada não utilização dos instrumentos de tombamento em nenhum dos imóveis
tecnicamente considerados aptos para essa proteção pode configurar, em tese, ato de
improbidade administrativa, gerando a responsabilização do gestor público e,
eventualmente, até mesmo sua inelegibilidade;
X- o Poder Judiciário pode: (a) determinar, com força coercitiva, que o Poder Público
adote as medidas necessárias à preservação e conservação de bem cultural, ainda que não
tenha sido este formalmente tombado pelo ente; (b) compelir judicialmente o Estado a
efetuar o tombamento do bem, gerando, eventualmente, mais gastos ao Erário;
XI - o interesse público secundário da Fazenda Pública de não onerar o Erário com os
custos que o tombamento de um bem possa acarretar não deve se sobrepor ao interesse
público primário de proteção do patrimônio cultural, que é, acima de tudo, uma obrigação
constitucional, cujo descumprimento pode gerar, inclusive, a responsabilização do
Administrador Público.

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Sendo assim, em razão da divergência de entendimento jurídico entre esta Assessoria Jurídica e
a d. Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Casa Civil, solicitamos o pronunciamento da d.
Procuradoria Geral do Estado acerca das questões aqui levantadas, em especial:

a) Diante do procedimento disciplinado na Lei Estadual nº 509, de 03 de dezembro de


1981 e no Decreto Estadual nº 5.808, de 13 de julho de 1982, é juridicamente viável a
intervenção decisória do Chefe do Poder Executivo na fase de tombamento
provisório?
b) Em caso positivo e considerando o dever constitucional de proteção e promoção do
patrimônio cultural, é legítima a negativa de tombamento provisório com base em
razões de ordem econômica e orçamentária do ente tombador?

Atenciosamente,

Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2021

MAURICIO JORGE P. MOTA


Procurador do Estado
Assessor-Chefe/ASSJUR/SECEC
ID: 203519-4

[1] MURGUIA, Eduardo Ismael; YASSUDA, Silvia Nathaly. Patrimônio histórico-cultural: critérios
para o tombamento de bibliotecas pelo IPHAN. Perspectivas em Ciência da Informação. Vol. 12,
Número 3, Belo Horizonte, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1413-99362007000300006&lang=pt> Acesso em 26.01.2021.

[2] SOUZA, Sergio Linhares Miguel de; CARVALHO, Evandro Luiz de (org). Patrimônio Cultural:
Educação para o patrimônio cultural. Rio de Janeiro: Instituto Estadual de Patrimônio Cultural,
2014, p. 27.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 139.

[4] Decreto-Lei nº 2, de 11 de abril de 1969. Artigo 2º - Far-se-á o tombamento pela inscrição do


bem no livro

próprio, com a discriminação das características que o individualizam.

§ 1º - O tombamento poderá ser total ou parcial, especificando-se no segundo caso, com a maior

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precisão possível, a parte ou as partes tombadas.

§ 2º - Compete ao Secretário de Estado de Educação e Cultura determinar a efetivação do


tombamento, cabendo de sua decisão recurso para o Governador do Estado, sem efeito
suspensivo.

§ 3º - Serão inscritos nos livros estaduais os bens situados no território da Guanabara e tombados
pelo órgão federal competente.

§ 4º - Dar-se-á certidão do tombamento a qualquer do povo, com as especificações pedidas.

[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33 ed. São Paulo:
Atlas, 2019, p. 173.

[6] CRFB/1988. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as
formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio


cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação,
e de outras formas de acautelamento e preservação.

[7] STJ, REsp nº 1.791.098/RJ, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, julg. 23.4.2019, publ. 02.8.2019.

[8] Lei Estadual nº 5.427, de 01 de abril de 2009. Estabelece normas sobre atos e processos
administrativos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.

Art. 13. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados,
a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior, observados
os princípios previstos no art. 2º desta Lei.

[9] Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos
casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º,
VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

[10] RODRIGUES, José Eduardo Ramos; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Estudos de Direito
do Patrimônio Cultural. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

[11] TJGO, DGJ 437259-27.2008.8.09.0011, Rel. Des. Elizabeth Maria da Silva, publ. 16.12.2011.

[12] TJSP, Apel. Cív. nº 19.539-5, 1ª Câm. De Dir. Público, Rel. Des. Scarance Fernandes, julg.
19.5.1988.

[13] TJRS, Ag. Int. nº 599327285, 4ª C.C., Rel. Des. Vasco Della Giustina, julg. 19.4.2000.

Manifestação 619 (13066166) SEI E-18/007/760/2019 / pg. 16


[14] TJSC, Apel. Cív. Nº 97.001063-0, 3ª C.C., Rel. Des. Silveira Lenzi, julg. 24.8.1999.

[15] TJMG, Ag. nº 000.335.443-8/00, 7ª C.C., Rel. Des. Wander Marotta, julg. 5.5.2003.

[16] TJSP, Ag. Int. nº 292.905-5/5-00, 8ª Câm. de Dir. Público, Rel. Des. Teresa Ramos Marques,
julg. 12.2.2003 (unanimidade).

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Manifestação 619 (13066166) SEI E-18/007/760/2019 / pg. 17

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