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Supremo Tribunal Federal

INQUÉRITO 4.896 DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : MILTON RIBEIRO
ADV.(A/S) : LUIZ CARLOS DA SILVA NETO
INVEST.(A/S) : GILMAR SANTOS
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INVEST.(A/S) : ARILTON MOURA
ADV.(A/S) : NARA TERUMI NISHIZAWA
AUT. POL. : POLÍCIA FEDERAL

DECISÃO
(Petições avulsas ns. 23.520/2022 e 27.060/2022 e Petição n. 10.281)

INQUÉRITO. EX-MINISTRO DE ESTADO.


INVESTIGAÇÃO SOBRE PRÁTICA DE
CRIMES. EXONERAÇÃO DO CARGO.
IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DE
PERMANÊNCIA DO CASO NESTAS
INSTÂNCIA. INCOMPETÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA
INVESTIGAR PESSOAS SEM FORO
ESPECIAL. REQUERIMENTO DO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.
REMESSA DOS AUTOS PARA O JUÍZO
COMPETENTE. COMPETÊNCIA
DECLINADA.

Relatório

1. Em 23.3.2022, a Procuradoria-Geral da República encaminhou


petição para requerer a instauração de inquérito em desfavor de Milton
Ribeiro, Ministro de Estado da Educação.

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Afirmou que “a Procuradoria-Geral da República recebeu representação,


protocolada no dia de ontem - etiqueta PGR-00108847/2022 - em que o
Deputado Estadual de São Paulo Carlos Giannazi, afirma que, segundo notícias
jornalísticas, haveria a liberação de verbas oficiais do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação e do Ministério da Educação direcionadas ao
atendimento de interesses privados do Ministro Milton Ribeiro”.

Anotou “consta(r) na reportagem que o Ministro teria externado a sua


prioridade na liberação de obras. Primeiramente, aos municípios que mais
precisariam e, em segundo lugar, para atender àqueles que seriam amigos do
Pastor Gilmar Santos diante de um pedido efetuado pelo Presidente da
República”.

Sustentou que “haveria ainda uma solicitação de sua parte para o


atendimento do pedido, qual seja, a prestação de apoio na construção de igrejas”.

Argumentou que, “preambularmente, os fatos investigados se enquadram


na jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal na Questão de Ordem
na Ação Penal 937 do Rio de Janeiro, em 3 de maio de 2018, a respeito da
competência por foro por prerrogativa da função e, consequentemente, da
atribuição da Procuradoria-Geral da República. Deveras, o Ministro teria, a
princípio, praticado a conduta "durante o exercício do cargo e relacionado às
funções desempenhadas”.

Defendeu que “da análise das alegações do Ministro representado,


observa-se que este em momento algum negou ou apontou falsidade no conteúdo
da notícia veiculada pela imprensa, admitindo, inclusive, a realização de
encontros com os pastores nela mencionados”.

Alegou que, “não bastante, conforme noticiado os líderes religiosos Gilmar


Silva dos Santos e Arilton Moura teriam se reunido com o Ministro da Educação
por 18 vezes nos últimos quinze meses, além de haver da menção de viagens
domésticas na companhia do Ministro, o que não foi esclarecido oficialmente”.

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Asseverou que “os prefeitos de Guarani D'Oeste (SP), Israelândia (GO),


Jaupaci (GO) e Jandira (SP) teriam informado à imprensa que contaram com a
intercessão de Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura junto ao Ministério da
Educação. O prefeito de Luis Dominges (MA) teria sido recebido pelo Ministro
de Estado da Educação no próprio Ministério em abril de 2021, e, após a reunião,
em um almoço em restaurante em Brasília, Gilmar Silva dos Santos cobrou-lhe
uma soma em dinheiro para protocolar no MEC seus pedidos e que após a
liberação dos recursos pelo Ministério deveria pagar-lhe “1 quilo de ouro’”.

Observou que “o conteúdo das representações dirigidas à Procuradoria-


Geral da República portam grau de plausibilidade e lastro probatório material
que reclamam apuratório para elucidação da possibilidade do cometimento dos
delitos de corrupção passiva privilegiada (art. 317, § 2º do Código Penal),
prevaricação (art. 319 do Código Penal), advocacia administrativa (art. 321 do
Código Penal) e tráfico de influência (art. 332 do Código Penal)”.

2. Relatado o quadro, pediu o Ministério Público:

“o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA requer a


instauração de inquérito em desfavor de MILTON RIBEIRO, com
base no art. 21, XV, do Regimento Interno desse e. Tribunal, fixando-
se o prazo inicial de 60 dias para a conclusão da investigação.
Deferido o pedido, pugna-se pela adoção das seguintes medidas:
a) as oitivas
a.1) de Milton Ribeiro;
a.2) de Gilmar Santos;
a.3) de Arilton Moura.
a.4) do Prefeito Nilson Caffer de Guarani D'Oeste (SP)
a.5) da Prefeita Adelícia Moura de lsraelândia (GO)
a.6) do Prefeito Laerte Dourado de Jaupaci (GO)
a.7) do Prefeito Doutor Sato de Jandira (SP)
a.8) do Prefeito Calvet Filho de Rosário (MA)
b) o envio dos autos à autoridade policial, para a análise das
circunstâncias da produção do áudio veiculado pelos portais de

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imprensa com pretensas declarações de Milton Ribeiro;


c) o envio de ofício ao Ministério da Educação e à Controladoria-
Geral da União, para o esclarecimento do cronograma de liberação das
verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e os
critérios adotados;
d) a tomada das medidas investigativas que entender cabíveis,
sem prejuízo do requerimento posterior pelo Ministério Público
Federal de outras que se revelarem necessárias;
e) o apensamento das petições, porventura, distribuídas
noticiando os mesmos fatos e conexos (art. 79 do Código de Processo
Penal), sem prejuízo de eventual requerimento de desmembramento da
apuração em relação aos investigados não detentores de foro por
prerrogativa de função, com fulcro no art. 80 do Código de Processo
Penal e na jurisprudência remansosa do Supremo Tribunal Federal
(INQ 4.034, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, Dje
27.4.2017)”.

3. Em 23.3.2022, os autos vieram-me em distribuição por prevenção à


PET n. 10.260, da qual sou Relatora.

4. Em 24.3.2022, deferi a instauração do inquérito e determinei


“a) oitiva de Milton Ribeiro, Gilmar Santos, Arilton Moura,
Nilson Caffer, Adelícia Moura, Laerte Dourado, Doutor Sato e Calvet
Filho; e b) de expedição de oficio ao Ministério da Educação e à
Controladoria-Geral da União, para, no prazo máximo e
improrrogável de quinze dias, esclarecerem o cronograma de liberação
das verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e os
critérios adotados.”.

5. Em 5.5.2022, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se nos


seguintes termos:
“Ante a exoneração de Milton Ribeiro do cargo de Ministro da
Educação, único investigado que era detentor de foro por prerrogativa
de função, há de se reconhecer a cessação da competência do Supremo
Tribunal Federal para a supervisão da investigação instaurada. Por
consequência, urge seja o presente inquérito declinado à instância

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jurisdicional competente.
Diante do exposto, a Procuradoria-Geral da República requer
seja reconhecida a incompetência jurisdicional do Supremo Tribunal
Federal, com a remessa dos autos a uma das Varas Federais Criminais
da Seção Judiciária do Distrito Federal” (grifos nossos).

Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO.

6. Consta do Diário Oficial da União, publicado em 28.3.2022, que o


investigado Milton Ribeiro foi exonerado do cargo de Ministro de Estado
da Educação.

A perda do cargo de Ministro de Estado pelo investigado, único


com prerrogativa de foro nestes autos, faz cessar a competência penal
originária deste Supremo Tribunal para supervisionar inquérito tendente
a investigar eventuais crimes por ele cometidos no exercício do cargo e
em razão dele.

Este entendimento prevalece na jurisprudência deste Supremo


Tribunal desde a sessão de 25.8.1999, na qual o Pleno deliberou o
cancelamento da Súmula n. 394.

Naquela assentada, este Supremo Tribunal cancelou a Súmula 394


concluindo que o art. 102, I, b, da Constituição da República – que
estabelece a competência desta Casa para processar e julgar,
originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República,
o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da República – não alcança pessoas que
não exercem mandato ou cargo.

Firmou-se, então, neste Supremo Tribunal orientação no sentido de


que, não mais ocupando o investigado o cargo que definiria o foro por
prerrogativa de função, cessa a competência deste Supremo Tribunal.

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7. Ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 2797 e


2860 (Relator o Ministro Sepúlveda Pertence), este Supremo Tribunal
declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do art. 84 do
Código de Processo Penal, inseridos pela Lei n. 10.628, de 24 de dezembro
de 2002, reafirmando o entendimento de que a perda do cargo ou
mandato eletivo pelo investigado faz cessar a competência penal
originária deste Supremo Tribunal para julgar autoridades dotadas de
prerrogativa de foro ou de função.

Consolidado é, pois, o entendimento deste Supremo Tribunal de ser


inaceitável em qualquer situação, à luz da Constituição da República, a
incidência da regra de foro especial por prerrogativa da função para
quem já não seja titular da função pública que o determinava.

Nesse sentido, por exemplo:

“PRERROGATIVA DE FORO - EXCEPCIONALIDADE -


MATÉRIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL -
INAPLICABILIDADE A EX-OCUPANTES DE CARGOS
PÚBLICOS E A EX-TITULARES DE MANDATOS ELETIVOS -
CANCELAMENTO DA SÚMULA 394/STF - NÃO-INCIDÊNCIA
DO PRINCÍPIO DA "PERPETUATIO JURISDICTIONIS" -
POSTULADO REPUBLICANO E JUIZ NATURAL - RECURSO
DE AGRAVO IMPROVIDO. - O postulado republicano – que repele
privilégios e não tolera discriminações – impede que prevaleça a
prerrogativa de foro, perante o Supremo Tribunal Federal, nas
infrações penais comuns, mesmo que a prática delituosa tenha
ocorrido durante o período de atividade funcional, se sobrevier a
cessação da investidura do indiciado, denunciado ou réu no cargo,
função ou mandato cuja titularidade (desde que subsistente) qualifica-
se como o único fator de legitimação constitucional apto a fazer
instaurar a competência penal originária da Suprema Corte (CF, art.
102, I, "b" e "c"). Cancelamento da Súmula 394/STF (RTJ 179/912-
913). - Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da
República. O reconhecimento da prerrogativa de foro, perante o

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Supremo Tribunal Federal, nos ilícitos penais comuns, em favor de


exocupantes de cargos públicos ou de ex-titulares de mandatos eletivos
transgride valor fundamental à própria configuração da ideia
republicana, que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade. - A
prerrogativa de foro é outorgada, constitucionalmente, ratione
muneri, a significar, portanto, que é deferida em razão de cargo ou de
mandato ainda titularizado por aquele que sofre persecução penal
instaurada pelo Estado, sob pena de tal prerrogativa -
descaracterizando-se em sua essência mesma - degradar-se à condição
de inaceitável privilégio de caráter pessoal. Precedentes.” (INQ 1.376-
AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ
16.3.2007)

Na mesma linha, entre outros: Inq 2379-AgR, minha relatoria,


Tribunal Pleno, DJe 28.6.2007; Inq 3774, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, DJe 6.8.2014; Inq 2335-AgR, Relator o Ministro Joaquim
Barbosa, DJe 24.8.2007; Inq 1871-AgR, Relator o Ministro Cezar Peluso,
DJe 12.5.2006; AP 479, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 16.5.2011; PET
6197, Relator o Ministro Teori Zavascki, Dje 16.8.2017; e INQ 2429-AgR,
Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 17.8.2007.

8. Pelo exposto, considerando os dados processuais descritos e nos


termos do pedido formulado pelo Procurador-Geral da República,
determino seja o presente Inquérito remetido, com o resguardo do
sigilo devido, ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
para que seja distribuídos a uma das Varas Federais Criminais da Seção
Judiciária do Distrito Federal.

Com o reconhecimento da incompetência superveniente deste


Supremo Tribunal Federal ficam prejudicados os exames, nessa
instância, de eventuais pedidos apresentados.

9. Encaminhe-se, em conjunto, as Petições avulsas ns. 23.520/2022 e


27.060/2022 e Petição n. 10281, com as cautelas e sigilos devidos.

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Atenção ao caráter sigiloso destes processos. A desobediência à


proibição de permitir, dar causa ou facilitar a publicidade ensejará a
responsabilidade penal de quem der causa, contribuir ou permitir a
ruptura deste sigilo, na forma da legislação vigente.

Dê-se ciência desta decisão ao Procurador-Geral da República.

Publique-se.

Intime-se.

Brasília, 5 de maio de 2022.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

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