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Ementa e Acórdão

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21/03/2022 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 630.790 S ÃO PAULO

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO


RECTE.(S) : ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E
TRATADOS
ADV.(A/S) : JOSÉ ANTÔNIO COZZI E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : RAQUEL DE SOUZA
ADV.(A/S) : ERIC DINIZ CASIMIRO
ADV.(A/S) : MOZART THOMAS BRANCHI GUALTIERO
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE
ARTIGOS E EQUIPAMENTOS MÉDICOS,
ODONTOLÓGICOS, HOSPITALARES E DE
LABORATÓRIOS (ABIMO)
ADV.(A/S) : MARCO AURELIO CEZARINO BRAGA
ADV.(A/S) : JONNAS ESMERALDO MARQUES DE
VASCONCELOS
ADV.(A/S) : GLAUCIA CRISTINA BORTOLI
ADV.(A/S) : BRUNA MENANI PEREIRA LIMA E OUTRO(S)
ADV.(A/S) : LUIZ SOUZA LIMA DA SILVA CARVALHO

EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


REPERCUSSÃO GERAL. IMPOSTOS SOBRE A IMPORTAÇÃO. IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA. ENTIDADES RELIGIOSAS QUE PRESTAM ASSISTÊNCIA SOCIAL.
1. Recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida
a fim de definir (i) se a filantropia exercida à luz de preceitos religiosos
desnatura a natureza assistencial da entidade, para fins de fruição da
imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição; e (ii) se a
imunidade abrange o II e o IPI incidentes sobre as importações de bens
destinados às finalidades essenciais das entidades de assistência social.
2. A assistência social na Constituição de 1988. O art. 203
estabelece que a assistência social será prestada “a quem dela necessitar”.
Trata-se, portanto, de atividade estatal de cunho universal. Nesse âmbito,
entidades privadas se aliam ao Poder Público para atingir a maior

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quantidade possível de beneficiários. Porém, a universalidade esperada


das instituições privadas de assistência social não é a mesma que se exige
do Estado. Basta que dirijam as suas ações indistintamente à coletividade
por elas alcançada, em especial às pessoas em situação de vulnerabilidade
ou risco social, sem viés discriminatório.
3. Entidades religiosas e assistência social. Diversas organizações
religiosas oferecem assistência a um público verdadeiramente carente,
que, muitas vezes, instala-se em localidades remotas, esquecidas pelo
Poder Público e não alcançadas por outras entidades privadas. Assim
sendo, desde que não haja discriminação entre os assistidos ou coação
para que passem a aderir aos preceitos religiosos em troca de terem suas
necessidades atendidas, essas instituições se enquadram no art. 203 da
Constituição.
4. O alcance da imunidade das entidades assistenciais sem fins
lucrativos. A imunidade das entidades listadas no art. 150, VI, c, da
CF/1988, abrange não só os impostos diretamente incidentes sobre
patrimônio, renda e serviços, mas também aqueles incidentes sobre a
importação de bens a serem utilizados para a consecução dos seus
objetivos estatutários. Além disso, protege a renda e o patrimônio não
necessariamente afetos às ações assistenciais, desde que os valores
oriundos da sua exploração sejam revertidos para as suas atividades
essenciais. Precedentes desta Corte.
5. Recurso extraordinário conhecido e provido, a fim de
reformar o acórdão recorrido e reconhecer a imunidade tributária da
recorrente quanto ao II e ao IPI sobre as operações de importação tratadas
nos presentes autos.
6. Proponho a fixação da seguinte tese de repercussão geral:
“As entidades religiosas podem se caracterizar como instituições de assistência
social a fim de se beneficiarem da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c,
da Constituição, que abrangerá não só os impostos sobre o seu patrimônio, renda
e serviços, mas também os impostos sobre a importação de bens a serem
utilizados na consecução de seus objetivos estatutários.”.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual, por unanimidade de votos,
apreciando o tema 336 da repercussão geral, em conhecer do recurso
extraordinário e dar-lhe provimento, a fim de reformar o acórdão
recorrido e reconhecer a imunidade tributária da recorrente de II e de IPI
nas operações de importação tratadas nos presentes autos, nos termos do
voto do Relator. Foi fixada a seguinte tese: “As entidades religiosas
podem se caracterizar como instituições de assistência social a fim de se
beneficiarem da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da
Constituição, que abrangerá não só os impostos sobre o seu patrimônio,
renda e serviços, mas também os impostos sobre a importação de bens a
serem utilizados na consecução de seus objetivos estatutários”. O
Ministro Alexandre de Moraes acompanhou o Relator com ressalvas.
Brasília, 11 a 18 de março de 2022.

Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO - Relator

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Relatório

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RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO


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TRATADOS
ADV.(A/S) : JOSÉ ANTÔNIO COZZI E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : RAQUEL DE SOUZA
ADV.(A/S) : ERIC DINIZ CASIMIRO
ADV.(A/S) : MOZART THOMAS BRANCHI GUALTIERO
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE
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ODONTOLÓGICOS, HOSPITALARES E DE
LABORATÓRIOS (ABIMO)
ADV.(A/S) : MARCO AURELIO CEZARINO BRAGA
ADV.(A/S) : JONNAS ESMERALDO MARQUES DE
VASCONCELOS
ADV.(A/S) : GLAUCIA CRISTINA BORTOLI
ADV.(A/S) : BRUNA MENANI PEREIRA LIMA E OUTRO(S)
ADV.(A/S) : LUIZ SOUZA LIMA DA SILVA CARVALHO

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR):

1. Trata-se de recurso extraordinário interposto pela


Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, com base no art. 102, III,
a, da Constituição, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, que deu provimento à apelação da União, entendendo que a
recorrente não constitui entidade de assistência social para fins de fruição
da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição1. O
acórdão recorrido encontra-se assim ementado:
1 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

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CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.


ENTIDADE RELIGIOSA. CARÁTER ASSISTENCIAL. NÃO
COMPROVADO.
I – De um cotejo entre os objetivos da assistência social,
constitucionalmente delineados, e as finalidades a que se dedica
a Impetrante, verifica-se não haver correspondência que possa
conduzir à conclusão de que esta reveste a natureza de
instituição dedicada à assistência social, razão pela qual não faz
jus à imunidade ao reconhecimento da imunidade tributária
postulada, em razão do disposto nos artigos 150, VI, alínea c, e
203, da Constituição da República.
II – Apelação e Remessa Oficial providas.

2. Na origem, foi impetrado mandado de segurança


preventivo com pedido de liminar a fim de que, em decorrência da sua
natureza assistencial, fosse reconhecido o direito da associação à fruição
da imunidade em relação ao imposto de importação (II) e ao imposto
sobre produtos industrializados (IPI), incidentes sobre a importação de
papel especial para impressão de bíblias, limpador de banda de papel e
de outros bens para uso próprio e destinados às suas finalidades
essenciais.

3. A liminar postulada pela impetrante foi deferida,


assegurando o desembaraço aduaneiro dos bens importados, sem prévio

Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
[...]
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei;
[...]”

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pagamento dos impostos. Na sentença, o juízo de primeira instância


julgou procedente o pedido e concedeu a segurança, reconhecendo que a
recorrente é instituição de assistência social, portanto, abarcada pela
imunidade tributária do art. 150, VI, c, da Constituição, no que se refere
ao II e ao IPI sobre os bens importados.

4. Irresignada, a União interpôs apelação, alegando que a


imunidade conferida às entidades de assistência social, prevista no
referido dispositivo constitucional, restringe-se aos impostos sobre
patrimônio, renda e serviços, não abrangendo o II e o IPI-importação.

5. Em 30.10.2008, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal


da 3ª Região deu provimento à apelação e à remessa necessária, por
entender que as entidades de natureza religiosa não se configuram como
de assistência social, uma vez que ausentes os requisitos da generalidade
e da universalidade da prestação assistencial, o que inviabilizaria o
reconhecimento da imunidade tributária pleiteada. Em face do referido
acórdão, a ora apelada opôs embargos de declaração, apontando
omissões para fins de prequestionamento. Estes foram rejeitados.

6. Em 09.06.2009, a recorrente interpôs o presente recurso


extraordinário, que foi inadmitido na origem. Em face da decisão de
inadmissão, foi interposto agravo de instrumento, distribuído para a
então relatoria do Min. Joaquim Barbosa.

7. Com base no acórdão recorrido e considerando a ausência


de efeito suspensivo do recurso, a Fazenda Nacional deu início às
providências necessárias à cobrança dos créditos tributários, como a
inscrição em dívida ativa, o que impediu a emissão de certidão negativa
de débitos. Tais fatos levaram a recorrente a ajuizar a Ação Cautelar (AC)
2.547 perante esta Corte, com pedido liminar, para que fosse concedido
efeito suspensivo ao recurso. Em 29.01.2010, o relator da ação cautelar,
Min. Gilmar Mendes, deferiu a medida liminar, suspendendo os efeitos

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do acórdão recorrido. Em 13.08.2010, o Min. Joaquim Barbosa proveu o


agravo de instrumento para que fosse possibilitada a análise do recurso
extraordinário.

8. Resumidamente, no presente recurso, a recorrente sustenta


que faz jus à imunidade de IPI e II na importação de bens essenciais para
as suas finalidades, com base no art. 150, VI, c, da Constituição, uma vez
que: (i) é entidade beneficente de assistência social, devidamente
certificada pelos órgãos competentes; (ii) os documentos públicos que
reconhecem o caráter filantrópico da entidade são incontroversos e não
poderiam ter sido desconsiderados pelo TRF; (iii) o acórdão desse
Tribunal se baseou em premissa não impugnada nas razões de apelação,
qual seja, a qualificação da recorrente como entidade de assistência social;
(iv) em diversos julgados, o STF reconheceu o direito de instituições de
assistência social de fruírem da imunidade sobre bens de consumo; (v) a
imunidade visa à desoneração da renda, serviços e patrimônio das
entidades, de modo que alcança o II e o IPI que incidem sobre as
operações de importação, conforme art. 150, VI, c, e § 4º, da Constituição.

9. Em contrarrazões, a União alega que: (i) o deslinde da


controvérsia demanda o reexame de fatos e provas; (ii) as atividades
religiosas e de evangelização não se caracterizam como assistência social,
para fins da imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição; (iii)
ainda que a recorrente fosse caracterizada como entidade assistencial, a
imunidade do referido dispositivo alcança apenas o patrimônio, a renda e
os serviços por ela prestados, não alcançando o IPI e o II, que incidem
sobre o consumo.

10. Em 22.10.2010, foi reconhecida a repercussão geral da


matéria, conforme proposta do então relator, Min. Joaquim Barbosa, em
acórdão assim ementado:

REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL.


TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ASSISTÊNCIA SOCIAL.

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Relatório

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ATIVIDADE FILANTRÓPICA EXECUTADA À LUZ DE


PRECEITOS RELIGIOSOS. CARACTERIZAÇÃO COMO
ATIVIDADE ASSISTENCIAL. APLICABILIDADE AO
IMPOSTO SOBRE IMPORTAÇÃO. ARTS. 5º, LIV E LV
(DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA IGNORADOS PELA EQUIVOCADA APRECIAÇÃO
DO QUADRO), 19, II (VIOLAÇÃO DA REGRA DA
LEGALIDADE POR DESRESPEITO À FÉ PÚBLICA GOZADA
PELOS CERTIFICADOS FILANTRÓPICOS CONCEDIDOS),
150, VI, C E 203 (CONCEITO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL) DA
CONSTITUIÇÃO.
1. Há repercussão geral da discussão acerca da
caracterização de atividade filantrópica executada à luz de
preceitos religiosos (ensino, caridade e divulgação dogmática)
como assistência social, nos termos dos arts. 194 e 203 da
Constituição.
2. Igualmente, há repercussão geral da discussão sobre a
aplicabilidade da imunidade tributária ao Imposto de
Importação, na medida em que o tributo não grava literalmente
patrimônio, renda ou o resultado de serviços das entidades
candidatas ao benefício.

11. Em parecer de 20.03.2012, a Procuradoria-Geral da


República se manifestou pelo provimento do recurso, por entender que:
(i) não se pode negar a imunidade tributária em face da orientação
religiosa da entidade assistencial; (ii) as entidades fazem jus à imunidade,
desde que os bens sejam utilizados na prestação de seus serviços
específicos; e (iii) a importação dos referidos bens se relaciona
diretamente com as atividades essenciais da entidade, sendo legítimo o
reconhecimento da imunidade tributária postulada.

12. Em 04.02.2022, admiti a Associação Brasileira da Indústria


de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de
Laboratórios (ABIMO) na qualidade de amicus curiae.

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13. É o relatório.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 630.790 S ÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR):

1. Conforme relatado, as questões apresentadas à apreciação


desta Corte no presente recurso são (i) definir se a filantropia exercida à
luz de preceitos religiosos desnatura a natureza assistencial da entidade,
para fins de fruição da imunidade prevista no art. 150, VI, c, da
Constituição; (ii) determinar se a imunidade prevista no referido
dispositivo abrange o II e o IPI incidentes sobre as importações de bens
destinados às finalidades essenciais da associação recorrente.

2. Para resolução da controvérsia, dividirei o meu voto em


três partes. Na primeira parte, tecerei considerações sobre o modelo
constitucional de assistência social pós-1988 e verificarei a sua
compatibilidade com a veiculação de valores religiosos. Na segunda,
examinarei a jurisprudência desta Corte sobre a abrangência da
imunidade do art. 150, VI, c, da Constituição quanto ao II e ao IPI
incidentes sobre a importação de bens de consumo essenciais. Por fim,
solucionarei o caso subjacente à presente repercussão geral.

I. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

3. A assistência social engloba um conjunto de ações do


Poder Público e da sociedade destinadas a garantir a existência digna de
indivíduos que, por seus próprios meios, não conseguem alcançá-la. Ao
lado da previdência social e da saúde, os direitos relativos à assistência
social integram o sistema de seguridade social1. Inicialmente vinculada às

1 “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto


integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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ações filantrópicas de caráter voluntário, com a Constituição de 1988, a


assistência social passou a ser política de Estado destinada a proteger os
necessitados, sem a exigência de prévia vinculação ou contribuição ao
sistema, uma vez que assentada na ideia de promoção do bem comum.

4. Nessa linha de argumentação, ao apreciar o RE 587.970


também sob a sistemática da repercussão geral, da relatoria do Min.
Marco Aurélio (DJe. 22.09.2017), esta Corte decidiu que o benefício
assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição – o benefício de
prestação continuada – deve ser concedido a brasileiros natos,
naturalizados e estrangeiros residentes no país, ainda que não tenham
contribuído para a Previdência. Nesse sentido, trechos do voto do relator
proferido na ocasião:

Como, então, deve ser percebida a cláusula constitucional


‘a assistência social será prestada a quem dela necessitar’? O
objetivo do Constituinte foi único: conferir proteção àqueles
incapazes de garantir a subsistência. Os preceitos envolvidos,
como já asseverado, são os relativos à dignidade humana, à
solidariedade social, à erradicação da pobreza e à assistência
aos desamparados. Esses elementos fornecem base para
interpretação adequada do benefício assistencial estampado no
Documento Básico.
[...]
Para que determinada pessoa seja capaz de mobilizar a
própria razão em busca da construção de um ideal de vida boa
– que, no final das contas, nos motiva a existir –, é fundamental
que lhe sejam fornecidas condições materiais mínimas. Nesse
aspecto, a previsão do artigo 203, inciso V, da Carta Federal
também opera em suporte dessa concepção de vida digna. Mas
caberia ao Estado brasileiro dar essa sustentação ao não
nacional? Deve-se estender essa proteção ao estrangeiro
residente no País? Não consigo alcançar, nesse particular,
argumentos para conclusão negativa.

assistência social.”

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A ideia maior de solidariedade social foi alçada à condição


de princípio pela Lei Fundamental. Observem a ninguém ter
sido oferecida a escolha de nascer nesta quadra e nesta
sociedade, mas estamos todos unidos na construção de
propósito comum. O estrangeiro residente no País, inserido na
comunidade, participa do esforço mútuo. Esse laço de
irmandade, fruto, para alguns, do fortuito e, para outros, do
destino, faz de nós, de algum modo, responsáveis pelo bem de
todos, inclusive daqueles que adotaram o Brasil como novo lar
e fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta terra.

5. Dessa forma, na concepção de assistência pós-1988, cabe ao


Estado prover o mínimo existencial, inclusive por meio de ações
integradas com a iniciativa privada, de modo a garantir o atendimento às
necessidades básicas das pessoas em situação de vulnerabilidade. É o que
diz a Lei nº 8.742/1993, Lei Orgânica da Assistência Social, em seu art. 1º:

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do


Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que
provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para
garantir o atendimento às necessidades básicas.

6. A assistência social encontra-se disposta na Constituição


nos arts. 203 e 204. O art. 203 aponta os objetivos da assistência social:

Art. 203 A assistência social será prestada a quem dela


necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à

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pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não


possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei.

7. Destaco, aqui, o caráter universal das ações assistenciais,


ao dispor que elas serão prestadas a todos que delas necessitarem,
independentemente do pagamento de contribuições, tendo como
objetivos, dentre outros, a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice. No entanto, esse viés da universalidade das ações
assistenciais é exigível somente do Estado, não podendo tal obrigação ser
estendida às instituições de assistência social privadas. Ao mesmo tempo,
a tendência é que os particulares, em colaboração com o Estado, exerçam
a assistência de maneira regionalizada, considerando a inviabilidade de
atender à totalidade da população em âmbito nacional.

8. A universalidade esperada das entidades privadas é no


sentido de que devam dirigir as suas ações assistenciais indistintamente à
coletividade por elas alcançada, especialmente às pessoas em situação de
vulnerabilidade ou risco social, sem viés discriminatório. Acerca desse
ponto, destaco esclarecimento do Min. Celso de Mello no RE 202.700 (Rel.
Min. Maurício Corrêa, DJe 01.03.2002):

Na realidade, as notas pertinentes à generalidade e à


universalidade traduzem a idéia – essencial à configuração
jurídica como instituição de assistência social – de que os
serviços e os benefícios por ela prestados devem se estender
‘sem discriminações, restrições, preferências ou condições, a quantos
deles necessitem e estejam no caso de merecê-las em paridade de
situação com outros beneficiários contemplados’[...].

9. Por essa razão, o mais comum é que as entidades de


assistência social privadas desempenhem as suas atividades em um plano
geográfico restrito, limitadas, por exemplo, a um Município ou a um
bairro, gerando consequentemente uma redução do número de pessoas

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beneficiadas. Diferem, portanto, da assistência prestada pelo Estado, que


deve ser uniforme a todos os indivíduos em território nacional. No
entanto, na linha do exposto pelo Min. Celso de Mello, o fato de as
entidades privadas de assistência social atenderem a um número limitado
de pessoas não as permite agir de forma discriminatória.

10. O art. 204 da Constituição2, por sua vez, prevê que a


assistência social será prestada de maneira descentralizada. Cabe aos
Estados e aos Municípios a execução dos programas, podendo contar com
a colaboração das entidades particulares de assistência social.

11. Ressalto que a assistência social está longe de se resumir à


renda mínima prevista na Lei Orgânica da Assistência Social 3, benefício
pago às pessoas que atendam aos requisitos constantes nessa lei. A
assistência social é um dos vetores da seguridade social e deve ser
interpretada de maneira ampla, compreendendo também as ações
privadas que propiciem, por exemplo, acesso ou recolocação no mercado
de trabalho, integração das pessoas com deficiência à sociedade e até
mesmo a garantia das necessidades mais básicas, como abrigo,
alimentação e higiene, demandadas por pessoas em situação de

2 “Art. 204. As ações governamentais na área da assistência


social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,
previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas
seguintes diretrizes:
I – descentralização político-administrativa, cabendo a
coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a
execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem
como a entidades beneficentes e de assistência social;
II – participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em
todos os níveis.”
3 Artigos 20 e 21 da Lei nº 8.742/93 (LOAS – Lei Orgânica da
Assistência Social).

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vulnerabilidade social e econômica.

12. Nessa ordem de ideias, tenho que as organizações


assistenciais religiosas desempenham um papel extremamente relevante,
não sendo raras as que possuem um componente social que, para além de
colaborar com o Estado, muitas vezes substituem a ação estatal na
assistência aos necessitados. Assim sendo, desde que não haja
discriminação entre os assistidos ou coação para que passem a aderir aos
preceitos religiosos em troca de terem as suas necessidades atendidas,
entendo que tais instituições disseminam os valores mais caros em uma
sociedade que busca ser livre, justa e solidária: a caridade, a
solidariedade, o auxílio às pessoas em situação de risco e a atenção ao
semelhante.

13. A assistência social prestada por organizações religiosas se


dirige a um público verdadeiramente carente dessas ações, alcançando
indivíduos que, muitas vezes, instalam-se em localidades remotas,
esquecidas pelo Poder Público e não alcançadas por outras entidades
privadas. Se no passado as ações assistenciais promovidas pelas
organizações religiosas estavam restritas aos seus membros ou àqueles
que concordassem em aderir a seus preceitos, atualmente elas se voltam
ao público geral que delas necessite – e que elas tenham condições de
alcançar – independentemente das crenças dos assistidos.

14. Esse entendimento se encontra abarcado tanto pela


concretização do fundamento republicano da dignidade da pessoa
humana, ao assegurar-se o mínimo existencial a tais indivíduos, quanto
pela proteção à liberdade de religião e de crença, direito garantido pelo
art. 5º, VI e VII, da Constituição.

15. Para arrematar este tópico, uma comparação parece válida.


Não se cogita que as instituições de ensino – também abrangidas pela
imunidade prevista pelo art. 150, VI, c, da CF/1988 – deixem de cumprir

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com seus objetivos apenas por serem vinculadas a alguma religião


específica (por exemplo, os colégios e universidades católicas, instituições
protestantes de ensino e escolas judaicas). Do mesmo modo, as ações
assistenciais exercidas por entidades religiosas são plenamente
compatíveis com o modelo constitucional brasileiro de assistência social.

II. O ALCANCE DA IMUNIDADE DAS ENTIDADES ASSISTENCIAIS SEM FINS


LUCRATIVOS

16. As imunidades são limitações impostas pela Constituição


ao exercício da competência tributária dos entes federados, desonerando
pessoas, renda, bens e serviços do pagamento de determinados tributos, a
fim de impedir que valores constitucionais relevantes tenham alcance
limitado por intervenções estatais de natureza fiscal. Trata-se, assim, de
incompetência constitucionalmente qualificada.

17. Conferindo à imunidade a missão de proteger tais valores


constitucionais, destaco entendimento da Min. do Superior Tribunal de
Justiça, Regina Helena Costa 4, para quem a incompetência tributária
constitui, a um só tempo, direito e instrumento de proteção de outros
direitos:

[...] as imunidades tributárias não constituem princípios,


mas sim aplicações de um princípio, o qual denominamos
princípio da não-obstância do exercício de direitos
fundamentais por via da tributação.
Desse modo, as normas imunizantes vêm, exatamente,
garantir que, nas situações e em relação às pessoas que
apontam, a tributação não amesquinhe o exercício de direitos
constitucionalmente contemplados.
A par dessa missão, as normas imunizantes operam como
instrumentos de proteção de outros direitos fundamentais.

4 Regina Helena Costa, Imunidades Tributárias. Teoria e


análise da jurisprudência do STF, 2015, p. 90-91.

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Constituem, assim, ao mesmo tempo, direitos e garantias de


outros direitos.

18. O art. 150, VI, da Constituição, traz um rol de imunidades,


assentando que é vedado aos entes políticos instituir impostos sobre
determinadas pessoas ou bens. A literalidade da alínea c do dispositivo
prevê a imunidade tributária de partidos políticos, entidades sindicais de
trabalhadores e instituições de educação e de assistência social em relação
ao seu patrimônio, renda ou aos serviços por elas prestados5.

19. A doutrina tributária tende a classificar as hipóteses de


incompetência expostas no art. 150, VI, c, da Constituição, como
imunidades subjetivas, uma vez que incidem sobre as pessoas ali
elencadas, em consideração ao relevante papel social que desempenham.

20. Especificamente em relação às entidades de assistência


social6, consideram-se como tais as entidades sem fins lucrativos que

5 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
[...]
VI – instituir impostos sobre:
[...]
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei;
[...]
§4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c,
compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados
com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”
6 A Constituição de 1946 inovou ao assegurar a imunidade
tributária às entidades de assistência social (art. 31, V, b). Tal imunidade

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atendam aos requisitos (materiais) previstos em lei complementar 7, e que


colaborem com o Estado na consecução dos objetivos constantes do art.
203 da Constituição. Além disso, o patrimônio, os serviços e a renda a
serem alcançados pela imunidade são aqueles relacionados às suas
finalidades essenciais, conforme exposto no art. 150, § 4º, da
Constituição8.

21. Outro aspecto importante relacionado à abrangência da


imunidade protetiva das entidades assistenciais, fundamental para o
presente caso, diz respeito aos impostos que estariam abarcados pela
imunidade em questão.

22. A expressão “relacionados com as finalidades essenciais”,

foi mantida pelas Constituições de 1967 (art. 20, III, c) e de 1969 (art. 19,
III, c).
7 Atualmente, é o art. 14 do Código Tributário Nacional que
regula a matéria:
“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é
subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele
referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou
de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na
manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em
livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. [...]”
8 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
[...]
§4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c,
compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados
com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”

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contida no art. 150, § 4º, é objeto de duas correntes interpretativas, uma


restritiva e uma ampliativa. De acordo com a corrente restritiva, só
estariam abrangidos pela imunidade o patrimônio, a renda e os serviços
diretamente relacionados à razão de ser da entidade. É dizer, toda riqueza
que não guardar conexão com as atividades de assistência social
exercidas não seria imune.

23. Já para os defensores da segunda corrente, a expressão


“relacionados com as finalidades essenciais” não leva em conta a origem
ou a natureza dos rendimentos auferidos pelas instituições assistenciais,
mas sim a sua destinação. Sob essa perspectiva, a entidade assistencial
poderia se valer de outras receitas, decorrentes da exploração de
atividades indiretamente ligadas às suas finalidades essenciais, desde que
os rendimentos fossem reinvestidos em tais finalidades. Assim, de acordo
com essa linha de entendimento, a incidência de impostos sobre as
atividades não assistenciais diminuiria os recursos que potencialmente
poderiam ser revertidos às atividades essenciais.

24. Não obstante o texto constitucional possa levar a uma


interpretação restritiva sobre quais impostos estariam abrangidos pela
imunidade – apenas aqueles diretamente incidentes sobre patrimônio,
renda e serviços – o STF vem ampliando o alcance da norma imunizante,
de modo a afastar a cobrança de todos os impostos que possam reduzir o
patrimônio ou comprometer a renda dessas instituições.

25. É antigo e sedimentado o entendimento desta Corte de que


a imunidade do art. 150, VI, c, abrange os impostos incidentes sobre a

10

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importação. As decisões proferidas no RE 87.913 9, RE 89.17310 e RE


88.67111, nos anos 70, foram reiteradamente aplicadas pelas Turmas, já sob
a égide da Constituição de 1988, a fim de consignar que os produtos
importados que viessem a ser incorporados ao patrimônio e utilizados
nas atividades da entidade imune não poderiam ser tributados pelos
impostos incidentes na importação12.

26. A Corte vem, portanto, conferindo amplitude à norma

9 “IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BEM PERTENCENTE A


PATRIMÔNIO DE ENTIDADE DE ASSISTENCIA SOCIAL,
BENEFICIADA PELA IMUNIDADE PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. NÃO INCIDENCIA DO TRIBUTO. - RECURSO
EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.” (RE 87.913, Primeira Turma,
Rel. Rodrigues Alckmin, DJ 29.12.1977).
10 “- IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. IMUNIDADE. - A
IMUNIDADE A QUE SE REFERE A LETRA 'C' DO INCISO III DO
ARTIGO 19 DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 1/69 ABRANGE O
IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, QUANDO O BEM IMPORTADO
PERTENCER A ENTIDADE DE ASSISTENCIA SOCIAL QUE FAÇA JUS
AO BENEFICIO POR OBSERVAR OS REQUISITOS DO ARTIGO 14 DO
CTN. - PRECEDENTE DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
CONHECIDO E PROVIDO.” (RE 89.173, Segunda Turma, Rel. Min.
Moreira Alves, DJ 29.12.1978.)
11 “IMUNIDADE TRIBUTARIA DAS INSTITUIÇÕES DE
ASSISTENCIA SOCIAL (CONSTITUIÇÃO, ART. 19, III, LETRA C). NÃO
HÁ RAZÃO JURÍDICA PARA DELA SE EXCLUIREM O IMPOSTO DE
IMPORTAÇÃO E O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS
INDUSTRIALIZADOS, POIS A TANTO NÃO LEVA O SIGNIFICADO
DA PALAVRA 'PATRIMÔNIO', EMPREGADA PELA NORMA
CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA RESTABELECIDA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.” (RE 88.671. Primeira
Turma, Rel. Xavier de Albuquerque, DJ 03.07.1979).
12 Cito como exemplos: (i) AI 378.454-AgR, Rel. Min.

11

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constitucional imunizante, de modo a abranger todos os impostos que de


alguma forma possam desfalcar o patrimônio, prejudicar as atividades ou
reduzir as rendas da entidade imune, ainda que estejam apenas
indiretamente relacionados com as suas finalidades essenciais. A
condição é que os recursos obtidos sejam vertidos ao implemento de tais
fins. Havendo correspondência entre o recurso obtido e a aplicação nas
finalidades essenciais, restará configurado o liame exigido pelo texto
constitucional. Dessa forma, o alcance da imunidade é determinado pela
destinação dos recursos auferidos pela entidade, e não pela origem ou
natureza da renda.

27. Um dos precedentes mais conhecidos acerca do tema trata


do reconhecimento da imunidade de IPTU sobre imóveis de propriedade
das entidades listadas da alínea c, ainda que esses imóveis estejam
alugados para terceiros, conforme decidido pelo Tribunal Pleno, em 2001,
no RE 237.718, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence 13. A reiteração de
julgados no mesmo sentido deu origem à Súmula nº 724, aprovada em
26.11.2003, e que afirma que “[a]inda quando alugado a terceiros,
permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades
referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos
aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”. A
Súmula Vinculante nº 52, aprovada em 18.06.2015, manteve a ratio da
Súmula nº 72414.

Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 29.11.2002; (ii) RE 243.807, Primeira


Turma, Rel. Ilmar Galvão, DJ 28.04.2000; (iii) RE 203.755, Segunda Turma,
Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.11.1996.
13 “EMENTA: Imunidade Tributária do patrimônio das
instituições de assistência social (CF, art. 150, VI, c): sua aplicabilidade de
modo a preexcluir a incidência do IPTU sobre imóvel de propriedade da
entidade imune, ainda quando alugado a terceiro, sempre que a renda
dos aluguéis seja aplicada em suas finalidades institucionais.” (RE
237.718, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06.09.2001)
14 “Súmula Vinculante nº 52 – Ainda quando alugado a

12

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28. A imunidade dirigida às entidades assistenciais sem fins


lucrativos, como visto, não é restrita apenas ao patrimônio, renda ou
serviços decorrentes da realização do objeto social da entidade. Abrange
também eventuais propósitos paralelos, desde que os valores obtidos
sejam revertidos à consecução dos seus objetivos sociais.

29. Tal entendimento foi reafirmado, recentemente, pelo


Plenário desta Corte no julgamento do RE 611.510, tema 328 da
sistemática da repercussão geral, sob a relatoria da Min. Rosa Weber (DJe
07.05.2021), em que se definiu que a imunidade do art. 150, VI, c, abrange
o IOF incidente sobre as operações financeiras das entidades listadas.
Transcrevo a ementa do julgado, em que consta a tese firmada, a fim de
esclarecer a controvérsia solucionada por esta Corte:

EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO
TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, “c”, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ENTIDADES SINDICAIS,
PARTIDOS POLÍTICOS, INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E
DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS.
IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS – IOF.
1. Segundo a pacífica jurisprudência desta Suprema Corte,
a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘c’, da
Constituição da República alcança o Imposto sobre Operações
Financeiras – IOF.
2. Os objetivos e valores perseguidos pela imunidade em
foco sustentam o afastamento da incidência do IOF, pois a
tributação das operações de crédito, câmbio e seguro, ou
relativas a títulos ou valores mobiliários das entidades ali

terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das


entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor
dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades
foram constituídas.”

13

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referidas, terminaria por atingir seu patrimônio ou sua renda.


3. A exigência de vinculação do patrimônio, da renda e
dos serviços com as finalidades essenciais da entidade imune,
prevista no § 4º do artigo 150 da Constituição da República, não
se confunde com afetação direta e exclusiva a tais finalidades.
Entendimento subjacente à Súmula Vinculante 52.
4. Presume-se a vinculação, tendo em vista que impedidas,
as entidades arroladas no art. 150, VI, ‘c’, da Carta Política, de
distribuir qualquer parcela do seu patrimônio ou de suas
rendas, sob pena de suspensão ou cancelamento do direito à
imunidade (artigo 14, I, e § 1º, do Código Tributário Nacional).
Para o reconhecimento da imunidade, basta que não seja
provado desvio de finalidade, ônus que incumbe ao sujeito
ativo da obrigação tributária.
5. Recurso extraordinário da União desprovido, com a
fixação da seguinte tese: A imunidade assegurada pelo art. 150,
VI, ‘c’, da Constituição da República aos partidos políticos,
inclusive suas fundações, às entidades sindicais dos
trabalhadores e às instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos da lei,
alcança o IOF, inclusive o incidente sobre aplicações financeiras.

30. No entanto, afirmo, em obiter dictum, que, ainda que esta


Corte venha reiteradamente adotando uma interpretação teleológica da
imunidade, é imprescindível que as autoridades fiscais verifiquem as
circunstâncias fáticas e jurídicas, de modo a constatar se os requisitos
necessários à fruição não incidência estão sendo atendidos, bem como
identificar se o patrimônio, a renda e os serviços da entidade imune estão
afetados a suas finalidades essenciais. Destaco apenas que, conforme
consta na ementa transcrita, “[p]ara o reconhecimento da imunidade,
basta que não seja provado desvio de finalidade, ônus que incumbe ao
sujeito ativo da obrigação tributária”.

31. Assim, a imunidade das entidades previstas no art. 150, VI,


c, da Constituição, abrange não só os impostos diretamente incidentes

14

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sobre patrimônio, renda e serviços, mas também aqueles devidos na


importação de mercadorias ou serviços a serem utilizados em suas
atividades essenciais. Além disso, a imunidade recai sobre a renda e o
patrimônio não necessariamente afetos às ações assistenciais, desde que
os valores da sua exploração sejam revertidos para a atividade-fim das
entidades assistenciais.

32. Considerando o exposto, passarei à resolução do caso


concreto.

III. A IMUNIDADE AO II E AO IPI-IMPORTAÇÃO NO CASO VERTENTE

33. Conforme relatado, o presente recurso extraordinário foi


interposto em face de acórdão do TRF da 3ª Região, que entendeu que as
entidades de natureza religiosa não se configuram como de assistência
social, pois estariam ausentes os requisitos da generalidade e da
universalidade da prestação assistencial, o que inviabilizaria o
reconhecimento da imunidade tributária pretendida.

34. A recorrente pleiteia, em síntese, que seja reconhecida a


sua natureza jurídica assistencial – e consequentemente a imunidade
tributária –, bem como fique estabelecido que os dispositivos
constitucionais – art. 150, VI, c e § 4º – abrangem o II e o IPI que incidem
sobre a importação de papel especial para impressão de bíblias, limpador
de banda de papel e de outros bens para uso próprio destinados às suas
finalidades essenciais.

35. Entendo que o acórdão recorrido merece ser reformado.

36. A parte recorrente é entidade religiosa, constituída como


associação civil de direito privado, sem fins lucrativos, tendo por
finalidade a divulgação dogmática, bem como o desenvolvimento de
programas de educação, formação humana e de assistência social. Pela

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leitura do art. 2º do seu Estatuto Social (transcrito no acórdão recorrido) e


à luz do art. 203 da Constituição, não há como negar o seu caráter
assistencial. Além da difusão da fé cristã, ela tem como finalidade a
assistência social, por meio de obras de caridade e de promoção de ações
de capacitação e habilitação de pessoas com deficiência, bem como pela
doação de recursos materiais e pecuniários a entidades afins 15. Tal
finalidade se comprova também por meio de documentos trazidos aos
autos, notadamente do Certificado de Entidade Beneficente de
Assistência Social (CEBAS) e de declarações de utilidade pública. Dessa
forma, não resta dúvida de que seus objetivos estatutários permitem
qualificá-la como instituição de assistência social.

37. Vale frisar que tal situação fática restou devidamente


comprovada por meio do Estatuto Social e dos certificados expedidos
pelo Poder Público, constantes nos autos. Ademais, pelo tipo de
mercadoria importada16, é de se reconhecer que os equipamentos e
mercadorias serão utilizados em suas finalidades essenciais17.

15 Prestar assistência social; efetuar obras caritativas;


promover ações de capacitação e habilitação de pessoas com deficiência; e
doação de recursos materiais e pecuniários a entidades afins.
16 No caso específico dos autos, a recorrente importou papel
especial (Coverluxe) para imprimir a Bíblia, livros, revistas e outros, além
de uma máquina de utilização gráfica denominada “Limpador de banda
de papel”, da marca SIMCO (Parecer da Procuradoria-Geral da
República, Vol. 3, fl. 276 dos autos virtuais).
17 Art. 2º do Estatuto Social da Recorrente – “A Associação
tem por objetivos:
[...]
e) importar, exportar, imprimir e distribuir a Bíblia e
disseminar em várias línguas os ensinamentos nela contidos; bem como
jornais, livros, folhetos, revistas, impressos, periódicos e outras
publicações educativas e bíblicas; e importar equipamentos, materiais e
utensílios necessários para cumprir as suas finalidades.”

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38. Cumpre mencionar que esta Corte, em diversas


oportunidades, consignou a natureza assistencial das atividades
desenvolvidas pela recorrente, em recursos em que era parte, garantindo
a imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição, para diversos
impostos, dentre eles os devidos na importação. Nessa linha, destaco os
seguintes julgados:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE


INSTRUMENTO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IMPOSTO
SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E IMPOSTO DE
IMPORTAÇÃO. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.
A imunidade prevista no artigo 150, VI, "c", da
Constituição Federal, em favor das instituições de assistência
social, abrange o Imposto de Importação e o Imposto sobre
Produtos Industrializados, que incidem sobre bens a serem
utilizados na prestação de seus serviços específicos.
Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 378454
AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29.11.2002.)

IMUNIDADE - INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E


ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS - IMÓVEIS -
ESCRITÓRIO E RESIDÊNCIA DE MEMBROS. O fato de os
imóveis estarem sendo utilizados como escritório e residência
de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no
artigo 150, inciso VI, alínea "c", § 4º da Constituição Federal. (RE
221.395, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.05.2000.)

EMENTA: Constitucional. Tributário. ICMS. Imunidade.


Instituição de educação sem fins lucrativos (CF, art. 150, VI, ‘c’).
Acórdão recorrido no sentido da imunidade confirma a
orientação fixada nos RE 203.755, RE 87.913, RE 88.671, RE
193.969, RE 186.175, RE 225.671 (AgRg) e RE 210.251.
Regimental não provido. (RE 237.497, Rel. Min. Nelson Jobim,
DJ 06.08.2002.)

17

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39. A partir desses precedentes relativos especificamente à


recorrente, bem como de outros atinentes a outras entidades incluídas no
art. 150, VI, c, da Constituição, foram proferidas diversas decisões
monocráticas pelos Ministros desta Corte, as quais transitaram em
julgado, reconhecendo a condição de imune da recorrente, tais como: RE
255.796 (Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 14.05.2002); RE 230.813 (Rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 10.06.2003); RE 255.565 AgR (Rel. Min. Gilmar Mendes,
DJ 01.04.2004); RE 253.506 AgR (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 01.04.2004);
AI 627.214 (Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ 02.02.2007); AI 629.247 (Rel.
Min. Carlos Ayres Britto, DJ 06.02.2007); AI 624.542 (Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJ 24.04.2007); AI 629.182 (Rel. Min. Carlos Ayres Britto,
DJ 11.10.2007); AI 635.467 (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 15.10.2007); AI
682.014 (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 03.10.2007); AI 457.912 (Rel.
Min. Cármen Lúcia, DJe 25.09.2008); e RE 562.632 (Rel. Min. Cezar Peluso,
DJe 06.08.2009).

40. Assim, não restam dúvidas – tanto pela aplicação dos


precedentes desta Corte, quanto pelas informações incontroversas
constantes dos autos – que a recorrente faz jus à imunidade de impostos
prevista no art. 150, VI, c, da Constituição, inclusive em relação ao II e ao
IPI-importação incidentes sobre as importações de produtos a serem
utilizados nas atividades assistenciais.

IV. CONCLUSÃO

41. Diante do exposto, conheço do recurso extraordinário e o


provejo, a fim de reformar o acórdão recorrido e reconhecer a imunidade
tributária da recorrente de II e de IPI nas operações de importação
tratadas nos presentes autos.

42. Proponho a fixação da seguinte tese de repercussão geral:


“As entidades religiosas podem se caracterizar como instituições de assistência
social a fim de se beneficiarem da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c,

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da Constituição, que abrangerá não só os impostos sobre o seu patrimônio, renda


e serviços, mas também os impostos sobre a importação de bens a serem
utilizados na consecução de seus objetivos estatutários.”.

43. É como voto.

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21/03/2022 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 630.790 S ÃO PAULO

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO


RECTE.(S) : ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E
TRATADOS
ADV.(A/S) : JOSÉ ANTÔNIO COZZI E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : RAQUEL DE SOUZA
ADV.(A/S) : ERIC DINIZ CASIMIRO
ADV.(A/S) : MOZART THOMAS BRANCHI GUALTIERO
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE
ARTIGOS E EQUIPAMENTOS MÉDICOS,
ODONTOLÓGICOS, HOSPITALARES E DE
LABORATÓRIOS (ABIMO)
ADV.(A/S) : MARCO AURELIO CEZARINO BRAGA
ADV.(A/S) : JONNAS ESMERALDO MARQUES DE
VASCONCELOS
ADV.(A/S) : GLAUCIA CRISTINA BORTOLI
ADV.(A/S) : BRUNA MENANI PEREIRA LIMA E OUTRO(S)
ADV.(A/S) : LUIZ SOUZA LIMA DA SILVA CARVALHO

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES:

Sr Presidente, adianto que acompanharei o Eminente Relator, com a


ressalva do meu ponto de vista relativamente à parte final da tese de S.
Exa. O Ilustre Min. ROBERTO BARROSO entende que a imunidade
tributária “abrangerá não só os impostos sobre o seu patrimônio, renda e
serviços, mas também os impostos sobre a importação de bens a serem
utilizados na consecução de seus objetivos estatutários”.
Conforme exporei na sequência, entendo que a imunidade (a) não
abrange os impostos incidentes sobre importação e exportação e (b)
beneficia unicamente a aquisição bens a serem utilizados nas atividades

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da entidade religiosa que configurem a assistência social de que trata a


regra constitucional.

Trata-se de Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão


proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Temos para exame o Tema 336 da repercussão geral, assim descrito:

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 19,


II; 150, VI, c, § 4º; e 203, da Constituição Federal, se a atividade
filantrópica executada com fundamento em preceitos religiosos
(ensino, caridade e divulgação dogmática) caracteriza-se, ou não,
como assistência social, nos termos dos artigos 194 e 203, da
Constituição Federal, para fins de incidência da imunidade tributária
relativamente ao imposto de importação.

Na origem, a ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E


TRATADOS (Vol. 0, fl. 14) impetrou mandado de segurança preventivo,
com pedido liminar, contra ato a ser praticado pelo Inspetor da Alfândega
do Porto dos Santos (SP), com o objetivo de lhe ser reconhecida à
imunidade tributária em relação ao Imposto de Importação – II e ao
Imposto sobre Produtos Industrializados IPI incidentes sobre a
importação de bens para uso próprio.

Postulou lhe fosse permitido realizar o desembaraço aduaneiro dos


bens importados, sem o recolhimento dos aludidas exações.

Narrou tratar-se de instituição de assistência religiosa, educacional e


assistencial, sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública,
que atende os requisitos elencados no art. 14 do Código Tributário
Nacional - CTN, e enquadra-se na hipótese do art. 150, VI, “c”, e § 4º, da
CF. Aduziu que os bens importados visam a dar cumprimento às suas
finalidades institucionais.

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A liminar foi deferida, assegurando o desembaraço aduaneiro dos


bens importados sem prévio recolhimento do imposto.

A sentença concedeu a segurança ao fundamento de que a


impetrante atende os requisitos para ser classificada como instituição de
assistência social, sem fins lucrativos, e, por isso, está contemplada pela
imunidade tributária em relação ao Imposto de Importação – II e ao
Imposto sobre Produtos Industrializados IPI incidentes sobre os bens
importados, nos termos do art. 150, VI, “c”, e § 4º, da Constituição Federal
(Vol. 1, fl. 223).

Interposta apelação pela União, o Tribunal de origem, ao analisar o


recurso e a remessa necessária, reformou a sentença, consignando que a
Associação não faz jus à imunidade pleiteada pois, ainda que se trate de
entidade de caráter filantrópico, ostenta natureza religiosa e, por
consequência, os serviços que presta não estão dotados dos requisitos de
generalidade e universalidade necessários a qualificá-la como instituição
de assistência social.
O acórdão foi sintetizado nos seguintes trechos da ementa (Vol. 2,
fl. 118):

CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.


ENTIDADE RELIGIOSA. CARÁTER ASSISTENCIAL NÃO
COMPROVADO.
I — De um cotejo entre os objetivos da assistência social,
constitucionalmente delineados, e as finalidades a que se dedica
a Impetrante, verifica-se não haver correspondência que possa
conduzir à conclusão de que esta reveste a natureza de
instituição dedicada à, assistência social, razão pela qual não faz
jus à imunidade ao reconhecimento da imunidade tributária
postulada, em razão do disposto nos arts. 150, inciso VI, alínea
c, e 203, da Constituição da República.
II —Apelação e Remessa Oficial providas.”

Opostos Embargos de Declaração pela ASSOCIACAO TORRE DE

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VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS (Vol. 2, fl. 123), forma rejeitados (Vol. 2,


fl. 130).

Irresignada, a ASSOCIAÇÃO ora recorrente interpôs Recurso


Extraordinário, com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição
Federal, em que alega violação aos arts. 5º, LIV e LV; 19, II; 150, VI, “c”, §
4º; e 203, da CF (Vol. 2, fl. 146).

De início, sustenta que a matéria já teve a repercussão geral


reconhecida no RE 566.622 (Tema 32). Defende que nem a Constituição,
nem lei federal impõem que as entidades de assistência social sejam
laicas, muito menos os vínculos religiosos que mantém são aptos a
descaracterizar o caráter genérico e universal dos serviços prestados pela
instituição.

Aduz que é portadora do Certificado de Entidade Beneficente de


Assistência Social e foi declarada de Utilidade Pública Federal e Estadual,
documentos públicos esses dotados de fé pública. Além disso, o Estatuto
da entidade não deixa dúvidas de que as suas atividades atendem ao art.
203 da CF, e aos valores essenciais da assistência social, da educação e da
filantropia.

Asseverou que foi violado o devido processo legal, haja vista que a
premissa na qual se firmou o acórdão recorrido acerca da qualificação da
recorrente não fora discutida durante a tramitação processual, nem
questionado pelo Fazenda.

Acresce que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já lhe reconheceu a


imunidade tributária sobre os impostos federais sobre a importação de
bens para uso próprio (AgR no AI 378.454-2, Rel. Min. MAURÍCIO
CORRÊA, Segunda Turma, Dj de 29/11/2000).

Por fim, requer a reforma do acórdão recorrido para reconhecer a

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atividade assistencial da entidade, e o direito à imunidade em relação ao


II e ao IPI incidente nas operações de importação que integrará o
patrimônio da Associação.

Em contrarrazões (Vol. 2, fl. 180), a União, em preliminar, argumenta


que o apelo extremo não pode ser conhecido na medida em que é
imprescindível o exame das provas dos autos. No mérito, realça que a
entidade não faz jus à imunidade, uma vez que os estatutos sociais da
recorrente estabelecem como objetivo a promoção e a difusão da Bíblia e
divulgação de ensinamentos religiosos, os quais não coincidem com
aqueles previstos no art. 150, VI, “c”, da CF.
Aponta que, mesmo que se trate de entidade de assistência social, a
imunidade constitucional não alcança o II, uma vez que a imunidade
somente recai sobre o patrimônio, a renda ou os serviços, não sendo o
caso daquele tributo. Assim postula o desprovimento do recurso.
Inadmitido o apelo pelo Tribunal de origem (Vol. 2, fl. 209), essa
decisão foi desafiada por Agravo de Instrumento, o qual na ocasião foi
distribuído ao Min. JOAQUIM BARBOSA.

Na sequência, a Fazenda Nacional inscreveu os créditos tributários


em dívida ativa, providência que obstou a emissão de certidão negativa
de débitos.

Desta feita, a Associação impetrante ajuizou Ação Cautelar 2.547,


com pedido liminar, dirigida ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
pleiteando efeito suspensivo ao RE. Distribuído o processo ao Min.
GILMAR MENDES, este deferiu a liminar para suspender os efeitos do
acórdão recorrido (Vol. 2, fl. 228). Ato contínuo, o Min. JOAQUIM
BARBOSA deu provimento ao Agravo de Instrumento para que fosse
analisado o apelo extremo (Vol. 2, fl. 232).

Em 22/10/2010, o Plenário desta CORTE reconheceu a repercussão


geral da matéria, nos termos da seguinte ementa:

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EMENTA: REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL.


TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ASSISTÊNCIA SOCIAL.
ATIVIDADE FILANTRÓPICA EXECUTADA À LUZ DE
PRECEITOS RELIGIOSOS. CARACTERIZAÇÃO COMO
ATIVIDADE ASSISTENCIAL. APLICABILIDADE AO
IMPOSTO SOBRE IMPORTAÇÃO. ARTS. 5g, LIV E LV
(DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA IGNORADOS PELA EQUIVOCADA APRECIAÇÃO
DO QUADRO), 19, II (VIOLAÇÃO DA REGRA DA
LEGALIDADE POR DESRESPEITO À FÉ PÚBLICA GOZADA
PELOS CERTIFICADOS FILANTRÓPICOS CONCEDIDOS),
150, VI, C E 203 (CONCEITO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL) DA
CONSTITUIÇÃO. 1. Há repercussão geral da discussão acerca
da caracterização de atividade filantrópica executada à luz de
preceitos religiosos (ensino, caridade e divulgação dogmática)
como assistência social, nos termos dos arts. 194 e 203 da
Constituição. 2. Igualmente, há repercussão geral da discussão
sobre a aplicabilidade da imunidade tributária ao Imposto de
Importação, na medida em que o tributo não grava literalmente
patrimônio, renda ou o resultado de serviços das entidades
candidatas ao beneficio.”

A Procuradoria-Geral da República ofertou parecer em que opina


pelo provimento do Recurso Extraordinário (Vol. 10, fl. 267):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE


TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, SEM
FINS LUCRATIVOS. IRRELEVÂNCIA DA ORIENTAÇÃO
FILOSÓFICA OU RELIGIOSA. ESTADO LAICO.
IMPORTAÇÃO DE PAPÉIS E MAQUINÁRIO GRÁFICO.
IMPRESSÃO DA BÍBLIA E OUTROS IMPRESSOS.
ATIVIDADES DIRETAMENTE RELACIONADAS COM AS
FINALIDADES ESTATUTÁRIAS DA ENTIDADE. IMPOSTO
DE IMPORTAÇÃO E FPI. INEXIGIBILIDADE. REPERCUSSÃO

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GERAL RECONHECIDA NOS AUTOS.


1. A imunidade tributária das entidades de assistência
social sem fins lucrativos, de modo algum, representa um
privilégio, pois se destina a possibilitar e estimular tais
instituições na persecução de seus fins, que complementam e,
em alguns casos, até se confundem com as finalidades do
próprio Estado. Do contrário, os efeitos econômicos da
tributação poderiam dilapidar o patrimônio ou a renda da
entidade, tornando-se empecilho intransponível.
2. Ao utilizar o termo amplo "instituições" — desprovido
de significado técnico-jurídico — para definir os beneficiários
da imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição
Federal, o legislador constituinte deixou entrever a intenção de
incentivar a prática da assistência social a um espectro
indeterminável de entidades, independentemente da forma de
constituição e da orientação filosófica ou religiosa.
3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-
se no sentido de serem as entidades de assistência social sem
fins lucrativos imunes ao imposto de importação e ao imposto
sobre produtos industrializados, desde que os bens adquiridos
venham a integrar o patrimônio da entidade e sejam utilizados
na prestação de seus serviços específicos.
4. A importação de papéis e de maquinários gráficos
relaciona-se de forma direta com as "atividades essenciais" da
entidade, sendo legítimo o reconhecimento da imunidade
tributária postulada.
5. Parecer pelo provimento do recurso extraordinário.

A Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos


Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO) foi
admitida no processo na qualidade de amicus curiae (Vol. 20).

É o relatório.

Consiste o presente debate em definir (I) se a atividade filantrópica


executada com fundamento em preceitos religiosos (ensino, caridade e

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divulgação dogmática) caracteriza-se, ou não, como assistência social; e


(II) se a imunidade tributária inserta no 150, VI, “c”, da CF alcança o
Imposto de Importação – II e o Imposto sobre Produtos Industrializados –
IPI incidentes sobre a importação de bens relacionados com as finalidades
essenciais das entidades de assistência social.

Pois bem. A imunidade tributária prevista naquele dispositivo é


assegurada pela Constituição Federal nos seguintes termos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda


Constitucional nº 3, de 1993)

(…)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,


inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

(…)

§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c",


compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços,
relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
mencionadas.

Segundo IVES GANDRA “As imunidades tributárias foram criadas,


estribadas em considerações extrajudiciais, atendendo à orientação do
Poder Constituinte em função das idéias políticas vigentes, preservando

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determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais


e econômicos, todos eles fundamentais à sociedade brasileira".
(Comentários à Constituição do Brasil", vol. VI, pags. 170/171, nota 1).

Nesse contexto, passemos à análise do item I da controvérsia em


pauta.

(I) A atividade filantrópica executada com fundamento em preceitos


religiosos (ensino, caridade e divulgação dogmática) caracteriza-se como
assistência social

Quanto a este ponto, acompanho o Ilustre Relator, Min. ROBERTO


BARROSO, pois entendo que o só fato de a atividade filantrópica sem fins
lucrativos ser prestada por entidade religiosa não a descaracteriza como
sendo de natureza assistencial.

Aliás, esta CORTE de longa data reconhece que as atividades


desenvolvidas por esse tipo de entidade configura, sim, assistência social.
Confiram-se os seguintes precedentes em que, inclusive, figurou como
parte a mesma associação ora recorrente:

IMUNIDADE - INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E


ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS - IMÓVEIS -
ESCRITÓRIO E RESIDÊNCIA DE MEMBROS. O fato de os
imóveis estarem sendo utilizados como escritório e residência
de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no
artigo 150, inciso VI, alínea "c", § 4º da Constituição Federal (RE
221395, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, DJ de
12/5/2000)

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Instituição de educação sem fins lucrativos (CF, art. 150, VI, c).
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88.671, RE 193.969, RE 186.175, RE 225.671 (AgRg) e RE 210.251.

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Regimental não provido (RE 237497 AgR, Relator(a): NELSON


JOBIM, Segunda Turma, DJ de 14/8/2002).

Devo mencionar, ainda, nos autos da ADI 2028, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA, redatora para o acórdão Min. ROSA WEBER, Dje de
08/0/2017, assentou-se que, tanto os aspectos meramente procedimentais
referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo das
entidades de assistência social, como o modo beneficente de atuação
desses entes são passíveis de definição, no primeiro caso, em lei ordinária,
e na segunda hipótese, por lei complementar.

Ao votar nesse precedente, o saudoso Min. TEORI ZAVASCKI,


reportando-se à ADI 1.802, da lavra do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
assinalou que a exigência contida na parte final da alínea “c”, do inciso
VI, do art. 150, da CF, tem por objetivo obstar que falsas instituições de
assistência e educação sejam favorecidas pela imunidade, em fraude à
Constituição.

Transcrevem-se abaixo os trechos pertinentes:

“25. Enfim, e para que não se confunda o campo de


legítimo uso da lei ordinária com aqueloutro reservado à lei
complementar, trago à ribalta a seguinte passagem do voto que
proferiu o Ministro Sepúlveda Pertence na ADI 1.802:

(...)

Em síntese, o precedente reduz a reserva de lei


complementar da regra constitucional ao que diga respeito aos
lindes das imunidades, à demarcação do objeto material da
vedação constitucional de tributar o patrimônio, a renda e os
serviços das instituições por ela beneficiados, o que inclui, por
força do § 3º, do mesmo art. 150, CF, sua relação com as
finalidades essenciais das entidades nele mencionadas; mas
remete à lei ordinária as normas reguladoras da constituição e

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funcionamento da entidade imune, voltadas a obviar que


falsas instituições de assistência e educação sejam favorecidas
pela imunidade , em fraude à Constituição.

(...)

26. Vê-se, portanto, que o modelo normativo aqui


impugnado não laborou no campo material reservado à lei
complementar. Isto porque, a meu ver, ele tratou, tão-somente,
de erigir um critério objetivo de contabilidade compensatória
da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições
educacionais. Critério, esse, que, se atendido, possibilita o gozo
integral da isenção quanto aos impostos e contribuições
mencionados no art. 8º do texto impugnado. (…)”

De outro lado, frisou-se nesse voto que as entidades beneficentes de


assistência social constituem aqueles instituições privadas que, ao lado do
Estado, desempenham atividades tanto de inclusão e promoção social
quanto de integração comunitária, tanto é que o texto constitucional, ao
se referir às entidades de beneficência social, especificamente na área de
educação, não excluiu as escolas confessionais. Vejamos:

“A autora ainda argui que os dispositivos legais em causa


não se limitam a estabelecer requisitos para o gozo da referida
imunidade. Eles desvirtuam o próprio conceito constitucional
de entidade beneficente de assistência social . Assertiva que não
me parece procedente. Isso porque a elaboração do conceito
dogmático há de se lastrear na própria normatividade
constitucional. Normatividade que tem as entidades
beneficentes de assistência social como instituições privadas
que se somam ao Estado para o desempenho de atividades
tanto de inclusão e promoção social quanto de integração
comunitária. Tudo muito bem resumido neste emblemático
artigo constitucional de nº 203, literis:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem

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dela necessitar, independentemente de contribuição à


seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à


adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de


trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas


portadoras de deficiência e a promoção de sua integração
à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício


mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei.

23. Esta a principal razão pela qual a Lei Federativo-


Republicana, ao se referir às entidades de beneficência social
que atuam especificamente na área de educação, designou-as
por escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas (art.
213, caput ).

Eis a ementa do acórdão:

EMENTA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. CONVERSÃO EM ARGUIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
CONHECIMENTO. IMUNIDADE. CONTRIBUIÇÕES
SOCIAIS. ARTS. 146, II, e 195, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. REGULAMENTAÇÃO. LEI 8.212/91 (ART. 55).
DECRETO 2.536/98 (ARTS. 2º, IV, 3º, VI, §§ 1º e 4º e

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PARÁGRAFO ÚNICO). DECRETO 752/93 (ARTS. 1º, IV, 2º, IV e


§§ 1º e 3º, e 7º, § 4º). ENTIDADES BENEFICENTES DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL. DISTINÇÃO. MODO DE ATUAÇÃO
DAS ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. TRATAMENTO
POR LEI COMPLEMENTAR. ASPECTOS MERAMENTE
PROCEDIMENTAIS. REGRAMENTO POR LEI ORDINÁRIA.
Nos exatos termos do voto proferido pelo eminente e saudoso
Ministro Teori Zavascki, ao inaugurar a divergência: 1. “[...] fica
evidenciado que (a) entidade beneficente de assistência social
(art. 195, § 7º) não é conceito equiparável a entidade de
assistência social sem fins lucrativos (art. 150, VI); (b) a
Constituição Federal não reúne elementos discursivos para dar
concretização segura ao que se possa entender por modo
beneficente de prestar assistência social; (c) a definição desta
condição modal é indispensável para garantir que a imunidade
do art. 195, § 7º, da CF cumpra a finalidade que lhe é designada
pelo texto constitucional; e (d) esta tarefa foi outorgada ao
legislador infraconstitucional, que tem autoridade para defini-
la, desde que respeitados os demais termos do texto
constitucional.”. 2. “Aspectos meramente procedimentais
referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo
continuam passíveis de definição em lei ordinária. A lei
complementar é forma somente exigível para a definição do
modo beneficente de atuação das entidades de assistência social
contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se
refere à instituição de contrapartidas a serem observadas por
elas.”. 3. Procedência da ação “nos limites postos no voto do
Ministro Relator”. Arguição de descumprimento de preceito
fundamental, decorrente da conversão da ação direta de
inconstitucionalidade, integralmente procedente(ADI 2028,
Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: ROSA
WEBER, Tribunal Pleno, DJe de 8/5/2017)

A doutrina realça que ser instituição beneficente ou filantrópica vai


além de ser uma instituição de assistência social, na medida em que esta
última é gênero na qual se inserem as duas primeiras espécies, e para

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usufruir da imunidade em questão é preciso que a nota da gratuidade


esteja presente na atividade prestada.

Nesse sentido, a Ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça


REGINA HELENA COSTA comenta que:

“Aires Barreto e Paulo Ayres Barreto lecionam que


instituição de assistência social é aquela cujo objeto social,
descrito no respectivo estatuto, envolve um ou mais dos fins
públicos referidos na Constituição, isto é, o de colaborar com o
Estado na realização de uma obra social para a coletividade.

Os objetivos da assistência social são os contidos no art.


203 da Constituição, já apontados: a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às
crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao
mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

No entanto, para fruir a imunidade em tela, mais que


entidade de assistência, tem ela de ser beneficente. E, quanto a
essa qualificação, os mesmos autores, com proficiência,
asseveram: É instituição de assistência social a que dedicar-se a
um ou alguns desses misteres; é beneficente aquela que
dedicar parte dessas atividades ao atendimento gratuito de
carentes e desvalidos. Não é necessário que a gratuidade
envolva grandes percentuais. É sabido que para prover a
necessidade de uns poucos é necessário contar com o recurso de
muitos. Qualquer que seja esse percentual, exceto se
absolutamente ínfimo, insignificante, há o caráter beneficente.
Aliás, pequeno que seja esse percentual, será sempre um auxílio
ao Estado, em missões que lhe competem.

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Consideramos absolutamente preciso o ensinamento


exposto. Com efeito, impende distinguir os conceitos de
instituição de assistência social e de instituição beneficente de
assistência social ou instituição filantrópica. A primeira
expressa gênero de que as duas últimas constituem espécies
(COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. Malheiros editores:
São Paulo, 2006, 2ª ed., pp. 222-223)”

Ou seja, do que até aqui exposto, é possível extrair que os objetivos a


serem atendidos pela assistência social não se restringem ao rol elencado
no art. 203 da CF, mas é imperioso que a atividade assistencial tenha por
escopo atender de forma gratuita às necessidades principais dos mais
vulneráveis, as quais também são responsabilidade do Estado. Essa é a
razão essa que justifica a imunidade trazida pelo art. 150, VI, “c”.

Digna de nota, também, a ponderação trazida pelo Ministério


Público em seu parecer no sentido de que (Vol. 10, fls. 273-274):
“Nesse ponto seria o caso de se questionar: o fato da
entidade assistencial ter uma orientação religiosa definida não
seria mais um motivo para o reconhecimento da desoneração
tributária, já que a imunidade dos templos de qualquer culto é
indiscutível, a teor do art. 150, VI, b, da Constituição Federal?

(...)

Assim, a liberdade dos templos de qualquer culto, bem


como de suas entidades assistenciais, constitui a materialização
mais palpável da laicização do Estado, que, ao contrário do que
se poderia supor, representa verdadeiro instrumento de
garantia da liberdade de culto ou religião, a qual se insere na
categoria dos denominados "direitos de", isto é,
direitos/liberdades clássicas que reclamam, ora a abstenção do
Estado para sua realização, ora ações positivas para coibir
ameaça ou violação ao referido direito. Dessa forma, negar-se o
benefício da imunidade com fundamento basicamente na

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orientação religiosa adotada pela entidade assistencial, ao


suposto de não preencher os requisitos de generalidade e
universalidade, representa ofensa aos direitos fundamentais e,
especificamente, à liberdade religiosa.”

Como bem asseverado pelo Ilustre Relator, Min. ROBERTO


BARROSO, nos dias atuais, essas organizações religiosas cada vez mais
atendem a pessoas em situação de risco, que muitas vezes por estarem em
localidades remotas, não são alcançadas pelo Poder Público, e esse
amparo não mais se restringe aos adeptos de determinada religião, ou
condicionam o atendimento à conversão dos assistidos à fé professada
pela entidade.

Assim, desde que ações de assistência tenham por escopo qualquer


pessoa necessitada sem discriminação de ordem religiosa, não vejo
porque apartar essas instituições religiosas do conceito de entidades de
assistência social no sentido restrito da expressão, qual seja, de entidade
beneficente.

Como asseverei no RE 611.874 (Tema 386) e também na ADI 4439, os


constituintes de 1988 não se limitaram simplesmente a proclamar a
laicidade do Estado, de um lado, e a liberdade religiosa, do outro. Os
constituintes de 1988 consagraram a absoluta necessidade de inter-
relacionamento e complementariedade entre liberdade religiosa e
laicidade estatal. Esse binômio liberdade religiosa/laicidade estatal foi
consagrado pelo legislador constituinte de 1988 no preâmbulo da
Constituição, quando o constituinte invoca a proteção de Deus, e ao longo
de todo o texto da nossa Carta Magna, sempre demonstrando
preocupação em estabelecer um amplo leque de vedações, direitos e
garantias, para assegurar, mesmo dentro da laicidade estatal, a ampla
liberdade de crença e de culto.

Avançando para o segundo ponto, cumpre analisar a abrangência da


imunidade em tela.

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(II) A imunidade tributária inserta no 150, VI, “c”, da CF alcança o


Imposto de Importação – II e o Imposto sobre Produtos Industrializados
– IPI incidentes sobre a importação de bens relacionados com as
atividades de assistência social.

Os tributos são a principal fonte de financiamento do Estado,


todavia, a Constituição estabeleceu dois tipos de imunidade; a imunidade
ontológica que reconhece a falta de capacidade contributiva; e a
imunidade política que visa à efetivação de direitos fundamentais.

As imunidades tributárias se justificam por não obstaculizarem o


exercício de direitos fundamentais por via da tributação. Em outras
palavras, o Poder Constituinte elegeu valores relevantes, os quais se
traduziram em termos jurídicos na forma de direitos fundamentais, para
serem protegidos da atividade tributante (REGINA HELENA COSTA,
Imunidades Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 3 ed. São
Paulo: Malheiros, 2015).

No caso das imunidades dirigidas às entidades de assistência social


sem fins lucrativos, trata-se de imunidade mista haja vista que é conferida
em função de sua natureza jurídica (subjetiva) e em relação a patrimônio,
bens, serviços (objetiva); é também imunidade condicionada na medida
em que é passível de conformação restritiva por legislação
infraconstitucional, como determina o art. 150, VI, “c”, in fine - “atendidos
os requisitos da lei” (LUÍS EDUARDO SCHOUERI, Direito Tributário. 5 ed.
São Paulo: Saraiva, 2015).

No texto constitucional encontram-se também imunidades


incondicionadas como aquelas dirigidas às receitas decorrentes de
exportação em relação às contribuições sociais e de intervenção no
domínio econômico (art. 149, §2º, I, da CF/88).

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Ainda assim, no RE 474.132, Rel. Min. GILMAR MENDES, esta


CORTE excluiu o conceito de lucro – e, em consequência, a CPMF – da
norma imunizante.

Nesse precedente, o Ilustre Relator registrou que:

“Não obstante o fato de que, em alguns julgados, este


Supremo Tribunal Federal tenha adotado uma interpretação
ampliativa das imunidades, de modo a abarcar fatos, situações
ou objetos a priori não abrangidos pela expressão literal do
enunciado normativo, e, em outros, tenha excluído da regra
desonerativa algumas hipóteses fáticas, por intermédio de uma
interpretação que se poderia denominar de restritiva, é
indubitável que, em todas essas decisões, a Corte sempre se
ateve às finalidades constitucionais às quais estão vinculadas as
mencionadas regras de imunidade tributária. Tanto para
ampliar o alcance da norma quanto para restringi-lo, o Tribunal
sempre adotou uma interpretação teleológica do enunciado
normativo.”

Como se sabe, a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”


recai sobre o patrimônio, a renda ou os serviços.

A definição desses conceitos são extraídos do Código Tributário


Nacional, conforme dita o art. 146, III, “a”, da CF, in verbis:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

(…)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação


tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em


relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos

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respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Por sua vez, o CTN, em seu Capítulo III, do Título III, dispõe que
constituem Impostos sobre a renda e patrimônio os seguintes:

a) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural;

b) Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial


Urbana;

c) Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de


Direitos Relativos;

d) Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer


Natureza; e

e) Imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de


quaisquer bens ou direitos.

E, os impostos sobre serviços são:

a) imposto sobre prestações de serviços de transporte


interestadual e intermunicipal e de comunicação; e

b) imposto sobre serviços de qualquer natureza.

Como se vê, nem o II, nem o IPI, estão abarcados no conceito de


imposto sobre “ patrimônio, a renda ou os serviços”.

Deve-se ter presente também que os impostos incidentes sobre


comércio exterior têm natureza extrafiscal, ou seja, são instrumentos de
intervenção na ordem econômica com o escopo de proteção da economia
nacional, consoante ensina HUGO BRITO MACHADO:

"Predominante, no imposto de importação, é sua função

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extrafiscal. Ele é muito mais importante como instrumento de


proteção da indústria nacional do que como instrumento de
arrecadação de recursos financeiros para o tesouro público."

"Se não existisse o imposto de importação, a maioria dos


produtos industrializados no Brasil não teria condições de
competir no mercado com seus similares produzidos em países
economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é
reduzido graças aos processos de racionalização da produção e
ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além disto,
vários países subsidiam as exportações de produtos
industrializados, de sorte que os seus preços ficam
consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto de importação
funciona como valioso instrumento de política econômica"
(Curso de Direito Tributário, 128 edição, Ed. Malheiros, p. 207/208).

São tributos de forte perfil extrafiscal, ou seja, atuam decisivamente


na promoção ou no desestímulo de atividades econômicas. Trata-se,
portanto, de tributos voltados não apenas para finalidades arrecadatórias,
mas para a regulação do mercado, de forma a direcionar os contribuintes
a certos comportamentos, de acordo com a política estipulada pelo
governo.

No RE 559.937, Rel. Min. ELLEN GRACIE, o Ministro DIAS


TOFFOLI, redator para o acórdão, ressaltou que “O gravame das operações
de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como
medida de política tributária tendente a evitar que a entrada de produtos
desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País,
visando, assim, ao equilíbrio da balança comercial”.

Como aqui mencionei, as imunidades atuam mesmo quando


existente capacidade econômica, pois visam também a preservar valores
constitucionais.

Nessa toada, o incentivo às entidades de assistência social deve ser

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ponderado com a proteção à ordem econômica nacional.

O Ministério da Fazenda, ao prestar informações no mandamus


impetrado na origem, esclarece que a legislação infraconstitucional
garante às instituições de assistência social isenções quando a mercadoria
importada não tem similar nacional (art. 117 do Decreto 4.543/2002, hoje
art. 118 do Decreto 6.749/2009, que Regulamenta a administração das
atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das
operações de comércio exterior, no qual se lê: “Observadas as exceções
previstas em lei ou neste Decreto, a isenção ou a redução do imposto somente
beneficiará mercadoria sem similar nacional e transportada em navio de bandeira
brasileira)”, ou quando os bens são doados para entidades sem fins
lucrativos destinados a objetivos assistenciais (art. 201 do Decreto de 2002,
hoje art. 201, VIII do Decreto de 2009).

Realça que o objetivo da norma é a proteção da economia nacional,


pois naquelas hipóteses a entidade assistencial não atua como agente
econômico, e, assim, não provoca desequilíbrio na ordem econômica.

Com essas considerações, entendo que. tendo em vista a natureza


extrafiscal do II e do IPI sobre a importação de bens, ainda que o
importador configure entidade assistencial, a imunidade pretendida não
abarca esses tributos.

O caso concreto

A recorrente importou papel especial (Coverluxe) para imprimir a


Bíblia, livros, revistas e outros, além de uma máquina de utilização
gráfica denominada "Limpador de banda de papel", da marca SIMCO.
Conforme consta no acórdão recorrido (Vol. 2, fls. 110-113), os
estatutos da recorrente estabelecem, entre outros, os seguintes objetivos:

“Art. 2º – A Associação tem por objetivos:

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(...)

c) ensinar, treinar, preparar e equipar homens e mulheres para


servirem em uma ou mais responsabilidades cabíveis, como ministros,
missionários, evangelistas, pregadores, professores, conferencistas e
agentes, e autorizar e nomear os mesmos para, publicamente e de casa
em casa, pregar e ensinar as verdades da Bíblia às pessoas dispostas a
ouvir, deixando com elas publicações bíblicas e convidando-as a
participar em estudos bíblicos gratuitos;

d) promover, organizar e supervisionar escolas gratuitas para


ensinar a ler e a escrever, estendendo este trabalho aos lares das
pessoas interessadas; manter cursos e classes para instrução gratuita
de homens e mulheres sobre a Bíblia, seus princípios morais de
conduta, sua literatura e sua história, não se fazendo distinção quanto
a raça, cor, condição social, credo político ou religioso;

e) importar, 'exportar' imprimir e distribuir a Bíblia e


disseminar em várias línguas os ensinamentos nela contidos;
bem como jornais, livros, folhetos, revistas, impressos,
periódicos e outras publicações educativas e bíblicas; e
importar equipamentos materiais e utensílios necessários para
cumprir suas finalidades;

f) prover e manter lares e outros lugares para alojamento


gratuito de ministros, missionários, estudantes, conferencistas e
professores (...) e fornecer também gratuitamente a tais pessoas
alimento e abrigo apropriados, (...);

(...)

l) prestar assistência social em âmbito nacional na educação nas


calamidades públicas e catástrofes;

A importação dos bens se deu para atender o objetivo retratado no


item “e” acima, o qual não se pode dizer que são revertidos para as suas

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finalidades essenciais de assistência social.

A relação entre o Estado e as religiões, histórica, jurídica e


culturalmente, é um dos mais importantes temas estruturais do Estado. A
interpretação da Carta Magna brasileira, que manteve nossa tradição
republicana de ampla liberdade religiosa, ao consagrar a inviolabilidade
de crença e cultos religiosos, deve ser realizada em sua dupla acepção: (a)
proteger o indivíduo e as diversas confissões religiosas de quaisquer
intervenções ou mandamentos estatais; (b) assegurar a laicidade do
Estado, prevendo total liberdade de atuação estatal em relação aos
dogmas e princípios religiosos.

É certo que o constituinte imunizou as instituições religiosas quanto


ao patrimônio, rendas e serviços vinculados a suas finalidades essenciais,
a fim de evitar embaraços aos cultos, liturgias e locais religiosos, porém,
da mesma forma, impediu a concessão de incentivos e renúncias fiscais,
por se tratarem de subsídios, com exceção das hipóteses em que há
atuação paralela e colaborativa ao Estado em matérias de interesse
público por parte das pessoas jurídicas de direito privado de vocação
religiosa.

Assim, não se concebe que a importação de papel ou maquinário


para imprimir a Bíblia, livros, e outros possa ser objeto da imunidade
pretendida pela associação.

Conforme registrei, em sede doutrinária, ao instituir imunidade


tributária ao patrimônio, à renda ou aos serviços dos partidos políticos e
de suas fundações, das entidades sindicais de trabalhadores e das
instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, a nossa
CONSTITUIÇÃO FEDERAL vinculou, nos termos do § 4º, do art. 150, sua
incidência às finalidades essenciais desses entes, de maneira que não
estão abrangidos os objetivos meramente decorrentes dos essenciais
(Direito Constitucional . 35ª ed. São Paulo. Atlas, 2019, capítulo 16, item 10).

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O aludido dispositivo contém a seguinte redação:

§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c",


compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços,
relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
mencionadas.

Ressalte-se que as finalidades decorrentes da essencial são todas


aquelas que configurem meios para obtenção da essencial ou
desdobramentos desta sem que percam o vínculo funcional com ela.
(Coordenação J. J. GOMES CANOTILHO. Comentários à Constituição do
Brasil . 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018).

A meu ver, essa necessária e indispensável vinculação cauciona a


intenção do Legislador Constituinte, em face da sua distinção com as
imunidades intragovernamentais/recíprocas, que, em última análise,
caracteriza-se pela sua vinculação às finalidades públicas, a
incompatibilizar o conceito de capacidade contributiva com as receitas
públicas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF
560).

Com efeito, dada a essencialidade do elemento teleológico, a


imunidade recíproca tende a encontrar limitação nas hipóteses em que o
patrimônio pertencente aos entes federados perca sua pertinência com
vertentes do interesse público. LUIS EDUARDO SCHOUERI assim
discorre sobre o tema:

Cabe alertar que nem todas as imunidades têm igual


fundamento e igual peso. Deve-se questionar qual a função da
imunidade para propor a norma da imunidade. (SCHOUERI,
Luís Eduardo. Imunidade tributária recíproca e cobrança de tarifas. In
Direito: teoria e experiência: estudos em homenagem a Eros Roberto
Grau. São Paulo: Malheiros, 2013, v. 2, p. 1428-1429)

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 55

RE 630790 / SP

Nessa medida, infere-se que imunidades configuram privilégios de


natureza constitucional e não podem estender-se além das hipóteses
expressamente previstas na Constituição (JOSÉ AFONSO DA SILVA
(Curso de direito constitucional positivo . 43 ed. São Paulo: Malheiros, 2020, p.
731), sob pena de infringência ao princípio da igualdade tributária, norma
autorizante do estabelecimento de discriminações, por meio das quais se
viabiliza seu atendimento, em busca da realização de justiça (REGINA
HELENA COSTA. Curso de Direito Tributário : Constituição e Código
Tributário Nacional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2019).

A propósito, a Súmula Vinculante 52 desta SUPREMA CORTE foi


editada a fim de estabilizar essa ratio, já contida na Súmula 724 do STF.
Vejamos seu enunciado:

Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao


IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas
pelo art. 150, VI, "c", da Constituição Federal, desde que o valor
dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais
entidades foram constituídas.

Destarte, a importação dos aludidos bens é meramente decorrente das


finalidades essenciais da entidade, sendo mais uma razão para que seja
excluída da abrangência da imunidade pretendida.

Por todo o exposto, acompanho com ressalvas o Ministro ROBERTO


BARROSO, para DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso
Extraordinário, de forma a reformar o aresto atacado unicamente no que
afastou a natureza jurídica de assistência social da Associação, mantendo
o acórdão no ponto em que deixou de reconhecer à entidade religiosa a
imunidade tributária sobre o II e o IPI - Importação.
Fixo, portanto, a seguinte tese para o Tema 336 da repercussão geral,
“A atividade filantrópica executada com fundamento em preceitos religiosos
(ensino, caridade e divulgação dogmática) caracteriza-se como assistência social e

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 55

RE 630790 / SP

é abrangida pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF,
excluídos os impostos sobre a importação de bens para uso próprio, uma vez que
são meramente decorrentes das finalidades essenciais da entidade.
É como voto.

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Extrato de Ata - 21/03/2022

Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 55

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 630.790


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO
RECTE.(S) : ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS
ADV.(A/S) : JOSÉ ANTÔNIO COZZI (258175/SP) E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : RAQUEL DE SOUZA (233591/SP)
ADV.(A/S) : ERIC DINIZ CASIMIRO (63071/DF)
ADV.(A/S) : MOZART THOMAS BRANCHI GUALTIERO (304713/SP)
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL (00000/DF)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ARTIGOS E
EQUIPAMENTOS MÉDICOS, ODONTOLÓGICOS, HOSPITALARES E DE
LABORATÓRIOS (ABIMO)
ADV.(A/S) : MARCO AURELIO CEZARINO BRAGA (267224/SP)
ADV.(A/S) : JONNAS ESMERALDO MARQUES DE VASCONCELOS (46505/BA,
322172/SP)
ADV.(A/S) : GLAUCIA CRISTINA BORTOLI (294173/SP)
ADV.(A/S) : BRUNA MENANI PEREIRA LIMA E OUTRO(S) (SP332799/)
ADV.(A/S) : LUIZ SOUZA LIMA DA SILVA CARVALHO (254785/SP)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 336 da


repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário e deu-lhe
provimento, a fim de reformar o acórdão recorrido e reconhecer a
imunidade tributária da recorrente de II e de IPI nas operações de
importação tratadas nos presentes autos, nos termos do voto do
Relator. Foi fixada a seguinte tese: “As entidades religiosas
podem se caracterizar como instituições de assistência social a
fim de se beneficiarem da imunidade tributária prevista no art.
150, VI, c, da Constituição, que abrangerá não só os impostos
sobre o seu patrimônio, renda e serviços, mas também os impostos
sobre a importação de bens a serem utilizados na consecução de
seus objetivos estatutários”. O Ministro Alexandre de Moraes
acompanhou o Relator com ressalvas. Falaram: pela recorrente, o
Dr. Mozart Thomas Branchi Gualtiero; e, pela recorrida, o Dr.
Paulo Mendes, Procurador da Fazenda Nacional. Plenário, Sessão
Virtual de 11.3.2022 a 18.3.2022.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber,
Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques
e André Mendonça.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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