RESUMO – PROCESSO E DEMOCRACIA NA OBRA DE OVÍDIO BATISTA.
Sara Leone – 12/12/2021
1. O PROCESSO NA PERSPECTIVIA OLVIDIANA: UM ESBOÇO DE DEMOCRACIA
Após dispensar horas estudando a prova do professor Ovídio, chega-se ao paradigma do professor: deslocar-se de um senso comum que abocanhou diversos processualistas para buscar reflexões do Processo a partir de visões diversas. Assim surge a obra “Processo e Ideologia”, obra tratada no próximo parágrafo, antes de iniciar-se a análise sobre a perspectiva ovidiana do processo. Nesse sentido, o DNA ovidiano é antagônico ao senso comum responsável por limitar as reflexões processualistas sobre o seu objeto de estudo. Ovidio tem um obstinado empenho em vincular o processo ao caso concreto, reduzindo, assim, qualquer observação abstrata que o processo possa fazer. Um exemplo é a concepção da tutela de urgência e sua codificação processual brasileira que se encontra no art. 294, parágrafo único do CPC/2015 e no art. 273 do CPC anterior. Para retratar o DNA ovidiano é necessária a compreensão dos aspectos centrais de “Processo e Ideologia: o paradigma racionalista”. Desde a Renascença todos os atos humanos são tomados a partir de sua racionalidade, ou seja, ajo de uma determinada maneira porque a acho racional. Afasta-se, portanto, pressupostos metafísicos como aqueles da Idade Média em que se entendia que parte do poder vinha de uma divindade. No início da Idade Moderna, há uma ruptura paradigmática da fé dogmática para a razão humana. Vê-se uma forte influência de René Descartes para essa conformação e virada de chave no processo cognitivo humano como proposta de método. Todas as coisas são, senão, por causa de um método de raciocínio lógico. Essa metodologia cartesiana foi responsável por lançar o pensamento humano em um ciclo de deduções lógicas calcadas em uma simplificação de possibilidades, ou menor, um reducionismo de conclusões. De forma mais clara, essa racionalidade moderna conduz a interpretação hermenêutica para um triste processo binário de um único ser das coisas. Ceifa-se a obscuridade do pensamento da idade Média em prol da lógica do pensamento da idade Moderna, todavia, o problema dogmático parece ter persistido, pois despreza-se que as coisas possam admitir concepções plurais revelando um problema de dimensões continentais para o direito e, principalmente, para o processo. Aqui está a insurgência do Prof. Ovídio, que sempre buscou refletir o Processo a partir de sua gênese, ou seja, com o homem no centro. Não se trata de algo natural, meramente encontrado na natureza, pelo contrário, é um produto que se desenvolve pelo e para o ser humano. A Concepção de processo (e seus instrumentos) surge a partir daquilo que o ser humano diz que ele é. Isso é um problema quando se pensa no imperativo da logica reducionista moderna, que, afinal, conduzirá o Processo a uma necessária e lógica ordinarização racional. Olvido Acreditava que os procedimentos dispostos no CPC seriam insuficientes para abarcar toda a realidade (momentânea e futura) social. Esse pensamento resulta no infeliz paradoxo de se ter algo (processo) desenvolvido para um fim (pacificação e harmonização social) e apresentar-se diametralmente oposto à essa finalidade tão somente por conta dessa ideologia simplista dos processualistas. Ovidio Baptista discorre que a crise social havida no Direito e no Processo. A partir de Hobbes, o Professor busca demonstrar que toda a crise social havida no sistema jurídico é um reflexo da estruturação do Estado Moderno, importando em um colapso da democracia social porque seus valores estão em declínio e com eles as civilizações do ocidente – especialmente a partir da análise da “civilização de massa”, ou seja, do aumento populacional e da incontida ascendência das massas às conquistas materiais da civilização industrial (fator responsável pelo sentido de igualdade e de justiça na sociedade que acabara por dominar o ser humano da hodiernidade) E nesse mar de indagações, surge a pergunta sobre o entendimento da democracia. Para responder a essa pergunta, o professor parte de três das seis promessas descritas por Noberto Bobbio: 1) Um regime democrático configura-se como monoliticamente unitários; 2) O mandato representativo não é vinculado, mas sim essencialmente político – o eleito é, senão, o representante dos interesses gerais da nação -; 3) A indesejável pertinência das oligarquias nas democracias contemporâneas. A partir da incapacidade demonstrada pelos regimes democráticos para a formulação da tão sonhada ‘vontade geral’ e da persistência das oligarquias e de seus interesses, que a prática política tornou transparentes e inocultáveis, é que a crise de legitimidade do sistema mais se exacerba e torna-se visível. Em síntese, aqui está demonstrada a visão e a crítica acerca da democracia, ou seja, a falência da representatividade em uma perspectiva moderna das democracias sociais. Esse problema estrutural do Estado Democrático na perspectiva do Direito, a inevitável dicotomia entre o poder e o povo, fez com que o professor Ovídio o advogasse pelo estabelecimento de um direito produzido pelos consumidores. Quando o Professos sustenta a necessidade de se atribuir ao Processo a dimensão hermenêutica a que ele sempre pertenceu, fala-se, nuclearmente, em afastar os preceitos metafisico em que as leis são meramente postas por parlamentares aos “operadores do direito”, pois essa metafisica é a representação de uma desconexão entre o sujeito e o objeto. A solução é a possibilitação do império da democracia na sua forma participativa por meio do Processo Jurisdicional, afinal, a democracia verdadeira é só aquela que privilegia e estimula a participação tão intensa e constante quanto seja possível e cujo funcionamento não é jamais automático. 2- DEMOCRACIA (PARTICIPATIVA), PROCESSO E A SISTEMATIZAÇÃO DEMOCRÁTICA DA JURISDIÇÃO NA PERSPECTIVA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. Nesse trabalho ficaremos adstritos a proposta do CPC de 2015. Tratando-se de uma legislação recente é necessário esperar alguns anos para que os seus reflexos possam ser sentidos através dos tribunais. Não basta somente uma análise doutrinária dessa legislação, é necessário o filtro dos tribunais para um adequado ajuste entre o direito material e seu instrumento, o processo. Tanto na perspectiva representativa, quanto na participativa, o vértice da democracia segue calcado no povo. Nesse sentido, o professor Ovídio tem razão em suas críticas, afinal, diante de toda essa crise social, impõe-se a necessidade de mirar a democracia sob outras perspectivas – e não mais na unicamente procedimental – haja vista que, por muitas vezes, a semântica oculta que sua manifestação está muito além dos votos realizados nas eleições. Logicamente que a democracia representativa existe, mas é necessária uma requalificação do povo, transformando-o em ator, e não mais permanecendo oculto, por meio de um processo de aprimoramento de suas limitações. É preciso um refinamento da ideia de democracia para melhor atender, em suas peculiaridades, todos os sujeitos que fazem parte do Estado. O processo, quando libertado das amarras reducionistas de sentidos, possibilita a efetiva participação dos sujeitos titulares de direitos e pode ser tomado como uma das únicas saída para a crise social de representatividade. A concretização dessas premissas não será imediata, mas sim através de uma transição gradual que permita aos indivíduos a assunção de seu verdadeiro protagonismo na sociedade. Ovídio almejava destacar que no âmbito jurisdicional não há uma transferência de legitimidade a outro que nunca irá lhe ouvir a partir dessa visão, e, tomando o Processo como um espaço interdiscursivo de feições públicas e que tão somente poderá ocorrer em uma dimensão dialógica, o juiz é obrigado a tomar ciência de todos os argumentos que são deduzidos pelas partes no âmbito do processo e respondê-los, como dispõe o art. 93, inc. IX da CF consubstanciado no art. 489, §1º, inc. IV do CPC. Por tudo isso é possível afirmar que o processo se constitui no mais valoroso elemento vivificador das aspirações que uma sociedade reprimida de justiça social, pois encontra no irrestrito acesso ao judiciário, no contraditório, na publicidade e na fundamentação, os mais altos desígnios da verdadeira democracia. Há diversos dispositivos no CPC, principalmente o artigo 3º que demonstram a relevância da democracia participativa. A justiça multiportas, ao que tudo indica, nos faz acreditar no triunfo da democracia participativa apontada pelo professor Ovídio, porque há uma nova sistemática processual ampliando as formas de resoluções de conflitos, como arbitragem, medicação e conciliação e ganhando destaque com os arts. 165 a 175 do CPC Há divergência acerca da natureza jurídica desse dispositivo (art 3º) a corrente mais difundida, parafraseando-se o pluralismo jurídico e direito das minorias, sustenta que se está diante dos meios adequados/alternativos de resoluções de conflitos. Por outro lado, uma corrente que está em ascensão, segundo a qual haveria um Tribunal Multiportas – lapidada por Frank Sander, professor falecido de Harvard. Contudo, respeitando os autores e adeptos de ambas as correntes, pensamos que se está diante de uma ressignificação de jurisdição, lapidada a partir de um viés participativo e, principalmente, inclusivo dos jurisdicionados. Ideia compartilhada pelo CPC quando coloca as partes como protagonistas desta nova visão de processo. Sem exaurir a ressignificação da concepção de jurisdição, é necessário estabelecer pontos fulcrais dessa nova teoria para que seja possível estabelecer uma ligação entre o art. 3º do CPC e a ideia de partição democrática por meio do Processo. Comecemos com o ponto de insurgência da concepção de jurisdição: Chiovenda (inserido no contexto do início do Séc. XX) entendia que a jurisdição era unicamente uma atividade pelo qual o jurisdicionado, ao apresentar suas questões ao Poder Judiciário, receberia uma resposta da lei. A concepção de mundo não mais comporta tal ponto de partida simplista. Acreditamos na análise sociocultural do direito processual. Não é mais possível reduzir todos os sentidos a um jogo binário que admite apenas uma conclusão. Essas formas de resoluções de conflitos que passam a ser incorporadas no sistema processual brasileiro podem ser uma resposta legislativa para a insuficiência da lei quando do exercício jurisdicional. Vale dizer, pelas peculiaridades de cada um dos conflitos, haverá uma forma mais adequadas de resolve-los. Chama-se isso de hiperjurisdição. Essa sistemática adotada pelo NCPC apenas reforça a ideia de que a teoria deixada pelo professor Ovídio permanece forte, seja pela dimensão constitucional observada na codificação processual civil, em que se passou a dar mais relevância as premissas constitucionais dos jurisdicionados, seja pela sistematização de uma gama de formas de resoluções de conflitos, seja pela flexibilização do procedimento através dos negócios jurídicos processuais, dentre outros tantos pontos da atual direção que o pêndulo do direito processual brasileiro aponta. Por isso, valendo-se das preciosas lições do Professor Ovídio, devemos ser otimistas sobre o Processo e, sobretudo, sobre a democracia.