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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


RECTE.(S) : HOSPITAL MARECHAL CÂNDIDO RONDON LTDA
ADV.(A/S) : GUILHERME BROTO FOLLADOR
RECDO.(A/S) : SECRÉTARIO MUNICIPAL DE FINANÇAS DE
MARECHAL CÂNDIDO RONDON - PR
ADV.(A/S) : GELCIR ANIBIO ZMYSLONY
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS -
CNM
ADV.(A/S) : PAULO ANTÔNIO CALIENDO VELLOSO DA
SILVEIRA
AM. CURIAE. : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICIPIO DE SÃO
PAULO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DE
GRUPO- ABRAMGE
ADV.(A/S) : RICARDO RAMIRES FILHO
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE
SUPLEMENTAR- FENASAÚDE
ADV.(A/S) : FRANCISCO CARLOS ROSAS GIARDINA
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS SECRETARIAS DE
FINANÇAS DAS CAPITAIS BRASILEIRAS - ABRASF
ADV.(A/S) : RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.


TRIBUTÁRIO. ISSQN. ART. 156, III, CRFB/88. CONCEITO
CONSTITUCIONAL DE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA.
ARTIGOS 109 E 110 DO CTN. AS OPERADORAS DE PLANOS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE (PLANO DE SAÚDE E
SEGURO-SAÚDE) REALIZAM PRESTAÇÃO DE SERVIÇO SUJEITA
AO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA-
ISSQN, PREVISTO NO ART. 156, III, DA CRFB/88.
1. O ISSQN incide nas atividades realizadas pelas Operadoras de
Planos Privados de Assistência à Saúde (Plano de Saúde e Seguro-Saúde).

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RE 651703 / PR

2. A coexistência de conceitos jurídicos e extrajurídicos passíveis de


recondução a um mesmo termo ou expressão, onde se requer a definição
de qual conceito prevalece, se o jurídico ou o extrajurídico, impõe não
deva ser excluída, a priori, a possibilidade de o Direito Tributário ter
conceitos implícitos próprios ou mesmo fazer remissão, de forma tácita, a
conceitos diversos daqueles constantes na legislação infraconstitucional,
mormente quando se trata de interpretação do texto constitucional.
3. O Direito Constitucional Tributário adota conceitos próprios,
razão pela qual não há um primado do Direito Privado.
4. O art. 110, do CTN, não veicula norma de interpretação
constitucional, posto inadmissível interpretação autêntica da Constituição
encartada com exclusividade pelo legislador infraconstitucional.
5. O conceito de prestação de “serviços de qualquer natureza” e seu
alcance no texto constitucional não é condicionado de forma imutável
pela legislação ordinária, tanto mais que, de outra forma, seria necessário
concluir pela possibilidade de estabilização com força constitucional da
legislação infraconstitucional, de modo a gerar confusão entre os planos
normativos.
6. O texto constitucional ao empregar o signo “serviço”, que, a priori,
conota um conceito específico na legislação infraconstitucional, não inibe
a exegese constitucional que conjura o conceito de Direito Privado.
7. A exegese da Constituição configura a limitação hermenêutica dos
arts. 109 e 110 do Código Tributário Nacional, por isso que, ainda que a
contraposição entre obrigações de dar e de fazer, para fins de dirimir o
conflito de competência entre o ISS e o ICMS, seja utilizada no âmbito do
Direito Tributário, à luz do que dispõem os artigos 109 e 110, do CTN,
novos critérios de interpretação têm progressivamente ampliado o seu
espaço, permitindo uma releitura do papel conferido aos supracitados
dispositivos.
8. A doutrina do tema, ao analisar os artigos 109 e 110, aponta que o
CTN, que tem status de lei complementar, não pode estabelecer normas
sobre a interpretação da Constituição, sob pena de restar vulnerado o
princípio da sua supremacia constitucional.

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RE 651703 / PR

9. A Constituição posto carente de conceitos verdadeiramente


constitucionais, admite a fórmula diversa da interpretação da
Constituição conforme a lei, o que significa que os conceitos
constitucionais não são necessariamente aqueles assimilados na lei
ordinária.
10. A Constituição Tributária deve ser interpretada de acordo com o
pluralismo metodológico, abrindo-se para a interpretação segundo
variados métodos, que vão desde o literal até o sistemático e teleológico,
sendo certo que os conceitos constitucionais tributários não são fechados
e unívocos, devendo-se recorrer também aos aportes de ciências afins
para a sua interpretação, como a Ciência das Finanças, Economia e
Contabilidade.
11. A interpretação isolada do art. 110, do CTN, conduz à
prevalência do método literal, dando aos conceitos de Direito Privado a
primazia hermenêutica na ordem jurídica, o que resta inconcebível.
Consequentemente, deve-se promover a interpretação conjugada dos
artigos 109 e 110, do CTN, avultando o método sistemático quando
estiverem em jogo institutos e conceitos utilizados pela Constituição, e, de
outro, o método teleológico quando não haja a constitucionalização dos
conceitos.
12. A unidade do ordenamento jurídico é conferida pela própria
Constituição, por interpretação sistemática e axiológica, entre outros
valores e princípios relevantes do ordenamento jurídico.
13. Os tributos sobre o consumo, ou tributos sobre o valor agregado,
de que são exemplos o ISSQN e o ICMS, assimilam considerações
econômicas, porquanto baseados em conceitos elaborados pelo próprio
Direito Tributário ou em conceitos tecnológicos, caracterizados por
grande fluidez e mutação quanto à sua natureza jurídica.
14. O critério econômico não se confunde com a vetusta teoria da
interpretação econômica do fato gerador, consagrada no Código
Tributário Alemão de 1919, rechaçada pela doutrina e jurisprudência, mas
antes em reconhecimento da interação entre o Direito e a Economia, em
substituição ao formalismo jurídico, a permitir a incidência do Princípio

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RE 651703 / PR

da Capacidade Contributiva.
15. A classificação das obrigações em “obrigação de dar”, de “fazer”
e “não fazer”, tem cunho eminentemente civilista, como se observa das
disposições no Título “Das Modalidades das Obrigações”, no Código
Civil de 2002 (que seguiu a classificação do Código Civil de 1916), em: (i)
obrigação de dar (coisa certa ou incerta) (arts. 233 a 246, CC); (ii)
obrigação de fazer (arts. 247 a 249, CC); e (iii) obrigação de não fazer (arts.
250 e 251, CC), não é a mais apropriada para o enquadramento dos
produtos e serviços resultantes da atividade econômica, pelo que deve ser
apreciada cum grano salis.
16. A Suprema Corte, ao permitir a incidência do ISSQN nas
operações de leasing financeiro e leaseback (RREE 547.245 e 592.205),
admitiu uma interpretação mais ampla do texto constitucional quanto ao
conceito de “serviços” desvinculado do conceito de “obrigação de fazer”
(RE 116.121), verbis: “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL.
OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três
modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado
leaseback. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei
complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso
III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é
serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No
arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto,
o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço,
sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma
compra nas hipóteses do leasing financeiro e do leaseback. Recurso extraordinário
a que se nega provimento.” (grifo nosso)(RE 592905, Relator Min. EROS
GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/2009).
17. A lei complementar a que se refere o art. 156, III, da CRFB/88, ao
definir os serviços de qualquer natureza a serem tributados pelo ISS a)
arrola serviços por natureza; b) inclui serviços que, não exprimindo a
natureza de outro tipo de atividade, passam à categoria de serviços, para

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fim de incidência do tributo, por força de lei, visto que, se assim não
considerados, restariam incólumes a qualquer tributo; e c) em caso de
operações mistas, afirma a prevalência do serviço, para fim de tributação
pelo ISS.
18. O artigo 156, III, da CRFB/88, ao referir-se a serviços de qualquer
natureza não os adstringiu às típicas obrigações de fazer, já que raciocínio
adverso conduziria à afirmação de que haveria serviço apenas nas
prestações de fazer, nos termos do que define o Direito Privado, o que
contrasta com a maior amplitude semântica do termo adotado pela
constituição, a qual inevitavelmente leva à ampliação da competência
tributária na incidência do ISSQN.
19. A regra do art. 146, III, “a”, combinado com o art. 146, I, CRFB/88,
remete à lei complementar a função de definir o conceito “de serviços de
qualquer natureza”, o que é efetuado pela LC nº 116/2003.
20. A classificação (obrigação de dar e obrigação de fazer) escapa à
ratio que o legislador constitucional pretendeu alcançar, ao elencar os
serviços no texto constitucional tributáveis pelos impostos (v.g., serviços
de comunicação – tributáveis pelo ICMS, art. 155, II, CRFB/88; serviços
financeiros e securitários – tributáveis pelo IOF, art. 153, V, CRFB/88; e,
residualmente, os demais serviços de qualquer natureza – tributáveis pelo
ISSQN, art. 156. III, CRFB/88), qual seja, a de captar todas as atividades
empresariais cujos produtos fossem serviços sujeitos a remuneração no
mercado.
21. Sob este ângulo, o conceito de prestação de serviços não tem por
premissa a configuração dada pelo Direito Civil, mas relacionado ao
oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de
atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito
de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao
tomador.
22. A LC nº 116/2003 imbricada ao thema decidendum traz consigo lista
anexa que estabelece os serviços tributáveis pelo ISSQN, dentre eles, o
objeto da presente ação, que se encontra nos itens 4.22 e 4.23, verbis: “Art.
1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos

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RE 651703 / PR

Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços


constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade
preponderante do prestador. (…) 4.22 – Planos de medicina de grupo ou
individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar,
odontológica e congêneres. 4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram
através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas
pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.”
23. A exegese histórica revela que a legislação pretérita (Decreto-Lei
nº 406/68) que estabelecia as normas gerais aplicáveis aos impostos sobre
operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de
qualquer natureza já trazia regulamentação sobre o tema, com o escopo
de alcançar estas atividades.
24. A LC nº 116/2003 teve por objetivo ampliar o campo de incidência
do ISSQN, principalmente no sentido de adaptar a sua anexa lista de
serviços à realidade atual, relacionando numerosas atividades que não
constavam dos atos legais antecedentes.
25. A base de cálculo do ISSQN incidente tão somente sobre a
comissão, vale dizer: a receita auferida sobre a diferença entre o valor
recebido pelo contratante e o que é repassado para os terceiros
prestadores dos serviços, conforme assentado em sede jurisprudencial.
27. Ex positis, em sede de Repercussão Geral a tese jurídica
assentada é: “As operadoras de planos de saúde e de seguro-saúde realizam
prestação de serviço sujeita ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza –
ISSQN, previsto no art. 156, III, da CRFB/88”.
28. Recurso extraordinário DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da
Senhora Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e
das notas taquigráficas, por maioria e nos termos do voto do Relator,
apreciando o tema 581 da repercussão geral, em negar provimento ao

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recurso extraordinário, fixando tese nos seguintes termos: "As operadoras


de planos privados de assistência à saúde (plano de saúde e seguro-saúde)
realizam prestação de serviço sujeita ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza - ISSQN, previsto no art. 156, III, da CRFB/88", vencido o Ministro
Marco Aurélio quanto ao mérito e à tese firmada. Ausentes,
justificadamente, o Ministro Celso de Mello, e, neste julgamento, o
Ministro Gilmar Mendes.
Brasília, 29 de setembro de 2016.
LUIZ FUX - RELATOR
Documento assinado digitalmente

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Relatório

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15/06/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


RECTE.(S) : HOSPITAL MARECHAL CÂNDIDO RONDON LTDA
ADV.(A/S) : GUILHERME BROTO FOLLADOR
RECDO.(A/S) : SECRÉTARIO MUNICIPAL DE FINANÇAS DE
MARECHAL CÂNDIDO RONDON - PR
ADV.(A/S) : GELCIR ANIBIO ZMYSLONY
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS -
CNM
ADV.(A/S) : PAULO ANTÔNIO CALIENDO VELLOSO DA
SILVEIRA
AM. CURIAE. : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICIPIO DE SÃO
PAULO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DE
GRUPO- ABRAMGE
ADV.(A/S) : RICARDO RAMIRES FILHO
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE
SUPLEMENTAR- FENASAÚDE
ADV.(A/S) : FRANCISCO CARLOS ROSAS GIARDINA
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS SECRETARIAS DE
FINANÇAS DAS CAPITAIS BRASILEIRAS - ABRASF
ADV.(A/S) : RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

RELATÓRIO

REPERCUSSÃO GERAL

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de Recurso


Extraordinário, interposto pelo HOSPITAL MARECHAL CÂNDIDO
RONDON LTDA, com fundamento no artigo 102, III, “a” e “c”, da
Constituição da República, em face de acórdão prolatado pelo Tribunal

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Relatório

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RE 651703 / PR

de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado:

“DIREITO TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA


PREVENTIVO - ISS - OPERADORA DE PLANOS DE SAÚDE -
INCIDÊNCIA PREVISTA NA LEI COMPLEMENTAR 116/03
(ITENS 4.22 E 4.23 DA LISTA ANEXA) - NÃO-EVIDÊNCIA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI - AUSÊNCIA DE
DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NÃO-TRIBUTAÇÃO -
CARACTERIZAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER -
ATIVIDADE QUE CONSTITUI PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
BASE DE CÁLCULO - TOTALIDADE DAS RECEITAS
ORIUNDAS DO PAGAMENTO DAS MENSALIDADES - LEI
MUNICIPAL QUE AFRONTA LEI DE ÂMBITO NACIONAL -
CONCEITO DE PREÇO DO SERVIÇO - INCIDÊNCIA
ADMITIDA SOMENTE SOBRE A DIFERENÇA ENTRE A
TOTALIDADE DE RECEITAS OBTIDAS PELOS
PAGAMENTOS DAS MENSALIDADES E OS VALORES
REPASSADOS A TERCEIROS A TÍTULO DE COBERTURA OU
REEMBOLSO DE GASTOS - RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. Prevista em lei complementar cuja
inconstitucionalidade não está evidenciada, é possível a
incidência de ISS sobre a atividade de administração de planos
de saúde.
2. A atividade de administração de planos de saúde não se
resume a repasses de valores aos profissionais conveniados,
mas configura real obrigação de fazer em relação aos seus
usuários, não podendo se negar a existência de prestação de
serviço.
3. "A base de cálculo do ISS incidente sobre as operações
decorrentes de contrato de seguro-saúde não abrange o valor
bruto entregue à empresa que intermedeia a transação, mas,
sim, a comissão, vale dizer: a receita auferida sobre a diferença
entre o valor recebido pelo contratante e o que é repassado para
os terceiros efetivamente prestadores dos serviços (EDcl no
REsp 227.293/RJ , Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão

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Supremo Tribunal Federal
Relatório

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RE 651703 / PR

Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em


09.08.2005, DJ 19.09.2005)"."

Nas razões do apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão


geral (fls. 430/432) e, no mérito, aponta violação aos artigos 153, V e 156,
III, da Constituição da República. Sustenta que a principal atividade das
empresas de seguro consiste em obrigação de dar, e não de fazer, o que
afastaria a incidência do ISSQN.

Afirma que o objeto principal para a classificação de uma obrigação


é o “interesse buscado pelo credor da prestação” (fl. 434), sendo de pouca
importância as atividades-meio para a satisfação do objetivo almejado
pelos usuários do serviço. Alega que, no caso sub examine, a principal
atividade de empresas como a recorrente seria a cobertura dos gastos de
seus clientes com serviços de assistência à saúde, e que “todas as demais
atividades por elas desempenhadas – entre as quais as de planejar sua estratégia
comercial, negociar com médicos, hospitais e laboratórios, dentre outros
prestadores de serviço, a fim de com eles celebrar convênios – são meros
acessórios dessa atividade final, (…), meras prestações-meio em relação à
prestação-fim, aquela que é efetivamente buscada pelos usuários do plano de
saúde, qual seja, a cobertura dos serviços de assistência à saúde prestados pelos
profissionais e entidades conveniados ao plano”(fl. 437).

Adiante, corroborando os argumentos acima dispendidos, alega que


os contratos de plano de saúde seriam de natureza aleatória, dado o seu
caráter securitário. Dessa forma, afastado o requisito da comutatividade,
inerente aos contratos de prestação de serviço, restaria inviável a
cobrança do ISS.QN.

Por fim, aduz que as atividades administrativas desenvolvidas pela


recorrente assemelham-se às realizadas por empresas de seguro que,
“nem por isso, porém, (…) são consideradas sujeitos passivos do ISS. Muito
diferentemente, apenas são tributadas pela União, com base no art. 153, V, da
CF/88. E não há razão para se aplicar regime diverso às operadoras de planos de

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saúde, pois isso implicaria tratar desigualmente pessoas que estão em situação
semelhante.”(fl. 445).

Em sede de contrarrazões, o recorrido defende a inadmissibilidade


do recurso por entender que demandaria o reexame do conjunto fático-
probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 279 desta Suprema
Corte. Ademais, aponta a ausência do devido prequestionamento da
matéria constitucional abordada.

No mérito, acerca da constitucionalidade da tributação do ISS no


caso em tela, sustenta, in verbis:

“As alegações de que haveria limitações constitucionais à


tributação do ISSQN, motivado pelo fato de que a instituição do
tributo haveria de estar vinculada nos exatos limites do conceito
(constitucional) de serviço, não encontram amparo. Afinal a(s)
parte(s) recorrida(s) instituiu o tributo (ISSQN) dentro de sua
esfera de competência conferida pelo art. 156, III da
Constituição Federal. Cumprindo ressaltar que tais tributos não
estariam compreendidos no inciso II do art. 155 (definidos em
Lei Complementar), conforme bem ressaltou a decisão de
primeiro grau, confirmada pelo Acórdão recorrido.” (fl. 486)

Menciona, também, que a classificação do exercício sub judice como


serviço ocorreu em sede de norma municipal e federal, portanto sua
aplicabilidade só poderia ser afastada se reconhecida a ilegalidade ou
inconstitucionalidade da mencionada lei.

Quanto à classificação da atividade exercida pelo plano de saúde,


defende a configuração de obrigação de fazer, tendo em vista que se
perfaz ao longo do tempo, ao contrário da obrigação de dar, que é
concluída em um único ato.

O extraordinário restou admitido na origem.

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RE 651703 / PR

Em sequência, esta Suprema Corte reconheceu a repercussão geral


do tema constitucional em apreço, qual seja, a incidência do ISS sobre
atividades desenvolvidas por operadoras de planos de saúde, nos termos
dos artigos 153, V, e 156, III, da Constituição da República, eis que
relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, além de
ultrapassar os interesses subjetivos da causa. A decisão restou assim
ementada:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO


TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE ATIVIDADES
DESENVOLVIDAS PELAS OPERADORAS DE PLANOS DE
SAÚDE. RECEITAS ORIUNDAS DAS MENSALIDADES
PAGAS PELOS BENEFICIÁRIOS DOS PLANOS. LEI
COMPLEMENTAR Nº 116/2003. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA
E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. MANIFESTAÇÃO
PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA
QUESTÃO CONSTITUCIONAL.”

Na sequência, admiti o ingresso da Associação Brasileira das


Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras – ABRASF, Confederação
Nacional dos Municípios – CNM, Município de São Paulo, Associação
Brasileira de Medicina de Grupo – ABRAMGE, Federação Nacional de
Saúde Suplementar – FENASAÚDE, na qualidade de amicus curiae.

Devidamente intimada, a Procuradoria-Geral da República


manifestou-se pelo desprovimento do recurso extraordinário, em parecer
que porta a seguinte ementa:

“Recurso extraordinário. Operadora de Plano de Saúde.


Natureza da atividade: prestação de serviços. Incidência de ISS.
Constitucionalidade. Parecer pelo desprovimento do recurso.”

É o relatório.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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15/06/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO

REPERCUSSÃO GERAL

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Senhor Presidente,


egrégio Plenário, ilustre representante do Ministério Público, senhores
advogados presentes.

I. PRELIMINAR
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Preliminarmente, assento a admissibilidade do recurso


extraordinário em julgamento.

No que tange à indispensável ofensa direta à Constituição, verifica-


se situação de densidade constitucional do tema relativo à incidência do
ISSQN (art. 156, III, CRFB/88) sob o enfoque da materialidade do tributo à
luz do parâmetro constitucional.

Quanto aos demais requisitos necessários para a admissibilidade do


apelo extremo, reputam-se preenchidos, posto que presentes a
tempestividade, o prequestionamento, a legitimidade e o interesse
recursal, bem como o imprescindível reconhecimento da repercussão
geral da matéria.

Ante o exposto, admito o presente recurso extraordinário e passo ao


exame do mérito.

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RE 651703 / PR

II. MÉRITO

O cerne da controvérsia sub examine consiste na definição da


incidência, ou não, do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISSQN) em relação aos Planos Privados de Assistência à Saúde, tema 581
da Repercussão Geral.

Trata-se de Recurso Extraordinário, interposto pelo HOSPITAL


MARECHAL CÂNDIDO RONDON LTDA, com fundamento no artigo
102, III, a e c, da Constituição da República, em face de acórdão prolatado
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado:

“DIREITO TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA


PREVENTIVO - ISS - OPERADORA DE PLANOS DE SAÚDE -
INCIDÊNCIA PREVISTA NA LEI COMPLEMENTAR 116/03
(ITENS 4.22 E 4.23 DA LISTA ANEXA) - NÃO-EVIDÊNCIA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI - AUSÊNCIA DE
DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NÃO-TRIBUTAÇÃO -
CARACTERIZAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER -
ATIVIDADE QUE CONSTITUI PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
BASE DE CÁLCULO - TOTALIDADE DAS RECEITAS
ORIUNDAS DO PAGAMENTO DAS MENSALIDADES - LEI
MUNICIPAL QUE AFRONTA LEI DE ÂMBITO NACIONAL -
CONCEITO DE PREÇO DO SERVIÇO - INCIDÊNCIA
ADMITIDA SOMENTE SOBRE A DIFERENÇA ENTRE A
TOTALIDADE DE RECEITAS OBTIDAS PELOS PAGAMENTOS
DAS MENSALIDADES E OS VALORES REPASSADOS A
TERCEIROS A TÍTULO DE COBERTURA OU REEMBOLSO DE
GASTOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Prevista em lei complementar cuja inconstitucionalidade não
está evidenciada, é possível a incidência de ISS sobre a atividade de
administração de planos de saúde.
2. A atividade de administração de planos de saúde não se
resume a repasses de valores aos profissionais conveniados, mas
configura real obrigação de fazer em relação aos seus usuários, não

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podendo se negar a existência de prestação de serviço.


3. ‘A base de cálculo do ISS incidente sobre as operações
decorrentes de contrato de seguro-saúde não abrange o valor bruto
entregue à empresa que intermedeia a transação, mas, sim, a comissão,
vale dizer: a receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido
pelo contratante e o que é repassado para os terceiros efetivamente
prestadores dos serviços (EDcl no REsp 227.293/RJ , Rel. Ministro
José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Francisco Falcão, Primeira
Turma, julgado em 09.08.2005, DJ 19.09.2005)’."

Antes, porém, de adentrar especificamente ao mérito propriamente


dito da questão, necessário estabelecer certas premissas conceituais
indispensáveis para melhor compreensão tema.

O tributo supracitado encontra previsão no artigo 156, III, da


CRFB/88, que preceitua, in verbis:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:


III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.
155, II, definidos em lei complementar.

A lei complementar a que a Constituição se remete é a LC nº


116/2003 que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de
competência dos Municípios e do Distrito Federal, delimitando sua incidência,
fato gerador, local da prestação, contribuintes, base de cálculo e alíquotas
máximas.

O aspecto primordial para a compreensão da incidência deste tributo


encontra-se na definição do que se enquadra como serviço, uma vez que
apenas as atividades classificadas como tal, à luz da materialidade
constitucional do conceito de serviço, são passíveis de atrair a
obrigatoriedade do imposto, previsto em lei complementar.

A contrario sensu, ainda que previsto na lei complementar a que


alude a constituição, mas não se enquadrando como serviço sob a ótica da

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materialidade do art. 156, III, da CRFB/88, não poderá haver a incidência


deste tributo.

A conformação constitucional do tema estabelece que a competência


municipal para instituir impostos não poderá abranger aqueles já
abarcados pela competência estadual, delimitados pelo artigo 155, II,
ICMS, assim como aqueles sujeitos à competência federal, delimitados
pelo artigo 153, IV e V, vale dizer: IPI e IOF, respectivamente. É dizer,
estão excluídos da tributação municipal tanto os serviços de competência
tributária estadual, como os serviços de competência tributária da União.

Imperioso ressaltar que não se preconiza a tese da interpretação


econômica no Direito Tributário, o que enfraqueceria a segurança
jurídica, mas, também, não se predica o primado do Direito Privado como
o único critério a nortear a interpretação do texto constitucional.

A doutrina cita como paradigmático nesse tema, o RE 116.121,


relativo à incidência do ISSQN sobre a atividade de locação de
guindastes. Depois de aproximadamente trinta anos acolhendo a
incidência de ISSQN sobre locação de bens móveis, o referido acórdão
representou uma guinada na jurisprudência a respeito da interpretação
do conceito de serviço tão somente à luz dos conceitos do Direito Privado,
verbis:
“Haverá situações em que a única definição legal existente, seja
ela conotativa ou denotativa, se mostrará totalmente inadequada para
a compreensão do significado dos enunciados que outorgam
competências tributárias, fazendo com que reste abalada a pretensão
do absolutismo da tese do império do direito privado.”(VELLOSO,
Andrei Pitten. Conceitos e Competências Tributárias. São Paulo:
Dialética, 2005, p. 85).

Essa assertiva conduz à conclusão de que não deve ser excluída, a


priori, a possibilidade de o Direito Tributário ter conceitos implícitos
próprios ou mesmo fazer remissão, de forma tácita, a conceitos diversos

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daqueles constantes na legislação infraconstitucional, mormente quando


se trata de interpretação do texto constitucional.

É que, consoante essa Corte afirmou nos RREE 547.245 e 592.905, não
há um primado do Direito Privado, pois, sem dúvida, é viável que o
Direito Tributário – e primordialmente o Direito Constitucional Tributário
– adote conceitos próprios. A possibilidade de o Direito Tributário
elaborar conceitos específicos decorre, em última análise, do fato de ser
Direito Positivo.

Os conceitos conotados por seus enunciados podem identificar-se


com aqueles consagrados em dispositivos já vigentes, mas essa
identidade não é necessária. Nem mesmo a necessidade de se proceder à
exegese rigorosamente jurídica do texto constitucional implica a
inexorável incorporação, pela Constituição, de conceitos
infraconstitucionais.

Com efeito, deve-se ressaltar que o art. 110, do CTN, não veicula
norma de interpretação constitucional, posto evidente que não é possível
engendrar-se interpretação autêntica da Constituição feita pelo legislador
infraconstitucional, na medida em que este não pode balizar ou
direcionar o intérprete da Constituição. Os artigos 109 e 110 têm a
seguinte redação:

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se


para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus
institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos
efeitos tributários.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o


conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito
privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição
Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do
Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar

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competências tributárias.

No mesmo sentido a doutrina, verbis:

Exemplificando-se, apesar de o texto constitucional empregar o


signo ‘serviço’, que conota um conceito específico no direito privado,
se for concluído, com base na interpretação constitucional, que a
Constituição não utilizou o conceito de direito privado, não incidirá o
art. 110 do Código Tributário Nacional, pela não-configuração de sua
hipótese. Em suma, tal preceito obsta a alteração dos conceitos
constitucionais (ou seja, dos conceitos ‘utilizados (...) pela
Constituição’), já determinados pelo labor interpretativo, sem veicular
diretrizes hermenêuticas. (…) A solução problemática, pois, há de ser
buscada na exegese da Constituição, e não na dos arts.109 e 110 do
Código Tributário Nacional. (VELLOSO, Andrei Pitten. Conceitos
e Competências Tributárias. São Paulo: Dialética, 2005, p. 99-
100)

Destarte, o art. 110, do CTN, não tem a amplitude que dele se possa
extrair por interpretação literal, porquanto qualquer conceito jurídico,
seja ele do Direito Privado ou não, ou extrajurídico, advindo ele da
Economia ou de qualquer ramo do conhecimento, que tenha sido
utilizado pelo constituinte para definir competências tributárias não pode
ser alterado por legislação infraconstitucional.

Ainda que a contraposição entre obrigações de dar e de fazer para


fins de dirimir o conflito de competência entre o ISSQN e o ICMS seja
utilizada no âmbito do Direito Tributário, à luz do que dispõem os artigos
109 e 110, do CTN, novos critérios de interpretação têm progressivamente
ganhado espaço, permitindo uma releitura do papel conferido aos
supracitados dispositivos.

Ressalte-se que essa área de interseção entre o Direito Civil e o


Direito Tributário gera compreensões ambíguas e contraditórios,
mostrando-se de difícil conciliação.

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Sob esse enfoque, o art. 110, do CTN, designa que, no caso de


interpretação de normas constitucionais, a lei tributária não poderá
alterar o conteúdo e o alcance dos conceitos de Direito Civil, para definir
ou limitar competências tributárias. Ou seja, enquanto o art. 109, do CTN,
deu prevalência ao método teleológico, o art. 110, do CTN, enfatizou o
método sistemático – aquele pelo qual os conceitos do sistema do Direito
Privado empregados no Direito Tributário conservam o seu sentido
originário. Dessa forma, o CTN houve por bem dividir os métodos de
interpretação, a depender de os conceitos tributários terem ou não
estatura constitucional (TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação
e Integração do Direito Tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
145).

Deveras, mercê de ostentar o status de lei complementar, não


poderia o código estabelecer normas sobre a interpretação da
Constituição, sob pena de restar vulnerado o princípio da sua
supremacia.

Ademais, é cediço que a Constituição é carente de conceitos


verdadeiramente constitucionais, pelo que o princípio da interpretação da
lei conforme a Constituição pode ganhar cores de uma interpretação da
Constituição conforme a lei. No entanto, a referida assertiva não significa
que os conceitos constitucionais são necessariamente aqueles encontrados
na lei ordinária.

Assim, embora se deva conferir deferência à interpretação adotada


pelo legislador ordinário, reputando-se válida a chamada interpretação
da Constituição conforme a lei, a mesma não se pode conferir caráter
absoluto, cessando nas zonas onde não houver certeza quanto ao real
alcance do texto constitucional.

Dentro dessa ordem de ideias, a opinio doctorum encarta-se no

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sentido de que a Constituição Tributária dever ser interpretada de acordo


com o pluralismo metodológico, abrindo-se para a interpretação segundo
variados métodos, que vão desde o literal até o sistemático e teleológico;
por isso que os conceitos constitucionais tributários não são fechados e
unívocos, devendo-se recorrer também aos aportes de ciências afins para
a sua exegese, como a Ciência das Finanças, a Economia e a
Contabilidade.

Consectariamente não se admite a interpretação isolada do art. 110,


do CTN, sob pena conduzir o método literal à primazia hermenêutica na
ordem jurídica ao Direito Privado. Da leitura conjugada entre os artigos
109 e 110, do CTN, ao contrário, avultam em importância, de um lado, o
método sistemático – quando estiverem em jogo institutos e conceitos
utilizados pela Constituição – e, de outro, o método teleológico – quando
não haja a constitucionalização dos conceitos.

Desta sorte, conclui-se que, embora os conceitos de Direito Civil


exerçam um papel importante na interpretação dos conceitos
constitucionais tributários, eles não exaurem a atividade interpretativa.

O STF chancelou essa orientação nos RREE 547.245 e 592.905 ao


acolher, por votação quase unânime, as considerações dos votos dos
Ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa.

O Relator, Ministro Eros Grau, concluiu:

3.24. Aliás, uma das principais competências que foram


reservadas pela Constituição à lei complementar tributária foi a de
dirimir conflitos entre competências tributárias, no caso, entre a
competência estadual para o ICMS e a municipal para o ISS.
3.25. Tem-se, assim, que a lei complementar a que se refere o art.
156, III, da CF, ao definir os serviços de qualquer natureza a serem
tributados pelo ISS: a) arrola serviços por natureza; b) inclui serviços
que, não exprimindo a natureza de outro tipo de atividade, passam à

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categoria de serviços, para fim de incidência do tributo, por força de


lei, visto que, se assim não considerados, restariam incólumes a
qualquer tributo; e c) em caso de operações mistas, afirma a
prevalência do serviço, para fim de tributação pelo ISS.
3.26. Da espécie sob (a) é a maioria dos serviços relacionados
pela LC 116/2003, dispensando maiores considerações.
3.27. Acerca das operações sob (c), o art. 1º, § 2º, da LC
116/2003, contém regra dispondo que, ressalvadas as exceções
contidas na lista, os serviços nela relacionados não ficam sujeitos a
ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadoria.
(...)
Em síntese, há serviços, para os efeitos do inciso III do artigo
156 da Constituição, que, por serem de qualquer natureza , não
consubstanciam típicas obrigações de fazer. Raciocínio adverso a este
conduziria à afirmação de que haveria serviço apenas nas prestações de
fazer, nos termos do que define o direito privado. Note-se, contudo,
que afirmação como tal faz tábula rasa da expressão de qualquer
natureza, afirmada do texto da Constituição. Não me excedo em
lembrar que toda atividade de dar consubstancia também um fazer e
há inúmeras atividades de fazer que envolvem um dar.
A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara,
para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa,
simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do
artigo 156 da Constituição.(...)

O Ministro Joaquim Barbosa, em voto vista, concluiu no mesmo


sentido:

(…) Não impressiona a argumentação no sentido de que haveria


um conceito inequívoco para a expressão serviços de qualquer
natureza, utilizada pelo Constituinte originário para definir a
competência para instituição do ISS (art. 156, III da Constituição).
Ainda nos termos do que sustentado, este conceito seria oriundo do
direito civil e temperado pelo uso e aceitação constantes no passar do
tempo. Por questões de segurança jurídica e de isonomia, a identidade
do conceito de serviços de qualquer natureza, tal como arraigada na

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experiência jurídica pátria, deveria ser mantida.(…)


Contudo, todas as palavras são vagas em maior ou menor
intensidade, e muitas delas são ambíguas, como registra Alf Ross.(...)
A segunda dificuldade que vislumbro refere-se à necessidade de
interpretação da Constituição conforme a legislação ordinária, ainda
que existente por ocasião de sua promulgação. Ainda que a legislação
ordinária contivesse um conceito universal e inequívoco para
prestação de serviços de qualquer natureza, o alcance do texto
constitucional não é condicionado de forma imutável por ele. De outra
forma, seria necessário concluir pela possibilidade de estabilização com
força constitucional da legislação infraconstitucional, de modo que
haveria confusão entre os planos normativos.
A invocação do art. 110 do Código Tributário Nacional também
não impressiona. A disposição carece de densidade normativa própria,
pois é redundante a legislação infraconstitucional prescrever que
conceitos utilizados pela Constituição não podem ser violados por
legislação também infraconstitucional. Como observou Aliomar
Baleeiro:
‘Parece certo, pois, que o CTN se apresenta tímido quanto
à interpretação econômica: insinua-a, mas não a erige em
princípio básico, proclamando, pelo contrário, o primado do
Direito Privado quanto à definição, ao conteúdo e ao alcance dos
institutos, conceitos e formas deste ramo jurídico, quando
utilizado pela Constituição Federal, pelas dos Estados ou pelas
Leis Orgânicas do DF e dos Municípios.
A contrario sensu, tal primado não existe se aquelas
definições, conceitos e formas promanam de outras leis
ordinárias (p. 689)’.”

É inequívoco, assim, que a ideia de unidade do sistema jurídico


repousa muito mais no plano axiológico do que no linguístico, não
havendo porquanto qualquer óbice a que determinada palavra tenha um
sentido diferente no Direito Tributário.

Sem embargo, não se pode associar essas ideias desenvolvidas pelos


tributaristas pós-positivistas com as teorias economicistas, como a da

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interpretação econômica do fato gerador, cuja concepção se orientava,


principalmente, no aumento da arrecadação, conforme a norma do
Código Tributário Alemão de 1919 idealizada por Enno Becker.

Nos dias atuais, ao contrário, a utilização do critério econômico


como decorrência do aspecto teleológico não deriva de uma preocupação
arrecadatória, mas de uma apreciação axiológica baseada nos Valores da
Igualdade e da Solidariedade, dos quais derivam os Princípios da
Igualdade, Capacidade Contributiva e Solidariedade.

Deve-se reconhecer a interação entre o Direito e a Economia, em


substituição ao formalismo jurídico. A interpretação é simultaneamente
jurídico-econômica, ainda que, para a formação dos conceitos tributários
passem pelo filtro jurídico.

O traço fundamental de distinção entre a teoria da interpretação


econômica do fato gerador desenvolvida por Enno Becker e a
consideração do critério econômico realizada no âmbito da interpretação
teleológica encontra-se nos limites da atividade hermenêutica. Enquanto
Enno Becker e seus seguidores se inclinavam para a livre criação do
Direito, sem vinculação estreita com a lei, os seguidores da concepção
hoje dominante na Alemanha, como Klaus Tipke, Klaus Vogel, Moris
Lehner e Heinrich Beisse encontra no sentido literal possível da norma
um limite à atividade de interpretação (RIBEIRO, Ricardo Lodi. A
Capacidade Contributiva como manifestação da Justiça Fiscal no Estado
Social e Democrático de Direito. In: QUEIROZ, Luís Cesar Souza de.
GOMES, Marcus Livio (Orgs.). Tributação, Direitos Fundamentais e
Desenvolvimento. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2014, p. 51).

Com efeito, é a partir do sentido literal possível das palavras


utilizadas pelo legislador que se pode pesquisar a influência das acepções
já utilizadas no Direito Privado, em especial no Direito Civil, e que são
encontradas no Direito Tributário.

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Destarte, a interpretação dos conceitos de Direito Tributário segue


três princípios (BEISSE, Heinrich. O critério econômico na interpretação
das leis tributárias segundo a mais recente jurisprudência Alemão in
Brandão Machado (coord.) Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy
Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 21/23).

O primeiro deles indica que conceitos econômicos de Direito


Tributário, que tenham sido criados pelo legislador tributário ou por ele
convertidos para os seus objetivos, devem ser interpretados segundo
critério econômico. Para tanto, cita como exemplo a expressão “renda e
proventos de qualquer natureza”, que não é encontrada no Direito Civil,
sendo delineada pelo legislador tributário.

O segundo princípio delineia que conceitos de Direito Civil devem


ser interpretados economicamente – embora respeitado o sentido literal
possível das palavras – quando o objetivo da lei tributária imponha, de
forma objetivamente justificada, um desvio do conteúdo de Direito
Privado, em nome do princípio da igualdade, v.g., o exemplo trazido pelo
autor é o da expressão “empregadores”, utilizada no art. 195, da CRFB/88,
para definir os contribuintes das contribuições da seguridade social, que
não tem o sentido do Direito do Trabalho, abarcando empresas que não
mantêm empregados próprios.

O terceiro princípio é o de que os conceitos de Direito Civil devem


ser interpretados de acordo com a definição dada pela legislação civil
quando, conforme o sentido e o objetivo da lei tributária, existe certeza de
que o legislador cogitou exatamente do conceito de Direito Privado ou,
alternativamente, quando o sentido literal possível da norma tributária
não confere outra possibilidade interpretativa. Nesse sentido, tem-se
como exemplo o fato gerador do ITR (art. 153, VI, CRFB/88), pelo qual a
tributação circunscreve-se à propriedade imóvel por natureza, não
alcançando os imóveis por acessão.

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À luz dessas premissas, não há infirmação do princípio da unidade


da ordem jurídica, que não se sustenta no primado do Direito Civil, mas
antes no plano axiológico. Cientificamente, a unidade do ordenamento
jurídico é conferida pela própria Constituição, por interpretação
sistemática e valorativa, entre outros valores e princípios relevantes do
ordenamento jurídico (GOMES, Marcus Lívio. A Interpretação da
Legislação Tributária: instrumentos para a unificação de critério
administrativo em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.
56).

Assim, v.g., no caso específico dos tributos sobre o consumo, de que


são exemplos o ISSQN e o ICMS, os mesmos se abrem também à
interpretação econômica, porque baseados em conceitos elaborados pelo
próprio Direito Tributário ou em conceitos tecnológicos, caracterizados
por grande fluidez e mutação quanto à sua natureza jurídica.

É que uníssona a doutrina no sentido de que a Constituição, ao


dividir competências tributárias, valeu-se eminentemente de tipos, e não
de conceitos, estes pressupostos por uma definição clara e a indicação
exaustiva de todas as notas que o compõem, permitem a aplicação do
método subsuntivo, ao passo que aqueles, não se definem, mas se
descrevem, e pela sua própria abertura, estão voltados à concretização de
valores (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 5ª Ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 275).

Mutatis mutandis foi o que restou sintetizado na Ementa dos RREE


547.245 e 592.905, onde o Relator, Ministro Eros Grau, e o Ministro
Joaquim Barbosa, em voto vista, foram acompanhados pelos demais
Ministros, vencido o Ministro Marco Aurélio, colacionados a ementa e
excertos dos votos, verbis:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO


TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL.

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OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA


CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil
compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing
financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação,
nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é
serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da
Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço
para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No
arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que
não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E
financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando
irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing
financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se dá
provimento. (RE 547245, Relator Min. EROS GRAU, Tribunal
Pleno, julgado em 02/12/2009).

“Senhor Presidente, como definiu em seu voto o Ministro Eros


Grau, agora já acompanhado também pelo Ministro Joaquim Barbosa ,
há prestação de serviço. Estou de acordo com esse posicionamento,
com esse conceito, com essa definição. E a Lei Complementar nº 116,
de 31 de julho de 2003, no seu item 15.09, estabeleceu a possibilidade
de incidência do ISS sobre o arrendamento mercantil.”(Excerto do
Voto do Ministro Dias Tofolli).

“Entendo também que o contrato de leasing é um contrato


complexo, em que predomina a prestação de serviço e, como tal, é
tributável pelo ISS. Observo que os operadores de leasing estão no
melhor mundo possível porque eles não pagam ISS, não pagam ICMS,
não pagam IOF. Qual seria o tributo, então, que incidiria sobre essa
operação? Ele está indicado na lei complementar. E essa lei
complementar, como demonstrado à saciedade, não conflita com a
Constituição Federal. Assim, a meu ver, esse é o tributo que recai
sobre tal tipo de operação.
Portanto, acompanho o Relator.” (Excerto do Voto do
Ministro Ricardo Lewandowski).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 88

RE 651703 / PR

“Aliás, o próprio nome Imposto Sobre Serviço de Qualquer


Natureza já revela o propósito mais abrangente possível da
Constituição nas obrigações de fazer - serviços de qualquer natureza -
e não há dúvida de que a obtenção de financiamento para a compra de
um bem, por exemplo, um automóvel, implica disponibilizar um
crédito, que é fazer um crédito, portanto, a obrigação de fazer.
Eu acompanho o eminente Relator com as preciosas achegas do
Ministro Joaquim Barbosa.” (Excerto do Voto do Ministro Carlos
Brito).

“Senhor Presidente, eu também peço vênia para acompanhar o


eminente Relator, observando apenas que as dificuldades teóricas
opostas pelas teses contrárias a todos os votos já proferidos vêm, a meu
ver, de um erro que eu não diria apenas histórico, mas um erro de
perspectiva, qual seja o de tentar interpretar não apenas a
complexidade da economia do mundo atual, mas sobretudo os
instrumentos, institutos e figuras jurídicos com que o ordenamento
regula tais atividades complexas com a aplicação de concepções
adequadas a certa simplicidade do mundo do império romano, em que
certo número de contratos típicos apresentavam obrigações explicáveis
com base na distinção escolástica entre obrigações de dar, fazer e não
fazer.
O mundo moderno é extremamente mais complexo para poder
ser explicado à luz da economia do mundo romano ou à luz dos
institutos que ali os regiam (…).” (Excerto do Voto do Ministro
Cezar Peluso).

“Eu também, pedindo vênia ao Ministro Marco Aurélio, e pelas


razões que trouxe escritas, acompanho o voto do eminente Relator,
Ministro Eros Grau, e dos Ministros que o seguiram, dando
provimento ao recurso.” (Excerto Voto Ministro Gilmar Mendes).

Transportando-se para o campo tributário esse entendimento,


conclui-se que os elencos dos artigos 153, 155 e 156 da Constituição
consistem em tipos, pois, do contrário, seria despiciendo o emprego de lei
complementar para dirimir conflitos de competência, consoante a

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 88

RE 651703 / PR

previsão do art. 146, I, CRFB/88.

Os conflitos de competência surgem justamente da potencial fluidez


dos tipos, o que, conjugado com o art. 146, III, a, CRFB, pelo qual foi
conferido à lei complementar o papel de definir os fatos geradores, bases
de cálculo e contribuintes – demonstra que o constituinte tinha
consciência de que ele próprio não conceituara os elementos essenciais
dos impostos previstos.

Mercê de a Constituição valer-se de linguagem tipológica e


potencialmente aberta, este posicionamento jurídico não conduz a que a
lei complementar possa dispor livremente sobre os impostos previstos na
Constituição. É que o legislador fica vinculado aos sentidos mínimos que
são extraídos das locuções empregadas pelo Texto Constitucional na
definição da competência tributária.

Deveras, muito embora a materialidade dos impostos pressuponha o


reconhecimento de conceitos mínimos, o processo de definição de qual
imposto deverá incidir no caso concreto deve tomar como ponto de
partida a solução oferecida pela lei complementar, nos seguintes termos:

A nosso ver, o processo de definição precisa começar pelo exame


da solução oferecida pela lei complementar, instrumento eleito pela CF
para “demarcação das fronteiras” de cada um dos impostos
mencionados na CF. É evidente que a solução oferecida pela lei
complementar não pode ser soberana, insindicável à apreciação da
jurisdição constitucional. Todavia, a superação do critério adotado
pela lei complementar deve exigir ônus argumentativo reforçado,
capaz de comprovar o manifesto descompasso do critério adotado pelo
Legislador e a materialidade econômica indicada na CF. (OLIVEIRA,
Gustavo da Gama Vital de. Federalismo fiscal, jurisdição
constitucional e conflitos de competência em matéria tributária:
o papel da lei complementar. In: Marcus Lívio Gomes; Andrei
Pitten Velloso. (Org.). Sistema constitucional tributário: dos
fundamentos teóricos aos hard cases tributários. Estudos em

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 29 de 88

RE 651703 / PR

homenagem ao Ministro Luiz Fux. Porto Alegre: Livraria do


Advogado, 2014, p. 199-200).

A lista de serviços veiculada pela lei complementar, sob esse ângulo,


tem caráter taxativo, taxatividade que é o contraponto ao conceito
econômico (juridicizado) de serviços que tem abertura semântica e
vaguidade razoáveis. Essa contraposição é que confere segurança jurídica
ao sistema, num país onde se decidiu atribuir a competência tributária
aos municípios, que são em número de 5.568 no total. Consectariamente,
nessa área de interseção entre os ramos do direito e o Direito Tributário, a
valoração do legislador confere segurança jurídica.

Com efeito, a classificação das obrigações em “obrigação de dar”, de


“fazer” e “não fazer”, tem cunho eminentemente civilista. De fato, a
disposição no Título “Das Modalidades das Obrigações”, no Código Civil
de 2002 (que seguiu a classificação do Código Civil de 1916), em: (i)
obrigação de dar (coisa certa ou incerta) (arts. 233 a 246, CC); (ii)
obrigação de fazer (arts. 247 a 249, CC); e (iii) obrigação de não fazer (arts.
250 e 251, CC), não é a mais apropriada para o enquadramento dos
produtos e serviços resultantes da atividade econômica, pelo que deve ser
apreciada cum grano salis.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que também


pertence ao Direito Privado, carreia para o sistema um conceito de serviço
extremamente amplo, conforme destacado no voto do Ministro Joaquim
Barbosa, acompanhado pela quase unanimidade dos votantes, verbis:

(…) A primeira dificuldade posta consiste na imprecisão do que


se tem como conceito arraigado no direito civil para conceituação do
que se deva entender por prestação de serviços de qualquer natureza.
O texto do Código Civil de 2002 não define o que sejam serviços (arts.
593-609 da Lei 10.406/2002). O Código Civil anterior utilizava a
expressão locação de serviços sem, contudo, trazer qualquer elemento
para a estipulação do conceito (Lei 3.071/1916, arts. 1.216 a 1.236).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 88

RE 651703 / PR

Por seu turno, a Lei 8.078/1990 (Código do Consumidor),


considera serviço qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de
caráter trabalhista . Como se vê, ainda que prestação de serviços se
limitasse à obrigação de fazer marcada pelo esforço humano
empreendido em benefício de outrem, em interpretação baseada no
texto do Código Civil, a expressão não é unívoca se considerada a
estipulação legal no seio das relações privadas de consumo. E tal
estipulação legal é constitucional, como decidiu esta Corte por ocasião
do julgamento da ADI 2.591.
Ainda que se socorra de outros influxos de comunicação
jurídica, como a dogmática e a jurisprudência, não é possível
identificar conceito incontroverso, imutável ou invencível para
serviços de qualquer natureza (...).

Porquanto, a Suprema Corte, no julgamento dos RREE 547.245 e


592.905, ao permitir a incidência do ISSQN nas operações de leasing
financeiro e leaseback sinalizou que a interpretação do conceito de
“serviços” no texto constitucional tem um sentido mais amplo do que tão
somente vinculado ao conceito de “obrigação de fazer”, vindo a superar
seu precedente no RE 116.121, em que decidira pela adoção do conceito
de serviço sinteticamente eclipsada numa obrigação de fazer.

Por decorrência lógica, a utilização da expressão “de qualquer


natureza” no art. 156, III, da CRFB/88, para conferir maior amplitude
semântica a termo a qual leve a ampliação de competência tributária não
é novidade na carta constitucional. Recurso análogo foi utilizado pelo
legislador constituinte quando, para alargar a competência tributária do
imposto de renda, incluiu o termo “proventos” no art. 153, III, da
CRFB/88, o qual isoladamente considerado, tem o sentido apenas de
remuneração de aposentadoria dos servidores públicos (LEMKE, Gisele.
Imposto de Renda. Os conceitos de renda e de disponibilidade econômica
e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998, p. 60).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 88

RE 651703 / PR

No mesmo sentido da discussão ora posta, não há uma definição


constitucional precisa a expressar o conceito de “proventos de qualquer
natureza”, restando ao CTN, como lei complementar tributária,
cumprindo a função prevista no art. 146, III, “a”, da CRFB/88, concretizar
a definição desse conceito no seu art. 43, II, como sendo qualquer
acréscimo patrimonial não compreendido no conceito de renda do inciso
I do art. 43, ou seja, que não seja produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos.

Da mesma forma, por força do comando constitucional expresso no


art. 156, III, reforçado pela prescrição do art. 146, III, “a”, combinado com
o art. 146, I, o constituinte também remete à lei complementar a função de
definir o conceito “de serviços de qualquer natureza”, o que é atualmente
desempenhado pela LC nº 116/2003.

A finalidade dessa classificação (obrigação de dar e obrigação de


fazer) escapa totalmente àquela que o legislador constitucional pretendeu
alcançar, ao elencar os serviços no texto constitucional tributáveis pelos
impostos (por exemplo, serviços de comunicação – tributáveis pelo ICMS;
serviços financeiros e securitários – tributáveis pelo IOF; e, residualmente,
os demais serviços de qualquer natureza – tributáveis pelo ISS), qual seja,
a de captar todas as atividades empresariais cujos produtos fossem
serviços, bens imateriais em contraposição aos bens materiais, sujeitos a
remuneração no mercado.

A doutrina também sufraga esta tese:

Essa adjetivação “de qualquer natureza”, aliás, faz muito mais


sentido quando se entende que o constituinte incorporou o conceito
econômico de serviços. Isso porque, diferentemente do conceito de
serviços no Direito Civil (e não no Direito Privado como um todo) –
que não demanda maiores exercícios interpretativos, por ser facilmente
apreensível (embora dificilmente aplicável numa série de atividades
econômicas) –, o conceito de serviços na Economia, de maneira

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 88

RE 651703 / PR

distinta, já apresenta, de pronto, uma vagueza semântica


caracterizada pelo conjunto de atividades econômicas que não
consubstanciam, como produtos, bens materiais. Tal vagueza, ao ser
acompanhada da expressão “de qualquer natureza”, denota que é
tributável pelo ISS toda a residualidade desse conceito no universo da
atividade econômica, depois de afastados os serviços de comunicação e
de transporte interestadual ou intermunicipal, tributáveis pelo ICMS;
os serviços financeiros, tributáveis pelo IOF. (MACEDO, Alberto.
ISS - O Conceito Econômico de Serviços Já Foi Juridicizado Há
Tempos Também pelo Direito Privado. In: XII Congresso
Nacional de Estudos Tributários - Direito Tributário e os Novos
Horizontes do Processo. MACEDO, Alberto [et all]. - São Paulo:
Editora Noeses, 2015, p. 71/79).

Assim, embora seja possível verificar a existência de corrente


doutrinária a identificar o conceito de serviços com obrigação de fazer, há
também categorização no sentido de que o conceito econômico de
prestação de serviço não se confunde com o conceito de prestação de
serviço de Direito Civil, verbis:

Serviço, portanto, vem a ser o resultado da atividade humana na


criação de um bem que não se apresenta sob a forma de bem material,
v.g., a atividade do transportador, do locador de bens imóveis, do
médico, etc.
O conceito econômico de “prestação de serviço” (fornecimento
de bem imaterial) não se confunde nem se equipara ao conceito de
“prestação de serviços” do direito civil, que é conceituado como
fornecimento apenas de trabalho (prestação de serviços é o
fornecimento mediante remuneração, do trabalho a terceiro). O
conceito econômico não se apresenta acanhado, abrange tanto o
simples fornecimento de trabalho (prestação de serviços de direito
civil) como outras atividades: v.g.: locação de bens móveis, transporte,
publicidade, hospedagem, diversões públicas, cessão de direitos,
depósito, execução de obrigações de não fazer, etc. (venda de bens
imateriais). (MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Prática
do Imposto sobre Serviços. 1ª Ed, 3ª tiragem. São Paulo: Editora

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 88

RE 651703 / PR

Revista dos Tribunais, 1984, p. 42/43).

Sob este ângulo, o conceito de prestação de serviços não tem por


premissa a configuração dada pelo Direito Civil, mas relacionado ao
oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de
atividades imateriais, prestados com habitualidade e intuito de lucro,
podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador.

A LC nº 116/2003 imbricada ao thema decidendum traz consigo lista


anexa que estabelece os serviços tributáveis pelo ISSQN, dentre eles, o
objeto da presente ação, que se encontra nos itens 4.22 e 4.23, verbis:

Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de


competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato
gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que
esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
(...)
4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios
para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e
congêneres.
4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de
serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas
pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.

Historicamente, interessante ressaltar que a legislação pretérita,


Decreto-Lei nº 406/68, que estabelecia as normas gerais aplicáveis aos
impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
serviços de qualquer natureza já trazia regulamentação sobre o tema, com
o escopo de alcançar estas atividades, verbis:

1.Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica,


radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;
2. Hospitais, clínicas, sanatórios, laboratórios de análise,
ambulatórios, prontos-socorros, manicômios, casas de saúde, de
repouso, de recuperação e congêneres;

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 88

RE 651703 / PR

3. Bancos de sangue, leite, pele, olhos, sêmen e congêneres;


4. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos
(prótese dentária);
5. Assistência médica e congêneres, previstos nos incisos I, II e
III desta lista, prestados através de planos de medicina de grupo e
convênios, inclusive com empresas, para assistência a empregados;
6. Planos de saúde, prestados por empresa que não esteja
incluída no inciso V desta lista e que se cumpram através de serviços
prestados por terceiros, contratados pela empresa ou apenas pagos por
esta, mediante indicação do beneficiário do plano;

A LC nº 116/2003, teve por objetivo ampliar o campo de incidência


do Imposto Sobre Serviço, principalmente no sentido de adaptar a sua
anexa lista de serviços à realidade atual, relacionando numerosas
atividades que não constavam dos atos legais antecedentes.

É com esse escopo que há proposta de projeto de lei de alteração da


LC nº 116/2003, a incluir novos itens na lista anexa de serviços, a saber o
PLS 386/12 do Senado Federal, convertido no PLP 366/13 da Câmara dos
Deputados, o que se dá, visando mais uma vez adaptar a lei
complementar à evolução social e tecnológica, não relacionada ao thema
iudicandum.

Sob esse prisma, o argumento subsidiário da recorrente no sentido


de que sua atividade é securitária também não merece prosperar. O fato
de o cálculo do preço dos serviços prestados levar em consideração
alguns critérios atuarias e de risco não tem o condão de transformar esta
atividade econômica em operação de seguro.

Em abono a esta afirmação, o art. 1º da Lei nº 9.656/98, que dispõe


sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, explicita que as
pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à
saúde se submetem às disposições desta lei, para a prestação continuada
de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 88

RE 651703 / PR

estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem


limite financeiro, a assistência à saúde, mediante reembolso ou
pagamento direto ao prestador, estando subordinadas às normas e à
fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, verbis:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas


jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde,
sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua
atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui
estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada
de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós
estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir,
sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e
atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente
escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou
referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a
ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora
contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por
conta e ordem do consumidor; (Incluído pela Medida Provisória nº
2.177-44, de 2001)(...)
§ 1º Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência
Nacional de Saúde Suplementar - ANS qualquer modalidade de
produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de
cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e
odontológica, outras características que o diferencie de atividade
exclusivamente financeira, tais como: (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.177-44, de 2001)(...)
Art. 19. Para requerer a autorização definitiva de
funcionamento, as pessoas jurídicas que já atuavam como operadoras
ou administradoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do
art. 1o desta Lei, terão prazo de cento e oitenta dias, a partir da
publicação da regulamentação específica pela ANS. (Redação dada
pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 88

RE 651703 / PR

Já as sociedades seguradoras poderão se especializar em planos


privados de assistência à saúde, conforme a Lei nº 10.185/2001, ao
explicitar que se tratam de ramos empresarias distintos, estas
(seguradoras) sujeitas à Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
Outrossim, preconiza que para efeito da Lei nº 9.656, de 1998, e da Lei nº
9.961, de 2000, a qual criou a ANS, enquadra-se o seguro saúde como
plano privado de assistência à saúde e a sociedade seguradora
especializada em saúde como operadora de plano de assistência à saúde,
verbis:

Art. 1º As sociedades seguradoras poderão operar o seguro


enquadrado no art. 1o, inciso I e § 1o, da Lei no 9.656, de 3 de junho
de 1998, desde que estejam constituídas como seguradoras
especializadas nesse seguro, devendo seu estatuto social vedar a
atuação em quaisquer outros ramos ou modalidades.
§ 1º As sociedades seguradoras que já operam o seguro de que
trata o caput deste artigo, conjuntamente com outros ramos de seguro,
deverão providenciar a sua especialização até 1o de julho de 2001, a
ser processada junto à Superintendência de Seguros Privados -
SUSEP, mediante cisão ou outro ato societário pertinente.
Art. 2º Para efeito da Lei no 9.656, de 1998, e da Lei no
9.961, de 2000, enquadra-se o seguro saúde como plano privado
de assistência à saúde e a sociedade seguradora especializada
em saúde como operadora de plano de assistência à saúde.
(grifo nosso).

Nessa senda, não há qualquer indício de cumprimento pelas


Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde dos critérios e
cautelas previstas na legislação que rege a atividade de seguros no país,
em especial as normas do Decreto-Lei nº 73/66, que dispõe sobre o
Sistema Nacional de Seguros Privados, verbis:

Art. 24. Poderão operar em seguros privados apenas Sociedades


Anônimas ou Cooperativas, devidamente autorizadas.
Parágrafo único. As Sociedades Cooperativas operarão

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RE 651703 / PR

unicamente em seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho.


(...)
Art. 133. É vedado às Sociedades Seguradoras acumular
assistência financeira com assistência médico-hospitalar. (grifo
nosso).

Relevante algumas delimitações conceituais e jurisprudenciais.

Ao longo dos anos a jurisprudência das Cortes superiores evoluiu


quanto ao entendimento acerca da tributação dos serviços médicos no
que concerne à tributação do ISSQN.

Primeiramente, em voto exarado em 1988, esta Suprema Corte


entendeu que “Quem presta os serviços de assistência é o médico ou o hospital
credenciado, sob responsabilidade própria”, a atrair a incidência deste tributo,
como se observa da ementa transcrita:

ISS. SEGURO SAÚDE. DECRETO-LEI N. 73/1966, ARTS.


129 E 130. COBERTURA DE GASTOS DE ASSISTENCIA
MEDICA E HOSPITALAR, NOS LIMITES CONTRATUAIS, EM
PERIODO DETERMINADO, QUANDO O ASSOCIADO OS
TIVER DE EFETUAR. OS VALORES RECEBIDOS DO
ASSOCIADO NÃO SE DESTINAM A CONTRAPRESTAÇÃO
IMEDIATA POR QUALQUER SERVIÇO MEDICO
HOSPITALAR PRESTADO PELA ENTIDADE. QUEM PRESTA
OS SERVIÇOS DE ASSISTENCIA E O MEDICO OU O
HOSPITAL CREDENCIADO, SOB RESPONSABILIDADE
PROPRIA. RISCOS FUTUROS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA
FIGURA DO AGENCIADOR DE SERVIÇO. SITUAÇÃO DE
FATO E CLAUSULAS CONTRATUAIS DISCUTIDAS NO
ACÓRDÃO E INSUSCETIVEIS DE REEXAME EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.SUMULAS 279 E 454. NÃO
ENQUADRAMENTO EM HIPÓTESE DE INCIDENCIA DO ISS.
CONSTITUIÇÃO, ARTS. 24, II, E 21, VI. DECRETO-LEI N.
834/1969 E LISTA DE SERVIÇOS.LEI COMPLEMENTAR N. 56,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 88

RE 651703 / PR

DE 15.12.1987, E A NOVA LISTA DE SERVIÇOS, ONDE SE


INCLUEM, NO ITEM 6, COMO SUJEITOS AO ISS, OS
SERVIÇOS DE 'PLANOS DE SAÚDE, PRESTADOS POR
EMPRESA QUE NÃO ESTEJA INCLUIDA NO ITEM 5 DESTA
LISTA E QUE CUMPRAM ATRAVÉS DE SERVIÇOS
PRESTADOS POR TERCEIROS, CONTRATADOS PELA
EMPRESA OU APENAS PAGOS POR ESTA, MEDIANTE
INDICAÇÃO DO BENEFICIARIO DO PLANO. NÃO
APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO DA LEI
COMPLEMENTAR N. 56/1987. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
NÃO CONHECIDO. (RE 115.308/RJ, Rel. Ministro Néri da
Silveira, Primeira Turma, julgado em 17.05.1988).

A atualização da legislação vigente pela LC nº 116/2003 provocou a


evolução da jurisprudência dos Tribunais Superiores (overruling), ao
adotar-se a interpretação de que “existe a previsão de incidência do
imposto sobre serviços tanto sobre a atividade dos profissionais de
medicina, quanto a atividade de fornecimento de planos de saúde e
assistência médica-hospitalar”, o que se extrai das ementas assentadas
pelo Superior Tribunal de Justiça que ora se transcrevem (grifo nosso) :

ISSQN. INCIDÊNCIA SOBRE SERVIÇOS PRESTADOS


POR OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. VIOLAÇÃO AO
ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA
DA ATIVIDADE. SERVIÇO OU OBRIGAÇÃO DE DAR.
INADMISSIBILIDADE. ANÁLISE DE MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. PRETENSÃO DEMANDA VIOLAÇÃO À
SÚMULA VINCULANTE N.º 10 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. SUBITENS 4.22 E 4.23 DA LC 116/2003,
LEGISLAÇÃO FEDERAL QUE CABE A ESTA CORTE
PRESERVAR.
I - Violação ao art. 535 do CPC inocorrente, porquanto o
Tribunal a quo, mesmo sem ter examinado individualmente cada um
dos argumentos apresentados pela parte vencida, adotou
fundamentação suficiente para decidir de modo integral a questão
controvertida.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 88

RE 651703 / PR

II - Noutro giro, observa-se que a incidência ou não de ISSQN


sobre a atividade de prestação de assistência médica por operadores de
planos de saúde demanda exame de matéria constitucional, cujo
conhecimento revela-se insindicável ao STJ, sob pena de usurpação da
competência do Pretório Excelso. E não poderia ser diferente, pois,
caso se entenda que a citada atividade não é um serviço, estar-se-ia, de
forma indireta, declarando a inconstitucionalidade dos subitens 4.22 e
4.23 da LC 116/2003, que são expressos na previsão da incidência, o
que é inadmissível, conforme dispõe a Súmula Vinculante n.º 10 do
Pretório Excelso: viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo
97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare
expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
III - Ademais, quanto à atividade exercida, se serviço ou
obrigação de dar, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de
que a atividade de Planos de medicina de grupo ou individual e
convênios para prestação de assistência médica, hospitalar,
odontológica e congêneres e outros planos de saúde que se cumprem
através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados
ou apenas pagos pelo operador do plano, mediante indicação do
beneficiário é fato gerador do Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza - ISSQN (itens 4.22 e 4.23 da Lista de Serviços Anexa à LC
116/2003 (REsp nº 1.108.861/PB, Rel. Min. ELIANA CALMON,
DJe de 08/09/2009).
IV - Agravo regimental improvido. (AgEg no AREsp
44.905/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 16/03/2012).(grifo
nosso).

Assentadas as premissas teóricas, impõe-se na repercussão geral a


aplicação da tese ao caso concreto.

Ainda que não se possa extrair dos autos a exata natureza jurídica
dos contratos de prestação de serviços objeto da impetração preventiva,
partimos da afirmação contida na petição inicial, não impugnada, no
sentido de que:

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 88

RE 651703 / PR

“A impetrante é empresa que, dentre suas atividades,


administra planos de saúde, conforme prevê a cláusula terceira de
seu contrato social, e conforme autorização de funcionamento dada
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS (doc. 02).”(grifo
nosso)

Extrai-se da internet (http://www.abramge.com.br/portal/acesso em


28/10/2015), na ausência de maiores informações nos autos sobre a
natureza jurídica da recorrente, que o HOSPITAL MARECHAL
CÂNDIDO RONDON LTDA é uma das empresas associadas da
Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE). Esta, por sua
vez, é uma associação civil, sem fins lucrativos, pessoa jurídica de direito
privado distinta de seus associados. Seu objetivo principal é representar
institucionalmente às empresas privadas de assistência à saúde do
segmento de Medicina de Grupo, junto aos órgãos federais, estaduais e
municipais, em atuação no território nacional. Noticia que cobre mais de
20 milhões de beneficiários, ou seja, 30% dos cerca de 70 milhões de
clientes da Saúde Suplementar brasileira.

Assim posta a questão, perfilhamos o entendimento no sentido de


que a natureza jurídica securitária alegada pelas operadoras de “planos
de saúde” para infirmar a incidência do ISSQN, reconhecida por antigo
precedente desta Suprema Corte no RE 115.308/RJ, Rel. Ministro Néri da
Silveira, Primeira Turma, julgado em 17.05.1988, não indica fundamento
capaz de afastar a cobrança do tributo.

O recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de


Justiça do Estado do Paraná, que confirmou a sentença e assentou que a
atividade realizada pelas Operadoras de Planos de Assistência à Saúde
constitui uma prestação de serviços, sujeitando-se, portanto, à incidência
do ISSQN tão somente sobre a comissão é que representa em essência o
thema decidendum.

O E. Tribunal a quo, em consonância com a jurisprudência citada,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 88

RE 651703 / PR

reduziu a base de cálculo desta exação à comissão recebida, vale dizer, à


receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e
o que é repassado para os terceiros efetivamente prestadores dos serviços.

In casu, o acórdão recorrido adequa-se integralmente à tese ora


fixada quanto à incidência do ISSQN e sua materialidade sobre os
serviços prestados por Operadoras de Planos de Assistência à Saúde.

Restou assentado, assim, pelo acórdão recorrido, que a Lei


Complementar nº 26/2002, Código Tributário Municipal, em seu art. 209,
§ 6º, incorreu em evidente afronta à delimitação da base de cálculo do
tributo delineada pelo art. 7º, da LC nº 116/2003, ao prescrever que “a
base de cálculo do imposto é o preço do serviço”, o que configura um
conflito de legalidade ao exorbitar a competência constitucional.

Ad argumentandum tantum, mostra-se ilegítima a incidência do


ISSQN sobre o total das mensalidades pagas pelo titular do plano de
saúde à empresa gestora, pois, em relação aos serviços prestados pelos
profissionais credenciados, há a incidência do tributo, de modo que a
nova incidência sobre o valor destinado a remunerar tais serviços
caracteriza-se como dupla incidência de um mesmo tributo sobre uma
mesma base de cálculo.

Na hipótese dos autos as operações aptas a ensejar a cobrança de


ISSQN são divididas em duas etapas, sendo a primeira a contratação e
recebimento pela empresa dos valores contratados pelo beneficiário do
plano de saúde, e a segunda a efetivação da prestação de serviços
propriamente ditos na ocorrência de sinistro, valores recebidos pelos
profissionais da saúde, hospitais e laboratórios. As Operadoras de Planos
de Assistência à Saúde só podem pagar o imposto sobre a receita própria
de serviços e não sobre a receita de terceiros.

Uma vez que o que se discute é a hipótese de incidência, posto a

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 88

RE 651703 / PR

base de cálculo ter sido apreciada sob o ângulo infraconstitucional, a


análise deste tema (aspecto quantitativo) não pode ensejar a reformatio in
pejus. Nada obstante, oportuno pontuar que essa quaestio iuris de natureza
infraconstitucional foi apreciada no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


TRIBUTÁRIO. ISS. ATIVIDADE DESENVOLVIDA POR
OPERAÇÃO DE "PLANO DE SAÚDE". ITENS 4.22 E 4.23, DA
LISTA DE SERVIÇOS ANEXA À LEI COMPLEMENTAR
116⁄2003. NATUREZA JURÍDICA DE SEGURO-SAÚDE. NÃO
CARACTERIZAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CONCEITO PRESSUPOSTO PELA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AMPLIAÇÃO DO
CONCEITO QUE EXTRAVASA O ÂMBITO DA VIOLAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PARA INFIRMAR A
PRÓPRIA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIACONSTITUCIONAL.
INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. BASE DE
CÁLCULO DO TRIBUTO. PREÇO DO "SERVIÇO" PRESTADO
PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. RECEITA
AUFERIDA SOBRE A DIFERENÇA ENTRE O VALOR
RECEBIDO PELO CONTRATANTE E O QUE É REPASSADO
PARA OS TERCEIROS.
1. A incidência ou não de Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza - ISSQN sobre a atividade de prestação de assistência
médica por operadores de "planos de saúde" (lei municipal que repetiu
os Itens 4.22 e 4.23, da lista de serviços da Lei Complementar
116⁄2003) encerra quaestio iuris de cunho eminentemente
constitucional, cujo conhecimento revela-se insindicável ao STJ, em
sede de recurso especial, sobressaindo a imprescindível manifestação
da Corte Suprema sobre o thema iudicandum.
2. Consequentemente, as conclusões e premissas de índole
notadamente constitucional, sem as quais não sobreviveria o aresto
recorrido, impõem timbrar seu fundamento constitucional para, na
forma da jurisprudência cediça na Corte, não conhecer do recurso

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 88

RE 651703 / PR

especial (Precedentes da Primeira Turma: REsp 885.530⁄RJ, Rel.


Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12.08.2008, Dje
28.08.2008; REsp 912.036⁄RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira
Turma, julgado em 06.09.2007, DJ 08.10.2007; e AgRg no Resp
467.138⁄DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado
em 20.04.2006, DJ 15.05.2006).
3. Subjaz o exame do recurso especial no que pertine à base de
cálculo do ISSQN, incidente sobre a atividade de prestação de
assistência médica por operadores de planos de saúde, a despeito de
qualquer discussão acerca da constitucionalidade do critério material
da hipótese de incidência prevista na lei complementar federal e na lei
municipal.
4. A base de cálculo do ISS incidente sobre as operações
decorrentes de contrato de seguro-saúde não abrange o valor bruto
entregue à empresa que intermedeia a transação, mas, sim, a comissão,
vale dizer: a receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido
pelo contratante e o que é repassado para os terceiros efetivamente
prestadores dos serviços (EDcl no Resp. 227.293⁄RJ, Rel. Ministro
José Delgado, Rel. p⁄ Acórdão Ministro Francisco Falcão, Primeira
Turma, julgado em 09.08.2005, DJ 19.09.2005)(grifo nosso).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte,
provido. (grifos nossos).

Ex positis, a proposição de voto é no sentido de que em sede de


Repercussão Geral a tese jurídica seja assim assentada: “As operadoras de
planos privados de assistência à saúde (plano de saúde e seguro-saúde)
realizam prestação de serviço sujeita ao Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza – ISSQN, previsto no art. 156, III, da CRFB/88” .

Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao Recurso Extraordinário.

É como voto.

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Vista

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15/06/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, no último


dia 10, encaminhei a Vossa Excelência proposta de emenda regimental
visando adequar a tomada de votos, no Supremo, ao procedimento hoje
observado em todos os tribunais do País, votando, após o relator, aquele
que se siga na ordem decrescente de antiguidade. Com isso, teremos
visão múltipla, quanto à tomada de votos, norteada pela distribuição do
processo. Imaginemos, por exemplo, eu próprio, na condição de relator:
teríamos a tomada de votos sendo iniciada com o do ministro Gilmar
Mendes, e assim sucessivamente.
É muito desconfortável votar, no Plenário, como antepenúltimo – e
hoje seria o penúltimo a votar na matéria, porque ausente o ministro
Celso de Mello. Lembro-me da atuação de um juiz que engradeceu este
Tribunal, José Carlos Moreira Alves, que discutia, acionando o artigo 135
do Regimento Interno, as matérias, antes de se ter a tomada dos votos, e
causava – não há a menor dúvida – um certo desconforto, presentes os
demais integrantes do Tribunal.
Encontro-me pronto para votar, mas prolataria um voto de
improviso sobre a matéria e esta tem repercussão maior, porque há uma
lei federal que define a atividade da recorrente como ligada a seguro.
Surge a competência, da União, para impor tributo federal.
Está em discussão se há atividade a consubstanciar obrigação de dar
ou de fazer. Colho do acórdão do Tribunal de Justiça, no que concluiu
pela obrigação de fazer, estar o serviço na contraprestação ao pagamento
de mensalidades. É estreme de dúvidas que a recorrente não atua no
campo médico-assistencial, nem no ambulatorial.
Se os Colegas que votam antes de mim permitirem – mesmo porque
estamos hoje com quórum mínimo para matéria constitucional e
reconhecemos a repercussão geral, devendo editar tese que norteie a
jurisdição no País – , antecipo o pedido de vista.

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Supremo Tribunal Federal
Vista

Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 88

RE 651703 / PR

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Acho muito oportuno o seu pedido de vista, Ministro
Marco Aurélio, porque Vossa Excelência certamente trará uma nova
perspectiva sobre esse assunto, que é bastante tormentoso. Mas quero
louvar o voto do Ministro Luiz Fux.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A Lei Federal a que


me referi, Presidente, que enquadra a atividade da recorrente do seguro,
é a 9.656/1998.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois não. De qualquer maneira, o Ministro Fux nos traz
um voto extremamente substancioso, reportando-se aos precedentes, e,
certamente, com o contraponto de Vossa Excelência, teremos muito
material para refletirmos.
Queria dizer também que temos 27 casos sobrestados, portanto, o
número de casos aparenta ser relativamente pequeno, mas trata-se
certamente de grandes...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Prometo trazer o


processo com celeridade, porque não tenho passivo em termos de pedido
de vista.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - A observação que eu faço não é no sentido de instar
Vossa Excelência a trazer o voto dentro de um prazo, como sempre,
razoável, é apenas mostrar que esse é um caso de grande interesse.
Existem 27 casos sobrestados, que certamente dizem respeito às grandes
seguradoras que atuam nesse campo da saúde.

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Extrato de Ata - 15/06/2016

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 88

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703


PROCED. : PARANÁ
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
RECTE.(S) : HOSPITAL MARECHAL CÂNDIDO RONDON LTDA
ADV.(A/S) : GUILHERME BROTO FOLLADOR (40517/PR)
RECDO.(A/S) : SECRÉTARIO MUNICIPAL DE FINANÇAS DE MARECHAL CÂNDIDO
RONDON - PR
ADV.(A/S) : GELCIR ANIBIO ZMYSLONY (0029755/PR)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS - CNM
ADV.(A/S) : PAULO ANTÔNIO CALIENDO VELLOSO DA SILVEIRA (33940/RS)
AM. CURIAE. : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICIPIO DE SÃO PAULO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DE GRUPO- ABRAMGE
ADV.(A/S) : RICARDO RAMIRES FILHO (257509/SP)
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR- FENASAÚDE
ADV.(A/S) : FRANCISCO CARLOS ROSAS GIARDINA (69114/RJ)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS SECRETARIAS DE FINANÇAS
DAS CAPITAIS BRASILEIRAS - ABRASF
ADV.(A/S) : RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA (81438/RJ)

Decisão: Após o voto do Ministro Luiz Fux (Relator), negando


provimento ao recurso extraordinário, pediu vista dos autos o
Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Ministros
Celso de Mello, Gilmar Mendes e, para participar do XXII Encontro
de Presidentes e Magistrados de Tribunais e Salas Constitucionais
da América Latina, na Cidade do México, a Ministra Cármen Lúcia.
Falaram, pelo recorrente Hospital Marechal Cândido Rondon Ltda., o
Dr. Guilherme Broto Follador; pelo recorrido Secrétario Municipal
de Finanças de Marechal Cândido Rondon - PR, o Dr. Ricardo Almeida
Ribeiro da Silva; pelo amicus curiae Federação Nacional de Saúde
Suplementar – FENASAÚDE, o Dr. Francisco Carlos Rosas Giardina, e,
pelo amicus curiae Associação Brasileira de Medicina de Grupo –
ABRAMGE, o Dr. Ricardo Ramires Filho. Presidência do Ministro
Ricardo Lewandowski. Plenário, 15.06.2016.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes


à sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Luiz
Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de


Barros.

p/ Maria Sílvia Marques dos Santos


Assessora-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal
Voto Vista

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 88

29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO–VISTA

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O recurso volta-se a


infirmar acórdão mediante o qual o Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná declarou a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza – ISS no âmbito da atividade de administração de planos de
saúde, prevista nos itens 4.22 e 4.23 da lista anexa à Lei Complementar nº
116/2003. Assentou ser tal atividade espécie de prestação de serviço,
representando obrigação de fazer da operadora dos planos de saúde em
favor dos beneficiários. Consignou que a incumbência do recorrente não
se acha limitada aos repasses dos valores pagos a título de mensalidade
aos profissionais conveniados, mas consiste, também, na administração
dos recursos, englobando a celebração de contrato com os usuários e as
negociações de convênio com médicos e hospitais.
A questão de fundo do extraordinário, a ser examinado sob o ângulo
da repercussão geral, está em definir, presente o figurino do Imposto
Sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISS, a incidência do tributo
considerado plano de saúde e a receita auferida sobre a diferença entre os
valores recebidos pelo contratante e os repassados aos terceiros
prestadores do serviço médico-hospitalar.
Em sessão de 15 de junho de 2016, o relator, ministro Luiz Fux,
conheceu do recurso e o desproveu, destacando sujeitar-se à tributação a
atividade realizada por operadoras de planos de saúde e seguro-saúde.
Ainda que estivesse em condições de votar, antecipei o pedido de vista
porquanto a tese a ser editada neste julgamento irá nortear a jurisdição
pátria quanto à matéria.
O tema é de grande relevância jurídica, pois se objetiva elucidar a
própria materialidade do Imposto Sobre Serviços, observados os
parâmetros constitucionais a estabelecerem o campo de incidência de
tributo.
Destaco analisar a questão a partir das balizas reveladas no acórdão

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Supremo Tribunal Federal
Voto Vista

Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 88

RE 651703 / PR

recorrido, ou seja, restringindo o pronunciamento ao cabimento, ou não,


do ISS quanto às atividades das operadoras de planos de saúde. Excluo
da apreciação os chamados seguro-saúde, por entender estar tal forma de
contratação submetida a regramento específico, além de não alcançada
pelo acórdão impugnado ou objeto do extraordinário interposto.
Conforme fiz ver, em Plenário, quando do julgamento do recurso
extraordinário nº 166.772/RS, de minha relatoria, acórdão publicado no
Diário da Justiça de 16 de dezembro de 1994, acredito na premissa de que
o conteúdo político de uma Constituição não pode levar quer ao desprezo
do sentido vernacular das palavras utilizadas pelo legislador constituinte,
quer ao técnico, tendo em vista os institutos consagrados pelo Direito.
Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os
institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceitos
estabelecidos com a passagem do tempo, por força dos estudos
acadêmicos e pela atuação dos Tribunais. Já se afirmou que “as questões
de nome são de grande importância, porque, elegendo um nome ao invés
de outro, torna-se rigorosa e não suscetível de mal-entendido uma
determinada linguagem. A purificação de linguagem é uma parte
essencial da pesquisa científica, sem a qual nenhuma pesquisa poderá
dizer-se científica” (BOBBIO, Norberto, Studi Sulla Teoria Generale del
Diritto, Torino – G. Giappichelli, edição 1955, página 37). Realmente, a
flexibilidade de conceitos, o câmbio do sentido destes, conforme os
interesses em jogo, implicam insegurança incompatível com o fim da
própria Constituição que, de fato, é um corpo político, mas o é ante os
parâmetros que encerra, e estes não são imunes ao real sentido dos
vocábulos, especialmente os de contornos jurídicos. Logo, não merece
agasalho o ato de dizer-se da colocação, em plano secundário, de
conceitos consagrados, buscando-se homenagear, sem limites técnicos, o
sentido político das normas constitucionais.
Para a solução da lide, deve-se perquirir o significado existente no
vocábulo “serviço”, considerada a incidência tributária prevista no artigo
156, inciso III, da Lei Fundamental.
Tal questão já provocou diversos debates no Plenário do Supremo,

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Voto Vista

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 88

RE 651703 / PR

tendo o Tribunal assentado, por ocasião do exame do recurso


extraordinário nº 116.121/SP, do qual fui redator do acórdão, veiculado no
Diário da Justiça de 25 de maio de 2001, não autorizar a preceito
constitucional a incidência do imposto sobre quaisquer situações
descritas na legislação de regência. Para ser possível a tributação, é
necessário observar-se, a partir da própria natureza do negócio jurídico
entabulado, o preenchimento das características típicas de serviço,
respeitando as definições e regramentos trazidos por outros ramos do
Direito, ainda que não seja o tributário. Na oportunidade, ao analisar a
incidência do Imposto Sobre Serviços em contratos de locação, assentei:

Na espécie, o imposto, conforme a própria nomenclatura


revela e, portanto, considerado o figurino constitucional,
pressupõe a prestação de serviços e não o contrato de locação.
Indago se, no caso, o proprietário do guindaste coloca à
disposição daquele que o loca também algum serviço. Penso
que não. Creio que aí se trata de locação pura e simples,
desacompanhada, destarte, da prestação de serviços. Se
houvesse o contrato para essa prestação, concluiria pela
incidência do tributo.
Em face do texto da Constituição Federal e da legislação
complementar de regência, não tenho como assentar a
incidência do tributo, porque falta o núcleo dessa incidência,
que são os serviços. Observem-se os institutos em vigor tal
como se contêm na legislação de regência. As definições de
locação de serviços e locação de móveis vêm-nos do Código
Civil e, aí, o legislador complementar, embora de forma
desnecessária e que somente pode ser tomada como
pedagógica, fez constar no Código Tributário o seguinte
preceito:

Art. 110 A lei tributária não pode alterar a definição,


o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de
direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos
Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou

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dos Municípios, para definir ou limitar competências


tributárias.

O preceito veio ao mundo jurídico como um verdadeiro


alerta ao legislador comum, sempre a defrontar-se com a
premência do Estado na busca de acréscimo de receita.
Relembrem-se as noções dos referidos contratos, de que
cuidam os artigos 1.188 e 1.216 do Código Civil:

Art. 1.188 Na locação de coisas, uma das partes se


obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, o
uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa
retribuição.
Art. 1.216 Toda a espécie de serviço ou trabalho
lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante
retribuição.

A hipótese assemelha-se ao quadro com o qual se


defrontou o Tribunal no Recurso Extraordinário nº 166.772-9-RS
quando veio a glosar a exigência da contribuição social sobre a
remuneração paga a administradores e autônomos. O pretexto
da incidência estaria na igualização econômica entre o que
satisfeito a tal título e o salário, olvidando-se advertência
doutrinária sobre a realidade jurídica conceitual, a sobrepor-se
ao aspecto simplesmente econômico. Na ementa do precedente,
proclamou o Plenário:
O conteúdo político de uma Constituição não é
conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras,
muito menos ao do técnico, considerados institutos
consagrados pelo Direito.
Cumpre ter presente, sobre a matéria, as palavras de
Ulhoa Canto, no que citadas por Gabriel Lacerda Troianelli em
artigo publicado sob o título “O ISS sobre a locação de bens
móveis”, na revista Dialética de Direito Tributário nº 28.
Analisando precisamente o julgamento deste processo que
então se iniciara, disse o autor do artigo da irrelevância do

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aspecto econômico quando contrário ao modelo constitucional


do tributo, secundado pela definição dos institutos envolvidos.
Eis as oportunas palavras do saudoso tributarista:
Entre nós, a interpretação econômica não tem sido
acolhida, nem pelos autores nem pela jurisprudência. A
própria Coordenação do Sistema de Tributação chegou até
a afirmar a sua inaceitabilidade, no Parecer Normativo
CST nº 563, de 18.08.1971 (...). Entretanto, é comum ler-se
em atos ou decisões da Administração ou de tribunais
administrativos que ao direito tributário interessam
precipuamente os aspectos econômicos (o que é certo), e,
por isso, os dispositivos legais, como os atos e fatos,
devem ser interpretados com prevalência do respectivo
conteúdo econômico, relegada a sua forma jurídica a
plano secundário (ilação errada). Na verdade, trata-se de
uma simples tentativa de usurpação de poderes que são
apenas do legislador; sob o pretexto de interpretar a lei, o
que se está tentando é aplicar a sua norma a atos e fatos
que ela não contempla.(Caderno de Pesquisas Tributárias
nº 13. São Paulo: Resenha Tributária, 1989, p. 493).
Em síntese, há de prevalecer a definição de cada instituto,
e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta o
esforço humano, é fato gerador do tributo em comento.
Prevalece a ordem natural das coisas cuja força surge
insuplantável; prevalecem as balizas constitucionais e legais, a
conferirem segurança às relações Estado—contribuinte;
prevalece, alfim, a organicidade do próprio Direito, sem a qual
tudo será possível no agasalho de interesses do Estado, embora
não enquadráveis como primários.
Pela alínea “c”, conheço do recurso do contribuinte e dou-
lhe provimento. Declaro a inconstitucionalidade dos
dispositivos que prevêem essa incidência.

Reconheceu-se, então, a partir da análise da locação de bens móveis,


ser o sentido do vocábulo “serviços” revelador de obrigação de fazer
enquanto materialidade apta a sofrer incidência do Imposto Sobre

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Serviços.
Essa óptica vem prevalecendo no Supremo, mesmo com a apreciação
dos extraordinários de nº 547.245/SC e 592.905/SC, ambos da relatoria do
ministro Eros Grau, acórdãos publicados no Diário da Justiça de 5 de
março de 2010. Na ocasião, ao debruçar-se sobre contratos de
arrendamento mercantil, o Plenário, por maioria, declarou a incidência do
Imposto Sobre Serviços tão somente nas modalidades financeira e "lease-
back", ressaltando que tais operações possuiriam, como núcleo,
financiamento propriamente dito, e não a disponibilização de certo bem.
Fui voto isolado, por defender serem os referidos negócios jurídicos
locações, gênero, não envolvendo, desse modo, obrigação de fazer.
Ainda assim, o debate em torno da caracterização das prestações
como serviços, para fins de incidência tributária, passou pela constatação
de que a atividade em tela pressuporia, como núcleo, um ato humano,
um fazer, material ou imaterial, que revertesse em utilidade para o
contratante. Tanto o é que, nesse mesmo julgamento, ficou decidido não
incidir o tributo sobre o arrendamento mercantil operacional, uma vez
que essa modalidade envolve locação, ou seja, obrigação de dar.
Mesmo que se sustente terem os precedentes conferido interpretação
ampliativa ao vocábulo “serviço” constante no artigo 156, inciso III, da
Lei Maior, não há como argumentar superação do entendimento
relativamente à necessidade de demonstração de um fazer para fins de
incidência tributária. Considero ter o Plenário, na oportunidade, apenas
assentado ser indispensável levar em conta, em especial nos negócios
jurídicos complexos, o conjunto de atos praticados para extrair a
essencialidade da prestação. Se existente, no núcleo da prestação, um ato
humano, um fazer, surge presente serviço, visando cobrança de ISS. Se o
negócio entabulado revelar, em essência, obrigação de dar, como no caso
do arrendamento mercantil operacional, há de excluir-se, ante a
apreciação dos citados extraordinários, a atividade do campo de
incidência tributária, por não preencher a operação os elementos
característicos do tipo serviço.
Isso explica a razão de o verbete vinculante nº 31 permanecer eficaz

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até os dias de hoje, orientando a jurisprudência deste Tribunal mesmo


após o exame dos recursos extraordinários nº 547.245 e 592.905. Justifica
também o fato de o Plenário, no julgamento do extraordinário de nº
626.706/SP, relator o ministro Gilmar Mendes, repercussão geral
reconhecida, acórdão publicado no Diário da Justiça de 23 de setembro de
2010, ter reafirmado a não incidência do Imposto Sobre Serviços na
locação de bens móveis, considerada a ausência de obrigação de fazer.
Observa-se a adoção da óptica quando da apreciação da medida
cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 4.389/DF, relator o
ministro Joaquim Barbosa, acórdão veiculado no Diário da Justiça de 24
de maio de 2011. Muito embora tenha o Relator, na oportunidade,
proposto superação do modelo civilístico, ressalte-se a orientação
assentada pelo Pleno, que, ao enfrentar o tema relativo à incidência de ISS
ou de ICMS na produção de embalagens sob encomenda para posterior
industrialização, decidiu a questão a partir do enfoque quanto à
preponderância de circulação de mercadoria, e não de um fazer voltado
ao benefício do contratante.
No âmbito das Turmas, tem-se a remissão à primazia, ou não, de um
fazer na prestação em análise, sempre que estiver em jogo a materialidade
do Imposto Sobre Serviços. Nesse sentido, cito: recurso extraordinário nº
602.295/RJ, Primeira Turma, relator o ministro Luís Roberto Barroso,
acórdão publicado no Diário da Justiça de 23 de abril de 2015; recurso
extraordinário com agravo nº 839.976/RS, Primeira Turma, relator o
ministro Luís Roberto Barroso, acórdão veiculado no Diário da Justiça de
10 de fevereiro de 2015; recurso extraordinário com agravo nº 764.452/RJ,
Segunda Turma, relatora a ministra Cármen Lúcia, acórdão publicado no
Diário da Justiça de 10 de dezembro de 2013; agravo de instrumento nº
803.296/SP, Primeira Turma, relator o ministro Dias Toffoli, acórdão
veiculado no Diário da Justiça de 7 de junho de 2013.
Como dizer então ultrapassado o entendimento? Essa, inclusive,
vem sendo a orientação balizada na doutrina ainda em nossos dias 1,
1 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel Derzi. 12. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 729. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 207. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São

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atrelando o núcleo material da condição de incidência do ISS a obrigação


de fazer. A legislação complementar, ao dispor acerca da materialidade
do imposto, deve necessariamente obedecer às balizas versadas na
própria tipologia constitucional de serviço.
Para caracterização de determinada prestação como serviço, passível
de tributação, mostra-se indispensável a presença de esforço humano, da
realização de uma obrigação de fazer, ainda que envolva, para a
execução, certas obrigações de dar. Não havendo essa nota característica,
ou sendo o fazer mero acessório no negócio jurídico entabulado, surge
impróprio enquadrar a atividade como serviço, descabendo a tributação
em virtude da incompatibilidade material com o previsto no texto
constitucional.
Com isso, não se pretende apenas interpretar a Constituição Federal
a partir do artigo 110 do Código Tributário Nacional, mas, sim, respeitar
os próprios limites de competência estabelecidos no figurino
constitucional do tributo. A Carta da República, ao definir a
materialidade de cada espécie tributária, dividindo a competência entre
os entes federados, não o faz em vão. Conforme leciona Misabel Derzi nas
notas de atualização da obra do ministro Aliomar Baleeiro:

Quando a Constituição usa um conceito, um instituto ou


forma do Direito Privado, o nome empregado denota certo
objeto, segundo a conotação que ele tem na ciência jurídica
particular, da qual se origina. A conotação completa que advém
da ciência do Direito Privado é condição prévia de
inteligibilidade e univocidade do discurso constitucional. E se
utiliza a Constituição desse sentido completo, extraído de certo
ramo jurídico, para assegurar a discriminação e delimitação de
competência, enfim o pacto federativo. Permitir ao intérprete ou

Paulo: Ed. Malheiros. 2011, p. 412. BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. 3. ed. São
Paulo: Dialética, 2009, p. 64. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e
método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 775. COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário:
Constituição e Código Tributário Nacional. 4. ed. São Paulo: Saraiva. p. 411.

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ao legislador ordinário interessado (que legisla em causa


própria) que alterasse o sentido e alcance desses institutos e
conceitos constitucionalmente empregados, seria permitir que
firmasse, sem licença da Constituição, novo pacto federativo,
nova discriminação de competência. (BALEEIRO, Aliomar.
Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel Derzi. 12. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 731)

A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance


de institutos, conceitos e formas de Direito privado, utilizados expressa
ou implicitamente pelo Diploma Maior. Caso contrário, confere-se carta
branca ao legislador ordinário para incluir na lista anexa à Lei
Complementar nº 116/2003 todo e qualquer negócio jurídico como
passível de ser tributado pelos Municípios, independentemente de estar-
se, ou não, diante de serviço.
Fixada tal premissa, cumpre analisar a natureza jurídica das
obrigações contratadas entre particulares para concluir-se pela existência,
ou não, da materialidade do Imposto Sobre Serviços, ou seja, de núcleo
que envolva um fazer.
Nesse sentido, importa destacar, para fins de delimitação da tese,
distinção das situações, tendo em vista a prestação, ou não, pela
operadora do plano de saúde, dos serviços médico e hospitalar. O
recorrente afirma serem as atividades em questão realizadas por
terceiros, incumbindo-lhe apenas a administração do plano. Não se está,
portanto, considerando os casos nos quais a administradora do plano é a
própria prestadora do serviço médico ou hospitalar, integrando o corpo
clínico o quadro funcional daquela, a revelar a submissão da atividade
desempenhada à incidência do ISS.
Rememorem a legislação de regência, a versar a natureza dos
contratos firmados entre operadoras de plano de saúde e beneficiários –
Lei nº 9.656/1998:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas


jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à

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saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica


que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação
das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação
continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a
preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a
finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à
saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais
ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não
de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a
assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga
integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada,
mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por
conta e ordem do consumidor;
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde:
pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil
ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que
opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste
artigo;
III - Carteira: o conjunto de contratos de
cobertura de custos assistenciais ou de serviços de assistência à
saúde em qualquer das modalidades de que tratam o inciso I e
o § 1º deste artigo, com todos os direitos e obrigações nele
contidos.

Da leitura dos dispositivos extrai-se que a natureza do negócio


jurídico envolve assegurar ao contratante a eventual prestação de serviço
médico.
Não há o fornecimento do serviço em si, mas, tão somente, a
garantia conferida pelo operador de que, quando o serviço médico se
fizer necessário, será proporcionado pela rede credenciada pela
operadora, ou ressarcido em proveito do usuário. Está-se diante de
contrato a garantir cobertura de eventuais despesas, no qual o contratante
do plano substitui, mediante o pagamento de mensalidade à operadora, o
risco individual por espécie de risco coletivo.

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Não se trata de contrato de natureza comutativa, em que o


desembolso financeiro realizado pelo segurado corresponda exatamente a
uma prestação. O elemento típico a reger os contratos é a aleatoriedade, a
revelar que o contratante desembolsa mensalidade sem saber ao certo se e
quando utilizará a assistência médico-hospitalar.
Essas características conduzem à conclusão de serem as atividades
desenvolvidas pelas operadoras de planos de saúde assemelhadas a
contrato de seguro, segundo versado no artigo 757 do Código Civil:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga,


mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo
do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados.

Conferindo o diploma de regência natureza securitária a tais


contratos, mostra-se indevida a incidência do Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza, uma vez que a competência constitucionalmente
prevista para tributar a materialidade é da União, consoante disciplina do
artigo 153, inciso V, da Lei Maior.
A par desse aspecto, é de destacar-se não estar-se diante de
obrigação de fazer. Conforme bem aponta o recorrente no extraordinário,
ao aderir a plano de saúde, o beneficiário contrata a cobertura quanto a
eventuais despesas decorrentes de atendimento médico, mas não o
fornecimento de determinado serviço. Este é prestado pelo médico,
laboratório e afins, e não pela operadora.
A incumbência da operadora se amolda à obrigação de dar coisa
fungível, de cobrir os custos, por meio de pagamento, sendo o serviço
executado por outrem. O interesse do contratante, a orientar a natureza
da obrigação, mostra-se claro: a cobertura de atendimento médico
prestado por terceiro, e não qualquer atividade-meio que venha a ser
desenvolvida pela operadora no decorrer da atividade-fim.
A atividade de intermediação, apontada pelo Tribunal de origem
para fins de incidência do imposto, não pode desviar a atenção do objeto
da contratação. O beneficiário do plano de saúde, ao entabular e

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formalizar o negócio jurídico, busca cobertura, pela operadora, do serviço


de assistência fornecido por médico, laboratório ou hospital conveniado.
E essa cobertura é uma obrigação de dar, de pagar.
Não se pode falar em serviço prestado. Entender de modo diverso
justifica a cobrança de Imposto Sobre Serviço no tocante a qualquer
atividade securitária, o que, como é sabença geral, não é o que ocorre.
Assim como os contratos de seguro, as atividades de plano de saúde
são caracterizadas pela aleatoriedade. Corre-se o risco de contratar um
plano e jamais utilizá-lo. Como falar então na prestação de serviço? Como
defender a existência de obrigação de fazer? Sendo tal resposta negativa,
não há como vislumbrar a efetiva realização da materialidade do Imposto
Sobre Serviços. Essa foi a óptica assentada pelo Supremo quando do
julgamento do extraordinário de nº 115.308/RJ, Primeira Turma, relator o
ministro Néri da Silveira, acórdão veiculado no Diário da Justiça de 1º de
julho de 1988:

ISS. SEGURO SAÚDE. DECRETO-LEI N. 73/1966, ARTS.


129 E 130. COBERTURA DE GASTOS DE ASSISTENCIA
MEDICA E HOSPITALAR, NOS LIMITES CONTRATUAIS, EM
PERIODO DETERMINADO, QUANDO O ASSOCIADO OS
TIVER DE EFETUAR. OS VALORES RECEBIDOS DO
ASSOCIADO NÃO SE DESTINAM A CONTRAPRESTAÇÃO
IMEDIATA POR QUALQUER SERVIÇO MEDICO
HOSPITALAR PRESTADO PELA ENTIDADE. QUEM PRESTA
OS SERVIÇOS DE ASSISTENCIA E O MEDICO OU O
HOSPITAL CREDENCIADO, SOB RESPONSABILIDADE
PROPRIA. RISCOS FUTUROS.NÃO CARACTERIZAÇÃO DA
FIGURA DO AGENCIADOR DE SERVIÇO. SITUAÇÃO DE
FATO E CLAUSULAS CONTRATUAIS DISCUTIDAS NO
ACÓRDÃO E INSUSCETIVEIS DE REEXAME EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.SUMULAS 279 E 454.NÃO
ENQUADRAMENTO EM HIPÓTESE DE INCIDENCIA DO
ISS. CONSTITUIÇÃO, ARTS. 24, II, E 21, VI. DECRETO-LEI N.
834/1969 E LISTA DE SERVIÇOS.LEI COMPLEMENTAR N. 56,
DE 15.12.1987, E A NOVA LISTA DE SERVIÇOS, ONDE SE

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RE 651703 / PR

INCLUEM, NO ITEM 6, COMO SUJEITOS AO ISS, OS


SERVIÇOS DE 'PLANOS DE SAÚDE,PRESTADOS POR
EMPRESA QUE NÃO ESTEJA INCLUIDA NO ITEM 5 DESTA
LISTA E QUE CUMPRAM ATRAVÉS DE SERVIÇOS
PRESTADOS POR TERCEIROS, CONTRATADOS PELA
EMPRESA OU APENAS PAGOS POR ESTA, MEDIANTE
INDICAÇÃO DO BENEFICIARIO DO PLANO'. NÃO
APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO DA LEI
COMPLEMENTAR N. 56/1987. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
NÃO CONHECIDO.

Ante o quadro, divirjo do voto proferido pelo relator, ministro Luiz


Fux, para dar provimento ao extraordinário do contribuinte, fixando tese
no sentido de não incidir Imposto Sobre Serviços consideradas as
atividades desenvolvidas pelas operadoras de plano de saúde na
intermediação entre o usuário e os profissionais de saúde, ante a
inexistência de obrigação de fazer – a prestação de serviço médico ou
hospitalar.

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Antecipação ao Voto

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29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhora Presidente,


eminente Ministro-Relator Luiz Fux, eminente Ministro Marco Aurélio
que acaba de produzir acutíssimo voto-vista, eminentes Pares.
O tema aqui já foi afastado da discussão em relação à base de
cálculo, já que o Recorrente obteve sucesso nessa parte e traz ao Tribunal
a discussão da constitucionalidade ou não desses itens que estão na lista
anexa à Lei complementar.
Percebe-se que o Ministro-Relator concluiu afirmativamente e, por
isso, não deu provimento ao recurso extraordinário. O ilustre Ministro
Marco Aurélio, em sentido diverso, acaba, portanto, por concluir
agasalhando a pretensão do Recorrente.
Juntarei uma declaração de voto, Senhora Presidente, nela procuro
explicitar a controvérsia que agora reposiciona o tema e - o voto-vista do
eminente Ministro Marco Aurélio - leva em conta o sentido e o alcance do
inciso III do artigo 153 quando se refere a "serviço de qualquer natureza".
Se deixar de fora desta expressão a atividade levada a efeito pelo Plano de
Saúde, temos uma hipótese de não incidência dessa forma tributária. E,
neste caso, incidiria, nessa atividade, a rigor, apenas o Imposto sobre a
Renda e a Contribuição sobre o Lucro Líquido. A questão está em saber se
essa atividade está ou não subsumida a esse conceito constitucional de
serviço.
O debate é relevante, importante, e, obviamente, não deixo de
enaltecer a argumentação que acabo de haurir do eminente Ministro-
Vistor, mas, do exame que fiz, levei em conta , na compreensão elastecida
deste Supremo Tribunal Federal, nesta atividade também está embutido o
conceito de serviço. Este elastério já foi dado aqui, neste Tribunal, ao
julgamento do Recurso Extraordinário 547.245, Relator o então eminente

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

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RE 651703 / PR

Ministro Eros Grau, julgamento em 2 de dezembro de 2009, quando se


reportou ao leasing, fazendo referência, naquela hipótese também, à
presença de serviço.
Portanto, peço todas as vênias ao Ministro Marco Aurélio, que
sustenta posição em sentido diverso, mas acolho a percepção que, na
doutrina, encontrei em Marçal Justen Filho, que trata "O Imposto sobre
Serviços na Constituição", também em doutrina abalizada do saudoso ex-
Ministro desta Corte, Aliomar Baleeiro - e outros autores que aqui cito -,
para concluir que o núcleo do contrato entre operadora de planos de
saúde e seus clientes é a disponibilidade de usuário contratante de uma
rede credenciada e a garantia da cobertura dos infortúnios previstos no
contrato.
Parece-me, com todas vênias ao sentido diverso, que não se subsume
a noção de seguro, já que a hipótese de sinistro configura outra fattispecie,
e, por essas razões, as demais que constam neste voto, e por tudo aquilo
que o eminente Ministro-Relator já salientou, peço vênia à divergência
para acompanhar o eminente Relator.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Cuida-se de Recurso


Extraordinário afetado à sistemática da repercussão geral, em que se
discute a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza –
ISSQN sobre a atividade de administração de planos de saúde.
O Hospital Marechal Cândido Rondon Ltda., ora Recorrente, aduz
exercer uma atividade qualificada como “obrigação de dar”, mais
precisamente uma “obrigação de pagar”, na medida em que os
contratantes estão interessados apenas na efetiva cobertura dos serviços
de profissionais da saúde conveniados ao plano e no reembolso de
eventuais expensas manejadas pelos clientes, conforme previsão
contratual.
Diz, a propósito, que o contrato firmado entre as operadoras de
plano de saúde e os clientes não tem natureza comutativa – já que a
contraprestação devida pelas operadoras aos usuários do plano de saúde
não é equivalente à prestação por esses efetuada – mas, sim, aleatória,
pois o usuário pode nunca vir a se valer dos serviços de assistência à
saúde cujo pagamento é acobertado pelo contrato. Nesse contexto, sua
atividade assemelhar-se-ia à de seguro e, portanto, suscitaria a incidência
do Imposto Sobre Operações Financeiras – IOF, não sobre serviços.
Em razão desses argumentos, sustenta a inconstitucionalidade da
cobrança, pois a lei municipal instituidora do tributo teria violado o
artigo 156, III, da Constituição Federal, que prevê a incidência do ISSQN
apenas sobre atividades qualificadas como serviço.
O fisco municipal, por seu turno, sustenta em suas contrarrazões a
constitucionalidade do tributo, primeiramente, porque instituído dentro
da área de competência atribuída ao Município pelo artigo 156, III, da
Constituição Federal, e, em segundo lugar, porque a atividade de
prestação de serviços por operadoras de planos de saúde é uma
“obrigação de fazer” e se encontra expressamente listada no Anexo à Lei
Complementar 116/2003, nos itens 4.22 e 4.23, lei federal que dispõe sobre
o imposto em debate.

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RE 651703 / PR

A AGU e a PGR manifestaram-se pela constitucionalidade da exação


e pelo desprovimento do extraordinário.
É o relatório.
Após analisar detidamente a causa, as alegações das partes e dos
amici curiae admitidos, trago aos pares a conclusão a que cheguei, no
sentido da constitucionalidade da cobrança do tributo em debate em
relação às atividades desempenhadas pelas operadoras de planos de
saúde e, portanto, pelo desprovimento do recurso extraordinário, e o faço
pelas razões que exponho a seguir.
O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza encontra previsão
constitucional no inciso III do artigo 156, sendo de competência do
Município a sua instituição. Nada obstante a regra de competência para
instituição do tributo, o Município está vinculado a uma norma de caráter
geral, a qual traz em seu bojo os serviços tributáveis. Essa norma é a Lei
Complementar Federal 116, de 2003, editada nos termos do art. 146, III,
combinado com art. 146, I, a qual embora não defina o que é prestação de
serviços traz em sua lista anexa os serviços sobre os quais incidirá o ISS,
dentre eles, nos itens 4.22 e 4.23, os “planos de medicina de grupo ou
individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar,
odontológica e congêneres” e “outros planos de saúde que se cumpram através de
serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo
operador do plano mediante indicação do beneficiário”, respectivamente.
O ISS incide sobre a prestação de serviços, sendo esse o núcleo da
regra-matriz do tributo, o critério material. A incidência, contudo, não se
dá sobre toda e qualquer prestação de serviços, mas, sim, “diante da
prestação de esforço (físico-intelectual) produtor de utilidade (material ou
imaterial) de qualquer natureza, efetuada sob regime de Direito Privado, que não
caracterize relação empregatícia” (Marçal Justen Filho, in O ISS na
Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 80).
Para Aliomar Baleeiro, as características da hipótese de incidência do
tributo são: a) a prestação de serviços deve configurar uma utilidade,
como uma obrigação de fazer; b) deve ser prestada a terceiros, ou seja,
estão excluídos os serviços que uma pessoa executa em seu próprio

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RE 651703 / PR

benefício; c) deve ser executada sem vínculo de subordinação jurídica,


mas em caráter independente, excluindo-se, portanto, os serviços
prestados pelos empregados a seus empregadores; d) ser objeto de
circulação econômica, excluindo-se os serviços gratuitos ou de cortesia; e
que seja prestada em regime de direito privado (in Direito Tributário
Brasileiro. Atualização de Misabel Abreu Machado Derzi. 12ª edição. Rio
de Janeiro: Forense, 2013, p. 729).
Assenta o renomado autor, ex-ministro desta Corte, ainda, que, “em
linhas gerais, o fato gerador do ISSQN enquadra-se dentro do conceito de
serviço, prestado com autonomia”, e preclara que “a doutrina nacional, em sua
configuração técnica mais adequada, tem identificado o núcleo material da
hipótese de incidência do ISSQN – a prestação de serviços – às obrigações de
fazer, em sentido lato, que preencham aqueles requisitos suprareferidos, sem
restringi-la aos contratos específicos de serviços, disciplinados pelo Código Civil
nos arts. 593 a 609, como contratos típicos inconfundíveis com outros” (idem, p.
728).
Segundo Marçal Justen Filho, a materialidade do ISS não consiste na
mera contratação de uma prestação de serviço e, como regra, não basta
nem um mero contrato nem o dever jurídico de prestar um serviço,
porquanto a materialidade está na atividade de um sujeito configurável
como prestação de serviço.
Nessa linha de compreensão doutrinária, não apenas os contratos
cuja obrigação de fazer está claramente especificada e identificada
imediatamente ou que se enquadrem na definição do artigo 594 do
Código Civil, mas também outros tipos contratos escondem uma
prestação de serviços especial, como é o caso, ao meu ver, dos contratos
de prestação de serviços de saúde.
No caso, tanto a atividade-meio quanto a atividade-fim são
obrigações de fazer: as operadoras de planos de saúde, como bem
salientou a Procuradoria-Geral da República, tem obrigação fornecer os
serviços dispostos na cobertura contratual, a serem realizadas por
terceiros, mediante o pagamento de mensalidades. Salienta, ademais, que
o fato gerador da obrigação tributária não se realiza com o serviço

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prestado pelo terceiro (médicos, clínicas ou hospitais), mas com a


administração do plano realizada pela própria operadora, serviço sobre
qual deve incidir o ISS.
Não há, como assevera a Recorrente e os amici curiae que a
sucederam em suas manifestações, uma obrigação de dar, pois não
entregam um bem ou uma coisa aos usuários. A obrigação de dar se dá
entre a operadora do plano de saúde e os médicos, clínicas e hospitais a
ela credenciados, no momento da restituição ou reembolso das despesas
que estes tiveram no atendimento dos clientes a ela vinculados. Assim, o
núcleo do contrato entre a operadora de planos de saúde e os seus
clientes é a disponibilidade, ao usuário contratante, da rede
credenciada e a garantia da cobertura dos infortúnios previstos no
contrato, e não uma prestação de dar. E essa atividade de
disponibilização da rede de atendimento é serviço, sobre o qual pode
incidir o ISS.
Ademais, o artigo 1º, inciso I, da Lei 9.656/98, expressamente define
o plano privado de assistência à saúde como uma “prestação continuada de
serviços ou coberturas de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por
prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a
assistência à saúde (...), a ser paga integral ou parcialmente às expensas da
operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por
conta e ordem do consumidor”.
Assim, diante da expressa previsão em lei complementar e dos
argumentos acima expendidos, não há como excluir a atividade da
Recorrente do conceito de prestação de serviço para fins de incidência do
ISS.
Reproduzo, por oportuno, o quanto assentado pelo Tribunal de
origem (fl. 389):
“Com efeito, numa observação concisa da relação formada
em função de um plano de saúde, figuram três partes: o
usuário, a administradora dos planos e os profissionais
conveniados (médicos, laboratórios, hospitais, clínicas, etc).
O usuário teria, em tese, duas opções na necessidade de se
utilizar de um serviço de saúde: procurar diretamente o serviço

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de um médico, pagando a ele pelos serviços prestados, ou se


utilizar do plano de saúde, quando a operadora ficará
encarregada de cobrir as despesas realizadas.
Nesse panorama, é inevitável a associação entre o serviço
da operadora dos planos de saíde com a atividade de
intermediação entre os usuários e os profissionais, certo que a
atuação do apelante não se limita a pagar o valor da consulta,
da intervenção cirúrgica, mas engloba todo um planejamento e
negociação que viabilizem a cobertura das despesas realizadas
pelos seus filiados.
O serviço está justamente aí: em contraprestação ao
pagamento de mensalidades, a operadora se encarrega da
função de elaborar sistema pelo qual o usuário utilize
atendimento médico sem que precise pagar diretamente por
esse específico serviço, que será custeado pelo fundo formado
pelas contribuições dos usuários”.

Na mesma esteira, o STJ possui entendimento já sedimentado no


sentido de que a “atividade de Planos de medicina de grupo ou individual e
convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e
congêneres e outros planos de saúde que se cumprem através de serviços de
terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do
plano, mediante indicação do beneficiário é fato gerador do Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN” (itens 4.22 e 4.23 da Lista de
Serviços Anexa à LC 116/2003) (REsp nº 1.108.861/PB, Rel. Min. ELIANA
CALMON, DJe de 08/09/2009).
A interpretação mais ampla do conceito de serviços contida no Texto
Constitucional foi assentada pelo STF quando do julgamento do RE
547.245, em que se discutiu a incidência de ISS sobre os contratos de
leasing:

“O arrendamento mercantil compreende três


modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e
[iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos
outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é

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serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do art. 156 da


Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é
serviço para os efeitos do inciso III do art. 156 da Constituição.
No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato
autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não
uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o
ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma
compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back.”
(RE 547.245, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-12-2009,
Plenário, DJE de 5-3-2010.)

No mesmo sentido: RE 592.905, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em


02.12.2009, Plenário, DJE de 05.03.2010, com repercussão geral.
Afasto, igualmente, o argumento da Recorrente segundo o qual o
contrato em questão configuraria uma espécie de seguro, a atrair a
cobrança do imposto previsto no art. 153, V, da Constituição Federal,
incidente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a
títulos e valores mobiliários, e excluir a possibilidade de o Município
exigir o imposto municipal sobre essa operação.
Ora, as operadoras de plano de saúde não realizam operação de
crédito, pois não emprestam dinheiro aos contratantes ou financiam
capital fixou ou de giro. De igual e evidente modo, não realizam operação
de câmbio, pois não negociam moeda estrangeira com seus clientes.
Também não pagam indenização em caso de sinistro e, portanto, a
administração de planos de saúde não executa atividade relacionada ao
seguro. Nesse contexto, não se enquadrando nas hipóteses taxativas
previstas no CTN (art. 63), não há falar-se em incidência de IOF nas
atividades realizadas pelas operadoras de planos de saúde.
Assento que não se está a superar o quanto decidido pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento do RE 115.308-3/RJ, em 17.05.1988, no
qual assentou-se a impossibilidade de cobrança de ISS sobre seguro
saúde. Na ocasião, a ementa foi assim redigida:

“ISS. SEGURO SAÚDE. DECRETO-LEI N. 73/1966, ARTS.


129 E 130. COBERTURA DE GASTOS DE ASSISTENCIA

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RE 651703 / PR

MEDICA E HOSPITALAR, NOS LIMITES CONTRATUAIS, EM


PERIODO DETERMINADO, QUANDO O ASSOCIADO OS
TIVER DE EFETUAR. OS VALORES RECEBIDOS DO
ASSOCIADO NÃO SE DESTINAM A CONTRAPRESTAÇÃO
IMEDIATA POR QUALQUER SERVIÇO MEDICO
HOSPITALAR PRESTADO PELA ENTIDADE. QUEM PRESTA
OS SERVIÇOS DE ASSISTENCIA E O MEDICO OU O
HOSPITAL CREDENCIADO, SOB RESPONSABILIDADE
PROPRIA. RISCOS FUTUROS.NÃO CARACTERIZAÇÃO DA
FIGURA DO AGENCIADOR DE SERVIÇO. SITUAÇÃO DE
FATO E CLAUSULAS CONTRATUAIS DISCUTIDAS NO
ACÓRDÃO E INSUSCETIVEIS DE REEXAME EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.SUMULAS 279 E 454.NÃO
ENQUADRAMENTO EM HIPÓTESE DE INCIDENCIA DO
ISS. CONSTITUIÇÃO, ARTS. 24, II, E 21, VI. DECRETO-LEI N.
834/1969 E LISTA DE SERVIÇOS.LEI COMPLEMENTAR N. 56,
DE 15.12.1987, E A NOVA LISTA DE SERVIÇOS, ONDE SE
INCLUEM, NO ITEM 6, COMO SUJEITOS AO ISS, OS
SERVIÇOS DE 'PLANOS DE SAÚDE,PRESTADOS POR
EMPRESA QUE NÃO ESTEJA INCLUIDA NO ITEM 5 DESTA
LISTA E QUE CUMPRAM ATRAVÉS DE SERVIÇOS
PRESTADOS POR TERCEIROS, CONTRATADOS PELA
EMPRESA OU APENAS PAGOS POR ESTA, MEDIANTE
INDICAÇÃO DO BENEFICIARIO DO PLANO'. NÃO
APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO DA LEI
COMPLEMENTAR N. 56/1987. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
NÃO CONHECIDO.” (RE 115.308, Rel. Min. NÉRI DA
SILVEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/1988, DJ 01-
07-1988 PP-16910 EMENT VOL-01508-09 PP-01988)

Em que pese a ementa traga em sua redação um possível


entendimento do STF sobre o tema, no voto do Ministro Relator Néri da
Silveira extrai-se que a Corte não analisou os aspectos fáticos da
controvérsia diante do óbice da Súmula 279. Tais aspectos seriam
justamente relativos à natureza jurídica do contrato realizado entre a
operadora e os clientes. Assentou-se, também, não caber à Corte examinar

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RE 651703 / PR

“se o acórdão teria afastado, indevidamente, a atividade da recorrida do


âmbito do item 67 do art. 47, da Lei 206/1980, do Município recorrente,
em face do disposto na Súmula 280”.
Ademais, o precedente tratava dos “seguros-saúde” então previstos,
dotados de distintas características em relação aos “planos de saúde” em
debate, cujas operadoras realizam atividade tipificadas como serviço.
Nesse contexto, concluo pela incidência do ISSQN sobre as
atividades realizadas pelas operadoras de planos de saúde, razão pela
qual acompanho o relator, para negar provimento ao recurso
extraordinário.
É como voto.

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Antecipação ao Voto

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29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Senhora


Presidente, também cumprimento o eminente Ministro Marco Aurélio,
cuja divergência ouvi com interesse e atenção, quero dizer que eu já havia
estudado a matéria para a assentada anterior e, na minuta do meu voto,
havia concluído com a seguinte tese:
"(...) As atividades desempenhadas pelas operadoras de planos de
saúde e de seguro saúde constituem prestação de serviço, estando sujeitas
à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, nos termos
do art. 156, III, da Constituição Federal".
Penso que essa seja exatamente a mesma conclusão a que chegou o
eminente Relator. De modo que o acompanho.

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29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. NATUREZA
DAS ATIVIDADES DESEMPENHADAS PELAS
OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE. CONCEITO DE
SERVIÇO. ISSQN. INCIDÊNCIA.
1. A regra de competência do ISSQN, estampada no art.
156, III, da Constituição, estabelece como materialidade
econômica apta a dar ensejo a sua instituição as atividades
econômicas que representem serviços de qualquer natureza,
nos termos definidos em lei complementar e desde que não
compreendidos no art. 155, II, CF/1988.
2. Na linha dos julgados mais recentes sobre o tema, penso
que o conceito de serviço para os fins do art. 156, III, da
Constituição não deve ser entendido exclusivamente à luz da
legislação de direito civil, muito menos como mera obrigação
de fazer em contraposição a uma obrigação de dar. Dois
motivos embasam essa conclusão.
3. Em primeiro lugar, a amplitude semântica do termo
“qualquer natureza” denota a intenção do constituinte de incluir
todas as atividades empresariais cujos produtos tenham
características semelhantes a serviços e que não estejam
englobadas no conceito de serviço de comunicação e serviço de
transporte interestadual ou intermunicipal (tributáveis pelo
ICMS, nos termos do art. 155, II, CF/88) ou serviços financeiros
e securitários (tributáveis pelo IOF, nos termos do art. 153, V,
CF/88).
4. Em segundo lugar, o perfil constitucional do conceito de
serviço é necessariamente intermediado por uma definição
legal, conferida pela Lei Complementar nº 116/2003, que inclui:
(a) atividades tradicionalmente entendidas como prestação de
serviços; (b) atividades que passam à categoria de serviço para
fins de incidência do tributo, pois, caso contrário, ficariam

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RE 651703 / PR

imunes de qualquer incidência; e (c) operações mistas, em que


se afirma a prevalência do serviço para fins de tributação.
5. Não há como interpretar a regra de competência do
ISSQN de maneira a conduzir a resultado tão restritivo, uma
vez que tanto a Constituição quanto a Lei Complementar nº
116/2003 buscaram englobar todas as complexas relações
econômicas atualmente existentes no mercado, com a manifesta
intenção de impedir que determinadas atividades
simplesmente ficassem imunes a qualquer tipo de tributação.
6. As seguradoras de saúde desenvolvem atividades com
nítida conotação de serviço, mas que também incluem uma
obrigação de dar, são elas: (i) a intermediação entre os usuários
e os profissionais de saúde; (ii) planejamento e negociação de
convênios com credenciados para disponibilizar a prestação de
serviços de assistência médica e odontológica; (iii)
administração necessária à cobertura das despesas médicas dos
usuários; (iv) garantia de cobertura de serviços de saúde; e (v)
reembolso de despesas médicas, nos termos definidos em
contrato. Todas as atividades mencionadas estão incluídas no
conceito abrangente de serviço definido pelo constituinte e
listado pelo legislador complementar.
7. Recurso a que se nega provimento, com a fixação da
seguinte tese: “As atividades desempenhadas pelas operadoras
de planos de saúde e de seguro-saúde constituem prestação de
serviço, sendo sujeitas à incidência do Imposto Sobre Serviços
de Qualquer Natureza, nos termos do art. 156, III, da
Constituição”.

1. Trata-se de recurso extraordinário, interposto


pelo Hospital Marechal Cândido Rondon Ltda., com fundamento no art.
102, III, a e c, da Constituição, em face de acórdão do Tribunal de Justiça
do Paraná, que determinou a incidência do Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISS) sobre as atividades desenvolvidas por
operadoras de planos de saúde. Confira-se a ementa do julgado:

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“DIREITO TRIBUTÁRIO – MANDADO DE


SEGURANÇA PREVENTIVO – ISS – OPERADORA DE
PLANOS DE SAÚDE – INCIDÊNCIA PREVISTA NA LEI
COMPLEMENTAR 116/03 (ITENS 4.22 E 4.23 DA LISTA
ANEXA) – NÃO EVIDÊNCIA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI – AUSÊNCIA DE
DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NÃO-TRIBUTAÇÃO –
CARACTERIZAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER –
ATIVIDADE QUE CONSTITUI PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.

BASE DE CÁLCULO – TOTALIDADE DAS RECEITAS


ORIUNDAS DO PAGAMENTO DAS MENSALIDADES – LEI
MUNICIPAL QUE AFRONTA LEI DE ÂMBITO NACIONAL –
CONCEITO DE PREÇO DO SERVIÇO – INCIDÊNCIA
ADMITIDA SOMENTE SOBRE A DIFERENÇA ENTRE A
TOTALIDADE DE RECEITAS OBTIDAS PELOS
PAGAMENTOS DAS MENSALIDADES E OS VALORES
REPASSADOS A TERCEIROS A TÍTULO DE COBERTURA OU
REEMBOLSO DE GASTOS – RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.

1. Prevista em lei complementar cuja inconstitucionali-


dade não está evidenciada, é possível a incidência de ISS sobre
a atividade de administração de planos de saúde.
2. A atividade de administração de planos de saúde não se
resume a repasses de valores aos profissionais conveniados,
mas configura real obrigação de fazer em relação aos seus
usuários, não podendo se negar a existência de prestação de
serviço.
3. ‘A base de cálculo do ISS incidente sobre as operações
decorrentes de contrato de seguro-saúde não abrange o valor
bruto entregue à empresa que intermedeia a transação, mas,
sim, a comissão, vale dizer, a receita auferida sobre a diferença
entre o valor recebido pelo contratante e o que é repassado para
os terceiros efetivamente prestados dos serviços’ (EDcl no REsp
227.293/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro

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RE 651703 / PR

Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 09.08.2005, DJ


19.09.2005)”.

2. A questão constitucional em debate no presente


recurso extraordinário refere-se à incidência do Imposto Sobre Serviços
de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre as atividades desenvolvidas pelas
operadoras de plano de saúde, à luz do conceito de prestação de serviços,
disposto no art. 156, III, da Constituição, e da definição de operação de
seguro, inscrita no art. 153, V, da Constituição. Trata-se de saber se as
atividades desempenhadas pelas seguradoras de saúde possuem
natureza securitária, consistente em uma obrigação de dar, ou de
prestação de serviço, correspondente a uma obrigação de fazer. Eis o
inteiro teor referidos dispositivos constitucionais:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:


(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no
art. 155, II, definidos em lei complementar.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


(...)
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a
títulos ou valores mobiliários;

3. Ou seja, discute-se, em última análise, a constitucionalidade dos


itens 4.22 e 4.23 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, que
expressamente prevê a incidência do tributo sobre serviços de saúde,
assistência médica e congêneres. O item 4.22 determina a incidência do
ISS sobre “Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para
prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres”. Em
sentido semelhante, o item 4.23 dispõe que o tributo incide sobre “Outros
planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados,

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credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante


indicação do beneficiário”.

4. O art. 156, III, da Constituição define como


materialidade econômica apta a ensejar a instituição válida ISS as
atividades que representem serviços de qualquer natureza, nos termos
definidos em lei complementar e desde que não compreendidos no art.
155, II, CF/88 (i.e.: serviços de transporte interestadual e intermunicipal e
de comunicação). A interpretação do termo serviços tem sido objeto de
intenso debate no âmbito da doutrina e da jurisprudência desta Corte. No
presente caso, a definição dos contornos jurídicos do termo é essencial
para que se verifique a incidência ou não do tributo nas atividades
desenvolvidas pelas operadoras de plano de saúde.

5. Na linha dos julgados mais recentes sobre o


tema1, penso que o conceito de serviço para os fins do art. 156, III, da

1 Confira-se a ementa dos seguintes julgados: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING
FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento
mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e
[iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei
complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do
artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os
efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing
financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma
prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando
irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back.
Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 592905, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros
Grau, j. em 02.12.2009)”; “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE
IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE
OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS DE
COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL.
PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA PARA POSTERIOR
INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS). AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME

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Constituição, não deve ser entendido exclusivamente à luz da legislação


de direito civil, muito menos como mera obrigação de fazer em
contraposição a uma obrigação de dar, como pretende o recorrente. Em
verdade, o conceito de serviço disposto na Constituição é mais amplo do
que o descrito na legislação civil e busca abranger as múltiplas e
complexas atividades econômicas existentes no mercado. Isso ocorre em
razão de dois motivos.
6. Em primeiro lugar, o texto constitucional delimita como fato
gerador do tributo “serviços de qualquer natureza”. Há, portanto, uma clara
intenção de inserir uma ampla gama de serviços, levando à necessária
extensão da competência tributária. A amplitude semântica do termo
“qualquer natureza” parece denotar a intenção do constituinte de incluir
todas as atividades empresariais cujos produtos tenham características
semelhantes a serviços e que não estejam englobadas no conceito de
serviço de comunicação e serviço de transporte interestadual ou
intermunicipal (tributáveis pelo ICMS, nos termos do art. 155, II, CF/88)
ou serviços financeiros e securitários (tributáveis pelo IOF, nos termos do
art. 153, V, CF/88). Em outras palavras, excetuando as atividades em que o
constituinte determinou a incidência de ICMS ou IOF, todas as demais
que envolvam a prestação de uma utilidade com elementos de um serviço
devem ser tributadas pelo ISS.

7. Em segundo lugar, o perfil constitucional do conceito de


serviço é necessariamente intermediado por uma definição legal. Vale
dizer: a Constituição determinou que os contornos jurídicos do serviço de

AO O ART. 1º, CAPUT E § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 116/2003 E O SUBITEM 13.05 DA


LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. FIXAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ICMS E NÃO DO ISS.
MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Até o julgamento final e com eficácia apenas para o
futuro (ex nunc), concede-se medida cautelar para interpretar o art. 1º, caput e § 2º, da Lei
Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o
ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens,
destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou
de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o
ICMS” (ADI MC 4389, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 13.04.2011).

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qualquer natureza deveriam ser delimitados por lei complementar


específica. Ao definir o conceito de serviço, a Lei Complementar nº
116/2003 inclui em sua lista: (i) atividades tradicionalmente entendidas
como prestação de serviços (e.g.: assessoria, consultoria, planejamento,
guarda e vigilância); (ii) atividades que passam a categoria de serviço
para fins de incidência do tributo, pois, caso contrário, ficariam imunes
de qualquer tributo; e (iii) operações mistas, em que se afirma a
prevalência do serviço para fins de tributação (e.g.: reparação,
conservação e reforma de edifícios; execução de empreitada e
subempreitada; conserto, reparo e manutenção e máquinas, veículos e
equipamentos).

8. Portanto, em razão desses dois motivos, não há


como interpretar a regra de competência do ISSQN de maneira a
conduzir a resultado tão restritivo quanto o que pretende o recorrente,
por meio de uma mera dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de
dar. Fica evidente que a definição de serviço disposta na Constituição
buscou englobar todas as complexas relações econômicas atualmente
existentes no mercado, de modo a impedir que determinadas atividades
simplesmente ficassem imunes a qualquer tipo de tributação.
9. Esse é exatamente o caso das atividades
desempenhadas pelas operadoras de planos de saúde. Conforme
destacado na decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, as seguradoras de
saúde desenvolvem atividades com nítida conotação de serviço, mas que
também possuem uma obrigação de dar, tais como: (i) a intermediação
entre os usuários e os profissionais de saúde; (ii) planejamento e
negociação de convênios com credenciados para disponibilizar a
prestação de serviços de assistência médica e odontológica; (iii)
administração necessária à cobertura das despesas médicas dos usuários;
(iv) garantia de cobertura de serviços de saúde; e (v) reembolso de
despesas médicas, nos termos definidos em contrato. As atividades
mencionadas englobam tanto uma obrigação de fazer como uma
obrigação de dar e, portanto, estão incluídas no conceito abrangente de

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serviço definido pelo constituinte e listado pelo legislador complementar.


10. Ademais, além da inclusão no conceito de prestação
de serviço para os fins do art. 156, III, da Constituição, não há de se falar
em natureza securitária dos serviços prestados pelas operadoras de plano
de saúde. Nas atividades desenvolvidas pelos planos de saúde não há
propriamente uma “garantia” a ser assegurada ao usuário mediante o
pagamento de um prêmio. Há apenas a certeza da prestação de serviços
de saúde nos moldes delimitados pelo contrato. Isto é: a garantia definida
no ajuste celebrado entre contratante e o plano de saúde diz respeito
apenas à prestação de uma utilidade, qual seja o fornecimento do serviço
de assistência médica por um dos profissionais credenciados pela
operadora. Trata-se, portanto, de uma prestação de serviço, não
propriamente de um seguro.
11. Nesse contexto, penso que não assiste razão à
recorrente. As operadoras de plano de saúde e de seguro-saúde devem
estar sujeitas ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
Permanecem válidos os itens 4.22 e 4.23 da lista anexa à Lei
Complementar nº 116/2003, que determinam a incidência do tributo sobre
planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de
assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres, além de outros
planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros
contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do
plano mediante indicação do beneficiário.
12. Em relação à base de cálculo do tributo, não
considero que haja uma questão constitucional a ser dirimida por esta
Corte. Inclusive, no reconhecimento da repercussão geral da matéria, o
Min. Luiz Fux assentou que a questão constitucional a ser debatida no
presente caso seria a incidência ou não do tributo para as atividades
desempenhadas pelas operadoras de planos de saúde. A base de cálculo,
em si, é uma matéria reservada à legislação infraconstitucional e
delineada nos termos do art. 7º da Lei Complementar nº 116/20032.

2 Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

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13. Apesar disso, em obter dictum, penso que a correta


definição da base de cálculo no presente caso não deve ser a receita
auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o que
é repassado para os terceiros efetivamente prestados dos serviços,
conforme decidido no acórdão impugnado. Divirjo do entendimento
exposto na decisão impugnada por uma singela razão: o art. 7º da Lei
Complementar nº 116/2003 determinou que a base de cálculo do imposto
é o preço do serviço. No presente caso, o preço do serviço corresponde à
mensalidade paga pelo usuário do plano de saúde como contraprestação
pela oferta de diversos profissionais de saúde na rede credenciada. O
preço do serviço, portanto, não se refere à receita auferida pelas
operadoras de planos de saúde e calculada na diferença entre o valor
pago pelos usuários e o que repassado aos prestadores de serviço, mas
sim ao montante efetivamente pago pelo próprio contratante do serviço.
14. Ainda que não haja uma questão eminentemente
constitucional a ser decidida, entendo que a correta interpretação do
termo “preço do serviço” do art. 7º da Lei Complementar nº 116/2003
levaria à conclusão de que a base de cálculo do tributo refere-se ao
montante devidamente estabelecido em contrato e pago pelo consumidor
à operadora de planos de saúde.
15. Por todo o exposto, acompanho o voto do relator,
no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário, fixando a
seguinte tese: “As atividades desempenhadas pelas operadoras de planos de
saúde e de seguro-saúde constituem prestação de serviço, sendo sujeitas à
incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, nos termos do art.
156, III, da Constituição”.

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Voto - MIN. TEORI ZAVASCKI

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29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhora Presidente,


o acórdão recorrido, para chegar às suas conclusões, invoca um
precedente do STJ, da Primeira Turma, no qual eu tive a oportunidade de
apresentar um voto-vista, ao qual me reporto para acompanhar também o
Relator, com as vênias do Ministro Marco Aurélio.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

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29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhora Presidente,


peço vênia ao eminente Ministro Marco Aurélio e acompanho o voto do
Relator, inclusive quando assenta a tese de que as operadores de plano de
saúde, de seguro saúde, realizam prestação de serviços sujeita ao Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza, previsto no art. 156, III, da
Constituição da República, na linha da compreensão alargada do
Supremo quanto a esse conceito.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 88

29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhora Presidente, também peço vênia ao eminente Ministro Marco
Aurélio, que trouxe – como sempre - um belíssimo voto, coerente com a
premissa da qual parte Sua Excelência. Mas compartilho da compreensão
divergente.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 84 de 88

29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhora


Presidente, queria também cumprimentar o Ministro Marco Aurélio, que
nos brinda com um voto extremamente substancioso e nos ajuda a refletir
sobre os temas em discussão.
Mas, desde a prolação do voto do eminente Ministro Luiz Fux,
firmei convicção no sentido de que o ISS tem como fundamento o
disposto no artigo 156, III, da Constituição Federal, que faz referência
expressa a serviços de qualquer natureza e remete a disciplina à
legislação complementar.
Veio, então, a Lei Complementar nº 116/2003, estabelecendo que esse
imposto tem como fato gerador a prestação, por pessoa física ou jurídica,
de qualquer dos serviços abrangidos no rol de hipóteses de incidência
que ela individualiza. E, nessa lista se situam exatamente o serviço de
medicina, biomedicina, análises clínicas, patologia, eletricidade médica,
radioterapia, quimioterapia, ultrassonografia, ressonância magnética,
radiológica, tomografia e congêneres. Além disso, hospitais, clínicas,
laboratórios, sanatórios, manicômios, casas de saúde, pronto-socorros,
ambulatórios e congêneres. E abrange também essa lista os planos de
medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de
assistência médica hospitalar, odontológica e congêneres. Isso está no
artigo 1º, itens 4.01, 4.02, 4.03 e 4.22 da lista de serviços anexa à Lei
Complementar 116/2003.
Então, assim como já foi dito agora pelo eminente Ministro Luiz
Fachin, penso que os plano de saúde se destinam a prestar um serviço a
seus clientes, que consiste exatamente na intermediação dos serviços
médicos prestados por terceiros, e esse serviço constitui a base de cálculo
do tributo.
É conveniente esclarecer, embora o Ministro Fachin traga agora a
notícia de que essa questão parece ter sido resolvida, que, tratando-se de

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 85 de 88

RE 651703 / PR

operadora de plano de saúde, imagino que devem ser excluídos, da base


de cálculo do ISS, os valores concernentes aos serviços prestados pelos
terceiros credenciados - médicos, hospitais, clínicas, etc. -, sob pena de
violação ao princípio ne bis in idem.
Portanto, o serviço prestado pelos planos de saúde pode ser bem
caracterizado, bem identificado, não se confundindo com aquele prestado
pelos terceiros, pois são simples intermediadores.
Pedindo vênia ao Ministro Marco Aurélio, acompanho o Relator.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 86 de 88

29/09/2016 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703 P ARANÁ

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Também peço vênia ao Ministro Marco Aurélio para acompanhar o
Relator.
Conforme enfatizado no voto do Ministro Luiz Fux, o artigo 156, III,
da Constituição e, na sua sequência, o artigo 1º da Lei Complementar nº
116/2003, dispõe sobre serviços de qualquer natureza. E, como também
acaba de lembrar o Ministro Ricardo Lewandowski, está elencado
expressamente no artigo 1º, nos itens 4.22 e 4.23:
"4 – Serviços de saúde, assistência médica e congêneres.
(...)
4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para
prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres.
4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços
de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo
operador do plano mediante indicação do beneficiário."

Por essa razão, parece-me perfeitamente caracterizada e, com a


devida vênia da compreensão em contrário, nego provimento ao recurso.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 29/09/2016

Inteiro Teor do Acórdão - Página 87 de 88

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 651.703


PROCED. : PARANÁ
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
RECTE.(S) : HOSPITAL MARECHAL CÂNDIDO RONDON LTDA
ADV.(A/S) : GUILHERME BROTO FOLLADOR (40517/PR)
RECDO.(A/S) : SECRÉTARIO MUNICIPAL DE FINANÇAS DE MARECHAL CÂNDIDO
RONDON - PR
ADV.(A/S) : GELCIR ANIBIO ZMYSLONY (0029755/PR)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS - CNM
ADV.(A/S) : PAULO ANTÔNIO CALIENDO VELLOSO DA SILVEIRA (33940/RS)
AM. CURIAE. : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICIPIO DE SÃO PAULO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DE GRUPO- ABRAMGE
ADV.(A/S) : RICARDO RAMIRES FILHO (257509/SP)
AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR- FENASAÚDE
ADV.(A/S) : FRANCISCO CARLOS ROSAS GIARDINA (69114/RJ)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS SECRETARIAS DE FINANÇAS
DAS CAPITAIS BRASILEIRAS - ABRASF
ADV.(A/S) : RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA (81438/RJ)

Decisão: Após o voto do Ministro Luiz Fux (Relator), negando


provimento ao recurso extraordinário, pediu vista dos autos o
Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Ministros
Celso de Mello, Gilmar Mendes e, para participar do XXII Encontro
de Presidentes e Magistrados de Tribunais e Salas Constitucionais
da América Latina, na Cidade do México, a Ministra Cármen Lúcia.
Falaram, pelo recorrente Hospital Marechal Cândido Rondon Ltda., o
Dr. Guilherme Broto Follador; pelo recorrido Secrétario Municipal
de Finanças de Marechal Cândido Rondon - PR, o Dr. Ricardo Almeida
Ribeiro da Silva; pelo amicus curiae Federação Nacional de Saúde
Suplementar – FENASAÚDE, o Dr. Francisco Carlos Rosas Giardina, e,
pelo amicus curiae Associação Brasileira de Medicina de Grupo –
ABRAMGE, o Dr. Ricardo Ramires Filho. Presidência do Ministro
Ricardo Lewandowski. Plenário, 15.06.2016.

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do


Relator, apreciando o tema 581 da repercussão geral, negou
provimento ao recurso extraordinário, fixando tese nos seguintes
termos: “As operadoras de planos privados de assistência à saúde
(plano de saúde e seguro-saúde) realizam prestação de serviço
sujeita ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN,
previsto no art. 156, III, da CRFB/88”, vencido o Ministro Marco
Aurélio quanto ao mérito e à tese firmada. Ausentes,
justificadamente, o Ministro Celso de Mello, e, neste julgamento,
o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen
Lúcia. Plenário, 29.09.2016.

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Extrato de Ata - 29/09/2016

Inteiro Teor do Acórdão - Página 88 de 88

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki,
Roberto Barroso e Edson Fachin.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de


Barros.

p/ Doralúcia das Neves Santos


Assessoria do Plenário

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