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Cuidam os autos de Ação Civil Pública com pedido liminar ajuizada pelo Ministério
Público Federal em face de... e outros, sustentando que, no período compreendido entre os anos de
2007 e 2009, a Requerida teria promovido, sem autorização dos entes ambientais, a implantação de
uma piscina e a construção de rampas e muros sobre o cordão de dunas frontais da praia, com
remoção da vegetação de restinga fixadora de dunas, em terreno de marinha e área de preservação
permanente.
É o escólio necessário.
2. DA PROPOSTA DE ACORDO
A área objeto da demanda refere-se tão somente ao local em que está inserida
uma piscina, muros e rampas de acesso à praia, localizadas aos fundos da residência da Requerida,
a qual é inscrita na municipalidade sob o n..., com área total de 1000m² ─ inserido dentro do
polígono do imóvel de matrícula... registrada no 2º Ofício de Registro de Imóveis de Florianópolis,
com área total de 45.698,90m² ─, regularmente cadastrada no RIP, no regime Ocupação.
Ocorre que, a área é consolidada, conforme atestado pelo próprio laudo pericial,
não só porque as estruturas foram erigidas ─ por irremediável necessidade ─ no período
compreendido entre os anos de 2002 e 2009, mas também, pelo fato de se tratar de loteamento
aprovado e incentivado pela municipalidade, servido por serviços públicos essenciais e densamente
povoado, de modo que, a demolição para recuperação da área é medida extrema e desproporcional,
ferindo de morte o princípio constitucional da segurança jurídica 1, do direito à moradia2, da
propriedade3 e de sua função social4. Nestes casos, o direito ao meio ambiente previsto no art. 225
da Carta Primaveral, maxima venia, merece mitigação.
Pois bem.
Após a edição da Lei Federal n.12.651/2012, que instituiu o Novo Código Florestal,
já em 2016, foi editada a Medida Provisória n. 756, convertida na Lei Federal n. 13.465/2017,
dispondo sobre a regularização fundiária rural e urbana. Referida norma revogou o Capítulo III da Lei
Federal n. 11.977/2009, que tratava da regularização fundiária de assentamentos urbanos, e trouxe
significativas alterações para as políticas públicas voltadas às áreas urbanas, elencando condições
aptas a se concluir pela possibilidade de regularização da área objeto da lide.
1
Art. 5º, CF/88. XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
2
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
3
Art. 5º, CF/88. XXII - é garantido o direito de propriedade;
4
Art. 5º, CF/88. XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Ademais, sabe-se que a jurisprudência consolidada do e. Tribunal Federal da 4ª
Região enaltece o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade em casos análogos:
Cumpre ressaltar que, quando indagados pelo Ministério Público Federal se a área
é passível de recuperação (item 10), os experts esclareceram que “é possível recuperar a vegetação
protetora de dunas, mas há que se considerar a ocorrência de eventos climáticos extremos, que
poderão comprometer esta recuperação.” Ou seja, não há nenhuma certeza que adoção de medidas
extremas implique em melhorias ao meio ambiente. Além disso, trata-se de área consolidada que a
simples retirada das estruturas objeto da lide não surtiram nenhum efeito ao meio ambiente.
Logo, não soa razoável demolir a piscina, muros e rampas, deixando o imóvel à
mercê das ressacas ou marés de tempestade, quando não há comprovação de que a demolição das
estruturas resultará em efetivo benefício ao meio ambiente. Neste passo, calham as lúcidas
observações do eminente Desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon:
Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que
haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas
práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de
que "o mal já está feito." Porém, ainda que não perca de vista a realçada importância do
meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a
regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de
preservação permanente. Assim penso, guiado pela ideia de que benefício algum surtirá
em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga,
pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho.5
5
TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, Terceira Turma, DJ 04/10/2006 Relator Luiz Carlos de Castro Lugon.
impossível, o que não parece ser o caso dos autos, mesmo porque, faltam estudos apropriados, que
não podem ser suprimidos por prova pericial solicitada unilateralmente pelo órgão acusador.
O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, sob a alegação de que entre
os anos de 2007 e 2009, a Requerida teria promovido a implantação de uma piscina e a construção
de rampas e muros sobre o cordão de dunas frontais da praia, removendo vegetação de restinga
fixadora de dunas, e que em 23.04.2018, promoveu nova construção de rampa para acesso à praia,
em substituição a antiga destruída pelo avanço natural do mar.
Como se vê, de acordo com o laudo pericial, as aludidas estruturas são anteriores
ao ano de 2009 e assim está até os dias de hoje. Em nenhum momento o laudo pericial constatou a
presença de rampa nova construída no ano de 2018 como sustenta o Ministério Público Federal.
É dizer que, ainda que a presente demanda seja julgada procedente, não há
qualquer garantia de que a vegetação de restinga se regenere no local ─ e aqui não falamos que
restinga é igual a APP, como veremos adiante ─ porque certamente será removida pelas ressacas,
cada vez mais frequentes, intensas e devastadoras.
O Ministério Público Federal também alega que “uma das funções das dunas
frontais e da sua vegetação fixadora é justamente promover a proteção da costa”. Ocorre que,
conforme o próprio laudo pericial, foi a ressaca que removeu parte da vegetação e das dunas,
fazendo-se imperativa a construção de muros de contenção para futuras tempestades de maré.
Outrossim, é absolutamente descabida a narrativa ministerial de que a implantação
das estruturas (piscina, rampas e muros) e sua manutenção no terreno estariam contribuindo para
agravar cada vez mais a situação local, pois, ao não encontrar a barreira natural das dunas para
amortecer o impacto, o mar bate nas estruturas de contenção, como num paredão, e retorna,
retirando a areia da faixa de praia, e que que as intervenções promovidas artificialmente modificariam
a dinâmica geral de circulação de sedimentos de toda a praia e das praias vizinhas, podendo
provocar danos em outros locais e assim seguir em efeito dominó.
E que nem se cogite que o problema é de uma pessoa física que pretende proteger
sua propriedade privada, mediante construção de um muro de contenção, em suposto detrimento de
toda uma população que supostamente perde espaço da faixa de areia, faixa esta, que foi
significativamente aumentada quando antes de 2007, conforme laudo pericial, uma devastadora
ressaca removeu cerca de 17 metros de costa.
Resta atestado, que há “estruturas”, que antes de “ilegais”, demonstram que, deste
lado da contenda, também existe uma população que necessita de prestação jurisdicional e proteção
do seu direito. Não se pode posicionar a Requerida na berlinda de uma questão urbanística que
remonta décadas de descaso e omissão do Poder Público de diversas esferas em questões
ambientais. Isso sem falar na burocracia. Lembre-se que apenas no ano de 2020, Santa Catarina
enfrentou severas e catastróficas tempestades, com uma frequência nunca antes visto, e que podem
estar ligadas intimamente às mudanças climáticas, as quais, obviamente, não foram causadas pela
simples implantação de um pequeno muro de contenção, necessários diante das violentas ressacas,
tão pouco pela implantação de uma piscina.
Art. 19. A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autoridade ambiental,
após o contraditório e ampla defesa, quando:
[...]
§ 3º Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for
comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua
manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada,
deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à
cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.
4. PRELINARMENTE
4.1. LITISPENDÊNCIA
É importante referir, em preliminar, que a área objeto do presente feito está inserida
nos limites do objeto da ação civil pública autuada sob o n..., que tramitou perante esta r. Vara e
atualmente se encontra na 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sob a relatoria do e.
Des. Cândido Alfredo da Silva Leal Junior, aguardando respectivo julgamento, cujos efeitos estão
suspensos.
No caso em tela, a ação civil pública n..., proposta pelo Ministério Público Federal
em 2016 em desfavor dos entes públicos, possui finalidade idêntica à da presente ação, ou seja, a
demolição de edificações erigidas supostamente em condão de dunas, configurando assim, a
litispendência nos termos do art. 337, §1º do Código de Processo Civil, in verbis:
À propósito, estando a mesma área descrita nesta ação civil pública abrangida pela
r. sentença proferida nos autos..., cujos efeitos estão suspensos por força do Pedido de Efeito
Suspensivo n..., a prolação de nova decisão, tendo por objeto imóvel inserido nos limites geográficos
da referida demanda, viola a decisão de suspensão determinada pelo E. Tribunal Regional Federal
da 4ª Região.
5. DO MÉRITO
O Código Florestal de 1965 (Lei n. 4.771/65), por sua vez, estabelecia, em seu art.
2º, alínea f, que:
É dizer que, não se deve considerar como área de preservação permanente toda e
qualquer espécie de restinga. Entendimento diverso, colocaria praticamente todo o litoral catarinense
– quiçá do Brasil, onde há a maior concentração populacional –, como de preservação permanente,
de modo que a atual ocupação de qualquer imóvel numa faixa de 300 metros seria irregular.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as
seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas
delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista,
também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta
Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as
vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do
Nordeste.
Parágrafo único. Somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e
nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de
abrangência definida no caput deste artigo terão seu uso e conservação regulados por
esta Lei.
Na sequência, a mesma Lei, que inclui a restinga como formação florestal nativa do
"Bioma Mata Atlântica", explicita a forma de ocupação rural e urbana de tais espaços:
Entretanto, é a lei que assim quer (art. 2º, f da Lei 4.771/65; art. 3º, XVI, da Lei
12.651/2012; art. 2º da Lei 11.428/2006), cumprindo ao julgador sua concretude enquanto não
alterada, caso contrário seria transformar o processo judicial em fonte legiferante.
Dessa forma, há de ser reconhecida que não é toda restinga que será considerada
área de preservação permanente, mas apenas aquelas que fixarem dunas ou estabilizarem
mangues, o que não é o caso dos autos, razão pela qual a improcedência da demanda é de rigor.
Ocorre que, não há nos autos qualquer prova robusta a demonstrar ilegalidade na
concessão de eventuais autorizações, corolário disso, é presumir-se legítimos e imperativos
os atos administrativos. Nessa tessitura, valiosos são os ensinamentos de Marçal Justen Filho 6, que
vaticina:
6
Curso de direito administrativo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 280.
obter provimento jurisdicional comprovando a legitimidade dos seus atos, e somente
assim poderia vincular os terceiros.
Vale trazer à baila o conceito de ato administrativo, que segundo o professor Hely
Lopes Meirelles traduz-se em:
7
Declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes - como, por exemplo, um
concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada
mediante providências jurídicas complementares da lei, a título de lhe dar cumprimento, e
sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.
Ato administrativo é "a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos
jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita
a controle pelo Poder Judiciário.
O ato administrativo deve pautar-se sempre no sistema jurídico vigente, sob pena
de poder ser caracterizado como ilegal acaso descumprido o ordenamento. Entretanto, o regramento
normativo pode ou não deixar margem de liberdade de decisão quanto ao aspecto da atuação do
Poder Público, razão pela qual os tais atos podem ser classificados em: vinculativos e discricionários.
Licença administrativa é "o ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder
Público, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, faculta-lhe o
desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais antes vedados ao particular,
como, por exemplo, o exercício de uma profissão, a construção de um edifício em terreno
próprio".
Nessa linha, temos que todo ato administrativo deve ser considerado, a princípio,
como realizado de acordo com a Lei e de acordo com a realidade. Tanto o é, que o Superior Tribunal
de Justiça13 entende que "ato administrativo goza de presunção de legalidade que, para ser afastada,
requer a produção de prova inequívoca [...]."
10
Direito administrativo brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 170.
11
Curso de direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 418.
12
Direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 236.
13
AgRg no Resp n. 1137177/SP.
14
Direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 206.
Não se pode determinar a suspensão ou anulação de eventuais atos
administrativos exarados tanto pela municipalidade, quanto pela União, mesmo porque, trata-se de
pedido genérico que viola o direito do contraditório e da ampla defesa, ante a inexistência de
quaisquer provas que a cabia ao Ministério Público Federal produzir.
Cediço que a demolição é medida extrema que só pode ser adotada em casos
excepcionais, e, sendo assim, há de se reconhecer a possibilidade de regularização ambiental da
área, uma vez que se trata de área urbana consolidada, bem como dos reconhecidos danos
ambientais que a demolição poderá causar, o que leva ao afastamento da pretensão ministerial em
observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e a autorização que preceitua o já
citado artigo 19, §3º do Decreto Federal 6.514/20082 c/c art. 6º, inc. I a III, e art. 72, VIII, da Lei
9.605/98, in verbis:
Art. 19. A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autoridade ambiental,
após o contraditório e ampla defesa, quando: [...]
§ 3º Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for
comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua
manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada,
deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à
cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para
a saúde pública e para o meio ambiente;
II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse
ambiental;
III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o
disposto no art. 6º: [...]
VIII - demolição de obra;
Como comprovado por meio de perícia técnica nos presentes autos, a penalidade
de demolição não necessariamente resultará em melhorias ao meio ambiente, por conta das
ressacas ou marés de tempestade. Por outro lado, evidentemente, acarretará danos mais sérios ao
meio ambiente e à estrutura da residência, comprometendo o equilíbrio ecológico alcançado na
região com o passar do tempo, representando, assim, malferimento aos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade.
Ao final de sua peça inicial, o Ministério Público Federal também requereu que a
Requerida seja condenada “em obrigação de indenizar, relativa a todos os danos materiais
provocados ao Meio Ambiente pelas intervenções ilegais promovidas no local (como, por exemplo,
na implantação da piscina e na construção dos patamares de acesso à praia com rampas e muros
identificados no laudo de perícia criminal federal...), no imóvel que está na Praia do Morro das
Pedras, Bairro Campeche, em Florianópolis/SC, [...], e, ainda, outras estruturas físicas que
eventualmente tenham sido erigidas no local. A quantificação dos danos causados à APP e aos bens
da UNIÃO (eg, TERRAS DE MARINHA) deverá ser arbitrada pelo Juízo.”
Em que pese o brilhantismo das alegações do Parquet Federal, razão não lhe
assiste. Isso porque, conforme visto, a pretensão indenizatória está prescrita, e ainda que se entenda
diferente, inexistem danos indenizáveis.
Repise-se também, a resposta dada pelos experts quando indagados pelo Parquet:
Art. 13. Constituem terrenos de marinha todos os que, banhados pelas aguas do mar ou
dos rios navegáveis, vão até 33 metros para a parte da terra, contados desde o ponto a
que chega o preamar médio.
Este ponto refere-se ao estado do lugar no tempo da execução do art. 51, § 14, da lei de
15/11/1831.
Pois bem.
Desde os tempos mais remotos até os anos atuais os terrenos de marinha e seus
acrescidos vêm sendo demarcados pela Secretaria do Patrimônio da União – SPU, órgão
do Ministério do Orçamento, Gestão e Planejamento, a partir de uma “linha presumida de preamar
média de 1831”, porque aquele órgão do Governo Federal não tinha meios de calcular
a LPM/1831 com a precisão e exatidão métrica requerida na caracterização destas parcelas
imobiliárias.
15
LIMA, Obéde Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 – LPM/1831, com vistas à demarcação dos
terrenos de marinha e seus acrescidos. Florianópolis, SC, 2002. xx, 250 p. Tese (Doutorado em Engenharia) – Programa de Pós-
Graduação em Engenharia Civil, UFSC, 2002.
Em aperta síntese, de acordo com a metodologia desenvolvida pelo autor do
estudo, deve-se instalar e colocar em operação a estação maregráfica, visando a obtenção de dados
amostrados da maré durante período mínimo de um ano, em conjunto com a determinação das
coordenadas geodésicas de pelo menos dois pontos extremos, utilizando aparelho de GPS (Global
Positioning System) em posicionamento com precisão de 01 ppm, para amarração de controle de
levantamento planialtimétrico da linha de costa e dos perfis de praia.
Obéde Pereira de Lima acrescenta que houve avanço do mar sobre o continente, o
que é resultado de fenômenos climáticos, como por exemplo, o aquecimento global, que provoca o
degelo de camadas glaciais. Em razão disso, segue o autor, grande parte dos terrenos de marinha,
se contados rigorosamente - como devido - da linha da preamar-média de 1831, já estão encobertos
pelo mar, isto é, já não existem.
Daí que a mudança da preamar para o ano de 2000, por exemplo, produz o efeito
de fazer ressurgir e de avançar os terrenos de marinha sobre o continente, mais precisamente sobre
os terrenos alodiais, pertencentes a terceiros, violando o inciso XXII do art. 5º da Constituição
Federal, cujo texto garante o direito de propriedade.
Esse fenômeno não é isolado, e pode ter encoberto a maior parte dos terrenos de
marinha, inclusive, na área objeto da lide, sendo imprescindível a realização de perícia para que se
verifique a quaestio e se possa dar a melhor solução aos autos, até porque, a competência do
Ministério Público Federal para promover a demanda restaria prejudicada.
Enquanto a Lei da Ação Civil Pública nada dispõe acerca da prescrição, o artigo
189 do Código Civil de 2002 dispõe que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206. Por sua vez, o artigo 206, §
3º, inciso V, do mesmo diploma legal, determina prescrever em três anos a pretensão de reparação
civil, resguardadas as hipóteses de incidência de causas suspensivas ou interruptivas.
Ocorre que a prescrição não é uma mera opção do legislador. Ao contrário, está
inserida em um grupo de institutos jurídicos que são corolários diretos e obrigatórios do próprio
16
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 256-257.
17
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 316.
18
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. São Paulo: RT, 1971, p. 131.
princípio da segurança jurídica, compreendido por Canotilho19, como um dos grandes pilares do
próprio Estado Democrático de Direito, ao lado do princípio da legalidade.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que, nos casos individuais, uma vez que o autor
esteja cientificado da lesão e do seu autor, contra si começa a fluir o prazo prescricional.
Em se tratando das ações coletivas, isto é, das ações civis públicas, não vejo porque a
situação deva merecer tratamento diferente. Em primeiro lugar, há que se considerar que,
na forma do art. 5° da Lei 7347/85, existe previsão legal para a legitimidade ativa de toda
uma infinidade de autores, legitimidade esta que tem sido ampliada pelos tribunais desde
há muito tempo. Assim, o temor de que o bem jurídico meio ambiente fique desprotegido
é, evidentemente, despropositado. Entretanto, não é despropositado o temor de que a
manutenção de questões abertas e sem definição legal clara possam desequilibrar
relações jurídicas e violar os preceitos de justiça que devem informar à ordem jurídica.
[...]
O importante da manutenção da possibilidade teórica da ocorrência da prescrição é
assegurar que o equilíbrio jurídico não seja quebrado, garantindo a existência do preceito
de justiça que, ante a existência da responsabilidade objetiva, sofre uma transmutação
significativa. Romper a barreira prescricional seria, no caso concreto, estabelecer um nível
insuportável de falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito e,
reflexamente, para a atividade econômica.
Até a 26ª edição deste Curso admitimos que, por forca do § 5º do art. 37, de acordo com o
qual os prazos de prescrição para ilícitos causados ao erário serão estabelecidos por lei,
ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, estas últimas seriam imprescritíveis.
[...]
Já não mais aderimos a tal desabrida intelecção. Convencemo-nos de sua erronia ao ouvir
a exposição feita no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em maio de 2009, pelo
jovem e brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou um argumento, ao nosso
19
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 258.
20
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2012, p. 74-75.
21
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 1080-1081.
ver irrespondível, em desfavor da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria
consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se
houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria
necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo. De fato, o
Poder Público pode manter em seus arquivos, por período de tempo longuíssimo,
elementos prestantes para brandir suas increpações contra terceiros, mas o mesmo não
sucede com estes, que terminariam inermes perante arguições desfavoráveis que se lhes
fizessem.
Não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos
princípios que adota no que concerne ao direito de defesa. Dessarte, se a isto se agrega
que quando quis estabelecer a imprescritibilidade a Constituição o fez expressamente
como no art. 5º, incs. LII e LXIV (crimes de racismo e ação armada contra a ordem
constitucional) e sempre em matéria penal que, bem por isto, não se eterniza, pois não
ultrapassa uma vida ainda mais se robustece a tese adversa a imprescritibilidade.
É claro que o meio ambiente é essencial à vida e que todos têm o dever de
preservá-lo. No entanto, a Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei
7.347/85 que dispõe sobre a Ação Civil Pública, a Lei 4.717/65 que regula a Ação Popular, a Lei
9.605/98 que trata dos Crimes Ambientais e o Decreto 6.514/08 que regulamenta a Lei de Crime
Ambientais, por exemplo, já dispõem de meios importantes para garantir a proteção do meio
ambiente, dispensando o reconhecimento da imprescritibilidade das ações de reparação.
A questão dos autos versa sobre edificação em terrenos de marinha, que caso
assim sejam considerados por prova pericial, então são bens de propriedade da União, por força do
art. 20, VII, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 23. A alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização, mediante ato do
Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua
oportunidade e conveniência.
§ 1º A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em
manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação
ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade.
§ 2º A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro de Estado
da Fazenda, permitida a subdelegação.
Nesse sentido, é certo afirmar que os terrenos de marinha estão à venda e podem
ser adquiridos na forma da Lei 13.465/17 que alterou a Lei n. 9.636/98, pendente apenas, de edição
de Portaria pelo Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, nos termos do art.
16-C:
Portanto, caso seja comprovado por perícia que a área objeto da lide é terreno de
marinha, então poderá ser adjudicada por preço fixado na portaria ministerial, sanando-se qualquer
irregularidade administrativa na ocupação ou edificações.
7. REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA NÃO
ATENDIDOS – REVOGAÇÃO DA MEDIDA
Ocorre que, quando tais áreas já são ocupadas há décadas, não há que se falar
em remoção da população, recuperação da área e/ou demolição das edificações. Claro que a
regularização de ocupação urbana em APP é um grande desafio a ser enfrentado nas cidades
brasileiras, porém, necessário, como no caso em tela.
Não se pode negar a realidade das ocupações já existentes em APP, e por isso, é
imperativo solucionar a situação de insegurança em que vive parcela significativa da população
urbana. E a solução já está apontada na Lei 13.465, de 2017, resultante da conversão da Medida
Provisória 759, de 2016, que prevê normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização
Fundiária Urbana (Reurb), a saber:
Art. 11 […]
2º Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente,
em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso
sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a
Reurb observará, também, o disposto nos arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de
2012, hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito
da Reurb, que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação
informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso.
In casu, trata-se de área consolidada, que a própria Lei 13.465/17 cuidou de definir
nos artigos 36 e 93, elementos para a caracterização e definição da área urbana consolidada,
contemplando a situação da área objeto da lide, verbis:
Art. 93. A Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
“Art. 16-C. O Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, permitida a
delegação, editará portaria com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação nos
termos do art. 16-A desta Lei.
§ 1º Os terrenos de marinha e acrescidos alienados na forma desta Lei: [...]
II - deverão estar situados em área urbana consolidada.
§ 2º Para os fins desta Lei, considera-se área urbana consolidada aquela: [...]
V - com a presença de, no mínimo, três dos seguintes equipamentos de infraestrutura
urbana implantados:
a) drenagem de águas pluviais;
b) esgotamento sanitário;
c) abastecimento de água potável;
d) distribuição de energia elétrica; e
e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.
9. DOS REQUERIMENTOS
d) Seja reconsiderada a decisão liminar proferida no Evento 14, que determinou a imediata
paralisação de todas as obras que eventualmente a Requerida estivesse realizando ou
custeando na área objeto da lide, ante a ausência dos requisitos autorizadores da tutela.
e) Protestar provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos, em especial a
prova pericial para comprovar inexistência de terrenos de marinha, a documental e
testemunhal, a serem apresentadas em momento processual indicado por este d. Juízo.
Pede deferimento.
ADVOGADO
OAB/SC
Petição assinada digitalmente
(Lei 11.419/2006, art. 1º, §2º, III, “a”)