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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 6ª VARA FEDERAL

DE FLORIANÓPOLIS – SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTA CATARINA

Ação Civil Pública Ambiental

REQUERIDA, previamente qualificada, vem, à presença de


Vossa Excelência, por seu advogado, apresentar proposta de
acordo e oferecer CONTESTAÇÃO em face da ação civil
pública em epígrafe, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL, pelas razões de fato e de direito que passa a expor.

1. SÍNTESE DOS AUTOS

Cuidam os autos de Ação Civil Pública com pedido liminar ajuizada pelo Ministério
Público Federal em face de... e outros, sustentando que, no período compreendido entre os anos de
2007 e 2009, a Requerida teria promovido, sem autorização dos entes ambientais, a implantação de
uma piscina e a construção de rampas e muros sobre o cordão de dunas frontais da praia, com
remoção da vegetação de restinga fixadora de dunas, em terreno de marinha e área de preservação
permanente.

Em continuidade, o Ministério Público Federal sustentou que na data de


23.04.2018, a Requerida teria promovido, sem autorização do órgão ambiental competente, a
construção de uma nova rampa para acesso à praia, em substituição à antiga, destruída pelo avanço
natural do mar, e que peritos criminais federais atestaram a existência das edificações ─ mesmo não
sendo possível precisar a data exata em que foram erigidas ─, e que sua manutenção no local
impediria e dificultaria a regeneração natural da vegetação nativa.

Ao final, o Ministério Público Federal requereu a procedência da demanda, para


condenar as partes solidariamente na obrigação de fazer consistente na integral recuperação
ambiental da área, mediante a demolição das estruturas construídas (piscina, muros e rampas) em
APP e terreno de marinha, identificados pelo Laudo de Perícia Criminal Federal, e ainda, em relação
à Requerida, a condenação em obrigação de indenizar pelos supostos prejuízos causados ao meio
ambiente.

Os entes públicos réus, citados, apresentaram informações, e sobreveio decisão


deste d. Juízo que concedeu medida liminar para determinar ao Oficial do Registro Imobiliário a
averbação da ação; ao Município, à Floram e à União, para adotaram medidas afetas ao seu poder
de polícia, proibindo a expedição de licenças, autorizações ou alvarás, ou a suspensão da eficácia de
licenças, autorizações ou alvarás, relacionados com reformas ou ampliações em imóveis já
existentes; e, à Requerida, “ou a quaisquer outras pessoas que, eventualmente, venham a lhe
suceder na titularidade da propriedade, posse ou detenção do imóvel, a imediata paralisação de
todas as obras que eventualmente estejam realizando ou custeando, relacionadas com qualquer
modificação no local.”

A audiência de conciliação foi designada, e os mandados expedidos. No entanto,


no Evento 48, a audiência foi cancelada em razão do surto da COVID-19. No Evento 66, foi
determinada a intimação das partes para apresentarem proposta de acordo.

É o escólio necessário.

2. DA PROPOSTA DE ACORDO

A área objeto da demanda refere-se tão somente ao local em que está inserida
uma piscina, muros e rampas de acesso à praia, localizadas aos fundos da residência da Requerida,
a qual é inscrita na municipalidade sob o n..., com área total de 1000m² ─ inserido dentro do
polígono do imóvel de matrícula... registrada no 2º Ofício de Registro de Imóveis de Florianópolis,
com área total de 45.698,90m² ─, regularmente cadastrada no RIP, no regime Ocupação.

Ocorre que, a área é consolidada, conforme atestado pelo próprio laudo pericial,
não só porque as estruturas foram erigidas ─ por irremediável necessidade ─ no período
compreendido entre os anos de 2002 e 2009, mas também, pelo fato de se tratar de loteamento
aprovado e incentivado pela municipalidade, servido por serviços públicos essenciais e densamente
povoado, de modo que, a demolição para recuperação da área é medida extrema e desproporcional,
ferindo de morte o princípio constitucional da segurança jurídica 1, do direito à moradia2, da
propriedade3 e de sua função social4. Nestes casos, o direito ao meio ambiente previsto no art. 225
da Carta Primaveral, maxima venia, merece mitigação.

Pois bem.

Após a edição da Lei Federal n.12.651/2012, que instituiu o Novo Código Florestal,
já em 2016, foi editada a Medida Provisória n. 756, convertida na Lei Federal n. 13.465/2017,
dispondo sobre a regularização fundiária rural e urbana. Referida norma revogou o Capítulo III da Lei
Federal n. 11.977/2009, que tratava da regularização fundiária de assentamentos urbanos, e trouxe
significativas alterações para as políticas públicas voltadas às áreas urbanas, elencando condições
aptas a se concluir pela possibilidade de regularização da área objeto da lide.

1
Art. 5º, CF/88. XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
2
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.   
3
Art. 5º, CF/88. XXII - é garantido o direito de propriedade;
4
Art. 5º, CF/88. XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Ademais, sabe-se que a jurisprudência consolidada do e. Tribunal Federal da 4ª
Região enaltece o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade em casos análogos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE


PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ZONA URBANA CONSOLIDADA. Devem ser
mitigadas as restrições de construção em Áreas de Preservação Permanente, mormente
nas hipóteses de zonas urbanas consolidadas e antropizadas, tendo sido constatado que
a total recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta,
com a remoção de todas construções instaladas em área de ocupação histórica, sendo
certo que a retirada de uma edificação isoladamente, em atenção ao princípio da
proporcionalidade, não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as
adjacências do local encontram-se edificadas. (TRF4, AC 5001563-50.2010.4.04.7208,
TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos
autos em 09/06/2016).

Cumpre ressaltar que, quando indagados pelo Ministério Público Federal se a área
é passível de recuperação (item 10), os experts esclareceram que “é possível recuperar a vegetação
protetora de dunas, mas há que se considerar a ocorrência de eventos climáticos extremos, que
poderão comprometer esta recuperação.” Ou seja, não há nenhuma certeza que adoção de medidas
extremas implique em melhorias ao meio ambiente. Além disso, trata-se de área consolidada que a
simples retirada das estruturas objeto da lide não surtiram nenhum efeito ao meio ambiente.

Logo, não soa razoável demolir a piscina, muros e rampas, deixando o imóvel à
mercê das ressacas ou marés de tempestade, quando não há comprovação de que a demolição das
estruturas resultará em efetivo benefício ao meio ambiente. Neste passo, calham as lúcidas
observações do eminente Desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon:

Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que
haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas
práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de
que "o mal já está feito." Porém, ainda que não perca de vista a realçada importância do
meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a
regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de
preservação permanente. Assim penso, guiado pela ideia de que benefício algum surtirá
em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga,
pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho.5 

É incontroverso que a demolição das estruturas, sobretudo dos muros, trará


prejuízos à Requerida, porque o avanço do mar e as frequentes ressacas, conforme consta no
próprio laudo pericial, causaram a remoção da vegetação de restinga e sua retirada apenas agravará
ainda mais a situação. Daí que necessária a contenção.

Há indícios nos autos a demonstrar que, efetivamente, a piscina, muros e rampas


podem ─ caso sejam de fato irregulares ─ ser regularizadas, pois, cediço que demolir é medida
extrema, que somente pode ser adotada nos casos em que a regularização seja considerada

5
TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, Terceira Turma, DJ 04/10/2006 Relator Luiz Carlos de Castro Lugon.
impossível, o que não parece ser o caso dos autos, mesmo porque, faltam estudos apropriados, que
não podem ser suprimidos por prova pericial solicitada unilateralmente pelo órgão acusador.

Portanto, a proposta de acordo da Requerida, é que os autos sejam suspensos até


a regularização das estruturas objeto da lide.

No caso de a proposta de acordo restar inexitosa, passa-se à contestação.

3. DA CONTESTAÇÃO AOS ARGUMENTOS MINISTERIAIS

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, sob a alegação de que entre
os anos de 2007 e 2009, a Requerida teria promovido a implantação de uma piscina e a construção
de rampas e muros sobre o cordão de dunas frontais da praia, removendo vegetação de restinga
fixadora de dunas, e que em 23.04.2018, promoveu nova construção de rampa para acesso à praia,
em substituição a antiga destruída pelo avanço natural do mar.

No entanto, ao contrário do que consta na inicial e documentos acostos, não há


evidência de que a rampa tenha sido destruída para uma nova ser construída. Tanto o é, que os
Peritos Criminais Federais que estiveram no local e elaboraram laudo pericial, responderam da
seguinte forma a um dos questionamentos do Ministério Público Federal:

“3. Qual a data aproximada das degradações ambientais?


Responderam os peritos: A residência foi construída antes de 2002, assim como a
supressão de vegetação protetora de dunas dentro do limite do terreno é anterior a esta
data. A piscina foi construída entre 2002 e 2007. Aparentemente, as estruturas protetoras
contra as marés de tempestade foram implantadas a medida que os eventos climáticos
removiam as dunas e a vegetação subjacente. Em 2007 já é possível notar que toda a
vegetação que existia entre o terreno e a praia havia sido removida, e que foi construído
um muro de proteção. Em 2009 é possível constar a presença dos patamares e do
segundo muro, da forma como existem atualmente.” (Evento 33 do IP, Laudo Pericial, p.
14).

Como se vê, de acordo com o laudo pericial, as aludidas estruturas são anteriores
ao ano de 2009 e assim está até os dias de hoje. Em nenhum momento o laudo pericial constatou a
presença de rampa nova construída no ano de 2018 como sustenta o Ministério Público Federal.

Importante observar, que o Ministério Público Federal sustentou que as estruturas


foram erigidas entre 2007 e 2009. Em verdade, o laudo pericial é escorreito em afirmar que a piscina
foi implantada entre 2002 e 2007. Sendo assim, na dúvida quanto a exata data, deve ser utilizada
aquela mais benéfica ao acusado, ou seja, 2002, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo,
aplicado não apenas no Direito Penal, mas em todo direito sancionador como o é a ação civil pública.

À propósito, também é dos experts a afirmação de que eventos climáticos


adversos, como as ressacas, são comuns na Praia do Morro das Pedras, como denuncia a faixa de
vegetação de aproximadamente 17 metros de largura, entre o limite do terreno e a praia, removida
daquele local no ano de 2007, conforme Figuras 15 e 16 do item “ IV.3 – Estudo multitemporal da
área questionadas”, do laudo pericial:

O estudo multitemporal com produtos de sensoriamento remoto visa, dentro do possível,


estabelecer o histórico dos eventuais danos ambientais e da ocupação da área
questionada. As imagens das Figuras 12, 15 e 16 foram extraídas do sítio de
geoprocessamento da Prefeitura Municipal de Florianópolis, e posteriormente
georreferenciadas.
Na ortofoto de 2002 verifica-se que o terreno tinha seus limites estabelecidos e que havia
uma vegetação protetora de dunas entre o terreno e o mar (Figura 15). Já naquela data
encontrava-se implantada a edificação residencial principal.
Nesta mesma imagem, a Linha de Preamar Máxima de 1831 – LPM passa
aproximadamente no início da vegetação (Figura 15). Havia, portanto, uma faixa de
vegetação de aproximadamente 17 m de largura entre o limite do terreno e a praia. O
acesso dos moradores à praia devia se dar por uma trilha que se observa no canto
sudeste do lote. Já na ortofoto de 2007, a porção remanescente de vegetação está no
mesmo alinhamento do terreno questionado (Figura 16), indicando que a vegetação
protetora das dunas frontais foi removida daquele local, assim como de toda a extensão
da praia.
Uma explicação natural (desvinculada de ações antrópicas) para esta mudança está nos
eventos climáticos aos quais a costa de Florianópolis está sujeita. Popularmente
conhecida como “ressaca”, a maré de tempestade, segundo o Atlas de Desastres Naturais
do Estado de Santa Catarina: Período de 1980 a 2010 (citando CARTES, 1988) é um tipo
de inundação costeira causada pela sobre-elevação do nível do mar durante eventos
críticos de tempestade, resultante de empilhamento da água oceânica induzido pelo
cisalhamento do vento e pela presença de gradientes de pressão atmosférica. Ainda
segundo o autor, apesar de ser a principal forçante, o vento não é o único a determinar a
elevação causada por uma maré de tempestade. O nível do mar é controlado pela
complexa interação de ventos, pressão atmosférica, ondas, topografia local, como
também a velocidade da trajetória, proximidade, duração e intensidade da tempestade na
costa. Essas sobre-elevações excepcionais ocorrem durante tempestades intensas
associadas a marés de sizígia (ou marés astronômicas), presentes em condição de lua
nova ou cheia, quando a Terra, a lua e o sol estão alinhados, induzindo marés
astronômicas mais intensas. Os eventos de maior intensidade são considerados desastres
naturais.
O referido Atlas apresenta uma análise espaço-temporal da ocorrência dessas marés de
tempestade no período de 1997 a 2010, na qual foram encontrados 46 registros deste tipo
de evento, que causaram danos significativos nos municípios da costa catarinense. O
estudo identificou os dez municípios mais afetados, onde se destaca Florianópolis como o
primeiro, com frequência muito alta – entre 5 a 6 episódios no período estudado.
Diante do exposto é possível admitir que na praia do Morro das Pedras possa ter havido
um evento natural com características de desastre, portanto de forte intensidade e de
forma inesperada, que tenha removido a vegetação de restinga protetora das dunas em
frente ao local examinado e seu entorno. Desde aquela data é possível observar um
delimitador linear na testada do terreno, compatível com um muro. Não fica claro em que
momento os patamares foram construídos, mas à medida que a erosão da praia
continuava, houve a necessidade de construção de muros de contenção do terreno e,
consequentemente, de rampas de acesso à praia. Verifica-se, ainda, que neste período
(entre 2002 e 2007) foi construída a piscina (Figuras 15 e 16).
É incontroverso a existência de rampas e muros na área objeto da lide. Entretanto,
além de se afigurar como área consolidada, há de se admitir, que a construção deles somente foi
efetivada ante a necessidade de contenção das ressacas. E que nem se cogite que são eventos
normais e que a retirada de sedimentos para renovação dos bancos de areia é necessária, porquanto
nas últimas décadas a frequência e intensidade deles tem aumentado significativamente,
consequência das mudanças climáticas e do aquecimento global, como alertam especialistas.

Nesse ponto, não soa razoável condenar um particular que em caráter de


emergência erigiu um pequeno muro para proteger sua propriedade de eventos climáticos
catastróficos. Logo, não há danos ambientais. Inclusive, os experts que elaboraram o laudo pericial
responderam da seguinte forma a um dos quesitos formulados pelo Ministério Público Federal:

10. O dano é passível de recuperação?


Sim. É possível recuperar a vegetação protetora de dunas, mas há que se considerar a
ocorrência de eventos climáticos extremos, que poderão comprometer esta recuperação.

É dizer que, ainda que a presente demanda seja julgada procedente, não há
qualquer garantia de que a vegetação de restinga se regenere no local ─ e aqui não falamos que
restinga é igual a APP, como veremos adiante ─ porque certamente será removida pelas ressacas,
cada vez mais frequentes, intensas e devastadoras.

Por outro lado, há de se admitir que a manutenção do muro no local impede a


remoção das dunas pelas ressacas mais violentas, e consequentemente, propicia melhores
condições para a regeneração da vegetação.

Também importante esclarecer, ao contrário da narrativa ministerial, que em


nenhum momento foi realizado “sem autorização do órgão ambiental competente, a construção de
uma nova rampa para acesso à praia, em substituição à antiga, destruída pelo avanço natural do
mar”. Referida rampa é de madeira, e foi construída em período anterior a 2009, necessitando de
simples e poucos reparos em datas incertas, mas jamais houve a construção de uma rampa nova em
substituição à antiga, como asseveraram as testemunhas durante a instrução processual criminal em
que figura como acusada a Requerida.

E mesmo que fosse, de forma alguma configuraria nova infração, porque em se


tratando de reforma sem ampliação da área construída e, consequentemente, sem aumento da
degradação do local já impactado, não há que se falar em "nova incidência" ou "renovação" da
infração. Forçoso reconhecer, portanto, que além de se tratar de área consolidada, nenhuma
construção foi realizada na área objeto da lide após o ano de 2009, fato corroborado pelo laudo
pericial.

O Ministério Público Federal também alega que “uma das funções das dunas
frontais e da sua vegetação fixadora é justamente promover a proteção da costa”. Ocorre que,
conforme o próprio laudo pericial, foi a ressaca que removeu parte da vegetação e das dunas,
fazendo-se imperativa a construção de muros de contenção para futuras tempestades de maré.
Outrossim, é absolutamente descabida a narrativa ministerial de que a implantação
das estruturas (piscina, rampas e muros) e sua manutenção no terreno estariam contribuindo para
agravar cada vez mais a situação local, pois, ao não encontrar a barreira natural das dunas para
amortecer o impacto, o mar bate nas estruturas de contenção, como num paredão, e retorna,
retirando a areia da faixa de praia, e que que as intervenções promovidas artificialmente modificariam
a dinâmica geral de circulação de sedimentos de toda a praia e das praias vizinhas, podendo
provocar danos em outros locais e assim seguir em efeito dominó.

Tal assertiva é genérica e não tem o condão, maxima venia, de possibilitar a


procedência do pedido ministerial, mesmo porque, faltam estudos e provas. Entender de maneira
diversa, seria remover toda população que reside à beira mar, considerando as severas mudanças
climáticas e a elevação do nível do mar.

E que nem se cogite que o problema é de uma pessoa física que pretende proteger
sua propriedade privada, mediante construção de um muro de contenção, em suposto detrimento de
toda uma população que supostamente perde espaço da faixa de areia, faixa esta, que foi
significativamente aumentada quando antes de 2007, conforme laudo pericial, uma devastadora
ressaca removeu cerca de 17 metros de costa.

Resta atestado, que há “estruturas”, que antes de “ilegais”, demonstram que, deste
lado da contenda, também existe uma população que necessita de prestação jurisdicional e proteção
do seu direito. Não se pode posicionar a Requerida na berlinda de uma questão urbanística que
remonta décadas de descaso e omissão do Poder Público de diversas esferas em questões
ambientais. Isso sem falar na burocracia. Lembre-se que apenas no ano de 2020, Santa Catarina
enfrentou severas e catastróficas tempestades, com uma frequência nunca antes visto, e que podem
estar ligadas intimamente às mudanças climáticas, as quais, obviamente, não foram causadas pela
simples implantação de um pequeno muro de contenção, necessários diante das violentas ressacas,
tão pouco pela implantação de uma piscina.

Não há dúvidas de que, na prática, a pretensão ministerial busca atender aos


anseios de preservação ao meio ambiente, porém, pende para o clamor comunitário unilateral, posto
que, por outro lado, também há quem suplique por ajuda.

Frise-se que a Requerida não pretendeu e jamais pretenderá destruir o meio


ambiente, como tenta emplacar a peça inaugural, pelo contrário, teve, dentro das poucas condições
financeiras que dispensava à época da aquisição, a oportunidade de adquirir uma área em que já
estava edificada, e que hoje vê ruindo, por uma discussão ambiental inimaginável à época de sua
aquisição.

Entrementes, se não fosse as ressacas abruptas, os muros não seriam necessários


no imóvel devidamente cadastrado na Prefeitura Municipal de Florianópolis e na Superintendência do
Patrimônio da União - SPU.
Em que pese a alegação de que tais obras supostamente provocariam dano ao
meio ambiente, é fato que o risco maior reside na iminente demolição da edificação da Requerida
pelas forças naturais ou alteradas, que caso ocorra espalhará escombros e detritos na faixa de areia,
causando risco real para a comunidade. Em casos assim, há impedimento legal, previsto no art. 19, §
3º, do Decreto 6.514/08, in verbis:

Art. 19.  A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autoridade ambiental,
após o contraditório e ampla defesa, quando:
[...]
§ 3º Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for
comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua
manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada,
deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à
cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.  

Como já mencionado em linhas pretéritas, a manutenção do muro, construído em


dois patamares conforme revelam as imagens periciais, são imprescindíveis, até porque, se
removidos, provocarão irremediável prejuízo à estrutura da residência da Requerida, e
indubitavelmente se estenderá aos imóveis vizinhos e até mesmo à rua. Muros de contenção são
necessários e comuns em todas as partes do mundo que sofrem com marés de tempestade.

Ora. Não se apresentam, na peça exordial, elementos suficientes para que as


obras realizadas sejam consideradas irregulares, mesmo porque, tratam-se de medidas de
urgências, em resposta à um caso excepcional, na exata concepção do art. 3º, VIII, "c" do Código
Florestal de 2012:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:


[...]
VIII - utilidade pública:
[...]
c) atividades e obras de defesa civil;

Da análise do dispositivo acima, é possível verificar a legalidade da intervenção.


Não obstante, o Código Florestal preceitua que as atividades realizadas pela defesa civil são de
utilidade pública, nos termos do art. 8º do mesmo diploma legal, in verbis:

Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação


Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou
de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
§ 1º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente
poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação
Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada,
excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja
comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em
projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas
ocupadas por população de baixa renda.
§ 3º É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em
caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa
civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas.

Portanto, não há que se falar em ausência de autorização do Poder Público ou que


tais obras acarretam danos ao meio ambiente, muito menos que há obrigação ao pagamento de
indenização, afastando-se integralmente a narrativa ministerial.

Feitos os esclarecimentos iniciais, passa-se às preliminares e ao mérito.

4. PRELINARMENTE

4.1. LITISPENDÊNCIA

É importante referir, em preliminar, que a área objeto do presente feito está inserida
nos limites do objeto da ação civil pública autuada sob o n..., que tramitou perante esta r. Vara e
atualmente se encontra na 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sob a relatoria do e.
Des. Cândido Alfredo da Silva Leal Junior, aguardando respectivo julgamento, cujos efeitos estão
suspensos.

Cabe destacar que a pretensão ministerial ao ajuizar referida ACP em desfavor da


FLORAM, Município de Florianópolis e União, teve por escopo o seguinte teor:

[...] condenar a União, o Município de Florianópolis e à Floram em obrigação de fazer


consistente: a) na elaboração de Documeto Técnico Conjunto que registre todas as
intervenções, edificações ou acessões feitas até agora sobre os bens da União
localizados na área geográfica definida no item 1 desta ação, entre outros fatos
relevantes. Para isso, e com base em toda a legislação patrimonial e ambiental brasileira
(federal, estadual e municipal), os réus deverão efetuar vistorias e realizar estudos que:
1. identifiquem e delimitem, com exatidão, todos os bens da União, 2. localizem,
delimitem e caracterizem todas as áreas de preservação permanente - APPs existentes e
áreas ambientalmente sensíveis (inclusive no aspecto cultural) que foram ou são objeto
de proteção legal específica (como, por exemplo, parques, lagoas, sítios arqueológicos,
etc.), 3. identifiquem, delimitem e caracterizem, o zoneamento urbano das localidades
em que há bens da União ou APPs, 4. identifiquem e delimitem os pontos em que há
trilhas de relevância cultural (históricas ou tradicionais), mesmo que tenham sofrido
alguma intervenção do Poder Público oui de particulares (e.g., fechamento, desvio ou
destruição), 5. identifiquem, delimitem e caracterizem todas as intervenções, edificações
e acessões feitas sobre bens da União, independentemente de haver APPs, 6.
identifiquem, delimitem e caracterizem todas as intervenções, edificações e acessões
feitas sobre bens da União, indepentemente de haver APPs, 6. indentifiquem cada
responsável (pessoa física ou jurídica) pela prática das intervenções, construções ou
acessões feitas sobre bens da União, 7. informem as datas em que foi iniciada a
prestação dos serviços de fornecimento de água, saneamento básico e eletricidade (pela
CASAN e CELESC, por exemplo), 8. comuniquem as datas em que foram expedidas
eventuais certidões de inscrição ou ocupação ou, então, licenças, autorizações ou
alvarás (ambientais ou não) em prol do proprietário, possuidor ou ocupante, b)
invalidação de todos os atos administrativos da União, do Município de Florianópolis e da
Floram que foram ilicitamente praticados em favor das intervenções, edificações ou
acessões feitas sobre os bens da União localizados na área geográfica definida no item 1
desta ação, na conformidade do que restar apurado ao final da ação, inclusive no
documento técnico que deverá ser elaborado pelos réus, c) a condenação da União, do
Município de Florianópolis e da Floram, de modo solidário e residual, em obrigação de
fazer, consistente na integral recuperação ambiental dos ecossistemas localizados na
área geográfica definida no item 1 desta ação, mediante a adoção, em definitivo, de
todas as medidas jurídicas indispensáveis, extrajudicial ou judicialmente, na Justiça
Federal, tais como, por exemplo, a demolição de todas as estruturas físicas (edificações
ou acessões), que ocupam ilegalmente bens da União, sejam ou não considerados
APPs, incluindo a retirada das fundações e dos resíduos decorrentes de sua demolição,
com a adequada disposição final dos detritos, consoante expressa previsão em Plano de
Recuperação de Área Degradada - PRAD, a ser aprovado e fiscalizado pela União e pela
Floram, sob a fiscalização do MPF. Em caso de desobediência, deverá ser imposta pena
de multa diária de R$ 1.000,00 a cada uma das pessoas físicas responsáveis
(autoridades), bem como aos eventuais ocupantes ou possuidores dos terrenos, d) a
condenação do Município de Florianópolis e da Floram em obrigação de fazer, qual seja,
adotar em definitivo toda as medidas afetas ao seu poder de polícia administrativa, para
que não mais permitam (quer por ação, quer por omissão) novas interferências,
construções ou ocupações na área geográfica definida no item 1 desta ação, quando
afetarem bens da União, APPs ou bem de uso comum do povo, sob pena de aplicação
de multa diária de R$ 1.000,00 a ser imposta às pessoas físicas responsáveis, f) a
condenação da União (especialmente por meio da SPU/SC) em obrigação de fazer,isto
é, tomar em definitivo todas as medidas afetas ao seu poder de polícia administrativa, a
fim de que: I. não mais permita (quer por ação, quer por omissão) novas interferências,
construções ou ocupações na área geográfica definida no item 1 desta ação, II. adote
todas as providências cabíveis para o efetivo e imediato cumprimento do artigo 10, caput,
da Lei 9.636/98, III - se abstenha, doravante, de praticar atos administrativos (tais como
conceder autorizações de ocupação) sem que seja observado - rigorosa, prévia e
integralmente - o procedimento legal necessário para a utilização de área pertencente à
União, devendo, antes, estar inequivocamente comprovada (com base em documento
técnico competente) a manifestação favorável do IBAMA, do ICMBIO ou da Floram - sem
prejuízo, ainda, da comprovação da utilidade pública ou do interesse social de eventuais
intervenções, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 a ser imposta às pessoas físicas
responsáveis (autoridades).

Pois bem. A litispendência decorre do princípio constitucional da segurança


jurídica, previsto no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal, e auxilia o Poder Judiciário a evitar
decisões conflitantes, além de assegurar que os indivíduos não sejam demandados mais de uma vez
por uma mesma questão, tornando-se assim, elementos da paz social.

No caso em tela, a ação civil pública n..., proposta pelo Ministério Público Federal
em 2016 em desfavor dos entes públicos, possui finalidade idêntica à da presente ação, ou seja, a
demolição de edificações erigidas supostamente em condão de dunas, configurando assim, a
litispendência nos termos do art. 337, §1º do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: [...]


VI - litispendência; [...]
§ 1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada. [...]
§ 3º Há litispendência quando se repete ação que está em curso.

Evidente a ocorrência de litispendência, porquanto o Ministério Público Federal


propôs nova ação ao mesmo tempo em que outra ação, idêntica, está em curso, e eventual
procedência da demanda quando esgotados os recursos, certamente atingirão à Requerida.

À propósito, estando a mesma área descrita nesta ação civil pública abrangida pela
r. sentença proferida nos autos..., cujos efeitos estão suspensos por força do Pedido de Efeito
Suspensivo n..., a prolação de nova decisão, tendo por objeto imóvel inserido nos limites geográficos
da referida demanda, viola a decisão de suspensão determinada pelo E. Tribunal Regional Federal
da 4ª Região.

Assim, está evidenciada a litispendência almejada, devendo a presente ação ser


extinta sem julgamento do mérito.

5. DO MÉRITO

5.1. AUSÊNCIA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

O Ministério Público Federal sustenta que a Requerida, realizou “sem a


autorização dos entes ambientais, a implantação de uma piscina e a construção de rampas e muros
sobre o cordão de dunas frontais da praia, com remoção da vegetação de restinga fixadora de
dunas, em terreno de marinha e área de preservação permanente (por estar a menos de 300 metros
da linha de preamar máxima).”

No entanto, ao contrário da narrativa ministerial, não se trata de área de


preservação permanente, porque nem toda área de restinga configura aquele instituto, conforme
preceitua o inc. VI, do art. 4º, do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), in verbis:

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para


os efeitos desta Lei:
[...]
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

O Código Florestal de 1965 (Lei n. 4.771/65), por sua vez, estabelecia, em seu art.
2º, alínea f, que:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e


demais formas de vegetação natural situadas:
[...]
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

Ou seja, de acordo com a expressa previsão legal, para fins de área de


preservação permanente, são consideradas as restingas, as que atuam como fixadoras de dunas ou
estabilizadoras de mangues.

É dizer que, não se deve considerar como área de preservação permanente toda e
qualquer espécie de restinga. Entendimento diverso, colocaria praticamente todo o litoral catarinense
– quiçá do Brasil, onde há a maior concentração populacional –, como de preservação permanente,
de modo que a atual ocupação de qualquer imóvel numa faixa de 300 metros seria irregular.

À propósito, à chamada "vegetação de restinga" é protegida pela Lei Federal n.


11.428/2006, que trata do Bioma Mata Atlântica:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as
seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas
delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista,
também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta
Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as
vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do
Nordeste.
Parágrafo único. Somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e
nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de
abrangência definida no caput deste artigo terão seu uso e conservação regulados por
esta Lei.

E, como exposto nos artigos 20 e seguintes da Lei da Mata Atlântica, são


permitidos o corte e a supressão, desde que cumpridos determinados requisitos, diferentemente das
áreas de preservação permanente, onde, praticamente, é impossível o exercício de qualquer
atividade.

Na sequência, a mesma Lei, que inclui a restinga como formação florestal nativa do
"Bioma Mata Atlântica", explicita a forma de ocupação rural e urbana de tais espaços:

Art. 7º A proteção e a utilização do Bioma Mata Atlântica far-se-ão dentro de condições


que assegurem:
I - a manutenção e a recuperação da biodiversidade, vegetação, fauna e regime hídrico do
Bioma Mata Atlântica para as presentes e futuras gerações;
II - o estímulo à pesquisa, à difusão de tecnologias de manejo sustentável da vegetação e
à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de recuperação e
manutenção dos ecossistemas;
III - o fomento de atividades públicas e privadas compatíveis com a manutenção do
equilíbrio ecológico;
IV - o disciplinamento da ocupação rural e urbana, de forma a harmonizar o crescimento
econômico com a manutenção do equilíbrio ecológico.
Obviamente, se vedada fosse qualquer espécie de ocupação (rural e urbana) sobre
a restinga, não estaria disciplinada em Lei. Ao que se vê, o dispositivo antes transcrito alude à
harmonização do crescimento econômico com a manutenção do equilíbrio ecológico, o que traduz
precisamente o conceito de "sustentabilidade".

Entretanto, é a lei que assim quer (art. 2º, f da Lei 4.771/65; art. 3º, XVI, da Lei
12.651/2012; art. 2º da Lei 11.428/2006), cumprindo ao julgador sua concretude enquanto não
alterada, caso contrário seria transformar o processo judicial em fonte legiferante.

Frisa-se que, em nenhum momento, se está desprezando os princípios inerentes à


tutela ambiental. Entretanto, assim como em todos os ramos do direito, não se pode transformar um
princípio em direito absoluto, mas, ao contrário, é necessário permitir o desenvolvimento econômico e
social em harmonia com o meio ambiente.

Dessa forma, há de ser reconhecida que não é toda restinga que será considerada
área de preservação permanente, mas apenas aquelas que fixarem dunas ou estabilizarem
mangues, o que não é o caso dos autos, razão pela qual a improcedência da demanda é de rigor.

5.2. IMPOSSIBILIDADE DE INVALIDAR ATOS ADMINISTRATIVOS

O Ministério Público requereu “a invalidação de todos os atos administrativos


praticados - tais como licenças e autorizações (ambientais ou não) - pela UNIÃO (por exemplo,
SPU), pelo MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e pela FLORAM em proveito de qualquer das
edificações ou acessões sub iudice, ou seja, a piscina, os patamares de acesso à praia com rampas
e os muros identificados no LAUDO DE PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL, no imóvel situado na Praia
do Morro das Pedras, Bairro Campeche, em Florianópolis/SC, e, ainda, outras estruturas físicas que
eventualmente tenham sido erigidas no local, bem como a proibição, em caráter definitivo, da
edificação de qualquer outra ocupação na ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE do imóvel –
faixa de restinga fixadora de dunas.”

Ocorre que, não há nos autos qualquer prova robusta a demonstrar ilegalidade na
concessão de eventuais autorizações, corolário disso, é presumir-se legítimos e imperativos
os atos administrativos. Nessa tessitura, valiosos são os ensinamentos de Marçal Justen Filho 6, que
vaticina:

A presunção de legitimidade ao ato administrativo é um instrumento necessário à


satisfação dos deveres inerentes à função administrativa. Como há encargos impostos ao
Estado e fins que deve realizar, tem ele de dispor de instrumental jurídico compatível. Não
seria possível ao Estado cumprir suas funções administrativas se lhe fosse reservada
situação jurídica idêntica àquela dos particulares.Se não houvesse a presunção de
legitimidade do ato administrativo, o Estado teria de recorrer ao Poder Judiciário para

6
Curso de direito administrativo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 280.
obter provimento jurisdicional comprovando a legitimidade dos seus atos, e somente
assim poderia vincular os terceiros.

Vale trazer à baila o conceito de ato administrativo, que segundo o professor Hely
Lopes Meirelles traduz-se em:
7

[...] toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa


qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e
declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello8, é a:

Declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes - como, por exemplo, um
concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada
mediante providências jurídicas complementares da lei, a título de lhe dar cumprimento, e
sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

E, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro9:

Ato administrativo é "a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos
jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita
a controle pelo Poder Judiciário.

Por óbvio que tais conceitos abrangem os atos gerais e abstratos, como os


regulamentos e instruções, e atos convencionais, como os contratos administrativos, licenças e
autorizações.

O ato administrativo deve pautar-se sempre no sistema jurídico vigente, sob pena
de poder ser caracterizado como ilegal acaso descumprido o ordenamento. Entretanto, o regramento
normativo pode ou não deixar margem de liberdade de decisão quanto ao aspecto da atuação do
Poder Público, razão pela qual os tais atos podem ser classificados em: vinculativos e discricionários.

Em breve síntese, atos vinculativos são aqueles nos quais o regramento atinge os


vários aspectos de uma atividade determinada, como o próprio nome já diz, ou seja, a expedição
destes atos não comporta espaço para discussões de conveniência se deve ou não ser expedido,
basta que os requisitos sejam preenchidos para que haja sua expedição/emissão.

Por outro lado, nos atos classificados como discricionários, o regramento não


atinge todos os aspectos da atuação da administração, ou seja, são aqueles que terão sua
expedição/emissão condicionada a uma análise e um estudo aprofundado, facultando-se ao Poder
Público sua expedição/emissão ou não.

Diante dessas breves considerações, aclarada a questão conceitual, faz-se


importante relembrar que o ato administrativo, quanto ao seu conteúdo, pode ser classificado em
autorizações, licenças, admissões, permissões, aprovações, homologações, pareceres e vistos. E
7
Direito administrativo brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
8
Curso de direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
9
Direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
são de licenças e autorizações (ambientais ou não), que se funda o pedido do Ministério Público
Federal.

Pois bem, as licenças e autorizações administrativas, aqui, com enfoque nas


ambientais, possuem natureza jurídica de ato administrativo vinculado, como se pode verificar de
alguns conceitos trazidos por renomados juristas de nosso ordenamento.

Hely Lopes Meirelles10:

Licença administrativa é "o ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder
Público, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, faculta-lhe o
desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais antes vedados ao particular,
como, por exemplo, o exercício de uma profissão, a construção de um edifício em terreno
próprio".

Celso Antônio Bandeira de Mello11:

Licença é o ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o


exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos
requisitos legais exigidos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro12:

Licença administrativa é "o ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a


Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma
atividade". Com isso, diz-se que a licença administrativa é um ato administrativo vinculado,
ou seja, sua concessão dependerá do preenchimento de determinados requisitos
previstos em lei, de maneira que não se admite a análise por parte da Autoridade Pública
da conveniência ou não daquele ato.

E, no caso de licenças ou autorizações ambientais, nada se difere. Possui ela


natureza jurídica de ato administrativo vinculativo, portanto, sua concessão pressupõe validade, ao
passo que não há espaço para discussões.

Nessa linha, temos que todo ato administrativo deve ser considerado, a princípio,
como realizado de acordo com a Lei e de acordo com a realidade. Tanto o é, que o Superior Tribunal
de Justiça13 entende que "ato administrativo goza de presunção de legalidade que, para ser afastada,
requer a produção de prova inequívoca [...]."

Nas palavras de Cassage, citado por Di Pietro14:

A presunção de legitimidade constitui um princípio do ato administrativo que encontra seu


fundamento na presunção de validade que acompanha todos os atos estatais, princípio
em que se baseia, por sua vez, o dever do administrado de cumprir o ato administrativo.

10
Direito administrativo brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 170.
11
Curso de direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 418.
12
Direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 236.
13
AgRg no Resp n. 1137177/SP.
14
Direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 206.
Não se pode determinar a suspensão ou anulação de eventuais atos
administrativos exarados tanto pela municipalidade, quanto pela União, mesmo porque, trata-se de
pedido genérico que viola o direito do contraditório e da ampla defesa, ante a inexistência de
quaisquer provas que a cabia ao Ministério Público Federal produzir.

Por fim, ressalte-se que as ações da administração pública, quer na esfera


municipal, quer na esfera federal, estão dentro dos lindes da legalidade, não merecendo a
procedência do pedido ministerial no ponto.

5.3. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO – MEDIDA EXTREMA – VIOLAÇÃO AO


PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE –
DESFAZIMENTO DA OBRA – IMPACTO AMBIENTAL MAIS
GRAVOSO DO QUE SUA MANUTENÇÃO - VEDAÇÃO LEGAL

Cediço que a demolição é medida extrema que só pode ser adotada em casos
excepcionais, e, sendo assim, há de se reconhecer a possibilidade de regularização ambiental da
área, uma vez que se trata de área urbana consolidada, bem como dos reconhecidos danos
ambientais que a demolição poderá causar, o que leva ao afastamento da pretensão ministerial em
observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e a autorização que preceitua o já
citado artigo 19, §3º do Decreto Federal 6.514/20082 c/c art. 6º, inc. I a III, e art. 72, VIII, da Lei
9.605/98, in verbis:

Art. 19.  A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autoridade ambiental,
após o contraditório e ampla defesa, quando: [...]
§ 3º Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for
comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua
manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada,
deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à
cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.  
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para
a saúde pública e para o meio ambiente;
II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse
ambiental;
III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o
disposto no art. 6º: [...]
VIII - demolição de obra;

Como comprovado por meio de perícia técnica nos presentes autos, a penalidade
de demolição não necessariamente resultará em melhorias ao meio ambiente, por conta das
ressacas ou marés de tempestade. Por outro lado, evidentemente, acarretará danos mais sérios ao
meio ambiente e à estrutura da residência, comprometendo o equilíbrio ecológico alcançado na
região com o passar do tempo, representando, assim, malferimento aos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade.

Em casos assim, decidiu a Corte Federal da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO. RECUPERAÇÃO


AMBIENTAL. PRAD. ÁREA URBANA CONSOLIDADA. PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. 1. Em se tratando de área urbana
consolidada, a determinação de demolição da edificação para o fim de recuperação da
área não se reveste de sucesso prático. 2. Além da proteção ao meio ambiente há outros
direitos em risco que podem permitir a utilização de áreas já antropizadas e a manutenção
das edificações existentes. Desconsiderar a situação ocupacional da região representa
postura que não se coaduna com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da
razoabilidade.  (TRF4, AC 5022828-90.2014.4.04.7201, TERCEIRA TURMA, Relator
FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 14/06/2017).

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. DIREITO


AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO. DESOCUPAÇÃO. INVIABILIDADE.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE DANO. 1. O princípio
da proporcionalidade aplica-se ao caso, eis que se trata de área urbana
consolidada e que a demolição não se apresenta a melhor solução para resolver
as irregularidades das construções na localidade. Parece mais apropriada uma
regularização que dê conta de harmonizar todas as ocupações com a proteção
daquele meio ambiente. 2. Apelações improvidas. (TRF4, AC 5005416-
29.2012.4.04.7004, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA
LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 24/04/2017)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO UNIFAMILIAR. ÁREA
DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. INVIABILIDADE. ÁREA
URBANIZADA E ANTROPIZADA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. O imóvel
ocupado pelo réu está inserido integralmente em terrenos da União, em área non
aedificandi, distando a menos de 30 metros do curso d'água, consoante limitações do
Código Florestal então vigente (Lei 4.771/1965) e também de acordo com o que dispõe a
Resolução Conama 303/2002. Entretanto os danos ambientais verificados são
decorrentes do processo de ocupação da região como um todo, incluindo o imóvel acerca
do qual versam os autos. Trata-se, no caso, de área urbana consolidada, de acordo com a
Resolução Conama nº 303/2002, instituída pelo Poder Público e servida com os
equipamentos de infra-estrutura urbana descritos na referida legislação. Em se tratando
em área há muito urbanizada, é certo que a retirada de uma edificação isolada não surtirá
efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local encontram-
se totalmente edificadas, não se justificando a penalidade de demolição.  A efetiva
recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta, com a
remoção de todas as construções, de modo que a demolição exclusiva da residência da
parte ré não constituiria medida útil para referido fim, sendo, portanto, desproporcional.
Além da proteção ao meio ambiente, há outros direitos em risco, que, no caso concreto,
podem permitir a utilização de áreas já antropizadas e a manutenção das edificações
existentes. Desconsiderar a situação ocupacional da região representa postura que não se
coaduna com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.
(TRF4, AC 5017644-59.2014.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE
BARTH TESSLER, juntado aos autos em 06/07/2017).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA


DE AUTORIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL. Apesar de ter ocorrido a
construção de imóvel em área de preservação permanente sem autorização da
administração federal, a demolição do mesmo é medida desproporcional, diante da
evidente urbanização da área, sendo caso apenas de medida compensatória em favor de
projeto de recuperação ambiental. (TRF4, AC 2006.72.04.000452-9, Terceira Turma,
Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 03/02/2011).

Diante desse quadro, a medida de demolição implicaria afronta aos princípios


da proporcionalidade e da razoabilidade, sopesando-se, de um lado, a necessidade de adequação
das estruturas objeto da lide com medidas de mitigação e condicionantes a fim de regularizá-las
frente ao órgão competente, e, de outro, a desproporcionalidade da medida de demolição no caso
concreto, mesmo porque, as estruturas objeto da lide são de fundamental importância no local, razão
que afasta a pretensão ministerial.

5.4. DO PEDIDO DE OBRIGAÇÃO AO PAGAMENTO DE


INDENIZAÇÃO – DESCABIMENTO – DANO AMBIENTAL NÃO
VERIFICADO – MARÉS DE TEMPESTADE

Ao final de sua peça inicial, o Ministério Público Federal também requereu que a
Requerida seja condenada “em obrigação de indenizar, relativa a todos os danos materiais
provocados ao Meio Ambiente pelas intervenções ilegais promovidas no local (como, por exemplo,
na implantação da piscina e na construção dos patamares de acesso à praia com rampas e muros
identificados no laudo de perícia criminal federal...), no imóvel que está na Praia do Morro das
Pedras, Bairro Campeche, em Florianópolis/SC, [...], e, ainda, outras estruturas físicas que
eventualmente tenham sido erigidas no local. A quantificação dos danos causados à APP e aos bens
da UNIÃO (eg, TERRAS DE MARINHA) deverá ser arbitrada pelo Juízo.”

Em que pese o brilhantismo das alegações do Parquet Federal, razão não lhe
assiste. Isso porque, conforme visto, a pretensão indenizatória está prescrita, e ainda que se entenda
diferente, inexistem danos indenizáveis.

Como demonstrado ao longo da contestação, não restou demonstrado qualquer


dolo, fraude ou má-fé da Requerida no tocante às estruturas erigidas na área objeto da lide. Lado
outro, o próprio laudo pericial atestou que as estruturas precisaram ser erigidas, em período anterior
ao ano de 2009, em razão das ressacas ou marés de tempestade que afetam a região. Repise-se:

O referido Atlas apresenta uma análise espaço-temporal da ocorrência dessas marés de


tempestade no período de 1997 a 2010, na qual foram encontrados 46 registros deste tipo
de evento, que causaram danos significativos nos municípios da costa catarinense. O
estudo identificou os dez municípios mais afetados, onde se destaca Florianópolis como o
primeiro, com frequência muito alta – entre 5 a 6 episódios no período estudado.
Diante do exposto é possível admitir que na praia do Morro das Pedras possa ter havido
um evento natural com características de desastre, portanto de forte intensidade e de
forma inesperada, que tenha removido a vegetação de restinga protetora das dunas em
frente ao local examinado e seu entorno. Desde aquela data é possível observar um
delimitador linear na testada do terreno, compatível com um muro. Não fica claro em que
momento os patamares foram construídos, mas à medida que a erosão da praia
continuava, houve a necessidade de construção de muros de contenção do terreno e,
consequentemente, de rampas de acesso à praia. Verifica-se, ainda, que neste período
(entre 2002 e 2007) foi construída a piscina (Figuras 15 e 16).

Repise-se também, a resposta dada pelos experts quando indagados pelo Parquet:

10. O dano é passível de recuperação?


Sim. É possível recuperar a vegetação protetora de dunas, mas há que se considerar a
ocorrência de eventos climáticos extremos, que poderão comprometer esta recuperação.

Ou seja, ainda que se determine a retirada do muro, não há qualquer evidência de


que a área se regenere, mesmo porque, são as ressacas que provocam os maiores danos ao meio
ambiente, as quais têm se intensificado por consequência do aquecimento global.

Indubitável que os muros foram implantados por necessidade de preservar a


residência da Requerida, e não com a intenção de destruir o meio ambiente, e, portanto, não há dano
a ser indenizável, de modo que a improcedência da demanda é de rigor.

5.5. INEXISTÊNCIA DE TERRENOS DE MARINHA – LINHA


DA PREAMAR MÉDIA DE 1831 – AQUECIMENTO
GLOBAL – ELEVAÇÃO DO NÍVEL DOS OCEANOS –
ENCOBRIMENTO DOS TERRENOS DE MARINHA

O Ministério Público Federal sustenta que a Requerida implantou “uma piscina e a


construção de rampas e muros sobre o cordão de dunas frontais da praia, com remoção da
vegetação de restinga fixadora de dunas, em terreno de marinha e área de preservação permanente
(por estar a menos de 300 metros da linha de preamar máxima).”

No entanto, para que uma construção invada os limites compreendidos como


terreno de marinha, deve estar situada dentro da área de 33 metros contados da linha da preamar
média do ano de 1831, consoante a dicção do art. 13, do Decreto n. 24.643, de 10 de julho de 1934,
que dispõe sobre o Código de Águas:

Art. 13. Constituem terrenos de marinha todos os que, banhados pelas aguas do mar ou
dos rios navegáveis, vão até 33 metros para a parte da terra, contados desde o ponto a
que chega o preamar médio.
Este ponto refere-se ao estado do lugar no tempo da execução do art. 51, § 14, da lei de
15/11/1831.

Igualmente, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, que dispõe sobre


os bens da União, reafirmou a propriedade da União sobre os terrenos de marinha e a referência ao
preamar médio de 15 de novembro de 1831.

Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:


a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros,
medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de
1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até
onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das
marés.

Além disso, o citado decreto atribuiu ao Serviço do Patrimônio da União a


determinação da posição da linha do preamar médio do ano de 1831, levando-se em consideração
documentos e plantas relativos ao referido ano ou, na ausência destes, com lastro nos documentos
que mais se aproximem do ano base.

Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da


posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes
ordinárias.
Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade
irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se
aproxime.

Para análise e verificação quanto aos procedimentos utilizados pela Secretaria do


Patrimônio da União - se estão tecnicamente corretos e em obediência à legislação específica,
necessário se faz a produção de prova técnica para estudo dos critérios utilizados pela União para
determinar, no local, a posição da Linha de Preamar Média de 1831 (LPM-1831) e dos terrenos de
marinha demarcados a partir desta LPM.

Faz-se necessário tal prova pericial em razão da ausência de LPM-1831


homologada, que diante, é apenas somente a LPM-1831 presumida para grande parte do território do
Estado de Santa Catarina, inclusive no local objeto da lide.

Para a correta demarcação das áreas de marinha, deve-se utilizar de uma


metodologia complexa, que envolve estudos multidisciplinares das áreas de hidrologia, informática,
geodésia, topografia e cartografia, além de vistoria local, levantamentos, estudo de relatórios, dados,
mapas, plantas, imagens e análise hidrográfica.

Busca-se nesta sede demonstrar a imposição de um rigorismo científico na


determinação da Linha de Preamar Médio, para afastar qualquer incorreção técnica ou legal na
demarcação, a fim de evitar o reconhecimento judicial do avanço de terras de marinha sobre áreas
de domínio particular.

Portanto, o deslinde da causa perpassa, inevitavelmente, pela questão probatória


especializada. Assim, para se verificar o alcance, ou não, do imóvel por área de titularidade da União,
faz-se imprescindível a produção de prova pericial.

Pois bem.

A legislação sobre os terrenos de marinha foi criada pela Ordem Régia de 18 de


novembro de 1818, estabelecendo uma faixa territorial nas margens marítimas da costa brasileira de
15 braças craveiras (unidade antiga de medida em que cada braça craveira é equivalente a 2,20 m),
contadas para o lado de terra a partir da “borda do mar nas marés de águas vivas”.

Entretanto, foi a partir de 1832 que os problemas sobre as demarcações destas


parcelas imobiliárias sugiram, pela mudança do referencial que passou a ser a “linha da
preamar média do ano de 1831”, em conformidade com o artigo 4° das Instruções do Ministério da
Fazenda, datada de 14 de novembro de 1832.

Desde os tempos mais remotos até os anos atuais os terrenos de marinha e seus
acrescidos vêm sendo demarcados pela Secretaria do Patrimônio da União – SPU, órgão
do Ministério do Orçamento, Gestão e Planejamento, a partir de uma “linha presumida de preamar
média de 1831”, porque aquele órgão do Governo Federal não tinha meios de calcular
a LPM/1831 com a precisão e exatidão métrica requerida na caracterização destas parcelas
imobiliárias.

Corolário lógico, é que os terrenos de marinha partem da linha da preamar-média


de 1831, e não da linha da preamar-média atual, do próximo ano ou de qualquer outro período.

Contudo, é impossível negar o avanço do mar ao longo dos anos em direção ao


continente, tomando as áreas de terrenos de marinha. Nessas situações, o terreno de marinha não
avança sobre os terrenos alodiais, mas continua onde sempre esteve a contar da linha da preamar-
média de 1831. Se o mar avança sobre os terrenos de marinha, o prejuízo é da União, que acaba por
perder a área.

Obéde Pereira de Lima15 apresentou tese de doutorado ao Programa de Pós-


Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina, intitulada “Localização
geodésica da linha da preamar média de 1831 – LPM/1831”, com vistas à demarcação dos terrenos
de marinha e seus acrescidos, propondo-se a comprovar a viabilidade técnica de demarcar nos dias
de hoje a linha da preamar-média de 1831, valendo-se das técnicas e dos avanços científicos da
atualidade, refutando os procedimentos adotados pela Secretaria do Patrimônio da União.

15
LIMA, Obéde Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar média de 1831 – LPM/1831, com vistas à demarcação dos
terrenos de marinha e seus acrescidos. Florianópolis, SC, 2002. xx, 250 p. Tese (Doutorado em Engenharia) – Programa de Pós-
Graduação em Engenharia Civil, UFSC, 2002.
Em aperta síntese, de acordo com a metodologia desenvolvida pelo autor do
estudo, deve-se instalar e colocar em operação a estação maregráfica, visando a obtenção de dados
amostrados da maré durante período mínimo de um ano, em conjunto com a determinação das
coordenadas geodésicas de pelo menos dois pontos extremos, utilizando aparelho de GPS (Global
Positioning System) em posicionamento com precisão de 01 ppm, para amarração de controle de
levantamento planialtimétrico da linha de costa e dos perfis de praia.

Em seguida, se deve processar os dados levantados, efetuando-se a análise


harmônica das marés e a retrovisão da preamar-média para o período de 1831, utilizando o auxílio
de computadores. Então, processados esses dados, basta se valer de técnicas de topografia para
precisar a linha da preamar-média de 1831 no terreno em análise e, por consequência, os
verdadeiros limites do terreno de marinha.

Obéde Pereira de Lima acrescenta que houve avanço do mar sobre o continente, o
que é resultado de fenômenos climáticos, como por exemplo, o aquecimento global, que provoca o
degelo de camadas glaciais. Em razão disso, segue o autor, grande parte dos terrenos de marinha,
se contados rigorosamente - como devido - da linha da preamar-média de 1831, já estão encobertos
pelo mar, isto é, já não existem.
Daí que a mudança da preamar para o ano de 2000, por exemplo, produz o efeito
de fazer ressurgir e de avançar os terrenos de marinha sobre o continente, mais precisamente sobre
os terrenos alodiais, pertencentes a terceiros, violando o inciso XXII do art. 5º da Constituição
Federal, cujo texto garante o direito de propriedade.

Esse fenômeno não é isolado, e pode ter encoberto a maior parte dos terrenos de
marinha, inclusive, na área objeto da lide, sendo imprescindível a realização de perícia para que se
verifique a quaestio e se possa dar a melhor solução aos autos, até porque, a competência do
Ministério Público Federal para promover a demanda restaria prejudicada.

5.6. PRESCRIÇÃO – PRETENSÃO REPARATÓRIA – PRETENSÃO


RESSARCITÓRIA – FATOS OCORRIDOS ENTRE 2002 E 2009

No caso em tela, o Ministério Público Federal requer a recuperação da área em


que instalados uma piscina e muros de contenção, que, segundo laudo elaborado por experts da
Polícia Federa, datam de 2002 a 2009, caracterizando assim, a prescrição da ação de reparação.

Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal - STF reconheceu a


repercussão geral sobre o tema da imprescritibilidade do dano ambiental, que rendeu azo à edição
do Tema 999, fixando-se por ocasião do julgamento a seguinte Tese: "é imprescritível a pretensão
de reparação civil do dano ambiental". 

Maxima venia, a questão merece melhor análise.


Maria Helena Diniz16 ensina que o instituto da prescrição pode ser conceituado
como a perda da pretensão de exigibilidade atribuída a um direito, em razão da inércia do seu titular,
no prazo legal, cujo termo inicial é o da violação do direito. Por pretensão entenda-se o poder de
exigir coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico (prestação), surgida a partir da violação do
direito.

Enquanto a Lei da Ação Civil Pública nada dispõe acerca da prescrição, o artigo
189 do Código Civil de 2002 dispõe que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206. Por sua vez, o artigo 206, §
3º, inciso V, do mesmo diploma legal, determina prescrever em três anos a pretensão de reparação
civil, resguardadas as hipóteses de incidência de causas suspensivas ou interruptivas.

Carlos Roberto Gonçalves17 lembra que o instituto da prescrição é necessário, para


que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos.

Referida tranquilidade já era apontada por Pontes de Miranda 18 muito antes da


vigência da Constituição Federal de 1988, sob o argumento de que os prazos prescricionais servem à
paz social e à segurança jurídica. Segundo o renomado doutrinador, a prescrição não destrói direito,
tão pouco apaga as pretensões, e sim, atendem à conveniência de que um direito não perdure por
demasiado tempo.

Temos, portanto, que a prescrição objetiva preservar a estabilidade social e a


segurança jurídica, de modo que não existam relações jurídicas perpétuas, que poderiam obrigar ad
eternum outros sujeitos, causando-lhes tormentas constantes ao ponto de serem obrigados
indefinidamente à reparação.

No entanto, o legislador também prevê expressamente causas de


imprescritibilidade, como a prática do racismo, prevista no artigo 5º, inciso XLII; a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional do Estado Democrático elencada no artigo
5º, inciso XLIV; a impossibilidade de usucapião de imóvel público nos termos do artigo 183, § 3º; e,
os direitos sobre terras indígenas, conforme preceitua o artigo 231, § 4º, todos da Constituição
Federal.

A regra é a prescritibilidade das pretensões, regra esta que comporta exceções, as


quais somente a Constituição Federal, explicita ou implicitamente poderia prever, mas quando
implícitas, dependem de profunda análise e interpretação, pois ao contrário, estar-se-ia confrontando
o próprio texto constitucional, especificamente em relação ao princípio da segurança jurídica.

Ocorre que a prescrição não é uma mera opção do legislador. Ao contrário, está
inserida em um grupo de institutos jurídicos que são corolários diretos e obrigatórios do próprio

16
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 256-257.
17
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 316.
18
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. São Paulo: RT, 1971, p. 131.
princípio da segurança jurídica, compreendido por Canotilho19, como um dos grandes pilares do
próprio Estado Democrático de Direito, ao lado do princípio da legalidade.

Nesse sentido, o renomado doutrinador Paulo de Bessa Antunes 20 pontua o


confronto entre a imprescritibilidade e a segurança jurídica:

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que, nos casos individuais, uma vez que o autor
esteja cientificado da lesão e do seu autor, contra si começa a fluir o prazo prescricional.
Em se tratando das ações coletivas, isto é, das ações civis públicas, não vejo porque a
situação deva merecer tratamento diferente. Em primeiro lugar, há que se considerar que,
na forma do art. 5° da Lei 7347/85, existe previsão legal para a legitimidade ativa de toda
uma infinidade de autores, legitimidade esta que tem sido ampliada pelos tribunais desde
há muito tempo. Assim, o temor de que o bem jurídico meio ambiente fique desprotegido
é, evidentemente, despropositado. Entretanto, não é despropositado o temor de que a
manutenção de questões abertas e sem definição legal clara possam desequilibrar
relações jurídicas e violar os preceitos de justiça que devem informar à ordem jurídica.
[...]
O importante da manutenção da possibilidade teórica da ocorrência da prescrição é
assegurar que o equilíbrio jurídico não seja quebrado, garantindo a existência do preceito
de justiça que, ante a existência da responsabilidade objetiva, sofre uma transmutação
significativa. Romper a barreira prescricional seria, no caso concreto, estabelecer um nível
insuportável de falta de isonomia, com graves reflexos para a vida do direito e,
reflexamente, para a atividade econômica.

Para o Ministro Mauro Campbell Marques do Superior Tribunal de Justiça, ao


proferir voto vista no Recurso Especial n. 1.120.117, as pretensões de ressarcimento por violação
aos direitos fundamentais, tanto na esfera moral como na patrimonial, ainda que em sede coletiva,
não poderiam ser cobertas pela imprescritibilidade, pelo simples fato de possuírem natureza
sancionadora. Por isso seria correta a incidência dos prazos legais de prescrição previstos na
legislação. É que a Constituição Federal quando declara a imprescritibilidade de ações, sempre o faz
de maneira expressa.

Já um dos maiores administrativistas do país, o Professor Celso Antônio Bandeira


de Mello, após defender a imprescritibilidade para os atos de improbidade administrativa durante
anos, se convenceu que essa tese era insustentável diante do direito de defesa. Veja o que ensina o
emérito doutrinador21:

Até a 26ª edição deste Curso admitimos que, por forca do § 5º do art. 37, de acordo com o
qual os prazos de prescrição para ilícitos causados ao erário serão estabelecidos por lei,
ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, estas últimas seriam imprescritíveis.

[...]

Já não mais aderimos a tal desabrida intelecção. Convencemo-nos de sua erronia ao ouvir
a exposição feita no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em maio de 2009, pelo
jovem e brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou um argumento, ao nosso
19
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 258.
20
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2012, p. 74-75.
21
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 1080-1081.
ver irrespondível, em desfavor da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria
consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se
houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria
necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo. De fato, o
Poder Público pode manter em seus arquivos, por período de tempo longuíssimo,
elementos prestantes para brandir suas increpações contra terceiros, mas o mesmo não
sucede com estes, que terminariam inermes perante arguições desfavoráveis que se lhes
fizessem.

Não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos
princípios que adota no que concerne ao direito de defesa. Dessarte, se a isto se agrega
que quando quis estabelecer a imprescritibilidade a Constituição o fez expressamente
como no art. 5º, incs. LII e LXIV (crimes de racismo e ação armada contra a ordem
constitucional) e sempre em matéria penal que, bem por isto, não se eterniza, pois não
ultrapassa uma vida ainda mais se robustece a tese adversa a imprescritibilidade.

Está-se diante de um conflito entre princípios constitucionais. Se de um lado a


prescrição está ligada intimamente à segurança jurídica, ao direito do contraditório e ampla defesa, à
razoabilidade e proporcionalidade, do outro, há o interesse e compromisso em preservar o meio
ambiente, para as presentes e futuras gerações.

É claro que o meio ambiente é essencial à vida e que todos têm o dever de
preservá-lo. No entanto, a Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei
7.347/85 que dispõe sobre a Ação Civil Pública, a Lei 4.717/65 que regula a Ação Popular, a Lei
9.605/98 que trata dos Crimes Ambientais e o Decreto 6.514/08 que regulamenta a Lei de Crime
Ambientais, por exemplo, já dispõem de meios importantes para garantir a proteção do meio
ambiente, dispensando o reconhecimento da imprescritibilidade das ações de reparação.

Ora. Não cabe ao aplicador da norma e muito menos ao legislador, eternizar a


hipótese da reparação civil por danos provocados ao meio ambiente, visto que o dano decorre
principalmente da inércia e omissão do próprio Poder Público, o qual tem o dever legal da
fiscalização.

Impor a tese da imprescritibilidade, significaria buscar através do Poder Judiciário,


a criação de um cenário para que em um futuro breve, gerações muito antigas possam ser
responsabilizadas por danos supostamente provocados ao meio ambiente.

Outrossim, o fundamento da prescrição não é a convalidação de eventuais atos


ilícitos ou a liberação do sujeito passivo do direito subjetivo. De outro modo, visa garantir a
estabilidade das relações jurídicas, a segurança jurídica e, em última análise, a própria manutenção
do Estado Democrático de Direito, a fim de que não se perpetuem situações de sujeição jurídica, em
que o fator tempo só faz degradar, desfigurar, deturpar quaisquer tentativas de busca da verdade.

Por tais razões, se mostra razoável reconhecer a prescrição da pretensão


ministerial de demolição e recuperação da área objeto da lide, ou, alternativamente, reconhecer a
prescrição tão somente ao pagamento de indenização, porque esta última, não há dúvidas,
prescreve, aplicando-se, portanto, o prazo trienal, nos termos do art. 206, § 3º, inciso V do Código
Civil, ou outro previsto na norma civilista, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da
ampla defesa, da segurança jurídica, da propriedade e de sua função social e do direito à moradia,
constitucionalmente assegurados.

6. ALIENAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA - LEI Nº 13.240/15 –


POSSIBILIDADE – REGULARIZAÇÃO – EXTINÇÃO DO FEITO

A questão dos autos versa sobre edificação em terrenos de marinha, que caso
assim sejam considerados por prova pericial, então são bens de propriedade da União, por força do
art. 20, VII, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 20. São bens da União:


[...]
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Ocorre que, os terrenos de marinha, na dicção do art. 23 da Lei n. 9.636, de 15 de


maio de 1998, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens
imóveis de domínio da União, podem ser alienados, senão vejamos:

Art. 23. A alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização, mediante ato do
Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua
oportunidade e conveniência.
§ 1º A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em
manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação
ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade.
§ 2º A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro de Estado
da Fazenda, permitida a subdelegação.

Com efeito, a Lei n. 13.240, de 30 de dezembro 2015, que dispõe sobre a


administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União, foi publicada para suprir a
lacuna legislativa que impedia a venda dos bens dominicais pertencentes à Administração Federal.

Nesse sentido, é certo afirmar que os terrenos de marinha estão à venda e podem
ser adquiridos na forma da Lei 13.465/17 que alterou a Lei n. 9.636/98, pendente apenas, de edição
de Portaria pelo Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, nos termos do art.
16-C:

Art. 16-C.  O Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, permitida a


delegação, editará portaria com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação nos
termos do art. 16-A desta Lei. [...].

Portanto, caso seja comprovado por perícia que a área objeto da lide é terreno de
marinha, então poderá ser adjudicada por preço fixado na portaria ministerial, sanando-se qualquer
irregularidade administrativa na ocupação ou edificações.
7. REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA NÃO
ATENDIDOS – REVOGAÇÃO DA MEDIDA

O Ministério Público Federal requereu a antecipação dos efeitos da tutela deferido


por este. D. Juízo (Evento 14) nos seguintes termos:

a) ao Oficial do Cartório de Registro Imobiliário, responsável pela Circunscrição que


compreende o imóvel em questão, que seja feita a imediata averbação da propositura
desta ação e da respectiva decisão judicial liminar na margem da matrícula do registro
imobiliário do bem tratado neste feito, nos termos do artigo 167 da Lei 6.015/73, não só
para alertar proprietários, possuidores e detentores, mas também para dar publicidade a
eventuais terceiros de boa fé (inclusive em relação a ações de execução), sob pena de
pagamento de multa diária de R$ 5.000,00, a ser imposta às pessoas físicas
responsáveis, em caso de desobediência, b) ao Município de Florianópolis e à Floram
obrigação de adotar todas as medidas afetas ao seu poder de polícia administrativa, a fim
de que não permitam (quer por ação, quer por omissão), quaisquer novas interferências
no local dos fatos, mediante, por exemplo, a proibição da expedição de licenças,
autorizações ou alvarás (de natureza ambiental ou não), ou a suspensão da eficácia de
licenças, autorizações ou alvarás (de natureza ambiental ou não), relacionados com
reformas ou ampliações em imóveis já existentes, na área de preservação permanente do
imóvel, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5.000,00 a ser imposta às pessoas
físicas responsáveis (autoridades), em caso de descumprimento, c) à União,
especialmente por meio da SPU, obrigação de adotar todas as medidas afetas ao seu
poder de polícia administrativa, a fim de que não permita (quer por ação, quer por
omissão), quaisquer novas interferências no local dos fatos, mediante, por exemplo, a
proibição da expedição de certidões de inscrição de ocupação, ou de licenças,
autorizações ou alvarás, ou a suspensão da eficácia de licenças, autorizações ou alvarás,
relacionados com reformas ou ampliações em imóveis já existentes, na área de
preservação permanente do imóvel, sob pena de pagamento de multa diária de R$
5.000,00 a ser imposta ás pessoas físicas responsáveis (autoridades), em caso de
inobservância, d) à ré ou a quaisquer outras pessoas que, eventualmente, venham a lhe
suceder na titularidade da propriedade, posse ou detenção do imóvel, a imediata
paralisação de todas as obras que eventualmente estejam realizando ou custeando,
relacionadas com qualquer modificação no local, sob pena de pagamento de multa diária
de R$ 5.000,00 em caso de desatendimento.

Ocorre que o requerimento não merecia prosperar, ante a ausência de


demonstração dos requisitos autorizadores para concessão da tutela de urgência.
Isso porque, a simples alegação do Ministério Público Federal de que “os
documentos dos autos revelam que as construções foram erigidas sem licença ambiental, em terras
de marinha e área de preservação permanente. Ao longo dos anos, mais construções irregulares
foram sendo erigidas, sempre contando com a ineficiência dos entes públicos, os quais deveriam
zelar pelo Patrimônio Público e pelo Meio Ambiente” , maxima venia, não evidenciam qualquer perigo
de dano, probabilidade do direito ou risco ao resultado útil ao final do processo, os quais devem ser
preenchidos cumulativamente.
Ademais, a narrativa ministerial é genérica, contrariando o próprio laudo pericial
que, apesar de atestar as estruturas objetos da lide, informa que não necessariamente a retirada
delas implicaria em melhorias ao meio ambiente, em razão das ressacas ou marés de tempestade.
Aliás, os experts consignaram que, apesar de não ser possível estabelecer com
exatidão a data das estruturas, seria possível afirmar que foram erigidas entre o período de 2002 a
2009, e não há, ao contrário do que sustenta o Ministério Público Federal, nenhum elemento que
corrobore novas estruturas em data posterior a 2009.
Já foi dito que a pretensão da Requerida não é destruir o meio ambiente, mas tão
somente, preservar sua propriedade de eventos climáticos catastróficos que têm se agravado com as
mudanças climáticas, fruto, segundo especialistas, do aquecimento global.
Por outro lado, a medida liminar concedida insere a edificação da Requerida em
risco iminente e irreversível, pois se durante o processo houver ressacas abruptas e sejam
necessários reparos nas estruturas que evitam a erosão, nada poderá ser feito, ainda que com
autorização do Poder Público, falecendo a edificação de proteção das forças naturais, espalhando
escombros e detritos na faixa de areia, causando risco real para a comunidade.
Logo, não existe perigo de dano que fundamentasse o pedido, pois, como cediço,
as estruturas estão erigidas há décadas, tão pouco probabilidade de direito, pois a Requerida não
realizou nenhuma obra nova, nem pretende realizar, e sendo assim, a medida limiar merece
revogação.

8. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO – SUSPENSÃO DO PROCESSO

Cediço que as APPs têm a finalidade de evitar a ocupação humana em áreas de


alta fragilidade ecológica, como margens de rios, encostas íngremes, topos de morros, áreas
marinhas sujeitas a ressacas e outras, e o objetivo de proteger a cobertura vegetal nessas áreas, sua
flora e fauna, o solo e os recursos hídricos.

Ocorre que, quando tais áreas já são ocupadas há décadas, não há que se falar
em remoção da população, recuperação da área e/ou demolição das edificações. Claro que a
regularização de ocupação urbana em APP é um grande desafio a ser enfrentado nas cidades
brasileiras, porém, necessário, como no caso em tela.

É certo que as cidades, historicamente, nasceram e tendem a crescer próximo a


fontes hídricas, tendo em vista o abastecimento de água, a navegação, o comércio, o lazer e todas
as funções que os rios e o mar proporcionam à vida humana.

Não se pode negar a realidade das ocupações já existentes em APP, e por isso, é
imperativo solucionar a situação de insegurança em que vive parcela significativa da população
urbana. E a solução já está apontada na Lei 13.465, de 2017, resultante da conversão da Medida
Provisória 759, de 2016, que prevê normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização
Fundiária Urbana (Reurb), a saber:

Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à


Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas,
ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao
ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.
§ 1º Os poderes públicos formularão e desenvolverão no espaço urbano as políticas de
suas competências de acordo com os princípios de sustentabilidade econômica, social e
ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente,
combinando seu uso de forma funcional.
§ 2º A Reurb promovida mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para
os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de
dezembro de 2016.

Tal regularização, além de fundiária e urbanística, é, também, ambiental, sendo


admitida, inclusive, com relação a ocupações inseridas em áreas de preservação permanente (art.
11, §2º), verbis:

Art. 11 […]
2º Constatada a existência de núcleo urbano informal situado, total ou parcialmente,
em área de preservação permanente ou em área de unidade de conservação de uso
sustentável ou de proteção de mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a
Reurb observará, também, o disposto nos arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de
2012, hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito
da Reurb, que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação
informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso.

In casu, trata-se de área consolidada, que a própria Lei 13.465/17 cuidou de definir
nos artigos 36 e 93, elementos para a caracterização e definição da área urbana consolidada,
contemplando a situação da área objeto da lide, verbis:

Art. 36. O projeto urbanístico de regularização fundiária deverá conter, no mínimo,


indicação: [...]
§ 1º Para fins desta Lei, considera-se infraestrutura essencial os seguintes equipamentos:
I - sistema de abastecimento de água potável, coletivo ou individual;
II - sistema de coleta e tratamento do esgotamento sanitário, coletivo ou individual;
III - rede de energia elétrica domiciliar;
IV - soluções de drenagem, quando necessário; e
V - outros equipamentos a serem definidos pelos Municípios em função das necessidades
locais e características regionais.

Art. 93. A Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
“Art. 16-C. O Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, permitida a
delegação, editará portaria com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação nos
termos do art. 16-A desta Lei.
§ 1º Os terrenos de marinha e acrescidos alienados na forma desta Lei: [...]
II - deverão estar situados em área urbana consolidada.
§ 2º Para os fins desta Lei, considera-se área urbana consolidada aquela: [...]
V - com a presença de, no mínimo, três dos seguintes equipamentos de infraestrutura
urbana implantados:
a) drenagem de águas pluviais;
b) esgotamento sanitário;
c) abastecimento de água potável;
d) distribuição de energia elétrica; e
e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.

Adicionalmente, houve alterações à Lei Florestal, justamente nos arts. 64 e 65


supracitados, para compatibilizá-los à Reurb:

Art. 64. Na Reurb-S dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação


Permanente, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de
regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana.

Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação


Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida
por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de
regularização fundiária urbana.
1º O processo de regularização fundiária de interesse específico deverá incluir estudo
técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação
anterior e ser instruído com os seguintes elementos: […].

Assim, ainda que se considere eventual ocupação em área de preservação


permanente situada dentro de área urbana consolidada, e havendo, portanto, a possibilidade de
regularização fundiária, autorizando a permanência das estruturas, forçoso reconhecer a
imprescindibilidade da análise prévia de tal possibilidade no caso dos autos, anteriormente à prolação
da sentença, concedendo-se o prazo para início ao procedimento administrativo pertinente.

9. DOS REQUERIMENTOS

Isto posto, requer:

a) A intimação do Ministério Público Federal para se manifestar sobre a proposta de acordo de


suspensão dos autos até a efetiva regularização das edificações erigidas na área objeto da
lide.

b) Na hipótese de a proposta de acordo ser rejeitada, requer o acolhimento da preliminar de


litispendência, por se tratar da mesma área objeto da ação civil pública n..., cujos efeitos da r.
sentença estão suspensos, sob pena de violação à r. decisão de suspensão determinada pelo
e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (ev. 9 - Pedido de Efeito Suspensivo n...).
c) No mérito, requer seja julgada improcedente a presente ação, por todo o aqui exposto, ou,
alternativamente, seja reconhecida a prescrição da presente ação, por se tratar de fatos
ocorridos entre o período compreendido entre os anos de 2002 a 2009, ou, alternativamente,
tão somente à prescrição em relação ao pedido de condenação ao pagamento de
indenização pelos supostos danos provocados ao meio ambiente.

d) Seja reconsiderada a decisão liminar proferida no Evento 14, que determinou a imediata
paralisação de todas as obras que eventualmente a Requerida estivesse realizando ou
custeando na área objeto da lide, ante a ausência dos requisitos autorizadores da tutela.

e) Protestar provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos, em especial a
prova pericial para comprovar inexistência de terrenos de marinha, a documental e
testemunhal, a serem apresentadas em momento processual indicado por este d. Juízo.

Pede deferimento.

Florianópolis/SC, 24 de fevereiro de 2021.

ADVOGADO
OAB/SC
Petição assinada digitalmente
(Lei 11.419/2006, art. 1º, §2º, III, “a”)

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