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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.056.540 - GO (2008/0102625-1)

RECORRENTE : FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S/A


ADVOGADO : CRISTINA MARIA VASCONCELOS FALCÃO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
INTERES. : ALVORADA ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso


especial interposto, com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão
assim ementado (fls. 423-424):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL.


LEGITIMIDADE PASSIVA. NOVO PROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.
ANTIGO PROPRIETÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. PRESCRIÇÃO. PRAZO FIXADO PARA
REPARAÇÃO DO DANO.
1 - Em razão da natureza propter rem da obrigação de reparar dano
ambiental, o novo proprietário de imóvel que sofreu o referido dano também é responsável
pelo dano, ainda que o dano tenha sido causado pelo antigo proprietário.
2 - Também é responsável pelo dano, uma vez que causador do mesmo, o
antigo proprietário do imóvel em que houve o dano, ainda que tenha alienado tal imóvel.
Inteligência do art. 3º, IV, c/c 14, § 1º, ambos da Lei nº 6.938/81.
3 - Ambos os requeridos, ou seja, tanto a antiga proprietária da área, a qual
provocou o dano, quanto aquela que adquiriu o imóvel posteriormente, não reparando o dano,
são responsáveis solidariamente pelo mesmo. Tal entendimento, inclusive encontra amparo na
medida que melhor viabiliza a medida reparatória ou indenizatória perseguida.
4 - Segundo cristalina redação do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, a
responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, de forma que se torna desnecessária a
perquirição acerca da culpa do agente.
5 - Indiscutível a presença do nexo causal entre a conduta do agente e o dano
ocasionado, uma vez que comprovado satisfatoriamente nos autos, tendo, inclusive, a empresa
causadora do dano confessado que praticara a conduta nociva ao meio ambiente.
6 - Há que se anotar a imprescritibilidade do dano ambiental coletivo, em
face do seu caráter de direito fundamental de solidariedade. Ademais, não há que se cogitar em
prescrição na medida em que há dano continuado, como na espécie, não cessando seus efeitos
prejudiciais com o passar do tempo, devendo, pois, ser reparado, ainda que tardia a medida
sanatória.
7 - Razoável o prazo de 02 (dois) anos fixado para a reparação do dano
ambiental, haja vista que o mesmo já se arrasta por mais de 20 (vinte) anos, o que afirma a
necessidade de uma rápida solução, não podendo o agente responsável opor dificuldades
atinentes a suas condições internas a sua obrigação de reparar o dano o quanto antes.
8 - Apelos conhecidos e improvidos.

A recorrente sustenta que houve violação do art. 267 do CPC (ilegitimidade


passiva), do art. 6º da LICC (impossibilidade da retroatividade da lei), dos arts. 189 c/c 202
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do Código Civil (ocorrência da prescrição).
Com contra-razões às fls. 481-487, subiram os autos a esta Corte, por força de
decisão em agravo de instrumento (fl. 533).
Nesta instância, o Ministério Público Federal pronunciou-se pelo não
conhecimento e desprovimento do recurso especial (fls. 541-547).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.056.540 - GO (2008/0102625-1)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON


RECORRENTE : FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S/A
ADVOGADO : CRISTINA MARIA VASCONCELOS FALCÃO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
INTERES. : ALVORADA ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): Tem-se,


originariamente, Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás
contra Furnas Centrais Elétricas S.A e Alvorada Administração e Participações S.A,
objetivando a recuperação de área degradada da Fazenda Bom Jardim/São Fernando, situado
do Município de Itumbira - GO, bem como indenizar os danos causados ao meio ambiente,
em razão da recorrente Furnas, ter construído, uma usina hidrelétrica nio Rio Parnaíba - GO,
retirando toda a camada superficial do solo para a execução da barragem, deixando exposto o
subsolo da área em questão.
Inicialmente, a recorrente Furnas alega, no presente recurso, que é parte
ilegítima para integrar o pólo passiva da demanda, com base em violação do art. 267 do CPC,
sob o argumento de que alienou em 1985 à empresa Alvorada Administração e Participações
S.A a propriedade em que se configuraram os danos ambientais.
A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a
comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade.
Contudo, não obstante a necessidade de comprovação do nexo de causalidade
ser a regra, em algumas situações se dispensa tal necessidade em prol de uma efetiva proteção
do bem jurídico tutelado.
É isso que ocorre na esfera ambiental, nos casos em que o adquirente do
imóvel é responsabilizado pelos danos ambientais causados nesta propriedade,
independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos.
Seguindo essa linha de pensamento, colaciono precedentes desta Corte:

RECURSO ESPECIAL PELAS ALÍNEAS "A" E "C" DA PERMISSÃO


CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESERVA FLORESTAL. NOVO
PROPRIETÁRIO. TERRENO ADQUIRIDO JÁ DESMATADO. LEGITIMIDADE
PASSIVA. INEXISTÊNCIA DE DISSÍDIO PRETORIANO. RECURSO NÃO-PROVIDO.
(...)
2. O novo adquirente do imóvel é parte legítima para figurar no pólo passivo
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de ação por dano ambiental que visa o reflorestamento de área destinada à preservação
ambiental. Não importa que o novo adquirente não tenha sido o responsável pelo
desmatamento da propriedade. "Não há como se eximir a adquirente desta obrigação legal,
indistintamente endereçada a todos membros de uma coletividade, por serem estes, em última
análise, os benefíciários da regra, máxime ao se considerar a função social da propriedade."
Jurisprudência deste STJ no sentido do acórdão rechaçado.
3. Recurso especial não-provido.
(REsp 843.036/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 17/10/2006, DJ 09/11/2006 p. 266)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESERVA FLORESTAL.


NOVO PROPRIETÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
1. A responsabilidade por eventual dano ambiental ocorrido em reserva
florestal legal é objetiva, devendo o proprietário das terras onde se situa tal faixa territorial, ao
tempo em que conclamado para cumprir obrigação de reparação ambiental e restauração da
cobertura vegetal, responder por ela.
2. A reserva legal que compõe parte de terras de domínio privado constitui
verdadeira restrição do direito de propriedade. Assim, a aquisição da propriedade rural sem a
delimitação da reserva legal não exime o novo adquirente da obrigação de recompor tal
reserva.
3. Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp 263.383/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2005, DJ 22/08/2005 p. 187)

ADMINISTRATIVO - DANO AO MEIO-AMBIENTE - INDENIZAÇÃO -


LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO NOVO ADQUIRENTE.
1. A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio-ambiente é
objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietário e o dano causado
(Lei 6.938/81).
2. Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta por lei, o novo
proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se
responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la.
3. Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porque imposta
por lei.
4. Recursos especiais providos em parte.
(REsp 327.254/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 03/12/2002, DJ 19/12/2002 p. 355)

Assim, sob o agasalho do entendimento mencionado – de que o novo


proprietário do imóvel responde pelos danos ambientais ocorridos no bem –, busca a
recorrente o afastamento de sua responsabilidade e, consequentemente, de sua legitimidade
passiva para integrar a lide.
Ora, a empresa esquece que a responsabilidade por danos ao meio ambiente
além de ser objetiva, é também solidária.
A possibilidade de responsabilizar o novo adquirente de imóvel já danificado,
apenas busca dar maior proteção ao meio ambiente, tendo em vista a extrema dificuldade em
precisar qual foi a conduta poluente e quem foi seu autor.
Ressalta-se que a solidariedade nunca é presumida, mas decorre da lei ou da
vontade das partes. No âmbito do Direito Ambiental, advém da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e
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14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), com redação nos
seguintes termos:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:


(...)
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal,


estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção
dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os
transgressores:
(...)
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da
União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal,
por danos causados ao meio ambiente.

Portanto, a responsabilidade por um dano recairá sobre todos aqueles


relativamente aos quais se possa estabelecer um nexo de causalidade entre sua conduta ou
atividade e o dano – com a ressalva da hipótese já mencionada – , ainda que não tenha havido
prévio ajuste entre os poluidores. E, consoante o art. 942, caput , do atual Código Civil, a
solidariedade pela reparação do dano alcança a todos, independentemente de ação conjunta.
Uma vez estabelecida a solidariedade, cada obrigado é responsável pelo todo,
podendo o titular do direito da ação exigir o cumprimento da obrigação de alguns dos
devedores, de todos, ou daquele que gozar de melhor situação financeira, hábil a garantir a
efetiva reparação do dano. Ressalva-se, nesse último caso, a possibilidade de mover ação
regressiva contra os demais responsáveis na forma da lei.
Nesse sentido, cito precedente:

PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE


PASSIVA: SOLIDARIEDADE.
1. A solidariedade entre empresas que se situam em área poluída, na ação que
visa preservar o meio ambiente, deriva da própria natureza da ação.
2. Para correção do meio ambiente, as empresas são responsáveis solidárias
e, no plano interno, entre si, responsabiliza-se cada qual pela participação na conduta danosa.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp 18567/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 16/06/2000, DJ 02/10/2000 p. 154).

In casu, o Tribunal de origem confirmou o teor da sentença de 1º grau, que


julgou procedente a demanda, para condenar as empresas – rés na ação –, solidariamente, a

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reparar o dano ambiental causado.
Isso porque na hipótese em apreço, ficou comprovado que a empresa Furnas
foi a responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente, apesar de o imóvel já ser de propriedade
de outra pessoa jurídica, consoante se verifica pelo excerto seguinte do aresto recorrido (fl.
419):

Com bem afirmou o ilustre juiz monocrático, não há controvérsia acerca do


ato lesivo praticado pela empresa Furnas, que "extraiu de uma área de 25 a 30 alqueires..., a
camada superficial do solo (descapeamento) para construção da barragem de UHE de
Itumbiara".
Inclusive, a própria empresa Furnas informou nos autos (fls. 317/318) que a
sua diretoria deliberara sobre a intervenção imediata na recuperação das áreas degradadas
situadas à margem direita da UHE de Itumbiara, priorizando as erosões, o que denota a
admissão de sua responsabilidade.
Não bastando tais fatos, a própria empresa Furnas afirma, em sua apelação,
que praticara o ato lesivo, que originou o dano ambiental, o que atesta a presença do nexo
causal entre a conduta da requerida/recorrente e o dano suportado, conforme se extrai dos
seguinte trecho retirado da citada peça:
"O atuar pontual da empresa – retirada de parte da camada
do solo – se deu há mais de 30 anos..." (...)

Ora, se é possível a verificação do real causador do desastre ambiental, este


necessariamente deve ser responsabilizado a reparar o dano, ainda que solidariamente com o
atual proprietário do imóvel danificado.
Dessa forma, concluo pela legitimidade da empresa Furnas para constar do
pólo passivo da demanda originária.
No tocante à suposta violação do art. 6º da LICC (impossibilidade da
retroatividade da lei), constato que não há juízo de valor pelo Tribunal de origem sobre esse
dispositivo. Incide, portanto, a Súmula 282/STF.
Importante destacar que não foram opostos, na origem, embargos de
declaração, a fim de ensejar a manifestação sobre os artigos apontados pela recorrente como
ofendidos.
Por fim, no que tange à alegada ocorrência de prescrição, verifico que a
fundamentação do recurso é deficiente e incapaz de demonstrar como o aresto violou o
disposto nos arts. 189 c/c 205 do Código Civil. A recorrente limitou-se a afirmar que "não
pode ser responsabilizada por eventuais danos causados, em área próxima da construção de
Usina Hidrelétrica, por atos praticados na década de 70" (fl. 440), sem, contudo, infirmar o
fundamento do aresto recorrido que entendeu se tratar de dano de natureza continuada.
Aplica-se, ao caso, o enunciado da Súmula 284/STF.
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Com essas considerações, conheço parcialmente do recurso especial e lhe nego
provimento.
É o voto.

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