Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº
0001988-61.2011.8.26.0587, da Comarca de São Sebastião, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso e determinaram a extração de cópias de todo processo com remessa ao Procurador Geral de Justiça para verificação da ocorrência de improbidade administrativa. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
MOREIRA VIEGAS (Presidente) e DIMAS RUBENS FONSECA.
São Paulo, 7 de maio de 2015.
RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO
RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo
VOTO Nº: 25117
Apelação nº 0001988-61.2011.8.26.0587 Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo Interessados: Sundays Participaçoes Ltda e KPB Empreendimento Imobiliario SPE Ltda Comarca: São Sebastião Magistrado de 1º grau: Dr. Antonio Carlos Costa Pessoa Martins
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Indeferimento de
pedido de aprovação do Condomínio Praia da Baleia e posterior aprovação desse mesmo pleito, após revisão do ato administrativo. Não restou demonstrado que a aprovação do empreendimento observou as regras de preservação ambiental. Prevalência do princípio da precaução, com consequente inversão do ônus da prova. Dada a oportunidade de produção de provas, a recorrente ficou inerte, não configurado o alegado cerceamento. A interpretação dos fatos deve se dar consoante o princípio in dubio pro natura, com vistas a favorecer o meio ambiente. Mantida a sentença, com recomendação. NEGA-SE PROVIMENTO AO APELO.
Trata-se de apelação interposta pela
FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO em face da r. sentença de fls. 1543/1551 que julgou parcialmente procedente ação civil pública para anular os atos administrativos de autorização do empreendimento “Condomínio Praia da
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Baleia”, notadamente o expedido pelo GRAPROHAB no
protocolo nº 9533 e reproduzido às fls. 540/544 dos fólios, sem prejuízo de novas análises no âmbito administrativo, desde que atendidas as exigências antes feitas pelos órgãos ambientais competentes por ocasião do seu primeiro indeferimento, notadamente a que diz respeito ao estudo de ciclos sazonais completos de medições dos níveis d'água aflorante e da profundidade do aquífero freático no local de implantação d projeto, no qual venha constatada de forma explícita a calha do Rio Preto e suas dimensões, bem como condenar os corréus Sundays e KPB à obrigação de não fazer consistente em não efetivar qualquer intervenção na área de preservação permanente inserida nos trinta metros equidistantes do curso d'água existente no local e, quanto ao remanescente do lote, restringir sua ocupação ou utilização a prévio licenciamento ambiental, ratificando- se a liminar antes deferida nestes termos, bem como na obrigação de fazer consistente na retirada de qualquer material que impermeabilize o solo, demolição das edificações existentes, da casa do caseiro, tanque de peixes e retirada de espécies exóticas da área descrita na inicial, sob pena de multa diária de R$ 500,00. Sucumbentes, os demandados deverão arcar com as custas processuais.
Em seu apelo (fls. 1558/1565), alega que
a sentença merece reforma na parte que anulou o ato emanado do GRAPROHAB, visto que a aprovação dos protocolos em tal órgão é condicionado à manifestação unânime e favorável de todos os integrantes do colegiado e não implicou em qualquer ofensa ao meio ambiente, tampouco maculou disposições legais ambientais.
Aduz que o indeferimento inicial, emanado
da CETESB, em relação ao licenciamento do Condomínio baseou-se em premissa equivocada acerca da classificação botânica da flora existente no local destinado ao empreendimento, o que foi devidamente esclarecido pelo Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, que fez nova classificação da vegetação. Essa reclassificação culminou com a desnecessidade de atendimento, pelo empreendedor, da condicionante que fora indicada pelos técnicos da CETESB e que resultara no indeferimento inicial do protocolo.
Alega que, verificado o equívoco, houve a
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revisão do ato pela própria administração, autorizando-
se o empreendimento, sendo que o autor da ação não produziu prova que desconstituísse a presunção de legalidade e veracidade do ato administrativo ou que desabonasse os pareceres dos técnicos e dos pesquisadores que se manifestaram sobre o caso.
Quanto à tese de interferência do
empreendimento na fauna local do imóvel, foi demonstrado e provado, por documentos e elementos técnicos que instruíram a defesa da CETESB, que não há qualquer ameaça à fauna. Por fim, impugna a inversão do ônus da prova adotada na sentença.
Foram apresentadas as contrarrazões (fls.
1558/1589). A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do apelo (fls. 1595/1618).
É O RELATÓRIO.
Denota-se dos autos que as rés Sundays e
KPB buscavam a aprovação do projeto habitacional denominado “Condomínio Praia da Baleia”, em São Sebastião/SP. O trâmite do pleito de aprovação deu-se pelo protocolo nº 9533 no GRAPROHAB. O DEPRN, a CETESB, a SABESP e o DAEE impuseram algumas exigências para que houvesse a aprovação (fls. 58/67, 68 e 75, 69/71, 76/78 e 72/73).
Assim, em 08 de dezembro de 2009, a
GRAPROHAB indeferiu o pedido, ressaltado que a vegetação do local é de Floresta Paludosa, só podendo ser suprimida em casos de utilidade pública, pesquisa científica ou práticas preservacionistas; que toda a área pretendida para a ocupação é de preservação permanente e que a supressão da vegetação primária é proibida, dada a existência de espécimes da flora e fauna silvestres (fls. 82).
Houve pedido de reconsideração (fls.
83/84) e de revisão do ato administrativo (fls. 99/113), sendo finalmente aprovado o protocolo nº 9533 em 3 de novembro de 2010 (fls. 124/132).
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Pois bem. A aprovação realizada no
GRAPROHAB a fls. 124/132 deixou de mencionar a necessidade de realização dos estudos exigidos para o desarquivamento do procedimento, bem como houve mudança radical da avaliação da área pelos órgãos componentes do GRAPROHAB, com base em laudo do Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo.
O ato impugnado realmente tinha que ser
afastado, nos moldes da r. sentença. Em virtude do princípio da precaução, norteador do Direito Ambiental, tem-se admitido a inversão do ônus da prova, além dos casos previstos no Código de Defesa do Consumidor, devendo o acusado pelos danos ambientais provar que sua atividade não expõe a natureza a nenhum risco.
A jurisprudência citada na decisão ora
guerreada, que retrata brilhantemente a questão, merece ser transcrita novamente nestes autos:
“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL AÇÃO
CIVIL PÚBLICA DANO AMBIENTAL ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET MATÉRIA PREJUDICADA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 1.Fica prejudicado o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347/1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia. 2.O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes. 3.Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o
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art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao
Princípio Ambiental da Precaução. 4.Recurso especial parcialmente provido.” (2ª Turma STJ, REsp 972.902-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 25/8/2009).
E esse entendimento foi pacificado no
julgamento de casos em que cabe a aplicação do princípio da precaução:
“O princípio da precaução pressupõe a
inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva.” (2ª Turma STJ, REsp 1060753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 01/12/2009)
O bem jurídico tutelado prevalece sobre a
questão da hipossuficiência, ou não, do autor da demanda e, por isso, alguns dos direitos elencados no Código de Defesa do Consumidor podem, perfeitamente, ser estendidos aos autores de ações que visam resguardar o meio ambiente.
Tal conclusão é possível com a
intepretação do artigo 21 da Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, em conjunto com o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Senão vejamos:
“Artigo 21. Aplicam-se à defesa dos
direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”
“Artigo 6º. São direitos básicos do
consumidor: (...)
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VIII - a facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”
O alegado cerceamento de defesa não se
configurou. Não somente em razão da inversão do ônus da prova, mas também por conta da providência do inciso II do artigo 333 do Código de Processo Civil é que as rés deveriam ter comprovado suas alegações por meio de prova técnica. Isso porque o pleito inicial veio devidamente fundamentado em laudos (fls. 397/421 e 1355/1367).
Ora, à recorrente foi dada a oportunidade
de produzir as provas pertinentes, o que não fez, alegando que a matéria era unicamente de direito (fls. 1302/1302).
Salienta-se que, apesar da primeira
determinação, o douto juiz concedeu nova oportunidade para a especificação de provas, esclarecendo a existência de diversos pontos controvertidos (fls. 1335/1337) e mais uma vez a Fazenda não requereu qualquer prova (fls. 1514/1518 e 1539/1540).
Portanto, nenhum cerceamento há quando a
própria parte deixa de produzir a prova, apesar de instada a tal.
Não se olvide, também, que em direito
ambiental vige o princípio in dubio pro natura, pelo qual a legislação de amparo ao meio ambiente deve ser interpretada da maneira que lhe seja mais favorável e possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual.
Logo, presente a dúvida acerca da
viabilidade e dos impactos do empreendimento mencionado na inicial, a interpretação mais favorável ao meio ambiente é aquela que impõe ao empreendedor o dever de apresentar estudos complementares antes de proceder a qualquer intervenção na área.
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Assim, a r. sentença é mantida por seus
próprios argumentos, com a recomendação de extração de peças a serem enviadas à Procuradoria Geral de Justiça para apuração de eventual improbidade administrativa.
Considera-se prequestionada a matéria
relativa aos recursos especial e extraordinário.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO APELO.
RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO
Relator
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