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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

8ª. Câmara de Direito Público

PROCESSO ELETRÔNICO

JMCJ 25652

APELAÇÃO: 1036195-41.2019.8.26.0053

APELANTE: JOMAR LEMES COURA

APELADA: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Juiz(a) de 1º Grau: Luiza Barros Rozas Verotti

VOTO CONVERGENTE 40851 –hz

APELAÇÃO – ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO – PROCESSO


ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA –
DESPROPORCIONALIDADE – ADEQUAÇÃO DA SANÇÃO.

Pleito do autor pela anulação de ato administrativo de punição por


conduta culposa, imposta em sede de PAD (processo administrativo
disciplinar), no qual se determinou a cassação de sua aposentadoria,
reservada a faltas graves que ensejassem a demissão se estivesse na
ativa.

Sentença de improcedência do pedido.

Rejeição das preliminares de cerceamento de defesa e nulidade da


sentença. Houve requerimento conjunto para se aproveitar a prova oral
do PAD, significando desistência do autor na oitiva das suas testemunhas,
que não compareceram à audiência. Sentença suficientemente
fundamentada que justifica a sua conclusão.

Cabimento da revisão do ato administrativo. Conduta culposa imputada


que não constituiria falta grave e não justificaria a demissão, menos ainda
a cassação da aposentadoria do autor.

Desproporcionalidade flagrante a merecer correção pela razoabilidade e


guardar pertinência e proporcionalidade.

Adequação da pena de suspensão convertida em multa, em razão do


servidor ter passado para a inatividade (art. 254, § 2º e 259 da Lei
10.261/1968).

Observância da necessidade de tratamento punitivo isonômico do ativo e


o inativo, conforme orientação do STF na ADPF 418.

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Recurso parcialmente provido para reformar a sentença, com adequação


da penalidade para a de multa.

Vistos.

Trata-se de AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO ajuizada por JOMAR


LEMES COURA contra FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO objetivando a
anulação de ato administrativo de punição por conduta culposa, imposta em sede de PAD
(processo administrativo disciplinar), a qual determinou a cassação de sua aposentadoria
(processo 1036195-41.2019.8.26.0053).

A sentença de fls. 1236/1241 julgou improcedente o pedido, nos termos do art.


487, inciso I do CPC. Ante a sucumbência, condenado o autor ao pagamento de custas e
despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados no percentual mínimo
sobre o valor da causa, ressalvada a suspensão da exigibilidade diante da concessão do
benefício da justiça gratuita.

Inconformado com o supramencionado decisum, apela a parte autora, com razões


recursais às fls. 1246/1262.

Alega o recorrente o seguinte:

(i) a necessidade de manutenção da tutela de urgência, que afastava os


efeitos da cassação de sua aposentadoria, revogada pela sentença;
(ii) a nulidade da decisão administrativa e da sentença por falta de
fundamentação;
(iii) a omissão quanto à aplicação dos artigos 80 a 83 da LC nº 180/78 na
hipótese dos autos;
no período de substituição, o titular do cargo não pode ser
responsabilizado pelos atos de seu substituto;
(iv) a falta de treinamento para o exercício de suas funções, de pessoal e o
volume de trabalho acumulado conduziu-o a nomear uma substituta legal;
(v) a desídia da Administração Pública ao deixar de disponibilizar pessoal e
equipamentos necessários ao exercício das atividades do cargo de Diretor
Técnico de Serviço da Fazenda Estadual afasta a culpa do agente;
(vi) a inexistência de prova de sua participação em atividades ilícitas,
tampouco de obtenção de vantagem financeira decorrentes das
irregularidades apuradas;
(vii) a estrita observância da LC 180/78;

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(viii) a falta de razoabilidade e proporcionalidade da pena aplicada na via


administrativa;
(ix) a aplicação da tese fixada pelo Tema 1199 do STF in casu.

Com contrarrazões (fls. 1291/1305), o recurso foi regularmente processado.

Deferido o efeito suspensivo ao recurso, com o reestabelecimento da tutela de


urgência deferida no agravo de instrumento nº 2179249-13.2019.8.26.0000, houve
oposição ao julgamento virtual (fls. 1322/1325 e 1332).”.

É o relato do necessário.

VOTO.

Incialmente, devem mesmo ser rejeitadas a preliminares de cerceamento de


defesa e nulidade da sentença.

Como constou dos autos e relatório da sentença, a prova oral foi deferida, mas as
testemunhas do autor não compareceram e seguiu-se requerimento conjunto para o
aproveitamento da prova oral produzida no processo administrativo disciplinar, o que foi
deferido (fls. 1184 e fls. 1212/1214).

Quanto à sentença, de fato, havia espaço para uma fundamentação mais ampla.
Contudo, apesar de ser sucinta, ela abordou as questões de fato e de direito suscitadas
para motivar ser a conduta culposa, a legalidade do processo administrativo e da sanção
aplicada, embora não tenha adentrado ao campo da sua adequação e proporcionalidade.

Ainda, sobre a motivação da sentença, deve ser lembrado que o “[...] juiz não
tem o dever de rebater todos os argumentos levantados pelas partes ao longo de seus
arrazoados: apenas os argumentos relevantes é que devem ser enfrentados.” (Marinoni,
Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz Mitidiero, Daniel. Novo Código de Processo Civil
Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 493).

E, analisando a sentença, apesar de não ter mencionado especificamente os arts.


80 a 83 da LC 180/78, o decisum contém fundamentação levando em consideração todas
as alegações e provas dos autos.

Passo ao mérito.

Se coubesse revisão do processo administrativo no seu mérito de forma ampla, a


prova colhida autorizaria a improcedência da sanção administrativa capital aplicada.
De fato, é quase Kafikiano apenar servidor por conduta culposa por omissão por

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ato ilegal doloso praticado por terceiro, seu substituto legal, em razão da sua ausência da
função de Diretor de Técnico da Divisão Regional de Administração do ABCD-DRA-11.

Ora, se o autor estava ausente, não podia fiscalizar e nem cabia o fazer em sendo
substituído por sua substituta legal, ainda mais, com as dificuldades administrativas e
logísticas que mencionou na petição inicial e nas razões de apelação, que se mostraram,
a meu ver, reais.

Desta forma, houve muita vontade de punir, dissociada da ponderação e


proporcionalidade para aplicar a pena de cassação da aposentadoria ao autor. Poderia ter
sido aplicada a pena de repreensão, suspensão ou até multa, mas evidencia-se estranho,
com ares de abuso de poder a aplicação da pena máxima. Qual seria, então, a pena a ser
aplicável à Diretora Substituta Myriam Barbosa? Um exílio para Faixa de Gaza?

Nos termos do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, são
penas disciplinares (art. 251): I - repreensão; II - suspensão; III - multa; IV - demissão;
V - demissão a bem do serviço público; e VI - cassação de aposentadoria ou
disponibilidade. E prevê, ainda, que a pena de cassação da aposentadoria ou
disponibilidade em casos de falta grave a ilegalidade na aceitação do cargo ou função
púbica, cominada com pena de demissão, além de outras hipóteses que também não se
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aplicam ao caso (art. 259).

Cabe o controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar no caso


teratológico dos autos, nos termos da recente Súmula 665/2023 do STJ:

Súmula 665. O controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar


restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade
do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal, não sendo possível incursão no mérito administrativo,
ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta
desproporcionalidade da sanção aplicada.

Assim, em face da flagrante desproporcionalidade entre a conduta do autor e a


sanção aplicada o presente recurso deve ser parcialmente acolhido.

1
Artigo 259 da Lei Estadual 10.261/1968 - Será aplicada a pena de cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, se ficar provado que o inativo:
I - praticou, quando em atividade, falta grave para a qual é cominada nesta lei a pena de demissão ou
de demissão a bem do serviço público;
II - aceitou ilegalmente cargo ou função pública;
III - aceitou representação de Estado estrangeiro sem prévia autorização do Presidente da República;
e
IV - praticou a usura em qualquer de suas formas.

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Sendo assim, mostra-se necessária a adequação da sanção administrativa ao


servidor considerado culpado culposamente.

O STF repetiu na ADPF 418 a constitucionalidade da aplicação da pena de


cassação da aposentadoria para os servidores federais, quando apenados por demissão
em processo administrativo, mas que, por terem passado à inatividade, essa não mais
teria cabimente, havendo necessidade de punir com a cassação da aposentadoria, com o
fundamento de manter isonomia ou igualdade de tratamento.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.


CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ARTS. 127, IV, E 134 DA LEI
8.112/1990. PENALIDADE DISCIPLINAR DE CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA OU DISPONIBILIDADE. EMENDAS CONSTITUCIONAIS
3/1993, 20/1998 E 41/2003. PENALIDADE QUE SE COMPATIBILIZA COM
O CARÁTER CONTRIBUTIVO E SOLIDÁRIO DO REGIME PRÓPRIO DE
PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES. PODER DISCIPLINAR DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As
Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003 estabeleceram o
caráter contributivo e o princípio da solidariedade para o financiamento do
regime próprio de previdência dos servidores públicos. Sistemática que
demanda atuação colaborativa entre o respectivo ente público, os
servidores ativos, os servidores inativos e os pensionistas. 2. A
contribuição previdenciária paga pelo servidor público não é um direito
representativo de uma relação sinalagmática entre a contribuição e
eventual benefício previdenciário futuro. 3. A aplicação da penalidade de
cassação de aposentadoria ou disponibilidade é compatível com o caráter
contributivo e solidário do regime próprio de previdência dos servidores
públicos. Precedentes. 4. A perda do cargo público foi prevista no texto
constitucional como uma sanção que integra o poder disciplinar da
Administração. É medida extrema aplicável ao servidor que apresentar
conduta contrária aos princípios básicos e deveres funcionais que
fundamentam a atuação da Administração Pública. 5. A impossibilidade de
aplicação de sanção administrativa a servidor aposentado, a quem a
penalidade de cassação de aposentadoria se mostra como única sanção à
disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso entre
servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos,
em prejuízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e
representaria indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em
relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto

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em atividade, favorecendo a impunidade. 6. Arguição conhecida e julgada


improcedente.

(ADPF 418, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado


em 15-04-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 29-04-2020
PUBLIC 30-04-2020)

Merece ser afastada, como já se disse, a pena de cassação da aposentadoria, pois


os fatos concretos, conduta culposa e duvidosa, não poderiam ensejar a pena de
demissão ou de cassação da aposentadoria, tendo ocorrido verdadeiro e notório excesso
de punição, que talvez esconda alguma dinâmica por trás das cortinas, mas que não cabe
no devido processo legal.

O eminente relator entendeu cabível a pena de suspensão de 90 dias se fosse


ativo o servidor-autor, por falta grave.

Estando na inatividade e em conformidade ao espírito do STF em guardar a


isonomia punitiva para aquele se inativou, comutou em multa na base de multa
correspondente monetariamente à suspensão de 90 dias (apenas para fins de
contabilização da penalidade), na base de 50% por dia de vencimento utilizado para
cálculo de seu provento, nos termos do art. 254, §2º da Lei 10.261/68, que prescreve o
seguinte:

Artigo 254 - A pena de suspensão, que não excederá de 90 (noventa)


dias, será aplicada em caso de falta grave ou de reincidência.

§ 1º - O funcionário suspenso perderá todas as vantagens e direitos


decorrentes do exercício do cargo.

§ 2º - A autoridade que aplicar a pena de suspensão poderá converter


essa penalidade em multa, na base de 50% (cinquenta por cento) por dia
de vencimento ou remuneração, sendo o funcionário, nesse caso, obrigado
a permanecer em serviço.

Assim, no controle da legalidade do processo administrativo, cabe a adequação da


pena disciplinar na forma proposta.

Isso posto, voto para dar parcial provimento ao recurso do autor, nos termos da
fundamentação, acompanhando o Relator.

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Leonel Costa

2º Desembargador

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