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História

Indígena
PROFESSORAS
Me. Daniara Thomaz Fernandes Martins
Me. Eloá Lamin da Gama

ACESSE AQUI O SEU


LIVRO NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE

FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo U58 Universidade Cesumar - UniCesumar.


Roney de Carvalho Luiz História Indígena / Daniara Thomaz Fernandes
Projeto Gráfico e Capa Martins, Eloá Lamin da Gama. - Indaial, SC : Arqué, 2023.

André Morais, Arthur Cantareli e 192 p. : il.


Matheus Silva
Editoração ISBN digital 978-65-5466-114-0
Juliana Duenha
Design Educacional “Graduação - EaD”.
Leticia Matheucci 1. História 2. Indígena 3. Brasil. 4. Daniara Thomaz
Fernandes Martins. 5. Eloá Lamin da Gama. I. Título.
Curadoria
Cleber Rafael Lopes Lisboa
CDD - 980.41
Revisão Textual
Meyre Aparecida Barbosa da Silva
Ilustração Núcleo de Educação a Distância.
Andre Luis Azevedo da Silva Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722.
Fotos
Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Shutterstock
Impresso por:

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
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02511368
Daniara Thomaz Fernandes Martins

Querido(a) aluno(a), eu me chamo Daniara Thomaz Fer-


nandes Martins, sou licenciada em Ciências Sociais, pela
Universidade Estadual de Maringá (UEM), e mestra em
Antropologia e Arqueologia, pela Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Também atuo como educadora social
e produzo conteúdos didáticos, como este livro escrito em
conjunto com a professora Eloá Lamin da Gama.
Desde minha graduação, tenho interesse pela área
das Relações Étnico-Raciais, tendo aprofundado minhas
pesquisas acadêmicas nos seguintes temas: Identidade,
Movimentos Sociais e Ações Afirmativas. Por meio da pro-
dução intelectual e das teorias socioantropológicas, tive
a oportunidade de endossar minhas reflexões pessoais
acerca de meu lugar no mundo enquanto mulher negra,
estabelecendo relações com a história que antecede a mi-
nha passagem neste tempo. Com isso, pude compreender
como minhas vivências estão conectadas a um contexto
histórico-social mais abrangente, o qual deve ser, aten-
ciosamente, analisado no sentido de prover explicações
sobre a realidade que experienciamos nos dias atuais.
Busco, então, fazer jus a este objetivo em meu ofício como
intelectual e pesquisadora.
Além dos aspectos profissionais, sou uma pessoa
tranquila, que gosta muito de plantas, crochê e outras
coisas simples.

http://lattes.cnpq.br/3364198313831933
Eloá Lamin da Gama

Olá, estudante! Meu nome é Eloá Lamin da Gama, sou


professora de História e historiadora, licenciada pela Uni-
versidade Estadual de Maringá (UEM) e mestra em Histó-
ria Social, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), e,
juntamente com a professora Daniara Thomaz, pude ter
o privilégio de escrever o livro de História Indígena que
está chegando até você neste momento.
Sou uma profissional apaixonada pela História e com-
preendo que, antes de ser historiadora, sou, sobretudo,
uma mulher negra. A disciplina de História me encantou
desde criança na escola, e este encantamento ampliou-
-se durante o curso de graduação em História, fazendo
com que a minha mente se abrisse ao me proporcionar
o contato com a história do Brasil e da população afro-
-brasileira, fato que intensificou o reconhecimento e o
fortalecimento da minha identidade negra.
A História é uma disciplina que me possibilitou en-
xergar que tudo tem uma explicação histórica, e nada é
por coincidência, logo, eu pude entender que a História
não estuda apenas o passado e que o passado não é um
tempo estático, pois ainda continua incidindo e reverbe-
rando no presente e no futuro. Tal descoberta mudou
a minha vida, espero que a História também promova
inquietudes e transformações em você, pois a beleza da
vida está no movimento.

http://lattes.cnpq.br/3628480979062864
HISTÓRIA INDÍGENA

Olá, querido(a) aluno(a)! Seja muito bem-vindo(a) à disciplina de História Indígena. É


com muito respeito, ética e responsabilidade que pedimos licença a você para aden-
trarmos em seu universo formativo e cotidiano de estudos. Pedimos licença, também,
e, sobretudo, aos povos indígenas brasileiros para que possamos cumprir a missão
que nos foi dada: construir uma disciplina destinada à História Indígena.
Longe de querer dar conta de narrar toda a história dos povos originários do Brasil,
uma ambição impossível diante da riqueza e da grandeza da historicidade e da cultura
indígena e da limitação da presente disciplina, bem como da limitação da nossa própria
intelectualidade enquanto docentes, buscamos ofertar uma disciplina que pudesse
construir conhecimentos para formar vocês não apenas como futuros professores
de História, mas também como seres humanos que compõem a sociedade brasileira.
Enquanto integrantes ativos e participativos do corpo social brasileiro, como nós,
professores e profissionais da História, podemos educar pessoas não-indígenas a
pensar, conhecer e valorizar as comunidades e etnias indígenas presentes em todo o
território nacional desde milhares de anos antes da colonização portuguesa?
Diante de visões e falas preconceituosas, racistas e estereotipadas, que circulam
nos veículos midiáticos e nas redes sociais atualmente, podemos afirmar que ainda há
muita desinformação e desconhecimento a respeito da população indígena brasileira
por grande parcela da nossa sociedade, que, por sua vez, possui e reproduz noções
totalmente equivocadas e inadequadas acerca dos povos originários.
Devido ao processo violento de colonização e do genocídio indígena estabelecido no
Brasil, de forma secular, a população indígena foi, drasticamente, reduzida por perdas
irreparáveis de etnias e comunidades nativas. Em razão disso, atualmente, a popula-
ção brasileira é formada, majoritariamente, por pessoas não-indígenas. Contudo isso
não significa que devemos ignorar e nos eximir das questões indígenas contemporâ-
neas, muito pelo contrário, é nossa responsabilidade histórica e social como docente
e partícipe da sociedade nacional, dedicarmos nossos esforços e nossos estudos para
a compreensão da realidade dos povos originários que constituem a identidade, a
cultura, a organização social e a história do povo brasileiro.
Pensando na invisibilidade dos povos indígenas de forma estrutural, ou seja, na falta de
conhecimento da população em geral sobre as comunidades nativas existentes no Brasil,
pensaremos esta questão em nosso próprio cotidiano, isto é, na microestrutura. Faça a ati-
vidade popularmente conhecida como o “teste do pescoço”: pare, observe e perceba onde
estão as pessoas indígenas nos locais que você frequenta ou nas relações que você mantém.
A partir da atividade proposta, faça algumas reflexões: quais são suas relações
com pessoas indígenas? Quais as posições que ocupam as pessoas indígenas ao seu
redor? Onde estão as pessoas indígenas nos ambientes que você frequenta e nos
grupos sociais e nas instituições de que você faz parte? Como estão representadas
as pessoas indígenas nas séries, filmes, livros e músicas que você consome? Use este
momento para refletir a respeito da ausência ou da presença de pessoas indígenas
em sua própria vida.
A nossa viagem pelo conhecimento da História Indígena se dará, primeiramente,
pelas questões étnico-raciais no período colonial e nos territórios de ocupação no
Brasil, durante o processo de colonização, que, a partir da exploração compulsória da
natureza e da mão de obra indígena, exerceu o domínio sobre os povos originários
que se encontravam organizados, socialmente.
Em seguida, abordaremos a presença indígena na formação do Brasil, por meio
da cultura e da identidade nacional, dando ênfase na discussão acerca da diversidade
étnica e cultural dos povos originários a fim de desmistificar a visão errônea e estereo-
tipada que todas as etnias indígenas possuem a mesma cultura, mesma língua, mesma
cosmologia e mesmo pensamento.
No decorrer da disciplina, ainda, adentraremos nos debates das políticas indígenas
e indigenistas na contemporaneidade, por meio de suas continuidades, suas perma-
nências e suas resistências dos povos originários, por meio da organização política
dos Movimentos Indígenas. E, por fim, abordaremos o ensino de História Indígena e
as perspectivas educacionais, com foco na luta e na implementação da Lei nº 11.645
de 2008, que aprovou a obrigatoriedade do ensino de História Indígena em todas as
instituições escolares de Ensino Básico do país.
Diante de todos os conhecimentos dinamizados ao longo desta disciplina, cabe a
você, futuro(a) professor(a) de História, apropriar-se das discussões aqui apresentadas,
introduzindo-as e as atualizando, de forma contínua, em seu repertório de ensino e em
sua prática docente diária. Só assim você poderá naturalizar, defender e compreender
a importância da História Indígena na formação de estudantes que, assim como você,
podem transformar e serem transformados por meio do conhecimento histórico a
fim de romper com pensamentos, concepções e ações desumanas e, historicamente,
equivocadas em relação à população indígena brasileira.
Prezado(a) estudante, é muito importante que você realize a leitura de todas as
unidades e faça todas as atividades propostas neste livro, bem como assista às aulas,
participe das aulas ministradas por cada docente, pois todos estes exercícios, como
o ato de ler, escrever e ouvir, fazem parte da sua avaliação enquanto professor de
História em formação e contribuirá, de forma significativa, para a sua compreensão
das temáticas e dos debates que abrangem a História Indígena. Desejamos que o
seu processo de ensino e aprendizagem seja satisfatório e que, a partir deste mate-
rial, você seja capaz de refletir acerca de sua atuação social e profissional enquanto
professor de História.
RECURSOS DE
IMERSÃO
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

Professores especialistas e convi-


NOVAS DESCOBERTAS
dados, ampliando as discussões
sobre os temas. Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi- OLHAR CONCEITUAL
go, você terá acesso aos vídeos que
Neste elemento, você encontrará di-
complementam o assunto discutido.
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara

Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar


Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
11 2
41
QUESTÕES A PRESENÇA
ÉTNICO-RACIAIS INDÍGENA NA
NO PERÍODO FORMAÇÃO DO
COLONIAL E BRASIL: CULTURA
TERRITÓRIOS DE E IDENTIDADE
OCUPAÇÃO NO NACIONAL
BRASIL

3
73 4 109
A DIVERSIDADE POLÍTICA INDÍGENA
ÉTNICA E E INDIGENISTA NA
CULTURAL CONTEMPORANEIDADE:
DOS POVOS RESISTÊNCIAS E
INDÍGENAS PERMANÊNCIAS

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139
O ENSINO
DE HISTÓRIA
INDÍGENA E AS
PERSPECTIVAS
EDUCACIONAIS
1
Questões étnico-
raciais no
período colonial
e territórios de
ocupação no Brasil
Me. Eloá Lamin da Gama

Nesta unidade, você terá oportunidades de aprender sobre como as


questões étnico-raciais estão presentes na realidade histórica do Brasil
desde o período colonial, ou seja, no cerne da formação da nossa socie-
dade e das relações sociais, políticas, econômicas, culturais e históricas
que foram estabelecidas. Outro ponto a que atribuo importância é a
ocupação do território durante a colonização portuguesa, que, a partir
da exploração da natureza e da exploração compulsória da mão de obra
indígena e, posteriormente, africana, por meio da escravidão, tomou
para si a territorialidade nacional ao exercer o domínio colonial sobre
os povos originários que aqui se encontravam organizados socialmente.
UNIDADE 1

Caro(a) aluno(a), você já deve ter ouvido a famosa frase “quem descobriu o Brasil
foi Portugal” ou “o descobrimento do Brasil aconteceu em 1500 com a chegada
de Pedro Álvares Cabral”, às vezes, antes de iniciar um curso de graduação em
História, você chegou a concordar com este pensamento, ou repetiu esta ideia
pronta que circula em nossa sociedade como uma verdade absoluta.
Eu lhe garanto que, como docente de História em formação, no período de
estágio, ou quando estiver atuando, profissionalmente, em alguma escola, você
escutará a pergunta recorrente “Professor(a), quem descobriu o Brasil?” dos seus(-
suas) alunos(as) e, até mesmo, dos seus familiares, “Ah, fulano(a) está se graduan-
do em História, pergunta para ele(a) quem descobriu o Brasil”.
Tais questionamentos acabam sendo comuns no cotidiano de uma pessoa
que está cursando ou já é formada em História. Mas você já parou para pensar o
motivo disso? Por que esta ideia acaba sendo tão forte e enraizada no imaginário
popular brasileiro?
Este pensamento, reproduzido e naturalizado nas narrativas acerca da His-
tória do Brasil, não é apenas uma ideia do senso comum que vem de concepções
superficiais e equivocadas a respeito da nossa historicidade enquanto nação co-
lonizada. Logo, para compreendermos os reais motivos de grande parte da po-
pulação brasileira repetir e concordar com a esta visão, temos que contextualizar,
historicamente, as razões deste fenômeno, isto é, temos que estudar e pesquisar
as consequências que o processo da colonização portuguesa deixou em nossa
forma de pensar a História e a formação do Brasil como nação.
Uma destas consequências é o apagamento histórico da população indígena
nos processos de construção da sociedade brasileira, que, de forma errônea e
naturalizada, é considerada uma mera espectadora da formação social do Brasil,
ou nem é considerada quando estudamos a História do nosso país. Este fato,
acaba por atribuir legitimidade à ideia de descobrimento, concebida por Portugal,
no intuito de validar o seu domínio no território brasileiro nos primórdios do
período colonial e reforçar o seu controle sob as narrativas históricas do Brasil.
Em razão disso, torna-se fundamental que nós, profissionais da História,
possamos argumentar com visões falaciosas e que negam a presença dos povos
originários no território brasileiro antes da invasão e da ocupação portuguesa.
Esta disciplina traz em sua ementa esta concepção, isto é, que nós tenhamos em
mente o nosso papel como formadores de opinião e conhecimento dos estudantes
que encontraremos em nossa trajetória profissional, contribuindo, assim, para a

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UNICESUMAR

desmistificação de equívocos históricos e de um pensamento que perpetua uma


história única, contada apenas pelas vozes portuguesas e que silenciam outras
vozes tão importantes quanto, como a das populações indígenas.
Estimado(a) estudante, agora que já fizemos uma introdução sobre a im-
portância de combatermos discursos que apagam o papel imprescindível das
populações indígenas na História do Brasil e a sua presença neste território an-
teriormente à colonização, isto é, anteriormente a este território ser delimitado,
geograficamente, e chamado de Brasil, conhecimento que rompe com a ideia de
descobrimento, devido à existência de civilizações aqui já organizadas, gostaria
de propor uma dinâmica.
Faça breves entrevistas ou, até mesmo, conversas informais com familiares,
amigos e amigas e pessoas com que você tem algum tipo de relação, porém que
não cursam História como você, ou seja, pessoas que detêm um conhecimento
básico acerca da história do Brasil. A partir disso, realize um mapeamento das
opiniões levantadas, elas reproduzem que foram os portugueses que descobriram
o Brasil, ou elas questionam e problematizam a ideia de descobrimento por consi-
derarem a presença indígena em terras brasileiras antes da chegada dos europeus?
A partir da experiência proposta, o que podemos pensar acerca das respostas
obtidas por meio das breves entrevistas e conversas que você realizou? Reflita a
respeito de argumentos, embasados na História e fundamentados cientificamen-
te, que podem contribuir para a desconstrução do mito do descobrimento do
Brasil entre as pessoas que são próximas a você.
O debate e a oratória são características importante para os(as) professo-
res(as) no geral, em especial, de História, disciplina que traz em seu cerne e ma-
triz teórica-metodológica a narrativa como forma de apresentação e escrita do
conhecimento histórico presente nos livros, artigos, trabalhos e pesquisas aca-
dêmicas e outras ferramentas de divulgação e circulação dos saberes abarcados
pelas competências da ciência histórica e pelo ofício do(a) historiador(a).
Portanto, saber debater e dialogar com nossos(as) alunos(as) e com as pessoas
em geral é uma qualidade fundamental da nossa formação, que devemos levar
para as salas de aulas em que iremos atuar e para nossa vida como um todo. Neste
sentido, escreva em seu Diário de Bordo as reflexões obtidas e as possibilidades
de argumentação para desmistificar sensos comuns entre as nossas relações e
vivências cotidianas.

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UNIDADE 1

Querido(a) estudante, vamos juntos nesta viagem pelo conhecimento acerca da


História Indígena? A partir da dinâmica proposta, das respostas obtidas e das re-
flexões que realizou, aposto que você deve ter tido diversas respostas que aponta-
ram para a ideia, popularmente aceita nas narrativas de pessoas que não estudam
a História de forma profunda e teórica como você, de que o Brasil foi descoberto.
No decorrer do texto, nós, de forma conjunta, levantaremos argumentos
históricos para problematizar e refutar tal pensamento que tem suas raízes no
período da colonização e que desemboca em vários outros. Assim, poderemos
buscar novos conhecimentos, trazer à tona importantes debates e proporcionar o
exercício mais crítico, democrático e ativo da nossa profissão e da nossa cidadania
no que concerne a valorização e reconhecimento da História Indígena.
A partir da rápida pesquisa feita por meio de entrevistas que você realizou, po-
demos afirmar que as questões étnico-raciais, isto é, as relações entre grupos sociais
de diferentes etnias, raças e origens culturais estão presentes na nossa sociedade
desde o período colonial e a ocupação dos territórios que viriam a ser nomeados de
Brasil. Logo, para a ciência histórica, torna-se impossível compreender as práticas
culturais, costumes, representações e imaginários que compõem e caracterizam a
sociedade brasileira, sem considerar as populações indígenas que aqui se encon-
travam estabelecidas, com suas formas de organização sociocultural e sua relação
espiritual e de subsistência com os recursos naturais e ambientais existentes.
Diversas pesquisas arqueológicas apontam que a ocupação do território do
Brasil foi feita há mais de doze mil anos por populações paleoíndias, isto é, pelos

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UNICESUMAR

primeiros grupos humanos que chegaram às Américas, que, a grosso modo, eram
de culturas de caçadores-coletores, majoritariamente nômades e antecedentes
ao advento da cerâmica, do sedentarismo e da agricultura (FUNARI; NOELLI,
2005). Considerado como o maior símbolo e uma das mais importantes desco-
bertas arqueológicas do Período Paleoíndio na América, o fóssil nomeado de
Luzia foi encontrado em uma gruta do estado de Minas Gerais, sendo cientifi-
camente datado em 11.500 anos.
O crânio de Luzia (Figura 1), considerado o fóssil humano mais antigo já en-
contrado no Brasil e em todo continente americano (América do Sul, Central e do
Norte), foi descoberto em 1970, no sítio arqueológico da Lapa do Santo, na região de
Lagoa Santa (MG), pelo bioantropólogo e arqueólogo brasileiro Walter Alves Neves
e sua equipe. Pertencente a uma mulher que viveu por volta de 25 anos de idade, há
mais de 11 mil anos, o fóssil é fundamental para a compreensão do povoamento e
dos fluxos migratórios mais antigos de ocupação humana nas Américas.

Figura 1 - Reprodução do material do crânio de Luzia e sua reconstituição facial, expostas no


Museu Nacional, localizado no Palácio de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio
de Janeiro, em 2013 / Fonte: Wikimedia Commons (2013, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem fotográfica apresenta quatro peças que se encontram expostas em
um compartimento de vidro em linha horizontal e com a seguinte ordem da esquerda para a direita: três
esqueletos de crânio, o primeiro em gesso sem a arcada dentária; o segundo com o aspecto envelhecido
mais próximo ao real, porém, assim como o primeiro, sem a arcada dentária; e o terceiro mais completo
e ainda mais próximo do real, com a arcada dentária e o queixo bem como com metade do rosto com
a reprodução da pele da face pertencente ao crânio. A quarta peça está um pouco mais à frente que as
outras e traz a reconstituição de toda a face pertencente ao crânio, que é de uma mulher indígena, ca-
reca, com sobrancelhas arqueadas, nariz largo e lábios grossos. As peças estão suspensas em suportes
que as retiram da base do compartilhamento, que, por sua vez, possuem textos escritos que explicam a
exposição das mesmas.

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UNIDADE 1

PENSANDO JUNTOS

Você sabia que o incêndio que atingiu o Museu Nacional em setembro de 2018, quase
destruiu o fóssil de Luzia? Vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro e a mais
antiga instituição científica do país, o museu teve mais de 90% do seu acervo, com mais
de 20 milhões de itens catalogados, perdidos no incêndio causado pela ausência de ma-
nutenção em um aparelho de ar condicionado, o que demonstra a negligência e a falta de
investimento do Governo Federal para a preservação do patrimônio histórico do Brasil.
Fragmentos de ossos de Luzia, Homo sapiens mais antigo das Américas, foram encontra-
dos numa caixa de metal nos escombros, e profissionais trabalham para recuperar todo
material resgatado, correspondente a 80% do crânio que existia.

Foram muitas as pesquisas históricas, antropológicas e arqueológicas que pos-


sibilitaram o conhecimento acerca das correntes migratórias indígenas que po-
voaram as Américas e o território que viria a tornar-se o Brasil. Hoje, sabemos
que a origem dos povos ameríndios se deu entre 14 mil e 12 mil anos atrás, na
Ásia, sendo que o consenso estabelecido entre a comunidade científica foi que as
correntes migratórias ocorreram via terrestre, por meio de um “subcontinente”
chamado Beríngia, situado na região do estreito de Bhering, no extremo nordeste
do continente asiático.
Este “subcontinente” tratava-se de uma faixa de terra extensa, formada após
a última glaciação que possibilitou a descida do nível do mar em uns 50 me-
tros abaixo do nível atual, fenômeno natural que foi responsável pela formação
de uma passagem terrestre entre o continente asiático e americano. Entretanto,
apesar de cientificamente menos populares, hipóteses de travessia marítima via
estreito de Bhering, como também migrações no Oceano Pacífico provenientes
da Polinésia, não são descartadas.
Voltando o nosso foco a um tempo histórico mais próximo, estima-se que,
no período pré-colonial, existiam cerca de 1400 povos indígenas no Brasil, isto
é, 1400 etnias ou grupos étnicos que possuíam línguas, costumes, organizações
sociais e territórios diferentes entre si (NIMUENDAJU, 1981). Esta diversidade de
grupos era distribuída por toda a geografia brasileira, sendo que, a partir de várias
hipóteses acerca do contingente da população indígena no período pré-colonial,
realizadas por meio de metodologias próprias de cálculo, a exemplo do método
de densidade da população e de ocupação de determinada área por aldeia, as
pesquisas indicam alguns números, como o de 6,8 milhões pessoas.

16
UNICESUMAR

Contudo, corroborando com o apontado pelo Instituto Brasileiro de Geo-


grafia e Estatística (IBGE, 2000), em seu estudo Brasil: 500 anos de povoamen-
to, evidenciamos que a população indígena nos séculos XVI foi estimada em
2.431.000 (dois milhões e quatrocentos e trinta e um mil) de pessoas. O número
foi estipulado pelo historiador Hemming, em 1978, a partir de tabelas que deta-
lhavam o contingente da população originária por região em 1500. Entre as 1400
etnias indígenas presentes no território brasileiro no início da colonização, pode-
mos citar: Tupinambá, Tupiniquim, Guarani, Potiguar, Aimoré, Caeté, Canindé,
Carijó, Cariri, Caratiú, Charrua, Omágua, entre muitas outras.
Mesmo considerando o caráter incompleto, precário e enviesado das fontes
no período colonial, o que torna impossível apontarmos um número exato, po-
demos afirmar que a população indígena passava da casa dos milhões quando os
europeus aqui chegaram e se estabeleceram, fato que comprova que o território
brasileiro não foi descoberto, e sim ocupado pela colonização portuguesa. Con-
tudo, no início dos anos 2000, o contingente indígena no Brasil não chegava a
300 mil pessoas, consequência nefasta do extermínio das populações originárias
que se deu desde o período colonial.

EXPLORANDO IDEIAS

Estudante, você sabe qual o contingente atual da população indígena no Brasil? Segundo
o último Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 2010, o número de indígenas brasileiros era de 896.917 habitantes, distribuí-
dos por todos os Estados da Federação e o Distrito Federal, dos quais 572.083 se encon-
travam na zona rural, e 324.834 nas zonas urbanas.
Neste ano, com a realização do Censo 2022, depois de dois anos de atraso causados pelos
cortes do Governo Federal e pela pandemia de covid-19, os dados acerca da população
indígena serão atualizados. A pesquisa nacional, que é feita em praticamente todos os
países do mundo, será essencial para apresentar a realidade dos povos indígenas brasi-
leiros e contribuir para a formulação de políticas públicas.
É imprescindível a participação de toda a população para que o Censo cumpra o seu
objetivo de contar os habitantes do território nacional e identificar suas necessidades.
Exerça sua cidadania e o seu papel como futuro professor de História, receba o
recenseador e responda o questionário.
Fonte: IBGE (2010).

17
UNIDADE 1

De acordo com o historiador Vainfas (2000), a História Indígena no Brasil é, antes


de tudo, uma história de despovoamento, fenômeno reproduzido em proporções
gigantescas em todo território do continente americano a partir do processo de
ocupação e dizimação realizado, principalmente, por quatro grandes nações colo-
nizadoras, isto é, Portugal, Espanha, França e Inglaterra. Foram diversos os motivos
causadores do despovoamento da população indígena no período colonial, fato
que se deu na drástica diminuição do contingente populacional que perdurou du-
rante os séculos e que dura até os dias de hoje. Entretanto sabemos que as perdas
irreparáveis não se deram apenas nos números, juntamente com a intensa redução
demográfica de povos indígenas inteiros, também foram destruídas línguas, mani-
festações culturais, cosmovisões, costumes e organizações sociais.
Logo, é necessário considerar que, quando populações são massacradas e
aniquiladas, as perdas nunca serão “apenas” em quantidade demográfica, pois
junto com a morte física (do corpo) vem a morte de toda uma civilização (da
cultura). Em razão disso, não podemos desassociar uma coisa da outra, torna-se
impossível pensarmos, separadamente, uma sociedade de suas práticas culturais.
Portanto, nesta unidade, busco utilizar a ideia de genocídio indígena como o
extermínio físico e cultural implementado pela colonização portuguesa aos povos
originários desta terra e que, como veremos nas próximas unidades, encontra-se
em curso até o tempo presente.
No elemento de aprendizagem a seguir, apresento três conceitos fundamen-
tais para compreendermos a História Indígena, muito utilizados nas ciências que
estudam esta temática, como a História, a Antropologia, a Sociologia, a Arqueolo-
gia, entre outras. Estas definições não são totalizantes, pois são diversos os autores
e autoras que os investigam e teorizam, porém são construções epistemológicas
das quais compartilho, por meio de teorias historicamente fundamentadas.

18
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Etnias ou grupos étnicos: comunidades humanas que compartilham de qualidades cul-


turais, linguísticas, espirituais e raciais em comum. De forma mútua, essas comunidades
possuem uma estrutura social, política, ancestral, territorial e geográfica que as identifi-
cam coletivamente.
Despovoamento: diminuição do número de indivíduos que habita determinada região
ou território tanto por movimentos migratórios naturais ou compulsórios quanto pela
dizimação de populações e grupos étnicos.
Genocídio: extermínio consensual e consciente de grupos humanos integrados por iden-
tidades étnico-raciais, políticas, culturais e religiosas em comum. Calculadas para o ani-
quilamento do modo de vida desses grupos, é deliberado o uso de medidas sistemáticas,
como assassinato, a injúria e lesão corporal e mental, prevenção de nascimentos (controle
da natalidade), sequestro de crianças e execução de impossíveis condições de vida, como
fome, pobreza, guerra, tortura e controle do pensamento.

Caro(a) estudante, pensando nos conceitos explanados anteriormente, irei me con-


centrar agora nos principais motivos que, de acordo com a historiografia, foram
causadores do despovoamento por genocídio da população indígena no período
colonial, sendo eles: as guerras, a escravização, a catequização e as epidemias.
Engana-se quem pensa que as populações indígenas foram permissivas com
sua própria dominação, ludibriadas por objetos europeus das quais não tinham
nenhum contato, a exemplo do espelho, como aponta pensamentos que fazem
parte de um imaginário social que atribui passividade e incapacidade de defesa
a esses povos. A introdução de artefatos e produtos da cultura ocidental europeia
foi sim uma estratégia portuguesa para a manipulação e o amedrontamento de
diversos indígenas, em especial, objetos bélicos, como os instrumentos de ferro
e armas de fogo, utilizadas para coerção, aprisionamento e assassinato.
Contudo “a violência da conquista e da colonização não os impediu de agir,
mobilizando as possibilidades a seu alcance para atingir seus interesses que se
transformavam com as novas situações vivenciadas’’ (ALMEIDA, 2011, p. 10).
Neste sentido, tais povos não ficaram inertes diante da dominação colonial, assis-
tindo à sua própria morte de forma pacífica e estagnada, eles foram à luta com as
armas que possuíam, grandes símbolos culturais do ímpeto guerreiro indígena,
como é representado pela Figura 2.

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UNIDADE 1

Figura 2 - Indígena Pataxó arqueando seu arco e flecha

Descrição da Imagem: a imagem fotográfica, sob incidência de luz solar, tem como figura central um
homem indígena da etnia Pataxó, da parte de seu tronco. Sua cabeça está voltada para a direita, levemente
inclinada para cima, ele segura um arco com uma flecha engatilhada e apontada para cima. O indígena
possui um cocar em que predomina a cor azul em sua cabeça, outro símbolo de sua cultura, estando com
uma expressão de concentração. Ao fundo, encontram-se muitas árvores e folhagens.

As guerras da conquista foram muitas e se deram por todo o território do Brasil,


desde o litoral, espaço onde os portugueses chegaram e colonizaram primeiro, até
o interior do país. Devido à diversidade de grupos étnicos existentes, não pode-
mos entendê-los a partir de uma mesma perspectiva generalista, logo, devemos
compreender que algumas etnias indígenas foram mais combativas e guerrea-
ram, diretamente, com os portugueses, já outras, em razão da baixa quantidade
demográfica e de vários aspectos culturais, foram subjugadas mais rapidamente.
Os indígenas chamados “tapuias”, nome genérico dado pelos portugueses para
se referir aos povos indígenas que pertenciam, majoritariamente, ao tronco lin-
guístico Jê ou a famílias linguísticas independentes, foram os que mais apresenta-
ram resistência frente ao domínio colonial português. “Na verdade, nunca houve
um grupo cultural ou linguístico “tapuia”, que nada mais era do que, basicamente,
o vocábulo tupi utilizado para designar os que não falavam essa língua, ou seja,
povos de outros troncos ou famílias lingüísticas” (VAINFAS, 2000, p. 38).

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UNICESUMAR

Portanto, na concepção portuguesa, os “tapuias”, povos de ímpeto guerreiro, eram


considerados os “outros” por se diferenciarem dos Tupis, que, por sua vez, eram as
etnias que possuíam semelhanças linguísticas e culturais, predominantemente, si-
tuados na região litorânea no século XVI. Por apresentarem uma intensa resistência
às guerras coloniais empreendidas por Portugal, os “tapuias” foram tratados pelos
colonizadores como o exemplo máximo de incivilidade, selvageria e barbárie,


como foi o caso dos Aymoré, posteriormente chamados de Botocu-
dos, grupo nômade que resistiu tenazmente à dominação portugue-
sa na Bahia, e somente ali foi derrotado no início do Século XVII.
Foi também o caso dos Goitacá ou Waitacá, baluarte da resistên-
cia indígena no norte fluminense, atual ‘Campos dos Goitacazes’.
Foi igualmente o caso dos Janduí (grupo cuja nominação é bem
incerta), ‘tapuias’ que lutaram ao lado dos holandeses nas guerras
pernambucanas do Século XVII. Foi, enfim, o caso dos Kariri ou
Kiriri, grupo disperso pelo sertão nordestino que, entre outros fei-
tos, enfrentou os portugueses juntamente com outros ‘tapuias’, na
famosa ‘Guerra dos Bárbaros’, travada nas partes do Ceará e Mara-
nhão, entre fins do Século XVII e inícios do XVIII (VAINFAS, 2000,
p. 42, grifos do autor).

Outro fator importante, que não podemos perder de vista, é a existência de


conflitos interétnicos anteriores ao processo de colonização e a utilização disso
como estratégia de desmobilização e controle dos povos indígenas pelos colonos
portugueses. Em razão disso, podemos afirmar que o fato de haver disputas terri-
toriais entre etnias indígenas, algo comum tendo em vista a heterogeneidade de
populações que habitavam um mesmo território, foi decisivo para desagregação
da resistência dos povos originários e, consequentemente, para que alianças lu-
so-indígenas fossem criadas como forma de sobrevivência para diversos grupos
étnicos e como tática para facilitar a dominação colonial.
Em sua tese de doutorado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade de São Paulo, Fujimoto (2016) aponta que a prá-
tica bélica indígena foi utilizada como instrumento de colonização e exploração
econômica desses povos, sendo usada também para justificar a necessidade da
colonização nas narrativas europeias do período colonial. Portanto, de acordo
com a autora, podemos compreender que, a partir da ocupação portuguesa, as

21
UNIDADE 1

antigas rivalidades entre populações indígenas distintas passaram de conflitos


interétnicos a conflitos coloniais.


Nos relatos que divulgaram a ‘descoberta’ do Novo Mundo a ênfase
na belicosidade dos povos nativos e a afirmação de que estes fa-
ziam guerra porque se alimentavam de carne humana cumpriram
importantes funções: legitimar a ocupação do Novo Mundo e a
escravização dos indígenas e diferenciar as guerras indígena e eu-
ropeia. Ao situar os relatos dos descobridores no contexto europeu,
observamos que a guerra era a regra, não a exceção. Desse modo,
somente a afirmação de que a finalidade da guerra era a antropo-
fagia poderia fazer com que os leitores dos primeiros relatos sobre
o Novo Mundo concebessem a belicosidade desses povos como
um elemento exótico e digno de ser punido com assassinatos em
massa, a perda da soberania e da liberdade. Tal caracterização da
guerra indígena foi construída no século XVI nas narrativas dos
‘descobridores’ divulgadas para o grande público e financiadas por
mercadores e banqueiros com interesse na exploração econômica
do Novo Mundo (FUJIMOTO, 2016, p. 242).

Neste sentido, podemos afirmar que os textos escritos por colonizadores e, mais tarde,
por padres e pessoas vinculadas às ordens religiosas que vieram ao Brasil, contribuí-
ram para a legitimação de narrativas históricas repletas de estereótipos e preconceitos
e que, ainda hoje, circulam em nossa sociedade, a exemplo de discursos que apontam
as populações indígenas como atrasadas, incivilizadas e mal desenvolvidas.
Logo, caro(a) estudante, se, nos dias atuais, a ideia de atraso dos povos indí-
genas ainda reverbera no pensamento de grande parte da população brasileira,
inclusive de governantes e pessoas públicas, não é exagero concluir que, durante o
período colonial, o imaginário construído pela narrativa colonizadora foi decisivo
para a guerra e o cativeiro, estratégias violentas encontradas para exterminar essa
população em massa e impor uma organização de trabalho compulsório que a
explorava e, em contrapartida, negava recursos mínimos para a sua sobrevivência.
“A violência empregada para a colonização denota que a práxis colonizadora (e
bélica) europeia, com sua ampla capacidade destruidora, causava estragos maio-
res que os provocados pelas guerras sem tréguas que os descobridores afirmavam
ser realizadas pelos indígenas” (FUJIMOTO, 2016, p. 244).

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UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Guerras do Brasil.doc


Ano: 2018
Sinopse: Guerras do Brasil.doc é uma série documental de 5 episó-
dios que detalha como o Brasil foi formado por séculos de conflito
armado que fazem parte da história do país desde a colonização até
os conflitos atuais. Cada episódio possui 26 minutos e segue uma ordem cro-
nológica, sendo que o episódio de estreia é sobre as Guerras da Conquista.
Comentário: a série toda é muito importante para vocês que são professores
de História em formação e para a complementação do conhecimento
histórico acerca das guerras ocorridas no Brasil. Entretanto, pensando na
temática da nossa disciplina, sugiro que vocês assistam, a princípio, o primei-
ro episódio Guerras da Conquista, que trata, especificamente, da história da
invasão e da colonização do Brasil e sua relação com a população indígena
que ocupava este território há milhares de anos, trazendo especialistas e
historiadores que afirmam que a Guerra da Conquista ainda não acabou,
continuando viva mesmo após os 500 anos da chegada dos portugueses nas
praias brasileiras, em 1500.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Guerras da Conquista: da Invasão dos Portugueses até os Dias


de hoje
Autor: Felipe Milanez e Fabricio Lyrio Santos
Editora: HarperCollins
Sinopse: baseado na série documental Guerras do Brasil.doc, veicula-
da na Netflix, o livro é um convite para conhecer como, de fato, se deram os
primeiros contatos entre europeus e nativos e como, ainda hoje, a resistên-
cia dos povos indígenas se faz necessária contra a dizimação de suas terras,
de suas comunidades. Inclui a íntegra da entrevista de Ailton Krenak para a
série Guerras do Brasil e traz novos olhares sobre aquilo que aprendemos na
escola como “descobrimento do Brasil”, que nada mais foi que uma invasão
genocida e etnocida cujos desdobramentos ainda hoje ameaçam a vida dos
primeiros povos a habitar o país.
Comentário: os professores Felipe Milanez e Fabricio Lyrio Santos reúnem
materiais riquíssimos e extensas investigações para nos mostrar que não
houve nada de heroico na invasão europeia, além de desmistificar estereó-
tipos que consideram a população indígena como um povo inculto, ingênuo
e selvagem, afirmando sua heterogeneidade e valorizando suas culturas va-
liosas e sabedorias milenares.

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UNIDADE 1

NOVAS DESCOBERTAS

Para complementar a reflexão do filme e a leitura do livro, indico a


discussão promovida pelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências
da Universidade Federal da Bahia (IHAC-UFBA), que reuniu os autores
do livro Guerras da Conquista, Felipe Milanez e Fabricio Lyrio (CAHL-
-UFRB), e o roteirista, produtor e diretor da série documental, Luiz
Bolognesi, o líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor,
Ailton Krenak, e a antropóloga e escritora especializada em estudos
sobre a cultura indígena, Betty Mindlin, para um debate mediado pela
editora da obra, Malu Poleti, sobre as lutas indígenas e a violência da
conquista e da colonização. Acesse o QR Code para assistir a este rico
debate acerca das Guerras da Conquista realizado entre especialistas
e intelectuais da temática.

A partir das três referências indicadas, que mesmo tendo formatos distintos se re-
lacionam entre si, complementando o nosso conhecimento de uma forma propícia
e diversificada, podemos apontar que é neste contexto que nasce o conceito de
Guerra Justa para legitimar justificativas levantadas pela colonização portuguesa
e pela Igreja Católica para a formação e o estabelecimento de guerras contra os gru-
pos indígenas brasileiros, que, em suas visões, eram selvagens, bárbaros e canibais.
Buscando enquadrar os nativos em seu universo conceitual e religioso, os
europeus identificaram os povos indígenas de diversas formas, utilizando um vo-
cabulário específico nos relatos produzidos durante o século XVI, a exemplos de
nomes, como “brasis”,“gentios” cujo significado é pagão, termo geral utilizado para
se referir às pessoas e às culturas que não são adeptas do cristianismo, “negros da
terra”, termo de cunho racista que era usado para se referir a indígenas escravi-
zados, e, por fim, “índios”, indígenas aldeados de várias etnias (CUNHA, 1993).


As ‘guerras justas’ para aprisionamento dos índios hostis tinham
sua legislação baseada num imaginário difuso sobre práticas in-
dígenas ‘bárbaras’– canibalismo, poligamia etc. Tal imaginário era
sempre acionado em defesa dos interesses econômicos dos colonos.
O confronto dos missionários com pajés supostamente demoníacos
tinha raízes no imaginário medieval da luta cristã contra feiticeiros e
bruxas. Daí encontrarmos uma iconografia recorrente de mulheres
canibais nos textos dos cronistas muito distante da realidade. Há

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UNICESUMAR

gravuras em que o canibalismo é associado às práticas demoníacas,


tudo indicando a necessidade de uma intervenção salvadora, disci-
plinadora e exterior. Foi com base nessas representações, associadas
a argumentações de distintas ordens, que se construiu a crença (que
se naturalizou como certeza) do caráter filantrópico e humanitário
da intervenção colonizadora (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 30-31).

Logo, é a partir da influência das narrativas coloniais na História que podemos


perceber as questões étnico-raciais no período colonial, em especial, por meio
da distorção, da inferiorização e da subjugação de práticas culturais indígenas,
que, à luz da interpretação europeia, passaram a ser consideradas demoníacas,
bárbaras e passíveis de condenação e destruição.
Desta maneira, podemos observar que o projeto colonial português abran-
geu uma política indigenista que desagregava e polarizava a população origi-
nária em dois grupos fragmentados, para os quais eram direcionadas ações
opostas, mas igualmente danosas. Em consequência disso, o sistema colonial
teve que se reinventar ao elaborar várias formas de dominação, condizentes
com as diversas formas de sociabilidades e identidades indígenas existentes.
Portanto, para os indígenas considerados aliados, a dominação era empreen-
dida pela escravização e pela conversão, já para os indígenas tidos como ini-
migos, a dominação vinha pelo disparo direto da arma de fogo nas guerras da
conquista, como demonstrado na Figura 3.


Não existia, porém em quaisquer das duas hipóteses, seja para os
aliados ou inimigos, um reconhecimento da relatividade das cul-
turas nem de espaços significativos de autonomia. Os povos e as
famílias indígenas que se tornavam aliados dos portugueses necessi-
tavam ser convertidos à fé cristã, enquanto os ‘índios bravos’ (como
eram chamados nos documentos da época) deviam ser subjugados
militar e politicamente de forma a garantir o seu processo de cate-
quização. Este tinha por objetivo justificar o projeto colonial como
uma iniciativa de natureza ético-religiosa preparando a população
autóctone para servir como mão-de-obra nos empreendimentos
coloniais (econômicos, geopolíticos e militares) (OLIVEIRA; FREI-
RE, 2006, p. 35).

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UNIDADE 1

Figura 3 - Guerrilhas de Johann Moritz Rugendas, imagem que integra a obra Viagem Pitoresca
e Histórica ao Brasil de Jean-Baptiste Debret / Fonte: Debret (1834).

Descrição da Imagem: a imagem em preto e branco apresenta a pintura de uma guerra ocorrida em
um espaço florestal, representado por uma vegetação com diversos tipos de árvores e folhagens. Nela,
é possível apontar várias pessoas indígenas, entre homens, mulheres e crianças, que estão seminuas no
centro, e, à esquerda da imagem, sendo que algumas estão caídas ao chão e feridas, outras estão correndo
com crianças no colo, e alguns dos homens estão segurando arcos e atirando flechas em sua defesa. Em
contraposição, encontram-se vários homens brancos à esquerda da imagem, que estão vestidos, usando
chapéus e portando armas de fogo, alguns em posição de atirar, com seu alvo indígena na mira, outro
atacando um indígena caído no chão e outros em pé entre as árvores. Ainda, podemos observar um
homem negro, de calças, porém sem camisa, com uma flecha cravada em seu peito e caindo no chão.

No álbum iconográfico Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834), do pintor


francês Jean-Baptiste Debret, é possível verificar como o Brasil colonial foi inten-
samente retratado por diversas pinturas, muitos desenhos e muitas gravuras, como
as do próprio autor e as do alemão Johann Moritz Rugendas, que, a partir de sua
visão europeia e sua concepção artística ocidental, representaram o cotidiano da
colônia baseada e estruturada na escravidão de negros africanos e indígenas nativos.
Voltando ao conceito de Guerra Justa, que, de acordo com Farage (1991, p.
27), é “um conceito teológico e jurídico enraizado no direito de guerra medieval”,

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UNICESUMAR

podemos apontar que esta prática ancorou as principais justificativas para a guerra
contra os povos indígenas, que seriam a propagação da fé cristã e a retaliação a indí-
genas que ousavam resistir, tidos como hostis e perigosos à sociedade estabelecida.
Desta forma, obtendo amparo legislativo em normativas institucionais do
período medieval, podemos afirmar que as discussões teológicas encontraram,
no âmbito jurídico, a autorização legal para a constituição e realização da guerra
colonial, transformando, assim, a prática bélica europeia contra as populações
indígenas, bem como o uso do trabalho escravo indígena em leis amparadas
juridicamente e exemplificadas nos relatos contidos nos textos dos colonos.
A legislação que regulamentava a guerra e a escravização das populações
nativas tinha como base o Regimento de Tomé de Souza, de 17 de dezembro
de 1548, criado por Dom João III, com o objetivo de nortear a administração
colonial do território brasileiro pelo Reino de Portugal. Entre os seus 48 artigos
que detalhavam como deveria ser a instalação administrativa do governo, dis-
punham-se as justificativas para a realização de guerras contra os indígenas que
se rebelavam contra as instituições e estabelecimentos coloniais.
A guerra, para os indígenas que sobreviveram a ela, significava sua captura e
escravização, como representado pela Figura 4, tornando-se, assim, a ferramenta
mais utilizada para a obtenção da mão de obra escrava indígena. Mediante a su-
perioridade cristã portuguesa, a legitimação para as guerras da conquista se deu,
também, no âmbito religioso, que serviu para o estabelecimento da escravização
dos povos originários, pois, para transformar os costumes culturais e os valores
sociais indígenas, era necessária a integração dos nativos ao trabalho colonial,
que, por sua vez, tinha como base política e econômica a escravidão.

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UNIDADE 1

Figura 4 - Selvagens Civilizados Soldados Índios da Província de Curitiba Conduzindo Prisioneiros


Indígenas de Jean-Baptiste Debret, pintura que compõem a obra Viagem Pitoresca e Histórica ao
Brasil / Fonte: Debret (1834).

Descrição da Imagem: a imagem em preto e branco apresenta a pintura da prisão e da condução de


indígenas por três homens que estão vestidos e armados, sendo que um se encontra na frente das pes-
soas aprisionadas, e os outros dois estão atrás, de forma a encurralar os prisioneiros que estão ao meio
dos soldados. Entre as pessoas capturadas estão duas mulheres adultas e quatro crianças indígenas
seminuas, sendo que uma é criança de colo e está sustentada nas costas da segunda mulher, e as outras
crianças caminham, porém, agarradas ao corpo das mulheres em sinal de medo. As duas mulheres indí-
genas estão presas por correntes. Todas as personagens retratadas estão enfileiradas, horizontalmente,
e caminham sob um tronco de árvore, que faz parte da paisagem que é florestal, com a natureza sendo
representada por outros troncos de árvores, folhas, cipós e, ao fundo, copas de outras árvores dispostas
em uma clareira e conectadas pelo céu.

Diante da indissociabilidade do Estado e da Igreja, instituições inseparáveis na


época, a guerra e a escravidão colonial contra as populações indígenas foram
concebidas e fundamentadas tanto na esfera jurídica quanto na esfera religiosa.
Portanto, servindo como justificativa ideológica perfeita para a escravização de
indígenas, no Brasil, foram implementados diferentes tipos de trabalho compul-
sório da mão de obra nativa junto aos aldeamentos.

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UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Estimado(a) estudante, você sabia que o Brasil se tornou um Estado Laico apenas em 7 de
janeiro de 1890? Foi somente com a Proclamação da República e com a promulgação da
Constituição Federal de 1891 que o Estado e Igreja Católica Romana se separaram, institu-
cionalmente, de forma definitiva. O Estado laico, inaugurado pelos Estados Unidos, primeiro
país laico do mundo, e defendido pela Revolução Francesa (1789), torna-se um fenômeno
da História Moderna e Contemporânea extremamente importante para a separação ad-
ministrativa entre Estado e Igreja e a liberdade e a proteção da crença. Neste sentido, a
laicidade é uma qualidade fundamental dos Estados não confessionais, como o Brasil, para
a garantia da liberdade religiosa e preservação de crenças marginalizadas socialmente e
consideradas inferiores, como as crenças e espiritualidades dos povos indígenas.

A escravidão e o tráfico indígena, mesmo em menor escala do que a escravidão


negra-africana, instituição basilar do Brasil Colônia, foram bastante utiliza-
das e envolveu diversas disputas e relações de poder expressas entre colonos e
missionários que, por vezes, apresentavam visões distintas a respeito da escra-
vização deste grupo étnico-racial. A chegada dos jesuítas, no Brasil, em 1549,
padres pertencentes à ordem religiosa da Companhia de Jesus, criada em 1534
por Inácio de Loyola, vinculada à Igreja Católica, e que tinha como objetivo a
pregação do evangelho pelo mundo, contribuiu para amplas discussões sobre
a escravidão indígena.
O avanço do processo missionário em aldeamentos estabeleceu, até certo
ponto, obstáculos para a escravização indígena generalizada, até então pratica-
da pelos colonos de forma livre, contínua e garantida por lei. Tendo o apoio da
Coroa, a Companhia de Jesus implementou medidas régias para o retrocesso da
escravidão indígena, como as Leis de 1570 e a de 1609, o que restringiu e proibiu
o cativeiro indígena.
A despeito das respectivas legislações, a captura, a perseguição e o tráfico
indígena prosseguiram no litoral do território brasileiro durante todo o século
XVI, diminuindo apenas em função da redução aniquiladora da população nativa
litorânea, que, por meio da perda demográfica proporcionada pelo genocídio
indígena em massa, deu-se em um despovoamento que assolou povos inteiros.
Tal período, temporalmente da passagem do século XVI para o século XVII, foi a
deixa para a propagação e a popularização da escravidão africana, que substituiu,
de forma massiva, a escravidão indígena na economia açucareira.

29
UNIDADE 1

Contudo, mesmo diante das medidas legislativas de proibição da escravidão


indígena e da ação dos jesuítas, que compreendiam que as populações nativas
eram passíveis de conversão ao cristianismo e, por isso, deveriam ser poupadas
da escravidão, a instituição escravocrata contra a os povos originários ainda per-
durou durante séculos.
De acordo com Vainfas, “seja como for, a escravização indígena longe esteve
de ser impedida, quer no Século XVII, quer depois da expulsão dos jesuítas,
apesar de inúmeras determinações legais em contrário” (VAINFAS, 2000, p. 47).
Logo, a inexistência de um sistema de escravidão após as mudanças legislativas
realizadas, não significava a ausência de conflitos nas relações estabelecidas entre
missionários e indígenas, permeadas por ações coercitivas muito comuns à época.
Em razão disso, podemos afirmar que a chegada de diversas ordens reli-
giosas em território brasileiro nos primórdios da colonização, em especial, os
jesuítas, porém outros missionários também, como carmelitas, franciscanos,
beneditinos e capuchinhos, foi fundamental para a introdução e a consolidação
de outra arma poderosa para o controle e a dominação colonial da população
indígena, a catequização.
A catequização foi uma arma extremamente poderosa para o controle do
pensamento e das práticas culturais indígenas. Logo, juntamente com as guerras
e a escravidão, que serviram para o domínio físico, ou seja, o controle do corpo,
da matéria, da demografia nativa, contribuiu para que a colonização conseguisse
exercer o controle de forma completa, por meio da difusão da religião cristã ba-
seada nos dogmas da Igreja Católica, que ainda mantinha os valores do período
da Inquisição e condenava a cultura, os hábitos e a forma de vida dos povos
nativo-americanos.
As missões estavam longe de ser somente uma iniciativa religiosa, pois, de-
vido à indissociabilidade do Estado e da Igreja, elas se tornaram, sobretudo, uma
iniciativa econômica e político-militar. Portanto, ainda que o processo de cate-
quização estivesse amparado em princípios éticos e religiosos, os missionários
e, até mesmo, os jesuítas, considerados os mais benevolentes com a população
indígena, começaram a observar que os nativos facilmente renunciavam à dou-
trinação religiosa que recebiam nos aldeamentos por meio dos ensinamentos
cristãos, retornando aos sertões e contrariando a autopercepção dos missionários
que viam a si próprios como os salvadores das almas indígenas e detentores do
único modo de civilização, isto é, a europeia.

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UNICESUMAR

Ao ocupar novos territórios e favorecer a conquista de novas fronteiras, a


catequização proporcionou uma rápida expansão do sistema colonial portu-
guês. A institucionalização das ordens religiosas durante a colonização ocorreu,
por meio da fundação de colégios, conventos e igrejas que possibilitaram a ação
missionária junto aos aldeamentos indígenas, bem como com a proliferação e a
popularização de símbolos religiosos no dia a dia do Brasil colônia, a exemplo de
oratórios e cruzeiros, assim como podemos observar na Figura 5.

Figura 5 - Primeira Missa no Brasil, óleo sobre tela de Victor Meirelles (1860), exposta no Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. / Fonte: Wikimedia Commons (2020, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem apresenta a pintura da celebração de uma missa ocorrida em um


ambiente ao ar livre, com uma vegetação variada que possui diversas árvores e folhagens, contendo,
também, morros e montanhas ao fundo. Ao centro, encontra-se um altar que apresenta uma grande
cruz suspensa e um púlpito que sustenta um livro aberto, sendo que a missa é comandada por uma
figura masculina, a pessoa mais próxima do altar, que está com os braços levantados e usando uma
batina branca, vestimenta característica dos padres. As outras pessoas mais próximas ao altar também
são homens, colonos e integrantes da Igreja, identificados pelas vestimentas que usam, características
do missionarismo e militarismo colonial, sendo que alguns estão ajoelhados enquanto outros estão em
pé. Aos pés do altar, encontram-se objetos antigos, como um baú aberto, espadas, lanças e um cálice. Ao
redor do altar e de toda a pintura há muitas pessoas indígenas observando o ritual católico, entre homens,
mulheres e crianças que estão nuas ou seminuas, algumas usando indumentárias e símbolos de suas
respectivas etnias e culturas, como cocares, lanças e saias. As pessoas indígenas estão distribuídas por
toda imagem, sendo que algumas encontram-se em pé e outras sentadas no chão e em árvores, bem como
algumas estão observando o ritual e outras apontando para o altar e se olhando em sinal de conversa.

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UNIDADE 1

O discurso colonial, permeado por uma doutrina evangelizadora, envolvia não


apenas a conversão dos indígenas ao cristianismo na teoria, mas também na
prática, ou seja, no combate, na dominação e na conquista dos chamados “bár-
baros infiéis” (NEVES, 1978). Para se fazer cumprir o processo de catequização
de forma eficaz, os missionários atacavam às religiões indígenas e perseguiam
seus representantes, que tinham os pajés como principais líderes e guias espi-
rituais dos seus povos. Contudo a conversão não se dava apenas por meio da
pregação do evangelho e da doutrina religiosa, os colonos também compravam
essa conversão por meio de ferramentas compensatórias, que, para os indígenas,
significava sua sobrevivência no Novo Mundo implementado pela colonização
portuguesa, a exemplo dos pagamentos de salários, da conquista de sesmarias e
da agricultura de subsistência.
Outra estratégia de conversão empreendida pelo missionarismo foi a adoção
de intérpretes e a aprendizagem dos idiomas indígenas, que proporcionaram o
ensino do evangelho desde a infância, em que crianças nativas aprendiam a ler
e a escrever aos moldes luso-europeus. Logo, podemos aferir que a língua foi
fundamental para o processo de catequização, sendo responsável pela adesão
do português como língua oficial do Brasil e pelo apagamento e pela anulação
de centenas de línguas indígenas, que, por sua vez, eram faladas por centenas de
grupos étnicos de diferentes culturas.

Além da língua, a educação católica doutrinadora também se dava, por


meio da música sacra e de práticas litúrgicas, sendo que entre alguns ins-
trumentos pedagógicos dos quais os jesuítas faziam uso para tal fim, po-
demos citar os vocabulários, as gramáticas e os catecismos pensados e
elaborados com a ajuda de intérpretes (NEVES, 1978).

Devido à necessidade de proventos da Coroa para a subsistência, os jesuítas pas-


saram a propagar uma concepção cristã do trabalho nos aldeamentos para que,
assim, pudessem se livrar da dependência do padroado, instituição de caráter so-
cioeconômico que abrangia direitos concedidos pelos papas à Coroa Portuguesa
cuja destinação se dava para a administração dos assuntos religiosos na colônia.

32
UNICESUMAR

Desta forma, a implementação da produção agrícola nas terras cedidas pela


Coroa, por meio da mão de obra indígena, realizada a partir da concepção cristão
do trabalho, empreendida pelos missionários, cumpriu duas funções imprescin-
díveis para o êxito do circuito mercantil colonial: expandiu a catequese como
forma de controle e possibilitou aos jesuítas a substituição de sua dependência
salarial do padroado pelos recursos obtidos por meio do trabalho indígena, es-
tratégia que eximia a Igreja Católica, financeiramente, ao transferir esta respon-
sabilidade para a população indígena escravizada.
Segundo Hoornaert et al., autores da obra História da Igreja no Brasil (1979),
parte da coletânea História Geral da Igreja na América Latina, entre o século
XVI e meados do século XVIII, podemos dividir o processo de catequização
em três ciclos, que são: o litorâneo, o sertanejo e o maranhense. As centenas de
aldeamentos formados para fim evangelizador, que recebiam cada dia mais mis-
sionários europeus pertencentes às ordens religiosas da Igreja Católica, foram
o cenário de mais uma das formas de despovoamento e genocídio indígena no
período colonial, como demonstrado na Figura 6, isto é, as epidemias.
Portanto, podemos afirmar que as missões jesuíticas e os aldeamentos construídos
para tal fim se tornaram locais de transmissão de doenças e difusão de epidemias, em
especial a de varíola, que se sucedeu em ondas contínuas e avassaladoras, a partir de
1560, sendo responsável pela dizimação de aldeias e povos inteiros, principalmente,
da população indígena da Bahia e do planalto paulista (VAINFAS, 2000).
Devido à falta de imunidade e anticorpos naturais da população indígena
com doenças comuns na Europa, que foram transportadas do velho continen-
te para o Novo Mundo com as navegações, os povos nativos se encontravam
completamente desprotegidos, imunologicamente, ficando à mercê de patologias
trazidas por colonizadores portugueses, holandeses e franceses, missionários,
navegadores e representantes da Coroa Portuguesa em sua travessia do Atlântico.
Algumas outras doenças comuns e que foram responsáveis por matar milhares
de pessoas indígenas foram: gripes, sarampo, febres, tuberculose, pneumonia,
coqueluche e outras moléstias fatais.

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UNIDADE 1

Figura 6 - O funeral Tupinambá das mortes causadas pelas epidemias / Fonte: Bry (2011).

Descrição da Imagem: a imagem apresenta a pintura em preto e branco de um ritual fúnebre indígena.
Cinco mulheres indígenas estão no plano baixo da imagem, agachadas no chão, em movimentos corporais
que indicam desespero e tristeza, sendo que duas estão se abraçando e as outras três encontram-se uma
ao lado da outra, duas com as mãos da face e a cabeça baixa e a outra com as mãos na cabeça. No plano
superior da imagem, à frente das mulheres, estão cinco homens indígenas, ao lado esquerdo podemos
observar um homem deitado na rede e outro ao seu lado, em pé, segurando um objeto espiritual, já ao
lado direito, encontram-se dois homens carregando um terceiro, dando a entender que este terceiro é
um corpo sem vida, pois ele está enrolado em um tecido, em uma espécie de embalsamamento. Ainda,
na parte de trás dos homens, está mais uma mulher agachada ao chão com as mãos na face.

De acordo com o historiador Hemming (1978), um exemplo que podemos citar


é a epidemia de varíola, que, entre os anos de 1562 e 1565, foi a causa da morte de
mais de trinta mil indígenas no estado da Bahia. Neste sentido, faz-se importante
compreender que o poder desarticulador das doenças contribuiu, diretamente,
para o genocídio da população autóctone, no período colonial, ao exercerem uma
ação decisiva na queda demográfica indígena, na costa litorânea do país.


Nas primeiras décadas do séc. XX, esta realidade não foi alterada: nos
grupos recém contatados pelo SPI, aldeias inteiras foram destruídas
por doenças pulmonares. Ao causar mortalidade, o pós-contato ini-
ciava o desequilíbrio das condições de sobrevivência de um povo,

34
UNICESUMAR

que já enfrentava doenças endêmicas, como verminoses e malárias:


havia desnutrição, dificuldade de produção de alimentos e pioravam
os cuidados sanitários (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 123).

Logo, é possível observar e analisar este fenômeno em um período mais recente


na História também, a fim de entender as continuidades históricas que permeiam
a desigualdades estabelecidas com a população indígena, que ainda continua
sendo umas das que menos recebe a imunização de campanhas vacinais e as mais
suscetíveis a epidemias e a vírus, em especial, as comunidades isoladas que têm
pouco ou nenhum contato com os grandes centros urbanos, onde se encontram
os aglomerados populacionais e que, portanto, não possuem defesas naturais à
patologias comuns nas cidades, que são transmitidas por garimpeiros, madeirei-
ros e fazendeiros que invadem as terras indígenas.
Podemos apontar a pandemia mundial de covid-19, que teve início no co-
meço de 2020, e da qual a sociedade brasileira foi profundamente atingida, como
um exemplo recente e compreensível de como uma doença da qual não temos
conhecimento científico ou proteção imunológica pode ser devastadora no que
tange a quantidade exorbitante do número de mortes e sequelas graves causa-
das. A partir do perigo iminente, os povos indígenas acabam se tornando, mais
uma vez, os mais vulneráveis a epidemias em razão de piores condições sociais,
econômicas e sanitárias do que as de pessoas não indígenas, fato que potencia-
liza a disseminação de doenças, como a dificuldade de acesso ao Sistema Único
de Saúde, a distância geográfica e a ausência de políticas públicas que formem
profissionais da saúde para atender às especificidades indígenas.

Estimado(a) estudante, neste Podcast, você terá acesso a


uma entrevista com a bióloga e mestre em Ciências da Saúde,
pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Aline Amenen-
cia de Souza, que tratará, especificamente, sobre como as
epidemias atingem, historicamente, a população indígena bra-
sileira a partir de uma analogia entre as epidemias do período
colonial e a pandemia de covid-19, no tempo presente. Aperte
o play e amplie seu conhecimento histórico acerca desta
temática tão importante e interdisciplinar, que articula as
Ciências Humanas com as Ciências da Saúde, tornando-se um
campo de pesquisa rico e cheio de possibilidades para estu-
dos e as investigações na graduação e pós-graduação.

35
UNIDADE 1

Diante de todo o conhecimento que discutimos e estudamos, conjuntamente,


durante a presente unidade, podemos afirmar que a opressão e a violência, reali-
zadas de várias formas e por diversos âmbitos, foram as maneiras empreendidas
e justificadas pelos portugueses para o êxito e o funcionamento do processo de
colonização no território brasileiro. “Subjugá-los por meio da guerra ou, cultu-
ralmente, por meio da catequese, oscilando o cativeiro entre esses dois pólos”
(VAINFAS, 2000, p. 39) foram as formas encontradas pelos interesses coloniais
para a dominação da terra e controle das populações nativas que aqui já se en-
contravam há milhares de anos.
Porém, torna-se importante apontar que, mesmo diante da violência e das di-
versas formas de genocídio indígena, empregadas pela colonização desde 1500 e
continuadas ao longo do tempo até os dias atuais, não devemos compreender a
História Indígena apenas como uma sucessão de massacres, guerras, doenças e va-
riadas formas de despovoamente e subjugação, mas também pela intensa e contínua
resistência desses povos que, igualmente, foram se dando ao longo dos séculos de
História do Brasil e se modificando com o tempo a fim de se reinventar, mantendo,
assim, uma ação decisiva para a continuidade da cultura e da população originária.
No período colonial, a dispersão populacional proporcionou múltiplas reações
dos povos indígenas ao contato com os colonizadores, a exemplo da promoção de
grandes e intensos deslocamentos territoriais organizados para fugir da escravidão
e das consequências nefastas das doenças trazidas e transmitidas pelos europeus.
Já durante o Brasil Império e República, regime político estabelecido até os dias
de hoje, a resistência indígena também se deu no âmbito da formação da identidade
e da cultura nacional. Estes períodos históricos prosseguiram com a violência con-
tra os povos indígenas, temática que veremos de forma mais profunda ao longo da
disciplina. Contamos com a continuação dos estudos e leitura de vocês!
Caro(a) estudante, você lembra das breves entrevistas e conversas informais
que realizou com seus familiares e amizades acerca do mito do descobrimento
do Brasil no início da unidade? Neste momento, resgataremos o mapeamento das
opiniões levantadas que você realizou para que possamos compreender como
este mito é reverberado na população e nas opiniões do senso comum.
A partir das reflexões que foram suscitadas pelas respostas que recebeu, você
deve ter compreendido, na prática, como o discurso de que foram os portugueses
que descobriram o Brasil é naturalizado e tido como verdade nas narrativas e no
imaginário social das pessoas que você possui algum tipo de relação.

36
UNICESUMAR

Se para um pequeno grupo de entrevistados você já analisou como este mito


está enraizado no pensamento das pessoas, agora, pense em toda a sociedade bra-
sileira de uma forma geral e, ainda, nas salas de aula, que serão um dos seus am-
bientes profissionais enquanto professor(a) de História em um futuro próximo.
Como vimos ao longo da unidade, o mito do descobrimento do Brasil se
deu devido ao apagamento histórico da população indígena nos processos de
formação da sociedade brasileira e da identidade nacional, que, por sua vez, es-
tão baseados em ideias racistas e preconceituosas de uma suposta superioridade
europeia em relação a uma falaciosa inferioridade e primitivismo dos povos in-
dígenas, que, de acordo com esta visão, seriam incapazes de contribuir, cultural,
social e epistemologicamente, para o conhecimento acerca da História do Brasil.
É parte do nosso papel, enquanto professores de História em constante
formação, contribuir para desmistificar este pensamento errôneo e inadequado
a respeito da História do Brasil e da História Indígena, buscando elucidar nos-
sos amigos, familiares e, em especial, nossos(as) alunos(as), nas salas de aulas e
nos ambientes escolares em que atuarmos enquanto profissionais da educação
e da ciência histórica.

37
Caro(a) estudante, chegou a hora de colocar todo o conteúdo socializado até o mo-
mento em prática. Responda as questões com atenção, sempre voltando a ler o
texto, se necessário. Lembre-se de que a Avaliação é importante para medir seu
conhecimento, mas não para o determinar, pois cada pessoa tem um processo de
aprendizagem próprio.

1. Diversas foram as estratégias utilizadas pelos colonizadores portugueses para jus-


tificar as Guerras da Conquista e a escravidão indígena, durante o período colonial,
ambas formas de despovoamento e genocídio da população originária do território
brasileiro que passou a ser ocupado e dominado pelos interesses comerciais da
Coroa de Portugal. Sobre esta questão, leia e analise as afirmativas a seguir:

I - A prática bélica indígena foi utilizada como instrumento de colonização e explo-


ração econômica destes povos.
II - O conceito teológico e jurídico de Guerra Justa, enraizado no direito de guerra
medieval, legitimou e amparou, legal e religiosamente, as guerras realizadas con-
tra a população indígena para fins de domínio colonial.
III - A igreja Católica era terminantemente contrária às Guerras da Conquista e à
escravidão indígena no período colonial, defendendo esta população a partir de
guerras com a Coroa Portuguesa.
IV - O Brasil foi o único país da América Latina que não teve escravidão indígena
devido à especificidade da colonização portuguesa de estabelecer a escravidão
negra-africana como forma de trabalho compulsório e força motriz da economia
baseada na mineração e na agricultura.
V - Os conflitos interétnicos entre distintos povos nativos, já existentes anteriormen-
te à colonização, foram utilizados como estratégia pelos colonizadores para a
desmobilização indígena e cooptação para as guerras da Conquista.
A partir das análises, assinale a alternativa correta.

a) As afirmativas I e II estão corretas.


b) As afirmativas I e III estão corretas.
c) As afirmativas I, II e V estão corretas.
d) As afirmativas II, III e IV estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.

38
2. A catequização foi fundamental para a introdução e a consolidação do cristianismo
nas relações sociais estabelecidas durante o Brasil Colônia, pois, além de se configu-
rar como forma de controle e dominação cultural da população indígena, também
contribuiu para o êxito dos interesses comerciais e administrativos da Igreja Católi-
ca, na América Portuguesa. Acerca da catequização indígena, assinale a alternativa
correta.

a) A chegada de diversas ordens religiosas em território brasileiro no período colo-


nial foi essencial para a catequização indígena, sendo que a ordem principal foi
a dos franciscanos.
b) O processo de catequização pode ser dividido em três ciclos, isto é, o litorâneo,
o amazônico e o interiorano.
c) Entre as várias pedagogias utilizadas pela catequização, encontravam-se a música
sacra e as práticas litúrgicas, porém a língua não foi uma delas, pois as línguas
indígenas eram respeitadas por intérpretes que as traduziam para o português
e as preservavam.
d) Os aldeamentos formados por missionários para a catequização da população
indígena eram locais extremamente organizados, limpos e sem transmissão de
doenças, onde todos poderiam prosperar e conviver de forma igual e pacífica,
devido aos ensinamentos do cristianismo.
e) A catequização foi essencial para o controle do pensamento e das práticas cultu-
rais indígenas, logo, contribuiu de forma decisiva para o genocídio cultural destes
povos ao condenar suas manifestações e impor a religião e os valores europeus.

3. A partir de todo conhecimento dinamizado durante a unidade e da problematização


central, que girou em torno do mito do descobrimento do Brasil e como este está
conectado com o apagamento histórico e com as questões étnico-raciais desde o pe-
ríodo colonial, disserte acerca desta temática (mínimo de 15 linhas), apontando argu-
mentos fundamentados na História para desconstruir este pensamento equivocado.

39
2
A Presença
Indígena na
Formação do
Brasil: Cultura
e Identidade
Nacional
Me. Daniara Thomaz Fernandes Martins

Na presente unidade, proponho uma imersão na história da formação


do Brasil a partir da perspectiva dos povos originários. A proposta
é analisar a relação entre o Estado brasileiro e os povos indígenas
e suas culturas, evidenciando os efeitos desta para a promoção da
ideologia nacionalista em nosso país. Para isso, começarei discutindo
o processo de integração dos costumes, das línguas, dos hábitos e das
cosmovisões indígenas à nossa cultura, chamando a atenção para o
fenômeno de aculturação. Em sequência, apresentarei um breve pa-
norama sobre as políticas indigenistas implementadas em nosso país
desde o período da Primeira República até o Estado Novo.
UNIDADE 2

Estimado(a) aluno(a), você já refletiu sobre as origens dos símbolos culturais


brasileiros? Talvez, em algum momento da sua vida, você tenha se perguntado
por quais razões nutrimos e perpetuamos determinados hábitos que nos fazem
sermos reconhecidos enquanto “brasileiros”. Nestes momentos de reflexão, a
temática indígena se fez presente? A história dos povos indígenas precede a
história do Brasil, por este motivo atribuímos a esta população o termo de
povos originários. Apesar disso, as contribuições e as influências deste grupo
étnico-racial permanecem excluídas ou apagadas dos conteúdos que versam
sobre a história e a cultura do nosso país. Estudar a presença indígena no Bra-
sil significa ir além das narrativas historiográficas focadas, exclusivamente, na
perspectiva europeia sobre a cultura e a identidade nacionais, mais do que isso,
significa compreender as diversas nuances que compõem o sujeito brasileiro e
toda sua multiplicidade sociocultural.
Antes de adentrarmos, mais detalhadamente, neste universo histórico sobre
os povos indígenas brasileiros, gostaria de lhe propor o seguinte exercício refle-
xivo: tente identificar, em sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica, quantas
vezes a temática indígena foi abordada como conteúdo educativo. Muitas vezes?
Poucas? Ou nenhuma? Reflita sobre o assunto e guarde as informações que sur-
girem à sua cabeça, pois as utilizaremos ao fim da unidade.
Pipoca, capim, amendoim, carioca e açaí. Você sabe o que estas palavras têm
em comum? Todas elas são derivadas do Tupi, uma língua tronco falada pelos
povos de nome homônimo. Tupi é um termo que designa diversas etnias indí-
genas, entre elas os Tupinambás e os Tupiniquins. Quando, no século XVI, os
europeus atracaram suas navegações em terras que, posteriormente, viriam a ser
denominadas Brasil, estes povos ocupavam grande parte do litoral brasileiro. A
língua portuguesa é um dos grandes exemplos que podemos utilizar para com-
preender as influências indígenas em nosso cotidiano. Apesar de não sabermos,
falamos e expressamos as línguas originárias no nosso dia a dia, perpetuamos
hábitos herdados destes povos e atribuímos às nossas cidades nomes indígenas
– por exemplo, a cidade de Curitiba cujo nome origina-se de kur yt yba que, no
Guarani, significa pinheiral.
Como é possível perceber, vivenciamos e reproduzimos a cultura indígena,
ainda que de forma implícita ou inconsciente. Identificar estas influências cultu-
rais em nossa identidade nacional é importante para adquirirmos conhecimento
sobre nossa própria história.

42
UNICESUMAR

Querido(a) estudante, acredito que, até aqui, você já tenha compreendido as


justificativas do porquê se estudar a história indígena. No entanto deve estar se
perguntando de quais formas este conhecimento pode ser introduzido em sua ro-
tina de estudos, ou, por quais meios você pode ter acesso a este tipo de conteúdo.
Todos estes questionamentos, acredito, serão respondidos ao fim desta unidade.
Mas, por agora, gostaria de lhe propor uma breve atividade para que você possa
ter uma experiência introdutória sobre o tema abordado nesta disciplina.
Como você viu anteriormente, existem diversas influências indígenas em
nosso cotidiano e, embora nem sempre saibamos das origens étnicas das pa-
lavras que falamos, das comidas que comemos e dos hábitos que cultivamos, a
cultura dos povos originários está presente em grande parte destes aspectos da
nossa vida social. Com o objetivo de compreender a dimensão destas influências,
proponho que você pesquise cinco itens de origem indígena, podem ser palavras,
pratos típicos ou manifestações culturais ou religiosas, como festejos populares
e rituais sagrados. Como fonte, você pode utilizar a internet, livros e, até mesmo,
pessoas (conhecidos, amigos e familiares) que possam lhe auxiliar na pesquisa.
Tente obter o máximo de informações possível sobre cada item: Qual a etnia de
origem? Qual o município, o estado ou a região do Brasil em que o item é mais
recorrente? Há sincretismo (fusão cultural e religiosa entre populações e etnias
distintas) com outras culturas ou outros povos? Se sim, quais? Todos os dados
levantados serão úteis para compreender os aspectos históricos do item analisado.
A proposta é que você faça uma breve imersão na história indígena, por
meio de uma rápida pesquisa sobre as raízes culturais de elementos presentes
em nossa cultura nacional. Não se preocupe com referências teóricas e biblio-
gráficas, o objetivo é que você compreenda a presença indígena em nosso co-
tidiano, aprendendo, assim, sobre as origens daquilo que falamos, comemos e
fazemos habitualmente.
Agora que você já tem em mente algumas informações sobre as contribuições
indígenas para a formação de nossa cultura e nossa identidade, faça a seguinte
reflexão: de quais formas este conteúdo pode ser transmitido para seus(suas)
futuros(as) alunos(as)?
Enquanto profissional da História, você deve estar apto a ensinar as diversas
interpretações sobre a História do Brasil, de modo que os(as) alunos(as) com-
preendam a gama de diversidade que envolve nosso povo e nossa cultura. Desta
maneira, sugiro que, a partir dos conhecimentos obtidos com esta unidade, você

43
UNIDADE 2

pense sobre a relação de ensino e aprendizagem e analise como os conteúdos


referentes à História Indígena podem ser introduzidos na dinâmica escolar.
Para isso, faça uso do Diário de Bordo, anotando possíveis metodologias e ativi-
dades que possam lhe auxiliar no exercício docente. Considere quais narrativas são
reproduzidas sobre a população indígena na escola e se estão de acordo com as infor-
mações obtidas por meio da sua pesquisa. Procure se colocar no local do(a) estudante
e entender como novas narrativas podem ser inseridas no processo de aprendizagem
para se tornarem parte do repertório de conhecimentos dos(as) alunos(as).

Gostaria de elencar alguns pontos para que você, caro(a) aluno(a), compreenda
a relevância dos estudos sobre a presença indígena na formação de nosso país.
Em primeiro lugar, é necessário sinalizar que toda história sempre contém mais
de um interlocutor. Logo, uma mesma história pode ser contada de muitas manei-
ras diferentes e sob distintas interpretações. Assim o é em nossa vida pessoal, com
os casos e os acontecimentos cotidianos que ficamos sabendo a partir de diversas
narrativas, e, também, com a história dos países, das culturas e das sociedades. Falar
sobre a história do Brasil por meio de uma perspectiva única – aquela produzida
pelos colonizadores – fornece uma visão unilateral dos processos, dos fenômenos
e dos fatos que compõem a formação de nosso país, excluindo, assim, uma série
de interpretações igualmente importantes para a compreensão de nossa história,
cultura e identidade. Entrar em contato com a perspectiva indígena possibilita a
ruptura com esta percepção excludente do Brasil.

44
UNICESUMAR

Em segundo lugar, destaco que o acesso à história indígena lhe permitirá um


panorama sobre a diversidade étnico-racial brasileira e seu papel na construção
do povo e da cultura nacionais. O Brasil é um país continental, formado por
muitas cores, etnias e raças, esta diversidade reflete não apenas na composição
de nossa população, mas também em nossas manifestações e nossas expressões
culturais, religiosas, culinárias, entre outras. Entrar em contato com as raízes
destes hábitos é imprescindível para se romper com os estigmas, os preconceitos
e os estereótipos que recaem sobre as populações subjugadas socialmente.
Por fim, gostaria de evidenciar que os estudos sobre os povos indígenas brasi-
leiros configuram também um mecanismo de subversão à lógica excludente que,
durante muitos anos, manteve os currículos escolares e as ementas de disciplinas
alheias aos conhecimentos produzidos por esta parcela da população brasileira.
Esta é a oportunidade de rompermos com esta prática.
Caro(a) estudante, a história dos povos indígenas antecede a história de
conquista e colonização do Brasil. De acordo com Oliveira e Freire (2006), a
presença da população ameríndia em nosso país data de doze mil anos atrás,
ou seja, é precedente ao evento histórico considerado como o descobrimento
do Brasil. Logo, quando ocorreu o primeiro contato entre o homem branco
europeu e a população originária, os índios – termo genérico atribuído pelos
colonizadores aos diversos povos autóctones presentes no território brasileiro
pré-colonial – apresentavam formas complexas e desenvolvidas de vida social
e política, sendo compostos por diferentes etnias, as quais se organizavam em
culturas, idiomas e identidades igualmente distintas e que desempenharam
fortes influências na formação de nosso país.
Nossa cultura absorveu os costumes, as crenças, os hábitos, as línguas, as
práticas e os conhecimentos indígenas, transformando-lhes em componentes
do nosso dia a dia em conjunto com os saberes e expressões culturais africanas
e europeias. Como consequência disso, a identidade brasileira foi construída a
partir de uma miscelânea étnica e racial, conformando os padrões de sociabili-
dade impostos pelo processo de colonização e civilização, porém, adaptando-os
à diversidade e heterogeneidade dos povos e culturas que formaram o Brasil.
Apesar disso, quando pensamos na cultura e identidade brasileiras, via de
regra, não consideramos os povos indígenas como elementos relevantes para nos-
sa constituição enquanto povo e nação, pois mantemos como parâmetros para a
compreensão da História do Brasil os saberes e os conhecimentos produzidos pela

45
UNIDADE 2

perspectiva europeia, mantendo apagadas e invisibilizadas as contri-


buições históricas da população originária. Com isso, a representação
social de nosso país manteve-se alinhada a uma concepção embran-
quecida e eurocêntrica acerca da população e da cultura nacionais.
Em razão disso, valorizamos as heranças culturais europeias, classifi-
cando-as enquanto superiores, ao mesmo tempo em que menospre-
zamos ou desconhecemos as origens indígenas de nossa sociedade.
Os efeitos do apagamento do papel desempenhado pelas di-
versas etnias indígenas na construção do Brasil podem ser veri-
ficados nas formas pelas quais a cultura e a história indígenas são
representadas na sociedade brasileira, seja na literatura, na mídia
seja mesmo nos livros didáticos. A ideia difundida sobre esta par-
cela da população nacional é reduzida à imagem de primitividade
e selvageria e, muitas vezes, a incompreensão sobre os modos de
vida indígenas nos leva a classificá-los como pessoas incivilizadas,
ou que pararam no tempo, não se adaptando aos moldes da socie-
dade moderna. Porém esta visão é equivocada e se baseia em um
julgamento etnocêntrico das sociedades e das culturas originárias,
estabelecendo os padrões de sociabilidade ocidentais e modernos
como a única forma de existência possível, negando, assim, a diver-
sidade social, cultural, étnica e racial brasileira.
Ademais, a invisibilização da história das populações indígenas
do Brasil contribui para a promoção e a perpetuação de estereóti-
pos, preconceitos e desinformações sobre este segmento no imagi-
nário popular brasileiro. Como consequência, reproduzimos uma
visão reducionista sobre os povos originários, a qual desconsidera
suas formas de afirmação identitária e cultural, bem como suas
reivindicações políticas e ambientais. Assim, pouco conhecimento
cultivamos sobre esta parte da população nacional, ignorando ou
menosprezando seus costumes, hábitos, produções artísticas, cos-
mologias e mitos. Do mesmo modo, desconhecemos suas especifi-
cidades e representações étnicas, como o grafismo, a vestimenta, os
adornos cuja função é imprescindível para a distinção e o reconhe-
cimento dos diferentes povos presentes em solo brasileiro, como é
possível observar na Figura 1 com o povo Tembé.

46
UNICESUMAR

Figura 1 - Indígenas da etnia Tembé no Acampamento Terra Livre - Por Christian Braga
Fonte: Wikimedia Commons (2019, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem fotográfica traz, em primeiro plano, nove homens indígenas da etnia
Tembé, situados no gramado em frente ao Palácio Itamaraty, localizado em Brasília. Os homens vestem
apenas bermuda, apresentando o peito seminu com pintura corporal expressando o grafismo indígena.
Todos eles usam cocar composto por penas azuis, o cocar de alguns deles também contém penas maiores
na cor vermelha, as quais estão assentadas no centro do adorno, destacando-se do restante das penas
azuis. Além disso, também utilizam um colar feito de miçangas coloridas cuja extensão vai até o umbigo,
cada homem usa uma variação do apetrecho que apresenta uma mescla entre as seguintes cores: branco,
amarelo, vermelho, azul claro, verde e laranja, alguns deles usam um bracelete feito de penas amarelas
logo abaixo do ombro. Os homens seguram, com apenas uma mão, um objeto vermelho com formato
semelhante a de um bastão, apoiando-o sobre o ombro. A maioria deles sorri e tem a expressão corporal
em movimento, como se estivesse andando ou realizando alguma dança ritualística. Ao fundo deles, é
possível ver parte da arquitetura do Palácio Itamaraty.

PENSANDO JUNTOS

Estudante, você sabia que o uso do termo “tribo” em relação aos povos indígenas é con-
siderado pejorativo? O conceito de tribo, além de não refletir a diversidade étnica dos
povos indígenas, é suprido de preconceitos e estereótipos negativos que concebem esta
população como primitiva e datada. Quando o utilizamos para nos referirmos às etnias
indígenas reforçamos uma concepção racista que homogeneiza e apaga suas inúmeras e
distintas identidades étnicas e culturais.

47
UNIDADE 2

Conforme apontam Bonin e Kirchof (2012), a representação da população indí-


gena construída durante o período colonial, a partir do viés dos portugueses, foi
marcada por uma narrativa ambígua que ora os compreendiam enquanto seres
puros e inocentes, associando-os às características e às virtudes bíblicas, ora os
atribuíam à condição de animalidade e selvageria, ressaltando os hábitos e os
costumes nativos considerados como profanos. De todo modo, a colonização, na
figura da catequização e da civilização, era imposta como a única forma de sal-
vação, seja para o índio considerado puro e inocente seja para aquele visto como
selvagem. Neste contexto, colonizar não significava apenas conquistar e dominar
os territórios dos povos indígenas, significava, também, integrar a população
nativa aos modelos sociais, valores culturais e às crenças religiosas dos europeus.


O cânone literário brasileiro direcionado para adultos incorporou
desde muito cedo a ideia de que o ameríndio, quando não submetido
ao processo civilizatório e cristianizador do europeu, estaria entre-
gue a uma natureza selvagem e animalizada à qual não pode escapar,
sendo o canibalismo uma das manifestações dessa natureza. No to-
cante ao projeto de conquista e colonização, é preciso ressaltar que,
da mesma forma como a representação do bom selvagem, também a
representação do índio como canibal serve ao propósito colonizador
dos europeus, na medida em que propõe, primeiro, que o habitante
das Américas se define completamente por sua natureza animal/sel-
vagem e, segundo, que essa natureza só pode ser domesticada através
de um modelo civilizatório, dos valores relativos à lei, à religião e à
autoridade do próprio europeu (BONIN; KIRCHOF, 2012, p. 232).

Neste sentido, é importante destacar que a história e a cultura indígenas não se


limitam às narrativas produzidas pela historiografia oficial, pela qual são repro-
duzidos estereótipos racistas e pejorativos sobre o modo de vida dos povos ori-
ginários. O processo de colonização do Brasil se constituiu enquanto uma forma
sistêmica de exploração e subjugação das populações indígenas e africana, mani-
festando-se, principalmente, na ordem social econômica, por meio da escravidão.
Todavia, além do regime escravista que submeteu inúmeras pessoas à condição
de cativo, a colonização também reverberou, ideologicamente, sobre o imaginário
social dos brasileiros, produzindo interpretações negativas e visões reducionistas
sobre os indígenas a partir das premissas do eugenismo e do racismo científico.

48
UNICESUMAR

Para compreender como estas interpretações foram criadas, é preciso con-


siderar as relações de poder envolvidas no processo de formação do Brasil e
como estas relações são mantidas até os dias de hoje, por meio do racismo e do
etnocentrismo propagados contra a população indígena.

EXPLORANDO IDEIAS

Prezado(a) estudante, você sabe qual o significado de etnocentrismo? Conhecer a defi-


nição deste conceito é muito importante para compreender as relações de poder esta-
belecidas entre culturas diversas. Em seu aspecto etimológico, o termo etnocentrismo
é composto pela junção de duas palavras distintas: “ethnos” referente à etnia, e “cen-
trismo”, que está associado ao centro. Logo, a definição de etnocentrismo diz respeito
à ideia ou à crença de que a etnia, sociedade ou cultura a qual pertencemos constitui o
centro, isto é, o elemento primordial da humanidade, estabelecendo, assim, uma hierar-
quia sociocultural ou étnica.
Na Antropologia, este conceito é utilizado para designar a prática de atribuir a sociedades
e povos alheios os costumes e os valores que cultivamos e mantemos em nossa própria
sociedade e cultura. O etnocentrismo desconsidera as diferenças e a diversidade, está
associado, portanto, a uma visão unilateral das pessoas, de seus hábitos, suas crenças e
seus modos de vida.

A estigmatização social dos povos originários baseia-se nas teorias pseudocien-


tíficas europeias que, durante o século XIX, foram absorvidas pela intelectua-
lidade brasileira e utilizadas para a análise da realidade social e racial de nosso
país (SCHWARCZ, 1993). Em síntese, a partir do repertório epistemológico da
Antropologia, essas teorias pressupunham a existência de raças biológicas in-
feriores e superiores, inscrevendo, portanto, a humanidade sob uma hierarquia
racial que, supostamente, também se manifestava em aspectos sociais e culturais
de diferentes povos e grupos raciais.
Entre estas vertentes teóricas, destaca-se o Evolucionismo Social, uma
doutrina de pensamento antropológico que buscou compreender o processo
de desenvolvimento da humanidade a partir de uma escala evolutiva composta
por três estágios universais: a barbárie, a selvageria e a civilização. De modo ge-
ral, os entusiastas desta teoria acreditavam que todas as culturas e as sociedades
humanas progrediriam de modo similar, desenvolvendo instituições e estruturas
sociais semelhantes até atingirem o patamar da civilização que representaria,
portanto, o estágio mais complexo das sociedades humanas.

49
UNIDADE 2

A partir do método comparativo, o Evolucionismo Social analisava cul-


turas distintas pelo lócus da universalidade, desconsiderando, assim, as di-
ferenças e a diversidade entre os povos e os grupos sociais, sugerindo que
a história da humanidade seria uma só, conforme explica a antropóloga e
historiadora Lilia Schwarcz:


Civilização e progresso, termos privilegiados da época, eram en-
tendidos não enquanto conceitos específicos de uma determinada
sociedade, mas como modelos universais. Segundo os evolucio-
nistas sociais, em todas as partes do mundo a cultura teria se de-
senvolvido em estados sucessivos, caracterizados por organizações
econômicas e sociais específicas. Esses estágios, entendidos como
únicos e obrigatórios — já que toda a humanidade deveria passar
por eles —, seguiam determinada direção, que ia sempre do mais
simples ao mais complexo e diferenciado. Tratava-se de entender
toda e qualquer diferença como contingente, como se o conjunto
da humanidade estivesse sujeito a passar pelos mesmos estágios de
progresso evolutivo (SCHWARCZ, 1993, p. 45).

A grande problemática em torno da teoria evolucionista é que ela parte de uma


visão etnocêntrica das sociedades e das culturas humanas, estabelecendo uma
relação de poder entre as estruturas sociais ocidental e tradicionais. A sociedade
ocidental moderna torna-se, assim, símbolo do progresso da humanidade, impli-
cando uma concepção supremacista acerca dos padrões socioculturais europeus.
O modo de vida, a cultura e a sociabilidade de povos tradicionais passam a ser
compreendidos como defasados, atrasados e primitivos, pois não apresentam a
mesma lógica e organização que as sociedades liberais modernas.
Por certo, foi com base na ideologia liberal europeia que o projeto de nação
brasileira começou a ser desenvolvido, após a Proclamação da República, no ano
de 1889. Concebido pela elite política e intelectual da época, o Estado nacional
foi idealizado a partir das noções de modernidade em voga na Europa, durante o
século XIX, definindo o modelo de nacionalidade, por meio de um pensamento
conservador e excludente que não abarcava os povos indígenas e africanos como
componentes nacionais. De acordo com Fiorin (2009), o contexto da Primeira
República demarca o surgimento da necessidade de consolidar o Brasil como
uma nação unificada, para isso, era preciso fomentar e difundir o sentimento

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UNICESUMAR

nacionalista, o que somente seria possível por meio da construção da identidade


e da cultura nacionais.
Urge sinalizar que o conceito de nação diz respeito a uma comunidade so-
berana que se impõe, hegemonicamente, sobre distintas raças, classes, regiões e
etnias que formam um país. Em razão disso, a nação está intrinsecamente ligada aos
discursos ideológicos que produzem coesão e identificação social. No processo de
consolidação do Estado brasileiro, a ideologia preponderante era representada pelas
narrativas dominantes importadas da Europa e reproduzidas em solo nacional pela
elite política e econômica da época, composta pelos latifundiários, proprietários de
terra e também pelos intelectuais que integravam diversas áreas do conhecimento,
sobretudo, as profissões liberais como a medicina, o direito, o jornalismo etc.

Logo, estudante, podemos inferir que a cultura se constituiu como importan-


te campo de dominação ideológica, sendo utilizada enquanto instrumento
de conformação e propagação de um projeto nacionalista fundamentado no
eurocentrismo e no modelo civilizatório europeu. Além disso, foi esta cultura
proposta pela perspectiva eurocêntrica que deu vazão a um modelo de iden-
tidade social homogêneo e inspirado nas teorias raciais pseudocientíficas
que classificavam a humanidade a partir da categoria da raça.


As implicações que formam a concepção específica de uma ‘identi-
dade nacional’ e, posteriormente, ‘social’, no caso do Brasil, perpas-
sam a compreensão sobre a ‘cultura’. O que a história desse território
enquanto ‘nação’ nos informa é que a ideia de ‘pátria’ e de pertencer
a uma pátria só foi de fato questionada após 1889, ou seja, quando
questões como cidadania e cidadão precisaram ser pensadas (MAR-
TIR; CALVO, 2021, p. 93).

O processo de formação do Brasil, sobretudo da cultura e da identidade


nacionais, foi atravessado por esta interpretação etnocêntrica, influenciando os
modos pelos quais os povos indígenas foram integrados à nossa sociedade. O
pensamento social brasileiro predominante no século XX ilustra os impactos que
as doutrinas raciais europeias desempenharam não apenas no cenário intelectual
brasileiro, mas também na propagação de uma ideologia baseada em noções
supremacistas e eugenistas.

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UNIDADE 2

Não há formas de adentrar a temática de formação da sociedade nacional sem


mencionarmos os impactos da teoria eugenista em diversos aspectos do país,
principalmente nas discussões sobre raça, saúde e higiene. Grosso modo, o eu-
genismo é um movimento ideológico que prevê o progresso social e biológico
da população, por meio da seleção genética, incentivando a predominância de
determinada raça, considerada como superior, em torno daquelas tidas como
inferiores. No Brasil, este movimento ganhou maior destaque entre o final do
século XIX e as primeiras décadas do século XX, sendo apropriado por diversos
cientistas, escritores e intelectuais da época, entre eles se destacaram: o médico
e antropólogo Nina Rodrigues (1862-1906), o escritor e jornalista Euclides da
Cunha (1866-1909), o escritor Monteiro Lobato (1882-1948) e o historiador e
sociólogo Oliveira Viana (1883-1951).
A difusão do pensamento eugenista no contexto brasileiro está associada ao
debate social e racial sobre a identidade e a população nacionais. O alto número
de pessoas não-brancas no país, representadas pelos indígenas, africanos e seus
descendentes, reverberou, negativamente, nas análises deterministas feitas pela
elite intelectual da época, sobretudo, no período pós-abolição (STEPAN, 2004).
Pela perspectiva do eugenismo e do determinismo biológico, acreditava-se que
a presença massiva desses segmentos raciais ocasionaria a degeneração da po-
pulação brasileira devido à sua condição de inferioridade. Neste cenário, estudos
com foco nos aspectos biológicos das raças humanas começaram a repercutir
com maior força no campo científico nacional, dando vasão ao racismo científi-
co. A frenologia, pseudociência que considera as características físicas do crânio
como indicativo das competências e capacidades intelectuais e psicológicas dos

52
UNICESUMAR

indivíduos, foi uma das áreas de estudos reproduzidas no país que expressava a
dimensão do racismo como método científico positivista.
O eugenismo surgiu em nosso país, portanto, como uma solução teórica para
o problema da heterogeneidade de raças e povos que impedia a consolidação
do Estado-nacional. Como dito anteriormente, a estrutura de um Estado-nação
depende, necessariamente, da existência de uma comunidade nacional unificada
pela cultura e identidade daquele país. Como resultado dos processos de coloni-
zação e escravidão, o Brasil recebeu em seu território milhões de pessoas africanas
traficadas que, em sua terra de origem, faziam parte de culturas e etnias distintas.
Considerando ainda a presença originária dos povos indígenas e a participação
dos colonizadores europeus na composição demográfica nacional, a sociedade
brasileira foi formada a partir uma grande pluralidade cultural e étnica, represen-
tada, sobretudo, pelas três raças matrizes da nação: o índio, o negro e o branco.
A temática das três raças formadoras do país foi muito explorada pelo
pensamento social brasileiro durante o século XX, no sentido de se compreender
qual rumo racial o país viria a assumir num contexto de ampla diversidade de
povos, raças e culturas. A preocupação vigente na época baseava-se na necessida-
de de transformar o Brasil em um Estado-nação moderno, afeito aos padrões de
sociabilidade ocidentais e civilizados. A presença massiva de indígenas e negros
colocava-se enquanto obstáculo na construção de uma cultura nacional unificada
e homogênea (HOFBAUER, 2006). Assim, o projeto de modernidade brasileiro
deparou-se com o entrave da presença indígena e africana e suas culturas que
simbolizavam o atraso cultural e social do país.
Segundo o racismo científico, as raças não-brancas eram consideradas como
naturalmente inferiores e atrasadas. Suas formas de organização social, cultural,
política e econômica eram vistas como arcaicas e deveriam ser, arbitrariamente,
integradas à ordem social ocidental, por meio da civilização, isto é, da imposição
dos costumes, da língua, do sistema econômico e produtivo e também da cultura
colonizadora. Neste contexto, a mestiçagem surgiu como importante elemento
para a formação do Brasil, pois, teoricamente, permitiria a total assimilação racial
e integração cultural dos povos indígenas por meio da mistura com o homem
branco e o contato com o modelo social civilizado, processos denominados, res-
pectivamente, como branqueamento e aculturação (SANTANA; SANTOS, 2016).
Ambos os processos são, atualmente, questionados e criticados pelos movimentos
indígenas, como podemos verificar na Figura 2.

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UNIDADE 2

Figura 2 - Francisco Kaingang e demais lideranças indígenas em vigília, no auditório do Congresso


Nacional, durante a elaboração dos capítulos sobre os povos indígenas da Constituição Cidadã,
na Assembleia Constituinte de 1987. Brasília, Distrito Federal, Brasil. / Fonte: Wikimedia Commons
(1988, on-line).

Descrição da Imagem: a fotografia, em preto e branco, apresenta o líder indígena Francisco Kaingang
em primeiro plano com a bandeira do Brasil em mãos e expressão facial séria. Ao seu lado, estão outras
lideranças indígenas, porém seus rostos aparecem desfocados na imagem. Todos eles estão sentados
e dispostos em fileira no auditório do Congresso Nacional. Na parede ao fundo, encontra-se fixada uma
faixa branca com escritas em letras garrafais, na qual é possível ler a seguinte frase: não à aculturação!

A partir de uma visão eugenista, a teoria da mestiçagem difundiu-se no âmbito


intelectual brasileiro, propondo o branqueamento da população enquanto so-
lução para o problema da heterogeneidade demográfica, objetivando, assim, a
consolidação de um povo nacional branco e civilizado. O branqueamento cons-
tituiu-se no país, então, tanto como ideologia quanto projeto político que visava
à modernização da nação por meio da dizimação física, do despovoamento e
do apagamento cultural das populações indígenas e africanas. De acordo com
Seyferth (1996), acreditava-se, à época, que, dentro do período de três gerações,
a tese de branqueamento viria a se concretizar, resultando num povo brasileiro
inteiramente branco, o que, por sua vez, solucionaria os problemas em torno da
construção do Estado-nacional.

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UNICESUMAR

Diante disso, é importante que você, caro(a) aluno(a), compreenda que o


apagamento e a invisibilidade da História Indígena não configuram um mero
acaso no processo de formação do nosso país. Ao contrário: trata-se de um pro-
jeto social e politicamente fundamentado cujas origens remontam à coloniza-
ção e à modernização da nossa sociedade. Deste modo, quando mencionamos
a integração dos povos originários à cultura e à identidade nacionais, estamos
falando, na realidade, de um complexo fenômeno de homogeneização dos ele-
mentos étnico-culturais e dos conhecimentos tradicionais pertencentes a essa
população, os quais foram sistematicamente dissipados ao serem considerados
como inferiores e antiquados.

PENSANDO JUNTOS

Querido(a) aluno(a), você sabe qual a relação entre o processo de imigração e o projeto de
branqueamento no Brasil? As políticas imigratórias que tiveram início nos anos seguintes
à abolição da escravatura foram instituídas como tentativa de embranquecer a sociedade
brasileira, fomentando a presença massiva de imigrantes europeus, principalmente nas
áreas urbanas do país, visando ao fortalecimento do sistema capitalista competitivo a par-
tir do estabelecimento deste contingente nas funções designadas ao trabalho assalariado.

O conceito de aculturação, em seu turno, remete aos processos de transforma-


ções culturais ocorridos mediante o contato entre sociedades, povos e/ou etnias
distintas. Amplamente repercutido dentro da Antropologia, sobretudo, nos es-
tudos voltados para a área da Etnologia Indígena, o termo foi amiúde aplicado
para a análise e apreensão das relações estabelecidas entre os povos originários e
o homem branco, no esforço de se compreender os impactos da interação entre
ambos os segmentos na dinâmica social e cultural dos povos indígenas. Cabe
salientar, contudo, que o fenômeno da aculturação está associado, via de regra,
à imposição e à dominação de uma cultura sobre outra, gerando não apenas a
soberania ideológica do grupo dominante, como também a descontinuidade das
formas culturais e sociais do grupo subjugado.
O antropólogo Darcy Ribeiro analisa a integração indígena à sociedade bra-
sileira em sua obra Os Índios e a Civilização (1996), concluindo que a dinâmica
civilizatória representou, na realidade, um fenômeno de aculturação, pelo qual os
povos originários foram perdendo sua identidade e sua autonomia sociocultural,
passando por um processo de transfiguração étnico-cultural. Este processo, por sua

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UNIDADE 2

vez, é definido por Ribeiro como a transformação do indígena aldeiado para o in-
dígena genérico, isto é, aquele indígena expropriado de seu contexto étnico e social.
A partir disso, o autor classifica a presença indígena na sociedade brasileira
moderna em quatro grupos distintos, fundamentados no maior ou menor grau de
contato com a ordem social civilizada e o homem branco, como veremos a seguir.
O primeiro grupo, denominado pelo antropólogo como isolados, diz respeito
aos povos que tiveram pouco ou nenhum contato com a civilização (Figura 3).
Considerados como arredios ou hostis, os indígenas que integram esta categoria
mantêm sua autonomia cultural, subsistindo suas formas sociais, políticas e eco-
nômicas, mesmo que inseridos num amplo contexto de ocidentalização do país.

Ainda hoje, a existência deste grupo é verificada no Brasil: de acordo com


dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), há 103 registros de povos
isolados no país. O Amazonas configura o estado brasileiro com maior
número de povos indígenas não contatados, apresentando indícios da
presença deste segmento em toda a extensão territorial amazonense
(AMORIM, 2016).

Figura 3 - Indígenas isolados no Acre / Fonte: Wikimedia Commons (2008, online).

Descrição da Imagem: a fotografia aérea apresenta cinco pessoas indígenas na mata, entre folhas de
bananeiras. À frente, estão dois homens adultos, vestindo apenas tanga e utilizando um apetrecho nas
cores azul, branco e vermelho na cabeça, um dos homens porta um arco e flecha, o qual se encontra
arqueado e mirado para o equipamento que tirou a fotografia. Atrás deles, estão três crianças, duas delas
seguram uma lança em suas mãos, e a outra porta um arco e flecha, todas elas vestem somente tanga.
As cinco pessoas olham diretamente para a fotografia com expressão facial séria.

56
UNICESUMAR

A segunda categoria de grupo identificada por Darcy Ribeiro


refere-se aos povos originários que tiveram um contato inter-
mitente com a civilização. Trata-se, portanto, de um grau in-
termediário de integração à sociedade brasileira, no qual ainda
é possível o exercício da autonomia sociocultural indígena, a
despeito das intervenções e das alterações nas relações e nas
estruturas sociais autóctones por parte da sociedade moderna.
Conforme o autor expõe, os povos inseridos nesta categoria pas-
sam a ter sua cultura, seu território, sua língua, sua economia,
suas atividades produtivas e outros elementos sociais modifica-
dos pela civilização e pelo sistema capitalista, iniciando uma re-
lação de dependência e subjugação com os agentes civilizatórios,
os quais são representados, principalmente, pelo homem branco.
O terceiro grupo sinalizado pelo autor está associado àqueles
indígenas que perderam totalmente sua autonomia sociocul-
tural, apresentando um grau de contato permanente com a orga-
nização social moderna e o Estado brasileiro. Neste contexto, as
relações de dependência ocorrem, majoritariamente, em termos
econômicos, considerando a necessidade de integração à socieda-
de capitalista para o suprimento de artifícios basilares que passam
a ser requisitados após a assimilação dos padrões de sociabilidade
ocidentais. A língua originária também passa a ser prejudicada
com a predominância do português como forma de comunicação.
Apesar disso, alguns costumes culturais tradicionais são preser-
vados, conforme seu nível de adaptação à nova realidade social.
Por fim, há o quarto grupo que inclui os indígenas considera-
dos como integrados à sociedade nacional. Extraído de sua ori-
gem étnica-cultural, este segmento é incorporado à dinâmica so-
cial brasileira como mão de obra reserva, compondo as margens
do sistema econômico capitalista. Apartados de seu território
tradicional, os povos integrados apresentam, majoritariamente,
estilo de vida transitório, sem habitação fixa. Além disso, devido
ao processo compulsório de civilização, tornam-se alheios aos
elementos primordiais de sua identidade étnica, como a língua,
os costumes e os ritos.

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UNIDADE 2

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Xingu
Ano: 2012
Sinopse: anos 1940. Três jovens irmãos decidem viver uma grande
aventura. Orlando (Felipe Camargo), 27 anos, Cláudio (João Miguel),
26, e Leonardo (Caio Blat), 24, os Irmãos Villas-Bôas, alistam-se na
Expedição Roncador-Xingu e partem numa missão desbravadora pelo Brasil
Central. A saga começa com a travessia do Rio das Mortes e logo eles se tor-
nam chefes da empreitada, envolvendo-se na defesa dos povos indígenas e
de suas diversas culturas, registrando tudo num diário batizado de A Marcha
para o Oeste.
Comentário: querido(a) estudante, o filme Xingu aborda a questão indígena
no Brasil a partir da experiência verídica dos irmãos Villas-Bôas, no Parque
Xingu, território demarcado que abriga dezesseis etnias indígenas: Awe-
ti, Ikpeng, Kaiabi, Kalapalo, Kamaiurá, Kĩsêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako,
Nahukuá, Naruvotu, Wauja, Tapayuna, Trumai, Yudja e Yawalapiti. O parque
localiza-se na porção sul da Amazônia, no estado de Mato Grosso. Com uma
narrativa impactante, o filme retrata os efeitos do contato civilizatório com
as populações indígenas isoladas, trazendo-nos uma emocionante reflexão
sobre os feitos da civilização para a dizimação e etnocídio dos povos originá-
rios. O filme pode ser assistido na plataforma de streaming Globoplay.

Importante destacar que a integração dos povos originários à sociedade brasileira


não significa que este grupo foi absorvido, de forma igualitária, pela dinâmica
social do país. O processo de integração indígena representa, na verdade, um
mecanismo de dominação e subjugação racial e cultural que resultou na desva-
lorização e no apagamento de suas culturas e identidades, bem como na invasão
e exploração econômica e agrária de seus territórios.
O local social atribuído aos povos indígenas na sociedade brasileira configura,
portanto, um local de marginalidade e vulnerabilidade, marcado pela ausência
da garantia de direitos constitucionais e pela incidência do racismo estrutural. O
tratamento concedido a esta parcela da população, por parte do Estado nacional,
é baseado em ações tutelares que impedem o desenvolvimento autônomo de
suas culturas e sociedades, implicando uma relação de dependência permanente,
como bem informa os autores Azanha e Valadão no trecho a seguir:

58
UNICESUMAR


A relação do Estado brasileiro para com as sociedades indígenas
tem se pautado pelo ‘processo de pacificação’, isto é, pela transfor-
mação do índio de obstáculo ao avanço civilizatório em um ser
manso e pacífico confinado em reservas, sempre menores do que
seu território original.

A invasão das terras, a desvalorização de suas culturas, a destruição


de sua autonomia econômica e política, estabelecendo uma depen-
dência direta e quase total à assistência do Estado, têm caracterizado
a história das relações entre índios e brancos no Brasil (AZANHA;
VALADÃO, 1991, p. 5).

Com efeito, as políticas indigenistas, produzidas pelo Estado brasileiro a partir do


início no século XX, foram marcadas por um caráter tutelar, reproduzindo, ainda,
as premissas coloniais de civilização dos povos originários, porém se direcionando,
principalmente, para a nacionalização destes sujeitos e sua integração ao modo de
trabalho da sociedade capitalista, por meio de ações disciplinares. Neste contexto,
em 1910, foi criada a primeira organização estatal voltada para a administração e
tutela da população indígena no país: o Serviço de Proteção aos Índios e Localização
de Trabalhadores Nacionais (SPI). O SPI manteve-se em funcionamento até o ano
de 1967, quando foi extinta e substituída pela FUNAI, instituição responsável pelas
políticas indigenistas do Estado brasileiro até os dias atuais.
A criação do SPI foi estabelecida por meio do Decreto nº 8.072, de 20 de
junho de 1910, o qual definiu também as finalidades primordiais da entidade,
definidas em duas instâncias:

I) a prestação de serviços de assistência e proteção aos índios brasileiros,


independentemente de sua condição social e territorial, isto é, se aldeia-
dos, em situação nômade ou inseridos, ainda que precariamente, na civi-
lização; e

II) o estabelecimento de centros agrícolas em zonas propícias do país para


a ocupação dos trabalhadores nacionais que cumprissem os requisitos
estipulados na normativa em questão (BRASIL, 1910, on-line).

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UNIDADE 2

No que tange a proteção designada aos povos originários, o Decreto estabelece os


objetivos do serviço de assistência em dezessete pontos a serem desempenhados
pelo SPI. Destacamos, entre eles, a preservação dos direitos indígenas constituídos
por leis; a garantia, desde que em consonância com os governos locais, da posse dos
territórios povoados pelos povos originários; o respeito às formas organizacionais
das etnias indígenas, bem como aos seus hábitos, às práticas e às instituições; o
fornecimento não-obrigatório do ensino primário e profissional aos filhos das pes-
soas indígenas; e a deslocação territorial, conforme necessidade e conveniência, de
etnias e aldeias. Além destes pontos, o conteúdo normativo também discorre sobre
outros temas, como a demarcação de terras, as especificidades socioespaciais dos
povos aldeiados, a garantia do acesso à assistência estatal por parte dos indígenas
em situação de nomadismo e a instalação de espaços específicos para a execução
do serviço assistencial, denominados como postos indígenas.
A despeito dos avanços obtidos por meio do Decreto nº 8.072/1910 em com-
paração às ações coloniais do século passado, Oliveira e Freire (2006) chamam a
atenção para a existência de algumas contradições no conteúdo regulamentador
do SPI, o que implicou situações de prejuízo aos sistemas culturais e produtivos
indígenas. Os autores denominam essas contradições como o “paradoxo da tu-
tela”, afirmando haver uma ambiguidade de caráter inerente ao regime tutelar, a
qual colocou em conflito as dimensões hegemônicas e humanitárias das políticas
indigenistas no Brasil.
Assim, os propósitos das ações tutelares estatais direcionadas aos povos in-
dígenas conformaram-se em um encruzamento ético e sociopolítico: por um
lado, tais medidas buscaram garantir a permanência e a sobrevivência do modo
de vida e a sociabilidade indígenas num contexto sociocultural dominante, por
outro, a tutela também atuava em defesa da inserção dos valores e dos interes-
ses hegemônicos no interior das comunidades tradicionais, impondo normas e
convenções sociais, econômicas e culturais, por meio da agência dos aparelhos e
das instituições do Estado nacional.
De acordo com Gagliardi (1989), a criação do SPI e a formulação de seu con-
teúdo normativo associavam-se ao sistema político recém-implementado, impri-
mido pela instauração da Primeira República no país. Neste contexto, as funções
do Estado brasileiro em relação à população indígena sofreram algumas altera-
ções, as quais foram orientadas, sobretudo, pela laicização das ações estatais junto
aos povos originários. Ao novo sistema republicano caberia, portanto, a remição

60
UNICESUMAR

dos indígenas da condição de extermínio físico e etnocídio imposta pelo regime


colonial, atraindo-os para seu domínio, por meio dos processos de pacificação
e nacionalização. Com isso, segundo expõe Gagliardi, o termo “catequização’’
sai de cena entrando em seu lugar a palavra “proteção” para designar o trabalho
estatal executado com os fins de controle e a tutela da população autóctone.
O processo de laicização das políticas indigenistas ministradas pelo Es-
tado nacional, durante o século XX, pode ser compreendido sob a influência
do Positivismo no projeto de nação brasileira idealizado durante o período de
instauração da República. Inspirada pelo Iluminismo, movimento intelectual
e cultural europeu baseado no racionalismo, a doutrina positivista criada por
Auguste Comte compreendia o desenvolvimento intelectual e social da humani-
dade a partir da lei dos três estados: teológico, metafísico e positivo. No primeiro
estado, a realidade é interpretada e explicada por meio de ações e fenômenos
relativos às intervenções das divindades religiosas, dividindo-se em três formas
distintas: o fetichismo, o politeísmo e o monoteísmo. O estágio metafísico, por
sua vez, encontra nas forças da natureza a explicação e as causas da ordem social
e da realidade de modo geral. Por fim, o positivismo representaria a ascensão da
racionalidade como forma de compreensão do mundo, prevalecendo o conheci-
mento científico, pautado pelo empirismo e pela observação, enquanto método
de análise e interpretação dos fenômenos físicos e sociais (CANCIAN, 2021).
Mais do que uma forma de classificação do processo evolutivo do conheci-
mento e do pensamento humano, a formulação comtiana sobre a teoria dos três
estados constituiu-se enquanto um modelo de organização social, segundo o
qual cada estágio representaria um nível de desenvolvimento do intelecto e da
mentalidade das sociedades humanas. No contexto brasileiro, as premissas po-
sitivistas foram absorvidas e aplicadas na concepção e na projeção da ideologia
nacionalista, manifestando-se, inclusive, na elaboração da bandeira nacional que,
além de ser composta pelas cores representativas da família imperial, também
imprimiu os princípios do positivismo por meio da frase “ordem e progresso”.
Assim, o evento da Promulgação da República consagrou a instauração da
doutrina positivista no país, transformando-se num símbolo do progresso na
sociedade brasileira, segundo expõe Rodrigues (2011, p. 208-209):


a filosofia positivista considerava necessária a implantação do
regime republicano no Brasil, como sendo o último passo para

61
UNIDADE 2

a constituição da sociedade positiva. Assim, a própria República


representava o progresso. Os positivistas ainda salientavam que a
ditadura republicana era parte integrante do processo de transição
ao estado positivo.

Diante das premissas positivistas, as sociedades indígenas foram concebidas pela


perspectiva das elites política, econômica e intelectual da época, como pertencentes
ao estado teológico, mais especificamente como representações do fetichismo, cons-
tituindo-se, portanto, enquanto formas sociais retrógradas e alheias à racionalidade
e à objetividade, características fundamentais do positivismo. Deste modo, a tutela
do Estado simbolizava os esforços governamentais de integrar os povos indígenas
à doutrina do Positivismo a partir da nacionalização que, neste contexto, estava
totalmente associada à promoção ideológica e política da noção de modernidade.
Ao contrário das medidas de dominação colonial, as políticas indigenistas do
período da República Velha atenderam mais à finalidade de supressão da cultura e
sociabilidade dos povos autóctones do que às medidas de extermínio físico promo-
vidas pelas Guerras da Conquista, durante o Brasil Colônia. Se a escravidão institu-
cional e a catequização já configuravam práticas, em tese, obsoletas, a subjugação
cultural apresentou-se como método oportuno para a introdução e a conformação
do pensamento nacionalista nas comunidades indígenas, corroborando, assim, para
o fenômeno de epistemicídio dos conhecimentos e saberes tradicionais.

EXPLORANDO IDEIAS

Estudante, para uma compreensão mais ampla do conteúdo aqui exposto, torna-se ne-
cessária uma breve explicação acerca do conceito de nacionalismo. Este configura um
movimento ideológico político que surge durante o século XVIII, na Europa, como reverbe-
ração da Revolução Francesa. De modo geral, a ideologia nacionalista está associada à de-
fesa e à valorização da soberania do Estado e dos elementos nacionais, como o território,
a economia e a cultura. Via de regra, condiciona-se à difusão de símbolos nacionais popu-
lares, como o hino, a bandeira e as expressões culturais, tendo como objetivo a produção
do sentimento de pertencimento, por meio da consolidação da identidade nacional.

62
UNICESUMAR

Querido(a) aluno(a), como você acompanhou até agora, a Primeira República


demarca o início dos esforços das elites dirigentes em construir uma identidade
nacional forjada nas noções positivistas de progresso e modernidade importadas
da Europa. Além de reproduzir e instaurar na sociedade brasileira o modelo civili-
zatório europeu, era necessário fabricar e propagar um sentimento de nacionalismo
que tornasse o país, de fato, um Estado-nação. Nos anos seguintes ao período da
República Velha, as tendências políticas nacionalistas ganharam ainda mais ênfase,
tornando-se um dos princípios fundamentais do governo de Getúlio Vargas.
A Era Vargas teve início no ano de 1930 e se dividiu em três grandes fases:
o Governo Provisório (1930-1934), o Governo Constitucional (1934-1937) e o
Estado Novo (1937-1945). De modo geral, o regime varguista foi caracterizado
por uma atuação autoritária que buscou centralizar o poder governamental na
figura de um só líder, atribuindo ao Estado nacional e ao seu chefe a soberania em
relação à economia, cultura, organização política e demais aspectos da sociedade
brasileira. Embora estas características tenham sido manifestadas durante todas
as fases da Era Vargas, foi no período concernente ao Estado Novo, iniciado após
o Golpe de 1930, que o Brasil vivenciou o auge do autoritarismo com a implan-
tação de uma ditadura civil-militar baseada em medidas estatais voltadas para a
consolidação da ideologia nacionalista por meio de ações marcadas, entre outras
coisas, pelo populismo, antiregionalismo, anticomunismo e fascismo.
Em consonância com a reflexão apresentada pelo autor Lauerhass (1986), é
possível constatar que o Estado Novo representou o momento de maior expressão
do nacionalismo em nosso país, uma vez que esteve atrelado ao próprio projeto
político construído e implementado pelo governo getulista.


Desse modo, o nacionalismo brasileiro atingira um estágio mais
alto e mais construtivo pois já não se manifestava primordialmen-
te em críticas intelectuais do problema nacional, em programas
governamentais isolados ou em ideologias e movimentos ativos
de partidos extremistas da oposição, mas constituía o cerne de um
propósito do governo, no sentido de um desenvolvimento global,
que se concretizaria nos anos seguintes. Pela primeira vez, pois, o
nacionalismo se encontrava principalmente no domínio das pla-
nificações governamentais e com os dirigentes do poder político
(LAUERHASS, 1986, p. 132).

63
UNIDADE 2

Assim, mais do que uma ideologia ou um discurso intelectual, o nacionalismo


estadonovista constituiu-se enquanto plano de ação governamental, composto
por diversas medidas que colocavam o Estado-nação no centro dos objetivos de
Vargas. A Figura 4 apresenta uma propaganda política nacionalista do Governo
Vargas, ilustrando o apreço ao símbolo nacional da bandeira e o populismo uti-
lizado como estratégia do regime varguista.

Figura 4 - Imagem retirada da cartilha A juventude e o Estado Novo, publicada em 1941


Fonte: Fundação Getúlio Vargas (1937, p. 15).

Descrição da Imagem: a imagem apresenta uma gravura de Getúlio Vargas discursando para diversas
crianças e jovens. No lado esquerdo da figura, verifica-se Getúlio posicionado em pé, num púlpito, com
a mão direita levantada e olhando diretamente para o público espectador. No lado direito, é possível
visualizar uma multidão composta por crianças e jovens portando em mãos a bandeira do Brasil, todos
eles têm a cor de pele clara e olham atentamente para Getúlio. Ao fundo da multidão juvenil, encontram-se
onze bandeiras nacionais hasteadas. No canto inferior esquerdo da gravura, à frente de Getúlio Vargas,
há a figura de um papel amarelado contendo a seguinte mensagem escrita em letra cursiva: “Precisamos
reagir em tempo, contra a indiferença pelos princípios morais, contra os hábitos do intelectualismo ocioso
e parasitário, contra as tendências desagregadoras, infiltradas pelas mais variadas formas nas inteligências
moças, responsáveis pelo futuro da Nação”.

Como parte do nacionalismo promovido durante a Era Vargas, o trabalhismo


emerge enquanto forma ideológica de disciplinar a população brasileira, tornan-

64
UNICESUMAR

do-se sinônimo do tipo de cidadania valorizada e propagada pelo Estado Novo.


Mais do que uma atividade laboral, o trabalho caracterizou-se, também, como
um instrumento de nacionalidade, assim, o brasileiro reconhecido como legítimo
cidadão pelo governo getulista deveria estar inserido na categoria de trabalhador
e em conformidade com a legislação da época. Neste contexto, algumas medidas
foram sancionadas para a instauração de uma política estatal trabalhista, entre
elas, a criação da carteira de trabalho, que assegurava a identificação da classe
trabalhadora, a implementação do 1º de maio como Dia Nacional do Trabalho e
a centralização dos sindicatos como forma de controle dos operários, sobretudo
daqueles ligados à industrialização (D’ARAÚJO, 2000).
Conforme expõe Gomes (2005) em sua obra sobre o surgimento do tra-
balhismo no Brasil, o objetivo principal deste movimento ideológico e político
de Vargas era aproximar o proletariado do Estado, para isso, foi implantada a
legislação trabalhista, por meio da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), a
qual passou a reger os direitos e os deveres dos trabalhadores, além disso, Getúlio
utilizou do populismo como estratégia de comoção e mobilização da população,
realizando discursos direcionados especialmente para este segmento. De modo
geral, o trabalho regulamentado tornou-se uma moeda de troca não apenas pelo
seu aspecto econômico e financeiro, mas também numa dimensão política e so-
cial que, a partir de um acordo, estabeleceu a correspondência entre os benefícios
trabalhistas e a obediência civil, segundo apresenta Gomes (2005, p. 178).


O pacto social assim montado traduzia-se em um acordo que tro-
cava os benefícios da legislação social por obediência política, uma
vez que só os trabalhadores legalmente sindicalizados podiam ter
acesso aos direitos do trabalho, sinônimo da condição de cidadania
em um regime político autoritário como o brasileiro.

É importante frisar, estimado(a) acadêmico(a), que a valorização do traba-


lho também representava um método de controle social, pois, na medida
em que a figura do trabalhador era promovida como símbolo de cidadania
e nacionalidade, todos aqueles que escapavam a esta regra de produtivi-
dade eram considerados como subversivos e, portanto, indesejáveis do
ponto de vista do Estado. Diante disso, a população indígena cujo sistema
produtivo diferenciava-se, significativamente, da política trabalhista de Var-

65
UNIDADE 2

gas, tornou-se alvo de uma série de ações pedagógicas e disciplinadoras


que visavam à adequação deste segmento à lógica dominante do capita-
lismo sob a égide autoritária do Estado Novo. Neste cenário, as medidas
indigenistas foram modificadas, passando a expressar as premissas nacio-
nalistas do governo vigente, vislumbrando no exercício laboral um meio de
incorporar os povos autóctones ao projeto político getulista.

De acordo com Ribeiro (1962), durante 1930, o SPI consolidou feitos de grande
magnitude para a civilização dos povos originários: somente neste ano, dezenas
de etnias e aldeias foram pacificadas e mais de 90 postos indígenas foram ins-
talados e mantidos em funcionamento, sendo distribuídos por regiões diversas
do país. Segundo o autor, em muitas áreas, estes postos representavam os únicos
espaços disponíveis para que a população indígena tivesse acesso a amparo e
à assistência. Anos mais tarde, o órgão foi transferido para o domínio do Mi-
nistério do Trabalho e da Guerra, passando por reformulações internas no que
tange sua estrutura e sua organização e instaurando novos postos com o objetivo
de pacificar e nacionalizar os povos indígenas, por meio da apropriação de sua
mão de obra. A proposta seria, portanto, transformar a população originária em
trabalhadores rurais, e a designação do SPI para a pasta do trabalho expressava
esta inclinação estadonovista.
Enquanto espaços direcionados unicamente à civilização da população
autóctone, os postos indígenas foram peças centrais no processo de nacionali-
zação deste segmento, atuando, assertivamente, na conversão dos povos indí-
genas em integrantes do Estado-brasileiro com o auxílio de ações disciplinares
baseadas na ideologia trabalhista. Este movimento se instaura em meio a um
momento particular do país, isto é, a consolidação do capitalismo a partir da
industrialização e da urbanização, ambos fenômenos ligados, intrinsecamente,
à promoção do nacionalismo.
Assim, mais do que transformar a população indígena em cidadãos pro-
dutivos, a doutrina varguista objetivava, também, a introdução dos princípios
nacionais na forma de vida e na organização social indígenas. Para tanto, o en-
sino de disciplinas, como civismo, história, geografia e língua nacional foram
inseridos na rotina dos postos vinculados ao SPI a fim de consolidar junto aos
povos originários conhecimentos referentes à história da nação brasileira, de seus
representantes e dirigentes e de seus símbolos nacionais, como o idioma, o hino,
a bandeira etc. Além disso, a própria rotina de estudos configurava um meio de

66
UNICESUMAR

disciplinar os indígenas, estabelecendo horários e normas sociais, por meio de


cronogramas rígidos (SARAIVA, 2013).
Ainda sob esta perspectiva ideológica, Garfield (2000) afirma que o Estado
Novo construiu uma representação romântica das relações entre o governo e
os povos indígenas, a qual se prestou tanto para fins de pacificação e integração
nacional da população originária quanto para a promoção da propaganda po-
lítica varguista. Diferentemente do estereótipo do índio selvagem, fomentado
durante o período colonial, as narrativas produzidas sobre os indígenas durante
a Era Vargas apresentavam estes indivíduos como seres dóceis e sensíveis cujas
características somaram, positivamente, à formação da sociedade e da população
brasileiras. A criação do Dia do Índio, em 1934, é um indicativo do movimento
integracionista do regime estadonovista no que tange a presença indígena na
formação do Estado-nação.
Esta narrativa romantizada atribuída aos indígenas foi amplamente repercuti-
da no cenário intelectual, por meio de produções que visavam à consolidação da
cultura e da identidade nacionais. Em sua obra Casa-grande e Senzala (2003), o
antropólogo Freyre analisa as condições sociais da formação da família brasileira,
destacando as relações estabelecidas entre as três raças matrizes da nação. O seu
livro tornou-se um importante marco na história da intelectualidade do Brasil, im-
pactando, drasticamente, as interpretações sobre nossa sociedade e nossa cultura até
os dias de hoje. Freyre dedica um capítulo inteiro para tratar da questão indígena,
analisando a contribuição cultural desta parcela da população nacional para o país.
Baseado nas relações de cunho íntimo e sexual entre as mulheres indígenas
e africanas e os homens brancos, o antropólogo conclui que o Brasil seria um
país isento de conflitos raciais, no qual, a despeito da escravidão e da exploração
dos povos originários e africanos, a interação entre as três raças teria ocorrido
de forma amena e pacifista, o que, por sua vez, possibilitou a criação de laços
afetivos entre os senhores e os escravizados. Ao propor esta interpretação da
história da escravidão brasileira, Freyre negligenciou fatores importantes, como
as violências praticadas contra a população cativa e os abusos proferidos contra
mulheres negras e indígenas.
A análise freyriana sobre a formação da sociedade brasileira culminou na
ideia fantasiosa sobre a existência de uma democracia racial em nosso país, a qual
tem sido recorrentemente contestada pelos movimentos de resistência indígenas
e negros e, também, por estudiosos da questão racial no Brasil. Além disso, os

67
UNIDADE 2

esforços intelectuais e políticos em consolidar uma cultura brasileira autênti-


ca resultaram no apagamento sistêmico da participação indígena e africana na
construção de nossa sociabilidade e identidade, pois, ao serem integrados à visão
homogênea de nacionalidade, os conhecimentos, tradições e práticas originárias
perderam suas particularidades, tornando-se, assim, uma parte invisibilizada e
pouco conhecida de nossa história.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Os fuzis e as flechas: a história de sangue e resistência indíge-


nas na ditadura
Autor: Rubens Valente
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Os fuzis e as flechas é uma obra de investigação jornalística
que descreve centenas de mortes de indígenas, ocorridas durante a Ditadu-
ra Militar no Brasil, entre 1964 e 1985. No período de um ano, o autor entre-
vistou oitenta pessoas, entre índios, sertanistas, missionários e indigenistas,
percorreu 14 mil quilômetros de carro, esteve em dez estados e dez aldeias
indígenas nos estados do Amazonas, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
Além de se valer de milhares de páginas coletadas em arquivos de Brasília,
São Paulo e Rio, o livro traz à tona registros inéditos de erros e omissões que
levaram a tragédias sanitárias durante a construção de grandes obras, como
a rodovia Transamazônica, que cruzou a Amazônia de leste a oeste.
Comentário: acadêmico(a), a obra sugerida traz um panorama sobre as vio-
lências cometidas contra os povos originários durante a Ditadura Militar no
Brasil, e sua leitura lhe permitirá expandir os conhecimentos sobre a História
Indígena, abordados na presente unidade. A Ditadura Militar foi um período
crítico de nosso país, o qual reverbera em diversas instâncias da sociedade
brasileira atual, a despeito disso, pouco sabemos sobre a presença originá-
ria, neste momento, de intensa repressão na História do Brasil. Esta é, por-
tanto, uma oportunidade para você aprofundar seus conhecimentos.

Querido(a) aluno(a), ao longo da presente unidade, você teve a oportunidade


de aprofundar os seus conhecimentos sobre a formação de nosso país a partir
da perspectiva dos povos indígenas e de sua integração à cultura e à identidade
nacionais. Perpassando os períodos históricos referentes ao Brasil Colônia, Pri-
meira República e Estado Novo, foi possível verificar como a consolidação do
Estado-nação brasileiro esteve amplamente associada à marginalização socio-

68
UNICESUMAR

cultural dos povos originários e à transfiguração de suas organizações sociais,


étnicas e identitárias.
Com isso, constatou-se que, a despeito das diferentes formas empregadas
em cada período, a História do Brasil demonstra que a população indígena foi
constantemente mantida sob regimes de imposição e dominação social, os quais
atenderam a distintos objetivos conforme as ideologias dominantes na época. Ora
estigmatizados como selvagens, ora submetidos às políticas tutelares do Estado,
os povos indígenas têm sido vítimas de um longo processo de subjugação cultural
e discriminação racial, perdendo sua autonomia e identidade étnica, bem como
o direito ao seu território e à expressão de suas culturas.
Apesar disso, as diversas etnias que sobreviveram à conquista e à colonização
europeia no Brasil seguem resistindo, dando continuidade às suas tradições, aos
seus costumes e aos seus valores e se impondo enquanto presença imprescindível
na história brasileira ao reivindicar políticas públicas e afirmativas direcionadas
para a garantia de seus direitos fundamentais. Rejeitando a lógica civilizatória
homogênea que os definiu como seres primitivos e datados, os povos originários
têm atuado de várias maneiras no combate ao racismo e à marginalização de suas
culturas, seja na produção acadêmica e intelectual ou na ocupação da política
institucional a partir de cargos legislativos e executivos.

Caro(a) acadêmico(a), você conhece a mitologia ameríndia?


Preparamos um Podcast especial, dedicado, exclusiva-
mente, à mitologia ameríndia brasileira. Nele, discutiremos
sobre a função social dos mitos e sua importância para
a manutenção das culturas. Além disso, apresentaremos
alguns mitos de etnias indígenas do Brasil, objetivando
demonstrar como estas narrativas foram absorvidas pela
cultura brasileira. Aperte o play e venha conosco nesta
viagem para o conhecimento.

Estudante, no início desta unidade, propomos um exercício reflexivo sobre a in-


cidência de conteúdos didáticos indígenas em sua trajetória pessoal, acadêmica
e profissional. Agora, após conhecer um pouco mais sobre a cultura originária
e os efeitos do apagamento desta nas narrativas historiográficas oficiais sobre o
Brasil, chegou o momento de unirmos teoria e prática, considerando sua futura
atuação em sala de aula.

69
UNIDADE 2

Pensar sobre a incidência deste tema em sua formação como


sujeito, estudante e profissional lhe auxiliará a entender de quais
modos as narrativas sobre a população originária do Brasil são cons-
truídas e repassadas, e lhe permitirá vislumbrar a necessidade e a
importância dos estudos da História Indígena. Conhecer as influên-
cias indígenas sobre o Brasil é conhecer nossa própria identidade,
nossa língua, nossos costumes e nossa cultura.
Como você viu ao longo do texto, a presença indígena no per-
curso de formação da sociedade brasileira é marcada por diversas
ações violentas e de cunho tutelar que prejudicaram a autonomia
sociocultural dos povos originários ao impor normas e convenções
sociais, desmobilizando as identidades, as etnias e as culturas indíge-
nas. Estas ações, em seu turno, foram orientadas por distintas ideolo-
gias dominantes, conforme o contexto político e social vivenciado à
época. Ora em forma de civilização, ora enquanto política indigenis-
ta, a aculturação dos povos originários do Brasil configura-se como
um complexo efeito das relações de poder tecidas, historicamente,
entre colonizadores e colonizados, perpassando diversas instâncias
da sociedade brasileira: a cultura, a economia, a educação etc.
Em razão disso, os conteúdos didáticos e pedagógicos aplica-
dos em sala de aula tendem, frequentemente, a reproduzir a lógica
hegemônica, excluindo dos currículos escolares e das ementas de
disciplinas os saberes e os conhecimentos tradicionais, valorizan-
do, assim, somente as narrativas históricas europeias. Enquanto
futuro profissional de História, você terá a oportunidade de rom-
per com esta prática de apagamento e invisibilidade da cultura
e história indígenas, fomentando junto aos seus futuros(as) alu-
nos(as) uma visão mais empática e menos preconceituosa sobre a
população originária de nosso país.
Considerando isso, os conhecimentos abordados na presente
unidade lhe servirão como suporte teórico para uma experiência in-
clusiva e igualitária em sala de aula no que tange a História Indígena,
auxiliando no desmantelamento de estereótipos e estigmas sociais,
além de abranger a historiografia brasileira ao introduzir aspectos
até então negligenciados pelos formatos curriculares.

70
Querido(a) aluno(a), utilize os conteúdos e os conhecimentos adquiridos ao longo da
unidade para responder às questões seguintes.

1. A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo


estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade obscurecida, tra-
zendo-a para esta luz incrível. Este chamado para o seio da civilização sempre foi
justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na Terra, certa verdade,
ou uma concepção de verdade, que guiou muitas das escolhas feitas em diferentes
períodos da história.

KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2020, p. 11.

Assinale qual alternativa mais se enquadra na reflexão apresentada no texto.

a) O conceito de humanidade passou por modificações em sua definição, após o


processo de colonização europeu.
b) A racionalização das sociedades e das culturas humanas foi um dos resultados
benéficos da colonização.
c) O processo civilizatório foi baseado numa perspectiva etnocêntrica sobre distintos
modos de vida social.
d) A concepção de verdade sofreu alterações em períodos distintos da história da
humanidade.
e) O obscurantismo foi uma prática amplamente combatida pelo Iluminismo, visando
ao progresso social.

2. O nacionalismo é o solo sobre o qual indivíduos e grupos humanos renascem como


parte de um mesmo povo, no interior de um território e sob poder de soberania.
Haverá a destruição, a dissolução e a incorporação de tradições, costumes e culturas
regionais e particulares que, eventualmente, entrarão em choque com o Estado-na-
ção. Daí ser possível concluir que a nacionalidade, que se manifesta como “orgulho
nacional”, “amor à pátria”, “espírito do povo”, é resultado de práticas de poder e de
dominação convertidas em discursos de normalização da divisão social e da violência
praticada diretamente pelo Estado, ou por determinados grupos sociais que agem
com o beneplácito estatal.

ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, 2019, p. 62.

71
A partir da análise exposta no trecho apresentado, elabore um texto de, no máximo,
quinze linhas relacionando o conceito de nacionalismo com a presença da população
indígena na formação do Brasil. Utilize, pelo menos, uma referência bibliográfica
para embasar os seus argumentos, esta referência pode ser alguma já abordada na
unidade, ou outra que você ache apropriada ao tema.

3. O pessoal da Funai tinha me dado uma rede de algodão bem grande e vários tipos
de roupa. Tudo aquilo me deixava feliz. Dizia a mim mesmo: “Por que não imitar
os brancos e virar um deles?”. Eu só queria uma coisa: parecer com eles. Por isso,
observava-os o tempo todo em silêncio, com muita atenção. Queria assimilar tudo
o que diziam e faziam.

KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras,
2015, p. 283.

Com base no texto apresentado, analise as afirmativas a seguir:

I - Além das políticas tutelares, a Funai também foi responsável pela promoção e
garantia do bem-estar psicológico e emocional da população indígena, um dos
principais propósitos das ações indigenistas no Brasil.
II - A assimilação dos indígenas ao modo de vida consumista do capitalismo foi faci-
litada pelas condições econômicas precárias em que os povos originários viviam
antes do processo civilizatório europeu.
III - A civilização foi um processo complexo que envolveu não apenas a dizimação
física da população indígena, mas também o extermínio de suas culturas, por
meio da imposição dos valores culturais dominantes.
IV - A naturalidade com a qual os povos originários lidavam com a nudez foi con-
cebida pelos colonizadores europeus como um atributo positivo, pois estaria
associada às noções filosóficas sobre o conceito de beleza.
V - As políticas indigenistas brasileiras objetivavam a integração dos povos originários
ao projeto político do Estado nacional. Para isso, a adequação deste grupo às
convenções comportamentais ocidentais foi imprescindível.
A partir das análises feitas sobre as afirmativas, assinale a alternativa correta.

a) Somente a afirmativa V está correta.


b) As afirmativas II e IV estão corretas.
c) Somente a afirmativa III está correta.
d) As afirmativas III e V estão corretas.
e) As afirmativas I e IV estão corretas.
72
3
A Diversidade
Étnica e Cultural
dos Povos
Indígenas
Me. Daniara Thomaz Fernandes Martins

Nesta unidade, você aprofundará seus conhecimentos sobre a diver-


sidade étnica e cultural da população indígena brasileira na contem-
poraneidade. Desta forma, serão abordados os conceitos de etnia e
cultura, seu significado e sua importância para o reconhecimento e
a preservação das singularidades que compõem os inúmeros povos
indígenas presentes em nosso país. Além disso, serão analisadas as
cosmologias, as formas sociais e as expressões culturais e religiosas de
alguns povos originários, destacando suas relações com a natureza, a
espiritualidade e suas interpretações e concepções sobre o mundo. O
objetivo é conhecer um pouco mais sobre estas populações do Brasil,
rompendo com visões históricas etnocêntricas e homogêneas.
UNIDADE 3

Querido(a) aluno(a), você sabia que, no dia oito de julho de 2022, o “Dia do Ín-
dio” passou a ser denominado e celebrado como o “Dia dos Povos Indígenas”? A
alteração ocorreu de modo oficial, por meio da promulgação da Lei Federal nº
14.402/2022 cujo conteúdo normativo revogou o Decreto-Lei nº 5.540, de nove
de junho de 1943, que estabeleceu a data 19 de abril como o Dia do Índio, durante
o governo do então presidente Getúlio Vargas. Ao contrário do que possa pare-
cer, esta modificação não se baseou somente em questões de cunho meramente
etimológico, ela se respaldou, na verdade, numa série de reivindicações das po-
pulações indígenas que concebem no termo “índio” a propagação de estereótipos
e preconceitos históricos sobre os diversos povos originários do Brasil.
Além de ter sido erroneamente atribuída aos habitantes autóctones do Brasil
pré-colonial por parte dos colonizadores europeus, a palavra “índio” não contempla
a diversidade e a complexidade que abrange as inúmeras etnias indígenas presentes
em nosso país. Ao serem tachados simplesmente como índios, estes sujeitos perdem
o direito às suas particularidades e suas identidades étnicas e culturais, sendo con-
siderados como um bloco racial uniforme sem especificidades ou distinções entre
si. Assim, os costumes, os hábitos, a língua, as origens, as práticas, os mitos e os ritos
de cada etnia são invisibilizados, tornando-se uma breve e superficial parte dos con-
teúdos de história que aprendemos nas escolas e demais instituições de ensino. Por
isso, ao abordarmos a História Indígena, estamos, com efeito, abordando diversas
histórias de distintos povos indígenas, os quais apresentam diferentes condições
sociais, culturais e geográficas, conforme os fenômenos e as características históricas
que fundamentam sua presença em nossa sociedade.
A abolição do uso do termo “índio” é apenas uma das tantas medidas rei-
vindicadas pelos povos indígenas na tentativa de se reconhecer e valorizar sua
diversidade étnica e cultural. Sem dúvidas, a problematização desta palavra deve
ser acompanhada do exercício de conscientização acerca das relações e das es-
truturas de poder que atravessam a questão indígena no Brasil.
Caro(a) estudante, você já havia refletido sobre as problemáticas incutidas na
palavra “índio”? Essa reflexão lhe auxiliará a compreender o conteúdo apresenta-
do na presente unidade, pois, a partir dela, você poderá tecer uma leitura crítica
sobre as imagens e narrativas históricas e culturais construídas sobre os povos
indígenas em nosso imaginário social.
O Brasil é um país de dimensão continental, seu considerável território abre
brechas para o regionalismo, fazendo com que as diferenças culturais e geográ-

74
UNICESUMAR

ficas entre os estados e as regiões brasileiras sejam tão expressivas quanto as


distinções existentes entre as culturas nacionais e as de outros países. Tais dife-
renças podem ser verificadas em vários âmbitos da nossa sociedade: na culinária,
na vestimenta, nos hábitos cotidianos, nos sotaques, nas crenças religiosas, nas
lendas e mitos populares, entre outros. Todos esses itens refletem a diversidade
social brasileira, construída a partir de intensos processos de fusão étnico-racial
e cultural, mediados pela colonização e civilização. Embora a extensão territorial
desempenhe forte influência para a diversidade cultural do Brasil, é necessário
mencionar o papel dos povos indígenas para a caracterização de nosso país en-
quanto uma nação multiétnica e plural, conferindo à cultura brasileira práticas,
saberes e crenças distintas que imprimem a heterogeneidade das inúmeras etnias
componentes da população originária.
Neste contexto de diversidade, alguns dados chamam a atenção, entre eles, o fato
de existirem mais de 270 línguas indígenas faladas no Brasil, de acordo com informa-
ções censitárias de 2010. O que confirma, portanto, a importância das etnias autóc-
tones para a pluralidade sociocultural e linguística brasileira. A despeito do processo
de aculturação que estabeleceu a integração sociocultural dos povos originários de
modo arbitrário e violento, resultando na extinção e dizimação de etnias nativas intei-
ras, os indígenas mantêm a preservação de suas culturas e suas identidades coletivas,
reafirmando, constantemente, seus modos de existência ao darem continuidade em
suas línguas, mitos, ritos, cosmologias, práticas ambientais etc.
Dito isso, estimado(a) aluno(a), afirmamos que estudar a História Indígena é de
suma importância para que a diversidade étnico-cultural brasileira seja reconhecida
e valorizada, especialmente no contexto educacional, local onde a historiografia he-
gemônica pode e deve ser questionada a partir de conhecimentos plurais e inclusivos.
Querido(a) aluno(a), tomando livros didáticos referentes à disciplina de His-
tória como objeto de pesquisa, tente identificar e analisar qual representação
é atribuída aos povos indígenas nos conteúdos didáticos utilizados na escola.
Atente-se a observar as imagens apresentadas nas obras e quais informações
elas evocam sobre a população originária. Após o término de sua pesquisa, faça
uso dos dados obtidos para responder a seguinte pergunta: os livros didáticos
de História têm contribuído para a valorização ou para o apagamento da diver-
sidade étnica e cultural da população indígena? Produza, então, um breve texto
argumentativo justificando sua resposta com base nos resultados de sua análise.
O objetivo é produzir uma análise crítica sobre a representação indígena no en-

75
UNIDADE 3

sino de História, identificando possíveis lacunas e problemáticas em torno da


abordagem escolar sobre a História Indígena no Brasil.
Caso precise de algumas dicas ou sugestões para a realização de sua pesquisa,
aqui estão:

1) Procure se informar sobre o método de pesquisa de arquivos e docu-


mentos, também conhecido como etnografia de arquivos. Este campo de
estudos lhe auxiliará a fazer uma investigação a partir de fundamentos
metodológicos científicos.

2) Você pode utilizar como objeto de análise qualquer livro didático da dis-
ciplina de História, desde que estejam dentro das normativas e diretrizes
do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).

3) Uma boa sugestão para a condução de uma pesquisa é o uso do méto-


do comparativo. Você pode tecer uma comparação entre a representação
indígena em livros didáticos de diferentes períodos ou direcionados para
séries distintas.

Use sua criatividade e imaginação. Boa sorte!


Estudante, após sua análise sobre a representação da população indíge-
na, nos livros didáticos da disciplina de História, você deve estar apto para
responder às seguintes reflexões: o ensino de História tem contribuído para
a estigmatização dos povos originários? As diferenças étnicas e culturais in-
dígenas são abordadas e respeitadas nos materiais didáticos? Os livros didá-
ticos são suficientes para desconstruir os preconceitos sociais e raciais sobre
a população autóctone brasileira?
Baseado nos dados obtidos em sua pesquisa e nas questões expostas ante-
riormente, utilize o Diário de Bordo para expressar suas reflexões sobre este
assunto, buscando solucionar os questionamentos supracitados. Considerando
sua posição enquanto futuro(a) professor(a) de História, você poderá, também,
apresentar novas abordagens didáticas sobre os povos indígenas, as quais deve-
rão permitir aos estudantes conhecer outras perspectivas e saberes acerca das
culturas e etnias originárias.

76
UNICESUMAR

Estimado(a) aluno(a), com vistas a lhe proporcionar mais entendimento sobre


a temática da diversidade étnica e cultural dos povos originários do Brasil, pro-
ponho, agora, uma discussão sobre os conceitos de etnia e cultura para, poste-
riormente, abordarmos, de modo mais detalhado, os aspectos étnico-culturais e
cosmológicos de algumas populações indígenas de nosso país. Muito provavel-
mente, em algum momento de sua trajetória acadêmica, ou até mesmo pessoal,
você deve ter se indagado sobre as diferenças entre os conceitos de raça e etnia.
Esta dúvida acerca dos termos é comum e pode surgir toda vez que as discussões
sobre relações étnico-raciais vêm à tona. Apesar de parecerem sinônimos, exis-
tem algumas distinções significativas entre ambos os conceitos, as quais devem
ser consideradas para compreendermos, mais adequadamente, temas, como: a
questão indígena, o racismo, o etnocentrismo etc. Ao longo da presente unidade,
exploraremos estas diferenças conceituais, visando sanar esta dúvida tão recor-
rente aos estudantes das áreas das Ciências Humanas.

Pela perspectiva etimológica, o conceito de etnia provém da palavra gre-


ga “ethnis” que, por sua vez, significa “povo” ou “nação”. Assim, podemos
deduzir que seu significado está, intrinsecamente, associado às naciona-
lidades e às populações. Com efeito, você, profissional da História, irá se
deparar diversas vezes com a confluência teórica entre estes termos e
outros relacionados, como território e cultura. Isso ocorre porque todos
estes conceitos são utilizados seguindo o mesmo objetivo, isto é, descrever

77
UNIDADE 3

a diversidade dos grupos humanos, conforme suas especificidades mor-


fológicas, geográficas, históricas, culturais etc.

No caso da etnia, particularmente, o conceito é empregado no sentido de de-


limitar a identidade social de indivíduos e grupos humanos com base em seu
parentesco, território, fenótipo, língua, religião, nacionalidade, entre outros. Logo,
é possível depreender que a etnia abarca pontos mais específicos do que o con-
ceito de raça, embora esta última categoria também esteja relacionada a aspectos
sociais dos povos e das populações, e não apenas às suas características físicas,
como nos demonstra o termo raça sociológica.

EXPLORANDO IDEIAS

Prezado(a) acadêmico(a), você já ouviu falar em raça sociológica? O conceito traz um con-
traponto à interpretação biológica e geneticista da categoria raça, opondo-se ao determi-
nismo e racismo científico. Grosso modo, a raça entendida sob a perspectiva sociológica
desconsidera a classificação dos grupos humanos, segundo suas características físicas e
morfológicas, endossando as evidências científicas de que não existem raças humanas.
Por outro lado, o conceito chama a atenção para os impactos da raça no plano social,
sinalizando que, a despeito da inexistência das diferenças raciais no campo da biologia,
existem hierarquias sociais produzidas com base nos traços fenotípicos dos indivíduos,
como a cor da pele e o cabelo, que afetam distintamente grupos raciais diversos, benefi-
ciando uns na medida em que prejudica outros.

Com base em leituras antropológicas, Barth (1998) propõe uma definição de


grupo étnico a partir de quatro pontos característicos: a perpetuação biológica em
larga escala; o compartilhamento de valores culturais; a comunicação e interação
e, por fim, a identificação. Para o autor, um grupo étnico configura, na realidade,
um modo de organização social, em razão disso, está condicionado à identidade, a
qual, em seu turno, relaciona-se com a autoatribuição ou a atribuição de terceiros
acerca da etnia de determinado indivíduo ou coletivo.
Por esta perspectiva, a atribuição representa a característica fundamental
dos grupos étnicos, pois é a partir dela que a identidade étnica é articulada,
seja em termos subjetivos e individuais seja sociais e coletivos, tornando-se,
assim, uma forma de categorização interna e também externa, como podemos
verificar a seguir.

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UNICESUMAR


Uma atribuição categórica é uma atribuição étnica quando clas-
sifica uma pessoa em termos de sua identidade básica mais geral,
presumivelmente determinada por sua origem e seu meio am-
biente. Na medida em que os atores usam identidades étnicas para
categorizar a si mesmos e outros, com objetivos de interação, eles
formam grupos étnicos neste sentido organizacional (BARTH,
1998, p. 193-194).

Para o antropólogo Munanga (2003), o conceito de etnia associa-se mais ao con-


texto sociocultural e histórico de um povo do que ao seu conteúdo morfo-bioló-
gico. Assim, ainda que a identidade étnica de determinado grupo esteja vinculada
à sua categoria racial, outros fatores são levados em consideração para a classifi-
cação de etnias. Consequentemente, uma mesma raça pode apresentar diversos
grupos étnicos, os quais podem distinguir-se, significativamente, entre si devido
à formulação de suas culturas, localização geográfica, bem como aos processos
históricos pelos quais foram submetidos e estão inseridos.

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UNIDADE 3

Os povos originários do Brasil são um dos exemplos nítidos de diferencia-


ção entre etnia e raça. Vejamos que, conforme estipulado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são reconhecidas, oficialmente,
cinco categorias de cor/raça em nosso país: branca, indígena, amarela,
preta e parda (as classificações preta e parda formam em conjunto a raça
negra). A categoria indígena utilizada pelo censo do IBGE diz respeito, por-
tanto, somente ao conteúdo morfo-biológico dos indivíduos que se auto-
declararam pertencentes a este grupo racial, isto é, não são considerados
os aspectos étnicos, históricos e culturais desses sujeitos e/ou de seu povo.

Deste modo, quando afirmamos que há mais de 896 mil pessoas autodeclaradas
indígenas no Brasil, aproximadamente, 0,41% da população nacional, estamos
falando sobre a totalidade de uma raça, e não especificamente dos grupos étni-
cos que a compõem. Existem mais de 305 etnias indígenas em solo brasileiro, as
quais apresentam formas sociais, culturais, linguísticas, geográficas e históricas
heterogêneas (IBGE, 2012). Todas elas são, de fato, parte da raça indígena, mas
isso não significa dizer que cultivam os mesmos hábitos, falam a mesma língua
ou que compartilham a mesma cultura e mesma visão sobre o mundo.
Além das distinções étnicas, há, também, os contrastes entre as situações de
moradia e localização. Pessoas indígenas alocadas no contexto urbano distin-
guirão-se em termos comportamentais, sociais e culturais daqueles indivíduos
aldeiados ou inseridos nas zonas rurais, ainda assim, continuarão tendo sua iden-
tidade étnico-racial preservada, uma vez que a condição territorial não é o único
fator determinante na construção identitária dos povos tradicionais.
Das quase 900 mil pessoas que se autodeclararam indígenas, no último censo
demográfico, 379.534 não estavam localizadas em aldeias e demais territórios
indígenas oficialmente reconhecidos pelo Estado brasileiro, o que corresponde à
cerca de 42,5% do total da população originária do país. Ainda segundo os dados
censitários daquele ano, 502.783 autodeclarados eram residentes da zona rural,
em contrapartida aos 315.180 indígenas inseridos no contexto urbano. Percen-
tualmente, os dados equivalem, respectivamente, a 61,46% e 38,53% do número
total de pessoas indígenas autodeclaradas no Brasil.
Sem dúvidas, caro(a) aluno(a), todos estes fatores contribuem imensamente
para a diversidade étnico-cultural dos povos autóctones presentes na sociedade
brasileira. Além das dissensões naturais entre etnias distintas, os processos de
civilização e urbanização potencializam ainda mais a transfiguração cultural das

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UNICESUMAR

populações tradicionais, transformando drasticamente suas rotinas, suas práticas,


seus ritos, seus hábitos e seus costumes.
Consideremos, neste caso, o exemplo de uma pessoa indígena que, após anos na
condição de aldeiada, se muda para a área urbana. Obviamente, sua identidade étni-
co-racial não será anulada, devido ao fato de estar inserida no espaço citadino. Con-
tudo esta mudança de localização – ou meio ambiente, como sugere Barth – incidirá,
diretamente, no seu estilo de vida, uma vez que o acesso aos recursos naturais, como
a terra, o rio, os animais, as ervas, bem como aos conhecimentos, rituais e práticas
tradicionais ocorrerá de modo distinto na cidade em relação ao contexto da aldeia.
A pessoa indígena que adentra o âmbito da cidade vivencia, portanto, uma
experiência dúbia, contrastando sua identidade étnico-cultural com a organização
social urbana que muito difere das relações e referências sociais, políticas e econô-
micas estabelecidas nos territórios indígenas. Esse contraste pode ser evidenciado
de distintas formas, principalmente nas violências simbólicas que se manifestarão,
via de regra, em atos discriminatórios, fundamentados em percepções equivocadas
sobre a presença das populações indígenas na cidade, como a ideia de que a identi-
dade indígena somente é legítima quando se trata de pessoas aldeiadas.


Adentrar o espaço da cidade significa conciliar os opostos, ou seja,
ser constituído por uma formação cultural singular, com a sua lógica
e práticas próprias e ao mesmo tempo, conviver com uma outra
organização societária diferente da sua, politicamente legitimada
que organiza a sociedade branca e rege as políticas das minorias,
incluindo a dos povos indígenas (GOMES, 2006, p. 15).

A cultura hegemônica moderna, própria das áreas urbanas e globalizadas, não


comporta a dinâmica social e cultural dos povos originários. Em razão disso,
as pessoas indígenas são expelidas para as margens materiais e simbólicas das
cidades, sendo, frequentemente, confundidas com pessoas em situação de rua,
o que somente corrobora os estereótipos negativos criados sobre esta parte da
nossa população. Além disso, é necessário destacar as limitações dos indivíduos
não-indígenas em conceber e respeitar a identidade étnico-cultural dos povos
nativos inseridos no contexto da modernidade e da tecnologia, algo que reforça
a ideia colonial de que os indígenas seriam populações atrasadas com sistemas
sociais simplórios e estagnados.

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UNIDADE 3

Ao contrário do que se propaga no senso comum, as culturas originárias apresen-


tam dinâmicas sociais próprias e, como quaisquer outros povos ao redor do mundo,
podem desempenhar mudanças internas no seu modo de vida, adaptando-se a novos
contextos e novas tecnologias, inclusive, a digital. Deslegitimar as identidades indígenas
com base no seu maior ou menor grau de acesso em relação à tecnologia demonstra-se,
na realidade, como uma forma repaginada e contemporânea do racismo cometido con-
tra estas populações durante o Brasil Colônia, o qual se fundamentou em estereótipos
negativos e na perpetuação da imagem do “índio selvagem incivilizado”.

NOVAS DESCOBERTAS

Vai ter indígena com Iphone, sim!


O debate sobre a legitimidade da identidade étnica de indígenas
adeptos à tecnologia é o tema deste texto escrito por Lídia Guajajara.
Nele, a autora demonstra que a tecnologia pode ser uma aliada na
luta contra o racismo anti-indígena, ajudando na desconstrução de
estereótipos e preconceitos. Acesse o QR Code para ler na íntegra.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Indígenas Digitais


Ano: 2010
Sinopse: o filme documentário aborda a relação dos povos indígenas
com as tecnologias digitais, sobretudo, com as mídias de comunica-
ção. Utilizando aparelhos celulares como recurso, indígenas de etnias
diversas do território brasileiro constroem suas narrativas, registrando e ex-
pondo seu cotidiano, manifestações culturais e os rituais praticados pelos
seus povos. A obra pode ser compreendida como uma fonte de conhecimen-
to das culturas indígenas do Brasil, mas também se constitui como um tipo
de denúncia em relação à mídia hegemônica e o pouco espaço que os canais
de comunicação cedem à questão indígena.
Comentário: mais de dez anos após seu lançamento, o documentário Indíge-
nas Digitais ainda faz-se necessário para discutirmos temas de grande relevân-
cia social, como a identidade indígena e a sua manutenção na sociedade global
atual. Estudante, este filme é uma ótima oportunidade para conhecermos mais
sobre a questão indígena, suas culturas e realidade social, assim como a luta
pelos seus direitos no Brasil contemporâneo. O documentário tem duração de
26 minutos e pode ser facilmente encontrado na plataforma Youtube.

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UNICESUMAR

Como podemos ver, caro(a) aluno(a), a cultura representa um fator distintivo no


âmbito das relações interétnicas, desempenhando função imprescindível na cons-
trução de identidades contrastivas. Conforme expõe Oliveira (1976), o conceito
de identidade contrastiva está relacionado, entre outras coisas, às diferenciações
existentes entre grupos sociais e/ou etnias, por exemplo, os povos indígenas. Este
tipo de identificação baseia-se, principalmente, numa interação de oposição e di-
cotomia entre indivíduos e coletivos, pela qual o pertencimento étnico é afirmado,
por meio da negação de etnias alheias e de seus sistemas de referenciais simbólicos.
O autor Silva (2003), reforça a contribuição teórica de Oliveira ao refletir so-
bre o conceito de identidade em seu texto “A produção social da identidade e da
diferença’’, publicado na obra Identidade e Diferença: A perspectiva dos Estudos
Culturais. Segundo ele, os processos de significação e classificação são fundamen-
tais para a vida social, pois é a partir de ambos que as sociedades são organizadas e
segmentadas em classes e grupos, tornando-se complexa e heterogênea. A prática
de classificar ou significar algo, em seu turno, está associada à identidade, uma vez
que são as diferenças e os contrastes originados nas diversas identidades presentes
nas culturas e populações que dão vazão aos sistemas de classificação.


O processo de classificação é central na vida social. Ele pode ser enten-
dido como um ato de significação pelo qual dividimos e ordenamos o
mundo social em grupos, em classes. A identidade e a diferença estão
estreitamente relacionadas às formas pelas quais a sociedade produz
e utiliza classificações. As classificações são sempre feitas a partir do
ponto de vista da identidade (SILVA, 2003, p. 82).

Neste contexto, a identidade e a diferença estabelecem relações mútuas com


o processo de classificação, atuando, principalmente, no interior da cultura, por
meio de signos e símbolos que não somente identificam os grupos sociais e ét-
nicos, mas também lhes conferem coesão social, atravessando, de forma genera-
lizada, suas práticas, suas crenças, seus sistemas religiosos, suas cosmologias etc.
Torna-se importante, portanto, chamar a atenção para o caráter relacional dos
grupos étnicos, porque é somente no interior de uma estrutura social formada
por relações e culturas diversas que a identidade étnica ganhará sentido e será
categorizada e representada como tal, dispondo de símbolos culturais e sociais
próprios, os quais lhe constitui e, consequentemente, distingue.

83
UNIDADE 3

Com isso, podemos concluir que toda identidade pessoal é também social,
pois parte de referências e símbolos que são compartilhados e significados social-
mente. No caso dos povos indígenas, especificamente, esta conceituação é ainda
mais pertinente, uma vez que se trata de populações que foram submetidas a
intensos processos de apagamento étnico e cultural, tendo sido suas identidades
reduzidas a uma imagem de selvageria e/ou integradas de modo arbitrário à
ordem social, perdendo, assim, suas particularidades identitárias.

PENSANDO JUNTOS

Prezado(a) aluno(a), um costume interessante sobre os povos indígenas e que também


indica o caráter coletivo de suas identidades étnico-culturais é o uso do termo parente
para se referirem a membros de suas próprias etnias e de etnias distintas. O costume está
relacionado ao movimento de afirmação de seus interesses comuns, configurando um
meio de distinção no contexto globalizado da sociedade moderna.
(Glossário Político Indígena (Adelco))

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Cultura e representação (2016)


Autor: Stuart Hall
Editora: Apicuri
Sinopse: a obra Cultura e Representação (2016) traz três textos fun-
damentais de Stuart Hall, nos quais o autor desenvolve sua análise
política, a partir de uma noção específica do conceito de “representação”.
Uma noção que se afasta da visão comum de “reflexo”, “verdade por corres-
pondência”, e se aproxima de uma perspectiva mais constitutiva sobre o ato
representativo, nos processos de construção social da realidade.
Comentário: aluno(a), o livro em voga apresenta uma perspectiva dos Estu-
dos Culturais sobre os conceitos de cultura e representação. Adentrando te-
mas pertinentes à nossa unidade, como raça, etnia e identidade, Stuart Hall
propõe uma análise ampla sobre os processos de construção de símbolos e
signos culturais cujas funções são imprescindíveis para a distinção e classifi-
cação dos grupos sociais. Esta obra lhe ajudará a analisar a diversidade étni-
co-cultural dos povos indígenas do Brasil, oferecendo-lhe aparatos teóricos
e científicos importantes para a compreensão da temática.

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UNICESUMAR

Nota-se, prezado(a) acadêmico(a), que a cultura é um campo privilegiado para


explorarmos determinados assuntos, principalmente aqueles vinculados à etnia
e à identidade. Pensando nisso, apresentaremos, agora, uma abordagem mais
conceitual acerca do termo, lançando luz sobre seus aspectos constitutivos, consi-
derando suas definições teóricas e articulações com outros conceitos igualmente
importantes para nossa discussão sobre a diversidade indígena.
Metaforicamente, podemos compreender o conceito de cultura como uma
lupa pela qual enxergamos e interpretamos o mundo (BENEDICT, 1972). É por
meio dela que construímos nossa visão de mundo, analisamos nossas relações
sociais e propagamos nossos valores e nossas crenças. A cultura é um conjunto
complexo de sociabilidades, convenções sociais e costumes que se manifestam,
de maneira generalizada, em pontos basilares de qualquer sociedade, como a
língua, os sistemas de crença e a religiosidade, a arte, as instituições sociais etc.


O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valo-
rativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas
corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o
resultado da operação de uma determinada cultura.

Graças ao que foi dito acima, podemos entender o fato de que in-
divíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados
por uma série de características, tais como o modo de agir, vestir,
caminhar, comer, sem mencionar a evidência das diferenças linguís-
ticas (LARAIA, 1993, p. 36).

Com efeito, a cultura está impressa em todos os nossos atos, desde as práticas mais
rudimentares até os hábitos mais complexos. Aquilo que julgamos como corri-
queiro ou habitual reflete, na realidade, nossos padrões culturais e corresponde,
diretamente, às nossas formas de organização social e cultural, não abrangendo,
na maior parte das vezes, outros povos ou outras sociedades. Logo, indivíduos
pertencentes a culturas diferentes apresentarão, via de regra, tradições, costumes
e práticas igualmente distintas, as quais serão elaboradas, conforme os símbolos,
os valores e as referências atuantes em sua comunidade, grupo étnico, sociedade
ou qualquer outro tipo de agrupamento humano.
Inspirado pelo relativismo cultural, Lévi-Strauss (1993) afirma que a diver-
sidade das culturas é resultado de fenômenos variados, entre eles estão a locali-

85
UNIDADE 3

zação geográfica, o meio ambiente e o isolamento social. Contudo para o autor,


as diferenças culturais se originam, sobretudo, das relações e dos contatos entre
grupos distintos e dos processos de interação e hibridização socioculturais. Lévi-
-Strauss também destaca o caráter dinâmico e volátil das culturas, característica
que lhe confere a capacidade de mudança e transformação.
A diversidade das culturas configura, deste modo, um fenômeno natural re-
lacionado às questões de cunho histórico, geográfico e sociológico dispostas nas
sociedades. Diferentes formas de organização da cultura não podem, portanto,
serem interpretadas enquanto mero estágio de um projeto de cultura universa-
lista; ao contrário, devem ser analisadas a partir da premissa de que as sociedades
humanas, à exceção de raros casos como os dos povos indígenas isolados, estão
em constante contato uma com as outras, estabelecendo relações, intercâmbios
e contrastes que impactam e moldam a estrutura social.


Um aspecto igualmente importante da vida da humanidade: a saber,
que esta não se desenvolve sob o regime de uma monotonia uni-
forme, mas através de modos extraordinariamente diversificados
de sociedades e civilizações; esta diversidade intelectual, estética e
sociológica não está unida por nenhuma relação de causa e efeito à
que existe, no plano biológico, entre certos aspectos observáveis dos
agrupamentos humanos: ela lhe é apenas paralela em outro terreno
(LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 329).

Também é necessário enfatizar as influências e os impactos da História na cons-


tituição das culturas. A herança cultural de um povo é moldada pelos processos
históricos aos quais aquela população foi submetida. Se considerarmos o evento
da colonização e os diversos fenômenos resultantes deste, como a civilização,
catequização e aculturação dos povos indígenas, verificaremos que o curso da
História opera não somente na elaboração das formas culturais, mas, principal-
mente, nas suas transformações, produzindo mudanças consideráveis nos modos
de sociabilidade, identificação e organização dos grupos humanos.
Por esta perspectiva, devemos entender as diferenças e a diversidade cultural
enquanto características inerentes da humanidade e de seus processos históricos,
e não como hierarquias sociais cujo objetivo é classificar de modo autoritário
os povos e suas sociedades. Os estudos culturais nos mostram, com efeito, que

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UNICESUMAR

a História não é única e não acontece de maneira uniforme a todos os grupos,


apresentando eventos e fenômenos específicos, os quais devem ser respeitados
e levados em consideração para compreendermos os padrões culturais dos dis-
tintos povos, etnias e raças presentes no mundo.
Enquanto futuro profissional da História, você, provavelmente, deparará-se
com leituras e análises etnocêntricas e evolucionistas sobre as culturas indígenas.
A historiografia hegemônica tende a reduzir as organizações sociais autócto-
nes como uma forma subdesenvolvida da cultura ocidental, esta visão, além de
preconceituosa, carece de fundamentos científicos e se baseia, unicamente, em
um pensamento retrógrado que persiste não apenas no imaginário social e no
senso comum, mas também nas interpretações intelectuais acerca da população
originária de nosso país.
Desconstruir este tipo de pensamento demanda uma percepção histórica
mais inclusiva e que dialogue com outras formas de produção do conhecimento
científico, as quais devem abarcar as perspectivas e os conhecimentos indígenas
tanto como objeto de estudo quanto como base epistemológica.

Entender a História Indígena perpassa, assim, a compreensão sobre as


suas culturas, identidades e visões de mundo, pois é a partir das tradições,
produções artísticas, saberes convencionais e costumes que conseguimos
apreender vestígios da história dos povos e sociedades, conhecendo com
mais afinco suas formas de vida, hábitos, relação com a natureza e seus
recursos, nível de desenvolvimento tecnológico, entre outros dados impor-
tantes para os estudos realizados dentro das áreas das Ciências Humanas.

Esta discussão sobre o conceito de cultura é fundamental para evitarmos noções


equivocadas e/ou etnocêntricas acerca dos valores e convenções sociais pratica-
das por povos com culturas distintas à nossa. Além disso, esta reflexão também
se torna importante para desmistificar a visão reducionista que compreende as
populações nativas brasileiras de modo homogêneo e uniforme.
A partir do momento em que entendemos, ainda que minimamente, o grau de
complexidade com o qual as culturas indígenas se organizam em nossa sociedade,
conseguimos questionar as narrativas históricas racistas que concebem a forma
de vida social originária enquanto um modelo primitivo, pouco desenvolvido e
atrasado em relação à civilização.

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UNIDADE 3

EXPLORANDO IDEIAS

O conceito de relativismo cultural propõe o rompimento com as ideias universalistas


e etnocêntricas de cultura. Rejeitando a comparação entre culturas distintas, o relativis-
mo compreende a diversidade cultural enquanto fenômeno positivo e busca analisar
cada povo a partir dos seus próprios parâmetros de cultura. O conceito coloca-se na
contramão do etnocentrismo, evitando o juízo de valores e a estigmatização de práticas
e costumes alheios. No âmbito científico, o termo foi criado como resposta às doutrinas
antropológicas que pregavam o evolucionismo social e a hierarquia de culturas. Sob a
perspectiva relativista, não há povos e sociedades inferiores e superiores, apenas di-
ferentes. A diferença é vista como uma característica imanente da humanidade, e não
como indício de subdesenvolvimento e atraso social. Este conceito lhe auxiliará a enten-
der as culturas das populações indígenas do Brasil com base em seus próprios sistemas
simbólicos, os quais podem ser verificados em suas artes, línguas, culinária e diversos
aspectos das sociedades originárias.

Querido(a) acadêmico(a), até aqui você já deve ter compreendido os conceitos


de cultura e etnia, assim como também deve ter assimilado a relevância da di-
versidade cultural para a constituição das sociedades humanas. A partir de agora,
trataremos, mais detalhadamente, da composição étnico-cultural das populações
indígenas de nosso país, analisando algumas características basilares, como a
língua, bem como suas expressões culturais nos dias de hoje.
Apesar de terem sido profundamente marcadas pelos processos de coloniza-
ção e civilização, as etnias indígenas constituíam-se como diversas e heterogêneas
antes mesmo da invasão dos europeus nas Américas. O grande volume de povos
presentes no Brasil durante o período pré-colonial e a significativa extensão do
território foram fatores que contribuíram intensamente para a formação e a pro-
pagação de culturas divergentes, as quais apresentavam suas próprias dinâmicas
e suas organizações sociais, parentais, políticas, econômicas etc.
Aproximadamente, 3,5 milhões de pessoas indígenas ocupavam o território
brasileiro pré-colonial antes da chegada dos portugueses no século XVI. Fausto
(2010), os habitantes originários de nosso país organizavam-se em sistemas
sociais complexos e mantinham relações comerciais com povos diversos, lo-
calizados, inclusive, em regiões distantes. Fausto afirma que o nível de arti-
culação entre populações e aldeias indígenas distintas era maior no período
antecedente à invasão europeia do que agora. Com efeito, os longos processos

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UNICESUMAR

de catequização e a conversão dos povos nativos, bem como o extermínio cul-


tural e a desapropriação de terras, foram determinantes para a desarticulação
das relações interétnicas pré-coloniais.


Os sistemas sociais indígenas existentes às vésperas da conquista
não estavam isolados, mas articulados local e regionalmente. Ao que
tudo indica, vastas redes comerciais uniam áreas e povos distantes.
Movimentos em uma parte produziam efeitos em outra, por vezes
a quilômetros de distância. O comércio, a guerra e as migrações
articulavam as populações indígenas do passado de um modo mais
intenso do que observamos hoje (FAUSTO, 2010, p. 9-10).

A população nativa foi classificada, segundo a perspectiva dos próprios coloniza-


dores, em quatro grandes troncos linguísticos-culturais: Tupi, Jê, Aruak e Caraíba.
Estes termos, ou etnônimos, configuram-se enquanto categorias amplas e genéri-
cas, produzidas com base nas similaridades entre os padrões culturais, compor-
tamentais e, principalmente, linguísticos dos povos originários. Cabe destacar
que tais categorias foram produzidas e atribuídas, conforme o entendimento e a
concepção europeia sobre a população autóctone do Brasil, não sendo, portanto,
termos autodesignados, isto é, criados e empregados pelos próprios indígenas.
Cada uma dessas classificações apresenta subdivisões formadas por inúme-
ras famílias, estas últimas, por sua vez, também são divididas em subcategorias,
abrangendo diversos povos e línguas sob uma mesma denominação. Para termos
uma noção introdutória da complexidade étnico-cultural e linguística da popu-
lação indígena brasileira, analisaremos o exemplo do tronco Tupi.

De acordo com estudos linguísticos e antropológicos realizados no campo


da etnologia indígena, o tronco Tupi, formado pelos povos originários fa-
lantes da língua tupi antiga ou tupinambá, é classificado em dez famílias
distintas: Tupi-Guarani; Arikem; Mawé; Juruna; Aweti; Munduruku; Tupari;
Ramarama; Mondé e Puruborá. Cada família linguística apresenta inúme-
ras línguas e inúmeros dialetos, como no caso da família Tupi-Guarani, que
abrange mais de vinte línguas, além dos dialetos que surgem conforme as
interações interétnicas e interculturais dos povos originários.

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UNIDADE 3

Entre as línguas pertencentes à família linguística tupi-guarani estão: Akwá-


wa, Amanayé, Anambé, Apiaká, Kaapor, Guarani (que abrange os dialetos
Kaiowá, Mbyá e Nhandeva), Xetá, Kayabi, Wayampi, Guajá, entre outros. De
modo genérico, podemos afirmar que cada uma dessas línguas representa
um povo indígena. Logo, as línguas são imprescindíveis para compreen-
dermos a extensão das etnias originárias no Brasil.

Além da filiação linguística, os hábitos culturais e a localização geográfica tam-


bém foram levados em consideração para a classificação e a distinção da popu-
lação nativa, bem como para a criação dos troncos e das famílias linguísticas. Os
Tupi-Guarani, por exemplo, são distinguidos pelo uso de arco e flecha, cultivo de
mandioca, pela prática de guerra e utilização da rede para descanso (vide Figura
1). Também são reconhecidos pela sua ocupação massiva em torno da região
litorânea brasileira, sobretudo, durante o período da conquista (LARAIA, 1986).

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UNICESUMAR

Figura 1: Indígenas da etnia Tupi-Guarani na 1ª Conferência Nacional dos Povos Indígenas (2006)
Fonte: Wikimedia Commons

Descrição da Imagem: a figura apresenta uma fotografia com sete pessoas indígenas dispostas em redes
enfileiradas, durante a 1ª Conferência Nacional dos Povos Indígenas, ocorrida em abril de 2006, na cidade
de Brasília. Em primeiro plano, no canto esquerdo da fotografia, é possível verificar um homem adulto
indígena sentado em uma rede de cor azul. O homem está de perfil, sendo possível ver somente a lateral
de seu rosto, o qual contém um bigode com pelos escuros. Ele está sem camisa, utiliza um apetrecho de
cor branca em seu pescoço, similar a um colar. A parte superior de seu cabelo, próximo à testa, está pig-
mentada com a cor vermelha, o que contrasta com o restante dos fios de cor preta. Seu rosto apresenta
um desenho étnico, também na cor vermelha, localizado na região das bochechas e, em sua orelha, há um
tipo de alargador em formato cilíndrico. O homem carrega uma mochila amarela em suas costas e tem
uma expressão facial séria. À frente do primeiro homem e mais ao centro da imagem, há outra pessoa
indígena adulta do sexo masculino sentada em uma rede com estampa xadrez, nas cores azul, vermelho
e verde. O segundo homem tem o rosto posicionado em frontal, o que permite a total visualização de sua
face, ele apresenta uma aparência mais velha, contendo uma barbicha com pelos brancos. Ele também
está sem camisa, usa um alargador em formato cilíndrico nas duas orelhas e porta em seu pescoço um
apetrecho branco semelhante ao descrito anteriormente, além do apetrecho, há um cordão de cor preta
que se estende até sua barriga sobre a qual é possível ver parte de um crachá na cor amarela, anexado
ao cordão. O cabelo também tem pigmentação vermelha na parte superior, e o homem esboça um sor-
riso. Ao lado do segundo homem há uma rede com estampa listrada nas cores azul, verde e vermelho,
a rede encontra-se vazia. Após esta rede, há outra com estampa idêntica, sobre a qual está deitada uma
pessoa indígena de aparência jovem, vestindo uma camiseta de cor azul, seu rosto é tampado pelo braço
do segundo homem indígena. No segundo plano da imagem, há uma mulher adulta indígena deitada em
uma rede com estampa xadrez nas cores azul claro, amarelo e azul escuro. A mulher veste uma regata de
cor rosa e está posicionada de costas para a câmera, não sendo possível visualizar sua face. Ela conversa
com um homem adulto indígena que está deitado em outra rede localizada à sua frente, a rede também
tem estampa xadrez, porém nas cores azul, branca, vermelha e amarela. O terceiro homem, por sua vez,
veste uma camisa branca e se encontra deitado de lado com a cabeça sob seu braço. Por fim, ao fundo
da imagem, no canto direito da fotografia, encontra-se um quarto homem indígena, deitado em uma rede
e usando um boné de cor azul, ele aparenta estar falando ao aparelho celular.

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UNIDADE 3

A diversidade étnico-cultural dos povos nativos brasileiros pode ser observada,


portanto, na classificação das línguas indígenas, as quais apresentam muitas divi-
sões e subdivisões, conforme as diferenças culturais e geográficas das populações
falantes e suas ramificações. Semelhante ao tronco Tupi, o tronco cultural-linguís-
tico Macro Jê divide-se em, ao menos, cinco famílias: Jê; Bororo; Karajá; Botocudo
e Maxakali. Cada uma destas famílias apresenta, ao menos, uma língua distinta.
Para termos uma ideia, somente a família Jê dispõe de, no mínimo, seis
línguas. Existem, ainda, aquelas famílias que apresentam grande variedade de
línguas, porém não são consideradas como troncos linguístico-culturais. Entre
elas, destacam-se: os Karib; os Tukano; os Pano; os Xiriana; os Txapakura etc.
(RIBEIRO, 2009). Não podemos esquecer também dos dialetos indígenas que,
a despeito de não configurarem línguas propriamente ditas, estão presentes no
cenário linguístico-cultural brasileiro.
De acordo com a autora Barbosa (2004), antes da colonização, existiam 1.200
línguas faladas pelos indígenas no território brasileiro. Atualmente, o número é muito
menor, totalizando 180 línguas originárias faladas no Brasil. Com a dizimação cultural
e o extermínio físico dos povos nativos, muitas línguas foram extintas, além disso,
cabe destacar que a colonização portuguesa teve por característica a desarticulação
da diversidade linguística das populações autóctones americanas e africanas, tendo
atuado, severamente, sobre as culturas originárias dos países colonizados, impondo o
modo de vida e a sociabilidade ocidentais. Não à toa, nos dias de hoje, há uma gama
considerável de países lusófonos, isto é, países que têm o português como a língua
oficial, a exemplo do Brasil, Angola, Cabo Verde e Guiné Equatorial.
Dos entroncamentos linguísticos entre o português e o tupi antigo, surgiu um
tipo de comunicação oral específica em nosso país: o nheengatu (tradução em
tupi: língua boa), também denominada como língua geral amazônica, consi-
derada como a língua dominante nas regiões da Amazônia até o início do século
XX, quando começou a perder forças para o português. A saber, o nheengatu foi
utilizado como instrumento de integração e dominação dos habitantes nativos
durante a empreitada colonial, facilitando a comunicação dos portugueses com
os indígenas e demais povos num contexto de intensa heterogeneidade cultural,
como bem expõe os autores Navarro, Ávila e Trevisan (2017, p. 11):


Falada nos aldeamentos e nas tropas de resgate, nas vilas e fazendas,
por índios missionados, por brancos e negros, tal língua foi avan-

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UNICESUMAR

çando e adentrando os grandes afluentes do Rio das Amazonas, até


ser falada fora dos domínios do rei de Portugal, em territórios que,
pelos tratados de limites do século XVIII, situavam-se no império
espanhol. Assim, apesar da fraca densidade demográfica da região,
a língua geral amazônica logrou uma expansão territorial compa-
rável à de línguas faladas por milhões de pessoas no mundo, como
o mandarim, o russo e o árabe.

Ao longo do século XIX, diversos acontecimentos contribuíram para o declínio


do nheengatu como língua franca das regiões amazônicas, implicando hegemonia
do português naquelas localidades. A repressão imperial em relação à revolta po-
pular protagonizada pelos cabanos, entre 1831 e 1840, a chamada Cabanagem, foi
um dos eventos que impactaram, drasticamente, a predominância da língua geral
amazônica, tendo em vista que muitos falantes da língua foram mortos durante as
perseguições da Marinha de Guerra aos cabanos, grupo formado, majoritariamente,
por indígenas, negros autoalforriados e mestiços. O uso do nheengatu foi, inclusive,
utilizado como critério para o extermínio dos revoltosos, assim, os praticantes da
língua geral foram condenados à morte pela atuação das tropas imperiais.
A Guerra do Paraguai, ocorrida entre os anos de 1864 e 1870, também con-
tribuiu para o enfraquecimento do uso do nheengatu na Província Amazônica. A
política estatal de recrutamento para os combates no território paraguaio se deu
de modo violento e arbitrário, baseado, também, numa lógica racista, pela qual
muitos indígenas e negros foram obrigados a cumprirem o serviço militar, o que
resultou na morte de grande parte dos falantes da língua amazônica. De acordo
com Navarro, Ávila e Trevisan (2017), a instauração de estabelecimentos de en-
sino primário nas regiões amazônicas também foi determinante para a obsoles-
cência do nheengatu, pois as escolas excluíram de seus currículos o uso da língua
geral, obrigando a população nativa a se comunicar somente em português.

No contexto contemporâneo, contudo, o nheengatu transformou-se num


instrumento de resistência indígena: povos que tiveram sua língua nati-
va extinta o utilizam como forma de preservação da cultura e identida-
de coletiva das populações originárias. A despeito dos esforços imperiais
em extinguir a língua, atualmente, cerca de 20 mil pessoas ainda falam
o nheengatu nas localidades do Rio Negro, no estado do Amazonas. A

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UNIDADE 3

Universidade de São Paulo (USP) oferece, desde 2011, um curso online e


gratuito de alfabetização na língua amazônica e no tupi antigo.

Ainda hoje, existem diversas línguas indígenas


com risco de extinção. Segundo Barbosa (2004),
80% das línguas indígenas brasileiras são fala-
das por menos de mil pessoas, condição que as
colocam em ameaça de extinção. Há, também,
as línguas isoladas, as quais são compartilha-
das por diversas famílias de um mesmo tronco
linguístico-cultural. O tikuna é considerado,
atualmente, a língua indígena mais falada no
Brasil, com cerca de 30 mil falantes distribuídos
principalmente na área da Amazônia brasileira,
local onde vive o povo Ticuna (ver Figura 2), a
etnia indígena mais numerosa do Brasil, com
mais de 50 mil habitantes.

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UNICESUMAR

Figura 2 - Integrantes do povo Ticuna em 1865 / Fonte: Wikimedia Commons (2008, on-line).

Descrição da Imagem: a Figura 2 é composta por uma fotografia antiga, em preto e branco, com quatro
pessoas indígenas da etnia Ticuna. À frente da imagem, no canto inferior esquerdo, há uma mulher
indígena adulta sentada no chão, com o peito desnudo, utilizando colares em seu pescoço. A mulher
tem cabelo escuro com comprimento até a altura da orelha, está com a expressão facial séria, seu braço
esquerdo repousa sobre sua perna esquerda que está dobrada, o braço direito, em seu torno, cobre a
sua barriga, e a perna direita encontra-se esticada. À sua direita, há outra mulher indígena adulta com
o peito nu, seu cabelo é escuro e se alonga até os ombros, seu rosto expressa uma feição séria. Ela está
sentada em uma rede, utiliza diversos colares no pescoço e repousa suas mãos sobre os joelhos. No seu
lado direito, sentada no chão à frente da rede, há uma pessoa indígena com o peito desnudo, vestindo
shorts de comprimento até a coxa superior. A pessoa encontra-se de lateral, sendo possível ver apenas
o perfil de seu rosto, ela utiliza vários colares no pescoço e um bracelete abaixo de seu ombro direito,
seu cabelo é escuro e segue até acima dos ombros. No canto direito da fotografia, posicionado de pé e
apoiado em um tronco de esteio, há um homem indígena adulto que veste apenas uma tanga, tendo seu
peito à mostra, ele utiliza adereços abaixo de seus joelhos e de seus ombros, em seu pescoço há um colar,
há também um adereço em seu tronco, na posição transversal. Seu rosto encontra-se virado para o lado
esquerdo, e sua expressão facial é séria. Todos(as) eles(as) estão no interior de um ambiente coberto,
estruturado por esteios de madeira, dispostos pelo chão há um vaso e outros objetos.

95
UNIDADE 3

Querido(a) aluno(a), você quer conhecer mais sobre o uni-


verso das línguas indígenas? Então, dê play no Podcast que
produzimos inteiramente sobre este assunto. Nele, apre-
sentaremos algumas características do nheengatu e do
guarani, língua pertencente à família linguística tupi-gua-
rani. Além disso, discutiremos as influências das línguas
originárias em nosso idioma oficial, demonstrando que a
diversidade étnico-cultural dos povos nativos do Brasil foi
fundamental para a constituição da nossa sociedade. Este
é um convite para você conhecer um pouco mais sobre
nossas origens culturais e linguísticas. Aproveite!

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Nheengatu: a língua da Amazônia


Ano: 2021
Sinopse: ao longo de uma viagem no alto Rio Negro, na Amazônia
profunda, o diretor busca uma língua imposta aos índios pelos anti-
gos colonizadores. Por meio desta língua misturada, o Nheengatu, e
dividindo a filmagem com a população local, o filme se constrói no encontro
de dois mundos.
Comentário: trazendo o nheengatu como pano de fundo, a produção au-
diovisual aborda o choque cultural entre os mundos indígena e branco,
apresentando, também, a perspectiva das populações nativas, por meio de
entrevistas. Nheengatu: a língua da Amazônia é uma obra cinematográfica,
que dialoga, diretamente, com os conteúdos apresentados nesta unidade
e auxiliará você, estudante, a compreender a questão indígena no Brasil. O
filme pode ser alugado ou comprado na plataforma Youtube.

Importante destacar, estudante, que todas estas classificações e denominações


partem de uma perspectiva ocidental, tendo sido realizadas durante o período
colonial e a partir de informações superficiais e conhecimentos irrisórios sobre
os habitantes originários do Brasil. Logo, não se trata de divisões e categorias
precisas, mas sim genéricas e, via de regra, arbitrárias, formuladas com base nos
dados coletados pelos viajantes europeus acerca das dinâmicas sociais e do estilo
de vida indígenas.
Hoje em dia, há termos etnológicos autodenominados, isto é, etnônimos pro-
duzidos e atribuídos pelas próprias populações indígenas, de acordo com sua lín-
gua, sua cultura e seus costumes. A autodeterminação, também intitulada como

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UNICESUMAR

livre determinação, é um direito legítimo dos indivíduos e povos autóctones e está


fundamentado no princípio constitucional de igualdade. Além disso, configura-se
como uma importante ferramenta para a construção de novas narrativas acerca
da história dos povos nativos brasileiros com base em suas próprias perspectivas
culturais, e não mais pelo olhar ocidental da população branca e não-originária
As classificações com base somente na língua são insuficientes para darem
conta de toda a diversidade étnico-cultural presente nos sistemas sociais indí-
genas. Como vimos ao longo da unidade, existem línguas isoladas transmitidas
dentro de famílias específicas, assim como há famílias com diversas línguas que
não adentram as categorias dos troncos linguístico-culturais. Não podemos dei-
xar de mencionar os casos de línguas nativas que, atualmente, são faladas por
pequenos grupos de pessoas, ou até mesmo somente por um representante da
etnia, a exemplo da língua xipaya que, no ano de 2004, era falada somente um
por uma mulher xipaya.
Todas estas limitações acerca do uso da língua como sistema classificatório
dos povos indígenas abriram brechas para que novas formas de classificação
étnica surgissem, tomando como base as diferenças culturais das comunidades
originárias. Neste caso, a noção de cultura abarca também os aspectos ecológicos
e geográficos, implicando um tipo de categorização que considera o comparti-
lhamento de traços socioculturais, costumes e da relação e da interação com o
meio ambiente (CORRAINI, 2017).

PENSANDO JUNTOS

Acadêmico(a), uma das formas de distinção e identificação das etnias indígenas é o gra-
fismo. Presente nas pinturas corporais, nos artesanatos, na arquitetura e nos demais
componentes das sociedades originárias, o grafismo indígena pode ser considerado um
complexo sistema de significação e classificação que, além de seus propósitos estéticos,
cumpre a importante função de representar a identidade étnico-cultural dos povos origi-
nários, indicando posições, títulos e status.

A pesquisadora Corraini (2017) enfatiza a importância das cosmologias indí-


genas para as classificações destas populações. As cosmologias, isto é, o conjunto
de conhecimentos, mitos e teorias sobre a criação e o surgimento do universo,
desempenham importantes funções na dinâmica social originária, estruturando

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UNIDADE 3

seus sistemas sociais e fundamentando suas relações com o meio ambiente, os


astros, a espiritualidade, os seres divinos, o feminino e o masculino, entre outros
aspectos determinantes para a organização social.
Para melhor entendermos a importância da cosmologia dentro das socie-
dades indígenas, abordaremos, brevemente, a perspectiva cosmológica do povo
Kaingang, integrante do tronco linguístico-cultural Jê. A sociedade Kaingang é
organizada segundo uma cosmologia dualista, fundamentada na existência de
duas metades patrilineares e assimétricas, denominadas Kamé e Kairu, as quais
são representadas, mitologicamente, pelos irmãos gêmeos de mesmo nome que
orientam não apenas a vida social, mas também a natureza, os objetos e todos os
seres e fenômenos existentes na realidade deste povo (SILVA, 2002).
Segundo a cosmologia e mitologia Kaingang, os gêmeos ancestrais Kamé e
Kairu são a origem de todas as coisas: desde os seres da natureza até as normas e
as condutas seguidas pelos seres humanos integrados à sociabilidade deste povo.
De acordo com o mito Kaingang sobre a origem do mundo, Kamé associa-se à
lua e à noite e está vinculado a elementos, como: o feminino, a umidade, a fra-
gilidade, a agilidade, as pinturas corporais redondas, as partes baixas etc. Kairu,
por sua vez, representa o sol e o dia, associando-se às seguintes características: o
masculino, a força, a vagarosidade, as partes altas, as pinturas corporais em faixas,
o poder etc. O trecho a seguir, escrito pelo etnólogo alemão Nimuendajú (1913,
p. 59) descreve a dualidade dos irmãos mitológicos Kaingang:


Dizem que Kañerú e a sua gente toda eram de corpo fino, peludo,
pés pequenos, ligeiros tanto nos seus movimentos como nas suas re-
soluções, cheios de iniciativa, mas de pouca persistência. Kamé e os
seus companheiros, ao contrário, eram de corpo grosso, pés grandes,
e vagarosos nos seus movimentos e resoluções. Como foram estes
dois irmãos que fizeram todas as plantas e animais, e que povoaram
a terra com os seus descendentes, não há nada neste mundo fora
da terra, dos céus, da água e do fogo, que não pertença ou ao clã de
Kañerú ou ao de Kamé. Todos ainda manifestam a sua descendência
ou pelo seu temperamento ou pelos traços físicos ou pela pinta. O
que pertence ao clã Kañerú é malhado, o que pertence ao clã Kamé
é riscado. O Kaingang reconhece estas pintas tanto no couro dos
animais como nas penas dos passarinhos, como também na casca,
nas folhas, ou na madeira das plantas.

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UNICESUMAR

Nota-se que existe uma oposição entre ambos, porém este caráter opositivo não
deve ser confundido como uma característica de exclusão, como, via de regra,
interpretamos as relações binárias na cultura ocidental, mas sim deve ser en-
tendido pela perspectiva da complementaridade. Nesse sentido, todos os seres
da natureza carregam consigo, conforme o pensamento cosmológico Kaingang,
elementos pertencentes a cada uma das metades formadoras de sua cultura, so-
ciedade e natureza.
Como é possível perceber, a cosmologia dualista do povo Kaingang não trata
apenas de uma teoria abstrata sobre os cosmos, os astros e a origem do universo e
de todas as coisas, ela revela, na realidade, um modo complexo de organização so-
cial que incide sobre todos os aspectos da sociedade, inclusive, nas relações de pa-
rentesco, uma vez que a tradição Kaingang estipula que os casamentos devem ser
realizados entre pessoas pertencentes a metades distintas. Assim, um indivíduo
da metade Kamé deve unir-se a outro indivíduo da metade Kairu. Caso a união
matrimonial resulte em filhos, estes deverão pertencer à metade do pai, por isso,
este sistema dualista sociocosmológico constitui-se, também, como patrilinear.

99
UNIDADE 3

Outros povos indígenas também apresentam uma visão de mundo baseada


no dualismo. Os Amondawa, da família Tupi-Guarani, localizados no estado
de Rondônia, têm sua organização social baseada num sistema de metades de-
nominadas Mutum-Nygwera e Arara. Assim como os Kaingang, os Amondawa
têm como tradição a patrilinearidade e o casamento entre metades distintas, o
sistema dualista é que define os nomes dos indivíduos, estabelecendo, também,
as atividades do dia a dia e as relações políticas.
Já para a etnia Yudjá, localizada no Parque Xingu, em Mato Grosso, o sistema
cosmológico é organizado em três oposições fundamentais. A primeira delas é
a oposição entre a vida e a morte, a qual fundamenta-se numa perspectiva com-
plementar sobre ambas. Ao contrário de nós, ocidentais, os Yudjá compreendem
a relação entre vida e morte de maneira mais inclusiva, assim, a presença de uma
não exclui a possibilidade da outra. A segunda oposição diz respeito à relação
entre o Rio e a Floresta, esta dicotomia não se limita ao meio ambiente e pode ser
atribuída, também, aos seres humanos, aos espíritos, aos animais e demais seres
animados e inanimados. Por fim, há a terceira oposição representada pela dis-
cordância entre a perspectiva dos seres humanos vivos e as perspectivas alheias,
como a dos animais e dos mortos (LIMA, 2001).

PENSANDO JUNTOS

Você sabia que o povo Kaingang é a etnia de maior expressão demográfica no estado do
Paraná? Atualmente, o estado conta com 23 territórios indígenas, treze são ocupados pelos
Kaingang, ou seja, 56% das terras demarcadas do Paraná. Além disso, eles representam mais
de 68% do número total de indígenas presentes no estado. Em dados absolutos, isso corres-
ponde a 9.120 pessoas dos 13.300 indivíduos autodeclarados indígenas nesta região do país.
Fonte: IBGE (2012).

Não é possível refletir sobre a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas


do Brasil sem abordarmos, ainda que brevemente, seus sistemas de crenças, suas
religiosidades e seus rituais. Com vistas a lhe proporcionar um conhecimento
introdutório sobre o assunto, passaremos, agora, a discutir o xamanismo, ou pa-
jelança, e outros sistemas religiosos relacionados à população nativa.
Assim como outros termos citados ao longo da presente unidade, o xamanis-
mo constitui-se como um conceito genérico utilizado para designar as manifes-

100
UNICESUMAR

tações ritualísticas e práticas religiosas de populações autóctones do continente


americano e asiático. Etimologicamente, a palavra provém de “xamã”, denomi-
nação atribuída às pessoas que ocupam a posição de liderança entre os povos
indígenas, dispondo de amplo conhecimento sobre a medicina tradicional, as
ervas e suas características, os costumes de seu povo, estabelecendo, em razão
disso, relações entre o plano terrestre e o espiritual. O termo xamã encontra
correspondência na palavra pajé, a qual se origina da língua tupi-guarani, por
isso, o conceito de xamanismo também pode ser compreendido como análogo
à pajelança, sobretudo, no contexto das populações ameríndias.

O xamanismo deve ser compreendido mais como uma forma de conexão


entre o mundo terrestre e o mundo espiritual, mediada por ritos e cosmo-
logias, do que enquanto um sistema religioso formado por dogmas, sacer-
dotes e associado ao monoteísmo, como são as religiões cristãs. Assim,
a figura do xamã não se constitui como uma divindade, mas sim desem-
penha o ofício de mediação entre os humanos, a natureza e os espíritos
ancestrais. Função que, em algumas etnias, a exemplo do povo Parakanã,
pode ser realizada, inclusive, por pessoas comuns, isto é, indígenas que
não ocupam o cargo de xamãs (CESARINO, 2009).

No Brasil, o xamanismo influenciou e foi influenciado por outras religiões, devido


ao sincretismo e aos processos de civilização e integração dos povos originários
à cultura dominante, bem como à ampla presença africana em solo brasileiro, o
que contribuiu para o surgimento de um entrecruzamento religioso fundamen-
tado em três principais origens: a indígena, com o xamanismo e/ou a pajelança;
a africana; com o candomblé e a umbanda; e a europeia, com o catolicismo e a
feitiçaria. Com isso, os sistemas de crenças e rituais indígenas acabaram sendo
incorporados a outras religiões, sobretudo, àquelas de formatos mais populares.
De acordo com Cemin (1999), o tipo de xamanismo que mais se expandiu no
Brasil foi o xamanismo ayahuasqueiro, assim denominado por fazer o consumo
da substância psicoativa ayahuasca em seus rituais. O uso da ayahuasca como prá-
tica xamânica é uma tradição milenar de diversas populações nativas amazônicas,
as quais se encontram não apenas no Brasil, mas também no Peru, na Bolívia e na
Venezuela. Grosso modo, o consumo da substância em circunstâncias religiosas e
ritualísticas apresenta finalidades terapêuticas a níveis físicos, mentais e espirituais.

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UNIDADE 3

A expansão do xamanismo ayahuasqueiro teve início na déca-


da de 1930, com a criação da religião Santo Daime, pelo Mestre
Raimundo Irineu Serra, quando passou a ser popularizado entre
pessoas não-indígenas (OLIVEIRA, 2009). A doutrina religiosa do
Santo Daime combina fundamentos da pajelança, do catolicismo,
espiritismo e da umbanda, configurando-se, portanto, como uma
religião brasileira sincrética, sendo difícil sua conceitualização como
um sistema religioso independente. De todo modo, o que podemos
afirmar é que esta organização religiosa, assim como outras que
fazem o uso ritualístico da ayahuasca, a exemplo do Centro Espírita
União do Vegetal, criado em 1960, apresentam origens históricas,
culturais e espirituais nos sistemas religiosos e de crenças formula-
dos pelas populações nativas brasileiras.
Atualmente, a prática ayahuasqueira sofre uma nova expansão
com a destinação de seu consumo para tratamentos de drogadição
e sua reverberação dentro de movimentos neoxamânicos protago-
nizados por pessoas não-indígenas localizadas nos centros urbanos
(FERNANDES, 2018). Apesar de isso contribuir para a desmistifi-
cação em torno da substância e, também, para a quebra com pre-
conceitos e estigmas sociais acerca do uso ritualístico, é necessário
chamar a atenção para a ausência do reconhecimento das raízes e
dos fundamentos indígenas da ayahuasca, o que incide, diretamen-
te, no apagamento étnico-cultural dos povos originários e de seus
saberes e costumes tradicionais, fenômeno que reforça o racismo
anti-indígena no Brasil.
Além do Santo Daime, a jurema sagrada (vide Figura 3) cons-
titui-se como outra religião oriunda dos fundamentos e das práticas
indígenas. Sincretizada também aos cultos afros e ao catolicismo
popular, a Jurema é uma tradição religiosa do Nordeste brasileiro, e
seu nome provém de uma árvore homônima com propriedades psi-
coativas e originária das regiões da Caatinga. Combinando aspectos
da pajelança com a umbanda, a jurema sagrada cultua entidades e
atua, por meio do transe, pelo qual as entidades, também denomina-
das Mestres e Mestras, manifestam-se pela consciência e pelo corpo
dos médiuns adeptos da religião, chamados de juremeiros.

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UNICESUMAR

Figura 3 - Peji (Altar de Divindades) de Jurema / Fonte: Wikimedia Commons ( on-line).

Descrição da Imagem: a imagem fotográfica apresenta um altar de divindades da jurema sagrada, estru-
turado em três degraus. No primeiro e segundo degraus, de baixo para cima, encontram-se, seguindo a
ordem da direita para a esquerda, um buquê de rosas vermelhas e ramos verdes embrulhados num papel
plastificado branco com estampa em formato de coração e ornamentado com laços de fita vermelha. Na
sequência, encontram-se alguns copos e pratos transparentes, seguidos por um jarro branco com flores
igualmente brancas. No degrau mais elevado, é possível visualizar, no canto direito da fotografia, a ima-
gem do Mestre da Jurema Zé Pelintra, o qual é representado por uma escultura humanoide de cor preta,
vestida com uma calça vermelha e camisa branca, utilizando um laço vermelho na região dos ombros e
do pescoço e um chapéu também branco. Ao seu lado esquerdo, há uma vela branca sem fogo, seguida
por alguns vasos com flores brancas. No canto esquerdo da fotografia, há outra escultura humanoide
representando a entidade Cabocla Jurema, a escultura tem cor marrom escura, veste uma saia (tanga)
listrada nas cores azul, amarelo e vermelho, em sua cabeça há um cocar nas mesmas cores que sua saia,
um de seus braços encontra-se levantado. Ao fundo do altar, visualiza-se uma parede branca com dois
pequenos vasos de flores pendurados.

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UNIDADE 3

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Ex-pajé
Ano: 2018
Sinopse: um pajé passa a questionar sua fé depois de seu primeiro
contato com os brancos, que alegam que sua religião é demoníaca. A
missão evangelizadora comandada por um pastor intolerante é ques-
tionada quando a morte passa a rondar a aldeia, e a sensibilidade do índio
em relação aos espíritos da floresta se mostra indispensável.
Comentário: acadêmico(a), o filme sugerido é um documentário brasileiro
que aborda a experiência contemporânea dos povos indígenas, a partir da
perspectiva de um membro do povo Paiter Suruí, localizado nos estados de
Rondônia e Mato Grosso. A produção retrata a estigmatização do xamanismo
e como as violências contra as culturas indígenas reverberam nas identidades
culturais dos indivíduos pertencentes a este segmento da sociedade brasilei-
ra. Esta obra cinematográfica nos possibilita diversas reflexões importantes
sobre o processo de aculturação das populações nativas, o qual segue em
andamento atualmente. Ex-pajé está disponível na Netflix, aproveite.

Estudante, ao longo desta unidade, buscamos discutir sobre a diversidade étni-


co-cultural dos povos indígenas do Brasil. Para tanto, analisamos, brevemente,
os conceitos de etnia e cultura, assim como percorremos alguns estudos sobre as
línguas indígenas brasileiras, refletindo sobre suas funções de classificação das
etnias originárias. Além disso, também abordamos, brevemente, a cosmologia
de alguns povos e nos debruçamos, rapidamente, sobre algumas práticas e dou-
trinas religiosas originadas nos fundamentos e nos conhecimentos tradicionais
indígenas a fim de demonstrar o quão amplo e complexo são os sistemas sociais
desses povos e como estão organizados em nossa sociedade.
Com efeito, a temática central desta unidade não se limita aos assuntos aqui
abordados, uma vez que a História Indígena reflete em muitos outros aspectos
da cultura e da identidade brasileiras. Os conhecimentos e as análises aqui
apresentados devem ser considerados como uma porta de entrada para um
universo muito mais vasto e profundo, o qual, esperamos, será acessado por
você em ocasiões futuras.
Conhecer a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas do Brasil não é
apenas uma forma de abranger nossos saberes enquanto profissionais da História,
é, também, um direito que nos foi negado ao longo do tempo, devido à predomi-

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UNICESUMAR

nância de uma historiografia eurocêntrica, atravessada por visões deturpadas e


racistas sobre os donos desta terra. Enquanto cidadão brasileiro e futuro docente,
você tem o dever e o direito de conhecer a história de seu próprio país, para, então,
transmiti-la aos próximos. Esperamos, honestamente, que esta unidade seja um
recurso para conquista deste direito.
Querido(a) aluno(a), articulando o conteúdo e os conhecimentos construídos
na presente unidade com o seu ambiente profissional, isto é, a sala de aula, torna-se
possível refletir sobre variadas formas didático-pedagógicas de abordar a temática
da diversidade étnico-cultural indígena no contexto escolar. Enquanto profissional
da História, este tema lhe será, particularmente, proveitoso, tendo em vista que lhe
proporcionará acesso a uma parte pouco explorada da historiografia oficial brasileira.
Como você, certamente, verificou em seu exercício investigativo sobre a
representação indígena nos livros didáticos da disciplina de História, a imagem
repercutida sobre os povos nativos brasileiros nos currículos escolares, quando
não inexistente, é permeada por estereótipos, preconceitos e noções equivoca-
das sobre esta parte da nossa população. A reprodução deste tipo de imagem
em sala de aula, se não acompanhada de uma leitura crítica e questionadora,
somente propagará o racismo anti-indígena que, ainda nos dias de hoje, se de-
monstra presente na sociedade brasileira, afetando, drasticamente, a vida dos
indivíduos e de grupos indígenas.
Um dos meios de solução para este problema está na problematização des-
tes conteúdos e desta representação negativa dos povos originários nos livros
didáticos, a qual poderá ser feita junto aos seus futuros alunos, com a finalidade
de desmistificar a ideia do “índio selvagem”, repercutida durante séculos, no
sistema de ensino brasileiro.
Assim, em vez de tomar estas narrativas didáticas como obsoletas, utilize-as
no sentido inverso de sua produção, isto é, tome-as como referência daquilo que
não devemos reproduzir ou apreender enquanto representação dos povos indí-
genas. Aproveite os conhecimentos aqui apresentados para construir um olhar
crítico sobre a forma com que a diversidade étnico-cultural indígena é abordada
nos livros didáticos e nas escolas de modo geral. Além disso, o cenário acadêmico
e científico atual fornece uma ampla gama de produções sobre as culturas indí-
genas feitas desde a perspectiva dos próprios povos originários que buscam, a
partir da realização de pesquisas em áreas diversas da ciência, retratar sua própria
realidade sem a intervenção do olhar dos povos não-indígenas.

105
UNIDADE 3

Novas narrativas historiográficas e culturais sobre os povos nativos vêm sur-


gindo, conforme esta população tem adentrado os espaços de poder, como a
universidade e a política institucional. Atentar-se a estes movimentos é impres-
cindível para a construção de uma educação de qualidade. Lembre-se de que a
História é uma Ciência Humana e, em razão disso, está em constante mudança,
sendo recorrentemente afetada por novos eventos e atores sociais. Compreender
esta característica da área em que você escolheu se profissionalizar significa, de
certa forma, aceitar os processos da humanidade e suas vicissitudes.

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Prezado(a) estudante, utilize os conteúdos abordados no decorrer da presente uni-
dade para responder às questões a seguir.

1. Tratamos, afinal, de uma certa organização ou configuração de mundo que não pos-
sui um dogma estabelecido, um conjunto de doutrinas ou alguma escritura sagrada,
uma liturgia fixa, um corpo de sacerdotes organizado em torno do Estado e, mais
importante, uma fé em alguma divindade única. Difícil, portanto, definir o xamanismo
como uma crença. Tais ausências são especialmente válidas para os povos indígenas
das terras baixas da América do Sul, ou seja, para aqueles que não viveram sob o
domínio de organizações estatais, tais como o império Inca. A mediação exercida
pelos xamãs amazônicos tem mais a ver com uma certa diplomacia, uma forma de
traduzir e de conectar os humanos viventes à multidão de espíritos, de almas de
mortos e de animais que constituem as cosmologias indígenas.

Fonte: CESARINO, P. N. Xamanismo. Povos Indígenas do Brasil, 2009. Disponível em:


https://pib.socioambiental.org/pt/Xamanismo. Acesso em: 27 dez. 2022.

Com base no texto, avalie as afirmativas a seguir:

I - Uma das funções exercidas pela figura do xamã é representada pelo estabeleci-
mento da comunicação entre os planos terrestre e espiritual, por meio de rituais.
II - A figura do xamã é análoga à de uma divindade, tendo em vista as funções que
ele desempenha para a conexão espiritual entre os homens e os deuses.
III - O xamanismo diferencia-se das religiões cristãs por não apresentar elementos
basilares do cristianismo, como o dogma, a doutrina e a relação com o Estado.
IV - A ausência de um conjunto de doutrinas e preceitos faz do xamanismo um sis-
tema de crenças primitivo e limitado às sociedades sem organização estatal.
V - O xamanismo pode ser classificado como um sistema animista, pois compreende
a espiritualidade como atributo exclusivo dos seres humanos.
É correto o que se afirma em:

a) II, apenas.
b) I, III e IV.
c) I e II.
d) V, apenas.
e) I e III.

107
2. Deve-se acrescentar que, recorrentemente, alguns indígenas, como parte de uma
estratégia de afirmação de sua identidade e de sobrevivência étnica, estão reivin-
dicando como sua língua materna o Nheengatú, mesmo em situações nas quais,
historicamente, essa reivindicação não corresponda à filiação linguística original dos
grupos em questão, caso em que os Barés (família Aruak) se enquadram.

Fonte: BORGES, L. C. O Nheengatú na construção de uma identidade amazô-


nica. Série Antropológicas, v. 10, n. 2, 1994, p. 131-132. Acesso em: 27 dez. 2022.

Considerando o texto e as análises realizadas na unidade acerca da questão das


línguas indígenas, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas:

I - A língua indígena nheengatu tem sido utilizada como forma de resistência indí-
gena, visando à preservação da identidade étnico-cultural desta população em
face ao desmantelamento de suas línguas maternas.
PORQUE

II - As diferenças culturais entre os diversos povos indígenas existentes no Brasil


criam empecilhos para o estabelecimento de relações interétnicas, resultando
na desmobilização de suas comunidades e aldeias.
A respeito destas asserções, assinale a opção correta.

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é justificativa correta da I.


b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é justificativa correta da I.
c) A asserção I é proposição verdadeira, e a II é proposição falsa.
d) A asserção I é proposição falsa, e a II é proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.

3. Durante muitos anos, a identidade étnico-cultural indígena esteve submetida à pers-


pectiva colonizadora, sendo apresentada para o mundo sob o lócus da cultura ociden-
tal. Esta forma de dominação colonial reverberou em diversos aspectos das sociedades
indígenas: no apagamento de suas culturas, seus saberes e seus costumes tradicionais,
na estigmatização de suas identidades e, até mesmo, na denominação arbitrária e
impositiva de suas etnias, suas línguas e seus sistemas religiosos e espirituais. Con-
siderando os conhecimentos apresentados na unidade sobre esta temática, faça um
breve texto dissertativo de, no máximo, quinze linhas, discutindo a importância da livre
determinação para o resgate e a preservação das identidades e das culturas indígenas
brasileiras. Fundamente seus argumentos com, pelo menos, duas referências biblio-
gráficas relacionadas ao tema. A escolha dos textos a serem utilizados é livre.

108
4
Política Indígena
e Indigenista na
contemporaneidade:
resistências e
permanências
Me. Eloá Lamin da Gama

Nesta unidade, vamos, juntos, aprender sobre as políticas indígenas


e indigenistas na História Contemporânea do Brasil a fim de com-
preender as rupturas e as permanências do tratamento e da relação
do Estado brasileiro com a população originária. Primeiramente, dis-
cutirei sobre as diferenças conceituais entre política indígena e indi-
genista. Posteriormente, farei um resgate das políticas indigenistas
ao longo do século XX, em especial, a partir da criação da Fundação
Nacional do Índio (Funai), em 1967, durante a Ditadura Militar, bus-
cando reforçar a resistência dos povos nativos organizados e sua
importância para a formulação de políticas públicas indígenas na
Constituição Federal de 1988.
UNIDADE 4

Caro(a) estudante, você conhece as diferenças entre os conceitos de política indíge-


na e política indigenista? Ou acredita que ambos os termos são sinônimos? Já ouviu
falar, ou leu sobre as contraposições de um conceito para o outro? Saberia dizer
quais foram os eventos e os fatos históricos que possibilitaram a distinção de ambas
as políticas e o entendimento de que devem ser compreendidas, separadamente?
A conceitualização de termos históricos é de grande importância para a
História, que traz em sua matriz epistemológica e disciplinar a preocupação
analítica com a teorização de diversos conceitos que, por sua vez, tornam-se
responsáveis por comunicar o conhecimento acerca de determinada temática
ao sintetizar algum fenômeno histórico em uma palavra cujo o significado foi
debatido, estudado e pensado para traduzir fatos e acontecimentos históricos
em uma linguagem historiográfica.
Neste sentido, os conceitos contribuem de forma significativa para a produ-
ção, a teorização e a publicização da historiografia que, grosso modo, é todo o
registro escrito da História, realizado a partir do ofício do historiador e sua pes-
quisa acerca das evidências do passado e das memórias deixadas e perpetuadas
pela humanidade ao longo do tempo.
Portanto, estudar os conceitos e saber, de forma profunda, os seus signifi-
cados, é uma das tarefas e papéis de historiadores e professores de História em
formação. Assim sendo, começaremos nossa jornada pelo conhecimento por
meio de conceitos essenciais para a temática da presente unidade, isto é, políticas
indígenas e indigenistas.
O conceito de Política Indigenista foi utilizado por muito tempo para se refe-
rir às ações políticas e governamentais que tivessem como objeto as populações
indígenas, ou seja, foi usado como sinônimo de todo e qualquer feito estabelecido
pelo Estado com os povos nativos, ao longo da História do Brasil. As diversas
transformações ocorridas no campo do indigenismo, nas últimas décadas, em
especial, no período de redemocratização do país, fizeram com que tivéssemos
que ressignificar este conceito ao formular uma definição mais adequada e menos
dúbia do que se configura como política indigenista.
Logo, para podermos entender como se deu a reformulação deste conceito,
torna-se importante distinguir os órgãos, os agentes e instituições responsáveis
pela relação e comunicação direta com os grupos indígenas que se encontram
em todo o território nacional. De igual modo, é necessário compreender os po-
vos originários como agentes principais desta relação a partir de suas próprias

110
UNICESUMAR

representações e organizações, fundamentais para a implementação de políticas


públicas indígenas que não são benesses do Estado, e sim, a responsabilidade do
mesmo com a vida, a cultura e bem-estar dos direitos deste grupo étnico-racial.
O surgimento e o desenvolvimento dos movimentos sociais indígenas, no
decorrer do século XX, principalmente nas participações e nas contribuições para
a elaboração da Constituinte de 1988, fizeram com que o protagonismo indígena
fosse considerado e legitimado por políticas públicas que apontam para a distin-
ção primordial entre a política indigenista, caracterizada por medidas verticais
do Estado e órgãos públicos com os povos nativos, e a política indígena, aquela
protagonizada por pessoas indígenas que, por vezes, são lideranças políticas e
espirituais em suas comunidades, e que não é sinônimo de indigenismo nem a
ele se encontram submetida.
Querido(a) estudante, para nós, professores de História, que temos a Educa-
ção Básica como um campo significativo de atuação profissional, torna-se im-
portante a leitura, o estudo e a reflexão a respeito dos documentos oficiais que
orientam e constituem a História enquanto disciplina presente no currículo dos
Ensinos Fundamental e Médio, nas escolas brasileiras.
Dito isto, proponho a seguinte atividade: busque nos documentos norteado-
res da disciplina de História escolar, como as Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica, proposta pelo Ministério da Educação (MEC), e os Parâmetros
Curriculares Nacionais de História (PCNs), menções, discussões e problematiza-
ções acerca dos conceitos de política indígena e política indigenista.
Faça uma análise comparativa entre as normativas supracitadas, tendo alguns
questionamentos em mente: Quais as perspectivas que estes documentos seguem
e se baseiam? Eles apresentam argumentos embasados na História e fundamenta-
dos, cientificamente, que podem contribuir para a compreensão destes conceitos
tão importantes para a História Indígena? Ou eles acabam reproduzindo que
ambos os conceitos são sinônimos? Ou, ainda, eles se omitem desta temática e
não se posicionam?
Os dois documentos citados são de fácil acesso na Internet e se encontram
disponíveis no site do Ministério da Educação. Sugiro que salve, guarde e leia esses
documentos curriculares tão essenciais para o nosso fazer docente e os processos
de ensino e aprendizagem da História na escola.
A partir da experiência proposta, o que podemos pensar sobre a análise com-
parativa que você realizou? Reflita acerca de como os documentos norteadores

111
UNIDADE 4

da disciplina de História tratam desta temática em específico e da importância


de se pensar o ensino de História Indígena na escola.
Durante muito tempo, as narrativas historiográficas ignoraram a contribui-
ção histórica e cultural da população indígena para a construção da identidade
nacional, apagando, historicamente, os saberes nativos dos conhecimentos consi-
derados importantes para se ensinar na formação de professores, especificamente,
os de História. Este fato acaba refletindo em como diversos docentes reproduzem
esta falta de conhecimento a respeito da História Indígena, nas salas de aulas, com
seus alunos e alunas, que ficam sem aprender sobre este conteúdo tão importante
e que deve ser socializado na escola, no decorrer de todo o ano letivo.
Portanto, é fundamental que você, enquanto futuro(a) professor(a) de Histó-
ria, rompa este ciclo de silenciamento e omissão sobre os conhecimentos indíge-
nas e sua intensa atuação na História, na cultura e na sociedade brasileira. Apro-
veite o momento e escreva, em seu Diário de Bordo, as reflexões obtidas a partir
dos resultados de sua análise comparativa e da breve discussão aqui levantada.

112
UNICESUMAR

Estimado(a) estudante, agora que você já sabe que políticas indigenistas e polí-
ticas indígenas não são sinônimos, ou seja, não possuem o mesmo significado,
apesar de se referir às questões dos povos indígenas brasileiros, já podemos nos
aprofundar nas diferenças conceituais entre ambas as políticas que foram se mo-
dificando ao longo do tempo, para que, assim, possamos distingui-las de forma
apropriada e condizente com o conhecimento histórico.

O termo política indigenista vem do indigenismo, que passa a ser utili-


zado como conceito oficial a partir do I Congresso Indigenista, ocorrido na
cidade de Pátzcuaro, no México, em 1940 (GARCÍA-FALCES, 2004). A partir
de diversos debates entre teóricos e intelectuais que estudam tal conceito,
o indigenismo pode ser considerado “[...] um movimento ideológico de
amplas proporções literárias e artísticas, assim como políticas e sociais,
que toma o índio como massa de modelar do protagonismo conquistador/
colonizador europeu e latino-americano” (FAVRE, 1998, p. 8).

Logo, podemos afirmar que as políticas indigenistas são apenas uma das possibili-
dades de manifestação do indigenismo, que, por sua vez, configura-se como um
movimento de caráter político, mas também cultural, social e intelectual. Em razão
disso, o indigenismo deve ser pensado como uma categoria histórica que envolve
debates produzidos no campo político, mas que não se restringem ao discurso, pois
trazem consigo consequências na vida prática das populações indígenas, transfor-
mando suas relações com a sociedade e os padrões civilizatórios nacionais. Con-
tudo o significado de indigenismo que prevalece na interpretação historiográfica
brasileira é no âmbito das políticas indigenistas, isto é, no tocante às legislações que
trataram da questão indígena ao longo dos períodos da História do Brasil.
A partir desta definição hegemônica, que coloca o indigenismo como li-
mitado às políticas indigenistas, é necessário pensar o conceito de indigenismo
para além do âmbito das políticas oficiais implementadas pela Coroa Portuguesa
ou pelo Estado brasileiro, problematizando, assim, todo um imaginário social,
reforçado pela mídia, pelas artes e pelo sistema educacional, que compreende a
presença indígena na história da nação ora subalterna, inferior e sujeita à tutela,
ora romantizada e folclorizada.
Em acordo com a temática da presente unidade, nós nos concentraremos
nas políticas indigenistas, porém, torna-se necessário tais apontamentos a

113
UNIDADE 4

respeito do conceito de indigenismo para que possamos ampliar o nosso co-


nhecimento ao compreender as políticas indigenistas dentro dessa gama de
elementos que caracterizam o indigenismo enquanto conceito e ação concreta
na sociedade brasileira.
Devido ao indigenismo ser uma “uma construção ideológica que se organiza
a partir de não-índios, preocupados com os descendentes dos primitivos habitan-
tes da América e que apresenta diferentes perspectivas nos diversos países com
presença indígena, apesar de pontos em comum” (BITTENCOURT, 2002, p. 5),
torna-se necessário pontuar que as políticas indigenistas são protagonizadas por
pessoas não-indígenas, que, a partir de um corpo teórico construído por corren-
tes românticas da literatura e da teoria social em torno da figura do “índio”, são
implementadas de forma vertical, ou seja, de cima (Estado, dirigentes públicos e
órgãos institucionais) para baixo (povos indígenas).
Neste sentido, uma das principais diferenças entre as políticas indigenistas e
indígenas é o fato de que:

a política indigenista é pensada, construída e implementada por figuras


e instituições não-indígenas, em outras palavras, que não pertencem ao
grupo étnico-racial indígena brasileiro, mas, mesmo assim, adentram os
órgãos públicos de decisão e deliberam sobre políticas e legislações que
regem aspectos sociais da vida dos povos indígenas no Brasil, como sua
saúde, educação, bem-estar social, território e segurança.

já a política indígena é idealizada, protagonizada e elaborada pela própria


população indígena, que, de forma organizada e cada vez mais intensa,
vem ocupando e adentrando espaços de poder e decisão a respeito de
suas próprias demandas, condições e reivindicações.

Ninguém melhor para pensar políticas que dizem respeito sobre sua própria
vida do que a população indígena, não é mesmo? Para isso, torna-se preciso que
os povos originários tenham voz e poder de decisão no processo de construção
e aprovação das políticas públicas. Buscando cada vez mais a presença perma-
nente de indígenas em espaços de poder e privilégio social, como universidades,
instituições públicas e privadas, mercado de trabalho formal e casas legislativas,
é que estão sendo implementadas as políticas de ação afirmativa.

114
UNICESUMAR

Ação afirmativa se configura como políticas que visam oferecer a grupos


sociais discriminados e excluídos das benesses sociais, historicamente, uma igual-
dade de oportunidades para compensar as desvantagens e as injustiças sistêmicas
estabelecidas de forma contínua ao longo do tempo, à exemplo da escravidão, do
apartheid, da segregação e do Holocausto, eventos históricos responsáveis por
desigualdades e discriminações que ainda incidem sobre a vida de suas vítimas.


As políticas de ações afirmativas apresentam-se como importante
mecanismo social com características ético-pedagógicas para os
diferentes grupos vivenciarem o respeito às diversidades, sejam
elas raciais, étnicas, culturais, de classe, de gênero ou de orientação
sexual. Essa percepção do direito à diferença leva em conta que a
realidade das políticas denominadas universalistas – ou, no caso
das políticas raciais, cegas em relação à cor – não atendem às es-
pecificidades dos grupos ou indivíduos vulneráveis, permitindo a
perpetuação da desigualdade de direitos e de oportunidades (SIL-
VÉRIO, 2007, p. 21).

Quando o assunto é ações afirmativas, muitas pessoas ainda pensam de forma


equivocada que tais políticas não são necessárias, ou que seriam uma maneira
de inferiorizar as pessoas que se beneficiam delas, alegando que eventos históri-
cos traumáticos, como a escravidão e o genocídio indígena, ficaram no passado.
Porém, nós, historiadores e professores, sabemos como a História é dinâmica e
como mudanças culturais e estruturais podem levar séculos para ocorrer, de fato.
Logo, sabemos que o passado não está congelado no tempo como um período
que passou e não volta mais, mas sim, que ele continua influenciando e incidindo
no presente, de forma contínua e substancial.
Se o passado continua atuando no presente e influenciando o nosso futuro,
cabe a nós, enquanto sociedade, estudarmos os fatos do passado que contribuí-
ram para gerar desigualdades que se configuram como problemas sociais urgen-
tes nos dias de hoje, comprovadas por diversos estudos de abrangência nacional
realizados por instituições científicas respeitadas, como o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA). Podemos citar alguns desses estudos, a exemplo do Censo Demográfi-
co de 2010 apontando que, apesar da expansão da Educação Escolar Indígena,
ocorrida desde o ano 2004, as taxas de alfabetização entre a população originária

115
UNIDADE 4

mostram situações bastante desiguais em comparação aos dados acerca da po-


pulação brasileira em geral.

Na população com 15 anos de idade ou mais, 23,3% dos indígenas não são
alfabetizados, contra 9,6% no nível nacional. A taxa de analfabetismo entre
as crianças e adolescentes indígenas com faixa etária entre 10 e 14 anos
é de 17,8%, quatro vezes a observada na população
em geral cujo índice é de 3,9%. No interior
das Terras Indígenas (TI’s), a proporção
de analfabetismo de 23,4% é muito su-
perior à da área rural do Brasil, que
é de 8,4%. Além disso, no país há
cerca de 50 mil crianças e adoles-
centes indígenas de 5 a 14 anos que
não estão alfabetizados, fato que
contribui, de forma negativa, para
a sociedade brasileira, impedindo
o avanço da trajetória educacional
indígena e prejudicando oportunidades
futuras (IBGE, 2012).

A partir dos poucos dados levantados aqui, que se resumiram à questão do


analfabetismo, mas que não se limitam ao campo educacional, pois a falta de
alfabetização e educação formal incide de forma significativa no retrocesso so-
cioeconômico deste grupo social, torna-se necessário pensar as políticas de ação
afirmativa, historicamente, enquanto medidas importantes para que as desigual-
dades do tempo da colonização e da construção da nossa sociedade sejam ame-
nizadas e que um dia sejam extintas da cultura e das relações sociais brasileiras.
Uma das ações afirmativas mais conhecidas e implementadas no Brasil é a re-
serva de vagas em instituições públicas e privadas, como universidades, mercado
de trabalho e cargos públicos, destinadas a grupos sociais que são atingidos por
desigualdades e discriminações, popularmente conhecidas como cotas.
As cotas podem ter diversas finalidades de acordo com o público-alvo a que
ela é designada, como as cotas sociais para pessoas com baixa renda, ou que
estudaram a Educação Básica em escolas públicas, as cotas para pessoas com
deficiência, seja física seja intelectual, as cotas para mulheres que possuem

116
UNICESUMAR

desvantagens no acesso ao mercado de trabalho e desigualdade salarial para de-


sempenhar a mesma função que homens, e as cotas raciais, para a população
negra e indígena, discriminada, racialmente, e vítimas de desigualdades perpe-
tuadas desde o período colonial e de escravização.

EXPLORANDO IDEIAS

Querido(a) estudante, você sabia que os primeiros cotistas do Brasil foram imigrantes
europeus? Durante o século XIX, o Estado brasileiro subsidiou a vinda de imigrantes de di-
versas regiões da Europa, que viviam em situação de miséria em seus respectivos países,
como a Itália, Alemanha, Espanha, Portugal e Japão para substituir a mão de obra escrava.
Chegando no Brasil, os imigrantes europeus receberam do Estado lotes de terras para
morar e cultivar, além de garantia de emprego assalariado para que pudessem refazer
suas vidas no novo país. Uma das medidas de cotas implementadas pelo governo, foi a
Lei n° 28, aprovada no ano de 1884, pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,
que incentivava a chegada de imigrantes europeus, beneficiando-os com uma quantia em
valor por cada filho que possuíssem.
Fonte: ALESP (1884).

No Brasil, o sistema de cotas começou a ser discutido, institucionalmente, desde


a elaboração da Constituição Federal de 1988, sendo adotado, de forma efetiva,
no início dos anos 2000. No entanto os movimentos sociais, em especial o Movi-
mento Negro e Indígena, vêm reivindicando a adesão das ações afirmativas desde
o início do século XX, nas lutas organizadas pelos direitos da população negra,
indígena e vulnerável socioeconomicamente.
As instituições públicas brasileiras pioneiras na adesão da reserva de vagas no
âmbito do Ensino Superior foram a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e
a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), no ano de 2003, e a Univer-
sidade Estadual de Londrina (UEL), em 2004, na instância estadual. Já entre as
universidades federais, a Universidade de Brasília (UNB) foi a primeira a aderir
as cotas também no ano de 2004.
A partir de 2012, a constitucionalidade das cotas sociais, raciais e para pessoas
com deficiência passou a ser prevista pela Lei Federal nº 12.711, que instituiu o
sistema de reserva de vagas para ingresso nas universidades federais e institutos
federais de ensino técnico de nível médio. A legislação prevê que:

117
UNIDADE 4


Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao
Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para
ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo
50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que te-
nham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput


deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos
estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5
salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de


que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno,
por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com
deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas
no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas
e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação
onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Funda-
ção Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Redação
dada pela Lei nº 13.409, de 2016).

Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo


os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescen-
tes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Art. 4º As instituições federais de ensino técnico de nível médio


reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso em cada curso,
por turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para
estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em
escolas públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput


deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos
estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5
salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 5º Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio,


as vagas de que trata o art. 4º desta Lei serão preenchidas, por curso

118
UNICESUMAR

e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas


com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de
vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos,
indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da
Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo
do IBGE (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016).

Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo


os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanes-
centes deverão ser preenchidas por estudantes que tenham cursado
integralmente o ensino fundamental em escola pública.

Art. 6º O Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políti-


cas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República,
serão responsáveis pelo acompanhamento e avaliação do programa
de que trata esta Lei, ouvida a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Art. 7º No prazo de dez anos a contar da data de publicação desta


Lei, será promovida a revisão do programa especial para o acesso
às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos
e indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que
tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas
(Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016).

Art. 8º As instituições de que trata o art. 1º desta Lei deverão im-


plementar, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) da reserva de
vagas prevista nesta Lei, a cada ano, e terão o prazo máximo de 4
(quatro) anos, a partir da data de sua publicação, para o cumprimen-
to integral do disposto nesta Lei (BRASIL, 2012, on-line).

Diante deste rápido balanço a respeito da implementação e da importância das


ações afirmativas no Brasil, podemos afirmar que as cotas destinadas para a po-
pulação nativa se configuram como um exemplo relevante de política indígena
no Brasil, ou seja, que foi influenciada, pensada e elaborada a partir da contribui-
ção de diversos líderes indígenas integrantes de movimentos sociais e coletivos
independentes organizados.

119
UNIDADE 4

Figura 1 - Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH),


Comissão Permanente do Senado, sobre o tema “Cotas nas Universidades e o Compromisso com a
Permanência”, em 2017 / Fonte: Wikimedia Commons (2017, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é uma fotografia tirada de um debate público, caracterizado por uma
mesa de madeira e horizontal, onde sete pessoas se encontram sentadas uma ao lado da outra, identifica-
das pelo nome por uma placa pequena que está no canto da mesa à frente de cada indivíduo. Em primeiro
plano, à direita da imagem, aparece um homem indígena que está falando em um microfone, ele está de
camisa social e cocar. Ao seu lado, uma mulher branca o observa com atenção, ao lado da mulher está
um homem branco, sua posição é abaixada com a cabeça escondida debaixo da mesa, aparentando que
está pegando alguma coisa que deixou cair no chão. Ao seu lado, está um homem negro, ele está olhando
para baixo e usando uma vestimenta característica de alguma congregação religiosa da Igreja Católica.
Ao lado desse sujeito, encontram-se, respectivamente, uma mulher negra e um homem negro, que estão
observando o homem indígena que está falando, e, por último, na extremidade esquerda da foto, está
um homem branco, desfocado da fotografia e olhando para frente. Na mesa, estão dispostos um copo
com água para cada debatedor, sendo que, em alguns lugares, encontram-se, também, papéis, cadernos
e canetas. Ao fundo, podemos observar uma parede, um marcador de tempo e uma bandeira do Brasil.

Caro(a) aluno(a), agora que já inauguramos o debate sobre a efetivação e a apli-


cabilidade de políticas indígenas a partir do caso das ações afirmativas, neste
momento, nós nos concentrar em exemplos práticos de políticas indigenistas e
políticas indígenas para que as diferenças conceituais entre ambas sejam obser-
vadas na prática. Para isso, farei um resgate histórico a fim de levantar algumas
políticas indigenistas implementadas no Brasil, desde o período colonial até a
República, focando no período da Ditadura Militar.

120
UNICESUMAR

Posteriormente, tratarei de exemplos de políticas indígenas demandadas a partir


da resistência dos povos nativos, que tomou novas configurações com a organização
e a articulação dos movimentos sociais indígenas, responsáveis por reivindicar a
formulação de políticas públicas e atuar em sua implementação na Constituição
Federal de 1988, no período histórico de redemocratização do país, tornando-se,
assim, atores fundamentais do seu próprio protagonismo político e social.
De acordo com todo o trabalho historiográfico já realizado, é consenso que não
existiu uma legislação propriamente brasileira que fosse independente do orde-
namento jurídico português para tratar da questão indígena, no período colonial.
Portanto, podemos afirmar que o Brasil e as políticas indigenistas aqui implemen-
tadas eram regidas pelas leis da metrópole Portugal, em especial, pelas Ordenações
Manuelinas e Filipinas (esta última a partir de 1603), frequentemente, acrescidas
de legislações específicas com fins de regular questões locais. Na colônia brasileira,
os Regimentos dos governadores-gerais, assinados pelo rei, eram os principais do-
cumentos legislativos bem como as Cartas Régias, as Leis e os Alvarás.
No que tange a legislação acerca da escravidão indígena, podemos ob-
servar, a partir de documentos historiográficos, a dificuldade portuguesa de es-
tabelecer um regime de trabalho compulsório aos nativos, que fosse cumprido e
respeitado, pois “a repetição com que se dá a proibição da escravidão dos índios,
e as exceções que as acompanham, revelam a prática constante da ilegalidade”
(SOUZA FILHO, 2010, p. 54).
Cunha, em Legislação Indigenista no século XIX (1992), uma obra clássica
para a compreensão histórica das políticas indigenistas, aponta que a escravidão
indígena foi extinta diversas vezes, principalmente, no decorrer do século XVII e
XVIII. Logo, a dificuldade em manter o cumprimento da lei sobre a escravidão se
dava, devido à adoção de uma política indigenista, ora de proteção para os povos
indígenas aliados, ora de guerra aberta e intensa aos nativos que se rebelavam
contra os métodos de colonização portuguesa.
Com base nesta premissa, a escravidão indígena era permitida e justificada a
partir da “Guerra Justa”, princípio legislativo do período medieval que se deu ao
longo dos séculos de colonização, ou seja, a legislação que autorizava o conflito
armado contra os grupos indígenas que organizavam revoltas e resistências ao
domínio colonial violento de Portugal foi utilizada até meados do século XIX.
Foi no século XIX, também, que ocorreram as expedições colonizadoras na
então província do Paraná, fundamentadas no pressuposto de exploração dos

121
UNIDADE 4

territórios inabitáveis, que eram nomeados pelas narrativas


equivocadas das autoridades de vazio demográfico regional,
isto é, o discurso que imperava era como se tais territórios não
fossem habitados por diversos povos indígenas, ignorando e
exterminando a presença nativa encontrada nas matas derru-
badas no processo de colonização.
As expedições colonizadoras se baseavam, também, na polí-
tica de concentração da população indígena em um único lugar,
visto que o nativo era considerado um ser humano cuja alma
era capaz de ser salva na perspectiva da Igreja Católica, e que,
para este fim, deveria ser aldeado para pertencer a uma socieda-
de religiosa e adquirir padrões de vida e hábitos católicos. Este
pensamento ignorava completamente a diversidade cultural dos
povos indígenas, que eram diferentes entre si e, muitas vezes, ti-
nham desavenças e compartilhavam conflitos interétnicos para
conviverem e serem aprisionados em um só espaço.
Em razão disso, a política dos aldeamentos foi utilizada com
bastante ênfase em todo o período colonial como estratégia de
desmobilização indígena, sendo que estes espaços tinham duas
funções primordiais: difundir a catequização de forma mais
rápida e exercer o controle bélico e religioso dos nativos, que,
por sua vez, eram dificultados de organizar revoltas, devido às
suas diferenças culturais, étnicas e linguísticas e as diversas epi-
demias que atingiram os aldeamentos, responsáveis por tirar a
vida de milhões de indígenas, contribuindo, assim, com a drás-
tica demográfica de muitos povos.
Um forte exemplo desta política das expedições coloni-
zadoras e de concentração indígena em aldeamentos é da
etnia Xetá, último grupo étnico indígena a ser contatado
no estado do Paraná pela invasão cafeeira que atingiu suas
terras, localizadas no baixo Rio Ivaí, no final da década de
1940. Contudo a presença Xetá na bacia hidrográfica do Ivaí
já havia sido documentada por exploradores deste território,
desde as expedições colonizadoras financiadas pelo Barão de
Antonina, em 1840.

122
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

A quase extinção dos Xetá


Mesmo diante das tentativas de aldear o povo Xetá, a cultura de isolamento desta etnia a
manteve escondida nas florestas do oeste paranaense, longe dos aldeamentos religiosos
estabelecidos ao norte e distantes das populações brancas que ocuparam a região, como
a colônia francesa Teresa Cristina. Para sobreviverem, os Xetá fugiram e se esconderam
dos colonizadores, mas, em meados do século XX, seu último refúgio na Serra dos Dou-
rados foi destruído por fazendeiros que desmataram as florestas para a pecuária e a
cafeicultura. Os Xetá foram expulsos de suas terras e mortos, o que se deu no reconheci-
mento de sua extinção pela Funai, em 1990. Porém a pesquisa realizada pela antropóloga
Carmem Lúcia da Silva contrariou os levantamentos oficiais, revelando que os Xetá não
foram extintos, sendo que, em 1997, ocorreu o primeiro “Encontro Xetá: Sobreviventes do
Extermínio”, em Curitiba.

Em 2013, a quantidade de Xetás era de pouco mais de 100 pessoas, distribuídas


em, aproximadamente, 25 famílias, sendo que, ainda hoje, estão em processo de
luta para ter seu território reconhecido pela Funai e seus direitos garantidos a
fim de revitalizar sua cultura e reconstituir seu povo, que foi quase totalmente
dizimado. Segundo Silva (2006), os indígenas Xetá não querem mais aparecer na
história do Brasil e do Paraná, na imprensa e nos livros, como um povo extinto.

123
UNIDADE 4

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Xetá
Ano: 2010
Sinopse: durante o desordenado processo de colonização do noroes-
te do Paraná, nos anos 1940 e 1950, foi avistada uma população indí-
gena que, até então, havia tido pouquíssimo contato com o homem
branco. Logo, o povo Xetá foi expulso de suas terras, vitimado por ações de
extermínio, e os poucos sobreviventes, dispersos para outros locais. A quase
extinção dos Xetá acabou contribuindo para provocar um desastre ecológico
irreversível na região.
Comentário: este documentário, concluído em 2008 e de domínio público
(financiado pela Secretaria do audiovisual do Ministério da Cultura, que foi
extinto, em 2019, pela Lei nº 13.844), conta a história do contato e quase ex-
tinção do povo Xetá, reproduzindo imagens de Vladimír Kozák (1897-1979),
cedidas pelo acervo do Museu Paranaense. O documentário ainda conta
com entrevistas de alguns sobreviventes da etnia Xetá, como Tucanambá,
falecido em 2007, os antropólogos Ney Barreto e Carmen Lúcia da Silva, cuja
pesquisa contestou a extinção da população apontada pela Funai nos anos
1990, e o linguísta Aryon Rodrigues, um dos mais renomados pesquisadores
de línguas indígenas no Brasil, que se dedicou à análise e à documentação
da língua Xetá. O documentário pode ser assistido pela plataforma Youtube.

Voltando nosso foco às políticas indigenistas, foi apenas no século XVII que a metró-
pole lusitana elaborou um documento específico para os povos indígenas brasileiros,
o Diretório dos Índios, conhecido como Diretório Pombalino, pela Lei de 1755 cujo
objetivo era aplicar uma ética da moral e da disciplina europeia ao indígena por meio
da formação de aldeamentos coletivos centrados não apenas no missionarismo, mas,
sobretudo, no trabalho na agricultura como forma de catequização e civilização nativa.
Assinado pelo Rei de Portugal Dom José, o Diretório Pombalino foi uma
política indigenista de Estado com poder de organização social voltada à vida dos
nativos, em especial, da região Norte do país. Para os demais povos, distribuídos
em todo o território nacional, a condição legislativa era de invisibilidade e omis-
são, não havendo nenhuma ferramenta de proteção oficial à população originária,
que ficava à mercê dos interesses e da ação violenta de bandeirantes, tropeiros e
colonos que a capturava e escravizava a fim de submetê-la ao sistema colonial.
Com a extinção do Diretório dos Índios, em 1798, por Carta Régia, a legisla-
ção deixou de ser generalista, característica de um projeto mais amplo, transfor-

124
UNICESUMAR

mando-se em uma política mais pontual, fato que se dá em um maior retrocesso


com a volta da autorização da “Guerra Justa” e da escravidão indígena.
De acordo com Cunha (1992), o século XIX é caracterizado por um verda-
deiro vazio legislativo em relação à questão indígena. A autora afirma que o
único documento indigenista geral do Império é o Regulamento das Missões
e Catequese e Civilização dos Índios, de 1845, que se configurava mais como
um documento administrativo do que um plano político nacional. É a partir da
promulgação desta legislação que a questão indígena passa de uma questão de
mão de obra para uma questão de terras (CUNHA, 1992).
O período histórico mudou de Colônia para Império, porém o sistema po-
lítico e econômico pouco foi alterado, a escravidão continuou sendo a base da
economia essencialmente agrária e decorreu-se a continuidade do sistema de al-
deamento e a política de assimilação completa da população indígena, submetida
à servidão, à catequização, à expulsão de suas terras e ao genocídio. A Lei 601 de
1850 revelou o surgimento de outro texto jurídico, chamado de Lei das Terras,
que tratava do regulamento dos territórios indígenas, implementando


uma política agressiva em relação às terras das aldeias: um mês após
sua promulgação, uma decisão do Império manda incorporar aos
Próprios Nacionais as terras de aldeias de índios que vivem dispersos
e confundidos na massa da população civilizada. Ou seja, após ter
durante um século favorecido o estabelecimento de estranhos junto
ou mesmo dentro das terras das aldeias, o governo usa o duplo critério
da existência de população não indígena e de uma aparente assimi-
lação para despojar as aldeias de suas terras (CUNHA, 1992, p. 145).

A primeira Constituição do Brasil, outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 24


de março de 1824, documento símbolo da Independência do Brasil da metrópole
portuguesa e que inaugura o Império, foi de completa omissão acerca do trata-
mento destinado aos povos originários, não contando com nenhuma forma de
participação política e social em sua construção e deixando a questão indígena
como responsabilidade para o futuro.

A Carta Magna foi elaborada pela nobreza portuguesa e luso-brasileira e


imposta pelo Imperador Dom Pedro I, sem que fosse feita qualquer refe-

125
UNIDADE 4

rência ou consulta aos povos indígenas, que continuaram a ser vítimas de


uma situação de invisibilidade sociocultural, política e histórica em relação
à sociedade nacional. O Ato Adicional de 1834 foi uma das únicas menções
aos nativos na Constituição de 1824, contudo prosseguia legislando de
forma preconceituosa, autoritária e conservadora sobre a necessidade de
catequese e civilização dos indígenas.

Conforme aponta Souza Filho (2010), o Estado Brasileiro oriundo e reconhecido


pela Constituição de 1824, não mudou sua postura política do período colonial
de integração do nativo à sociedade, mesmo que o Brasil já tivesse deixado de ser
colônia de Portugal. Em consequência disso, o Imperador Dom Pedro II editou
uma lei que regulamentava a relação da população indígena com o Estado, o
Decreto 426, de 1845, que criava uma estrutura administrativa para supervisionar
as questões que envolviam os indígenas brasileiros, a exemplo da “designação de
funcionários e competências de proteção e aldeamento dos povos encontrados,
o Estado entregava à Igreja grande parte da responsabilidade de atendimento a
estes povos” (SOUZA FILHO, 2010, p. 88).
Portanto, mesmo após a independência de Portugal, as elites e o Estado bra-
sileiro perpetuaram uma imagem negativa do indígena na legislação, que o con-
siderava como um símbolo de atraso para a nação. Este fato histórico contribuiu
de forma decisiva para o tornar invisível, marginalizado socialmente e sem leis
específicas de proteção, situação que dura até os dias de hoje.
A Proclamação da República não alterou em nada a cruel realidade social dos
povos indígenas que já haviam sido integrados, violentamente, à sociedade nacio-
nal. Diversas etnias continuaram sendo massacradas, e suas terras permaneceram
sendo invadidas e devastadas pelo agronegócio e pelo avanço cada vez mais inten-
so da ideologia capitalista e industrial que começou a ser implementada no país,
impulsionada pela urbanização e a construção de estradas, ferrovias e indústrias.
A primeira Constituição Republicana do Brasil, de 1891, também não avan-
çou na legislação referente aos direitos das populações originárias, tal qual a
Constituição Imperial anterior. O texto constitucional se eximiu completamente
a respeito da dívida histórica do Estado com os povos indígenas, reproduzindo,
mais uma vez, o conservadorismo e a desresponsabilização das elites dominantes
brasileiras que foi herdada da colonização portuguesa.
Mesmo com a inauguração do sistema político republicano, caracterizado pelo
poder do povo exercido por representantes eleitos pelo povo, e por uma ideologia

126
UNICESUMAR

de pluralidade política, liberdade e igualdade entre a população, a primeira Carta


Magna do Brasil República não contou com nenhuma participação popular nos
debates que orientaram sua escrita final, uma das razões para mais uma omissão
jurídica em relação a garantia de direitos indígenas na ordem política nacional.


No período republicano, prosperaram as ideias de uma socieda-
de industrial fundamentada numa matriz racial branca de origem
europeia. Passada essa fase inicial da república brasileira, muito
pouco se avançou no que diz respeito às questões sociais e políticas
referentes aos índios. O Estado brasileiro prolongava a cultura da
indiferença, da “invisibilidade” em relação às populações étnicas
(ALMEIDA, 2018, p. 618).

Neste sentido, podemos afirmar que a ideologia do embranquecimento da popula-


ção, baseada no positivismo e no racismo cientificista, marcou a produção científica
e intelectual e os círculos militares da República, impedindo o reconhecimento
da diversidade étnico-racial da população brasileira que questionasse a sociedade
almejada, concebida por meio de um padrão civilizatório ocidental, branco e ca-
tólico, isto é, fundamentada no eurocentrismo, no etnocentrismo e no racismo.
Devido ao avanço de organizações e movimentos indígenas, o Estado brasilei-
ro implementou o Serviço de Proteção ao Índio e à Localização de Trabalhadores
Nacionais (SPILTN), por meio do Decreto 8.072 de 1910, depois de mais de qua-
tro séculos de omissão jurídica acerca da questão indígena. Entretanto tal política
indigenista buscava, novamente, enquadrar o nativo na cultura europeia, porém
sob uma nova perspectiva republicana: a do indígena trabalhador nacional.
Em 1918, o SPILTN foi transformado no Serviço de Proteção ao Índio (SPI),
que deu continuidade a uma política de concepção integracionista e assimila-
cionista do indígena, ou seja, que ignora completamente a diversidade cultural
e as especificidades civilizatórias dos povos originários, enxergando-os sob uma
lente que os força a se encaixar nos padrões estabelecidos desde a colonização,
que almejava a constituição de uma sociedade branca e culturalmente uniforme.

Foi somente na Constituição de 1934 que a presença da população indí-


gena no país foi mencionada pela primeira vez, em uma Carta Magna da
nação, que versou, especificamente, sobre as terras dos povos originários.

127
UNIDADE 4

Entretanto a tímida referência aos nativos na Carta de 34 não trouxe nada


de relevante, reproduzindo os velhos acordos políticos entre as oligarquias
regionais dominantes.

Com a ditadura do Estado Novo, implementada pelo Governo de Getúlio Var-


gas, e a propagação do fascismo no sistema político nacional, a Constituição
de 1934 foi revogada e substituída pelo documento autoritário e repressivo de
1937, que, por sua vez, não fazia nenhuma alusão aos direitos indígenas. Com o
fim da ditadura de Vargas, em 1945, veio a Constituição de 1946, que, mais uma
vez, não abarcou a participação popular e reproduziu a política de omissão e
invisibilidade aos povos originários.
A partir da volta do regime autoritário, com a instalação da Ditadura Militar
por meio de um golpe de Estado, em 1964, a proposta integracionista continuou
sendo adotada pela Constituição de 1967, que, na busca dos valores civilizatórios
europeus, entendia que o progresso da nação viria com a unidade nacional e o
desaparecimento de grupos étnicos. Em razão disso, a Emenda Constitucional nº
1 de 1969 corroborava, repetitivamente, com os princípios de integração e assimi-
lação indígena a todo custo, contida nos documentos jurídicos oficiais anteriores.
“Assim, a política indigenista brasileira oscilava constantemente, porém, mais
uma vez, manifestava contradição e hipocrisia, resultado do modelo colonial
português de flutuações jurídicas no tocante à questão nacional dos grupos ét-
nicos” (ALMEIDA, 2018, p. 619). Em meio à má administração, aos escândalos
de corrupção e da inoperância política em relação à sua função de proteção dos
povos originários, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) foi extinto, em 1967,
sendo substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), representada
pelo logo que consta na Figura 2.
Criada no contexto histórico da Ditadura Militar, a FUNAI acabou por re-
produzir os impasses do antigo SPI, estando subordinada ao projeto político do
período de expansão econômica para o interior do Brasil, em especial, para a
região amazônica. Desta forma, as políticas indigenistas ficaram integralmente à
mercê dos planos de defesa nacional que visavam a construção de hidrelétricas
e estradas, a extração desenfreada de minérios e a ampliação das fazendas.
Em conformidade com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, criava-se o
“Estatuto do Índio”, por meio da Lei nº 6.001 de 1973 cuja finalidade era tutelar
o indígena sob o comando diretivo e administrativo da FUNAI, potencialmente

128
UNICESUMAR

marcada pela concepção assimilacionista que ora utilizava os indígena a fim de


agregá-los a batalhões de fronteira, colônias, aeroportos e missões religiosas, ora
focava em seu isolamento e afastamento das regiões de interesse militar estratégico.
Logo, para cumprir os seus obje-
tivos, os militares ampliaram e refor-
çaram o monopólio tutelar indígena
ao centralizar a prática de assistência
social e serviços básicos, como saú-
de, alimentação, educação e habita-
ção, cooptar lideranças indígenas e
controlar o acesso de pesquisadores,
ONGs e setores da Igreja às terras in-
dígenas (SANTILLI, 1991).
Mesmo diante de todas as
problemáticas do seu contexto de
fundação, podemos afirmar que a
FUNAI, desde 1967, é o órgão in-
digenista oficial responsável pela
proteção, promoção e garantia aos
direitos dos povos indígenas de
Figura 2 - Logotipo da Funai / Fonte: Funai/
Material Gráfico todo o território nacional. Cabe a
Descrição da Imagem: na imagem, consta o
nós, enquanto sociedade brasileira,
desenho de um cocar. O símbolo cultural dese- exigirmos dos nossos representan-
nhado, utilizado como indumentária de diversos
povos indígenas, apresenta uma base com traços
tes políticos o investimento para o
de pintura corporal que forma losangos, sendo pleno funcionamento da FUNAI,
que, acima da base, se encontram três cama-
que, a partir da entrada de pessoas
das de penas cumpridas na vertical, a primeira
camada (acima da base) com penas vermelhas, indígenas em sua administração e
a segunda com penas laranja, e a terceira com de importantes pesquisas e estudos
penas amarelas. Ao centro das camadas, está
disposta uma única pena azul, que transpassa com os povos indígenas, tornou-se
as duas camadas superiores (laranja e amarela), uma instituição de extrema impor-
verticalmente. Nas laterais esquerda e direita do
cocar, estão duas penas dispostas na horizontal,
tância para o cumprimento da agen-
uma azul e uma vermelha e, ainda, uma pena da nacional e internacional de va-
vermelha em formato circular, onde, dentro do
meio círculo formado está escrito FUNAI, em le-
lorização da população originária.
tras maiúsculas e azuis, acompanhadas de dois Diante da repressão da Ditadura
símbolos amarelos.
Militar e de séculos de negligência

129
UNIDADE 4

do Estado com a violência e desrespeito sofrido pela população indígena desde


a colonização, é na década de 1970 que o movimento social indígena começa
a se organizar de forma mais articulada, reunindo-se em grandes assembleias
indígenas que proporcionavam diversas trocas de experiências e conhecimentos
sobre os diversos contextos históricos e interétnicos vivenciados por cada etnia.
É a partir deste período que os povos indígenas começaram a conhecer uns
aos outros, compartilhando informações de suas respectivas vivências que, antes,
eram impossibilitadas em razão do isolamento social e político imposto pelo
Estado Nacional. “É nesta fase que a troca de experiência e problemas vividos dá
origem a um senso de solidariedade indígena [unidade] nunca antes vivenciado,
constituindo um espírito de corporação, que é a marca desta fase e que passou a
ser a base de todas as mobilizações indígenas” (NEVES, 2004, p. 89).
À vista disso, é no panorama dos anos 1980, marcado por inúmeras
mobilizações políticas que reivindicavam o fim da Ditadura Militar e a retomada
do Estado democrático de direito, que os movimentos indígenas emergem no
cenário nacional como um importante ator político na articulação de lutas e
manifestações pela redemocratização, responsáveis por desencadear mudanças
profundas no tratamento governamental da questão indígena, sobretudo, na par-
ticipação dos povos indígenas na pré-constituinte.

É neste contexto que as políticas indígenas surgem de forma mais signi-


ficativa e intensa, contrapondo, assim, as políticas indigenistas que, até
então, não representavam os povos originários em sua totalidade cultu-
ral, social, política, espiritual e ambiental ao submeterem a humanidade
indígena a políticas assimilacionistas, integracionistas e tutelares que
desconsideravam sua diversidade étnica e mantinham suas comunidades
sob controle do Estado.

Neste sentido, podemos afirmar que a década de 1980 foi de extrema importân-
cia para a afirmação das políticas indígenas, sobretudo, em razão do fato de as
próprias lideranças nativas representarem seus respectivos povos nas questões
políticas e jurídicas à frente do Estado, das instituições e de toda a sociedade
brasileira. O maior exemplo dessas mobilizações foi a atuação direta de líderes
indígenas na elaboração da Constituição de 1988, nosso marco jurídico atual.

130
UNICESUMAR

Caro(a) estudante, um dos motivos da Constituição da


República Federativa do Brasil, a Carta Magna que rege as
normativas jurídicas e políticas que abrangem toda dinâmi-
ca da sociedade brasileira, ser reconhecida, internacional-
mente, como exemplo de ordenamento jurídico, chamada
de “Constituição Cidadã” ao redor do mundo, é devido ao
tratamento inédito que é atribuído aos povos originários.
Neste podcast, abordarei o tão sonhado Capítulo VIII “Dos
Índios”, da Constituição Federal de 1988, pensado e elabo-
rado por muitas mãos, sobretudo, pela participação ativa
de diversos representantes indígenas, que juntamente com
intelectuais, pesquisadores e movimentos sociais, produz-
iram o documento que romperia com as políticas indigenis-
tas anteriores, ou seja, com legislações que apontavam os
nativos como incapazes e subordinados à tutela do Estado.
Aperte o play e venha comigo nesta viagem importante
ao conhecimento das políticas indígenas apresentadas pela
nossa lei fundamental e suprema.

Segundo Neves (2004), anteriormente à promulgação da Constituição Federal de


1988, o movimento indígena vivia em uma ilegalidade tácita. Contudo, após o docu-
mento de 1988, que embasou a redemocratização do Brasil, as organizações indígenas
conquistaram status de movimentos sociais, que, a partir da nova Carta Magna, foram
tirados da criminalidade e, legalmente, aceitos. Portanto, podemos afirmar que, pela
primeira vez no Brasil, os povos indígenas puderam exercer seus direitos e defender
seus interesses de forma legítima e amparada pela legislação (NEVES, 2004).

NOVAS DESCOBERTAS

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, o líder indíge-


na, ambientalista e escritor Ailton Krenak, da comunidade indígena
Krenak de Minas Gerais, protagonizou uma das cenas mais marcantes
do debate constitucional. Em seu discurso histórico, na tribuna do Ple-
nário da Câmara Federal, ele pintou o rosto com uma pasta de jenipa-
po com carvão, na cor preta, para protestar contra o que considerava
um retrocesso na luta pelos direitos indígenas. Acesse o QR Code e
assista a esse momento emocionante.
Fonte: Krenak (2019).

131
UNIDADE 4

Os porta-vozes dos movimentos sociais indígenas, que agora representavam a


si próprios, refutando o poder de tutela que sempre foi implementado pelo Es-
tado, tornaram-se pioneiros responsáveis por inaugurar, na história do país, o
protagonismo dos povos autóctones na construção dos processos de pressão
social e política que incidiram nas conquistas constitucionais. Algumas políticas
indígenas reivindicadas e implementadas pela Constituição de 1988 foram: o
direito de permanecer indígena; o direito de defesa de seus direitos e interesses
com intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo; o direito
originário à permanência e a demarcação de suas terras, entre outros.
Este último, o direito à terra, tornou-se uma das principais políticas indíge-
nas implementadas pela Constituição e ainda em processo de efetivação total nos
dias de hoje. Para garantir o direito dos povos indígenas aos seus territórios de ori-
gem, a demarcação de Terra Indígena (TI) vem cumprindo um papel fundamen-
tal no estabelecimento real da extensão da posse territorial indígena ao assegurar
a proteção dos limites demarcados e impedir a invasão de terceiros. Entretanto,
mesmo sendo uma das principais políticas indígenas de garantia dos direitos dos
povos originários, que há séculos vem sendo expropriados, usurpados e negados,
a demarcação de terras também se configura como a política indígena mais
atacada e acometida de violações de grupos sociais e empresas que enriquecem
às custas da exploração dos recursos naturais, como o comércio ilegal de madeira,
a mineração, a grilagem, o latifúndio e o agronegócio.

132
UNICESUMAR

Figura 3 - Marcha pelos direitos da população indígena em São Paulo

Descrição da Imagem: a imagem é a fotografia de um protesto, onde, em primeiro plano, aparece um


homem indígena que está segurando um cartaz preto com os seguintes dizeres, em letras maiúsculas, na
cor vermelha: “Pelo fim do Genocídio Indígena!”. A placa esconde metade do rosto do homem, deixando
parte do nariz, ao olhar mostra, que, por sua vez, está sério e olhando diretamente para a câmera. A face
do homem apresenta pinturas abaixo e nas laterais dos olhos, na cor preta, e ele está usando um cocar
formado por penas marrons, amarelas e uma única pena preta ao centro. Ao fundo, de forma desfocada,
estão diversas outras pessoas, em sua maioria, de pele escura, e uma de cocar também, sendo que atrás
delas estão dispostas folhagens de árvores.

Esses núcleos econômicos cuja riqueza tem sido acumulada com o desmatamen-
to, a poluição e a exploração do meio ambiente, vem invadindo terras, histórica
e legalmente, indígenas, usando da força, da coerção e da violência seguida de
mortes com requinte de crueldade, dando continuidade no genocídio indígena,
denunciado por diversos atos, como apresentado na Figura 3, e iniciado, no pe-
ríodo colonial, com a chegada dos portugueses a este território, originalmente,
habitado pelos povos nativos, que, depois, veio a chamar-se de Brasil.

133
UNIDADE 4

NOVAS DESCOBERTAS

A música Demarcação Já! é uma homenagem aos povos indígenas do


Brasil de mais de 25 artistas, que protestam, em forma de canto, pelo
direito à terra e à vida da população originária deste país, em uma
parceria com Cinedelia, Greenpeace, Bem-te-vi Diversidade, Institu-
to Socioambiental (ISA) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB). Acesse o QR Code, ouça e aprecie a arte contestadora.

O avanço dos marcos regulatórios dos direitos da população indígena na Cons-


tituição Federal de 1988 proporcionou uma abertura no diálogo e no espaço
para a prática de adesão a documentos e às normativas internacionais, como a
Convenção nº 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), sobre Povos In-
dígenas e Tribais, adotada em Genebra, no ano de 1989, e ratificada pelos governo
brasileiro junto ao Diretor Executivo da OIT, em 2002.
Outros documentos e acordos regulatórios foram de extrema importância
para os povos originários, a exemplo da adesão e da ratificação do Brasil, em
2008, à Declaração das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos dos Povos In-
dígenas. Ambas normativas internacionais citadas versaram acerca dos direitos
dos povos originários e tradicionais a partir de princípios respeitosos, de reco-
nhecimento e valorização às diferenças bem como de denúncia a ideologias,
doutrinas e práticas que se baseiam na superioridade racial, religiosa, étnica ou
cultural de determinados povos e/ou indivíduos, entendendo-as como “racis-
tas, cientificamente falsas, juridicamente inválidas, moralmente condenáveis e
socialmente injustas” (ONU, 2008).
Perante o conhecimento aqui socializado, corroboramos que, historicamente,
como nação, ainda temos muito para avançar nas políticas indígenas que garan-
tam, de forma vitalícia, os direitos da população indígena brasileira, porém não
podemos desmerecer as conquistas das lutas dos movimentos sociais indígenas,
que vêm de forma contínua, intensa e persistente educando nosso olhar e nossa
concepção acerca da história de parte da sociedade que a maioria da população
brasileira não quer enxergar.
Diante de todo conteúdo tratado nesta unidade, que versou acerca das re-
sistências e permanências das políticas indígenas e indigenistas historicamente,
com foco na contemporaneidade, todo o conhecimento trazido com exemplos

134
UNICESUMAR

histórico e de aplicação na prática, você conseguiu compreender as diferenças


entre as políticas indigenistas e as políticas indígenas?
O conceito de Política Indigenista foi usado por muito tempo como sinôni-
mo de todo e qualquer feito estabelecido pelo Estado com os povos nativos, ao
longo da História do Brasil. Logo, o indigenismo foi durante séculos opressor
com a população indígena que foi submetida a um tratamento de omissão, re-
pressão, violência e desvalorização por parte das decisões oficiais de governantes
e representantes das instituições dominantes. Contudo as várias transformações
ocorridas no campo do indigenismo, nas últimas décadas, sobretudo, no período
de redemocratização com o fim da Ditadura Militar, incidiu na ressignificação
deste conceito a partir da formulação de uma definição mais adequada. Para com-
preendermos como se deu a reformulação deste conceito, torna-se fundamental
o estabelecimento de uma comunicação direta com os grupos indígenas que se
encontram em todo o território nacional.
É necessário entender os povos originários como agentes principais de suas
próprias organizações e próprios movimentos de representação, fundamentais para
a implementação de políticas públicas indígenas que não são apenas “canetadas”
do Estado, decididas por pessoas e dirigentes não-indígenas que não conhecem a
fundo as complexidades e as especificidades destes povos, mas sim a responsabi-
lidade do mesmo com a garantia da vida, da cultura, dos direitos e dos territórios
das centenas de etnias indígenas distribuídas em todas as regiões do país.
Ao longo da unidade, você teve a oportunidade de estudar estas diferenças e
semelhanças, de forma mais profunda e completa, a fim de ampliar o seu conheci-
mento e repertório conceitual. Em razão disso, respondendo às problematizações
iniciais, podemos afirmar que políticas indígenas e políticas indigenistas não são
sinônimos, apesar de algumas relações e finalidades em comum.
Durante muito tempo, as narrativas históricas e historiográficas negaram e ne-
gligenciaram a contribuição histórica e cultural da população indígena nos pro-
cessos de construção da identidade nacional, apagando, historicamente, os saberes
originários dos conteúdos e as temáticas consideradas importantes para se ensinar
na formação docente. Isso ainda reflete em como diversos professores de História
possuem uma escassez de conhecimento acerca da História Indígena, nas salas de
aulas. Neste sentido, torna-se essencial que você, enquanto futuro(a) docente de
História, se interesse e busque conhecer e cobrar dos seus professores o ensinamen-
to do saberes indígenas e sua atuação primordial na História do Brasil.

135
Estimado(a) estudante, chegou a hora de colocar todo o conteúdo dinamizado em
prática. Responda as questões com atenção, sempre voltando a ler o texto, se neces-
sário. Lembre-se de que a Avaliação é importante para medir seu conhecimento, mas
não para determiná-lo, pois cada pessoa tem um processo de aprendizagem próprio.

1. Foram várias as políticas indigenistas implementadas desde a colonização que re-


gularam e abrangeram a vida das populações nativas do território brasileiro, que,
em sua maioria, ficaram submetidas a decisões arbitrárias e medidas coercitivas da
guarda da Coroa portuguesa, dos latifundiários escravagistas e dos bandeirantes ex-
propriadores de terras. A respeito das políticas indigenistas implementadas ao longo
da História do Brasil, marque V para as alternativas Verdadeiras e F para as falsas:

( ) Na colônia brasileira, os Regimentos dos governadores-gerais e os documentos


legislativos como Cartas Régias, Leis e Alvarás, não tinham validade legislativa,
apenas elaborados pelo próprio monarca português.
( ) A Lei de 1755 que regulamentava o Diretório Pombalino foi precursora na ga-
rantia dos direitos indígenas, ordenando a formação de aldeamentos coletivos
que respeitavam a diversidade cultural e étnica dos nativos.
( ) No período colonial, as políticas indigenistas eram regidas pelas leis da metrópole
Portugal, em especial, pelas Ordenações Manuelinas e, posteriormente, Filipinas.
( ) A Lei 601, de 1850 implantou a Lei das Terras, que tratava do regulamento dos
territórios indígenas, implementando uma política justa em relação às terras
das aldeias.
( ) Foi apenas no século XVII que Portugal elaborou um documento específico para
os povos indígenas brasileiros, o Diretório dos Índios, conhecido como Diretório
Pombalino, pela Lei de 1755.
Assinale a sequência correta:

a) V- V- F- F- V.
b) F- V- F- V- F.
c) F- F- F- V- V.
d) V- F- V- V -F.
e) F- F- V-F-V.

136
2. De Colônia de Portugal, o Brasil tornou-se independente e passou a ser um Império
a partir de 1822, contudo o sistema político e econômico pouco foi alterado, pois a
escravidão continuou sendo a base da economia agrária, e o sistema de aldeamento
e política de assimilação completa da população indígena, submetida à servidão,
catequização e expropriação de suas terras, continuou sendo a realidade na prática.
Sobre as políticas indigenistas do Império, analise as alternativas a seguir:

I - A primeira Constituição do Brasil, outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 24 de


março de 1824, inaugurou a Independência do Brasil da metrópole portuguesa,
dando um tratamento humano e digno aos povos indígenas, juridicamente.
II - O século XIX é caracterizado por um verdadeiro “vazio legislativo” em relação às
políticas indigenistas.
III - O único documento indigenista geral do Império é o Regulamento das Missões
e Catequese e Civilização dos Índios, de 1845.
IV - A Lei 601 de 1850 revelou o surgimento de outro texto jurídico, chamado de Lei
das Terras, que regulamentava os territórios indígenas, implementando uma
política agressiva que despojava as aldeias e as comunidades indígenas de suas
terras.
V - O Regulamento das Missões e Catequese e Civilização dos Índios, de 1845 confi-
gurava-se como um plano político nacional no que concerne à questão indígena.
A partir das análises, assinale as alternativas corretas:

a) As afirmativas I e II estão corretas.


b) As afirmativas I e III estão corretas.
c) As afirmativas I, II e V estão corretas.
d) As afirmativas II, III e IV estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.

3. O período republicano foi proclamado em 1889, porém não alterou a cruel realidade
social dos povos indígenas, pois diversas etnias continuaram sendo massacradas, e
suas terras permaneceram sendo invadidas. Mais de 130 anos se passaram da nossa
República, e muita coisa mudou ao longo das décadas. Diante de todo conhecimento
adquirido, redija um texto de, no mínimo, de 20 linhas, fazendo um panorama his-
tórico das políticas indigenistas e indígenas desde a Proclamação da República até
os dias de hoje.

137
5
O ensino de
História Indígena
e as perspectivas
educacionais
Me. Eloá Lamin da Gama
Me. Daniara Thomaz Fernandes Martinss

A presente unidade tratará do ensino de História ao longo do tempo,


seu surgimento no Brasil e como foi influenciado por perspectivas edu-
cacionais eurocêntricas e que negligenciaram os saberes indígenas em
sua matriz curricular. A unidade também abordará a reivindicação his-
tórica dos movimentos sociais indígenas por uma educação inclusiva e
antirracista e como o Estado brasileiro lidou com esta demanda, a par-
tir da redemocratização e dos governos que se seguiram no período
pós 1988, com ênfase especial na implementação da obrigatoriedade
do ensino de História Indígena, por meio da Lei nº 11.645 de 2008.
UNIDADE 5

Querido(a) estudante, a questão indígena no ensino de História vem sendo cada


vez mais discutida, aplicada e defendida para que a formação de estudantes do
Ensino Básico de todo o Brasil possa ser mais completa e, historicamente, fun-
damentada. É inadmissível que os nossos alunos e nossas alunas, e a sociedade
brasileira como um todo continuem reproduzindo um conhecimento superficial
e inconsistente acerca da história dos povos originários, pois, ao desconhecer a
história indígena, nós também desconhecemos a história do nosso próprio país.
Sobre os conteúdos relacionados à História Indígena, como foi a sua forma-
ção enquanto estudante da Educação Básica? O seu aprendizado sobre o tema foi
suficiente? Ou foi defasado? Você teve como aporte teórico fontes históricas que
abordaram o assunto? Ou não teve nenhum conteúdo sobre esta temática em es-
pecífico? Os(as) docentes que lhe deram aula no Ensino Fundamental e no Ensino
Médio tinham a preocupação de reforçar o papel dos povos nativos durante toda a
História do Brasil e na construção da identidade nacional? Ou estes conteúdos tão
importantes não tinham espaço no planejamento e nas aulas ministradas?
Faça este exercício de memória a fim de relembrar sua trajetória na Educação
Básica enquanto estudante, comparando esta vivência com a posição que você
ocupa hoje, de um(a) estudante de Ensino Superior, que está cursando uma gra-
duação em História, ou seja, um(a) professor(a) de História em formação. Você
mudaria seu posicionamento frente aos conteúdos acerca da História Indígena,
nas aulas que for ministrar, em relação ao posicionamento que seus professores
do Ensino Básico tiveram nas aulas que ministrou para você e sua turma?
Se sim, isso significa que o seu conhecimento básico a respeito da cultura, da
história, da organização social e do modo de pensar das sociedades indígenas
brasileiras foi incompleto, deturpado e, muitas vezes, negado por docentes de His-
tória que não estavam preparados, intelectualmente, para ensinar sobre as temá-
ticas que contemplam este vasto campo de estudo e investigação. Portanto, para
falarmos do ensino de História, também é necessário abordarmos a formação
docente em História, que deve preparar os professores que formam para ensinar
a História Indígena em suas aulas, em especial, nas aulas de História do Brasil.
A matriz curricular da disciplina de História no Brasil, por muito tempo e ainda
hoje, foi influenciada por um viés eurocêntrico e ocidental, que dedicou mais tempo
de estudo (quantidade) e uma melhor dinamização do conhecimento (qualidade)
para os conteúdos referentes à história do continente europeu, dos Estados Unidos
e do Brasil em uma perspectiva da elite, que exalta e não problematiza a colonização

140
UNICESUMAR

portuguesa e, em contrapartida, apaga e esquece a atuação da população africana,


afro-brasileira e indígena na formação histórica-social do país.
Neste sentido, torna-se imprescindível rompermos com este ciclo de apa-
gamento e silenciamento que vem sendo imposto e aceito, socialmente, desde a
implementação da História enquanto disciplina que integra a grade curricular
das escolas brasileiras e que, portanto, segue a matriz epistemológica que orienta
a História enquanto ciência, originalmente excludente, ao pensar a Europa como
o epicentro histórico, cultural, social e intelectual do mundo.
Em razão disso, o ensino de História escolar brasileiro vem seguindo a mes-
ma lógica de uma historiografia exclusivamente influenciada pelo Positivismo,
corrente filosófica do século XVIII que, por muito tempo, corroborou com uma
visão falaciosa e preconceituosa de que as civilizações africanas, ameríndias e
aborígenes não teriam história e seriam povos sem cultura, entendendo que ape-
nas os pensadores europeus teriam condições cognitivas para escrever a história
mundial, baseando-se somente em documentos históricos oficiais e escritos por
figuras da elite e representantes do Estado.
A partir da abertura teórica e metodológica proporcionada por correntes
historiográficas, como a História Cultural e a Escola dos Annales, esta concepção
passou a ser confrontada e problematizada com novas fontes e novos documentos
históricos que comprovaram a presença milenar dos povos indígenas em todo
continente americano e a existência de uma complexa e dinâmica organização
social quando os portugueses aqui chegaram.
Desta forma, as perspectivas históricas, sociológicas e antropológicas da His-
tória Indígena vêm possibilitando uma reeducação de toda a historiografia que
compete à História do Brasil, bem como do olhar dos profissionais da História
para os estudos, as teorias e as práticas docentes a respeito do trabalho didático-
-pedagógico com o conhecimento referente aos povos originários do nosso país.
A partir do exercício de memória que levantamos anteriormente, muitas lem-
branças da época da escola podem ter sido acionadas e trazidas à tona, sejam boas
e proveitosas, sejam ruins, e que não contribuíram muito com sua formação, e,
ainda, lembranças que foram deletadas da memória, completamente esquecidas.
Entre as práticas docentes recordadas que você teve durante o Ensino Bási-
co e que repetiria ou mudaria quando assumir o lugar de professor em escolas
diversas, elabore um plano de aula sobre uma temática da História Indígena que
você mais gostou e aprendeu. Todavia, se você não teve este contato enquanto

141
UNIDADE 5

estudante nos Ensinos Fundamental e Médio, produza uma proposta docente,


pensando na aula que você gostaria de ter tido sobre o tema, levando em consi-
deração que agora você é o(a) docente.
Ao propormos esta atividade prática, temos a intenção de que você se coloque
na posição de um(a) docente responsável pela disciplina de História, seja de uma
turma do Ensino Fundamental seja do Ensino Médio, esta escolha fica a seu crité-
rio. Elaborar um plano de aula, que também é denominado de planejamento e/ou
plano de ensino, torna-se uma tarefa essencial para nós, professores de História e
de qualquer outra área do conhecimento, para organizarmos e ministrarmos uma
aula de qualidade, mesmo diante de todas as dificuldades do cotidiano escolar,
em especial das escolas públicas e periféricas brasileiras.
Para a elaboração de um plano de aula, é importante que você defina qual
será o tema tratado, nesse caso, dentro da temática ampla de História Indígena,
seu objetivo, a metodologia a ser utilizada, quais serão as formas de avaliação e as
referências bibliográficas que possui em relação à História Indígena e que serão
usadas para construir a aula. Lembre-se de que o tempo de duração de uma aula
nas escolas públicas brasileiras, chamado de hora-aula, é de 50 minutos. Ter cons-
ciência do tempo é muito importante para uma aula fluida e que tenha começo,
meio e fim, sem atropelamentos e confusões.
A partir da experiência proposta, reflita acerca do ato de planejar uma aula
a respeito da temática de História Indígena. Dentro deste amplo campo de estu-
do, qual o assunto que você escolheu para dirigir sua aula? Quais as referências
e os recursos didáticos você pensou em utilizar? Você levou em consideração
a linguagem com que abordará esta temática, por vezes, difícil e permeada de
violência e preconceito?
Nós, professores de História, temos o compromisso e a responsabilidade de
nos aproximarmos o máximo possível da verdade histórica em nossas aulas, sen-
do sinceros com o nosso alunado e com a nossa profissão. Logo, torna-se impor-
tante não romantizar nem omitir as violências que permeiam a História do Brasil
desde os primórdios da colonização, contudo, isso também não significa que
devemos naturalizar e relativizar os episódios históricos violentos e desumanos
que fizeram parte da construção do Brasil enquanto nação.
Neste sentido, é necessário termos consciência do público para o qual nossa
aula está sendo ministrada. Por exemplo, se a turma for de jovens, utilizar, de for-
ma estratégica, linguagens da cultura juvenil e que possibilitem uma aproximação

142
UNICESUMAR

entre a história narrada na aula e as diversas vivências e realidades sociais que


constituem os(as) estudantes que terão contato com o conteúdo dado.
Caro(a) estudante, lembre-se de que nós, professores, temos que nos atuali-
zar, constantemente, tanto metodológica quanto teoricamente. Portanto, manter
contato com as manifestações e as linguagens culturais juvenis é fundamental,
a exemplo de séries, filmes, jogos e músicas. Aproveite o momento e escreva, em
seu Diário de Bordo, as reflexões obtidas a partir da elaboração do planejamento
e quais foram os recursos que você utilizou para construir a aula e aproximar
os(as) estudantes da História Indígena.

Querido(a) estudante, para que possamos abordar o ensino de História Indíge-


na e sua importância para nossa formação como professores e para a formação
histórica dos estudantes a quem daremos aula, torna-se necessário, primeiro,
compreender as perspectivas educacionais que abrangem o ensino de História, ou
seja, entender o processo de constituição da História enquanto disciplina escolar
no Brasil e suas transformações ao longo do tempo.
Neste sentido, apresentaremos, a princípio, uma breve contextualização
histórica do surgimento do ensino de História no Brasil cujo processo de im-
plementação foi influenciado e fundamentado por perspectivas educacionais
eurocêntricas e que negligenciaram os saberes indígenas em sua matriz curri-
cular e epistemológica.

143
UNIDADE 5

Quando nos deparamos com os documentos norteadores do ensino de


História e da nossa prática docente, como as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN’s) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), temos a propensão
a achar que o currículo é uma construção natural e cristalizada, isto é, que é
um instrumento inquestionável e universal que existe para auxiliar e orientar a
educação no Brasil. Contudo, por vezes, esquecemos que o currículo também é
uma construção social, ou seja, que o currículo de uma disciplina foi pensado
e estruturado por grupos sociais específicos que, por sua vez, são formados
por pessoas que possuem determinados códigos culturais, formas de pensar,
formações profissionais e interesses pessoais e coletivos que reverberarão e
aparecerão no resultado da política curricular.
Com o currículo da disciplina de História não seria diferente, até mesmo
porque é da natureza da ciência histórica lidar com os eventos e os fatos do pas-
sado que contribuíram para a construção da sociedade e identidade brasileira,
qualidade que caracteriza a História enquanto disciplina estratégica para a pro-
pagação de narrativas que moldarão o imaginário social e, portanto, disciplina
alvo de diversas e constantes disputas pela memória.

Nesta constante disputa pela memória histórica, o Estado ocupa o lugar


de “um dos principais configuradores e idealizadores da História enquanto
disciplina escolar através da definição e aprovação de diretrizes curricula-
res, leis educacionais, literatura didática, formação e condições do trabalho
docente” (GAMA, 2020, p. 77). Logo, a intervenção do Estado, no ensino de
História, é direta, sendo realizada nas práticas pedagógicas e nos proces-
sos de ensino e aprendizagem da História que se dá na apropriação dos
conteúdos e conhecimentos dinamizados nas aulas.

De acordo com Schmidt (2012), podemos afirmar que o marco institucional


fundador da construção do código disciplinar da História no Brasil é o Regu-
lamento de 1838, do Colégio D. Pedro II, que implementou a História como
disciplina componente do currículo escolar brasileiro. Desta forma, a autora
aponta que o código disciplinar “consolidou-se sob a demarcação de fortes re-
lações de poder do Estado na configuração da História como disciplina escolar”
(SCHMIDT, 2012, p. 85).

144
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Encontra-se disponível, aqui, o Regulamento n° 8 de 31 de janeiro


de 1838, responsável por decretar os Estatutos do Colégio D. Pedro
II, instituição de ensino localizada no Rio de Janeiro e compreendida
como o terceiro colégio mais antigo em atividade no país. A instituição
foi fundada para integrar um projeto civilizatório mais amplo do Im-
pério do Brasil ao formar uma elite nacional e construir um modelo de
sistema de ensino no país. Acesse o QR Code e veja como a disciplina
de História apareceu no currículo escolar brasileiro pela primeira vez.

É a partir desta relação de poder com o Estado, que, na época, estava se con-
solidando como um Estado independente de Portugal, porém, que continuava
vinculado aos interesses políticos e econômicos da metrópole portuguesa, que
a disciplina de História é forjada por princípios eurocêntricos. Este processo é
intensificado com o movimento de consolidação do Estado Nacional, na segunda
metade do século XIX, momento histórico permeado de disputas e conflitos entre
monarquistas e republicanos, devido à necessidade de estabelecer uma identidade
nacional que pudesse definir a sociedade brasileira e a nova nação.
Com a Proclamação da República, em 1889, a importância da História, em es-
pecial, a História do Brasil, torna-se mais significativa ao contribuir, diretamente,
para a formação de determinado padrão de cidadão, responsável por representar,
de forma homogeneizadora, universal e cristalizada, a identidade do povo bra-
sileiro. A identidade em comum idealizada pelo Estado, que acabava de abolir,
oficialmente, a escravidão e continuava a negligenciar as comunidades indígenas,
não havia de ser outra se não branca, cristã e patriarcal.
Ignorando e invisibilizando a grande maioria da população que era negra e
as etnias indígenas distribuídas por todo território do país, a identidade nacional
desenhada pelo Estado brasileiro tinha como padrão civilizatório, social, político,
cultural e estético as sociedades europeias, uma consequência direta de como o
processo histórico de colonização portuguesa incutiu um ideário de sociedade
eurocêntrico e baseado na desigualdade racial.
Neste sentido, para sustentar a identidade nacional arquitetada pelo Estado,
a disciplina de História passou a configurar-se como um dos pilares do projeto
político de nação, implementado a partir da Proclamação da República, tendo
como base as concepções europeias da história, principalmente a francesa, isto

145
UNIDADE 5

é, a História da Europa Ocidental passou a ser apresentada como a verdadeira


História da Civilização (NADAI, 1993).
Sob esta perspectiva, a História do Brasil ocupava um papel secundário no en-
sino, configurando-se como um apêndice da História Mundial, que era resumida
e limitada à História da Europa Ocidental. Sem nenhuma autonomia e totalmente
formatada, a História do Brasil consistia em um compilado de biografias dos
heróis da pátria, em outras palavras, de figuras masculinas que desempenhavam
funções militares, políticas ou religiosas, bem como de memorização de datas
entendidas como importantes, a exemplo de batalhas e acontecimentos relaciona-
dos á Igreja Católica, logo, as datas privilegiadas pelo ensino de História também
eram baseadas pelos princípios militares e religiosos.


Sustentado a partir da matriz histórica e historiográfica europeia,
particularmente, a francesa, o surgimento da História como disci-
plina escolar está imbricado ao contexto histórico de consolidação
do Estado Nacional, logo, à formação de uma identidade comum,
fato que ancorou o ensino de uma História das datas cívicas, eventos
e personagens da História Ocidental e, posteriormente, da pátria
(GAMA, 2020, p. 79).

Em razão disso, podemos concluir que o currículo escolar da História no Brasil


estava fundamentado em uma concepção histórica universal que reproduzia a
narrativa dos manuais didáticos franceses, divididos sob uma perspectiva de His-
tória profana, destinada à formação dos grandes Estados-nações europeus, e de
História sagrada, concentrada na historicidade do cristianismo da Igreja Católica.

PENSANDO JUNTOS

Caro(a) estudante, você sabia que a divisão quadripartite da História, isto é, a divisão da
História em Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, que ainda hoje permeia o currí-
culo da nossa disciplina e que é utilizada como uma verdade absoluta, configura-se como
uma influência direta do eurocentrismo no ensino de História? Pensar o Brasil, histori-
camente, a partir de uma divisão temporal da História da Europa Ocidental é continuar
perpetuando um pensamento colonizado que atribui um maior valor cultural, social e
epistemológico ao continente europeu enquanto marginaliza e inferioriza a história de
outras civilizações, povos e continentes, como a História da África e da América.

146
UNICESUMAR

Portanto, a concepção eurocêntrica no ensino de História encontra-se enraizada


na educação brasileira desde o seu surgimento enquanto disciplina escolar, mani-
pulando e influenciando os conteúdos abordados e privilegiados pela construção
curricular da disciplina de História e, até mesmo, a noção temporal e espacial,
bem como a divisão dos períodos históricos estudados por eventos e aconteci-
mentos ocorridos na Europa Ocidental.


O sistema educacional brasileiro e dos demais países hispano-ame-
ricanos se constituíram sob a hegemonia cultural de países euro-
peus. O rompimento político não excluiu antigos laços identitários
da fase colonial, evidentemente, mantendo-se o ‘berço de origem’
nos países ocidentais cristãos europeus. Para o Brasil, a opção das
elites no poder, elites provenientes dos setores agrário e escravagista,
foi a constituição de um nacionalismo identificado com o mundo
cristão e branco europeu, acrescido de um espectro conservador
representado pelo regime monárquico. O desafio político para essas
elites era a manutenção de um vasto território conquistado pela
monarquia portuguesa que necessitava manter o regime monár-
quico e consolidar uma unidade territorial, além de criar formas
identitárias que ultrapassassem as visões provinciais e os conflitos
locais com projetos republicanos e separatistas que desafiavam o
poder centralizado (BITTENCOURT, 2007, p. 35).

Em razão disso, podemos afirmar que o fato de o ensino de História, ainda hoje,
ser pensado a partir da história do continente europeu, faz parte de um projeto
político que foi implementado no século XIX e continuado no século XX, em que
a identidade escolhida pelos grupos sociais dominantes para representar o povo
e, consequentemente, o Estado brasileiro, foi uma identidade coletiva baseada
nas sociedades e nas organizações sociais europeias.
Levando isso em consideração, eu lhe pergunto: se, no final do século XIX, pe-
ríodo em que o Brasil aboliu, oficialmente, a escravidão, a identidade designada para
definir a população brasileira foi a elite branca, como ficaram as populações negra
e indígena do país no que tange as políticas públicas e as benesses sociais de dever
do Estado? Como essas populações foram representadas no ensino de História?
Ao preferir o continente europeu e o considerar o epicentro sócio histórico e
cultural do mundo, importando um protótipo unilateral e enviesado para caracteri-

147
UNIDADE 5

zar o povo brasileiro, o Estado negligenciou e não se responsabilizou sob o enorme


e populoso contingente negro e indígena que foi abandonado à sua própria sorte,
mesmo após séculos de escravização, genocídio físico e cultural e discriminação.
Já o ensino de História atribuiu às populações negra e indígena um papel passivo
de espectadores cuja representação na história do país é totalmente limitada a uma
mera contribuição social constituída por estereótipos e preconceitos.
Desta maneira, ora o ensino de História depreciava a imagem da população
indígena, tratando-a como selvagem, atrasada, incivilizada e sem cultura, ora a
invibilizava e silenciava na História do Brasil, eximindo-se da responsabilidade
histórica em tratar do papel fundamental dos povos originários na construção
da identidade nacional e abordar as perversidades e desumanidades cometidas
por Portugal e perpetuadas pelo Estado brasileiro contra as etnias indígenas de
todo o território do país.
Por isso, torna-se extremamente importante compreendermos a origem do
ensino de História, para não mais corroborarmos com uma lógica excludente e
que não condiz com a historicidade do povo brasileiro, mas sim, nos orientarmos
enquanto área do conhecimento a fim de tornar o processo de ensino e apren-
dizagem da História mais democrático, comprometido com a ciência histórica
e antirracista, ao entender a História da América e dos seus povos nativos como
imprescindível para a nossa formação e a formação de nossos alunos e alunas.

148
UNICESUMAR

Figura 1- América Invertida (1943), obra do pintor uruguaio Joaquín Torres García, em exposição no
Museu Municipal de Belas Artes Juan Manuel Blanes, na cidade de Montevidéu, Uruguai
Fonte: Wikimedia Commons (1943, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem apresenta uma obra ilustrada, à caneta e à tinta, do mapa da América
do Sul invertida, em outras palavras, “de cabeça para baixo”. O mapa desenhado apresenta apenas os
contornos do continente sulamericano, sendo cortado por uma linha, na parte inferior, que representa a
Linha do Equador e por outra linha, na parte superior, que representa o Trópico de Capricórnio. Na parte
inferior esquerda da Linha do Equador, sinalizada pelo escrito do nome do país em espanhol “Ecuador”,
encontra-se a assinatura do autor da obra, representada pelas siglas do seu nome JTG e o ano de 43.
Na parte inferior esquerda da linha do Trópico de Capricórnio, consta uma coordenada geográfica com
longitude S. 34º 41’ e latitude W 56º 9’, já acima da linha do lado esquerdo estão desenhadas caravelas
e, ainda, do lado direito inferior da mesma, encontra-se o desenho de um peixe nadando sob as ondas
do mar. Na parte superior da imagem, está desenhado o Sol e escrito “Polo S” do lado esquerdo, e a Lua
e seis estrelas do lado direito.

149
UNIDADE 5

Prezado(a) acadêmico, até aqui, fomos introduzidos ao surgimento e à con-


solidação do ensino de História no Brasil, analisando suas bases epistemo-
lógicas e suas perspectivas educacionais, as quais foram fundamentadas,
principalmente, por uma lógica eurocêntrica ocidental que não contemplou
outros conhecimentos além daqueles produzidos sob a concepção positivista
da ciência e suas diversas áreas.
A partir de agora, versaremos sobre a temática do ensino de História Indígena,
lançando luz sobre as relações entre a população originária e a educação brasi-
leira, mediadas, via de regra, pelo Estado nacional e pelos movimentos sociais.
Buscamos, com isso, tecer uma análise cronológica sobre os fatos e eventos que
pavimentaram a inserção da História Indígena como conteúdo obrigatório nos
currículos e nas ementas escolares.
Discutir o ensino de História Indígena demanda abordarmos os movimentos
sociais indígenas, pois a introdução dos conteúdos didáticos referentes aos povos,
às sociedades e às culturas originárias do Brasil no ensino básico é resultado dire-
to das ações e das reivindicações protagonizadas por sujeitos e coletivos indígenas
organizados, politicamente, ao longo do tempo.
Assim, para compreendermos a relevância do ensino de História Indígena e
sua necessária presença nas instituições de ensino brasileiras, é preciso retomar
a atuação dos movimentos sociais e suas reverberações no âmbito da educação, a
partir da criação de políticas públicas e afirmativas, como a Lei Federal nº 11.645,
de 10 de março de 2008, que instituiu a obrigatoriedade da temática de História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena no currículo oficial da rede de ensino do país.

Com efeito, podemos afirmar que, desde a chegada da primeira embarcação


europeia nas terras que viriam a ser chamadas Brasil até os dias atuais, os
povos indígenas apresentaram distintas formas de resistência à colonização
e à exploração ocidental e estrangeira, seja por meio da rejeição da língua,
dos padrões culturais e da religião dominantes, seja a partir da subversão do
modo de vida capitalista afeito ao lucro e à produtividade.

Em todo o caso, o que verificamos é uma longa e assídua trajetória de lutas acam-
padas pelos diversos povos originários de nossa nação, representada, principal-
mente, pelos esforços de dar continuidade às suas culturas, às cosmologias e às
relações com a natureza, mesmo em meio a uma conjuntura de violências físicas

150
UNICESUMAR

e simbólicas materializadas pelas políticas de extermínio e integração e, também,


pelo apagamento das práticas e dos conhecimentos tradicionais.
A despeito disso, foi somente a partir da segunda década do século XX que
as mobilizações e as reivindicações indígenas passaram a adquirir a configuração
de movimento social politicamente organizado, apresentando a consciência ét-
nico-racial, a memória social e a identidade coletiva dos povos originários como
os principais balizadores das demandas e dos debates articulados pelos sujeitos
e coletivos indígenas no Brasil.
Traremos, mais adiante, alguns pontos para compreendermos a consoli-
dação do movimento social indígena brasileiro em suas primeiras décadas de
existência e suas mobilizações, mas, antes disso, apresentaremos, brevemente, as
circunstâncias em que se estabeleceu a relação entre os povos nativos e o Estado
brasileiro no período anterior ao surgimento dos movimentos indígenas, dando
especial destaque à educação.
Até os anos 1970, a luta dos povos indígenas ocorreu, exclusivamente, sob a
ótica das políticas indigenistas, com isso, a educação atribuída à população nativa
brasileira orientava-se por uma perspectiva tutelar que visava mais à integração
deste segmento à ordem social do que o reconhecimento de suas identidades
e culturas e a preservação da autonomia de seus modos de vida. Grosso modo,
podemos afirmar que, até o surgimento dos movimentos indígenas, o tipo de edu-
cação imposta pelo Estado aos povos originários baseava-se, unicamente, num
formato autoritário, ora civilizador, ora integracionista, que buscou a desarticu-
lação dos saberes e conhecimentos tradicionais, substituindo-os pela perspectiva
educacional eurocêntrica, a qual desprezou os métodos de ensino originários,
como a oralidade, estabelecendo a grafia e a ciência ocidental como as únicas
fontes e subsídios possíveis para a prática da educação.
Em seu livro O caráter educativo do movimento indígena brasileiro (2012), o
autor indígena e educador Daniel Munduruku classifica as políticas indigenistas
brasileiras em dois modelos denominados por ele como paradigma extermina-
cionista e paradigma integracionista. Segundo o educador, o primeiro modelo de
medidas estatais indigenistas colocadas em prática no Brasil teve início logo com
a chegada dos europeus às nossas terras e apresentou como principal objetivo
a dizimação física dos povos originários (MUNDURUKU, 2002). Esta lógica de
extermínio apoiava-se, principalmente, na concepção ocidental acerca da ine-
xistência de alma por parte dos habitantes nativos, em razão disso, as violências

151
UNIDADE 5

cometidas sobre esta população não configuravam em si uma


ação condenada pela Igreja Católica, o que justificava, portanto,
a realização de tais atos.
O modelo exterminacionista de política indigenista esten-
deu-se durante todo o período colonial e imperial do Brasil,
tendo as práticas genocidas como forma primordial de atuação.
Neste contexto, crianças, mulheres e idosos indígenas foram as
principais vítimas do extermínio praticado pela Coroa Portu-
guesa, uma vez que eram considerados dispensáveis por não
configurarem o tipo de mão de obra requerida pelo regime es-
cravista. Porém o genocídio também se deu por vias ideológicas,
sobretudo, pela catequização introduzida pelos padres da Com-
panhia de Jesus, os jesuítas, instituição também responsável pela
educação dos povos originários no contexto do Brasil Colônia.
Não foi somente a educação para os indígenas que surgiu
mediante o ensino jesuítico em nosso país, mas o próprio siste-
ma educacional brasileiro como um todo encontra raízes neste
empreendimento colonial. De acordo com os autores Shigunov
Neto e Maciel (2008), o projeto de educação implementado
pela ordem religiosa configurou-se mais do que um plano de
conversão cristã e imposição do catolicismo, ele representou,
na verdade, um projeto de transformação social das culturas
originárias por meio da imposição e da repercussão da doutri-
na cristã e do hábito do trabalho, ambos recursos tidos como
necessários para a formação da sociedade brasileira, conforme
a visão dos colonizadores.
A educação indígena referente à época colonial pode ser
descrita, portanto, como um tipo de deseducação, isto é, como
um meio de desestruturação e descontinuidade do modo de
vida e dos padrões culturais originários em benefício da intro-
dução e da difusão da estrutura social e da cultura europeia.
Neste sentido, os símbolos e as referências ocidentais, como a
língua portuguesa, o sistema católico de religião, o regime de
trabalho etc. tornaram-se instrumentos disciplinadores de um
tipo de ensino eurocêntrico e colonizador (vide Figura 2).

152
UNICESUMAR

Figura 2 - Jesuítas catequizando indígenas / Fonte: Wikimedia Commons (1920, on-line).

Descrição da Imagem: a figura apresenta uma gravura de dois jesuítas catequizando um grupo de
indígenas, no interior de uma tapera feita de esteios de madeira. No canto esquerdo da imagem, vemos
um altar com uma cruz e um castiçal ao lado. Em frente ao altar, ajoelhado num tapete feito com o
couro de algum animal, há um padre jesuíta ajoelhado, segurando em suas mãos uma bíblia, ele veste
uma batina preta. Ao lado do primeiro padre, há um segundo posicionado em pé, vestindo uma batina
preta, um de seus braços está levantado e sua posição sugere uma conversa afirmativa com o grupo de
homens indígenas localizado à sua frente. Os indígenas vestem apenas tangas e seus adereços étnicos,
o que produz um contraste com a roupa longa vestida pelos jesuítas. Mais adiante, à direita na imagem,
posicionado em pé na porta de entrada da tapera, há outro homem indígena com uma lança em mão,
vestindo somente tanga e portando um colar em seu pescoço. No canto inferior esquerdo da imagem, é
possível verificar alguns objetos, como um baú, um sino e duas cumbucas, seguindo para o lado esquerdo,
há uma fogueira apagada.

PENSANDO JUNTOS

Caro(a) aluno(a), você sabia que o primeiro curso de nível superior do Brasil foi fundado
durante o Brasil Colônia, no ano de 1553, sob o comando da ordem religiosa jesuíta? O
curso de Teologia e Ciências Sagradas, voltado para a formação de sacerdotes católicos,
foi criado no Colégio dos Jesuítas, instituição localizada na Bahia. Este fato nos demonstra
como a educação brasileira está vinculada à colonização e aos seus diversos processos
em nossa sociedade.

153
UNIDADE 5

Assentado numa visão evolucionista sobre os povos nativos, o paradigma integra-


cionista iniciou-se com o período republicano brasileiro, tendo sido diretamente
influenciado pelo positivismo em voga na época. De acordo com Munduruku,
este modelo indigenista pregava a ideia de que as sociedades e culturas indígenas,
em contraposição às europeias, eram inferiores e, por isso, estavam fadadas ao
desaparecimento. Sua sobrevivência na sociedade brasileira dependia, portanto,
do seu nível de adaptação e integração à civilidade, isto é, aos moldes culturais e
à organização social ocidentais e modernos (MUNDURUKU, 2002). As políticas
estatais voltadas à população indígena deste período foram marcadas por um
caráter tutelar, materializada pela criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI),
em 1910, órgão que protagonizou diversas ações no esforço de integrar, arbitra-
riamente, os povos indígenas ao Estado brasileiro.
Talvez, neste momento, você, aluno(a), possa estar se perguntando qual a
problemática em torno do integracionismo, visto que adequar a população nativa
à sociedade nacional aparenta ser uma ação muito mais humana e branda do que
o extermínio e a escravização de tais indivíduos. Com razão, as violências físicas
cometidas durante o período colonial foram desestimuladas durante a Primeira
República, porém isso não significa dizer que os povos indígenas deste país dei-
xaram de sofrer com as consequências e as repercussões das ações coloniais, tam-
pouco significa afirmar que o Estado brasileiro tenha, finalmente, reconhecido a
necessidade da autonomia cultural para a continuidade das sociedades indígenas.
As críticas sobre as políticas indigenistas integracionistas pairam, principal-
mente, sobre sua natureza tutelar, a qual induz não à independência e à autode-
terminação das sociedades indígenas, mas sim à sua submissão e dominação
em relação à cultura ocidental e à civilização. Se, como afirmou Geertz (1978), a
cultura configura-se como o conjunto de símbolos e significados, historicamente
transmitidos, que permitem a comunicação e a coesão social de um povo, o que
sobra deste povo quando lhe tiramos o direito à sua cultura, isto é, o direito à sua
língua, à religião, ao seu modo de vestir, comer, produzir, às suas relações com a
natureza e o mundo ao seu redor? Como é possível a continuidade de um povo
sem sua cultura? O integracionismo leva, via de regra, à aculturação e, por esta e
outras razões, também se constitui como um tipo de extermínio.
Outro marco importante da ideologia integracionista foi a criação da Fun-
dação Nacional do Índio (FUNAI), atualmente, designada Fundação Nacional
dos Povos Indígena. Fundada em 1967, em plena Ditadura Militar, a entidade

154
UNICESUMAR

surgiu como órgão oficial indigenista do Brasil durante o auge das políticas de
incorporação da população originária à ordem social brasileira. As premissas
assimilacionistas e o caráter tutelar do paradigma indigenista da época foram in-
ternalizados pelo modus operandi da instituição, a qual teve sua atuação baseada
em ações paternalistas e assistencialistas, conforme expôs Daniel Munduruku.
Apesar de sua incontestável importância para o fortalecimento do diálogo
entre o Estado brasileiro e as populações indígenas, a FUNAI manteve o caráter
integracionista de seu órgão antecessor, o SPI, perpetuando a crença na completa
assimilação das sociedades indígenas ao modo de vida ocidental moderno, repre-
sentando, por diversas vezes, os interesses dos latifundiários em detrimento da
defesa dos povos indígenas e de suas terras, o que, até os dias de hoje, tem provo-
cado protestos e manifestações por parte da população originária (vide Figura 3).

Figura 3 - Homens indígenas protestam contra a CPI da FUNAI e do Incra (2017)


Fonte: Wikimedia Commons (2016, on-line).

Descrição da Imagem: a fotografia apresenta dois indígenas anexando uma faixa de protesto a uma
parede de concreto. No canto esquerdo da imagem, está um homem indígena vestindo calça jeans e uma
regata na cor verde claro, o homem utiliza um cocar com penas nas cores branca e azul. Uma de suas
mãos segura um maracá, chocalho típico indígena, a outra mão segura a faixa junto à parede. No canto
direito da fotografia, vemos o segundo homem, também vestido com calça jeans e uma blusa vermelha,
ele está inclinado, colocando a faixa na parede. Na faixa, com fundo branco e letras vermelhas, é possível
ler parte da seguinte frase: “CPI da FUNAI/INCRA: ruralistas para ruralistas”.

155
UNIDADE 5

O Estatuto do Índio, promulgado por meio da Lei Federal nº 6.001, de 19 de


dezembro de 1973, imprime as veias ideológicas assimilacionistas do tratamento
estatal atribuído aos povos indígenas naquele período. No documento, os povos
nativos são definidos como índio ou silvícola, termos cujo significado abrange
“todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é
identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais
o distinguem da sociedade nacional” (BRASIL, 1973, on-line).
Nota-se que o conteúdo do Estatuto atribui especial ênfase à condição dos
povos indígenas enquanto grupo discrepante da ordem social nacional. A partir
de uma visão assimilacionista, o Estado brasileiro categoriza a população nativa
em três classificações baseadas no maior ou menor nível de integração apresen-
tado pelos indivíduos e pelas aldeias indígenas, expressando, assim, a concep-
ção evolucionista do modelo de políticas indigenistas vigentes naquele período.
Segundo o Estatuto dos Índios, a população originária deveria ser considerada
conforme a seguinte escala:


I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que
se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais
com elementos da comunhão nacional;

II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou


permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior
parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas prá-
ticas e modos de existência comuns aos demais setores da comu-
nhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o
próprio sustento;

III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e


reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que con-
servem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura
(BRASIL, 1973, on-line).

Para as pessoas e as comunidades indígenas não integradas à sociedade nacional


e aos seus moldes de organização social, o documento estipula um regime tutelar
e assistencialista, estabelecendo como nulas as ações praticadas entre os indígenas
não integrados e qualquer pessoa externa à sua comunidade, sem a supervisão do
órgão tutelar. Esta determinação implica reconhecimento parcial da capacidade

156
UNICESUMAR

das pessoas indígenas, colocando-as, também, em condição de dependência com


o Estado brasileiro, por meio da tutela exercida pela FUNAI.
Quanto ao âmbito da educação, o Estatuto do Índio estabelece a assimilação
à sociedade brasileira como o objetivo mor do ensino administrado nas aldeias
indígenas, estendendo à população nativa o mesmo tipo de sistema educacional
empregado no restante do país, sujeito, neste caso, às devidas adaptações, confor-
me necessidade. Naquele contexto, o ensino e a alfabetização deveriam ocorrer
tanto na língua nativa quanto no idioma oficial do país. Na seção sobre Educação,
Cultura e Saúde do Estatuto, podemos verificar a determinação de tais medidas,
além daquelas referentes aos direitos de preservação das culturas indígenas e de
seus patrimônios e instituições sociais, como a família.


Art. 47. É assegurado o respeito ao patrimônio cultural das comuni-
dades indígenas, seus valores artísticos e meios de expressão.

Art. 48. Estende-se à população indígena, com as necessárias adap-


tações, o sistema de ensino em vigor no País.

Art. 49. A alfabetização dos índios far-se-á na língua do grupo a


que pertençam, e em português, salvaguardado o uso da primeira.

Art. 50. A educação do índio será orientada para a integração na


comunhão nacional mediante processo de gradativa compreensão
dos problemas gerais e valores da sociedade nacional, bem como
do aproveitamento das suas aptidões individuais.

Art. 51. A assistência aos menores, para fins educacionais, será pres-
tada, quanto possível, sem afastá-los do convívio familiar ou tribal.

Art. 52. Será proporcionada ao índio a formação profissional ade-


quada, de acordo com o seu grau de aculturação.

Art. 53. O artesanato e as indústrias rurais serão estimulados, no


sentido de elevar o padrão de vida do índio com a conveniente
adaptação às condições técnicas modernas.

Art. 54. Os índios têm direito aos meios de proteção à saúde facul-
tados à comunhão nacional.

157
UNIDADE 5

Parágrafo único. Na infância, na maternidade, na doença e na velhi-


ce, deve ser assegurada ao silvícola, especial assistência dos poderes
públicos, em estabelecimentos a esse fim destinados.

Art. 55. O regime geral da previdência social será extensivo aos


índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das
comunidades beneficiadas (BRASIL, 1973, on-line).

Neste prisma, a educação surge como forma de materialização do integracio-


nismo, servindo, assim, aos propósitos assimilacionistas do Estado ao propor a
integração progressiva e harmoniosa dos povos indígenas à comunhão nacional.
Não podemos desconsiderar os avanços obtidos por meio do Estatuto do Índio,
sobretudo, se considerarmos seu caráter inovador ao colocar-se como o primeiro
documento oficial a tratar, unicamente, das relações entre o Estado e a população
indígena. Embora devamos levar isso em consideração, também não podemos
perder de vista a implicação da custódia estatal na ausência de autonomia social
dos indivíduos e comunidades nativas.

158
UNICESUMAR

Querido(a) estudante, agora que compreendemos, de modo breve, as relações


históricas entre os povos indígenas e o Estado nacional, considerando, so-
bretudo, o campo da educação, analisaremos a consolidação dos movimentos
sociais protagonizados pela população originária de nosso país a partir das
ações e dos eventos ocorridos durante as décadas finais do século XX e o
início dos anos 2000. Objetivamos, desta forma, entender como a educação
foi reivindicada pelos movimentos sociais indígenas enquanto instrumento
de afirmação e continuidade de suas culturas e identidades, diferenciando-se,
consideravelmente, das perspectivas educacionais estabelecidas pelas políti-
cas indigenistas anteriores.
Foi a partir da década de 1970 que as articulações indígenas ultrapassaram
a esfera local das aldeias e das comunidades para se tornarem um movimen-
to social organizado em nível nacional. Como demonstra Munduruku (2012),
esta mudança teve início com a realização das assembleias indígenas, reuniões
idealizadas pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), instituição católica
vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fundada no
ano de 1972. Essas assembleias reuniram lideranças indígenas de diversos po-
vos, oriundos de diferentes localidades e regiões do país, sob a mesma proposta:
debater pautas de interesse comum da população originária, atribuindo especial
ênfase às discussões em defesa dos territórios indígenas, tendo em vista a rele-
vância destes para a preservação das culturas e dos modos de vida tradicionais.

Para o autor Baniwa (2007), a unidade política dos povos indígenas e a


comunhão de interesses e pautas entre etnias e comunidades distintas
permitiram um alinhamento identitário e social determinante para a trans-
formação do percurso de violências e extermínios, historicamente viven-
ciado pela população originária do Brasil.

Seguindo a linha de pensamento de Baniwa, o antropólogo Oliveira (1988) afir-


ma que as assembleias simbolizam o momento de constituição da organização
política indígena, pois, por meio delas, gerou-se um sentimento de união e frater-
nidade entre os povos originários, algo que ainda não tinha sido experienciado
nas décadas anteriores. Em razão disso, o autor considera a realização destas
reuniões como o ponto de origem do movimento indígena brasileiro, também
denominado como movimento pan-indígena.

159
UNIDADE 5

Outra transformação que influenciou, positivamente, a consolidação deste


movimento social foi o resgate e a ressignificação do termo “índio” por parte das
próprias etnias originárias. O termo que, até então, representava a imposição
dos colonizadores sobre as formas de autodeterminação dos povos indígenas
tornou-se uma ferramenta política de afirmação e defesa de suas identidades
étnico-culturais pela perspectiva da coletividade. Com isso, as reivindicações e
as demandas por direitos, que antes eram realizadas e debatidas no interior das
próprias comunidades, ganharam alcance nacional, sendo amplamente repercu-
tidas não somente como pauta de um ou outro povo em específico, mas sim da
população indígena brasileira de modo geral.


A recuperação do termo se daria no boio no Movimento Indígena
quando ele passa a ser usado para expressar uma nova categoria,
forjada agora pela prática de urna política indígena, a saber, elabo-
rada pelos povos indígenas e não mais pelos alienígenas, fossem
eles particulares (como as missões religiosas), ou governamentais
(como a Fundação Nacional do Índio - FUNAI) -: políticas essas
denominadas de indigenistas. Em oposição às políticas indigenistas
começavam a surgir esboços de políticas indígenas com grandes
possibilidades de, em algum momento, criarem objetivos e estraté-
gias comuns suscetíveis de estabelecerem uma única e globalizadora
política indígena (OLIVEIRA, 1988, p. 20).

Baseados nos escritos do antropólogo brasileiro Gilberto Velho, o educador Mun-


duruku (2012) definiu o movimento indígena surgido após a década de 1970
como baseado num esquema conceitual que foi incorporado e absorvido pela
organização e atuação das mobilizações políticas dos povos originários, ainda que
de modo inconsciente. Este esquema, por sua vez, estrutura-se em três aspectos
fundamentais: memória, identidade e projeto.

A memória diz respeito àquela social, nutrida, geracionalmente, pelos su-


jeitos indígenas por meio de um tipo de educação forjada no aprendizado
coletivo e compartilhado, nunca individual. Por meio da memória, as tradi-
ções e os conhecimentos ganham continuidade, fortalecendo e difundindo
as culturas, as identidades e os modos de vida indígenas.

160
UNICESUMAR

A identidade, em seu turno, revela-se como um instrumento de demar-


cação e visibilidade da realidade social, cultural e política das populações
nativas. Por meio dela, reivindica-se direitos, constrói-se estratégias sociais
e se propaga saberes e costumes. Para Daniel Munduruku, a identidade
coletiva indígena surge mediante a tomada de consciência desses sujeitos
acerca da necessidade da luta política para a preservação de suas dinâmi-
cas e historicidade.

Por fim, tem-se o terceiro elemento, o projeto que, no caso das populações
indígenas, constitui-se por vias educativas, assegurando a continuidade
dos movimentos e das culturas protagonizados e construídos pelos povos
originários, por meio da salvaguarda da identidade e da articulação da
memória social.

No âmbito educacional, os anos 1970 também marcaram as primeiras tentativas


de implementação de uma educação escolar indígena intercultural, bilíngue e di-
ferenciada. De acordo com o relatório do Ministério da Educação sobre o Cenário
Contemporâneo da Educação Escolar Indígena no Brasil, publicado em 2007, a
proposta de um modelo educacional indígena emergiu como contraponto ao tipo
de educação imposta aos povos originários desde o período da colonização. Esta
política pública surge como resultado direto das ações e da pressão realizadas
pelos movimentos indígenas em torno do Estado para a efetivação de medidas
que alterassem as estruturas jurídico-administrativas que ainda limitavam a au-
tonomia e o exercício da cidadania dos habitantes nativos de nosso país.
A educação escolar indígena baseia-se numa concepção inclusiva de ensino que
abrange, de modo complementar, os saberes e as metodologias da escola convencional
e os conhecimentos e as formas de transmissão indígenas. De modo geral, trata-se
de um modelo educacional inovador que possibilita a continuidade das tradições e
dos sistemas de saber originários ao mesmo tempo em que facilita e media o acesso
às tecnologias modernas e aos conhecimentos científicos para os povos autóctones.
Neste contexto, a relação entre ambos os sistemas de ensino ocorre de modo
horizontal, sem a imposição da integração ao formato educacional moderno. Na
realidade, os elementos de ensino convencionais são transformados em instru-
mentos para a solução dos problemas vivenciados nas comunidades indígenas.
Exemplo disso são as formações e as capacitações universitárias e profissionais

161
UNIDADE 5

dos indivíduos indígenas, conforme a necessidade encontrada em


sua aldeia. Assim, a educação formal permite a preparação dos su-
jeitos para lidarem com as demandas de seu próprio povo, sempre
respeitando a vontade, a autonomia e o interesse da comunidade.


Essa possibilidade gerou o encantamento inicial, uma
vez que com ela seria possível adquirir e apropriar-se
dos conhecimentos tecnológicos e científicos para
ajudar a resolver os velhos e novos problemas da
vida nas aldeias, sem necessidade de abdicar-se de
suas tradições, valores e conhecimentos tradicionais,
antes perseguidos, negados e proibidos pela própria
escola (BRASIL, 2007, p. 6).

Como podemos ver, o movimento indígena deflagrou diversas


mudanças na sociedade brasileira durante os anos 1970, simbo-
lizando o início de um novo olhar do Estado sobre as populações
nativas e seus direitos básicos. Com isso, as políticas indigenistas
que, até então, atuavam por meio da tutela e do assistencialismo
foram perdendo espaço para o protagonismo político e social dos
povos indígenas. As organizações e as lideranças originárias que
acampavam tais iniciativas ganharam notoriedade, assim como as
suas reivindicações por autonomia e a resistência ao tratamento
estatal baseado no colonialismo e integracionismo.
A década de 1980, em seu turno, marca o período em que o
movimento social indígena recebeu ainda mais ênfase no país com
a participação efetiva dos povos originários na elaboração da Cons-
tituição Federal de 1988, resultando no inédito reconhecimento ofi-
cial, por parte do Estado brasileiro, da cidadania dos sujeitos indíge-
nas. Foi também neste período que novas alianças foram feitas entre
as lideranças das comunidades autóctones e demais representantes
da sociedade civil e movimentos sociais, a exemplo das articulações
com os sujeitos e as organizações negras e os seringueiros, tendo
esta última articulação gerado a Aliança dos Povos da Floresta, um
importante marco para as lutas socioambientais na Amazônia.

162
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

“Brasil: outros quinhentos”, você conhece esta expressão? Ela foi utilizada para nomear
uma importante ação protagonizada pelos movimentos sociais indígenas e negros. Tra-
ta-se da manifestação “Brasil, outros quinhentos: resistência indígena, negra e popular”,
realizada na cidade de Porto Seguro, Bahia, local em que atracou a primeira navegação
portuguesa nas terras pré-colombianas. A data de realização da manifestação também
foi simbólica: 22 de abril do ano de 2000, dia que marcou o aniversário de 500 anos da
invasão europeia no Brasil. Na ocasião, representantes de 200 povos indígenas estiveram
presentes, mas eles não eram os únicos, havia também pessoas negras, sindicalistas e de-
mais grupos pertencentes às camadas populares. O objetivo da mobilização? Manifestar
contra a narrativa histórica sobre o “descobrimento do Brasil”.
Fonte: Boson (2020, on-line).

Neste contexto, a questão indígena foi se tornando cada vez mais evidente e a luta
pelos direitos deste segmento foi adentrando esferas até então intangíveis, como
a agenda governamental por meio da criação de políticas públicas. Os anos 1990
marcaram esta nova roupagem do movimento indígena, tendo sido palco para
o surgimento de diversos projetos que visavam à consolidação das propostas
idealizadas durante a Constituinte de 1988. Muitos destes projetos abrangeram
o campo da educação, por exemplo, a formação de professores bilíngues para
atuarem dentro e fora das aldeias.
Após a virada do século, instaurou-se um novo patamar no país em relação
às reivindicações e às lutas por direitos das consideradas minorias raciais, repre-
sentadas, neste caso, principalmente pela população negra e indígena. Cumpre
salientar que os anos 2000 consagraram a ampliação do debate público sobre as
ações afirmativas, em especial na figura da política de cotas, por meio do pro-
tagonismo político dos movimentos sociais (SANTOS, 2020). Neste contexto,
diversas esferas da sociedade brasileira passaram a ser questionadas pela pers-
pectiva crítica dos sujeitos e coletivos engajados na luta antirracista, entre elas, a
educação e os currículos escolares.
O caráter eurocêntrico e unilateral do ensino, sobretudo, do ensino de Histó-
ria, tornou-se insuficiente mediante as novas abordagens intelectuais e educacio-
nais produzidas pelos povos negro e indígena. A ideia clássica de um currículo
fundamentado unicamente nos saberes e nos conhecimentos europeus, reduzido
às noções positivistas da ciência, foi sendo cada vez mais tensionado, conforme os

163
UNIDADE 5

movimentos sociais explicitavam a necessidade de uma educação brasileira mais


inclusiva e democrática, a qual fizesse jus à participação efetiva das consideradas
minorias étnicas e raciais na construção da sociedade e cultura nacional.
O sistema educacional brasileiro passou, portanto, a ser alvo de duras críti-
cas dos movimentos sociais. Seu formato de ensino baseado, exclusivamente, na
narrativa dos colonizadores foi questionado e, consequentemente, considerado
como um dos meios de perpetuação e cristalização do racismo e da discriminação
racial no Brasil. Era o momento de se propor uma nova perspectiva educacional,
a qual não somente incluísse os conteúdos relativos às populações originárias e
afro-brasileiras, mas que também dialogasse com a luta por direitos desses gru-
pos, fomentando, assim, uma consciência social sobre a História do nosso país.
Mas, como fazer isso? Como reivindicar e efetivar mudanças num mo-
delo de ensino já consolidado tanto no sistema escolar quanto no imagi-
nário social brasileiro? Os movimentos sociais encontraram a resposta para
esta pergunta por meio das políticas públicas, mais especificamente, por meio da
criação de políticas públicas e afirmativas voltadas para a reelaboração do ensino
de História. Rever os conteúdos didáticos com carga discriminatória não era sufi-
ciente, era preciso criar abordagens, incluir outros conhecimentos além daqueles
canonizados pela historiografia ocidental. Com isso, a área que, até então, tinha
sido empregada no sentido de se solidificar a visão de mundo e o pensamento
eurocêntrico, tornou-se palco de uma verdadeira transformação epistemológica.
Diferentemente da proposta da educação escolar indígena, a qual foi imple-
mentada no interior das comunidades e das aldeias originárias, as modificações
curriculares nas disciplinas do ensino básico teriam de ocorrer no contexto das
escolas convencionais. Em outras palavras, a cultura dominante e hegemônica
que deveria se abrir para a transformação e inclusão de suas bases e fundamentos
educacionais e curriculares.
Trata-se, portanto, de uma ação que requer não somente a mudança no
modo de produção dos currículos e dos conteúdos programáticos da escola,
mas que, também, exige uma renovação da cultura escolar, isto é, das formas
de se pensar o sistema de educação, a didática, a relação ensino-aprendizagem,
a dinâmica em sala de aula e diversos outros elementos que compõem a escola
e tudo aquilo que lhe envolve.
Não obstante, esta proposta educacional deve considerar o multicultura-
lismo, a diversidade e as relações interétnicas e interraciais como pressupostos

164
UNICESUMAR

imprescindíveis para uma educação de qualidade. Im-


preterivelmente, também deve lançar mão de debates
e reflexões que reconheçam e valorizem a participa-
ção indígena na formação do Brasil, como bem expu-
seram as autoras Bergamaschi e Gomes (2012, p. 55):


Se os povos indígenas empreendem
esforços para concretizar o diálogo in-
tercultural, nos levam a pensar que se a
proposta educacional é conviver e efe-
tuar trocas com as sociedades indíge-
nas, a escola terá que fazer um esforço
para conhecer esses povos, sua história
e sua cultura e, mais especialmente,
afirmar uma presença que supere a in-
visibilidade histórica que se estende até
o presente.

Por este e outros fatores, a presença e a atuação do


Estado brasileiro na garantia da implementação e da
efetivação de políticas educacionais que transformem
o currículo escolar são mais do que necessárias, tendo
em vista o alcance limitado dos movimentos sociais
no que tange às modificações nas estruturas internas
da política institucional.
Logo, a promulgação de medidas como a Lei Fede-
ral nº 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do
ensino de História e Cultura Afro-brasileira no ensino
de base, e a Lei Federal nº 11.645/2008, que modifica
o conteúdo da primeira, incluindo, também, os conhe-
cimentos referentes à História Indígena, constitui-se
como mecanismo indispensável para a construção e
cristalização de uma educação preocupada em suprir as
lacunas históricas de apagamento e invisibilidade dos
segmentos populacionais que compõem parte consi-
derável da sociedade, da cultura e da história brasileira.

165
UNIDADE 5

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Educação Escolar Indígena


Ano: 2003
Sinopse: o filme teve a consultoria da educadora Nieta Monte, espe-
cializada em educação indígena e consultora do MEC para a elabora-
ção dos Parâmetros Curriculares da Educação Indígena. Esses parâ-
metros levam em conta todos os temas transversais – tradições, história da
etnia, artesanato etc. – para formar as crianças e jovens. “O objetivo é que
elas cresçam preservando a cultura deles, mas que também adquiram ins-
trumental para lidar com o mundo dos brancos”, relata Denise.
Comentário: o documentário aborda a construção da Educação Escolar Indí-
gena, trazendo aspectos desta complexa e sensível relação entre as perspec-
tivas educacionais convencionais e o modo de ensino e educação indígena.
Entre a emergência de preservar e dar continuidade aos conhecimentos e às
tradições originárias e o avanço da sociedade moderna sobre as culturas e
as organizações sociais nativas, a educação escolar indígena demonstra-se
como uma interessante forma de conciliar mundos opostos.

O Parecer nº 14 do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica


(CNE/CEB) estabelece as diretrizes operacionais para a implementação da história e
das culturas dos povos indígenas, na Educação Básica, apresentando as orientações
necessárias para o cumprimento da Lei nº 11.645/2008 no sistema de Ensino Básico
brasileiro. De acordo com o documento, a supracitada lei simboliza um importante
avanço para a garantia dos direitos das minorias étnico-raciais e para o reconheci-
mento da diversidade cultural, linguística e étnica das populações indígenas enquanto
aspectos positivos na composição social do Brasil, fortalecendo a identidade e a cultu-
ra nacionais, por meio de seus conhecimentos e saberes tradicionais, os quais devem
ser considerados enquanto patrimônios da sociedade brasileira.
O documento em questão também evidencia os objetivos primordiais da Lei
nº 11.645/2008, salientando sua atuação no combate ao racismo e no desmantela-
mento de percepções discriminatórias e negativas sobre as sociedades originárias
(BRASIL, 2008). Deste modo, destacam-se como as principais finalidades da
implementação da referida lei:


Colaborar e construir, com os sistemas de ensino, instituições, con-
selhos de educação, coordenações pedagógicas, gestores educacio-

166
UNICESUMAR

nais, professores e demais segmentos afins, políticas públicas e pro-


cessos pedagógicos para a implementação das Leis nº 10.639/2003
e nº 11.645/2008.

Criar e consolidar agendas propositivas junto aos diversos atores


do Plano Nacional para disseminar as Leis nº 10.639/2003 e nº
11.645/2008, junto a gestores e técnicos, no âmbito federal e nas
gestões educacionais estaduais e municipais, garantindo condições
adequadas para seu pleno desenvolvimento como política de Estado
(BRASIL, 2015, p. 5).

Nota-se que as diretrizes operacionais da Lei nº 11.645/2008 expandem o ensino


de História e cultura indígena para além dos âmbitos das comunidades e aldeias,
tornando-a, sobretudo, um instrumento educacional a ser efetivado no interior
do sistema de educação convencional. Assim, não basta ao Estado brasileiro pro-
porcionar apenas a criação e a viabilização de escolas indígenas no contexto dos
territórios originários, é preciso ir além, isto é, é preciso incluir, nos currículos
das escolas nacionais, os conteúdos relativos às culturas, às organizações sociais,
aos saberes, aos costumes e às tradições indígenas.
Deve-se, portanto, reconhecer a importância de possibilitar a efetivação do
direito à educação dos povos e sujeitos nativos, porém, igualmente importante
é realizar o caminho inverso, ou seja, levar ao sistema de ensino convencional
os conhecimentos, as metodologias e as ciências indígenas, fazendo cumprir o
propósito absoluto da Lei nº 11.645/2008, a saber, a difusão e a valorização da
história e da cultura originárias para a formação de nossa sociedade.

167
UNIDADE 5

Enquanto política pública, a inserção dos conteúdos relativos à História Indígena


na educação brasileira também se revela como um meio de desnaturalização
de conceitos e noções preconceituosas, já consolidadas no senso comum e no
imaginário social de nossa população, acerca do modo de vida das comunidades
nativas. Assim, os estudos sobre a enfática presença indígena na construção do
Estado nacional devem contribuir para a revisão da representação social pro-
duzida sobre este segmento social, buscando, deste modo, reverter a imagem e o
discurso sobre a condição de permissividade atribuída sobre os povos indígenas,
bem como devem problematizar as narrativas historiográficas que marginalizam
e inferiorizam as culturas originárias, tratando-as enquanto folclores ou fragmen-
tos de um passado remoto.


Todavia, percebe-se que ainda persistem muitas incompreensões
em torno do que determina a Lei nº 11.645/2008 em seu componen-
te curricular referente à história e culturas indígenas, quando, por
exemplo, são desenvolvidas somente ações isoladas para a criação
e manutenção das escolas indígenas ou para a formação de seus
professores. Pode-se afirmar que, em determinados sistemas de
ensino, por exemplo, há programas e iniciativas que, baseados na
ideia geral de diversidade ou de respeito a ela, não apresentam ações
específicas para o tratamento da temática indígena nas escolas. Em
alguns casos, as ações realizadas nesse campo são feitas sem a devi-
da orientação antropológica, linguística ou histórica, provocando a
reprodução de estereótipos e preconceitos tradicionalmente utili-
zados contra os povos indígenas (BRASIL, 2015, p. 6).

Ao reconhecer e atribuir relevância aos conhecimentos tradicionais indígenas, a Lei


nº 11.645/2008 permite um novo tipo de formação nos estabelecimentos de ensino,
formação esta que dialoga, substancialmente, com a promoção de uma consciência
social vinculada ao caráter multicultural e pluriétnico da sociedade brasileira, tal
qual legitimado pela Constituição Federal de 1988. Por este prisma, a diversidade
cultural nacional configura-se mais do que um aspecto formador de nosso país, pois
representa, na realidade, um direito que assegura o acesso à cidadania e à dignidade
por parte daqueles que foram, sistematicamente, excluídos da História do Brasil.
A despeito dos incontestáveis progressos obtidos por meio da Lei nº 11.645,
ainda são muitos os obstáculos e entraves institucionais que impedem a efetiva

168
UNICESUMAR

implementação do ensino de História Indígena nos estabelecimentos escolares


de nosso país. A falta de conhecimento e informações corretas, assim como a
ausência de interesse e capacitação dos profissionais e a escassez de materiais
didáticos, contribuem para um panorama de impraticabilidade da referida lei,
tornando as temáticas e os conteúdos referentes aos povos indígenas um assunto
limitado às esferas de datas comemorativas, a exemplo do dia 19 de abril.
Além disso, criou-se no imaginário educacional brasileiro a ideia de que os
conhecimentos indígenas devem restringir-se às disciplinas das Ciências Hu-
manas, sobretudo, nas áreas da História e das Artes, não abrangendo, portanto,
outros campos de ensino, como as Ciências Exatas e Naturais, o que negligencia a
amplitude e a diversidade dos saberes originários. Devemos, neste caso, conhecer
e difundir as produções indígenas em todos os seus aspectos: históricos, antro-
pológicos, artísticos, tecnológicos, científicos, literários, entre outros âmbitos nos
quais a sabedoria originária se faz presente.

Acadêmico(a), para esta unidade, preparamos um podcast


especial sobre Literatura Indígena. Pensando em sua for-
mação enquanto profissional da educação, traremos, por
meio de exemplos práticos, os conhecimentos tradicionais
dos povos originários a partir de poemas produzidos por
autores indígenas. A proposta é compreender as variadas
possibilidades de aplicação da Lei 11.645/2008, destacando,
também, o caráter social e político da Literatura Indígena,
a qual se desenvolve para além de um gênero de escrita e
leitura, configurando, também, uma forma de continuidade
da memória e da identidade da população nativa de nosso
país. Aperte o play e venha descobrir mais sobre este mun-
do, aprimorando seu repertório de ensino.

Querido(a) aluno(a), na presente unidade, buscamos trazer aspectos introdu-


tórios acerca do ensino de História Indígena, demonstrando como o sistema
educacional brasileiro absorveu esta temática ao longo dos anos, abrangendo
diversas transformações nas abordagens teóricas e institucionais sobre os co-
nhecimentos e os saberes tradicionais.
A partir disso, foi possível verificar que o Estado brasileiro usufruiu de distintas
políticas para consolidar a educação relativa aos povos originários. Ora afeito às
perspectivas coloniais, ora vinculado ao integracionismo indigenista, o ensino na-

169
UNIDADE 5

cional designado à população nativa somente recebeu uma nova roupagem após
a consolidação dos movimentos sociais indígenas, sendo radicalmente transfor-
mado pelo protagonismo político dos sujeitos e das comunidades autóctones.
À guisa de conclusão, podemos compreender que as mudanças acerca do
ensino de História e, mais especificamente do ensino de História Indígena, refle-
tem os processos históricos da sociedade brasileira, os quais, aliados à luta por
direitos dos grupos minoritários, fundamentaram o surgimento de novas bases
educacionais e de ensino que, até aqui, têm orientado a educação brasileira por
um caminho mais inclusivo e democrático no que se refere à diversidade cultural
e à pluralidade étnico-racial de nosso país.
No início de 2023, os meios de comunicação repercutiram fortes imagens da
crise humanitária vivenciada pelo povo Yanomami, grupo indígena com cerca de
35 mil integrantes distribuídos entre aldeias localizadas nos estados de Roraima e
Amazonas. Afetados por anos de negligência estatal, somada à expansiva ascen-
são do garimpo ilegal em seus territórios, os Yanomami tornaram-se vítimas da
fome, da violência e da incidência de doenças para as quais já existem tratamentos
e vacinas, como a malária e até mesmo a diarreia.
Assolados pelo descaso governamental e pela falta de acesso aos seus direi-
tos básicos, os indígenas desta etnia viram, ao longo de quatro anos, 570 de suas
crianças perderem a vida por causas facilmente evitáveis, como a desnutrição
e a contaminação por mercúrio, devido à invasão dos garimpeiros sobre os
rios e as terras de suas aldeias. Considerado um caso de calamidade pública e,
por alguns estudiosos, um exemplo de etnocídio, o triste retrato da realidade
Yanomami revela parte da história brasileira que, durante muito tempo, prefe-
rimos não ver, isto é, os efeitos das políticas de extermínio sobre a população
indígena nos dias atuais.
Em contrapartida, o ano de 2023 foi palco de um significativo avanço para os
povos originários: pela primeira vez na história da sociedade brasileira, o Poder
Executivo criou uma pasta destinada, exclusivamente, à garantia dos direitos

170
UNICESUMAR

indígenas e de seu acesso à educação, à saúde e à demarcação de terras. A criação


do Ministério dos Povos Indígenas, comandado pela deputada federal Sônia Gua-
jajara, ilustra um importante passo no reconhecimento e no comprometimento
com a cidadania dos sujeitos indígenas, ainda que de modo tardio.
Considerando o tempo presente como campo de estudo legítimo da História,
entendemos a situação de emergência do povo Yanomami e o feito inédito de
criação do Ministério dos Povos Indígenas enquanto instrumentos de reflexão
e compreensão da História do Brasil, podendo ser abordado não somente como
objeto analítico historiográfico, mas também como método de conscientização
social sobre a presença indígena em nosso país, conforme os parâmetros de en-
sino estabelecidos pela Lei nº 11.645/2008.
Como profissional da História, você, caro(a) estudante, deve atentar-se à
necessidade de articular o tempo presente com o passado, buscando, deste
modo, entender os processos históricos a partir de seus antecedentes e de suas
repercussões nas conjunturas atuais. É parte do ofício do historiador juntar
os fragmentos e as contradições históricas, buscando construir uma narrativa
sólida sobre os percursos e os eventos que nos trouxeram à realidade sócio-
-histórica vivenciada nos dias de hoje.
Como pudemos ver ao longo da unidade, o ensino de História Indígena não
se limita ao passado, ao contrário, está presente nas relações humanas atuais, nos
padrões culturais, na língua viva, nos hábitos cotidianos, nas reivindicações polí-
ticas, nas lutas ambientais e nas situações calamitosas de violência e sofrimento
humano. Abordar os acontecimentos recentes da história indígena significa con-
tribuir com o desmantelamento da ideia de que os povos nativos do Brasil são
seres inertes, presos ao passado e sem nenhuma autonomia na realidade atual.
Cabe a você, futuro(a) professor(a) de História, integrar estes debates ao seu
repertório de ensino, lançando luz a estes aspectos da sociedade brasileira ao jun-
tar o passado com o presente no esforço de construir e conduzir uma perspectiva
educacional fidedigna à História do verdadeiro Brasil.

171
Acadêmico(a), com base nas informações apresentadas ao longo da unidade, res-
ponda às questões a seguir.

1. A inclusão da temática da história e da cultura indígenas nos currículos objetiva


promover a formação de cidadãos atuantes e conscientes do caráter pluriétnico da
sociedade brasileira, contribuindo para o fortalecimento de relações interétnicas
positivas entre os diferentes grupos étnicos e raciais e a convivência democráti-
ca, marcada por conhecimento mútuo, aceitação de diferenças e diálogo entre as
culturas. Efetivamente, o acolhimento da diferença cultural pela escola contribui,
decisivamente, para a construção de um pacto social mais democrático, igualitário e
fraterno, promovendo a tolerância como sinônimo de respeito, aceitação e apreço
pela riqueza e pela diversidade das culturas humanas.

BRASIL. Parecer CNE/CEB nº: 14/2015. Brasília, DF: Câmara de Educação Básica,
2015. Disponível em: encurtador.com.br/abzQY . Acesso em: 1 fev. 2023.

A partir das orientações sobre a aplicação da Lei nº 11.645/2008 apresentadas no


texto e dos conhecimentos discutidos no decorrer da unidade, produza um texto
argumentativo de, no máximo, quinze linhas, respondendo à seguinte pergunta: Por
que o Estado brasileiro atribui importância à introdução dos conteúdos sobre
História Indígena no sistema de ensino básico? Fundamente seus argumentos
com, pelo menos, duas referências bibliográficas de livre escolha. Seja didático na
elaboração de seu texto e busque seguir um fio de raciocínio que evidencie sua ar-
gumentação. Após finalizar, faça uma revisão ortográfica. Caso tenha interesse, você
pode discutir o tema com colegas da área, defendendo seus argumentos.

172
2. O ensino escolar indígena se justifica pelo motivo principal que é a oportunidade de
a comunidade construir sua própria escola, com a participação efetiva dos próprios
alunos, quase todos jovens e adultos, e da comunidade como um todo. É importante
considerar, também, o papel dos professores neste processo de mudança, porque
são eles, juntamente com os pais, os principais envolvidos nesta busca de concretizar
uma escola norteada pelas pedagogias indígenas, numa relação direta do ensino com
os projetos de cada sociedade.

BRASIL. Cenário Contemporâneo da Educação Escolar Indígena no Brasil.


Brasília: Ministério da Educação, 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/
arquivos/pdf/2007/releeicebcnerev.pdf. Acesso em: 1 fev. 2023.

Com base no texto apresentado e nas informações apresentadas na unidade sobre


a educação escolar indígena, analise as afirmativas a seguir:

I - A educação escolar indígena deve limitar-se somente ao âmbito das aldeias, não
se estendendo aos estabelecimentos de ensino convencionais.
II - A relação horizontal entre os interesses das comunidades e os métodos de en-
sino ocidentais é uma das formas de atuação da educação escolar indígena.
III - A necessidade da educação escolar nas aldeias relaciona-se com a capacidade
parcial dos povos indígenas em relação ao exercício de sua cidadania.
IV - O ensino escolar indígena distingue-se das perspectivas educacionais anteriores,
pois reconhece a autonomia das organizações sociais originárias.
É correto o que afirma em:

a) I, apenas.
b) II e IV.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) I, II, III e IV.

173
3. O protagonismo indígena começa a se manifestar com maior intensidade a partir das
Assembleias Indígenas apoiadas pelo Cimi, que, na década de 1970, pela primeira vez,
reuniram lideranças de diferentes povos de Norte a Sul do país. Nessas Assembleias,
os povos indígenas colocaram, definitivamente, na pauta a retomada e a garantia de
suas terras como condição para combater a violência de que eram vítimas e para
assegurar o seu futuro. Desde então, aconteceram significativos avanços conseguidos
por meio da articulação, da organização e da mobilização.

Se as estratégias da luta e da resistência indígena, historicamente, caracterizavam-se


pelos confrontos diretos contra os invasores, por alianças com parte deles, por rea-
ções localizadas ou mesmo pela resistência passiva, agora, a perspectiva era, com o
apoio de setores da sociedade brasileira, da comunidade internacional e da opinião
pública, exigir do Estado brasileiro o reconhecimento e garantia de direitos.

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Considerando a contextualização sobre os movimentos indígenas, avalie as asserções


a seguir e a relação proposta entre elas.

Após a década de 1970, a unificação das lutas e das reivindicações indígenas no Brasil
reverberou no surgimento do movimento indígena cujo principal objetivo foi a imple-
mentação da resistência passiva em contraposição à atuação combativa empregada
pelos povos originários nas décadas anteriores.

PORQUE

A defesa e a garantia dos direitos da população indígena deveriam ser conquistadas,


por meio do diálogo e das relações diplomáticas entre o Estado nacional e os povos
nativos. Este modo de reivindicação e mobilização dos indígenas foi denominado
políticas indigenistas, tendo em vista o protagonismo social assumido por eles.

A respeito destas asserções, assinale a opção correta.

a) As asserções I e II são verdadeiras, e a II é justificativa correta da I.


b) As asserções I e II são verdadeiras, mas a II não é justificativa correta da I.
c) A asserção I é proposição verdadeira, e a II é proposição falsa.
d) A asserção I é proposição falsa, e a II é proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são falsas.

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182
UNIDADE 1

1. C. As afirmativas I e V conectam-se e estão corretas, pois é a partir da existência de


conflitos interétnicos entre povos nativos diversos, algo comum antes da coloniza-
ção devido às especificidades culturais das diferentes etnias indígenas que a Coroa
Portuguesa passa a utilizar este fato como estratégia de desmobilização indígena e
cooptação para as guerras da Conquista. Logo, a prática bélica indígena foi utilizada
como instrumento de colonização e exploração econômica desses povos, tornando-se,
assim, práticas que favoreceram as guerras coloniais. Já a alternativa II está correta,
pois o conceito de Guerra Justa, trazido do período medieval, serviu para justificar e
legitimar as Guerras da Conquista contra a população indígena no âmbito religioso,
que condenava, inferiorizava e demonizava as práticas culturais indígenas, e no jurí-
dico, que legalizava esta condição.

2. E. A catequização configurou-se como uma arma extremamente poderosa para o


controle do pensamento e das práticas culturais indígenas, logo, juntamente com
as guerras e a escravidão, que serviram para o domínio físico, ou seja, o controle do
corpo, da matéria, da demografia nativa, a catequização contribuiu para que a colo-
nização conseguisse exercer o controle de forma completa, por meio da difusão da
religião cristã baseada nos dogmas da Igreja Católica, que ainda mantinha os valores
do período da Inquisição e condenava a cultura, os hábitos e a forma de vida dos
povos nativo-americanos.

3. Espera-se que o/a estudante traga argumentos coerentes e coesos com a discussão
realizada na unidade, entre eles: a presença indígena no continente americano, há
milhares de anos; a pré-História indígena a partir da ocupação do território do Brasil,
há mais de 12 mil anos por populações paleoíndias; a problematização do apagamento
e invisibilização que os indígenas sofreram na construção das narrativas históricas a
respeito do Brasil; o papel dos próprios estudantes na desmistificação deste pensa-
mento na sua atuação profissional e na sua vida pessoal; a tratativa dessa questão
nos documentos norteadores da disciplina de História na Educação Básica; resultados
e conclusões das entrevistas que eles fizeram com familiares e amigos; a produção
historiográfica eurocêntrica, que exclui a participação e o agenciamento da população
indígena na História do Brasil. Vale ressaltar que a utilização de referências utilizadas na
unidade ou outras da preferência estudantil tornam o texto mais rico e fundamentado,
teoricamente, logo, apesar de não ser algo obrigatório, é recomendado e valorizado o
uso de referências, seja para legitimar a narrativa construída, ou para problematizar
autores que perpetuam uma visão eurocêntrica e excludente.

183
UNIDADE 2

1. C. A civilização configurou-se como um sistema de imposição cultural que envolveu,


entre outras coisas, a hierarquização de formas sociais distintas, por meio de práticas
etnocêntricas. O etnocentrismo, assim como o racismo científico, foi utilizado como
justificativa para a dominação e a colonização de diversos povos e sociedades, os
quais foram considerados como primitivos e inferiores. Com isso, a civilidade, isto é,
a forma de vida social europeia foi definida enquanto a única expressão possível da
humanidade e de suas culturas. Este pensamento é ilustrado no trecho retirado da
obra do líder indígena Ailton Krenak, em sua reflexão sobre o “chamado para o seio
da civilização”.

2. A segunda questão é discursiva e demanda que o(a) estudante discorra sobre o concei-
to de nacionalismo, associando-o ao tema principal desta unidade, isto é, a presença
indígena na formação do Brasil. Em sua resposta, ele deverá elaborar, portanto, uma
reflexão acerca da ideologia nacionalista e sua consolidação na sociedade brasileira,
bem como os efeitos desta no que tange a história e a cultura da população originá-
ria. Espera-se que o(a) aluno(a) construa seus argumentos com base nos conteúdos
explorados durante a unidade, trazendo sua interpretação sobre as análises aqui
elucidadas. Deve-se apresentar, obrigatoriamente, ao menos, uma referência teórica
que pode ser uma das abordadas na unidade ou algum outro texto ou livro que o
estudante achar adequado. A resposta deve manter-se dentro da temática proposta,
sem fugir do objetivo estipulado na questão e respeitando o limite de quinze páginas.

3. D. O caráter ideológico da civilização e das políticas indigenistas é exposto no trecho


da obra do xamã Davi Kopenawa, a partir do sentimento de assimilação, pelo autor
nutrido, em relação às convenções sociais e comportamentais ocidentais. Assim, as
afirmativas III e V estão corretas, pois expressam de modo mais apropriado os impactos
culturais do processo civilizatório sofrido pelos indivíduos indígenas, evidenciando o
fenômeno de aculturação explorado ao longo da unidade na prática.

UNIDADE 3

1. E. As afirmativas I e III estão corretas, pois o xamanismo constitui-se como um sistema


de práticas cosmológicas e espirituais que tem por objetivo a mediação entre o mundo
material e o mundo espiritual, relacionando-se, também, com a natureza, por meio
da interação entre as plantas e os animais. Ao contrário das religiões fundamentadas
unicamente no cristianismo, o xamanismo não apresenta dogmas, doutrinas, sequer
está condicionado à presença de um sacerdote específico, assim como também não
estabelece relações com o Estado. O xamã cumpre, portanto, a função de mediar a
conexão entre os humanos e os espíritos, atuando por meio de rituais tradicionais.

184
2. C. O nheengatu, de fato, tem sido utilizado como instrumento de resgate e preser-
vação da identidade e cultura indígenas, sobretudo, por aqueles povos que tiveram
sua língua nativa extinta, configurando-se, assim, como forma de resistência indígena,
conforme indicado ao longo da unidade. Contudo este movimento ocorre, devido
aos ataques cometidos, desde o período colonial, contra as populações e as culturas
indígenas, o que resultou tanto no extermínio físico quanto na dizimação cultural dos
povos nativos do Brasil. Por isso, a asserção II não se enquadra como verdadeira nem
como justificativa correta da asserção I.

3. Na última questão, de caráter discursivo, é solicitada a produção de um breve texto


dissertativo sobre a importância da livre determinação para a manutenção das iden-
tidades étnico-culturais indígenas. O texto deve abordar, portanto, os impactos das
classificações étnicas impostas durante a colonização para as culturas originárias,
assim como deve retratar os movimentos de resistência indígena que buscam recu-
perar suas identidades a partir de elementos culturais importantes, como a língua.
Não deve ser ultrapassado o limite de quinze linhas para a produção do texto. Deve-
rão ser utilizadas, de modo obrigatório, duas referências bibliográficas no mínimo. O
enquadramento da resposta ao tema central delimitado é fundamental.

UNIDADE 4

1. E. Durante o período colonial, as políticas indigenistas eram regidas pelas leis da me-
trópole lusitana, sendo exemplos disso as Ordenações Manuelinas e Filipinas, e foi
somente no decorrer do século XVII que Portugal elaborou um documento específico
que tratasse da questão indígena no Brasil, o Diretório dos Índios, implementado pela
Lei de 1755, conhecido, também, como Diretório Pombalino.

2. D. De acordo com Cunha (1992), o século XIX é caracterizado por um verdadeiro “vazio
legislativo” em relação à questão indígena, sendo que o único documento indigenista
geral do Império é o Regulamento das Missões e Catequese e Civilização dos Índios,
de 1845. Logo depois, em 1850, tem-se a Lei 601, que tratava, estritamente, os ter-
ritórios indígenas, servindo para expropriar e expulsar as aldeias e as comunidades
indígenas de suas terras.

3. Espera-se que o/a estudante traga argumentos coerentes com a discussão realizada
na unidade, fazendo um compilado das políticas indigenistas de todas as Constitui-
ções da República, desde a primeira de 1891, passando pelas de 1934, 1937, 1946
e 1967, finalizando na atual de 1988. É importante que o/a estudante dê atenção
especial à Constituição Federal de 1988, evidenciando a atuação política direta dos
movimentos sociais, as organizações e as lideranças indígenas na elaboração dela,
que traz políticas indígenas construídas pela própria população originária. Vale res-

185
saltar que a utilização de referências utilizadas na unidade ou outras da preferência
estudantil tornam o texto mais rico e fundamentado, teoricamente. Logo, apesar de
não ser algo obrigatório, é recomendado e valorizado o uso de referências, seja para
legitimar a narrativa construída seja para problematizar autores que perpetuam uma
visão eurocêntrica e excludente.

UNIDADE 5

1. A primeira questão, de caráter discursivo, solicita a elaboração de um texto argu-


mentativo sobre a relevância da aplicação da Lei nº 11.645/2008. Para a produção
do texto, deve-se responder à seguinte questão: Por que o Estado brasileiro atribui
importância à introdução dos conteúdos sobre História Indígena no sistema de Ensino
Básico? É necessário que o texto aborde os objetivos sociais bem como os propósitos
educacionais da referida lei, salientando seu potencial de transformação da educação
brasileira e da sociedade de modo geral. Considerando os diálogos políticos entre o
Estado nacional e os movimentos indígenas, torna-se interessante abordar o prota-
gonismo social dos sujeitos e das organizações originárias na luta por seus direitos.
Finalmente, espera-se que o texto recupere, brevemente, as perspectivas educacionais
sobre o ensino de História Indígena e suas modificações ao longo da História do Brasil.

2. B. A educação escolar indígena representa um importante empreendimento no sentido


de se reconhecer as culturas e as organizações sociais indígenas de modo autônomo,
contrapondo-se, assim, à educação impositiva exercida durante os períodos colonial,
imperial e na Primeira República. Ademais, este tipo de educação busca priorizar
os interesses e as necessidades das comunidades e das aldeias, tornando o ensino
formal ocidental um instrumento para a preservação e a continuidade do modo de
vida indígena. Por fim, cumpre destacar que a educação indígena, conforme exposto
ao longo da unidade, não deve ser restrita ao âmbito dos territórios demarcados,
devendo se estender ao sistema de ensino convencional, por meio da aplicação da
Lei 11.645/2008.

3. E. As asserções I e II não contemplam o contexto de surgimento e as formas de atuação


do movimento indígena contemporâneo. A resistência passiva, conforme expresso
no texto, representa uma estratégia de luta anterior à consolidação dos movimentos
indígenas atuais, os quais estão mais vinculados às ações de mobilização e pressão em
torno do Estado, visando à criação de políticas públicas que assegurem seus direitos. O
termo política indigenista, por sua vez, refere-se às medidas tutelares e assistencialistas
historicamente atribuídas aos povos indígenas por parte dos aparelhos estatais, não
está relacionada, portanto, ao protagonismo dos sujeitos e às comunidades originárias,
mas sim à sua submissão e ao controle pelo Estado.

186

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