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EDUCAÇÃO CRISTÃ

E ENSINO RELIGIOSO

PROFESSORA
Dra. Gabriele Greggersen

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DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de
EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


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de Pós-graduação, Extensão e Formação Acadêmica Bruno Jorge Head de Produção de Conteúdos Celso
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Coordenador(a) de Conteúdo
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C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.
Arthur Cantareli, Jhonny Coelho Núcleo de Educação a Distância. GREGGERSEN, Gabriele.
e Thayla Guimarães
Educação Cristã e Ensino Religioso.
Editoração Gabriele Greggersen.
Luciana Pinheiro Grandizoli
Design Educacional Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. Reimpresso em 2024.
Marcus Vinicius A. S. Machado 264 p.
Revisão Textual “Graduação - EaD”.
Eloisa Dias 1. Educação 2. Cristã 3. Religioso. EaD. I. Título.
Ilustração
André Azevedo
Fotos
Shutterstock CDD - 22 ed. 201.9
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Impresso por:
ISBN 978-85-459-2076-2

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

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Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra-


balhamos com princípios éticos e profissiona-
lismo, não somente para oferecer educação de Tudo isso para honrarmos a nossa mis-

qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- são, que é promover a educação de qua-

versão integral das pessoas ao conhecimento. lidade nas diferentes áreas do conheci-

Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis- mento, formando profissionais cidadãos

sional, emocional e espiritual. que contribuam para o desenvolvimento


de uma sociedade justa e solidária.
Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com
dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje,
temos mais de 100 mil estudantes espalhados
em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais
(Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e
em mais de 500 polos de educação a distância
espalhados por todos os estados do Brasil e,
também, no exterior, com dezenasde cursos
de graduação e pós-graduação. Por ano, pro-
duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos
mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe-
cidos pelo MEC como uma instituição de exce-
lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos
e estamos entre os 10 maiores grupos educa-
cionais do Brasil.

A rapidez do mundo moderno exige dos edu-


cadores soluções inteligentes para as neces-
sidades de todos. Para continuar relevante, a
instituição de educação precisa ter, pelo menos,
três virtudes: inovação, coragem e compromis-
so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos,
para os cursos de Engenharia, metodologias ati-
vas, as quais visam reunir o melhor do ensino
presencial e a distância.

Reitor
Wilson de Matos Silva
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Dra. Gabriele Greggersen


Possui graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana (2007) e
graduação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (1991). Mestrado em
História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo (1994). Doutora-
do em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina (2014)
e doutorado em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo
(1998). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Filosofia da Edu-
cação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, ética, C.S. Lewis,
filosofia da educação e imaginação. Também é tradutora experiente dos pares
inglês-português e alemão-português, com aproximadamente 40 livros traduzidos,
além de professora da língua alemã.

http://lattes.cnpq.br/0260060318651073
A P R E S E N TA Ç Ã O DA DISCIPLINA

EDUCAÇÃO CRISTÃ E ENSINO RELIGIOSO

Caro(a) acadêmico(a), esse livro servirá de base para a disciplina Educação Cristã e Ensino
Religioso e o acompanhará por todo o curso. Nele você irá ingressar no universo da educação
e da religião, que são ambos extremamente complexos e abrangentes.

Por isso, não há pretensão nenhuma de abarcar todos os conteúdos e responder a todas as
perguntas. Talvez, você termine o curso com mais perguntas do que tinha antes ou com mais
indagações do que respostas. Isso faz parte do processo e é intencional, já que a dúvida nos
mantém humildes, abertos ao diálogo e em constante pesquisa.

Esse livro é dividido em cinco unidades com três tópicos cada uma. A primeira unidade é
dedicada aos fundamentos da educação em geral, seus conceitos, origens e campo do saber
e da educação cristã, se é que podemos estabelecer essa distinção. Discutiremos as bases
pedagógicas, bíblicas e teológicas da educação, vista pela cosmovisão cristã.

Na segunda unidade, falaremos da educação no meio religioso. Faremos um estudo geral


e crítico do programa de Educação Cristã, na perspectiva do ensino na Igreja, discutindo o
que é igreja e qual a sua função nesse mundo, além de suas relações com a educação. Nos
dedicaremos ainda ao currículo de planejamento pedagógico.

A unidade três é uma discussão mais teórica sobre as relações entre Estado e igreja, focando
no papel do Estado e da igreja na educação. Abordaremos alguns filósofos e teólogos que têm
a contribuir para essa discussão, além da legitimidade e função do ensino religioso frente à lai-
cidade do Estado brasileiro. Falaremos do papel da igreja na educação como Mandato Cultural.

Nem só de filosofia e teologia vive a educação cristã – temos também o ensino religioso.
Na unidade quatro, conheceremos algumas leis brasileiras e o que elas dizem sobre esse
importante campo da educação.

Finalmente, na unidade final, faremos uma discussão a respeito da figura do educador cristão,
Paulo Freire. Também abordaremos algumas problemáticas atuais da Educação Cristã e do
Ensino Religioso e discutiremos as suas relações.

Então, acharam interessante a proposta? Espero que sim, pois o caminho é longo, mas certa-
mente muito prazeroso. E, se você ainda não é apaixonado pela educação e pela teologia, minha
expectativa e pretensão é de conquistá-lo para essas áreas tão encantadoras e desafiadoras.

Vamos lá?
ÍCONES
pensando juntos

Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e


transformar. Aproveite este momento!

explorando Ideias

Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco


mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos.

quadro-resumo

No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida


para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos.

conceituando

Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele-
mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples.

conecte-se

Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes


online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno-
logia a seu favor.

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CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO
UNIDADE 01
8 UNIDADE 02
58
BASES E EDUCAÇÃO CRISTÃ
FUNDAMENTOS DA NO MEIO RELIGIOSO
EDUCAÇÃO CRISTÃ (EC)

UNIDADE 03
107 UNIDADE 04
152
O PAPEL DO ESTRUTURA E
ESTADO E DA IGREJA FUNCIONAMENTO DO
NA EDUCAÇÃO ENSINO RELIGIOSO
NO BRASIL

UNIDADE 05
204 FECHAMENTO
252
PERSPECTIVAS CONCLUSÃO GERAL
CONTEMPORÂNEAS
DA EDUCAÇÃO
CRISTÃ E DO ENSINO
RELIGIOSO
1
BASES E
FUNDAMENTOS
da Educação Cristã (EC)

PROFESSORA
Dra. Gabriele Greggersen

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Fundamentos pedagógicos da Edu-
cação Cristã • Fundamentos teológicos da Educação Cristã • Fundamentos bíblicos da Educação Cristã.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Identificar os principais problemas da Educação Cristã, discutindo o conceito de educação e Educação
Cristã • Conhecer os fundamentos bíblicos, teológicos e pedagógicos da Educação Cristã • Relacionar
os conhecimentos bíblico-teológicos com os conhecimentos pedagógicos em Educação Cristã.
INTRODUÇÃO

Nesta unidade discutiremos as bases e os fundamentos da Educação Cris-


tã. O que é educação e quais são os termos correlatos? Se é que existe,
como se justifica uma Educação distintamente cristã? Qual a sua teo-
logia? O que a Bíblia nos fala sobre educação? Que tipo de exemplo de
educador temos em Jesus Cristo?
Muitas pessoas passaram na vida por aulas de catequese ou escolas
dominicais ou tiveram aulas de religião na escola, mas nunca se pergunta-
ram o que justifica isso. Eu, por exemplo, vim de uma família cristã, filha de
pais missionários, vindos da Europa nos anos de 1960 e tive uma educação
cristã desde berço. Muitas das coisas que eu aprendi em casa e na igreja,
entretanto, tive que desaprender como adulta.
Na escola dominical, por exemplo, geralmente, os materiais utilizados
traziam a seguinte representação: o pastor era sempre branco, engravatado, a
igreja era em estilo americano sulista e a mulher do pastor vestia sempre uma
saia comprida e uma blusa bem decente. Cantávamos músicas do tipo: “O que
você faz, o que você diz, Deus tudo escuta e tudo vê, vê, vê...” Ou “Meu coração
era sujo, mas Cristo ali já entrou, com seu precioso sangue, tão alvo assim o
tornou ...”. Ou “Marcha soldadinho de Cristo...”. Aprendíamos com o livro sem
palavras, no qual havia a parte negra, representando o pecado, e as pessoas
negras só apareciam nas histórias missionárias ambientadas na África.
Mais tarde, depois de estudar pedagogia, eu observei uma aula de Es-
cola Dominical com crianças de seis a sete anos de idade, em que o assunto
era o sonho de Jacó. A moral da história: quando estamos com Deus, po-
demos dormir tranquilos, até sobre uma pedra.
Até que ponto esse tipo de coisa é legítima e reflete os ensinamentos cris-
tãos? Que espécie de teologia esse tipo de prática revela? Qual é o preparo
teológico que têm aqueles que são encarregados na igreja da Educação Cristã?
Se você é educador de algum tipo, seja de seus filhos, sobrinhos,
afilhados ou mais sistematicamente de escola secular ou religiosa, esse
material vai interessá-lo.
1
FUNDAMENTOS
UNIDADE 1

PEDAGÓGICOS
da Educação Cristã

Você foi catequizado quando criança? Passou por uma instituição chamada escola
dominical na igreja? Ou recebeu lições religiosas na casa dos seus pais, parentes
ou na escola? Pois é, tudo isso se chama Educação Cristã e abarca todo um uni-
verso, no qual pretendemos ingressar neste curso. Antes de falarmos em educação
propriamente cristã, se é que ela existe, devemos nos perguntar: o que é educação?
Nesta parte da aula, falaremos dos fundamentos da pedagogia. Do que se
trata o ensino? E o que é educação? Aposto que você já usou essa palavra para
se dirigir a uma pessoa, dizendo que ela é “bem-educada”. Com isso, certamente,
você não quis dizer que ela tinha um PhD em Harvard, não é mesmo? Você estava
se referindo à atitude dela de etiqueta, bons hábitos e respeito aos outros.
Neste sentido, uma pessoa com doutorado em Harvard pode ser muito mal-
-educada e tratar mal os outros. Por sua vez, uma pessoa analfabeta pode ser
bem-educada, tratar os outros com decência e cordialidade.
Para entendermos o que é educação, é necessário consultar, para começo de
conversa, os antigos, sobre o que compreendiam aqueles que viveram no berço
da civilização. É preciso considerar que a palavra educação vem do grego paideia,
que, segundo os gregos, era um conceito muito amplo e universal, o qual tinha um
significado quase religioso de formação do homem na totalidade de seu ser, pois
engloba o corpo, a alma e o espírito. Cada uma dessas áreas na sua completude e
em sua relação com o ideal grego de realidade: a polis ou cidade, que eram os céus
10
na terra para os gregos. Tanto, que a pior pena para eles não era a pena de morte,

UNICESUMAR
mas sim ser exilado, ser expulso da adorada polis, uma espécie de céu na terra.
Como exemplo disso, o próprio Sócrates que, condenado ao ostracismo,
que é a expulsão da cidade ou exílio, preferiu ingerir cicuta, um veneno fatal,
a ser extraditado.

explorando Ideias

Para mais informações sobre o conceito de paideia, leia o livro de Werner Jaeger (1995),
com o mesmo título, que é um clássico.
Fonte: a autora.

O paidagogo era, entre os gregos e romanos, o escravo que conduzia as crianças


pela mão, não só para a escola, mas para a vida, orientando-as não apenas em
conteúdo, mas principalmente na arte do bem-viver e do bem-ser.
A palavra educação, no português, vem do latim educere, que é uma combi-
nação de “pôr para fora” e “ser”. É claro que as influências gregas são evidentes.
Educar nada mais é do que atualizar as potencialidades do educando, fazendo
com que ele se torne o que ele realmente é, o que tem profundas implicações para
a prática pedagógica.
De acordo com o Dicionário Online, educação é:


Ação ou efeito de educar, de aperfeiçoar as capacidades intelectuais
e morais de alguém: educação formal; educação infantil. Proces-
so em que uma habilidade se desenvolve através de seu exercício
contínuo: educação musical. Capacitação e/ou formação das novas
gerações de acordo com os ideais culturais de cada povo. Didática;
reunião dos métodos e teorias através das quais algo é ensinado ou
aprendido; relacionado com pedagogia: teoria da educação. Civi-
lidade; conhecimento e prática dos hábitos sociais; boas maneiras.
Delicadeza; expressão de gentileza, sutileza. Cortesia; amabilidade
e polidez na maneira com que se trata alguém. Prática de ensinar,
adestrando animais domésticos para as atividades que por eles de-
vem ser praticadas (DICIO, [2019], on-line)¹.

11
explorando Ideias
UNIDADE 1

O campo da Pedagogia faz parte das ciências humanas. Ela é uma

Ciência cujo objeto de análise é a educação, seus métodos e prin-


cípios; reunião das teorias sobre educação e sobre o ensino.[...] Re-
união das práticas e métodos que garantem a adequação entre o
conteúdo didático e as pessoas que se utilizaram dele. Ciência res-
ponsável pela educação e pelo direcionamento de crianças e adoles-
centes com problemas de adaptação escolar; processo de tratamento
das crianças ou adolescentes que apresentam problemas e dificulda-
des escolares. O ofício do professor ou de quem trabalha com ensino:
[...]. Característica da pessoa que ensina ou tem prática de ensinar
(DICIO, [2019], on-line)².

Quem estuda pedagogia pode dar aulas nas séries iniciais do Ensino Fundamental, na
Educação Infantil ou no Ensino Médio de formação de professores ou atuar nas empresas
ou nas ONGs voltadas para a educação.

Fonte: a autora.

Associada à palavra educação está a didática, que é a qualidade que se atribui ao


bom professor. Quando perguntados sobre as memórias de um bom professor,
as pessoas costumam falar que ele tinha uma boa “didática”, querendo dizer com
isso que ele sabia “transmitir” conhecimentos. Será que essa palavra “transmissão”
é adequada para definir o que acontece em uma aula bem-sucedida?
No meu entender, o que transmite são ondas de rádio, são arquivos de com-
putador pela internet e doenças contagiosas. Contudo, até que ponto é possível
transmitir conhecimentos? Será que o bom professor é aquele que diz aos seus
alunos: “Pessoal! Sintonizem aqui na minha frequência para captarem a minha
mensagem”? Não. É impossível ensinar assim, pois o ensino é sempre uma ação
mediada, nunca direta, de uma mente para a outra.
Aliás, a educação entendida como “transmissão” foi denunciada pelo edu-
cador brasileiro Paulo Freire como sendo uma “educação bancária”, ou seja, que
pensa que o conhecimento pode ser “passado” adiante como se passa um cheque,
que o aluno tem que se esforçar para “trocar em miúdos”. Essa é a educação con-
teudista, na qual o educador é um “dador de aula”, que passa o ponto na lousa e
espera que os alunos reproduzam ipsis literis o que ele despejou, uma verdadeira
verborreia na mente dos alunos.

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Mas se não é transmissão, o que é didática? A palavra vem do grego didaché,

UNICESUMAR
que quer dizer “magistério“,“instrução“ ou “ensino“ (“teaching”). Na Roma antiga,
as crianças em geral e, no sentido pejorativo, também os jovens delinquentes,
eram chamadas de didicoi. Então, a didática tem a ver com o ensino e com a
questão do comportamento dos alunos, como eles conduzem a sua vida.
Nesse sentido, na tradição cristã ocidental, o nome é sistematicamente re-
gistrado, pela primeira vez, intitulando um manual de instruções cristão antigo,
o Didaquê, também conhecido como “O Ensino dos Doze Apóstolos“. Foi, pro-
vavelmente, escrito na Síria do séc. I d.C., embora alguns críticos o atribuam a
período posterior, o documento só foi descoberto em 1873, publicado em 1883
pelo grego Philotheos Bryennios.
Didaquê é um compêndio de preceitos morais, de instruções para
organização de comunidades cristãs e regras para o serviço litúrgico. Contém
as mais antigas orações e diretrizes eucarísticas (batismo, jejum, oração e do
ministério de bispos, diáconos e profetas). Os primeiros cristãos o usaram
como material de apoio à leitura e ensinamento ao Novo Testamento na ins-
trução, principalmente, de novos convertidos.
O documento representa, hoje, uma importante fonte de informações sobre a
fé e a vida dos primeiros cristãos da história, pois apresenta um resumo dos rituais
litúrgicos, fala também sobre a organização da igreja, o lugar dos missionários e pro-
fetas, e as regras de hospitalidade e comportamento dos líderes das comunidades.
O sentido do que se entende por didática, no entanto, mudou bastante atual-
mente. De acordo com o Oxford Dictionary, didática é “the science or art of
teaching” — a “ciência ou arte de ensinar”. É importante notar que o inglês não
distingue ensino de aprendizagem (learning), apenas as ações de ensinar (teach)
e aprender (learn). Na sabedoria popular, muitas vezes a didática é reduzida ao
método e às técnicas, formando uma verdadeira doutrina escolar.
Como teria se dado esta passagem da educação, entendida como paideia,
que é mais próxima da arte, para a didática, que tem relação mais íntima com
uma técnica, de compêndio de conduta cristã, que fomenta a formação de
hábitos cristãos, ao método pura e simplesmente dito? A educação tem um
sentido dinâmico, de transformação; e a didática, de conservação e reprodução
de métodos e técnicas de instrução.
Segundo um dos livros-cabeceira que deveria ser referência de qualquer edu-
cador, de Israel Scheffler (1974), um clássico da área, a educação tem a ver com
a língua, e a linguagem educacional tem dupla dimensão filosófica: da tradição,
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por um lado, e da transformação, por outro. Ela é, portanto, complexa e dinâmica,
UNIDADE 1

não podendo ser reduzida a conceituações simplistas ou unilaterais. Ela faz parte
de todo um universo ou cenário que a compõe.
Neste cenário ou paisagem educacional, Scheffler (1974) situa as ideias funda-
mentais associadas à educação que são “conhecer”, “ensinar”, “aprender”, “pensar”,
“compreender” e “explicar”, termos consagrados na literatura filosófica, mas tam-
bém psicológica sobre a educação. Outros termos especificamente educacionais
a estes relacionados são “disciplina mental”, “rendimento”, “currículo”, “desenvol-
vimento do caráter” e “maturidade”.
A pluralidade de conceitos que se observa no campo educacional é reflexo
direto da complexidade e pluralidade do objeto real, que pede uma ampliação do
campo de tolerância, entre as definições, e ao mesmo tempo torna essa definição
mais difícil e intangível.

pensando juntos

Então você me pergunta: é impossível definir o conceito de educação? Será que ela é tão
ampla e abrangente que nos escapa como água entre os dedos? Ou teria ela uma chance
de definição, mesmo que aproximativa e bem abrangente? Foi o que Werner Jaeger (1995)
tentou fazer no livro clássico na área, intitulado Paidéia.

Calma. Não é bem assim. Pelo menos os conceitos correlatos podem, sim, ser de-
finidos. Podemos, por exemplo, em um sentido amplo, definir “ensinar” como um
verbo que denota uma atividade voltada para determinado fim, que é a aprendi-
zagem. Nem tudo que ensina gera o aprendizado e nem daquilo que se pretendia
ensinar. E se o meu aluno não aprendeu? Eu posso dizer que ensinei? E se ele
aprendeu outra coisa que não é o que eu pretendia ensinar? Será que eu consigo
prever tudo o que vai acontecer em sala de aula?
Certamente o ensino tem a ver com planejamento. É preciso ter em mente,
antes do ato de ensinar, o que é que se pretende “transmitir”. Como, entretanto, o
ensino não é totalmente previsível, é necessário lidar com imprevistos, mas é pre-
ciso minimizá-los, por isso é que se planeja e se tem objetivos claros e explícitos.
Na definição dos objetivos, por exemplo, é preciso se perguntar, no final do
processo de aprendizado, o que se pretende que o aluno saiba fazer. Nesse sentido,
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o ensino é, antes de tudo, uma tentativa e um esforço por realizar o aprendizado.

UNICESUMAR
O cumprimento do ato de ensinar, no entanto, não é suficiente para completar ou
realizar o ensino. Para se ter garantido o ensino, é preciso que se tenha alcançado
um aprendizado adequado (certo aprendizado sob certas condições).
Também está embutido na ideia do ensino e principalmente no seu plane-
jamento, o elemento tempo. Cada lição coloca-se em tempos diferentes. Assim,
a forma de verificar o ensino implica na interferência transformadora da reali-
dade, embora nem sempre inteiramente perceptível. Por exemplo, a intenção do
professor, ao ensinar geometria, não pode ser vista, e a solução a que chegou o
aluno não poderá ser confirmada enquanto ele não a provar por algum tipo de
evidência externa (comportamental).
Por outro lado, a exibição de provas não é suficiente para comprovar a apren-
dizagem, da mesma forma como não se pode reduzir o ensino a uma estrutura
de movimentos previamente determinados ou programados. Sempre que se em-
preendem esforços para ensinar, por mais que possamos prever o procedimento
mais favorável à aprendizagem, temos que nos expor, correndo o risco e contando
com a possibilidade do fracasso. Isso nos leva já à questão da avaliação. Como
saber se meu aluno aprendeu, se o aprendizado é algo interno, que só pode ser
verificado pela manifestação externa?
A didática pode maximizar a eficácia do ato de ensinar, mas não impede total-
mente o fracasso. Nessa perspectiva, a arte do ensino é comparável à da culinária,
que depende do talento do mestre-cuca, mas também de um preparo técnico. Por
isso, não basta passar receitas é preciso saber usá-las e aplicá-las.
Além de bom na arte de criar o sabor, o bom professor é um bom pesquisa-
dor, ele observa e registra as experiências suas e dos alunos e inventa formas de
intervir na prática para melhoria dos resultados.
Não basta, por exemplo, passar o conteúdo na lousa e dar a aula como um
“dador de aula”, simplesmente entregando o saber ao aluno tipo “magister dixit”
o “mestre falou” e disse, é preciso ter criatividade e distinguir entre “ensinar” e
“dizer”. Falar por si só não depende do êxito do ensino ou captação e muito menos
a retenção da mensagem para ser considerado verdadeiro.
A falácia do verbalismo faz, no entanto, os professores acharem que basta
“dizer” as coisas para se dar o ensino. Dizer, principalmente, quando se trata de
valores, nem sequer é necessário. É preciso mexer com os brios do sujeito para
ele mudar de conduta. Por isso, levar uma lição de moral pode sair pela culatra,
quando a mensagem é apenas registrada verbal ou intelectualmente:
15

[...]a apreensão intelectual de princípios morais e o seu reconhecimen-
UNIDADE 1

to intelectual podem ocorrer juntamente com uma rejeição desses


princípios ao nível da conduta; um dos pontos de vista, porém, des-
creve esse caso como um malogro do ensino, ao passo que o outro o
descreve como um malogro da vontade (SCHEFFLER, 1974, p. 103).

Ninguém gosta de lições de moral ou dos famosos “sermões”. Normalmente, eles


caem em ouvidos surdos e muitas vezes surtem o efeito contrário, a resistência e
rebeldia, principalmente quando são impostos.
O aprendizado, que não é mera reprodução de condutas externas, só estará
realmente ocorrendo se atingir o esquema geral de ação do sujeito. Não basta en-
sinar um sujeito a fazer algo, é preciso que ele creia que essa seja de fato a melhor
atitude. A aprendizagem moral envolve, então, a crítica reflexiva e dialógica por
parte do sujeito, que pode vir a questionar o modelo proposto pelo professor. Ela
envolve, assim, uma transformação (no sentido de metanoia) da postura do su-
jeito diante das coisas, isso abre o paradoxo da possibilidade de ensino da moral.
Nesse âmbito, o melhor que o professor pode fazer não é impor imperativos
ou regras de conduta, mas usar “vários outros meios, através dos quais emergem e
florescem a estima, a fruição e a compreensão” (SCHEFFLER, 1974, p. 116). Para
exemplificar isso, o autor cita o caso do ensino do que se entende por cidadania:


Por exemplo, falamos de ‘cidadania’ como se se tratasse de um con-
junto de habilidades, ao passo que o nosso objetivo educacional
consiste, na realidade, não simplesmente em ensinar aos alunos
como ser bons cidadãos, mas, em especial, em ensinar-lhes a ser
bons cidadãos; não simplesmente como fazer para votar (sic) mas
a votar (SCHEFFLER, 1974, p. 118).

A grande vantagem de permanecer no limite das habilidades é que reduz a carga


de responsabilidade do professor. Também, o ensino de esquemas de ação não
esgota o sentido da aprendizagem moral. A diferença entre o saber como e o
saber que não se resolve, atribuindo o segundo campo à subjetividade e abstra-
ção, mas apelando para a ação e transformação efetiva da atitude do indivíduo.
Isso ocorre também com relação a outras áreas, como o agir científico. Afinal,
o que é mais importante ensinar: como se pensa cientificamente, na teoria, ou a
pensar de forma científica na prática?

16
Muitos educadores chamam essa preocupação com o “ensinar a” para além

UNICESUMAR
de “ensinar como”, de práxis educativa. Para além da prática, essa palavra denota
um agir transformador da sociedade para algo melhor.
Um dos autores preocupados com a práxis é Zabatiero (2009), quando fala
das bases pedagógicas da educação cristã. Ele denuncia o individualismo e alie-
nação da pedagogia de hoje e a educação cristã não foge disso. Como antídoto
para isso, ele sugere a leitura de Pedagogia da Esperança, de Paulo Freire.
Com certeza a esperança é uma das virtudes teologais mais importantes do
educador cristão, já que vivemos uma realidade de espera. Esperança é a quali-
dade de quem espera. Mas o que se espera? Muitas coisas: a gente espera se dar
bem profissionalmente; espera ter um relacionamento saudável com alguém e
formar uma família; espera ter amigos que o entendam e compartilhem dos seus
momentos mais importantes. Em última instância, no entanto, esperamos que a
maior certeza que se tem na vida de que um dia se irá morrer, não se realize ou
que tenhamos mais vida após a morte.
No entender de Paulo Freire, a educação nunca se pode reduzir à sala de aula,
mas deve ser concebida em sua totalidade e integralidade, que vai além de si mesma.
Citando o educador luterano Danilo Streck, Zabatiero (2009) fala da
educação como práxis, ou seja, como inalienavelmente ligada a uma prática
pedagógica transformadora:


1. “O critério da práxis faz com que a relação pedagógica seja orien-
tada no diálogo entre educadores e educandos, numa relação hori-
zontal, uma vez que ambos são sujeitos do processo educacional”;
2. “O critério da práxis não permite que se viva na e da
certeza de dogmas, mas requer que se mantenha uma pre-
sença curiosa diante da realidade que se deseja transformar”;
3. “O critério da práxis faz com que a educação deixe de ocorrer em
espaços ideologicamente ascéticos (como se isso fosse possível), e
conviva com as alegrias e frustrações da criação do mundo novo”
(STRECK apud ZABATIERO, 2009, p. 14).

Quanto aos aspectos didáticos, Zabatiero (2009) reforça que uma Educação
Cristã tem que ser voltada para uma práxis comunitária, que visa o crescimento
espiritual da igreja. Ela envolve o discipulado, que, segundo Groome, citado por
Zabatiero, envolve cinco passos metodológicos:

17
1. Ação presente – Deve-se sempre partir da experiência do aluno, daquilo
UNIDADE 1

que ele sente e com o que se identifica. Não precisa ser no começo da aula,
de acordo com Zabatiero, mas eu acredito que tem que ser, sim. Pode ser
uma dinâmica de grupo, um caso, uma poesia, uma música.
2. Reflexão Crítica – nunca se deve fazer uma dinâmica sem que haja uma
reflexão avaliativa da mesma, apontando para a “moral da história”.
3. Diálogo – é a parte mais teórica da aula, em que entra em jogo o conteúdo,
mas nunca de uma forma meramente expositiva, mas sempre dialogada.
4. Caso – Vejamos como Zabatiero resume esse momento:


É quando relacionamos o tema estudado com a nossa vida pessoal e
comunitária. É a aplicação do que estamos estudando à luz de todo
o conjunto de nossa fé e da tradição, de modo a percebermos a ação
de Deus na realidade. É a hora em que avaliamos nossas convicções
e práticas, a fim de que – se necessário – haja transformações ou
aperfeiçoamentos. Esse momento é muito semelhante ao da
reflexão crítica. A diferença é que sempre ocorre depois do estudo
da lição do dia. Popularmente, podemos chamá-lo de “fechamento”
da discussão didática: a hora em que juntamos as pontas soltas e
atribuímos um contorno bem definido ao conteúdo apresentado e
debatido (ZABATIERO, 2009, p. 15).

5. Visão – É o momento final da metodologia proposta por Groome, em


que se parte para um projeto de ação transformadora.

É claro que ao falarmos de fundamentos pedagógicos da Educação Cristã e parti-


cularmente de sua didática, que é a reflexão filosófica sobre a práxis educacional,
também temos que nos referir aos métodos. Assim, a didática que um educador
emprega revela a sua intencionalidade, ou seja, a sua visão filosófica ou ideolo-
gia. Não é a técnica aplicada que vai revelar isso, pois há professores que usam
técnicas de última geração, como o Datashow, mas que transmite, com esse meio,
conteúdos completamente conservadores e retrógrados, além de reproduzirem a
verborreia do ensino tradicional. Por outro lado, uma aula expositiva tradicional
pode ser usada para veicular conteúdos completamente inovadores e transfor-
madores, sendo totalmente dialogada e interativa.

18
UNICESUMAR
pensando juntos

Você já parou para pensar sobre o que é método? Certamente ele é uma parte importante
da didática, que por sua vez, é parte da filosofia da educação.
É importante lembrar, nesse contexto, que a palavra método vem de methodos no grego,
que significa caminho. Trata-se da direção geral das técnicas empregadas para se alcançar
o(s) objetivo(s) que se queira atingir.

Para usar uma metáfora, podemos imaginar uma viagem. Para viajar é preciso que
se decida que meio se vai usar: o terrestre, o aéreo, o marítimo etc. Essa é a imagem
do método em educação. Estabelecido o meio terrestre, por exemplo, é preciso esco-
lher como se pretende viajar: de carro, de ônibus, de trem etc. Essas são as técnicas.
Zabatiero (2009) estabelece quatro métodos: o dedutivo, que é o mais usado,
que vai do todo para a parte, usando a técnica da análise e da exposição; o indu-
tivo, que é o contrário e vai da parte, da experiência, para o todo; o interativo ou
dialético, que mistura essas duas metodologias; e o divergente, que eu chamaria
de interdisciplinar, em que se apela para várias áreas do conhecimento a fim de se
chegar a um saber novo, que nenhum dos saberes em jogo poderia alcançar sozinho.
Apelando mais uma vez à metáfora, poderíamos dizer que a multidiscipli-
naridade ou pluridisciplinaridade é como a mistura de substâncias na química,
em que ou elas se misturam de forma homogênea ou de forma heterogênea, mas
nunca perdendo as suas características individuais. Por sua vez, a interdiscipli-
naridade é o que acontece na reação química, em que dois ou mais reagentes
trocam de moléculas e átomos entre si, com gasto ou produção de energia,
formando produtos novos, que nenhuma das duas substâncias seria capaz de
gerar sozinha. Assim, uma metodologia interdisciplinar revela um conceito de
conhecimento complexo e revolucionário.
A transdisciplinaridade é um passo além, quando se usa a metodologia com
o intuito de transcender o aqui e agora, buscando uma práxis transformadora.
Em relação às técnicas, Zabatiero (2009) cita algumas como as dinâmicas de
grupo, dramatizações, recursos audiovisuais etc. O fato é que as técnicas têm que
ser empregadas com responsabilidade e consciência de objetivos, ou seja, como
parte de uma metodologia e de uma didática.

19
EDUCAÇÃO
UNIDADE 1

DIDÁTICA

METODOLOGIA

TÉCNICA

Figura 1 – Relação entre Filosofia da Educação, metodologia e técnica / Fonte: a autora.

Quanto às dinâmicas de grupo é preciso sempre ter o cuidado de revelar os ob-


jetivos antes de usá-las, para que as pessoas envolvidas não se sintam usadas ou
abusadas. E no final, é importante o feedback do que se pode aprender com a
técnica, para que ela não valha por si mesma, só para preencher o tempo.
Zabatiero (2009) fecha essa parte da didática da Educação Cristã com
conselhos muito úteis. Vejamos:


A autenticidade e a transparência são fundamentais no trabalho
educacional, especialmente no ensino cristão. Sempre que você ex-
perimentar alguma dúvida, angústia ou sensação de limite, saiba
compartilhar esses sentimentos com sua classe, para que você tam-
bém seja edificado por seus alunos. Além disso, não há chance de
sermos bons professores se não formos bons aprendizes. Valorize a
dúvida e a curiosidade: são o ponto de partida para o conhecimento
(ZABATIERO, 2009, p. 20)

Gostou dessas dicas? Na aula seguinte mencionaremos mais algumas falando das
bases teológicas da Educação Cristã.
20
2
FUNDAMENTOS

UNICESUMAR
TEOLÓGICOS
da Educação Cristã

Como vimos na aula anterior, muitos de nós passamos por uma educação cristã de
bases teológicas no mínimo questionáveis, sem termos tido a chance de questioná-las.
Antes de falarmos em fundamentos teológicos, porém, é preciso situar a
Educação Cristã no tempo e contextualizá-la historicamente. Para isso, vamos
usar o livro de Claudionor Andrade (2002) que, apesar de algumas abordagens
demasiadamente fundamentalistas, apresenta um histórico interessante. Também
utilizaremos os estudos de Armstrong (1994), em seu clássico Bases da Educação
Cristã. Ao final da aula, vamos nos debruçar sobre Zabatiero (2009), que traz uma
abordagem mais contextualizada e atual da Educação Cristã.
No caso de Andrade (2002), vamos nos restringir a essa parte histórica e bíblica,
pois o autor trata, de resto, de questões como a evangelização de povos não alcan-
çados com uma crítica contundente àqueles preocupados com o lado humanitário
da coisa. A nosso ver, a abordagem é ingênua, dizendo que a autoridade e missão de
educar e evangelizar vem de Deus e não de homens, pelo que ele atribui aos cristãos
um papel de superioridade, apesar de ele afirmar que não existe povo melhor ou
pior. O fato é que ele coloca o cristão/missionário/educador como o árbitro para
julgar o que esses povos devem ou não fazer ou como eles devem viver.

21
Senti ainda um certo desprezo pela filosofia, tão cara ao próprio Jesus,
UNIDADE 1

quando ele defende, aparentemente com base na Bíblia, de que ela seja inútil.
Também a religião e a educação secular são declaradas inúteis e a religião cristã
posta como a única verdadeira.
Pelo menos Andrade (2002) é honesto a ponto de se assumir como funda-
mentalista e de expressar certa preocupação não só com o papel evangelístico e
profético, mas também com o de assistência social da parte dos educadores cris-
tãos e da igreja. Para ele, a Educação Cristã se entende no contexto do mandato
cultural deixado por Cristo para a sua igreja. E nesse ponto ele concorda com
Sherron (1993), que defende que a igreja é por natureza “ensinadora”. A igreja que
é igreja ensina, e o ensino que é legítimo serve à igreja.
Andrade (2002) também lembra que educar vem de educere, no latim, que
significa extrair, pôr para fora alguma coisa. Na verdade, trata-se de atualizar os
potenciais do educando, extraindo nada mais, nada menos, do que o ser, ou seja,
o eu essencial, o self da pessoa. Ele também faz um apanhado do que chama de
Filosofias da Educação (Naturalismo, Nacionalismo, Comunismo e Relativismo
Moral) e trata com igual desaprovação o Nacionalismo Capitalista e o Comunis-
mo Socialista. Ao invés de dizer que ambos tiveram influências nefastas sobre a
história do Brasil, prefere falar apenas do comunismo, dedicando, inclusive, uma
seção inteira a defender o quanto ele é contrário às Escrituras e ao cristianismo.
Em todos os casos, podemos aproveitar o histórico traçado por Andrade no
qual diz que nos tempos do Antigo Testamento, a educação era assumida pelos
patriarcas, que eram multifuncionais no clã.


Eram estes considerados não apenas os chefes de suas famílias como
também o profeta, o sacerdote e o professor do lar. Eles detinham
um poder irresistivelmente monárquico: ditavam as normas, arran-
javam casamentos, comandavam pequenos exércitos, negociavam a
paz, estabeleciam tratados e alianças com outros clãs e orientavam
a vida econômica de seus descendentes. O que mais os caracteriza-
va, porém, era a sua responsabilidade espiritual e pedagógica. Sua
missão era educar os filhos nos caminhos do Senhor, para que o
conhecimento divino não viesse a perder-se entre a gente idólatra
de Canaã e do Egito (ANDRADE, 2002, p.22).

22
Esse era um ensino assistemático, não institucionalizado e organizado. Quando

UNICESUMAR
começou a educação mais formal? Ela começou na época da libertação do povo
judeu dos egípcios por Moisés e sua peregrinação pelo deserto. Foi a educação
que receberam que fez com que o povo tomasse a iniciativa de sair da condição de
escravos e buscar a liberdade. Depois terem optado pela monarquia, os príncipes
passaram a se encarregar do ensino da Palavra e da Lei de Moisés.
Uma das figuras destacadas por Andrade (2002) no ensino formal do povo
hebreu foi Esdras, que além de ter sido escriba e Doutor da Lei, ajudou a deter-
minar o Cânon do Antigo Testamento e a conduzir a construção de sinagogas
na Babilônia. Ele também encabeçou um retorno às suas terras de origem para
a reconstrução do templo de Jerusalém. O autor afirma que a Escola Dominical
de hoje tem muitos traços ainda dessas antigas sinagogas, em que o povo se con-
gregava para ler e estudar a lei mosaica.
No tempo de Jesus, ele era considerado o Mestre dos Mestres ou, como o
chamava Clemente de Alexandria, “Educador por antonomásia”, ou seja, ele era
praticamente sinônimo de educação, considerado educador por excelência.


Era o Senhor admirado por todos, pois a todos ensinava como
quem tem autoridade e não como os escribas e fariseus (Mt
7, 29). Em pelo menos 60 ocasiões, é o Senhor Jesus chama-
do de Mestre nos evangelhos. Pode haver maior distinção
que esta? Isto, porém, era insuportável aos escribas e rabinos
por não terem condições de competir com o Filho de Deus.
Jesus não se limitava a ensinar nas sinagogas. Ei-lo nas ca-
sas, nas mais esquecidas aldeias, à beira mar, num monte e
até mesmo no Santo Templo. Sempre encontrava ocasião e
oportunidade para espalhar as boas novas do Reino de Deus.
Ele curava os enfermos, realizava sinais e maravilhas e operava
singulares prodígios. Mas, por maiores que fossem suas obras, ja-
mais comprometia o ministério do ensino. Antes de ascender aos
céus, onde se acha à destra de Deus a interceder por todos nós,
deixou com os apóstolos estas instruções mais que explícitas:
“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a obser-
var todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou
convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,19-
20) (ANDRADE, 2002, p. 27).
23
E os primeiros cristãos, como educavam? Para Andrade (2002), a Igreja Primitiva
UNIDADE 1

provou por “a” mais “b” que, sem o magistério do Evangelho, inexistiria a Igreja de
Cristo. O segredo do sucesso da expansão do cristianismo nesses primórdios foi pre-
cisamente a educação que se praticava nas pequenas comunidades cristãs primitivas.

pensando juntos

Como que essa tradição foi preservada depois que as primeiras gerações após Cristo se
foram? Veja, a igreja ainda não havia se estruturado como instituição. Então, a educação
foi fundamental nesse começo.

A instituição da tradição se deu junto com a formação da Igreja Católica, ao longo


da Idade Média, em que tomaram vulto os Pais da Igreja e sua teologia funda-
mental, que girava em torno dos Credos Apostólico e Niceno. O já mencionado
Didaquê funcionava como uma espécie de livro didático ou manual para a arte
de se bem viver enquanto cristão nesse mundo.
Com a Reforma, os reformadores e também, principalmente, Wesley, o fun-
dador da igreja metodista, defendia que ao lado de cada Igreja fosse fundada uma
escola. A Academia de Genebra de Calvino e o sistema de ensino público de Lu-
tero são provas da visão, muitas vezes, não explicitada, que esses homens tinham
da educação e de como eles a valorizavam. A concepção que se tinha de educação
cristã era, antes de tudo, da educação como um todo, não especificamente cristã.
Adotava-se um currículo que era, ao mesmo tempo, secular.
Para isso, era inspirado nas Artes Liberais, que são o Trivium (lógica, gramática
e retórica), e o Quadrivium (aritmética, música, geometria, astronomia), as disci-
plinas que eram oferecidas nas escolas gregas para ensinar os ofícios aos alunos.
Eram denominadas artes, porque a ideia que se tinha de profissional era a de um
artesão, mais do que um técnico. O trabalho era mais artístico e artesanal, portanto
para preparar o aluno para o trabalho, era necessário que ele dominasse as artes.
O Trivium era considerado o ferramental básico de que o aluno se valia para
trabalhar as demais disciplinas. Tratava-se do que hoje se denomina como ha-
bilidades básicas da aprendizagem e que serviam para que os conteúdos fossem
dotados de significado ao aluno. Com o tempo, o Quadrivium foi se sofisticando,
até se tornar o currículo que temos hoje, e o Trivium ou foi esquecido ou então
absorvido pelo Quadrivium.
24
Então, nos seus primórdios a educação cristã era secularizada, preocupando-

UNICESUMAR
-se com a formação geral do educando. O mesmo, aliás, aconteceu com a Escola
Dominical. Na próxima unidade, dedicada à educação mais voltada para a Igreja,
vamos falar das origens da Escola Dominical, que se deram nesse contexto.
Armstrong (1994) fala da educação hebraica baseada em três centros
e três objetivos:

LAR
• TRANSMITIR A HERANÇA HISTÓRICA

TEMPLO
• INSTRUIR NA CONDUTA ÉTICA

ESCOLA DE PROFETAS
• ASSEGURAR A PRESENÇA DE DEUS E SUA ADORAÇÃO

Figura 2 – Educação hebraica / Fonte: adaptada de Armstrong (1994).

O currículo era formado por elementos do folclore e da religiosidade como o


simbolismo, os rituais e as festas; a lei mosaica; as atividades cotidianas; e a li-
teratura de sabedoria, como os Salmos e os Provérbios. Quanto à metodologia,
empregava-se o ensino oral, procedimentos normativos e aplicavam-se parábolas
para a instrução moral.
Aliás, Jesus é bem bíblico e respeitoso da tradição judaica na sua pedagogia,
ao usar privilegiadamente as parábolas em seus ensinamentos. E quais são os
princípios educacionais que norteiam a educação hebraica? Um deles certamente
é a concepção de que a educação é um mandamento vindo diretamente de Deus.
Essa educação também é teocrática, já que Deus é o modelo de onde emana toda
a autoridade e sanção que devem permear o ensino.
Outro princípio básico da educação judaica é o da disciplina, que é indis-
pensável para o bom andamento das aulas. Nesse sentido, algumas práticas
25
atuais de educação, como a não-diretiva, em que o aluno impõe todas as regras,
UNIDADE 1

seria impensável para os judeus.


Além disso, a profissão de professor era considerada sagrada, já que ele se ins-
pirava diretamente em Deus nos seus ensinos, que começavam desde a mais tenra
idade, e se davam de forma gradual, indo do mais simples para o mais complexo.
Mais tarde, quando se formou o povo judeu, além da educação no lar, deno-
minada Mezuzá, ou seja, educação na lei e na tradição (Dt 6, 4-9 e 11, 13-21) e na
sinagoga, criou-se a educação primária que era pública e usava como metodolo-
gia a instrução oral e como material didático o Talmude e a Torá. A aprendizagem
se dava pela repetição e memorização.
Na era de Cristo, é preciso considerar que o mestre foi educado na sinagoga
e se destacou ensinando aos fariseus. Aliás, há um livro bem interessante sobre
a Pedagogia de Jesus, de Price (1980), assim intitulado, que eu recomendo bas-
tante. Não é para menos que até as religiões e pessoas que não acreditam em
Cristo, como Messias e Deus, o têm como um dos maiores mestres de toda a
humanidade. Ele, como educador, tinha grande conhecimento da literatura, das
leis e tradições, da cultura local e da natureza humana. E, como já mencionamos
antes, ele ensinava com autoridade que lhe era dada por Deus. Sua pedagogia
era experiencial, pois ele encarnava e praticava todas as verdades que ensinava.
Além disso, ele não fazia acepção das pessoas a quem ensinava, inclusiva-
mente: ricos, pobres; letrados, analfabetos; homens, crianças e mulheres; pessoas
mais ou menos inteligentes etc. Em relação às estratégias de ensino, ele ensinava
ora individualmente ora para as multidões, e se valia de todas as oportunidades
e recursos, principalmente os práticos para ensinar.
Ora, mas será que ele também planejava os seus ensinos, ou era tudo espon-
tâneo? Com certeza, ele demonstra pelo menos ter em mente certos objetivos
que ficam visíveis na sua prática pedagógica, tais como:
■ A mudança de vida do indivíduo, além de intelecto e emoções.
■ Converter os alunos a Deus.
■ Desenvolver a harmonia entre as pessoas e delas com Deus.
■ Verificar e reforçar crenças e convicções.
■ Questionar/ fazer refletir (método da pergunta).
■ Capacitar os discípulos para fazerem coisas maiores do que ele.
■ Ajudar as pessoas, por exemplo, pelos milagres de cura, multiplicação de
pães e ressurreição.

26
Outros métodos usados por Jesus eram de prender a atenção do ouvinte com

UNICESUMAR
histórias, usar um estilo simples, mas profundo. Seus ensinos eram diretos e indi-
retos usando de simbologia e histórias como meios de ilustrar o que estava sendo
dito. Ele partia do conhecido para o desconhecido, nunca vice-versa, ou seja, ele
usava uma estratégia indutiva, da parte para o todo e não dedutiva, do todo para
a parte e empírica, pois partia da experiência do aluno. Ele também se valia de
meios concretos para o ensino, nunca ensinando abstrações puras e simples.
E ele empregava alguma técnica específica nos seus ensinos? Com certeza,
várias! Entre as técnicas de que ele se valia podemos citar as perguntas, como
quando ele pergunta aos discípulos quem as pessoas diziam que ele era e indaga-
ções; as parábolas; o discurso ou conferência, como no sermão do monte; projetos
ou atividades voltadas ao ensinar, como o lançamento de redes dos discípulos
para ensinar-lhes a pescar homens; o uso de recursos visuais, como os pães e os
peixes na multiplicação dos pães e, principalmente, o testemunho e exemplo vivo,
como na cura de doentes e na sua morte e ressurreição.
E depois que ele morreu, incumbindo os seus discípulos da Grande Comis-
são, como eles passaram a educar? De acordo com o já mencionado Didaquê, ou
manual de instruções para novos convertidos, a educação tinha foco na conduta
e vida diferenciada das outras pessoas. Era necessário que os cristãos se destacas-
sem de alguma forma e deixassem a sua marca registrada. Então, a educação era
muito voltada para a ética e lições de como andar pelo caminho do cristianismo
e viver uma vida autenticamente cristã.
Outro foco era o evangelismo, já que o cristianismo estava se expandindo
juntamente com a educação na comunidade, por meio do culto e do exercício
da comunhão e da fraternidade. A eucaristia era um rito que muitas vezes se
confundia com a prática de refeições conjuntas.
O ofício de mestre e a prática do ensino eram caracterizados por Paulo, como
dons do Espírito e, portanto, mantiveram o cunho de coisa sagrada que tinham
para os judeus. E uma das funções da educação era culminar no batismo e na
instauração de outros sacramentos constitutivos de uma nova tradição, que pre-
tendia se difundir pelo mundo.
No período subsequente, na era dos apóstolos, a educação se dava basica-
mente pela literatura. As epístolas eram usadas para o ensino individual e cole-
tivo, principalmente no que diz respeito ao manejo correto da Palavra inspirada.
(2Tm 2,14-15; 3,16-17). O ensino também era necessário para afirmar a fé (1Tm
4, 6-11-16; 6, 3-5; 2Tm 4, 3). Ele formava a base para o estabelecimento de lares
27
harmoniosos (1Tm 6,1-2). Assim, a habilidade e capacidade de ensinar era uma
UNIDADE 1

das exigências que se tinha para os líderes das comunidades, particularmente


para os pastores (1Tm 3, 2; 2Tm 2, 24). No entanto, infelizmente, hoje são raros
os pastores dotados de uma visão autenticamente educacional.
Além disso, o ensino era tido como uma consequência essencial da própria
prática de leitura da Bíblia e também da exortação e da pregação (1Tm 4, 13; 2Tm
4, 2). Paulo apresenta, em 2Tm 2, 2, o ensino ainda como algo que é indispensável
à perpetuação da fé: “E as coisas que me ouviu dizer na presença de muitas tes-
temunhas, confie a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar a outros”.
Como Armstrong (1994) trata a Idade Média? Ele a retrata como movimento
pré-reforma, que se caracteriza pela crise do Império Romano e o fortalecimento da
igreja com Constantino, decretando o cristianismo como religião oficial do Estado.
A partir daí a Educação Cristã se incrementou pela fundação de mosteiros
onde os monges se dedicavam à tradução de documentos antigos e ao ensino.
Imperava o intelectualismo e houve influência entre os intelectuais do conceito
grego de Paideia. Era a época dos apologistas e da proliferação de heresias que
dividiam as igrejas, mas que, apesar disso, se desenvolviam e organizavam. Os
debates surgiam sobre a autoridade do clero e sucessão apostólica.
Formaram-se, nessa época, ainda, as escolas de catecúmenos, que são os novos
cristãos, as escolas catequéticas e as escolas catedrais ligadas às catedrais e epis-
copais, ligadas aos bispos. Surgem os movimentos e ordens monásticas, como a
ordem beneditina e franciscana.
De uma maneira geral, Armstrong (1994) coloca essa época como Idade das
Trevas e da ignorância, em que se tinha muita educação religiosa e pouca educação
efetivamente cristã, fazendo coro com a maioria dos estudiosos historiadores, que
não reconhecem a Idade Média como berço da civilização ocidental moderna.

explorando Ideias

Armstrong (1994) esquece que foi nesse período que surgiram as universidades mais im-
portantes da Europa e se desenvolveu uma metodologia toda dialética e dialógica, que foi
a escolástica medieval. Ela partia de uma questio disputata, que era uma questão teoló-
gica a ser discutida e que geralmente vinha do povo. Depois de apresentada a questão se
arrolavam todos os argumentos a favor e contra a mesma, para no final se chegar a uma
conclusão que servia de inspiração para a próxima questão a ser discutida.
Fonte: a autora.
28
■ A Idade Média também gerou os maiores pensadores da filosofia cristã,

UNICESUMAR
como Santo Agostinho e S. Tomás de Aquino, além dos pais da Igreja.
Entre os Padres da Igreja podemos citar:
■ Justino Mártir (100-165): nascido na Samaria, ele teve uma educação
bastante boa em literatura, retórica e história, mas acabou se dedicando
à filosofia, principalmente ao platonismo e estoicismo. Ele se converteu
através de pessoas que lhe falaram de Cristo como sendo aquele que cum-
priu as antigas profecias do judaísmo. Depois disso, ele se engajou ativa-
mente na defesa da fé (apologia), escrevendo livros na área, e na expansão
do Cristianismo. Tanto, que acabou sendo martirizado.
■ Irineu (130-202): bispo grego, nascido provavelmente em Esmirna, atual
Turquia, foi considerado um dos principais teólogos a se opor às heresias
de sua época, principalmente ao gnosticismo, que era uma seita intelectual.
■ Clemente de Alexandria (150-215): outro teólogo, escritor, apologista cris-
tão que combatia as heresias, particularmente também o gnosticismo. Nas-
ceu em Atenas e é considerado o mais erudito de todos os Padres da Igreja.
■ Tertuliano (160-220): nascido em Cartago, foi um escritor e apologista
do cristianismo, que combatia as heresias e foi o primeiro a escrever toda
a sua obra em latim. Também ficou famoso por introduzir e teologizar
sobre o conceito de trindade.
■ Orígenes (185-253): teólogo e filósofo neoplatônico, foi um dos mais
eruditos e eminentes membros da patrística, como também era conhecida
a teologia dos Padres da Igreja. Escreveu mais de 600 obras entre homilias,
livros de teologia e comentários bíblicos.
■ Jerônimo (347-420): foi sacerdote, nomeado Doutor da Igreja pela Igreja
Católica, historiador, tradutor e teólogo, nascido na cidade de Estridão.
Sua maior e mais memorável obra foi a tradução da Bíblia do grego para
o latim, a chamada Vulgata.
■ Agostinho (354-430): bispo de Hipona procurava conciliar a filosofia
com a teologia. Escreveu várias obras sobre instrução cristã. Para ele, o
mestre deve sempre ser modelo e exemplo. Em Confissões, uma de suas
obras mais famosas, ele fala do mestre interior, que Armstrong (1994)
esquece de mencionar. Ele é aquele que ensina dentro de nós, como reflexo
da imagem de Deus, impressa no ser humano.
■ Alcuíno (735-804): considerado patrono das universidades, que eram
todas cristãs, nasceu na Nortúmbria (Grã-Bretanha), tornando-se monge e
29
abade. Fundou universidades e introduziu o ensino do Trivium e Quadri-
UNIDADE 1

vium nelas. Também teve um papel importante na Renascença Carolingia


e contribuiu, na matemática, para a análise combinatória.
■ Tomás de Aquino (1225-1274): foi frade dominicano que foi canonizado
e recebeu o título de Doutor Angélico pela Igreja Católica, o que significa
que seus princípios, explicitados em sua obra magna, Summa Teológica,
serviram de base a toda a doutrina da Igreja. O escolasticismo de Tomás e
outros medievais é mal compreendido (Armstrong não é exceção à regra),
sendo confundido com o escolasticismo jesuíta, do Ratio Studiorum, que
eram regras disciplinares rígidas, incluindo a lista de livros proibidos, de
que trata o filme, baseado no livro de Umberto Eco, O Nome da Rosa, e
que pouco ou nada tinha que ver com esse modelo metodológico.

Na fase histórica seguinte, o Renascimento que envolveu a Reforma, há uma


ruptura da visão de mundo medieval, essencialmente hierarquizada, aberta à
transcendência e teocrática, começa a ideia de separação entre Estado e Igreja e
inicia-se a dualidade entre o mundo secular e o religioso.
Cada vez mais se forma um ambiente propício ao espírito moderno e aos
novos ares de secularismo, advindos do resgate da arte e da cultura grega e do
florescimento da filosofia iluminista. Assim, ocorre uma renovação cultural com
o predomínio do humanismo.
Com a ascensão da burguesia e a formação dos Estados Republicanos, devido à
desintegração do feudalismo e a formação de novas carreiras profissionais, que são
os ofícios de artes, há um florescimento do individualismo e do espírito burguês.
Surgem figuras, como Gerardo Groote (1340-1384), pregador, teólogo, huma-
nista e místico, fundador dos Irmãos da Vida Comum, na Holanda, que defen-
diam a leitura individual da Bíblia. Até então, ela era lida apenas pelos religiosos
que dominavam o latim, única tradução existente, além das línguas originais,
e aulas em vernáculo, em vez do tradicional latim. Ele teve a iniciativa de em-
preender uma tradução da Bíblia para o holandês. Foi nessa época, também, que
emergiram os movimentos em prol da educação secular.
Quais foram algumas figuras que influenciaram a educação cristã nessa época?
Podemos citar os seguintes:
■ Erasmo de Roterdã (1466-1536): teólogo neerlandês foi uma peça-chave
na fundação e divulgação do humanismo cristão. Apesar de ter aderido
à vida monástica, ele era um crítico ferrenho do monasticismo e da
30
Igreja Católica. Vivia uma vida de livre pensador, independente de

UNICESUMAR
escola, religião e laços políticos ou territoriais, dando aulas e dedi-
cando-se à sua obra literária.
■ Os Valdenses: movimento fundado por um rico comerciante, Pedro Val-
do, na França, que deu tudo aos pobres e fez voto de pobreza. Os valdenses,
que logo se espalharam pela Itália e Suíça, seguiam uma filosofia rígida
e ascética, sendo declarados heréticos pela Igreja Católica, pelo que seus
seguidores foram intensamente perseguidos. O movimento aderiu à re-
forma, sendo que se afiliou aos calvinistas.
■ John Wycliffe (1328-1384): foi teólogo e reformador da Inglaterra, ten-
do traduzido a Bíblia para o inglês, que até hoje é chamada de Bíblia de
Wycliffe. Foi professor da Universidade de Oxford.
■ Jan ou João Hus (1369-1415): da Boêmia, considerado precursor da
Reforma, sendo seguidor das ideias de Wycliffe e tendo sido morto quei-
mado por isso. Ele introduziu acentos na língua tcheca e tem uma estátua
dedicada a ele em Praga.
■ Girolamo Savonarola (1452-1498): da Itália, foi padre dominicano, além
de pregador, que defendia a reforma da Igreja. Ele queimou imagens e
obras de arte seculares, sendo precursor da iconoclastia praticada pelos
reformadores posteriores. Ele incomodou muito Roma, pois denunciava a
peito aberto a corrupção da igreja, uma vez que se considerava um profeta
cheio de visões. Junto com outros dois frades companheiros de batalha, ele
acabou sendo preso e condenado à forca e queimado em praça pública.

Na Reforma propriamente dita, temos vários educadores, sendo o mais famoso deles:
■ Martinho Lutero (1483-1546): nascido em Eisleben, na Alemanha, era
professor de teologia e monge agostiniano que, como Erasmo, não dese-
java criar uma igreja nova, mas promover uma reforma interna na Igreja.

Ele denunciou os abusos da igreja, principalmente a venda de indulgências, que


são passagens para o céu, vendidas a um determinado preço monetário. Contra
essas práticas, ele estabeleceu 95 teses e as afixou na Porta de Igreja do Castelo de
Wittenberg, onde ele lecionava, na Universidade de Wittenberg. Suas ideias foram
fortemente condenadas pela Igreja, que o excomungou e fez com que tivesse que
se exilar. Ele também escreveu vários hinos, sendo o mais conhecido intitulado
“Castelo Forte” e fez uma tradução da Bíblia para o alemão, que é a mais usada até
31
os dias de hoje. Na filosofia da educação dele, só a teologia era mais importante
UNIDADE 1

do que a música. Na sua pedagogia, ele defendia uma mescla de estudos clássicos
com a Bíblia, defendia a educação pública universal obrigatória e confessional e
propunha um currículo que incluía estudos bíblicos, línguas, gramática, retórica,
lógica, literatura, poesia, história, música, matemática, educação física e estudos da
natureza. Para ele, o ensino é uma arte tão importante quanto a pregação. Quanto
à disciplina, ela deve ser dada com amor e não de forma violenta ou drástica.
Outros educadores da Reforma foram:
■ Philipp Melanchthon (1497-1560): foi o braço direito de Lutero, sendo
astrólogo, astrônomo e educador e a principal referência do luteranismo
depois de Lutero. Ele escreveu a Confissão de Augsburgo (1530) e cuidou
da parte prática da instauração do sistema escolar público alemão, inclu-
sive teve forte influência sobre o ensino superior na Alemanha.
■ Ulrico Zwínglio (1484-1531): foi teólogo, encabeçando a Reforma na
Suíça. Embora ele não tivesse inaugurado uma igreja, como Lutero, seus
pensamentos são muito semelhantes aos do Reformador Alemão, mesmo
não tendo tido contato com ele, influenciaram muito as igrejas calvinistas.
■ João Calvino (1509-1564): formado em direito e teologia, esse reforma-
dor francês exilado na Suíça foi o fundador do calvinismo, embora ele
mesmo não gostasse do termo. A Igreja Presbiteriana de hoje e todas as
igrejas reformadas devem muito a ele, principalmente à sua obra magna,
as Institutas. Ele foi também o criador da Academia de Genebra, uma
Universidade que se destacava pelo ensino das Artes Liberais, além da
teologia e que era visitada por pessoas de toda a Europa.
■ John Knox (1514-1572): foi teólogo e padre escocês que liderou a re-
forma na Escócia, seguindo a linha do calvinismo. Os seguidores dele
são chamados de Puritanos. Os puritanos imigraram para colonizar os
Estados Unidos, fundando as igrejas presbiterianas de lá. Por suas ideias
calvinistas, Knox foi perseguido e exilado na Inglaterra.
■ Os anabatistas: são considerados anabatistas todos aqueles conversos
da Reforma, de diferentes convicções religiosas e linhas doutrinárias que
negavam o batismo de criança dos católicos, luteranos e anglicanos e
pregavam que essas pessoas tinham que ser rebatizadas quando adultas,
já que o batismo é um ato simbólico que pressupõe que a pessoa esteja
consciente de seus atos.

32
No período pós-reforma, destacam-se alguns pensadores fundamentais para a

UNICESUMAR
Educação Cristã, citados por Armstrong (1994).
■ João Amós Comênio (1592-1670): considerado fundador da didática
moderna, esse bispo tcheco da Igreja dos Irmãos Morávios tinha uma
formação eclética de cientista. Além de educador, era escritor. Ele viveu e
estudou na Polônia e na Alemanha. Foi autor do clássico Didática Magna,
e desenvolveu ideias inovadoras sobre a educação, como a introdução das
ciências no currículo e do uso de figuras e ilustrações nos livros didáticos.
Concebeu ainda uma filosofia da educação chamada Pansofia, que signi-
ficava que tudo deveria ser ensinado a todos. Nesse sentido universalista,
ele foi precursor do direito internacional e de seus órgãos, como a ONU
e a UNICEF. Foi o primeiro a escrever um livro didático ilustrado e era a
favor da introdução das ciências no currículo escolar. Escreveu ainda as
obras Schola Ludus, Labirinto do Mundo e Mundo Ilustrado.
■ Pietismo: movimento que emergiu do luteranismo, negando a sua ex-
trema dependência de confissões frias e pregando a valorização da espi-
ritualidade e da experiência pessoal da conversão. Outros valores são os
da abnegação e da comunhão entre os cristãos. O pietismo influenciou a
igreja metodista, os evangelicais e pentecostais, bem como movimentos
carismáticos, além de pensadores ilustres, como Schleiermacher e Imma-
nuel Kant. O movimento teve o seu ápice de 1650 até 1800.
■ Philipp Jacob Spener (1635-1705): foi o pai do pietismo. Teólogo alemão
de linha luterana, ele defendia que a Reforma ainda não havia chegado ao
seu cumprimento total, que era preciso avivar o movimento, tirando os cris-
tãos do marasmo e do esfriamento espiritual. Instituiu a prática da leitura
da Bíblia em pequenos grupos e rodas nas casas dos membros da igreja.
■ August Hermann Francke (1663-1727): alemão, amigo de Spener, que
também era teólogo e professor universitário e, além disso, tinha visão para
a educação, pois começou uma escola na sua igreja para crianças de rua.
■ Nikolaus Ludwig Von Zinzendorf (1700-1760) – nascido na Alema-
nha, ele foi reformador na Morávia da linha do pietismo. Foi um teólogo
que defendia a “religião do coração”, que era uma abordagem menos fria
do cristianismo e mais atenta às emoções, mas também ao intelecto. Ele
tinha uma pregação cristocêntrica e valorizava muito o que em alemão
se chama de Gemeinde, que significa igreja, mas tem a mesma raiz que
gemeinsam, que é comum, comunhão ou comunidade.
33
Será que a Educação Cristã só existiu na Europa? Não, Armstrong (1994) dedica
UNIDADE 1

várias páginas à Educação Cristã nas Américas, afirmando que os colonizadores


não distinguiam educação confessional de secular. E estabelece uma distinção
entre as colônias do Norte, as Centrais e as do Sul.
A Educação Cristã no Norte (Nova Inglaterra) seguiu o puritanismo calvi-
nista: o ensino acontecia no lar, seguindo o sistema da relação aprendiz-e-mestre.
Havia ainda as Escolas de Dama; Escolas de gramática (antecessoras das escolas
secundárias); e o Ensino Superior. Em 1636, foi fundada a Universidade de Har-
vard. As Escolas de Dama eram grupos de crianças que se reuniam sob a liderança
de uma moça solteira, que se dispunha a lhes dar aulas por um pequeno salário.
Primeiro elas eram informais e depois se tornaram oficiais, sendo que cada po-
voado com x número de crianças tinha que ter uma dessas escolas.
Nas colônias centrais, a Educação Cristã seguia um espírito ecumênico, em que
predominava a diversidade religiosa. Nessas regiões, o ensino não era tão organiza-
do quanto nas demais. Em 1746, foi fundada a Universidade (presbiteriana) de Prin-
ceton e, em 1755, surgiu a primeira universidade não confessional, na Pensilvânia.
Nos Estados do Sul, quem dominava era a Igreja Anglicana. Não se tinha
tanta preocupação com a liberdade religiosa quanto com a exploração das ri-
quezas naturais do local. Em 1693, é fundada a Universidade de William e
Mary, em Williamsburg, Virgínia.
Com o tempo, nos séculos XVII e XVIII, há uma onda de secularismo com a
Revolução Industrial e Científica, e o avanço da ciência tira o foco da educação so-
bre o cristianismo e faz a igreja perder gradativamente o controle sobre a educação.
Assim, a Educação Cristã é relegada cada vez mais ao âmbito das igrejas
e vai se transformando cada vez mais em Escola Dominical, a qual falaremos
na próxima unidade.
Desde o século XVIII, as revoluções industrial e científica questionam as
bases da fé, que são cada vez mais postas em cheque no mundo moderno e
pós-moderno. A educação secular é tirada da responsabilidade do lar e da igreja
e é passada para a iniciativa privada e para o governo.

34
Aspectos sociais e culturais da educação cristã

UNICESUMAR
A Educação Cristã não é um fenômeno isolado. Ela se insere numa determinada
sociedade e em uma cultura. Mas o que é sociedade e cultura? Podemos dizer,
resumidamente, e de acordo com Armstrong (1994), que sociedade é o estado de
homens e animais que vivem debaixo das mesmas regras.
De acordo com o Dicionário Online, sociedade é:


Reunião de homens e/ou animais que vivem em grupos organizados;
corpo social. Conjunto de membros de uma coletividade subordina-
dos às mesmas leis ou preceitos. Cada um dos diversos períodos cor-
respondes (sic) à evolução da espécie humana: sociedade primitiva,
feudal, capitalista. União de várias pessoas que acatam um estatuto ou
regulamento comum: sociedade cultural (DICIO,[2019], on-line)³.

Portanto, toda sociedade tem uma cultura, que, por sua vez, são “os hábitos, cren-
ças, sistemas de valor e formas de pensamento de determinado povo em dado
período de tempo” (ARMSTRONG, 1994, p. 83).
E a Educação Cristã, está também inserida na sociedade e na cultura ou é algo
à parte? O que você acha? De acordo com Armstrong (1994), a Educação Cristã
deve ser vista como parte do contexto sociocultural. O autor cita o exemplo das
sociedades latino-americanas, cuja realidade é marcada pelo populismo, crise
econômica e violência revolucionária, dualismos, síndrome da dependência, cato-
licismo sincrético e falta de planejamento. Uma educação em um contexto como
esse é bem diferente da educação no contexto europeu ou americano.
Assim, a educação como um todo e também a cristã é condicionada pela cul-
tura e, por seu turno, também pode influenciar a mesma. Nesse contexto, a igreja,
que é a mantenedora da Educação Cristã, tem o dever de aculturar-se e se tornar
agente de mudança, principalmente, mas não só, pela evangelização. Será que a
educação é o melhor instrumento evangelístico? Ou, reformulando a pergunta, será
que o evangelismo é a principal finalidade de uma educação que se queira cristã? O
que podemos aprender do mundo secular na nossa pedagogia cristã? Certamente
muitas coisas, principalmente, as que nos vêm das ciências. Sem entrarmos aqui na
psicologia da educação, abordada pelo autor, interessa-nos a filosofia.

35
Aspectos filosóficos da educação cristã
UNIDADE 1

Armstrong (1994) menciona três filosofias clássicas e várias contemporâneas:


Idealismo: o idealismo é a filosofia que tem o foco no subjetivismo. O mundo
das ideias é o que determina todas as coisas. Então, o que importa é o mundo
interior e perceptivo da pessoa, ao invés da realidade externa. Um dos pensadores
que inspirou o idealismo foi Platão, para quem o mundo das ideias é o mundo
real, enquanto o mundo objetivo não passa de ilusão. Para se ser bom, é necessário
e suficiente entender a ideia de bem. Para o idealista, se está havendo um incêndio
na Amazônia e ninguém viu, ele não existe.
De acordo com Armstrong (1994), essa é a escola mais antiga de que se tem
notícia. Ela não nega a realidade material, mas a considera inconstante e instável,
ao contrário das ideias. Cada objeto físico corresponde a uma ideia, que é consi-
derada mais real que aquele.
Realismo: é o oposto do idealismo. O que determina todas as coisas é a
realidade objetiva. Ela é dada de fora do ser humano. Para essa corrente, a
realidade independe da percepção, crenças e pontos de vista do ser humano.
Pragmatismo: o pragmatismo valoriza a utilidade das coisas em seus des-
dobramentos práticos. Costumamos dizer que uma pessoa é pragmática quando
ela é prática e pensa em termos utilitaristas.
As conclusões que se pode tirar do livro de Armstrong (1994) e para além
dele é que a Educação Cristã não é reservada à escola dominical e à educação
teológica. Essa redução tem se intensificado através dos séculos até os nossos dias.
Questões como o ensino da sexualidade e das teorias da origem do homem tem
dividido cada vez mais o ensino de base cristã do ensino secular.
A educação cristã é cada vez mais convidada a participar do diálogo mais
amplo com a educação religiosa, para garantir a liberdade religiosa e a luta contra
os preconceitos e conflitos inter-religiosos.
Outra abordagem bem distinta dos fundamentos teológicos da Educação Cristã
é apresentada por Zabatiero (2009). Ele lembra, nesse sentido, do que Moltman
dizia sobre a cidadania, de que como igreja somos chamados a lutar pelos direitos
dos excluídos e das minorias. Esse é o verdadeiro compromisso do educador cris-
tão, que faz coro com as ideias de Paulo Freire, as quais nos dedicaremos em outro
momento e que, por mais que tenha sido rejeitado pela ala mais conservadora da
igreja, tem bases inegavelmente cristãs para o que disse sobre a educação.

36
pensando juntos

UNICESUMAR
Não é curioso que cristãos se opõem justo àquelas filosofias que são cópia dos seus
princípios? Ao mundo secular só resta imitar o cristão. Então, é preciso deixar de ficar
na defensiva e partir para a separação do joio e do trigo do que os seculares dizem sobre
temas relevantes como a educação.

Foi o cristianismo que chamou a atenção para esse elemento da cultura e ele não
vai perder a sua posição só porque há imitações realmente baratas para o que a
Bíblia já diz há séculos!
E a cidadania é um valor secular que tem raízes bíblicas e teológicas profundas
no conceito de liberdade, como nos faz lembrar Zabatiero (2009, p. 7):


Viver a cidadania é viver de forma responsável a liberdade, pois
cidadão é quem participa ativa e decisivamente da polis, do seu mun-
do. Cabe, portanto, repensar a concepção de liberdade que anima a
cidadania. Liberdade não pode ser apenas a liberdade individual de
fazer o que se deseja, nem a liberdade política da comunidade civil na
democracia e no mercado. Ainda conforme Moltmann, “liberdade é a
paixão criativa pelo possível. Liberdade não é apenas voltada para as
coisas como elas são, como na dominação. Nem é direcionada apenas
à comunidade de pessoas como elas são, como na solidariedade. Ela
se direciona para o futuro, pois o futuro é o campo desconhecido das
possibilidades, enquanto o presente e o passado representam esferas
familiares de realidades. [...] Assim, como Martin Luther King, temos
visões e sonhos de outra vida, uma vida curada, justa e boa. Explora-
mos as possibilidades do futuro a fim de realizar esses sonhos, visões e
projetos. Todas as inovações culturais e sociais pertencem a essa esfera
de liberdade para o futuro. [...] Até agora temos entendido a liberdade
ou como um domínio – a relação de um sujeito com objetos – ou
como comunidade, na relação de sujeito a sujeito. Mas em relação a
projetos, liberdade é um movimento criativo. Qualquer pessoa que em
pensamento, palavra e ação transcenda o presente na direção do futuro
é verdadeiramente livre. O futuro é o livre espaço da liberdade criati-
va. [...] Liberdade, como um transcender em direção às possibilidades
do futuro, é uma função criativa. [...] É um acontecer. Somente temos
nossa liberdade criativa no processo de libertação. Nunca somos livres
de uma vez por todas, mas continuamente nos tornamos livres.
37
Além da questão da liberdade e da cidadania, outra base teológica da educação
UNIDADE 1

cristã é a identidade. A educação sempre foi uma fomentadora da identidade do


sujeito e de sua assunção como ser diferenciado dos demais. Quem é meu alu-
no? Que aluno eu quero formar? É a pergunta que o educando é chamado a se
fazer por todo o processo de educação. E essa pergunta o remete a se perguntar
também, em última instância: que tipo de educador sou eu? Ou quem sou eu? O
educador que não se fizer, constantemente, essa pergunta (eu não diria que ela
seja respondida definitivamente, pois ninguém se conhece plenamente e todos
mudam com o passar do tempo), também não vai poder ajudar o seu aluno a
formar a sua própria identidade.
Qual seria a identidade distintamente cristã? É essa identidade que o educador
cristão tem a missão de construir. E isso exige algumas características do educador:


Construir a identidade cristã no processo educacional da igreja de-
manda edificar pessoas que sejam: (a) fiéis a Deus em seu projeto
para a criação; (b) solidárias com as vítimas do progresso e do desen-
volvimento econômico e tecnológico de nossos dias; (c) capazes de
exercer discernimento crítico em relação à sua própria comunidade
e denominação, não se deixando submeter ao ensimesmamento ins-
titucional a que estão entregues (ZABATIERO, 2009, p. 8).

Outro aspecto teológico da educação cristã abordado por Zabatiero (2009) é o da


vitalidade. Somos a favor da vida, acima de tudo. Jesus negou a morte e dizia que
temos vida, a partir da negação dessa mesma vida. O que é educar para a vida?
Não é ser positivo e buscar as coisas que motivam e predispõe à experiência e à
vivência? Nossa prática educativa deve ser viva e vivificante, no sentido de ser
dinâmica e tocada pelo elán vital.

38
A ecologicidade é, também, outro valor teológico atribuído por Zabatiero

UNICESUMAR
(2009) à educação cristã. Não devemos pensar na natureza como dominadores
antropocêntricos, mas como colaboradores:


Educar para a ecologia demanda das comunidades cris-
tãs que se abram à integralidade do agir recriador de Deus,
que ultrapassem as fronteiras do antropocentrismo mo-
derno e derrubem as fortalezas da morte que se escon-
dem sob o manto do desenvolvimento e da livre-iniciativa.
Que tal você desenvolver essas ideias, formulando projetos bem
concretos de como vivenciar as novas metáforas da educação cristã
– metáforas, de fato, do que significa ser cristão no mundo de hoje
(ZABATIERO, 2009, p. 10).

Para finalizar esse tópico, proponho que leia o seguinte trecho da proposta de
Educação Cristã da Convenção Batista Brasileira e reflita sobre as bases teológicas
para se traçar o perfil do educador cristão e de seu egresso.


Um acurado estudo das virtudes cristãs como, por exemplo, as bem-a-
venturanças (Mt 5.1-12); fruto do espírito (Gl 5.22,23); matéria-prima
do pensamento (Fp 4.8) indicará o perfil que aspiramos formar em
nossos alunos: humildes de espírito, sensíveis (os que choram), man-
sos, têm fome e sede de justiça (retidão), misericordiosos, limpos de
coração, pacificadores, corajosos a ponto de serem perseguidos por
causa da justiça, amorosos, alegres, benignos, bondosos, fiéis, autocon-
trolados, amantes da verdade, respeitáveis, justos, possuidores de boa
fama, virtuosos, louvadores etc. Enfim, a educação deverá, não apenas
dar INformação ao aluno sobre a Bíblia, mas oferecer FORmação de
seu caráter e de sua vida na igreja e no mundo, bem como promover
uma TRANSformação do que precisa ser redimido pelo evangelho
em sua vida total (CBB, [2019], on-line, p. 5)4.

39
3
FUNDAMENTOS
UNIDADE 1

BÍBLICOS
da Educação Cristã

De acordo com Armstrong (1994, p. 108), as três passagens que mais importam
à Educação Cristã são:

1. Deuteronômio 6, 4-9


Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor.
Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu cora-
ção, de toda a sua alma e de todas as suas forças.
Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração.
Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre
elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andan-
do pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar.
Amarre-as como um sinal nos braços e prenda-as na testa.
Escreva-as nos batentes das portas de sua casa e em seus portões.

Essa espécie de Credo dos judeus, o chamado Shemá, é considerada um dos tex-
tos mais importantes para os judeus e incita à interiorização da palavra de Deus
através da educação. Essa inculcação acontece principalmente no lar, com os pais,
mas também através de símbolos e rituais como o Mezuzá e no contexto da vida.

40

Em resumo, o Shemá ensina que a instrução do povo de Deus nas

UNICESUMAR
verdades divinas se faz de três maneiras principais: com um modelo
ou exemplo, com relações interpessoais, e dentro do contexto da
vida. (ARMSTRONG, 1994, p. 109)

1. Lucas 6.40
“O discípulo não está acima do seu mestre, mas todo aquele que for bem prepa-
rado será como o seu mestre”.
O texto parece desconexo do restante que fala das bem-aventuranças no ser-
mão da planície de Lucas, que tem paralelos com o sermão do monte de Mateus.
Veja a explicação dada por Armstrong (1994, p. 110), que aplica a passagem à
Educação Cristã:


A passagem nos passa três lições que nos aju-
dam em nossa busca de uma teologia da educação:
1. Aquele que segue a Cristo deve ter por objetivo ser como ele foi.
2. As pessoas a quem Deus conferiu a responsabilidade de guiar, instruir
e discipular outros devem ser imitadoras de Cristo, vivendo com ele-
vados princípios e maturidade espiritual, porque os seus discípulos ou
alunos têm também por objetivo serem iguais ao instrutor ou professor.
3. A idéia de que o objetivo da educação do povo de Deus é
apresentar dados e instrução cognitiva sobre Deus é um con-
ceito incompleto e inadequado, do ponto de vista bíblico.
Essas três idéias podem ser resumidas observando-se as palavras do
versículo 40: “será como”. Note-se que o texto não diz: “saberá o que o seu
mestre sabe” (sic) mas “será como o seu mestre”. Que responsabilidade
para aquele a quem Deus colocou como mestre diante de seu povo!

1. Efésios 4.12
Embora o autor coloque apenas esse versículo, achamos por bem citar o trecho
todo, Efésios 4, 11-13:


E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para
evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar
os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja
edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimen-
to do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida
da plenitude de Cristo (BÍBLIA ONLINE, [2019], on-line)5.

41
Essa passagem mostra a preocupação de Paulo com os dons que cada membro da
UNIDADE 1

igreja deve exercer e com a sua utilidade para a edificação do corpo de Cristo. Segun-
do Armstrong (1994) parece que Deus quer uma igreja diversa, mas unida por dentro
e organizada de acordo com regras e princípios de crescimento e maturação.
Segundo o autor, as consequências dessas passagens para a Educação Cristã
na igreja são as seguintes:
Modelo ou exemplo: o princípio do exemplo ou modelo é tipicamente cris-
tão. Devemos viver vidas exemplares e modelares. Devemos viver de uma forma
que, se os outros nos imitarem, estarão agindo bem e agradando a Deus. Citando
Richards (1983), Armstrong (1994, p. 112) comenta:


[...] na educação ensinamos o que sabemos, mas na educação cristã
ensinamos o que somos. Todo educador cristão, todo pastor, en-
fim, todo cristão deve examinar sua vida e perguntar: “Quero eu, tal
como sou, ser modelo para aqueles que minha igreja espera ganhar
para Cristo?” Ou: “Posso eu, tal como sou, ser um exemplo digno
para minha congregação ou minha classe?” O processo de ensino
empregado por Jesus baseava-se em seu conceito de ser modelo para
os seus discípulos. Jesus disciplinava seus seguidores ensinando-os
com sua própria vida. Ele disse: ‘‘Porque eu vos dei exemplo, para
que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13.15).

Aliás, o já citado livro de Richards (1983), Teologia da Educação Cristã, é um clássico


de educação cristã. Lembrando que Paulo também assume essa filosofia da educação
do exemplo, admoestando os leitores de suas cartas a serem os seus imitadores.
Relações interpessoais: a intimidade das relações entre as pessoas é outra
marca característica da igreja, que deve manter um clima familiar. Como dizia
um pastor, amigo meu: “A igreja é forte, na medida em que seus lares forem fortes”.
Essa foi a marca também da relação que Jesus tinha com seus discípulos, sempre
pautada pelo amor e a proximidade pessoal.
Contextualização: a vida da igreja deve ser contextualizada e deve aproveitar
cada oportunidade desse contexto para ensinar.
Discipulado: a palavra discipulado é muito conhecida nos meios cristãos,
sendo que a literatura a respeito é vasta. Para efeito de Educação Cristã, é preciso
notar que ela não existe sem a relação mestre-discípulo. A respeito desse princípio,
Armstrong (1994, p. 114) alerta:

42

Se nosso propósito na igreja como educadores cristãos, seja como

UNICESUMAR
pastores, mestres ou outra qualquer função, é levar as pessoas a se-
rem como nós somos, que grande parâmetro, este, para o nosso
próprio andar no Senhor! A igreja que levar a sério tal princípio,
como parte de sua teologia da educação, estará atingindo uma pro-
fundidade em suas atividades educacionais que se aproxima do
padrão que Jesus deixou para a igreja. É um padrão de santidade
em que aquele que ensina compartilha santidade com outros na co-
munidade de fé, através do intercâmbio de idéias, conhecimentos e
compreensões, que obteve pela experiência de viver na Palavra e em
viver a Palavra. A igreja que cumpre sua função educacional dessa
maneira supera a mentalidade de que a educação se faça somente
aos domingos de manhã.

Organização: de forma alguma a organização impede a atuação do Espírito Santo,


pelo contrário, um ambiente organizado é mais propício para a sua manifestação,
ao contrário do que muitos pensam. Esses acham que o espontaneísmo e a im-
provisação bastam para que a Educação Cristã ocorra e usam isso como desculpa
para a preguiça de preparar-se adequadamente.
Acrescento a esse princípio de Armstrong (1994) que não é para menos que
o planejamento é um capítulo tão amplo da educação secular. Ele é fundamental
para um trabalho pedagógico eficiente e isso também se aplica à Educação Cristã.
Para além dos trechos citados por Armstrong (1994), é preciso considerar que
a Bíblia é um dos livros que mais falam de educação. Desde o seio da família até
as instituições religiosas e seculares, ela tem muito a dizer sobre a arte de ensinar e
aprender. Uma das primeiras referências que temos nas Escrituras sobre a educação
se encontra no mencionado trecho de Deuteronômio, livro escrito por Moisés, após
o Exílio, para lembrar as novas gerações, que não tinham experienciado a travessia
do Mar Vermelho e a libertação do povo do domínio dos egípcios.
Mais do que serem escritas em pergaminhos e realmente atadas ao corpo,
essas palavras são um chamamento à educação dos filhos com direito a uma
metodologia e tudo. Elas foram proferidas logo após os dez mandamentos e, em
algumas versões, diz que era para elas serem “inculcadas” nos filhos, ou seja, a
palavra original que se usa aqui, lamad, significa cortar a pele para formar um
sulco que direciona e canaliza tudo numa determinada direção.
Em outras palavras, o que se diz é que os pais deveriam, através do seu exem-
plo de obediência, imprimir as coisas de Deus e a obediência a ele na mente dos
43
filhos, formando neles hábitos característicos de determinado estilo de vida. En-
UNIDADE 1

sinar significa precisamente isso: insignare, ou seja, entalhar, marcar dentro para
que o comportamento externo seja coerente com as Escrituras.
Provérbios nos conta que esse tipo de ensino é inesquecível e tem um efeito
explosivo, mesmo passados muito anos, como lemos em Provérbios 22, 6: “Instrua
a criança segundo os objetivos que você tem para ela, e mesmo com o passar dos
anos não se desviará deles”.

pensando juntos

A Palavra de Deus não é a ferramenta ideal para esse corte, esse entalhe? Pois ela é “viva
e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra ao ponto de dividir
alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4, 12).

Você não lembrou imediatamente da passagem que testemunha do papel edu-


cador da Bíblia? Com certeza essa passagem se “casa” perfeitamente com aquela
outra que fala do valor pedagógico das Escrituras:


Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que
o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa
obra. (2Tm 3, 16-17)

Assim, uma das principais funções da Bíblia é o ensino, e não a doutrinação


no sentido proselitista. E como comentamos anteriormente, a família é a base
de toda essa educação, como prediz o profeta Isaías “Todos os seus filhos serão
ensinados pelo Senhor, e grande será a paz de suas crianças” (Is 54, 13). Além dos
livros proféticos, os Salmos também estão cheios de referências aos filhos como
“herança do Senhor” e recompensa que ele dá ou, em algumas versões, como
sendo um “galardão” (Sl 127, 3).
A família tem a missão de gerar filhos e filhas de Deus, empenhados na instau-
ração de seu Reino aqui na Terra. Também no Salmo 78, 4-8 lemos que a família
serve para transmitir as verdades e o testemunho das coisas de Deus.

44

Não os esconderemos dos nossos filhos; contaremos à próxima gera-

UNICESUMAR
ção os louváveis feitos do Senhor, o seu poder e as maravilhas que fez.
Ele decretou estatutos para Jacó, e em Israel estabeleceu a lei, e ordenou
aos nossos antepassados que a ensinassem aos seus filhos, de modo
que a geração seguinte a conhecesse, e também os filhos que ainda
nasceriam, e eles, por sua vez, contassem aos seus próprios filhos.
Então eles porão a confiança em Deus; não esquece-
rão os seus feitos e obedecerão aos seus mandamentos.
Eles não serão como os seus antepassados, obstinados e rebeldes,
povo de coração desleal para com Deus, gente de espírito infiel.

Mais uma vez vemos a importância da família e do ensinamento de pais a filhos,


pela contação de histórias na intimidade do lar e ensinamento da lei e decretos
e estatutos externa, dada a Moisés e os profetas.
Então, sempre há essa interação na educação, entre aspectos internos, inatos
e invisíveis e aspectos externos, relativos ao meio, aos fenômenos e ao adquirido.
A educação é toda feita de relações, não só entre o mundo interno e o externo,
mas também entre pessoas. Não é para menos que a relação professor-aluno é tão
debatida pelos educadores. Sim, porque quando você se tornar um educador, terá
que lidar com uma pessoa viva, complexa e multifacetada, com toda uma baga-
gem de conhecimentos e experiências que já traz consigo. E tal relação deve ser
fundada no cuidado, na amizade e no amor, pois nunca aprendemos sob ameaça
ou quando nos sentimos inseguros ou sem confiança no educador.
Aprender, assim, se torna algo relacional e pessoal, fundado na parceria e na
sinceridade. É preciso que haja interesse real e genuíno pelo aprendizado tanto
da parte do educando quanto do educador. É no convívio cotidiano escolar e
familiar que esse interesse e essa parceria se manifestam.
A ideia de cuidado, que tem muito a ver com educação, está presente por toda
a Bíblia, desde a criação da humanidade no jardim do Éden, que Adão e Eva foram
chamados a cultivar e administrar como mordomos. A partir do momento em
que o ser humano deu nome aos animais, ele se estabeleceu como o seu cuidador,
o seu dono. Aliás, a palavra “cultura” vem de “cultivo” e está ligada à “agricultura”.
E a educação ou formação só existe graças à cultura.
Bildung, no alemão, é uma palavra que serve tanto para designar cultura quanto
a formação de alguém. E ela vem de Bild, ou seja, figura ou imagem. Aí percebemos
a relação da educação não apenas com a cultura, mas também com a imaginação.

45
Não é para menos que a metáfora da agricultura é tão frequentemente usada por
UNIDADE 1

Deus nos ensinamentos das Sagradas Escrituras e também por Cristo em seus
ensinamentos, a exemplo da Parábola do Semeador. Paulo usa essa metáfora para
se referir à diferença entre os seus próprios ensinos e os de Apolo e ao processo
de aprendizagem desses ensinamentos.


Afinal de contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por
meio dos quais vocês vieram a crer, conforme o ministério que o
Senhor atribuiu a cada um. Eu plantei, Apolo regou, mas Deus é
quem fazia crescer; de modo que nem o que planta nem o que rega
são alguma coisa, mas unicamente Deus, que efetua o crescimento.
O que planta e o que rega têm um só propósito, e cada um será
recompensado de acordo com o seu próprio trabalho. Pois nós so-
mos cooperadores de Deus; vocês são lavoura de Deus e edifício de
Deus. Conforme a graça de Deus que me foi concedida, eu, como
sábio construtor, lancei o alicerce, e outro está construindo sobre ele.
Contudo, veja cada um como constrói (1Co 3, 5-10).

A família certamente é a primeira construtora desse edifício que são os filhos.


Você fazia ideia de que bem antes da moda do “construtivismo”, Paulo já usava
a metáfora da construção? Enquanto a família é o alicerce, a escola fornece a
estrutura para todo o resto do edifício.
Quantas vezes esse ideal parece inalcançável, quando parece que o que os
filhos ouvem em casa é desdito nas escolas. Por isso é que muitos pais de países,
onde é legalizado, ensinam os filhos em casa no chamado homeschooling.
Longe de queremos pregar aqui o isolamento do mundo ou a alienação dos
filhos das escolas, particularmente das públicas, é preciso aprender a conviver
com essas realidades, ensinando os filhos a discernirem o que aprendem na escola
e a filtrarem esses conteúdos, de acordo com o ensinamento da Bíblia.
Essa contextualização é uma das bases da proposta de Educação Cristã de
Zabatiero (2009), que lamenta o fato de estarmos vivendo um período de baixa
na educação cristã, que, depois das década de 80 e 90, férteis para a área, com
nomes como Groome, Richards e Schipani, cedeu aos interesses pessoais de
promoção das megaigrejas.

46
E as bases bíblicas da educação cristã, para ele, são

UNICESUMAR
Efésios 4,15-16


Antes, seguindo a verdade em amor, cresça-
mos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo.
Dele todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio de todas as juntas,
cresce e edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada
parte realiza a sua função.

Aqui fica evidente a missão de todo o educador cristão de servir à edificação


da igreja, em que cada membro tem sua função particular. Chamam a atenção
nessa convocatória à educação cristã as características da igreja de Éfeso, que era
engajada no serviço e na comunidade. Todos os membros serviam como parte de
um todo e viviam vidas dignas de um cristão no cotidiano. Eis algumas condições
para que a igreja chegue a desenvolver uma visão para a educação.
Outra passagem destacada pelo autor é em Colossenses 1,28-29, lembrando
que a perfeição aqui não é no sentido moral, de sermos irrepreensíveis, mas de
sermos pessoas de fé e do bem.


Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a
sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo.
Para isso eu me esforço, lutando conforme a sua força, que atua
poderosamente em mim (Cl 1, 28-29)

Veja que o meio do ensino, a metodologia, é a sabedoria. Ora, sendo uma virtude,
a sabedoria é uma das características e exigências mais importantes em relação
ao educador cristão.
Observemos ainda que Paulo aqui se refere ao “homem perfeito em Cristo”
que deve ser a finalidade de todo o ensino. Há, portanto, um humanismo bem
claro aqui: do homem não como ser que vale por si mesmo, como no humanis-
mo clássico, e que não depende de ninguém mais, além de si mesmo, mas um
humanismo cristão, que vê o homem “em Cristo”.
Zabatiero (2009) se destaca em sua abordagem da base bíblica para a edu-
cação cristã, porque faz o contrário do que faz Portella, Andrade e tantos outros
teóricos da Educação Cristã, que põem no centro das atenções a condição decaída
do ser humano com um chamamento para sermos menos humanos, para sermos
47
menos pecaminosos. Ao invés disso, o autor nos convoca a sermos mais huma-
UNIDADE 1

nos e com isso, mais parecidos com Cristo. Ora, Cristo era cem por cento Deus e
cem por cento homem. Nesse sentido, o apelo da educação cristã é sempre para
a humanização, e com isso, para uma comunidade mais justa e fraterna:


Do mesmo modo, educar para a humanização também é educar
para a criação de uma comunidade (e sociedade) isenta de discri-
minações e preconceitos, na qual Cristo é amado por todos e cada
pessoa tem o direito de ser autêntica em sua justiça e santidade. É a
comunidade da nova humanidade, ou seja, das pessoas refeitas por
Deus conforme a imagem de Cristo, cujos membros abandonaram
os vícios e maus hábitos do “velho homem”, do ser desumanizado
pelo pecado. (ZABATIERO, 2009, p. 6)

Então, as bases da Educação Cristã, a forma como a educação é encarada e pra-


ticada depende dos fundamentos que a embasam, que são os pressupostos da
prática pedagógica.

pensando juntos

Se a finalidade da educação é colocar para fora o ser de cada pessoa, é preciso se per-
guntar que ser humano é esse que queremos formar. É preciso ter uma antropologia
filosófica que se pergunta quem é o ser humano.

Essa pergunta é fundamental para a prática da Educação Cristã, pois ela orienta
toda a postura que teremos diante do educando; é ele um ser meramente decaí-
do que nada tem de bom a oferecer e que importa disciplinar rigidamente para
resistir às tentações que o diabo coloca constantemente no coração dele?
Essa me parece uma postura bastante maniqueísta, que vê o mal como tendo
o mesmo poder que o bem de destruição da obra de Deus. Para o maniqueísta
não existem meios-termos, não existe o cinza, só o preto e o branco. Bem e mal
lutam com iguais forças e eternamente.

48
Em uma posição antimaniqueísta, o bem é infinitamente superior ao mal e já o

UNICESUMAR
venceu. Nas palavras de Jesus a Pedro, ele comenta que “você é Pedro, e sobre esta
pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la” (Mateus
16.18). Em outra versão diz-se que as portas do inferno não prevalecerão contra
ele. Podemos até sofrer ataques, mas estamos do lado vencedor e mais abrangente.
Então, ao invés de ingressar numa batalha espiritual contra o mal, é preciso
derrotar o mesmo com o bem, ou seja, restaurando uma condição anterior à
queda e ao pecado, que era de bondade e harmonia com o Deus criador de tudo,
que viu que tudo era bom, inclusive o ser humano.
Eis as perguntas básicas que o educador tem que se fazer antes de se aventurar
a querer formar seu educando. Lembrando sempre que “formar” significa moldar
de acordo com um modelo. E tal não pode ser um estereótipo frio e distante da
perfeição humana, através das boas ações moralistas e moralizantes, mas o pró-
prio Cristo, que foi humano e humanizador em todas as suas ações.

explorando Ideias

Segundo Carvalho (2013, p. 93), na perspectiva da eternidade, o valor do tempo é para o


cristão, incalculável. Nesse sentido, C.S. Lewis também dizia que temos uma expectativa e
filosofia de vida, se pensamos que vamos viver até os setenta anos de idade, e bem outra,
na perspectiva da eternidade.
Fonte: a autora.

49
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 1

Como pudemos ver, para se entender a Educação Cristã, é preciso, antes de tudo,
explorar as suas bases e fundamentos. E eles são profundos e certamente merecem
maiores estudos, como vamos sugerir a você.
Não basta entender a parte teológica e religiosa ou até mesmo bíblica. É pre-
ciso saber discernir do campo secular da educação, o que pode ser aproveitado
para a educação cristã.
Lembre-se que o mundo secular é que imita o que já está há séculos previsto na
Bíblia e pensado pelos teólogos. Por isso podemos resgatar de volta o que já era nossa,
pela via da filosofia, da sociologia, da psicologia, da antropologia e da pedagogia.
Espero que tenha gostado dessa primeira parte e que possamos continuar nessa jor-
nada pelo mundo da educação, e que você a encare como uma verdadeira aventura.
Em uma pesquisa, de que tive o privilégio de participar, na cidade paranaense
de Londrina, com pastores de todas as igrejas, procurei, em vão, alguma visão de
educação da parte dos pastores. Eles atribuem a educação a um departamento e
ao ministério com crianças. A Escola Dominical para adultos é tratada à parte.
Os pastores não se dão conta de que são, em última instância, educadores e
que têm como missão formar as suas ovelhas. Claro que eles não têm que fazer
isso sozinhos, para isso nós temos os dons do ensino e de mestre na igreja. E to-
dos, na igreja, têm a mesma função de formar uns aos outros, numa verdadeira
comunhão e vida comunitária, que seja digna de uma noiva de Cristo.
Wesley defendia que ao lado de cada igreja haveria de existir uma escola e
ele tinha toda razão. E não é qualquer escola. É uma escola holística, integral, que
vê a pessoa a ser formada como um todo, inclusive com direito ao saber secular.
Vem comigo, nessa frente de luta pela recuperação da visão educacional da
Igreja e de seus membros?

50
na prática

1. Quanto ao ensino moral, é correto afirmar:

a) Ele se avalia somente pela conduta externa do sujeito.


b) Ele se avalia por regras rígidas do que se deve e não se deve fazer.
c) Ele se avalia pela transformação da postura geral do sujeito.
d) Ele se avalia pela utilidade do que o sujeito faz ou deixa de fazer.
e) Ele se avalia pelas consequências das ações do sujeito.

2. Leia atentamente as seguintes frases:

I - Educar, no sentido cristão, significa doutrinar e fazer proselitismo.


II - Educar, no sentido cristão, significa colocar para fora o ser.
III - Educar, no sentido cristão, é o mesmo que formar no sentido de Bildung.
IV - Educar, no sentido cristão, é evitar que o aluno se renda às garras de Satanás.

Assinale a(s) alternativa(s) correta(s):

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

3. Assinale (V) para as assertivas Verdadeiras e (F) para Falsas:

( ) Na Idade Média, a Educação Cristã seguia um currículo clássico das Artes Liberais.
( ) Os reformadores e principalmente Wesley defendiam que ao lado de cada igreja
deveria haver uma escola.
( ) Na igreja primitiva havia escolas dominicais separadas que serviam para cate-
quizar os novos crentes.

Assinale a alternativa correta:

a) V- V- F.
b) F- F- V.
c) V- F- V.
d) F- F- F.
e) V- V- V.

51
na prática

4. Assinale (V) para as assertivas Verdadeiras e (F) para Falsas:

( ) A Educação Cristã, desde a Igreja Primitiva até os Reformadores, adotava o Cur-


rículo das Artes Liberais (TriviIum e Quadrivium).
( ) O Currículo das Artes Liberais era para formar o especialista e o técnico como
se tem hoje nas escolas profissionalizantes.
( ) De acordo com o Didaquê, ou manual de instruções para novos convertidos, a
educação tinha foco na conduta e vida diferenciada das outras pessoas.

Assinale a alternativa correta:

a) V- V- F.
b) F- F- V.
c) V- F- V.
d) F- F- F.
e) V- V- V.

5. Quanto aos fundamentos bíblicos da educação cristã, é correto afirmar que:

a) Na educação ensinamos o que sabemos, mas na educação cristã ensinamos o


que somos.
b) É preciso considerar que a Bíblia é um dos livros que menos falam de educação.
c) A Bíblia nos orienta a ensinar as crianças desde cedo no sentido da doutrinação
proselitista.
d) A Bíblia toda é inútil ao ensino e à educação, sendo essa uma tarefa que não lhe cabe.
e) A educação na Bíblia é individualista, sendo que cada ministro faz o seu trabalho
isoladamente, sem levar em conta o trabalho do outro.

52
aprimore-se

COMO SERIA A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS REFORMADORES?

Quando se fala em educação cristã nos dias de hoje, pensa-se logo em escola do-
minical e de catecúmenos ou no catecismo, ou, no máximo, em ensino religioso nas
escolas, mas isso já é considerado secular demais. Ou então, quando se lê um pouco
mais sobre o assunto, percebe-se que a matéria tem a ver com temas morais e de
conduta cristã, mas que muitas vezes, na literatura, são tratadas de forma moralista.
Já quando o assunto é a Reforma, logo se faz associações aos fundamentalistas re-
ligiosos e os calvinistas radicais de várias vertentes. Então, as pontes entre educação
cristã e a Reforma se reduzem, nessas duas concepções equivocadas, ao moralismo.
Mas não havia nada mais longe dos reformistas do que o fundamentalismo e não
havia educação cristã como a entendemos hoje. Isso se aplica apenas a alguns dos
seus pretensos seguidores e epígonos, que pularam certas partes na leitura desses
homens, se é que os leram.
Na verdade, os reformadores eram um grupo de intelectuais que se colocava à
frente de seu tempo, defendendo o diálogo, a transformação social e religiosa, e a
abertura das fronteiras da igreja para a sociedade, que estavam muito fechadas,
hierarquizadas e engessadas no romanismo da época.

Educação integral e holística

Sem entrar no mérito de cada um deles (Calvino, Lutero, Zwinglio, Melanchton entre
outros), que demandaria mais espaço para tratar, podemos achar alguns pontos em
comum entre eles e um deles era, sem dúvida, a valorização da educação. Nenhum
deles, exceto Comênio e Melancthon, tinha um tratado sobre educação ou poderia
ser considerado um pensador da educação. Mas todos eles a viveram como um
“óbvio não dito” e todos eram unânimes em defender as Artes Liberais, que eram o
Trivium e Quadrivium. Ou seja, defendiam o ensino da geometria, da aritmética, da
gramática e da astronomia juntamente com as ferramentas da educação, que são a
lógica, a dialética (filosofia), a retórica e a teologia nas escolas públicas.

53
aprimore-se

Ou seja, a proposta educacional era uma educação secular que também englobava
a teologia. Isso porque eles estavam convencidos de que as duas coisas deveriam andar
juntas. Eles não defendiam a criação de escolas confessionais fundamentalistas, que
praticam o proselitismo e o isolamento do mundo, como se fossem ilhas em meio ao
oceano do mundo, numa atitude segregacional, como vemos crescer hoje no Brasil. Isso
é criação bem posterior a eles. Eles pensavam a educação de forma integral e holística.
Se pensamos em educação, a pergunta central que temos que fazer é: que pes-
soa, que ser humano é esse que queremos formar? E não podemos pensar o ser hu-
mano dividido em partes ou fragmentado, muito menos numa contradição eterna
entre sagrado e profano. Os pensadores do protestantismo acreditavam na colabo-
ração entre eles, ou seja, na eterna conexão entre essas esferas da realidade social
em prol de um mundo melhor. Os dois âmbitos não existem de forma estanque,
ou mutuamente excludente, contraditória, mas fazem parte de um todo. Ambas as
partes, representadas pela igreja e o Estado, têm que ser ouvidas e dar a sua contri-
buição para a formação dos cidadãos, que sempre está em transformação.
A rigor, não existe educação cristã e não cristã. Existe simplesmente educação
em diversos graus e níveis. Para os reformadores a educação era tratada como ex-
celência: excelência moral, religiosa, profissional, nas artes e nas ciências. E era para
todos, sem exceção: ricos, pobres, alfabetizados, não alfabetizados, piedosos e pa-
gãos. Essa era a grande novidade (sendo que os outros aspectos ainda concordam
com os pais da igreja que são comuns a todos os cristãos). Diferente do conceito
romano de que a boa educação era para as elites e a padrão, para os outros.

Afinal, o que é educação?

Então, educação não é nem evangelismo, nem crescimento espiritual, embora ela o
envolva no caso dos cristãos, mas Bildung (que, no alemão vem de Bild, figura, ima-
gem), ou seja, formação no sentido da cultura e dos valores/direitos que são comuns
a toda humanidade, ricos e pobres. Se quisermos considerar a concepção protestante

54
aprimore-se

de ser humano, a educação pode ser confundida com o amadurecimento espiritual.


Pois, segundo essa concepção, somos imagem e semelhança de Deus, então, educar
é formar a imagem de Deus em cada ser humano, criado por Deus.
Mas isso não significa tornar as pessoas deuses, mas torná-las cada vez mais
como Deus as pensou originalmente, naquilo que ele queria que elas fossem e não
são, por suas limitações naturais e pela Queda.
O trabalho do mal é de destruir essa imagem de Deus no homem, então, a tarefa
da educação é negativa: de desfazer a obra do mal na vida da pessoa. Mas não de
forma moralista, ou maniqueísta, como se o bem lutasse contra o mal com iguais
forças, mas como o dono verdadeiro do nosso ser reconquista algo usurpado por
um poder inferior, ilegítimo e já derrotado pela obra expiatória de Cristo.
Não se trata, portanto, de combater o pecado como uma força separada e todo-po-
derosa, mas de afirmar a vitória de Cristo sobre ele. Isso muda toda a perspectiva da
educação cristã de uma visão moralista e maniqueísta, para uma perspectiva reforma-
da, no sentido da metanóia, da transformação da pessoa nela mesma. Como já dizia
Platão e Agostinho, Tomás de Aquino e os reformadores concordariam e se encarre-
garam de lembrar o mundo católico, o segredo da formação do ser ou da educação é:
“Conhece-te a ti mesmo”, ou na versão de Píndaro: “Torna-te no que tu és”.
Fonte: Greggersen (2017, on-line).

55
eu recomendo!

livro

Educação religiosa cristã: compartilhando nosso caso e visão


Autor: Thomas H. Groome
Editora: Paulinas
Sinopse: o autor valoriza o papel da igreja e da comunidade na
formação do sujeito. Se educar é pôr para fora o ser, é preciso
entrar em nós mesmos para depois sair. Há três dimensões na fé
cristã que contribuem para a formação do ser em sua integrali-
dade: a vontade, o conhecimento e a emoção. Todas devem ser levadas em conta
para a formação integral da pessoa humana.
Comentário: sobre esse livro, George comenta que Groome afirma que “nos tor-
namos cristãos e cristãs juntos. O batismo nos integra em Cristo e em seu corpo.
Por isso, indivíduos precisam da igreja toda para seu crescimento integral e a
igreja também precisa crescer e amadurecer como um todo” (GEORGE, 2014, p. 6).

filme

Mr Holland - adorável professor


Ano: 1995
Sinopse: o compositor Glenn Holland passou a vida inteira dedica-
do aos alunos de música e ao filho que nasceu surdo. Sempre so-
nhando com o momento em que comporia sua própria sinfonia.
Comentário: o filme mostra como um professor aprende, através
da música e de seu ensino, a ser um excelente professor que colo-
ca para fora o ser do seu educando.

56
eu recomendo!

conecte-se

Palestra extensa de Igor Miguel que define a Educação Cristã no contexto da pe-
dagogia. Ele define o que é educação e a importância da Antropologia filosófica
para se determinar os fins e os meios da Educação Cristã.
Educação Cristã: Família, Escola e Igreja - Igor Miguel
https://www.youtube.com/watch?v=HW691lhmLcA

Confira essa outra proposta de Educação Cristã, agora da Assembleia de Deus.


Proposta AD Novo Dia
http://www.adnovodia.com.br/midias/downloads/20

57
2
EDUCAÇÃO CRISTÃ NO
MEIO RELIGIOSO

PROFESSORA
Dra. Gabriele Greggersen

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Estudo geral e crítico do pro-
grama de Educação Cristã na perspectiva do ensino na Igreja • História da Escola Bíblica Dominical
(EBD) • Elaboração de Currículo e planejamento da Educação Cristã.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Discutir o papel da igreja na educação religiosa • Conhecer a história da Escola Bíblica Dominical
(EBD) • Buscar conhecimento crítico e prática eficiente na elaboração de um programa que forneça
as estratégias necessárias ao ensino nas comunidades cristãs, principalmente de planejamento.
INTRODUÇÃO

Iniciaremos esse capítulo com uma história: era uma vez um menino de
nove anos de idade, que teve contato com o cristianismo apenas na escola,
nas aulas de ensino religioso. Como seus pais eram seguidores da Umban-
da e não queriam expor o filho à perseguição, matricularam-no nas aulas
de ensino católico, já que não havia profissional para dar aulas de ensino
religioso voltado para a Umbanda.
Nessas aulas, ele aprendeu que era preciso ser batizado, ir à igreja e co-
mungar para ser uma pessoa respeitável e honesta e, também, deveria temer a
Deus, uma espécie de legislador-mor da humanidade. Em suma, o professor
era catequético. E o menino ficava muito confuso com as aulas, porque lá en-
sinavam que as religiões afro eram do demônio e tinham que ser combatidas.
Por isso, ele nunca se interessou por ir para uma igreja católica.
Um dia, um colega o convidou para ir à Escola Dominical de uma igreja
evangélica neopentecostal e ele ouviu falar do amor de Deus. Quando ele
disse que ele era umbandista, a professora ficou horrorizada e disse que
ele precisava se afastar daquela religião. Muito triste com essa reação da
professora, que de resto havia sido tão esclarecedora dizendo que ele não
precisava mais viver uma vida de medo da ira dos Orixás, ele se afastou
também das igrejas evangélicas e permaneceu na religião de seus pais.
O que ilustra essa história sobre a educação cristã na igreja de Cris-
to? Será que ela serve para fazer acepção de pessoas? Será que católicos e
evangélicos estão se dando as mãos no quesito “acepção de pessoas”, prin-
cipalmente no que diz respeito às religiões afro?
Nessa unidade, estudaremos o conceito de igreja e qual o papel do
ensino religioso nela. Para isso, nos basearemos em alguns autores, como
George (1993), Richards (1983), Andrade (2002) e Zabatiero (2009), além
de meus próprios escritos sobre educação cristã.
1
ESTUDO GERAL E CRÍTICO DO
UNIDADE 2

PROGRAMA DE
EDUCAÇÃO CRISTÃ
na perspectiva do ensino na
Igreja

O que é a igreja? Será que é um prédio? Será que se resume à figura de um pastor?
Ou então, à música? Será uma tradição x, y, z? Um conjunto de ministérios, como
o ministério de casais, de jovens, de missões, de educação cristã, de assistência
social, de evangelismo, de louvor? Tudo isso é muito bom e faz parte, mas será
que a igreja ainda subsiste sem essas coisas?
A igreja é, segundo a Bíblia, o corpo de Cristo. E cada órgão, cada célula é
importante nesse todo articulado. A igreja, em resumo, sou eu e você, somos nós
juntos e misturados. Somos nós buscando o amor de Deus a Deus mesmo, ao
próximo e a si mesmo, que são os mandamentos centrais do cristianismo.
A igreja é você com um plano, um propósito, uma missão. E essa missão é
estar ligado a Deus, servindo a ele e aos irmãos da comunidade, usando seus
dons, conforme Deus os entregou a você para administrar, e transmitindo a sua
fé àqueles que não conhecem a Cristo, que é o evangelismo.
O conceito de igreja não se separa da ideia de ser igreja, ou seja, trata-se de um
ser, de uma pessoa, que tem uma experiência, uma vivência e uma práxis. A igreja,
na verdade, é um mistério, um daqueles que só vamos entender na eternidade com
Deus. Por isso é que a Bíblia se refere à igreja por metáforas, e não conceituações
racionalistas. E não são poucas. A seguir, analisaremos cada uma delas, fazendo a
ponte para a educação cristã como parte dessas imagens a respeito da Igreja.

60
Em primeiro lugar, talvez a comparação mais conhecida seja de que a igreja é

UNICESUMAR
o Corpo de Cristo, como lemos em 1 Coríntios 12, 27: “Ora, vocês são o corpo
de Cristo, e cada um de vocês, individualmente, é membro desse corpo”.
Essa metáfora remete à unidade dos membros do corpo que interagem e
colaboram, cada um com a sua especialidade, para alcançar os seus propósitos.
Ela nos faz lembrar ainda da interdependência entre as partes de um todo. Se
uma parte está doente ou sofrendo dor, todo o corpo sofre. Finalmente, lembra-se
a harmonia que deve existir na totalidade de alguma coisa.
Essa cooperação entre as partes do corpo também ilustra o que deve acon-
tecer em uma sala de aula, na qual a colaboração é fundamental para a harmo-
nia da condução do trabalho pedagógico. É fundamental que cada aluno tenha
o sentimento de pertencimento e não de exclusão. O bullying, nesse sentido, é
uma prática que mostra o reverso disso, preconizando a exclusão e rejeição do
diferente. É importante que haja espaço, no ambiente escolar e extraescolar, para
o diferente e excepcional, com plena aceitação das diferenças.
Outro trecho de 1 Coríntios 12, 12-27 compara a Igreja, ora a partes integran-
tes da cabeça do corpo, ora ao restante do corpo, como algo distinto, mas ligado,
cuja cabeça é Cristo:


Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos
membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um
só corpo, assim também com respeito a Cristo.Pois em um só corpo
todos nós fomos batizados em um único Espírito: quer judeus, quer
gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um
único Espírito. O corpo não é composto de um só membro, mas de
muitos. Se o pé disser: “Porque não sou mão, não pertenço ao corpo”,
nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser:
“Porque não sou olho, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa
de fazer parte do corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a
audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato? De
fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua
vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?
Assim, há muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode
dizer à mão: “Não preciso de você!” Nem a cabeça pode dizer aos
pés: “Não preciso de vocês!” Pelo contrário, os membros do cor-
po que parecem mais fracos são indispensáveis, e os membros que
pensamos serem menos honrosos, tratamos com especial honra. E
61
os membros que em nós são indecorosos são tratados com decoro
UNIDADE 2

especial, enquanto os que em nós são decorosos não precisam ser


tratados de maneira especial. Mas Deus estruturou o corpo dando
maior honra aos membros que dela tinham falta, a fim de que não
haja divisão no corpo, mas, sim, que todos os membros tenham
igual cuidado uns pelos outros. Quando um membro sofre, todos
os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os
outros se alegram com ele. Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada
um de vocês, individualmente, é membro desse corpo.

A igreja também é comparada com uma noiva ou esposa (Ap 19, 7; Ef. 5,23-32; e
2Co 11, 2) e de ninguém mais, ninguém menos do que do próprio Cristo.
Vamos às passagens: “Regozijemo-nos! Vamos nos alegrar e dar-lhe glória! Pois
chegou a hora do casamento do Cordeiro, e a sua noiva já se aprontou” (Ap 19,7).
“O zelo que tenho por vocês é um zelo que vem de Deus. Eu os prometi a um úni-
co marido, Cristo, querendo apresentá-los a ele como uma virgem pura” (2Co 11, 2)


[...] pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o
cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim
como a igreja está sujeita a Cristo, também as mulheres estejam
em tudo sujeitas a seus maridos. Maridos, amem suas mulheres,
assim como Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo por ela
para santificá-la, tendo-a purificado pelo lavar da água mediante
a palavra, e apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem
mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável.
Da mesma forma, os maridos devem amar as suas mulheres como
a seus próprios corpos. Quem ama sua mulher, ama a si mesmo.
Além do mais, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo, antes o
alimenta e dele cuida, como também Cristo faz com a igreja, pois
somos membros do seu corpo. “Por essa razão, o homem deixará
pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só
carne”. Este é um mistério profundo; refiro-me, porém, a Cristo e
à igreja (Ef 5, 23-32).

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Eis o mistério dos mistérios: a relação de Cristo com a sua Igreja. Como noiva o

UNICESUMAR
ato ainda não se consumou. Estamos na expectativa, vivemos na dimensão do
“ainda não” e estamos à espera do nosso amado.
O mesmo acontece com a educação, que é toda voltada para a esperança e
expectativa do aprendizado, como deixa entrever Paulo Freire no livro primoroso
intitulado Pedagogia da Esperança. Nele, ele fala de seu contato com crianças
reais e sua interação com elas, mediadas pela literatura.
Outra ideia importante para a educação emanada pela metáfora da noiva é
a do compromisso. Grande parte da crise da educação se dá pela falta de com-
prometimento das pessoas com um projeto pedagógico participativo. Há toda a
oportunidade para se participar ativamente da escola: pais, funcionários, alunos,
professores, mas onde está o interesse?
A noiva de Cristo também evoca fidelidade, já que o compromisso do noivado
para os judeus, da época de Jesus, só poderia ser quebrado com o divórcio. Está
embutida também a ideia de pureza, uma vez que a noiva se preservava para o
noivo até o casamento; e de santificação, considerando a maturidade que se deve
atingir antes e depois do casamento, que é um processo de constante crescimento
no relacionamento a dois. Não sem conflitos, é claro, mas regado a muito amor,
que vence todos os obstáculos e barreiras.
Na escola e, particularmente, na escola dominical, o amor também deve ser
o critério de solução de todos os conflitos, não que se tenha que sempre passar
a mão na cabeça do aluno, mas deve-se exercitar a misericórdia nesse processo
doloroso do aperfeiçoamento do ser.
A metáfora da Igreja como noiva também é sugerida na parábola das dez
virgens, em Mateus 25, 1-13. Soma-se isso a ideia do zelo e do cuidado no aguardo
ansioso pelo noivo, sem deixar a lamparina se apagar.
Em João 15, 5, a Igreja é ainda comparada aos ramos da videira verdadeira:
“Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele,
esse dá muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma”. Somos
totalmente dependentes, enquanto membros da Igreja, de Cristo, que nos dá a
seiva da vida. O mesmo vale também para toda a educação e, especialmente, a
educação cristã, que tem como seiva a Cristo.

63
Paulo também nos compara aos ramos de uma oliveira.
UNIDADE 2


Se alguns ramos foram cortados, e você, sendo oliveira bra-
va, foi enxertado entre os outros e agora participa da seiva que
vem da raiz da oliveira, não se glorie contra esses ramos. Se o fi-
zer, saiba que não é você quem sustenta a raiz, mas a raiz a você.
Então você dirá:“Os ramos foram cortados,para que eu fosse enxertado”.
Está certo. Eles, porém, foram cortados devido à increduli-
dade, e você permanece pela fé. Não se orgulhe, mas tema.
Pois se Deus não poupou os ramos naturais,também não poupará você.
Portanto, considere a bondade e a severidade de Deus: severidade para
com aqueles que caíram, mas bondade para com você, desde que per-
maneça na bondade dele. De outra forma, você também será cortado.
E quanto a eles, se não continuarem na incredulidade, se-
rão enxertados, pois Deus é capaz de enxertá-los outra vez.
Afinal de contas, se você foi cortado de uma oliveira brava por natu-
reza e, de maneira antinatural, foi enxertado numa oliveira cultiva-
da, quanto mais serão enxertados os ramos naturais em sua própria
oliveira? (Rm 11,17-24).

Com isso, completam-se, junto com a metáfora da lavoura e da colheita (Mt 13,1-
30; Jo 4, 35), as imagens agrícolas.
Não é para menos também que tantos educadores usam metáforas agrícolas
para se referir à educação: Comênio, Froebel, Pestalozzi, Rogers e tantos outros se
referem ao aluno como uma pequena planta que tem que ser adubada e regada
para dar os frutos esperados dela.
Em Hebreus 3, 6, somos vistos ainda como a “casa de Deus”: “mas Cristo é fiel
como Filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos nós, se é que nos apegamos
firmemente à confiança e à esperança da qual nos gloriamos” (Hb 3, 6), cujo
construtor é o próprio Cristo (Hb 3, 3).

64
UNICESUMAR
explorando Ideias

Toda uma linha da educação é baseada na metáfora da casa e da construção, que é o cons-
trutivismo. O construtivismo, baseado no psicólogo suíço Jean Piaget, vê o aluno como um
ser em construção e em processo de vir-a-ser, sendo que a intervenção do professor sem-
pre tem que ser no sentido de desequilibrar e reequilibrá-lo, desafiando-o constantemente
a se superar e atingir novos estágios no seu desenvolvimento. Certamente os cristãos têm
muito a aprender de Piaget, embora a sua abordagem moral seja bastante relativista.
Fonte: a autora.

Outra metáfora bíblica para a Igreja é da lavoura e da edificação (1Co 3, 9-17)


Pois nós somos cooperadores de Deus; vocês são lavoura de Deus e
edifício de Deus.Conforme a graça de Deus que me foi concedida,
eu, como sábio construtor, lancei o alicerce, e outro está construindo
sobre ele. Contudo, veja cada um como constrói. Porque ninguém
pode colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus
Cristo. Se alguém constrói sobre esse alicerce, usando ouro, prata,
pedras preciosas, madeira, feno ou palha,sua obra será mostrada,
porque o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que pro-
vará a qualidade da obra de cada um. Se o que alguém construiu
permanecer, esse receberá recompensa. Se o que alguém construiu
se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém
que escapa através do fogo. Vocês não sabem que são santuário de
Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês? Se alguém destruir
o santuário de Deus, Deus o destruirá; pois o santuário de Deus,
que são vocês, é sagrado.

O alicerce é somente um, que é Cristo. Ele não pode ser substituído por nenhum
outro, quer seja, outro líder ou outra doutrina. E somos convidados a ver com que
materiais construímos em cima desse alicerce. Se madeira e palha, que facilmente
se incendeiam e se perdem, ou com ouro e prata, que subsistem quase eternamente.
Na educação também é necessário saber sobre qual fundamento se está construin-
do e que materiais se usa para essa construção, se são materiais passageiros e efêmeros,
os quais em um dia o aluno sabe e no outro já esqueceu, ou se são permanentes.

65
Nesse sentido, temos hoje as metodologias ativas, que se baseiam na consta-
UNIDADE 2

tação de que a minoria de nós aprende da forma como a maioria dos professores
ensina, usando apenas o cuspe e o giz. Infelizmente, por mais que se tenha inova-
do em termos de tecnologias da comunicação e informação, o ensino verborreico
ainda continua predominando e poucos são os professores que realmente apelam
para a ação do aluno, que é o meio pelo qual a maioria de nós aprende, de fato.
E tal ação tem que ser colaborativa, em que cada um se sinta parte de um
todo articulado, e em que o indivíduo seja valorizado dentro de um grupo, do
qual participa ativamente. A Igreja, no sentido transcendente, somos todos nós,
cristãos, cada um colaborando com sua espiritualidade e vida cristã. Isso porque
somos todos participantes em Cristo (Hb 3, 14).
A igreja também é comparada a uma coluna, em 1 Timóteo 3, 15: “mas, se eu
demorar, saiba como as pessoas devem comportar-se na casa de Deus, que é a
igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade”. As colunas eram, na época
de Jesus e do Império Romano, sustentáculos importantes das construções, isso
significa que a igreja faz parte de um todo, servindo-lhe de base e fundamento.
A segurança da verdade absoluta nos dias de hoje é mesmo uma “novidade
antiga”. De tão antiga, as pessoas, usualmente relativistas, se esqueceram dela, mas
sem ela, é impossível sequer pensar e, vive-se desnorteado, suspenso no vazio.
Para me referir à importância da verdade absoluta, para além das infinitas,
de fato relativas, costumo usar a metáfora do plano cartesiano. Para se localizar
um ponto no espaço, não se pode deixá-lo no vazio. É preciso enquadrá-lo num
plano cartesiano que tem um eixo das abscissas e das ordenadas, que permite
identificar as coordenadas do ponto. E é preciso que esses eixos sejam fixos e
absolutos, servindo de padrão de comparação. O mesmo acontece com as uni-
dades de medida internacionais e os padrões de qualidade ISO, sem os quais é
impossível o comércio e a comunicação internacional. E tais padrões são abso-
lutos, reconhecidos internacionalmente.
Isso não quer dizer que só exista preto e branco, ou só verdades absolutas. O
que existem são conjuntos de pontos cardeais norteadores, que são reconhecidos
em todo lugar e que definem os pontos relativos dentro do espaço.
Por outro lado, não é uma pessoa específica, ou grupo de pessoas que são as de-
tentoras dessa verdade, ao contrário da postura que algumas igrejas institucionais
assumem em relação às outras pessoas e igrejas, quebrando a ideia de harmonia e
unidade e, assim, de Deus. Nem mesmo somos representantes dessa verdade, como
membros desta ou daquela igreja. A verdade só quem detém e é em si mesmo, é Cristo.
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Outra metáfora que a própria denominação de “pastor” evoca é a da igreja

UNICESUMAR
como rebanho: “Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas
como exemplos para o rebanho” (1 Pedro 5, 3).
O Antigo e o Novo Testamentos estão cheios de comparações entre os se-
guidores de Deus, que é o sumo pastor, que cuida e protege, conduz e dá a vida
pelos seus, e ovelhas desgarradas e arredias. As ovelhas se caracterizam pela vul-
nerabilidade, domesticidade e pouca inteligência. O Salmo 23 nos mostra todas
as qualidades do bom pastor e a vida típica de ovelha, que passa pelo “vale da
sombra da morte”, mas também descansa em “pastos verdejantes” e tem a alma
“refrigerada” pela atuação do pastor, que é o verdadeiro pedagogo, o qual nos dá
o modelo de como devemos ser pedagogos uns dos outros.
Nesse sentido, Paulo também compara a Igreja de Cristo a uma grande fa-
mília: “Portanto, vocês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos
dos santos e membros da família de Deus” (Ef 2, 19). Em uma família, os pais são
a referência de orientação e ensino, mas os membros também se orientam, se
ajudam e ensinam mutuamente. Além da colaboração, a ideia de família também
evoca o acolhimento, a adoção e o amor, muito além da ordem e da disciplina.
Como Igreja, somos todos parentes e formamos uma grande família, pois
somos filhos de Deus e irmãos de Cristo, co-herdeiros com ele. Finalmente, a
ideia de Igreja é simbolizada com um candelabro:


Este é o mistério das sete estrelas que você viu em minha mão direita
e dos sete candelabros: as sete estrelas são os anjos das sete igrejas,
e os sete candelabros são as sete igrejas (Ap 1, 20).

Um candelabro serve para iluminar e orientar na escuridão. À semelhança disso,


a Bíblia nos ensina para sermos “luz do mundo”:


Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade cons-
truída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a
coloca debaixo de uma vasilha. Pelo contrário, coloca-a no lugar apro-
priado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. (Mt 5, 14-15).

67
Na educação, a palavra alumnus, de acordo com o Dicionário Latino de Ernesto
UNIDADE 2

Faria (2001, p. 14) significa “Criança de peito, pupilo, aluno”. “A palavra ‘aluno’
vem do verbo latino ‘alo’, que significa ‘nutrir’. O termo tem valor de particípio e
significa, simplesmente, ‘aquele que foi nutrido’. Etimologicamente, a palavra se
liga ao substantivo ‘alma’, que significa ‘nutriz’”.
Claro que se entendermos alumnus como ser carente de luz, trata-se de uma
metáfora extremamente iluminista e bastante complicada do ponto de vista pe-
dagógico. É relevante lembrar que o conhecimento serve para trazer clareza e não
obscuridade, como alguns professores teimam em nos fazer crer com discursos
mais voltados para eles mesmos, para provar que eles sabem coisas que são inal-
cançáveis à média das pessoas e se gabar diante dos alunos.
O candelabro também serve de enfeite e de símbolo da aliança de Deus com
o seu povo. Ele era feito de ouro e tinha sete hastes, mostrando o valor da Igreja
de Cristo e sua associação a Deus, cujo símbolo é o sete.
Assim, também não devemos esquecer do aspecto ético e estético da edu-
cação, valorizando a beleza do ser que estamos formando e do próprio ato de
ensinar, que é, em si, uma arte. Como se pode ver, a ideia de Igreja por toda a
Bíblia, mas particularmente no Novo Testamento, quando ela é instituída no
Pentecoste, é toda rodeada de metáforas e simbolismos, dada a complexidade da
mesma para a nossa mente limitada.

pensando juntos

Então quer dizer que as metáforas usadas para a Igreja também servem para a sala de
aula? É isso mesmo, visto que a igreja é ensinadora, no dizer de George.

Por isso é que somos convidados a exercer a nossa imaginação, como mem-
bros da igreja e como educadores, toda vez que somos confrontados com as
ideias que vão além da nossa razão e daquela dos nossos alunos, para torná-las
mais concretas e palpáveis, como São Tomé, que teve que tocar nas feridas de
Jesus para ajudar na sua fé.
Bem-aventurados são aqueles que creram somente pela imaginação e fé.
Não há momento mais imaginativo do que aquele em que oramos, pois nos
comunicamos com um Deus que não vemos, só representamos na nossa
imaginação e no nosso interior.
68
Além do uso das metáforas, uma abordagem interessante de coisas que não

UNICESUMAR
entendemos é ir ao fundo de seu sentido etimológico. De onde veio a palavra
“igreja”, por exemplo? A palavra igreja, na Bíblia, vem de ekklesia, no grego. E ela
nunca se referiu a um prédio, como o entendimento popular de hoje. Na época
da igreja primitiva, ninguém, em sã consciência, apontaria para um prédio e di-
ria: “Olhe lá, uma igreja!” Não existe essa associação na Bíblia. Mesmo porque os
cristãos se reuniam nas casas ou em grutas, quando o faziam secretamente devido
às perseguições. Nem tão pouco a igreja se refere a uma instituição religiosa na
Bíblia. As instituições religiosas cristãs nem sequer haviam sido criadas ainda.
Toda a institucionalização das igrejas cristãs e sua hierarquia institucional
veio depois, por meios e devido a necessidades humanas, e não necessariamente
seguindo ensinamentos de Jesus. Jesus instruiu para que a igreja se formasse,
mas nunca impôs modelos de organização e hierarquia religiosa, muito menos
de liturgia do culto, a não ser pela santa comunhão.
Paulo, em Efésios, fala da inclusividade da igreja, que abraça a todos:


Portanto, vocês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas conci-
dadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o
fundamento e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular,
no qual todo o edifício é ajustado e cresce para tornar-se um santuário
santo no Senhor. Nele vocês também estão sendo edificados juntos,
para se tornarem morada de Deus por seu Espírito (Ef 2, 19-22).

A pedra angular é Cristo, e não uma denominação qualquer, e que serve para se
tornar o “santuário santo no Senhor”. Jesus nunca fundou nenhuma denominação,
pelo contrário, na sua oração sacerdotal no Getsêmani, ele orou pela união dos
cristãos, que seria o sinal da autêntica cristandade. Paulo, igualmente, pergunta-se
em 1 Coríntios 3, 4: “Pois quando alguém diz: ‘Eu sou de Paulo’, e outro: ‘Eu sou
de Apolo’, não estão sendo mundanos?”
O fato é que as igrejas institucionalizadas são “cabeça dura” como os judeus
eram na época dos patriarcas e não querem se unir, colocando empecilhos de
todos os tipos, principalmente ideológicos e doutrinários para evitar essa união.
Então, o que significa a palavra ekklesia? O que a palavra significa é “assem-
bleia”, ou “reunião” ou um “grupo de pessoas”. Certamente os cristãos devem se
reunir em nome de Cristo para adorar e louvar a Deus, celebrar a santa ceia,
aprender as doutrinas dos apóstolos e estar em comunhão.
69
O que faziam os cristãos da igreja primitiva? Em Atos 2, 42 lemos a respeito:
UNIDADE 2

“Eles se dedicavam ao ensino e à comunhão, ao partir do pão e às orações”. E essas


atividades eram realizadas nas casas dos fiéis, estabelecendo um contraste grande
com as práticas judaicas da época, que eram muito formais e institucionalizadas.
Apesar disso tudo, Jesus ensinou nas sinagogas e Paulo também as procurava
para evangelizar, ou seja, o cristianismo trouxe uma nova ideia de comunidade,
mas sem excluir a antiga ou se colocar acima dela.
Nesse sentido, a ideia de igreja é a grande novidade em relação ao judaísmo.
Com a morte e ressurreição do Messias foi derramado o Espírito Santo, coisa que
os judeus não conheciam e que oferecia uma nova perspectiva a toda a relação
do ser humano com Deus. Já temos um advogado junto ao pai, que é Jesus, e um
paráclito, ou seja, um consolador, um defensor, aquele que nos alenta das nossas
aflições. E ele vive no lugar qual seja o tabernáculo verdadeiro, que são os Céus.
Em outras palavras, a Igreja não é dessa Terra. Lemos em Hebreus 8, 1-2:


O mais importante do que estamos tratando é que temos um sumo
sacerdote como esse, o qual se assentou à direita do trono da Majes-
tade nos céus e serve no santuário, no verdadeiro tabernáculo que
o Senhor erigiu, e não o homem.

A instituição religiosa que era judaica teve o seu cumprimento em Jesus, o


qual erigiu a igreja nas regiões celestiais para ser o novo e verdadeiro lugar
santo de adoração a Deus.
Nessa nova ordem do dia - ao contrário do que acontecia com os judeus, que
jamais poderiam entrar no santo dos santos, que era reservado aos levitas e olhe
lá, pois, se eles estavam em falta, eram fulminados - temos toda a liberdade de
entrar na presença de Deus. Como lemos em Hebreus 10, 19-22:


Portanto, irmãos, temos plena confiança para entrar no Lugar San-
tíssimo pelo sangue de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele
nos abriu por meio do véu, isto é, do seu corpo. Temos, pois, um
grande sacerdote sobre a casa de Deus. Sendo assim, aproximemo-
-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé,
tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência
culpada, e tendo os nossos corpos lavados com água pura.

70
Essa sinceridade e coração aberto também são fundamentais na educação, pois

UNICESUMAR
o falso eu, os simulacros, os subterfúgios e simulações só atrapalham o bom an-
damento de uma aula. A transparência e abertura são características essenciais
do educador, que precisa passar por uma revista de sua relação consigo mesmo,
com seu self, antes de colocar os pés em uma sala de aula.
Professores inseguros ou autoritários demais; tímidos ou invasivos; passivos
ou agressivos demais são igualmente traumatizantes para os alunos, marcando
negativamente a memória e formação da personalidade deles. Todo professor que
não é insignificante deixa uma marca, para bem ou para mal.
Ensinar, como já mencionamos, é precisamente insignare, ou seja, marcar
por dentro, esculpir a pedra bruta do aluno. Essa metáfora não é das melhores,
pois sugere que o aluno seja passivo no processo, mas serve para mostrar que o
professor faz a parte dele na mente do aluno.
E a Igreja, será que ela também esculpe seus membros? George (1993) inicia
o seu livro sobre o papel ensinador da igreja falando sobre a importância da edu-
cação e do ensino na sociedade secular como um todo, perguntando-se por que
não seria diferente na igreja, que segue o maior ensinador do mundo, Jesus Cristo.
No primeiro capítulo, ele define o que é Educação Cristã que é um processo
intencional e deliberado de formar Cristo nas pessoas, o que tem implicações
sobre a igreja. E se trata de um processo que envolve a pessoa toda, em todas
as suas dimensões e a igreja toda. Isso lembra muito a proposta de Comênio, já
citado, que defendia “ensinar tudo a todos”. Trata-se da educação integral.
E, de fato, que outro exemplo temos no mundo de ensino e educação integral,
do que Cristo e sua igreja, como vimos nas várias metáforas aplicadas à igreja,
que também servem, não por acaso, para a educação? A igreja é comparada a um
corpo, que é uma totalidade, composta de partes articuladas e em interação entre
si. O “Ide” de Cristo, ou seja, a Grande Comissão, também é um exemplo disso.


Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do pai, e do filho, e do espírito santo; ensinando-os a guardar
todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco
todos os dias até à consumação do século (Mt 28, 19-20).

Na versão da NVI no Evangelho de Marcos diz: “vão pelo mundo todo e pre-
guem o evangelho a todas as pessoas” (Mc 16, 15). Esse “preguem” não envolve
só a evangelização, mas também o ensino. É claro que não se pode confundir a
71
homilética com o ensino, pois são artes distintas, mas a finalidade é a mesma, que
UNIDADE 2

é a formação do homem e da mulher em sua integralidade, que inclui o corpo, a


alma e o espírito. E todos os autores aqui considerados interpretam o “Ide” como
um chamamento também para a educação.
A grande comissão também é uma grande missão de educação e que se volta
para todos. Secularmente, isso está muito em linha com o que a Agenda 2030 diz
sobre a educação: que é para incluir a todos e “não deixar ninguém para trás”.
Em capítulo recentemente escrito por mim e por Zabatiero (GREGGERSEN;
ZABATIERO, 2018) sobre o quarto objetivo dos ODS (Objetivos de Desenvolvi-
mento Sustentável), a chamada Agenda 2030, intitulado “Educação de Qualidade”,
comentamos que a Agenda não passa de uma simples carta de intenção. Ironi-
camente, ela “deixa para trás” muitos assuntos e temáticas, como a questão do
gênero, das diferenças raciais e religiosas no mundo. Essa carta de intenções tam-
bém raramente é traduzida na prática e seus ideais estão bem longe da realidade,
principalmente, dos países emergentes, como comentamos no referido capítulo.
Por outro lado, este já é um avanço rumo a um acordo internacional, dado
o reconhecimento das desigualdades e o esforço de se cuidar do bem-estar de
todas as pessoas no planeta e do meio ambiente. Acontece que ainda predomina
o esquecimento, comparativamente ao que é lembrado nessa agenda, que vai
desde a energia limpa até o trabalho decente a que todo trabalhador tem direito.
E o esquecimento é uma marca do ser humano.
Lauand (2019, on-line)6 nos lembra muito bem de que o ser humano é
um ser que esquece. Ele até se recorda das quartas de final do campeonato de
futebol, do dia do pagamento e da lista de compras, mas ele esquece das coisas
mais importantes, como tratar os outros com respeito, ter misericórdia e, prin-
cipalmente, esquece de quem ele é.
E não se trata de um mero exercício de memória, que chamamos vulgarmente
de “decoreba”, tão comum nas escolas de ensino tradicional; mas de um reme-
morar, que significa trazer à memória, como quem presta tributo a uma pessoa
falecida. A memória não está tão relacionada à mente quanto está ao coração, ao
sentimento. Quando dizemos que aprendemos algo “de cor” estamos nos referin-
do ao fato de sabermos aquilo de “coração”.
E as formas de cumprir com esse mandamento são muitas, além da repetição
ad infinitum da coisa que se quer decorar. Há as brincadeiras e cantigas, os pro-
vérbios, os mitos, os contos de fada, todos eles nos fazem lembrar do que há de
substancial na vida. As histórias, por mais remotas, nos fazem lembrar da vida.
72
UNICESUMAR
explorando Ideias

Sabia que os provérbios de todos os povos e raças dizem as mesmas coisas sobre o
ser humano e seu funcionamento? Lewis (2017a) explora isso no seu livro “A Abolição
do Homem”, que trata de educação. Nele, ele diz que os valores têm fundamento em
uma realidade una, ainda que diversa, e não são mero resultado da subjetividade que
faz com que povos de todas as épocas cheguem a conclusões semelhantes e que coin-
cidem com o cristianismo.
O exemplo disso é o confucionismo, que em sua regra de ouro diz: não se deve fazer ao
outro o que não se quer que façam conosco. Cristo ordenou que façamos aos outros o
que desejamos que eles façam conosco. Ao final do livro, ele traz uma série de provérbios
comparativos de várias culturas e épocas.
Fonte: a autora.

Não é para menos que, de acordo com a mitologia, quando Zeus percebeu que os
humanos estavam avariados, pois esqueciam-se de quem eles eram, enviou-lhes as
musas com a missão de inspirarem os poetas para refrescarem a memória dos hu-
manos por meio da poesia. E poesia aqui envolve toda a literatura e a arte em geral.

pensando juntos

Por falar em provérbios, a cultura brasileira está cheia deles. Um que combina com nossa
aula é o seguinte: “Uma andorinha sozinha não faz verão”.
Reflita sobre como isso se aplica à vida em comunidade cristã e à educação.

Essa ordenação combina bem com certos trechos da Bíblia, como o Salmo 78,
1-8, por exemplo, que fala do caráter narrativo da Educação Cristã. Os pais e
educadores estão sempre contando histórias.


Povo meu, escute o meu ensino; incline os ouvidos para o que eu
tenho a dizer. Em parábolas abrirei a minha boca, proferirei enig-
mas do passado; o que ouvimos e aprendemos, o que nossos pais
nos contaram. Não os esconderemos dos nossos filhos; contaremos
73
à próxima geração os louváveis feitos do Senhor, o seu poder e as
UNIDADE 2

maravilhas que fez. Ele decretou estatutos para Jacó, e em Israel es-
tabeleceu a lei, e ordenou aos nossos antepassados que a ensinassem
aos seus filhos, de modo que a geração seguinte a conhecesse, e
também os filhos que ainda nasceriam, e eles, por sua vez, contassem
aos seus próprios filhos. Então eles porão a confiança em Deus; não
esquecerão os seus feitos e obedecerão aos seus mandamentos. Eles
não serão como os seus antepassados, obstinados (Sl 78, 1-8).

E por último, mas não menos importante, devemos citar o livro dos Provér-
bios, que foi escrito por Salomão para instruir o seu filho. E a primeira lição é
que o temor do Senhor (que não é medo, muito menos pavor, mas reverência,
veneração, adoração e culto) é o princípio da sabedoria. Tal respeito deve ser o
alvo e prática de todo educador.
Já no Novo Testamento, um dos trechos mais citados nos livros referentes à
Educação Cristã é o que fala de sua relação com a própria Bíblia:


Quanto a você, porém, permaneça nas coisas que aprendeu e das
quais tem convicção, pois você sabe de quem o aprendeu. Porque
desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de
torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. Toda
a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a re-
preensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o
homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa
obra (2Tm 3, 14-17).

Essa passagem nos lembra da centralidade das Escrituras que, como alerta Portela
([s.d.]), não podem ser um adendo ou apêndice à educação cristã, mas devem ser o
centro mesmo de todo e qualquer ensino e aprendizagem nos moldes do cristianismo.

pensando juntos

É interessante observar que o destaque dado à sabedoria que as Escrituras veiculam não
vale por si mesmo e sim para a salvação pela fé. Não é a sabedoria uma das finalidades da
educação? Pois aqui se vê a sua relação com o plano de salvação.

74
Outro trecho muito citado quando o assunto é educação cristã é o que fala da

UNICESUMAR
relação entre pais e filhos: “Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo
a instrução e o conselho do Senhor” (Ef 6, 4).
Essa é uma chamada à educação justa e contra a tortura dos filhos pelos pais.
O trecho também lembra que a educação cristã segue uma psicologia e o respeito
à integralidade da relação pais e filhos, que não deve ser descontrolada.
O Novo Testamento também se refere, em alguns trechos, ao ensino como um
dom dado pelo Espírito Santo. Em Efésios 4, 11 lemos: “E ele designou alguns para
apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e
mestres”, ou seja, o ensino é um ministério específico dentro da igreja.
Em Romanos 12, 7, Paulo nos exorta: “Se o seu dom é servir, sirva; se é ensi-
nar, ensine”. O ensino é um dom dado por Deus e que é segundo o coração dele.
De acordo com Portela ([s.d.]), um trecho bíblico fundamental para se en-
tender a educação, segundo o coração de Deus, voltando novamente ao Antigo
Testamento, é o Salmo 19. Nos versículos 1-6 fala-se da criação ou natureza como
educadora que anuncia a grandeza de Deus.


Os céus declaram a glória de Deus; o fir-
mamento proclama a obra das suas mãos.
Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite.
Sem discurso nem palavras, não se ouve a sua voz.
Mas a sua voz ressoa por toda a terra, e as suas palavras,
até os confins do mundo. Nos céus ele armou uma ten-
da para o sol,que é como um noivo que sai de seu aposen-
to, e se lança em sua carreira com a alegria de um herói.
Sai de uma extremidade dos céus e faz o seu trajeto até a outra; nada
escapa ao seu calor.

O que Portela ([s. d.]) não diz, mas que também é verdade, em uma análise mais
profunda, é que, de fato, a natureza é uma grande educadora que, inclusive castiga
a humanidade quando ela não a respeita e que, portanto, deve ser respeitada. E
esse respeito começa de berço e se estende à escola. Você já se perguntou por que
os autores cristãos falam tão pouco da educação ambiental, se são eles que têm
os maiores motivos para levantar essa bandeira?
E o autor também não aplica o conceito ao ser humano. Por sermos criatura, cria-
da à imagem e semelhança de Deus, é que somos educáveis: seres aprendentes que
75
rumam para o aperfeiçoamento dessa imagem dentro de nós. E essa imagem tem uma
UNIDADE 2

ressonância do lado de fora, na realidade criada pelo mesmo Deus e que o glorifica.
Muitos livros e cursos de educação cristã focam não na criação, mas na queda,
afirmando que a educação existe apenas no sentido da correção e da disciplina.
Eles se tornam moralistas, na medida em que atribuem um sentido apenas ne-
gativo à educação. E eu arrisco dizer que a maior parte dos livros sobre educação
cristã tem essa ênfase. Se fosse assim, se o processo educativo existisse apenas
em função da queda, como se explicaria o fato de o próprio Jesus, que era sem
pecado, ter “crescido em sabedoria”: “Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e
graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52)?

pensando juntos

É claro que não devemos desprezar a queda, que distorceu a natureza humana, mas de-
vemos nos lembrar do estado anterior e trabalhar para restaurá-lo e reconstruí-lo. Pois
o primeiro compromisso do professor não é com o pecado, mas com a Imago Dei, que
pretende trazer os potenciais do educando para a atualização. Esse é o verdadeiro sentido
da educação, entendida como transformação ou metanoia, rumo a uma semelhança cada
vez maior com o Criador e seu mediador que é Cristo, o homem-Deus.

A segunda parte do Salmo, do versículo sete ao dez, fala da lei e que ela não é
punitiva, mas agradável. Não somos submetidos à lei como escravos, mas ela nos
é conatural e apetecível. É como se uma máquina se submetesse ao seu manual
de instruções. A infração contra ele seria um “tiro no pé”, ou seja, uma forma de
avariar a própria máquina e seu bom funcionamento.
É nesse sentido que a Bíblia fala da lei:


A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma. Os testemunhos do
Senhor são dignos de confiança, e tornam sábios os inexperien-
tes.Os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao coração.
Os mandamentos do Senhor são límpidos, e trazem luz aos olhos.
O temor do Senhor é puro, e dura para sempre. As orde-
nanças do Senhor são verdadeiras, são todas elas justas.
São mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro; são mais
doces do que o mel, do que as gotas do favo. Por elas o teu servo é
advertido; há grande recompensa em obedecer-lhes (Sl 19, 7-11).

76
A lei é agradável e doce, positiva em suma e não punitiva. Somente na terceira

UNICESUMAR
parte do Salmo é que se fala de pecado e de correção, ou seja, são dois terços
contra um terço. Em outras palavras, trata-se da parte explicitamente moral do
Salmo, que fala em conduta e de aspectos práticos da educação.


Quem pode discernir os próprios erros? Absolve-me dos que des-
conheço! Também guarda o teu servo dos pecados intencionais;
que eles não me dominem! Então serei íntegro, inocente de grande
transgressão (Sl 19, 12-13).

O fato, como destaca o autor, é que o Salmo nos traz uma “filosofia unificada de
vida que apresenta a visão bíblica sobre a absorção de conhecimentos e a aplica-
ção destes” (PORTELA, [s. d.], p. 3).
Infelizmente, no decorrer de seu livreto curto, mas incisivo, sobre a Educação
cristã, o autor recai novamente na perspectiva negativa e punitiva da Educação
cristã como forma de fazer frente às “inclinações naturais” do homem para o
pecado. Os professores, por exemplo, nessa acepção, são retratados como aqueles
que “também foram exercitados por Satanás” (PORTELA, [s. d.], p. 11).
Outro ponto muito reiterado na literatura sobre educação cristã, inclusive a
de Portela ([s. d.]), é a admoestação contra filosofias e literatura “anticristã”, como
é encarada toda e qualquer filosofia que não se identifique explicitamente com a
doutrina cristã. Será que existe tal coisa como filosofia “anticristã” se Cristo “era
antes de todas as coisas”? NEle tudo foi criado, então, nada pode ser anticristão,
por mais que tente se declarar como tal.
Ora, como nos mostra o teólogo e filósofo alemão, Josef Pieper, em seu texto
curto, mas poderoso, sobre “O caráter problemático de uma filosofia não-cristã”,
toda e qualquer filosofia tem suas relações com o cristianismo. O problema é ter
a paciência e o discernimento de separar o joio do trigo dessas filosofias.
Lewis (2017b), em “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”, diz que não é o diabo
o inimigo de Deus, mas que Deus é que é o Inimigo do diabo do qual ele tem
que se proteger, e que o sobrinho de Screwtape deve tomar muito cuidado com
toda e qualquer literatura, pois ela está repleta de “armadilhas” que remetem o
pensamento do paciente humano à transcendência e a Deus.
Como Adélia Prado exclama em entrevista com o filósofo da educação Luiz
Jean Lauand ([2019], on-line)7: “Pode um poeta ser ateu, meu Deus?”. Ou seja,

77
mesmo que o poeta se declare ateu, ele não resiste a falar de coisas transcendentes
UNIDADE 2

como o amor, a alma, a saudade e a busca por sentido na vida e pela felicidade.
Mesmo os trechos da Bíblia que são mencionados por Portela ([s. d.]) para fun-
damentar a visão moralista da educação, e reforçar uma concepção maniqueísta de
que tudo o que não seja explicitamente cristão, seja anticristão, são retiradas do con-
texto e não servem absolutamente para justificar nenhuma dessas pressuposições.
Podemos ver o quanto Deus respeita o conhecimento mesmo de povos não cris-
tãos na figura de Melquisedeque, a respeito da qual Don Richardson (2008) escreveu
um livro sobre missões. Ele denuncia, nesse livro, onde vão parar as missões que
partem do pressuposto de que sejam donas da verdade e que impõe o cristianismo
aos povos, negando toda a sua cultura e insights divinos que nela possam se revelar.

pensando juntos

Pois Deus não pede licença para se manifestar e, até Calvino dizia que a verdade, mesmo
manifestada na boca de um pagão, não pode ser desprezada, do contrário, estaríamos
entristecendo o Espírito.

E isso tem base bíblica. Veja Colossenses 1, 16-17:


[...]pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra,
as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer prin-
cipados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele.
Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.

Por isso, até se poderia dizer que não existe educação explicitamente cristã, pois
toda educação que é legítima e verdadeira, necessariamente já é cristã por natu-
reza, como vimos nessa parte do material, dedicado aos fundamentos bíblicos e
teológicos da educação cristã.
O máximo que podemos falar é de uma educação na igreja, nos moldes da
Escola Bíblica Dominical (EBD). Como surgiu a EBD? Mais uma vez, foi o cristia-
nismo que inspirou as escolas seculares e não vice-versa. Portanto, basta consul-
tarmos a história para resgatarmos o sentido original, não é preciso ficar imitando
mal e porcamente os modelos seculares. A seguir, analisaremos a história da EBD.
78
2
HISTÓRIA DA

UNICESUMAR
ESCOLA BÍBLICA
Dominical (EBD)

As origens da Escola Bíblica Dominical remontam o século XVIII, na Inglaterra,


no seio da igreja anglicana e pouco ou nada têm a ver com o que se entende por
EBD hoje, no Brasil, que é cópia do que se entende por isso nos Estados Unidos.
No entender de John Wesley, ela era uma reunião de estudos que se realizava
aos domingos com o intuito de se aprofundar na Bíblia, nos EUA. A partir de
1763, uma senhora metodista começou estudos na sua casa, que passaram para
a igreja anglicana de High Wycombe, Reino Unido. Esse tipo de ensino foi o
responsável pela expansão das Comunidades Metodistas da Igreja da Inglaterra,
fundadas por Wesley na Inglaterra e nos EUA. Várias iniciativas semelhantes pi-
pocaram nos EUA e na Inglaterra nas últimas décadas do século XVIII, mas é ao
anglicano Robert Raikes que é atribuída a criação efetiva da Escola Dominical. Ele
nasceu em 1735 e morreu em 1811, tendo sido criado em Gloucester. Ele seguiu
os passos do pai no jornalismo, herdando a sua editora jornalística. O Gloucester
Journal tinha como objetivo servir à reforma dos presídios daquela região.
Raikes também foi engajado socialmente, fazendo jus ao avivamento que
estava ocorrendo na sua época, com valorização do social, interessando-se pela
situação dos presos e das crianças carentes, que ficavam ao relento principalmente
no domingo, quando não trabalhavam, propensas ao vício e à criminalidade.
Então, quando chegou na casa dos quarenta, resolveu, com ajuda de senhoras
alfabetizadoras e um reverendo anglicano, fundar uma escola dominical gratuita
79
que logo estava atendendo mais de cem crianças, dos seis aos aproximadamente
UNIDADE 2

quatorze anos de idade. Apesar de também terem aulas de religião, o intuito maior
era proporcionar a alfabetização e um currículo das artes liberais, com o objeti-
vo de formação do caráter dessas crianças. Além das aulas, ele também oferecia
banho e roupas para as crianças se sentirem mais à vontade nas aulas.
As classes funcionavam independentemente da igreja, mas na parte da tarde,
as crianças eram encaminhadas para catequese na igreja. No começo, os profes-
sores eram pagos, mas depois foi introduzido o regime de voluntariado. Como
Raikes usava o seu jornal para divulgar a experiência, logo outros aderiram ao
movimento e a data da fundação da Escola Dominical ficou estabelecida, dia 03
de novembro de 1783.
Andrade escreve sobre isso nos seguintes termos:


Embora haja começado a trabalhar em 1780 , foi somente em
1783 , após três anos de oração, observações e experimen-
tos, que Robert Raikes resolveu divulgar os resultados de sua
obra pioneira. No dia três de novembro de 1783, Raikes pu-
blica, em seu jornal, o que Deus operara e continuava a ope-
rar na vida daqueles meninos de Gloucester. Eis por que a data
foi escolhida como o dia da fundação da Escola Dominical.
Escreve o pastor Antonio Gilberto: “Mal sabia Raikes que estava
lançando os fundamentos de uma obra espiritual que atravessaria
os séculos e abarcaria o globo, chegando até nós, a ponto de ter
hoje dezenas de milhões de alunos e professores, sendo a maior e
mais poderosa agência de ensino da Palavra de Deus de que a Igreja
dispõe” (ANDRADE, 2002, p. 29).

Um ano depois, os alunos matriculados já somavam 250 mil, com resultados


visíveis na taxa de criminalidade entre crianças e jovens, que baixou a olhos
vistos. O modelo fez tanto sucesso que foi adotado no País de Gales, Escócia,
Irlanda e também nos EUA.


No fim do século 18, quando ocorreu a independência dos Estados
Unidos, muitas crianças, especialmente pobres, não tinham aces-
so à educação. As escolas dominicais vieram suprir essa carência,
além de unir o ensino religioso ao ensino geral (VASCONCELOS
JUNIOR et al., 2016, on-line).
80
Com ajuda de um ministro batista e dois anglicanos, foi fundada, em 1785, a

UNICESUMAR
Sociedade de Escolas Dominicais da Grã-Bretanha (Sunday School Society Of
Great Britain), que atraiu pessoas com o intuito de ajudar a financiar o movi-
mento, inclusive com a edição de livros didáticos para as escolas.
De acordo com Vasconcelos Junior et al. (2016, on-line):


A primeira escola dominical americana surgiu numa residên-
cia da Virgínia, 1785. Na década seguinte, foram criadas escolas
em Boston, Nova York, Filadélfia, Rhode Island e Nova Jersey.
Destinavam-se a crianças que careciam de educação, muitas das
quais trabalhavam em indústrias. Na cidade de Pawtucket, Es-
tado de Rhode Island, foi iniciada uma escola na primeira usina
de algodão dos Estados Unidos. Os primeiros dirigentes em ge-
ral eram leigos e líderes comunitários; o texto usado era a Bíblia
e as matérias incluíam leitura, redação e valores cívicos e morais.
Essas escolas dominicais prepararam o caminho para a criação de
escolas públicas. A partir de 1800, os propósitos das escolas do-
minicais americanas passaram a ser instrução e evangelismo; elas
transmitiam valores cristãos e o espírito democrático da nova nação.
Era um trabalho não-denominacional ou, como se dizia na época,
uma “associação voluntária”, reunindo pessoas de diferentes igrejas.
Em 1824 foi fundada a União Nacional de Escolas Dominicais, que
organizou os líderes, publicou literatura e criou milhares de escolas
no interior do país. Na mesma época, muitas denominações come-
çaram a criar as suas próprias uniões de escolas dominicais.

Mas nem tudo foram flores. Logo o sucesso das escolas incomodou os mais
conservadores da igreja, que as declararam do diabo, já que elas funcionavam
independentes da igreja, envolviam colaboradores leigos e profanavam o dia
do Senhor, segundo eles. Tanto que o Arcebispo de Canterbury tentou decretar
a sua proibição, mas sem sucesso.
Quando da morte de Raikes, as escolas dominicais da Inglaterra já contavam
com 400 mil alunos e já envolviam também a educação de adultos. Nos EUA, esse
modelo foi inaugurado por William Elliot, no ano de 1802, e funcionava na Virgí-
nia. Nesse país foi fundada a União Americana de Escolas Dominicais, sendo que
elas alcançavam grande parte dos Estados Federados, envolvendo colaboradores
leigos, mas também já alguns profissionais da educação. Será que a EBD é um
81
fenômeno apenas de países ricos? Não, o movimento também se alastrou pela
UNIDADE 2

América Latina (Da África, da Ásia e da Oceania não tenho notícia).


No Brasil, a primeira escola dominical de que se tem registro surgiu na cidade
carioca de Petrópolis, no ano de 1855. Desde então, a alfabetização e ensino das
demais disciplinas foram sendo assumidos pelas escolas públicas, que passaram a
também adotar o ensino religioso nos seus currículos. Com isso, o ensino nas escolas
dominicais foi se tornando cada vez mais doutrinário e bíblico, sendo que hoje se
conta com currículos específicos por grupos de interesse (adultos homens, mulheres,
catecúmenos, adolescentes etc.) com temáticas da atualidade e revistas específicas
para esse ensino, tornando-se cada vez mais um estudo bíblico e doutrinário.
Quanto a isso, Andrade (2002, p. 30-31) comenta:


A Escola Dominical no Brasil teve como nascedouro a cidade im-
perial de Petrópolis, no Rio de Janeiro. A data jamais será esque-
cida: 19 de agosto de 1885. Nesse dia, os missionários escoceses
Robert e Sara Kalley dirigiram a primeira Escola Dominical em
terras brasileiras. Sua audiência não era grande; apenas cinco crian-
ças assistiram àquela aula. Mas foi suficiente para que o seu traba-
lho florescesse e alcançasse os lugares mais retirados de nosso país.
Hoje, no local onde funcionou a primeira Escola Domi-
nical do Brasil, acha-se instalado um colégio. Mas ain-
da é possível ver ali o memorial que registra este tão singu-
lar momento do ensino da Palavra de Deus em nossa terra.
Tornou-se a Escola Dominical tão importante, que já não po-
demos conceber uma igreja sem ela. Haja vista que, no dia uni-
versalmente consagrado à adoração cristã, nossa primeira ativi-
dade é justamente ir a esse prestimoso educandário da Palavra
de Deus. E aqui onde aprendemos os rudimentos da fé e o va-
lor de uma vida inteiramente consagrada ao serviço do Mestre.
A. S. London afirmou, certa vez, mui taxativamente: “Extinga a Es-
cola Bíblica Dominical, e dentro de 15 anos a sua igreja terá apenas
a metade dos seus membros”. Quem haverá de negar a gravidade
da advertência de London? As igrejas que ousaram prescindir da
Escola Dominical jazem exangues e prestes a morrer.

82
No capítulo seguinte, Andrade (2002, p. 50) fala dos departamentos da Educação

UNICESUMAR
Cristã, que para ele são os seguintes: “estes, por conseguinte, são os departamentos
da Educação Cristã: a Escola Dominical, a Escola de Formação de Obreiros, a
Escola de Formação de Missionários e a Escola de Formação Musical”.
E conclui ele:


Se a igreja levar avante seu projeto de educação, não há dúvida de
que ela haverá de cumprir totalmente as cláusulas da Grande Co-
missão que nos deixou o Senhor Jesus. Para que isso venha a ocorrer,
é indispensável que elaboremos um programa educacional, cujas
metas sejam atingidas integralmente e o mais depressa possível
(ANDRADE, 2002, p. 50).

Já Vasconcelos Junior et al. (2016, on-line) resume assim a escola dominical no Brasil:


A escola dominical chegou ao Brasil como as primeiras missões
protestantes. A primeira escola dominical permanente foi fundada
pelo casal Robert e Sarah Kalley em Petrópolis, no dia 19 de agosto
de 1855. Sarah Kalley havia sido grande entusiasta desse movimento
na sua pátria, a Inglaterra. A primeira escola dominical presbiteriana
foi iniciada pelo Rev. Ashbel Green Simonton em maio de 1861, no
Rio de Janeiro. Reunia-se nos domingos à tarde, na rua Nova do
Ouvidor. Essa escola aparentemente foi organizada de modo mais
formal em maio de 1867. Um evento comum em muitas igrejas pres-
biterianas brasileiras nas primeiras décadas do século 20 era o “Dia
do rumo à escola dominical”, quando se fazia um esforço especial
para trazer um grande número de visitantes. Um destacado incen-
tivador das escolas dominicais foi o Dr. Eliézer dos Santos Saraiva
(1879-1944), presbítero da Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo,
que promoveu as primeiras convenções de escolas dominicais do
Brasil, bem como encontros de confraternização e piqueniques.

O surgimento da EBD se confunde muito com a história da criação do material didáti-


co para essas escolas, como bem explicita Vasconcelos Junior et al. (2016, on-line), que
tem relação também com o surgimento da União Brasileira das Escolas Dominicais:

83

Outro grande incentivador foi o Rev. Erasmo de Carvalho Bra-
UNIDADE 2

ga (1877-1932), que traduziu, adaptou e escreveu por vários


anos as Lições Internacionais (Livro do Professor, 1921-1929),
um valioso material para crianças, jovens e adultos. No início
do século vinte surgiu a União Brasileira das Escolas Domini-
cais, depois Conselho Nacional de Educação Religiosa, cujo tra-
balho foi continuado pela Confederação Evangélica do Brasil.
Atualmente inúmeras publicações educacionais para E.B.D são
produzidas, algumas igrejas possuem suas próprias editoras, como
CPAD- Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Assim como
livrarias e editoras trabalham exclusivamente comercializando e
desenvolvendo material gospel para a educação religiosa da Escola
Bíblica Dominical e outros seguimentos da igreja (VASCONCELOS
JUNIOR et al., 2016, on-line).

explorando Ideias

O currículo das Escolas Dominicais, geralmente, é dado por revistas especializadas, publi-
cadas por editoras ligadas às igrejas. Temos hoje em circulação as revistas da Assembleia
de Deus, denominada Lições Bíblicas e Ensinador Cristão, da CPAD, entre outras.
Fonte: a autora.

pensando juntos

Se cada denominação tem a sua revista, isso não se deve a uma visão muito doutrinária
da educação? Será que não estaria na hora de criar um material interdenominacional e
que seja também autenticamente brasileiro e não, como muitas dessas revistas o fazem,
sejam cópia das propostas americanas?

84
De resto, o artigo de Vasconcelos Junior et al. (2016, on-line) faz o estudo de caso

UNICESUMAR
de uma EBD específica, em uma igreja batista na região de Olinda, em Pernam-
buco, e discute se se trata de educação formal ou não formal, já que há toda uma
infraestrutura e organização, mas os professores são leigos.


Assim, podemos definir a E.B.D. como uma tentativa de sistematiza-
ção dos pensamentos cristãos com uma estrutura e funcionamento
semelhante às escolas seculares a fim de estabelecer-se cada vez mais
como uma organização tão séria e solidificada quanto qualquer ou-
tra instituição formal de ensino, mas compreendemos que a E.B.D.
caracteriza-se mais como uma organização educacional não formal
pelos seguintes motivos: 1. Não obrigatoriedade de uma avaliação;
2. A supervalorização do espiritual no lugar do racional ou cientí-
fico (teocentrismo); 3. Não ser regida e controlada por um órgão,
sistema ou ministério público; 4. Não obrigatoriedade de uma for-
mação científica dos professores e outros agentes envolvidos e a não
remuneração dos mesmos; 5. O objetivo específico ser a formação
da construção ética das pessoas a partir de valores morais cristãs
(discipulado). Entretanto, é visível o esforço de aproximação com a
educação formal, como forma de validar as práticas não formais ali
realizadas (VASCONCELOS JUNIOR et al., 2016, on-line).

Além do esforço por se aproximar do modelo das escolas seculares, outra cons-
tatação é que o ensino é centralizado no professor, que é o detentor do saber, e
se caracteriza pelo que Paulo Freire chamou de “educação bancária”, ou seja, o
professor emite o “cheque” do conhecimento ao aluno, “transmite-o” ou “passa-o”
ao aluno, e este tem a incumbência e responsabilidade de “trocá-lo em miúdos”.
E quanto ao conteúdo, o que fundamenta que certas coisas sejam ensinadas
e outras, omitidas? Também os livros didáticos ou “lições” que se escrevem no
Brasil e mundo afora devem seguir algum tipo de planejamento e currículo. O
que são essas definições? Estudaremos a seguir. Como se pode ver pela história da
EBD no Brasil e no mundo, vistas até aqui, a educação que se oferece e se pensa
é uma educação baseada em voluntários que seguem uma lógica bancária, de
transmissão de conhecimentos.

85
3
ELABORAÇÃO DE
UNIDADE 2

CURRÍCULO E
PLANEJAMENTO
da Educação Cristã

Quando falamos em currículo, hoje em dia, logo lembramos da famigerada “grade


curricular”. Ora, grade lembra presídio. Na era do politicamente correto, todas
as referências bélicas ou militares na educação, como “estratégias” de ensino ou
“disciplinas” foram eliminadas, sendo substituídas por “matriz curricular”, “me-
todologias de ensino” e “componentes curriculares”, respectivamente. No entanto,
a palavra “currículo” envolve muito mais do que uma matriz de componentes
curriculares distribuídos por semestre ou ano letivo.
Andrade (2002) define muito bem o que vem a ser currículo, citando mais
alguns autores e lembrando que a palavra vem de “correr” no latim, que pode
também significar “atalho” e “corte”. Na verdade, a palavra faz lembrar um rio com
o seu percurso, corrente principal e margens, que corta uma paisagem. A corrente
principal pode ser interpretada como sendo o núcleo comum, seu percurso como
sua matriz curricular e suas margens, como o chamado “currículo oculto”.
O currículo oculto nada mais é do que o não dito em sala de aula, o que vai
nas entrelinhas. Tudo aquilo que é colocado como pressuposto, como ponto de
partida não explicitado. Entram aí profecias autorrealizadoras, que são as ex-
pectativas que os professores têm em relação aos alunos já nos primeiros dias de
aulas, preconceitos, atitudes de exclusão e de discriminação.
De acordo com Silva (2004, p 78):

86

O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do am-

UNICESUMAR
biente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito,
contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais relevan-
tes (...) o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente
atitudes, comportamentos, valores e orientações...

A expressão “currículo oculto” foi cunhada pelo educador americano Philip Jack-
son (1990), em seu livro Life in Classrooms (Vida nas salas de aula). O que ele
quis dizer foi que há estruturas na sala de aula que auxiliam o aluno a se inserir
socialmente. John Dewey (1964), em 1938, incrementou essa ideia com o que
chamou de “aprendizagem colateral”, comportamentos que surgem paralelos ao
currículo oficial e explícito. E desde Giroux (1987), se estabeleceu que o currículo
é duplo: oculto e informal, e explícito, formal.
Sabe aquela mensagem subliminar, que o professor não disse, mas que de-
monstrou com suas atitudes? Pois é, isso faz parte do currículo oculto, que en-
volve atitudes e valores expressos em mensagens de cunho emocional e afetivo.
Contudo, a característica dessas mensagens é que elas vêm misturadas às outras,
explícitas e não dá para separar os seus efeitos das de natureza cognitiva.
O que está oculto para o aluno são as intenções que, muitas vezes, são até
inconscientes para o professor e o sistema, isto é, principalmente quando o
professor se baseia em sua experiência para ministrar a sua aula, pode estar
usando o currículo oculto, mesmo que não intencionalmente.
É sabido que embora não constitua propriamente uma teoria, a noção de
“currículo oculto” exerceu uma forte atração em quase todas as perspectivas
críticas iniciais sobre currículo. E o tema se tornou “moda” no fim dos anos 80 e
início dos anos 90, junto com toda a discussão em torno da ideologia e da escola
como “aparelho reprodutor do Estado”, de autoria de Althusser.
A ideologia, para ele, tem mais a ver com a prática de sala de aula do que
com palavras. Atitudes, ritos, gestos e posturas, tudo revela a ideologia que está
intimamente relacionada ao currículo oculto. Tais práticas “ensinam” a ideologia
e revelam o currículo oculto.
O importante desse estudo é saber o que fazer com um currículo oculto quan-
do nos deparamos com ele. De acordo com os teóricos, conhecer, discutir e anali-
sar o currículo oculto implica na possibilidade de termos consciência de algo que
está oculto e desvelá-lo, denunciando-o e tornando-o menos eficaz. Introduz-se
aqui o conceito e possibilidade de transformação e mudança.

87
Como se pode ver, a palavra currículo envolve muito mais do que conteúdos, téc-
UNIDADE 2

nicas, procedimentos e métodos. Ela envolve as áreas da sociologia, da política e da


filosofia, principalmente, da epistemologia, que, mais do que o “como” do currículo,
que certamente também é importante, abarcam o seu “porque”. E de forma alguma
o currículo e as discussões e pesquisas em torno dele são neutras ou inocentes.
Embora o currículo sempre tenha sido alvo de reflexões e debate por parte
daqueles que se preocupam com a educação, ele se tornou um campo mais siste-
mático depois do final do século XIX e início do século passado.
Diferentes versões dessa história podem ser encontradas na literatura
especializada, mas todas elas identificam como causa para o surgimento do
campo a preocupação com os processos de racionalização, sistematização e
controle das atividades escolares. Em outras palavras, tinha-se como intuito
com as investigações na área tornar o ensino mais controlado, evitando ao
máximo os desvios das formas de pensar e agir predeterminadas. O que é um
pensamento extremamente tecnicista.
O desenvolvimento das discussões em torno do currículo nos EUA tem a ver
com a economia americana, que, depois da Guerra da Secessão, foi dominada
pelo movimento de industrialização, em que a produção de larga escala exigiu
que se arregimentassem mais empregados e os submetessem a uma linha de
produção “científica” e rígida. Conceitos, como controle social e eficiência, estão
na raiz do desenvolvimento das teorias relativas ao currículo, considerados úteis
para desvelar os interesses subjacentes à teoria e à prática pedagógica emergen-
tes. Todavia, não se deve entender o novo campo como unilateral e simplista, já
que outras intenções e outros interesses podem ser identificados, tanto em suas
manifestações iniciais como nos estágios subsequentes.
Podemos observar duas tendências nos estudos e pesquisas da área: uma que
em que o currículo valoriza o interesse do aluno e outra, mais científica, em que
o currículo tinha por finalidade desenvolver as facetas da personalidade adulta
consideradas “desejáveis”, como as desenvolvidas por técnicas pedagógicas como o
Estudo Dirigido. A primeira delas é representada pelos trabalhos de Dewey (1964)
e seu discípulo, Kilpatrick (2006), o criador do método de projetos; e a segunda pelo
pensamento de Bobbitt (2004). A primeira contribuiu para o desenvolvimento do
que no Brasil se chamou de Escola Nova, e a segunda, constituiu a semente do que
aqui se denominou de tecnicismo ou behaviorismo (comportamentalismo).
Pode-se dizer que as duas, em seus momentos iniciais, representaram diferen-
tes respostas às transformações sociais, políticas e econômicas porque passavam
88
os EUA e que, ainda que de formas diversas, procuraram adaptar a escola e o

UNICESUMAR
currículo à ordem capitalista que estava se consolidando. Ambas as tendências,
juntamente com traços e resgates de uma perspectiva mais tradicional de escola
e de currículo, predominaram nas teorias a respeito do currículo nos anos vinte,
ao final da década 60 e início da década de 70. No Brasil, tradicionalmente, os
efeitos se mostram no mínimo duas décadas mais tarde.
Hoje, o debate sobre o currículo está muito voltado para as discussões em
torno das relações de poder e da cultura, sendo que as teorias do multicultura-
lismo se associaram a ele.

pensando juntos

Realidades como a globalização e a migração de refugiados para a Europa têm mantido


aceso esse debate. Na verdade, pode-se dizer que todas as discussões em torno da edu-
cação de hoje dizem respeito ao currículo e passam por essa questão.

E na prática, como elaborar um currículo atraente? O que propor para crianças?


Para adultos? Para neófitos? Onde conseguir material didático? É interessante ou
não dividir salas por idades ou afinidades?
Como potencializar a educação cristã em tempo de células? Qual sugestão
de proposta metodológica atraente para aplicar nas igrejas?
É claro que essas perguntas só podem ser respondidas se olharmos para
o contexto específico de cada igreja e sua resposta estará contida no projeto
pedagógico elaborado por cada uma. No entanto, é possível responder que
as crianças precisam de conteúdos adequados para cada idade, respeitando o
estágio em que se encontram, de acordo com as teorias de Jean Piaget (1970).
O neófito precisa de conhecimentos básicos de teologia e dogmática para
se orientar na vida espiritual. O material didático pode ser adquirido nas livra-
rias evangélicas, com destaque ao material da CPAD. É interessante dividir as
salas por interesses e por idades, desde que não seja exclusivo e unilateral, mas
diversificado, ora dividindo por interesses ora por idades.
As células podem ser um trampolim para a educação cristã, desde que
acompanhadas do projeto pedagógico, que vai conter a proposta metodológica
adequada para cada contexto. Nesse sentido, não podemos apresentar receitas
89
prontas. Não há nenhuma fórmula mágica, mas cada igreja precisa se mobilizar
UNIDADE 2

para desenvolver o seu projeto pedagógico e desenvolver o seu material e o seu


currículo, de acordo com o seu contexto.
Andrade (2002) questiona sobre o currículo:


Por que, em didática, veio esta palavra adquirir uma conotação tão
particular? Talvez em razão de descrever a trajetória de um alu-
no durante sua formação escolar. Uma corrida cheia de conteúdos
que, bem definidos e encadeados, conduzem o educando a um fim
desejado. Antonio Gilberto, um dos maiores educadores cristãos
do Brasil, assim define o currículo: “E um grupo de assuntos cons-
tituindo um curso de estudos, planejado e adaptado às idades e ne-
cessidades dos alunos. Noutras palavras: é um meio educacional
para atingir os objetivos do ensino”. O currículo pode ser definido
também como a soma dos resultados da aprendizagem planejada e
alcançada por uma instituição de ensino. Não podemos chamar de
currículo uma única matéria, nem diversas matérias sem afinidades
ou sem encadeamento lógico entre si. O currículo, para fazer jus
a esta nomenclatura, tem de se constituir num grupo de matérias
ideologicamente orientadas, e que visem a formação integral do
aluno na área do conhecimento por ele escolhida. Em seus Prin-
cípios Básicos de Currículo e Ensino, leciona a professora Dalila
Sperb: Currículo é tudo que acontece na vida de uma criança, na
vida de seus pais e seus professores. Tudo que cerca o aluno, em
todas as horas do dia, constitui matéria para o currículo. Currículo
é o ambiente em ação. Currículo também significa planejamento de
aprendizagem (ANDRADE, 2002, p. 122-123).

Segundo ele, ainda, os currículos seculares são guiados pelas mais diversas filo-
sofias e ideologias, e o cristão é orientado por “uma teologia centrada na Bíblia”
(ANDRADE, 2002, p. 127), que não seria especulativa, como a filosofia, mas re-
velada e, portanto, infinitamente superior a qualquer ideologia.
A nosso ver, temos que ter mais cuidado ao descartar a filosofia da educação
cristã, pois filosofar faz parte do ser humano, até mesmo do cristão. Ela não tem
que ser permissiva, opressora ou libertina e pode muito bem, e deve, até andar de
mãos dadas com a teologia. Todo currículo tem por base uma ou várias filosofias.
Nem a teologia do currículo tem que ser única, como defende o autor, por ser
90
bíblica. A própria Bíblia admite uma infinidade de interpretações que podem

UNICESUMAR
todas inspirar um currículo diferenciado. É claro que a essência do cristianismo
é una e comum a todos os cristãos, mas dentro dessa unidade há um espaço
imenso para a diversidade.
Em nível secular, também se busca essa unidade na diversidade. Tanto que os
currículos são orientados pelo MEC e pelas secretarias da educação, nos chama-
dos Parâmetros Curriculares Nacionais e mais recentemente, na Base Nacional
Comum, que trataremos em outra unidade.
A escola tem a autonomia para adaptar o seu currículo à realidade local e o
professor tem igualmente a prerrogativa de estabelecer ou adaptar os seus planos
de ensino, de acordo com o seu melhor conhecimento.
Andrade (2002) também resgata a figura do orientador pedagógico, que se en-
carregaria de pensar o currículo, mas isso não procede, pois, essa função já não existe
mais. O que existe é o coordenador pedagógico, que é encarregado de ajudar a pensar
o Projeto Pedagógico, conceito muito mais atual e relevante para os dias de hoje.
O fato é que o currículo, que é inserido no Projeto Pedagógico, não se pensa sozi-
nho, mas envolve toda a equipe pedagógica, como bem salienta Andrade (2002, p.128)


A elaboração do currículo não é um voo solo; é um trabalho de
equipe que demanda diversas coisas: uma filosofia, um planejamen-
to educacional, um planejamento curricular, um planejamento de
ensino, um planejamento de unidade e um plano de aula, tendo-se
em vista, sempre, os objetivos do ensino.

De acordo com ele, ainda, o currículo da Educação Cristã tem que ser bíblico,
evangélico, profético e devocional, mas ao nosso ver, ele tem que ser crítico, in-
clusivo, inter e transdisciplinar e integral.
Para falar do programa de Educação Cristã, Zabatiero (2009) toca num
assunto intimamente relacionado, que é a liturgia do culto. Ele lamenta que ela
tem sido cada vez mais musical. Não que isso em si seja negativo, mas o que
acontece é que não se tem uma teologia clara na parte do louvor. As músicas
são escolhidas pelo ritmo e pelas emoções que são capazes de provocar e não
pela sua mensagem educacional.
Aqui temos um prato cheio que daria um livro em si, a respeito da teologia
e pedagogia do louvor. Quantas pessoas que preparam o louvor têm igualmente
preparo para julgar a pertinência teológica das músicas? E até que ponto elas
91
estão “casando” com a mensagem do culto, formando um todo integrado com
UNIDADE 2

ela? Quantas pessoas que preparam o louvor conversam com o seu pastor para
saber, se a teologia do cântico ou hino é pertinente ou para descobrir o que ele
pretende falar na pregação para harmonizar as teologias?
Outro aspecto muito atual tocado por Zabatiero (2009) são os pequenos gru-
pos. Longe de simplesmente reproduzirmos os diversos modelos de “igrejas em
células” é preciso usar de criatividade para fazer o casamento entre o pequeno
grupo e a igreja. E o autor estabelece, nesse contexto, uma diferença entre men-
toria ou discipulado e pequeno grupo que seria a simetria do pequeno grupo,
em que todos servem a todos, e a assimetria da relação de discipulado, em que
normalmente uma pessoa mais experiente ensina a outra, mais nova na fé.
Finalmente, o autor menciona a importância da aprendizagem por meio da
prática, em uma espécie de estágio de diáconos e diaconisas e diversos outros
papéis dentro da igreja. Trata-se de uma espécie de programa de trainees ou
aprendizes. Jesus ensinava na prática, por isso devemos seguir o seu exemplo.
Nesse tipo de aprendizado é fundamental a supervisão da parte de alguém
mais experiente na vida da igreja.
A importância da supervisão também é destacada por Zabatiero (2009),
quando ele fala dos meios tecnológicos na Educação Cristã. É claro que a mídia
não deve ser desprezada pelos educadores na igreja, sem, no entanto, tornar-se
um fim em si mesmo. O papel do educador é fundamental quando a igreja
abre espaços ou bibliotecas de mídias, e se desdobra em dois: o de motivação e
orientação em termos de conhecimentos e habilidades esperados; e o de acom-
panhamento e supervisão de um processo de ensino-aprendizagem autônomo,
que está constantemente sendo avaliado.
Zabatiero (2009) encerra o capítulo falando de Escola Bíblica Dominical,
destacando que ela não pode ser uma escola de qualidade duvidosa e que imita
mal o modelo das escolas seculares e eu diria, assumindo e reproduzindo todos
os seus vícios. É preciso que ela seja fruto de um Projeto Pedagógico, que envolva
não apenas uma filosofia educacional, mas também um currículo coerente com
essa filosofia e um perfil de egresso que reflita o caminho da santificação cristã.
Por isso, ao invés de propormos um currículo x, y, ou z, vamos, nas próximas
páginas, falar de planejamento e projeto.
Antes, vamos a uma ilustração. Imagine um homem ou mulher perdida no
deserto. Ela olha para um lado e só vê dunas; olha para outro: também dunas; olha
para outro ainda: nada mais do que dunas. No auge de sua aflição e sede, porém:
92
eis que mira e avista, lá ao longe, algumas palmeiras e um lago, ou seja, tem um

UNICESUMAR
lampejo do tão desejado oásis, que lhe causa profunda admiração e comoção. O
que deve a mulher ou homem fazer agora? Se ele ou ela fossem pessoas esclare-
cidas e urbanas, logo atribuíram o fenômeno ao um processo psíquico, fruto do
seu desejo e de sua sede e dariam as costas de forma cética, continuando a vagar
errantes e desnorteados pelo deserto.
No entanto, o homem ou mulher do deserto, o beduíno, logo se encheria de
esperança e caminharia em direção ao que, em física, se chama de “miragem”. A
miragem não é um fenômeno puramente psíquico, como alguns racionalistas e
subjetivistas acham, mas físico. Trata-se de uma ilusão de ótica, em que a reali-
dade, que se encontra quilômetros à frente, se projeta no espaço, dado o espelha-
mento das camadas da atmosfera. É certo que essa imagem muitas vezes aparece
distorcida, às vezes, de cabeça para baixo, e parece mais próxima do que está na
realidade, mas ela é tão concreta, que é possível fotografá-la.
E qual a sua utilidade para uma pessoa que se encontra perdida? Mais uma
vez não se trata apenas do aspecto psicológico, de motivação e despertamento
da esperança, mas de uma questão objetiva de direcionamento. Mesmo que seja
longe, o homem ou a mulher do deserto agora sabe que rumo tomar, para que
lado andar, mesmo que lentamente e se arrastando, a fim de finalmente chegar
ao seu destino salvador da vida.
E o que tem tudo isso a ver com educação e com planejamento? Tudo a ver,
pois muitas vezes o professor e a professora se veem como pessoas perdidas no
deserto: sem rumo, sedentos e sem esperança. Aí, de repente, eles têm uma visão
norteadora: do aluno que desejam formar, por exemplo, e traçam uma estratégia
para alcançar o seu destino. Isso se chama projeto.
Projetar nada mais é do que “lançar adiante”. É o que faz o retroprojetor e mais
recentemente, o Datashow, eles projetam uma imagem que se encontra em outro
lugar para a parede, em um tamanho maior.
Antigamente só quem projetava e desenhava projetos eram os engenheiros e
arquitetos. Hoje em dia, reconheceu-se a necessidade de planejar e projetar em to-
dos os setores, tanto que existem os especialistas em desenvolvimento de projetos.
Projetar ou planejar é fundamental também para o professor se orientar
em sala de aula e não morrer na praia, à míngua. Tanto que existe, hoje, a pe-
dagogia dos projetos do mencionado Kilpatrick (2006). E na Educação Cristã
no meio religioso não é diferente.

93
O planejamento é um conceito que veio da administração, que pratica o cha-
UNIDADE 2

mado “planejamento estratégico”, que corresponde ao estabelecimento de um


conjunto de medidas a serem empreendidas pela equipe gestora da empresa para
um futuro que implica em mudanças. Ele pretende ser uma forma de criar es-
tratégias de ação sobre fatores e variáveis, tornando-os controláveis por parte da
equipe de empregados independentemente da vontade dos seus executivos. O
planejamento estratégico também implica na necessidade de um processo decisó-
rio que ocorrerá antes, durante e depois de sua construção e execução na empresa.
O processo de planejar envolve indagações e questionamentos sobre o que
fazer, como, quando, quanto, para quem, por que, por quem e onde. Essa análise
permite que as decisões sejam tomadas de forma mais coerente e científica e vol-
tada para ações futuras, de modo que a dimensão temporal se torna altamente sig-
nificativa em toda ação de planejar. O objetivo de quem planeja, assim, é facilitar
a tomada de decisão no futuro, de modo mais rápido, coerente, eficiente e eficaz.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o exercício sistemático do planejamento
reduz o elemento de incerteza presente em toda ação decisória, pelo que se pode
aumentar a chance de que as metas e objetivos fixados no planejamento sejam
efetivamente alcançadas. Assim, o planejamento parte de uma visão e projeção de
um futuro desejado e um delineamento dos meios efetivos de torná-lo realidade.
Por isso é que ele antecede a decisão e a ação.
Trata-se de um processo complexo, não linear, mas dialético, que envolve
condicionantes e variáveis que importa controlar e é composto de várias etapas.
A instabilidade e complexidade desse processo se dá pelas pressões internas e
externas sofridas pela empresa, ou no caso, pela escola ou instituição religiosa.
Como já dissemos, o planejamento visa o aumento da eficiência, eficácia e efeti-
vidade dos processos internos e externos.
Eficiência é:
■ Fazer a coisa da forma certa.
■ Fazer jus aos recursos aplicados.
■ Reduzir custos.
■ Cada um cumprir o seu dever.
■ Resolver problemas.
Eficácia é:
■ Fazer as coisas certas.
■ Aumentar o lucro.
■ Obter resultados.
94
■ Produzir alternativas criativas.

UNICESUMAR
Efetividade é:
■ Apresentar resultados globais positivos ao longo do tempo (perma-
nentemente).
■ Manter-se no mercado.

A efetividade representa a capacidade de uma empresa em coordenar constan-


temente, dentro do tempo previsto e estipulado, os esforços e energias, tendo em
vista o alcance dos resultados globais e a manutenção da empresa no ambiente.
Assim, para que a empresa seja efetiva, é necessário que ela também seja
eficiente e eficaz. A eficiência, eficácia e efetividade são algumas das principais
medidas para avaliar uma boa administração, pois normalmente, os recursos com
os quais o executivo trabalha são escassos e limitados.
A isso somam-se alguns princípios básicos e específicos do planejamento:
■ Participação: o principal benefício do planejamento não é seu resultado,
ou seja, o plano, mas o processo desenvolvido. Para isso, é importante que
todas as áreas envolvidas sejam participantes efetivos do processo.
■ Coordenação: é preciso que todos os aspectos envolvidos sejam proje-
tados de forma que atuem interligados, pois nenhuma parte ou aspecto
de uma empresa pode ser planejado eficientemente, se o for de maneira
independente dos outros âmbitos da empresa.
■ Integração: é preciso que os diversos escalões da instituição tenham os
seus planejamentos integrados, articulando fluxos de objetivos estabele-
cidos de “cima para baixo” e de “baixo para cima”.
■ Permanência: essa condição é exigida pela própria turbulência do
ambiente empresarial, pois nenhum plano mantém seus valores e
utilidade com o tempo.

Esse é o conceito de planejamento empresarial. Mas, se associarmos o planeja-


mento ao nosso tema anterior, o currículo, o que resultará?
Temos vários níveis de planejamento na escola, o curricular é apenas um
deles. Vamos a eles:
■ Planejamento curricular: é toda a previsão da vida escolar do aluno e
da dinâmica da escola, envolvendo processos de tomada de decisão. É a
ferramenta que conduz o processo de ensino e aprendizagem na escola até
o atingimento dos objetivos estipulados. Ele envolve todas as experiências
95
escolares que estão previstas para serem ofertadas no contexto de todos
UNIDADE 2

os componentes curriculares incluídos no percurso escolar, desde as


primeiras séries, até as séries finais.
■ Planejamento Escolar: é a previsão de atividades escolares a fim de atingir
objetivos estipulados, inseridos no contexto social da escola e da sala de
aula. Ele inclui a constante avaliação e reorientação dos rumos adotados.
■ Projeto Político-Pedagógico: é o nível mais global do planejamento da
escola, envolvendo seu histórico, finalidades, missão, visão, currículo, me-
todologia, perfil de egresso etc. Mais do que qualquer outro planejamento
específico, ele, que é o mais abrangente, incluindo toda a vida da escola
nos seus aspectos administrativos, pedagógicos, políticos e sociais, deve
ser participativo e democrático.
■ Plano de ensino: já o planejamento de ensino, muito associado ao plane-
jamento curricular, é tarefa docente que reflete o cotidiano do trabalho
pedagógico em sala de aula, prevendo todas as ações que envolvem edu-
cadores e educandos ao longo do tempo.
■ O plano de ensino normalmente é resumido em um formulário que con-
tém a disciplina, o professor, os objetivos de aprendizagem, a metodologia,
os conteúdos e a avaliação pretendida.
■ Plano de aula: é o planejamento das aulas específicas dia a dia. Ele prevê
todas as atividades que serão realizadas em sala de aula, envolvendo tópicos,
conteúdos, atividades, metodologia, recursos didáticos e avaliação.

O Plano de Ensino precede o de aula, pois prevê o que vai acontecer no ano ou
semestre todo. É preciso que todos esses tipos de planejamento atentem para a
clareza e objetividade, além da transversalidade e interdisciplinaridade como
princípios que os norteiam. Além disso, eles devem seguir uma concepção de
humanidade e de ser humano e de sociedade que se queira formar. Só assim
é possível romper com uma abordagem meramente conteudista ou voltada
para a transmissão de informações.
Essa concepção focada no conteúdo também norteia as propostas de Educa-
ção Cristã, excessivamente preocupadas com as informações a serem veiculadas
nas aulas. Por isso é que defendemos que não se sigam materiais e lições prontos,
mas que se construa um projeto específico para cada realidade da igreja local.
Para planejar o ensino de Educação Cristã, podemos pensar no seguinte
roteiro de perguntas:
96
■ Qual a nossa missão enquanto equipe de Educação Cristã?

UNICESUMAR
■ Quais são os nossos objetivos principais?
■ O aluno deve saber e fazer o quê quando terminar o processo de
ensino-aprendizagem?
■ Que competências queremos que eles desenvolvam?
■ Que conteúdos queremos que ele domine?
■ Quem são os professores?
■ Quais são os seus requisitos?
■ Como será feita a sua capacitação?
■ Quem são os alunos (público-alvo)?
■ Qual é a estrutura de classes?
■ Qual é a infraestrutura disponível?
■ Qual é a metodologia e filosofia da educação a serem adotadas?
■ Qual é a filosofia e procedimentos de averiguação do aprendizado (avaliação)?
■ Qual é o cronograma de ação com os respectivos responsáveis, incluindo
o treinamento e capacitação de professores?
■ Quais são eventuais custos envolvidos?

Antes de responder a essas perguntas norteadoras, é preciso, acima de tudo, co-


nhecer a realidade da igreja local e suas necessidades e potenciais. Esse conheci-
mento pode e deve se dar por uma pesquisa de campo no bairro e na igreja, com
levantamento de dados importantes, como o sexo e idade, o tempo de conversão,
se é que já é convertido, se é batizado, quais os interesses etc.
É preciso também, ao final do processo de planejamento, que deve incluir a
participação de todos os envolvidos, fazer uma avaliação do mesmo para desta-
car pontos fracos e fortes. Depois da execução do planejamento é preciso fazer
outra avaliação para identificar novamente coisas que deram certo e fatos que
deram errado para permitir o replanejamento, já que se trata de um processo
em constante construção e repensar.
Entre as características de um bom planejamento curricular podemos destacar:
Integralidade: é preciso que o conceito de educação seja holístico, ou seja,
integral, envolvendo o todo do educando: seu corpo, sua alma e espírito.
Lógica: o planejamento deve seguir alguma sequência, de forma que vá do
mais simples ao mais complexo; do conhecido ao desconhecido.
Flexibilidade: nenhum planejamento deve ser rígido ou uma camisa de força,
dando espaço para a criatividade e improvisação.
97
Interdisciplinaridade: os conteúdos escolhidos devem conversar e dialogar
UNIDADE 2

entre si e com o educando.


Continuidade: é preciso que o planejamento não fique suspenso no ar ou
se configure como uma ação isolada, mas se insira num processo contínuo de
formação do ser.
Munidos dessas ferramentas, e de uma visão integral e inclusiva da educação,
certamente é possível transformar a Educação Cristã em todos os níveis, tanto na
igreja quanto na escola e em espaços não-formais.
Vamos aceitar esse desafio?

explorando Ideias

Para aprofundar seus conhecimentos de planejamento no meio secular e aplicá-los à edu-


cação no meio religioso, leia o seguinte texto:
http://www.liderisp.ufba.br/modulos/planej%20educacional.pdf.

Ele contém sugestões de oficinas e atividades de planejamento que você poderá aplicar
na sua igreja.
Fonte: a autora.

E quanto ao conteúdo desses planos? Agora que já vimos que o conteúdo é basica-
mente bíblico, teológico e filosófico, que tipo de metodologias e atividades pode-
mos planejar? É claro que não podemos ficar só na aula expositiva, do contrário,
estaríamos incorrendo no grave problema da educação bancária e conteudista
para a qual nos alertava Paulo Freire.

pensando juntos

Plano tem a conotação de produto do planejamento. Plano é um guia e tem a função de


orientar a prática, partindo da própria prática e, portanto, não pode ser um documento
rígido e absoluto.
(Fusari)

98
Então, podemos nos valer de todas as tendências da educação e dos pensadores

UNICESUMAR
que culminam no que hoje se chama de metodologias ativas. Em suma, trata-se
daquelas metodologias que valorizam a ação do aluno, que ele participe ativa-
mente das aulas. Não se trata de um ativismo irrefletido, nem de ensino progra-
mado ou de transmitir ao aluno a responsabilidade da aula, mas de seguir o lema
“alunos passivos nunca mais”.
As metodologias ativas incluem o conceito de sala de aula invertida, quando
o aluno prepara a aula com atividades extraclasse e assume grande parte das
atividades a serem desenvolvidas na aula, sob responsabilidade do professor;
aprendizagem baseada em problemas, em questões a serem tratadas e pesquisadas
em equipes, e em projetos, que envolvem a elaboração para a investigação desses
problemas. Incluem-se aí também as dinâmicas de grupo, como o júri simulado
e os estudos de caso, entre outros.

99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 2

O tema abordado nesta unidade é vasto e amplo, pois ele envolve não somente o
conceito de igreja e de Escola Bíblica Dominical, mas também a diferença entre
ensino secular e religioso.
Defendemos, na nossa abordagem, que, na origem, não havia tal distinção e
que hoje ela ocorre mais devido ao surgimento da escola de ensino secular, que
assumiu a parte da formação geral e científica do educando. Com isso, foi deixado
por conta das instituições religiosas, inclusive das escolas confessionais, a parte re-
lativa à religião, exceto pelo ensino religioso, ao qual dedicaremos outra unidade.
Quais as relações hoje entre ensino secular e religioso? Se a Educação Cristã
está na raiz e origem da educação escolar, tendo influência sobre ela, atualmen-
te se pode fazer o caminho inverso e extrair lições para a Educação Cristã do
ensino secular. Veja, o campo da educação se independeu e avançou, enquanto
o da Educação Cristã parece que estagnou. Então, devemos ter a humildade de
aprender com os conhecimentos seculares coisas que são aplicáveis à Educação
Cristã no meio religioso.
Devemos aprender a usar o nosso discernimento e sabedoria para separar o
joio do trigo do amplo e vasto campo da educação, principalmente no que diz
respeito ao currículo, à didática e ao planejamento.
Isso é tarefa difícil demais para os leigos que assumem a educação nas igrejas, que
não possuem a bagagem necessária de conhecimentos pedagógicos. Então, é preciso
contar com a figura do pedagogo e aquele formado em ciências da(s) religião(ões)
ou teólogo ao menos para orientar e coordenar o processo e capacitar os obreiros.
Bem, espero que essa unidade o tenha instigado e motivado para assumir esse
papel na sua igreja e que lhe tenha dado ideias para desenvolver projetos junto a
ela e à comunidade para que possa efetivamente assumir o seu papel ensinador
e, assim, ajudar a transformar o mundo no sentido do Reino de Deus.

100
na prática

1. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) sobre o conceito de igreja no seu sentido original:

I - Igreja é o corpo de Cristo.


II - Igreja é a noiva de Cristo.
III - Igreja é um prédio.
IV - Igreja é uma instituição que tem sede no Vaticano.

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

2. Assinale (V) para as assertivas verdadeiras ou (F) para as falsas:

( ) A igreja é ensinadora porque ela ensina tudo a todos, o tempo todo.


( ) Quando somos confrontados com ideias que vão além da nossa razão, devemos
aceitá-las cegamente pela fé.
( ) Eclesia significa assembleia ou reunião.

Assinale a alternativa correta:

a) V- V- F
b) F- F- V
c) V- F- V
d) F- F- F
e) V- V- V

3. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) sobre a história da EBD:

I - A história da Escola Dominical prova que ela sempre nasceu separada do ensino
secular e clássico.
II - A Escola Dominical surgiu para dar aulas, exclusivamente, de catecismo às crianças.
III - Além das aulas, a Escola Dominical de Raikes também oferecia banho e roupas
para as crianças se sentirem mais à vontade nas aulas.
IV - Com o tempo, as Escolas Dominicais, que inicialmente atendiam crianças caren-
tes, abriram-se ao atendimento aos adultos.

101
na prática

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas III e IV estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas I, III e IV estão corretas.
e) Todas as alternativas estão corretas

4. Sobre o currículo é incorreto afirmar:

a) O currículo oculto nada mais é do que o não dito em sala de aula, o que vai nas
entrelinhas.
b) Currículo significa corrente, como um rio que tem um curso, velocidade e margens.
c) O currículo é algo fechado, com conteúdos estanques, que não devem se co-
municar entre si.
d) O currículo oculto é debatido no contexto da escola como Aparelho Reprodutor
do Estado.
e) A palavra currículo envolve muito mais do que conteúdos, técnicas, procedimen-
tos e métodos.

5. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) com relação ao planejamento

I - O planejamento está intimamente relacionado ao Projeto Pedagógico da escola.


II - O planejamento tem vários níveis na escola.
III - Planejar e ter projetos é coisa reservada aos engenheiros e arquitetos.
IV - O processo de planejar envolve indagações e questionamentos sobre o que
fazer, como, quando, quanto, para quem, por que, por quem e onde.

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas I, II, e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

102
aprimore-se

PARA QUE SERVE A ESCOLA DOMINICAL?

“Quem examina cada questão com cuidado, prospera, e feliz é aquele que confia
no Senhor” (Pv 16, 20).
O avivamento não é uma coisa que a igreja possa agendar e realizar. Mas ela
pode, sim, desejar que aconteça. Ela pode orar, suplicar, estudar o assunto, checar
as Escrituras, conhecer a sua natureza, os seus resultados e quais transformações
foram produzidas de modo duradouro.
Também é possível constatar os enganos do inimigo se misturando à obra
realizada e os exageros cometidos por lideranças quando o zelo cego deseja as
experiências pelas experiências e não a apropriação de seus benefícios para a
vida em permanente santificação.
No processo de desejo e preparo para que um avivamento aconteça, a Escola
Dominical ocupa uma função importantíssima, eu diria chave. Um dos grandes de-
safios da Igreja no século 21 é exatamente a falta de informação bíblica com solidez
e qualidade. É irônico que num tempo de tantas facilidades e de tantos recursos
tecnológicos exista uma crescente ignorância bíblica no seio do povo de Deus.
As Escrituras e tantos outros recursos como dicionários, comentários, sermões e
ferramentas para exegese e hermenêutica estão disponíveis em todas as platafor-
mas. Você pode ir para o culto hoje com dezenas de versões e traduções bíblicas,
com uma volumosa biblioteca altamente especializada e com as obras dos autores
mais badalados no momento no ‘tablet’ e no smartphone. Mesmo assim, a ignorân-
cia parece não ceder; antes, piora a cada dia. Muita informação e pouca profundida-
de. Muita informação e nem sempre acontece a formação. Por quê?
Porque a mente precisa ser treinada para poder usufruir com proveito tais recur-
sos. Os textos em linguagem digital geralmente são curtos, sintéticos, sem grande
desafio para o raciocínio, sem grandes dificuldades para a mente formar suas pró-
prias conclusões. As respostas podem vir mesmo antes de a questão ser posta. A
Escola Dominical pode ser um lugar da inteligência da fé, munida destes e outros
recursos, pode ser o espaço ideal para o aprofundamento das questões mais rele-
vantes e que mais desafiam a veracidade e a racionalidade da fé cristã.

103
aprimore-se

“Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão
da esperança que há em vocês” (1Pe 3, 15). Fica claro por esta citação que o preparo,
o treinamento da mente, a capacidade de argumentar com coerência faz parte do
amadurecimento, do discipulado e de uma vida operosa no Evangelho.
Portanto, é um dever da liderança da igreja local investir na Escola Dominical e na
formação dos professores. É um dever moral dos cristãos valorizarem esta escola
para a edificação de suas almas e também para o equipamento espiritual e intelec-
tual de corações e mentes capazes de testemunhar e de compartilhar o Evangelho.
Quando as Escrituras são disseminadas, ensinadas e explicadas, quando as subli-
mes doutrinas da Graça e o estudo diligente de todas as doutrinas sobre a Trindade
e as últimas coisas fazem parte do currículo básico da Escola Dominical será inevitá-
vel que haja um despertamento para uma adoração mais grata, mais vibrante, mais
emocionante em face do encantamento que a verdade de Deus provoca na alma.
Sem dúvidas em uma atmosfera espiritual regida pela verdade e com uma adoração
sustentada pela razão o caminho para o avivamento pode estar sendo aberto.
A Escola Dominical tem um papel importante também na evangelização. Ela deve
ser um centro de discipulado e envio. Como os apóstolos sentados aos pés do Mes-
tre e, depois de ouvi-lo atentamente, foram enviados em missão. O mesmo deve
acontecer na Escola Dominical. Assentamo-nos para ouvir sobre o Reino, o amor do
Pai, as Bem-aventuranças, a prática da justiça etc.; somos enviados a oferecer e dar
de graça o que de graça e pela graça recebemos. Na Escola Dominical aprendemos
a viver e a agir como discípulos, como quem apreende a consciência de ser enviado
ao mundo como o seu Mestre.
Sem uma Igreja bem treinada, com uma fé inteligente e articulada; sem um povo
com bases bíblicas e doutrinárias sólidas e bem identificadas; sem uma adoração
racional, vibrante e sem uma profunda identificação como discípulos de Jesus nem o
avivamento e nem a evangelização serão possíveis. Graças sejam dadas a Deus pela
Escola Dominical. Valorizemos, pois, esta maravilhosa “escola de vida”.
Fonte: Santos (2015, on-line)8.

104
eu recomendo!

conecte-se

Pedagogia e Educação Cristã


Programa “Dois dedos de teologia” sobre educação com o professor Igor Miguel.
O cristianismo afeta nossa pedagogia? Como isso funciona? Nesse vídeo, vamos
ver como a fé muda nossa forma de aprender e ensinar.
https://www.youtube.com/watch?v=yA1WibSWqWs

O artigo de Vasconcelos Junior et al. “Escola Bíblica Dominical: um espaço de edu-


cação formal ou não formal?” trata do conceito de educação formal e informal e
analisa em qual das duas categorias a Escola Bíblica Dominical se encaixa.
http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV056_
MD1_SA2_ID11569_17082016171455.pdf

O que são e de onde vieram as metodologias ativas? Nessa entrevista esclare-


cedora, o especialista José Manuel Morán Costas, que é espanhol naturalizado
brasileiro, ex-professor da USP, desmistifica e se aprofunda no conceito:
https://www.youtube.com/watch?v=O4icT4Z8m6Q
https://www.youtube.com/watch?v=9m-wf2qHSOo

105
eu recomendo!

livro

Teologia da Educação Cristã


Autor: Lawrence Richards
Editora: Vida Nova
Sinopse: observando a vida e a missão da igreja apresentadas nas
Escrituras, Richards constrói um sólido programa de educação
cristã para pessoas de todas as idades. Sua explanação baseia-se
na convicção de que devemos partir da eclesiologia para entender a educação e
de que a educação cristã é realmente uma disciplina teológica. O autor questiona
com grande autoridade a tendência de se estabelecer na igreja o que ele chama
“estruturas de controle”, em vez de se construírem “estruturas de comunicação”,
que permitem uma efetiva educação do povo de Deus para a vida cristã. Aque-
les que, de algum modo, sentem-se responsáveis por fazer a igreja educar com
eficácia seu povo, moldando cristãos mais do que formando doutrinadores, não
podem prescindir dessa obra quase única na literatura evangélica brasileira.

livro

EAD, PBL e o desafio da educação em rede: metodologias


ativas e outras práticas na formação do professor.
Autor: Fernando José Spanhol et al. (org.).
Editora: Blucher
Sinopse: a obra compartilha ideias de expertises e de iniciantes,
assertivas aprofundadas, e opiniões, postulados e ensaios, quase
um caleidoscópio poético. É a expressão singular do potencial da comunicação
que supera a relação emissor receptor, todos são emissores e receptores simulta-
neamente, na cultura da convergência todos são autores. Se o poder da comunica-
ção move o capital, a imprensa, a economia, a saúde, o entretenimento, pergunta-
-se: como move a educação? Como se apropriar da informação desejada – na web,
no Facebook, no Instagram, no YouTube, no LinkedIn, no Telegram, no MOOC, no
Ambiente virtual de ensino aprendizagem- e construir um entendimento, um con-
ceito desejado, necessário mais próximo à realidade e mais distante da fake news?

106
3
O PAPEL DO
ESTADO E DA IGREJA
na Educação

PROFESSORA
Dra. Gabriele Greggersen

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • História da relação Estado e
religião no Brasil e no mundo • Os filósofos modernos e a relação Estado-Igreja • Discussão sobre a
legitimidade e o papel do ensino religioso frente à laicidade do Estado brasileiro.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Discutir as relações entre o Estado e a Igreja no Brasil, América Latina e no mundo, a partir de alguns teó-
ricos • Contextualizar histórica e sociologicamente o papel do Estado e da Igreja na educação • Refletir
criticamente sobre a identidade e sentido da educação cristã no contexto brasileiro e latino-americano.
INTRODUÇÃO

Não é de hoje que os governantes fizeram uma descoberta importante para se


manterem no poder: que um dos meios mais eficientes de manter o controle sobre
os povos é fazer acreditar os seus súditos, que o seu poder civil seja fruto de uma
decisão de um ente divino. Isso já tem séculos de história. Os Faraós, no antigo
Egito; os pajés das tribos aqui nas Américas; os reis e imperadores Maias, Astecas e
Incas, ou eram considerados deuses ou eram seus representantes diretos. Na Roma
antiga, onde havia um poder civil, predominou a ideia de que os imperadores
eram deuses, legitimando dinastias inteiras por longos séculos.
Isso ficou mais claro com a união do Cristianismo como a religião do estado
de Roma (Teodósio I declara-a a religião oficial do Império no ano de 392, como
veremos mais adiante). Essa unificação se mostrou muito eficiente para a classe
superior romana e durou a Idade Média toda, estendendo-se para além da queda
do Império Romano. A igreja deu continuidade ao império e à crença de que o
clero e os reis (que vieram posteriormente) eram representantes de Deus e só
estavam no poder porque Deus os havia colocado ali.
Com a Revolução Francesa (antes dela a Inglesa e a Americana), começou a
ficar claro que esta relação deveria acabar. Para criar um estado realmente autôno-
mo, era preciso criar uma separação clara entre Religião e Estado. Só assim seria
possível garantir autonomia governamental para definir regras civis comuns a
todas as pessoas, instituindo o que chamamos, hoje, de Estado laico ou secular sem
a tutela ou ingerência de qualquer religião ou qualquer legitimação através dela.
Hoje em dia, se em uma enquete na rua nos perguntassem qual é a relação
entre o Estado e a religião, a maioria de nós diria que a religião se dá no foro ínti-
mo, pessoal, e o Estado cuida das coisas públicas. Mal saberíamos nós que essa é
uma concepção moderna e pós-moderna e que nem sempre foi assim.
1
HISTÓRIA DA RELAÇÃO

UNICESUMAR
ESTADO E RELIGIÃO
no Brasil e no mundo

Relação Estado e religião na Antiguidade

Será que Adão e Eva eram seres políticos? Tinham eles um Estado? Será que a
política e o Estado só surgiram com a Queda do Homem? É claro que a parte de
controle das injustiças e dos crimes cometidos na sociedade não haveria, mas o
mundo teria que ser organizado e administrado da mesma forma, não teria? Aliás,
Deus convoca os seres humanos a serem os “mordomos” da criação (Gn 2, 15) “O
Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”.
Deus fez o homem dar nomes aos animais (Gn 2, 19-20) e depois da queda,
condenou-o a ganhar o seu pão com o suor do seu rosto, no cultivo de uma terra
amaldiçoada por ervas daninhas (Gn 3, 17-19).
Seguindo a narrativa bíblica do Gênesis, ainda, é preciso levar em conta a
história de Caim e Abel. Caim, representando a sabedoria mundana, a sabedoria
natural; e a Abel, a divina, a sobrenatural. Depois de matar Abel e fugir, Caim
funda o primeiro Estado Laico da história (Gn 4, 16ss).
No episódio do Dilúvio (Gn 6) é feita a primeira aliança entre Deus e o povo,
com a promessa de que Ele jamais interferia de novo na história daquela maneira
(Gn 8, 21). Dos descendentes de Sem, veio o povo judeu, e dos descendentes de

109
Jafé, vieram os povos jônios que cultivaram a filosofia e lei natural e deram origem
UNIDADE 3

aos filósofos gregos. Antes dos juízes e os reis, a sociedade judaica era teocrática,
ou seja, o poder humano e o divino se confundiam.
Na sociedade hebraica, a religião tinha primazia, pelo que se distinguia das
demais sociedades e culturas. Não havia distinção entre a vida de fé e a vida públi-
ca, sendo que ambas as esferas se entrelaçavam. Isso era verdade, principalmente
antes da era dos reis em Israel, quando aconteceram conflitos entre o poder reli-
gioso e o político, sempre que a monarquia se corrompia e servia a outros deuses.
Tanto na diáspora quanto na era hebraica pré-monárquica, o modelo teocrático
se destacou na política do povo escolhido.
Na parte grega da antiguidade, a relação entre Estado e sociedade não tinha
toda essa distinção, mas o Estado tinha precedência sobre a religião, ao contrário
das sociedades teocráticas, como a judaica e a egípcia.
Tanto em Sócrates quanto em Platão e Aristóteles, a felicidade última está
ligada ao Estado. A polis ou cidade grega, que vem do termo “política”, era o equi-
valente ao que é o Reino de Deus para os cristãos. Importa viver e morrer por
ela. Os deuses são importantes, mas a polis é mais, mesmo porque ela assume um
caráter sacramental para os gregos.
Assim, religião e Estado se misturavam, mas sendo que o Imperador ditava
a vida religiosa que os cidadãos deveriam seguir. A religião era, por assim dizer,
ditada por lei. Tanto que Sócrates, por exemplo, acusado de ateísmo, porque não
acreditava nos deuses, foi condenado ao ostracismo, mas preferiu renunciar à
própria vida tomando a cicuta. O cidadão ateniense poderia cultuar livremente
os seus deuses pessoais, desde que venerasse a Zeus e Apolo sobre todas as coisas
e segundo uma regra rígida de culto. O mesmo acontecia em outras sociedades da
época. De alguma forma, todas as sociedades pagãs atribuíam em última instância
a um deus ou aos deuses o poder do Estado.
No período do Império Romano, o culto a Júpiter, o equivalente a Zeus da
cultura grega, confundia-se com o culto ao imperador romano, que foi uma obri-
gação mais tarde relevada apenas aos cristãos, que tinham uma religião mono-
teísta. Depois de muita perseguição e morte.
Qual novidade trouxe a Era Cristã para essa relação? Qual era o ensinamento
de Cristo a esse respeito?

110
As relações entre Igreja e Estado no Novo Testamento

UNICESUMAR
A passagem célebre é aquela em que Jesus diz aos fariseus, em resposta ao
questionamento deles sobre a sua necessidade de pagar impostos, já que ele
era uma figura tão independente, em sua ideologia, de tudo o que era político
e devido ao seu caráter sagrado.
A resposta foi uma pergunta sobre o que estava retratado em uma moeda. À
resposta de que era a insígnia de César, ele revidou: “Então, deem a César o que é
de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21). Cristo defendia a separação entre
Estado e Igreja, sendo que cada uma servia a uma jurisdição diferente. Será que
eram coisas estanques ou contraditórias?
Em Mateus ainda, no capítulo 28, versículos 18 a 20, temos a grande comissão
aos discípulos de Jesus, que é introduzida por uma declaração importantíssima
para entendermos a relação entre igreja e Estado na Bíblia:


Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autori-
dade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei
sempre com vocês, até o fim dos tempos”.

O poder de Cristo é superior a qualquer outro poder humano e sobre-humano,


e pelo fato de ele deixar transparecer esse poder, por mais discreto que ele tenha
se esforçado em ser, isso muito incomodava o poder constituído.
Há diversas passagens nos Evangelhos que mostram o quanto Jesus incomo-
dava ao poder público, desde o seu nascimento, quando preocupou a Herodes
(Mt 2, 3, 13; Mt 27, 2; Lc 23, 2, 8-12).
Outras passagens que mostram a relação que Jesus tinha com o poder
instituído são:
1. Quando os discípulos discutem quem irá se assentar à direita e esquerda de
Jesus. Ele responde que não se trata de uma questão de poder, mas de servir.


Jesus os chamou e disse: “Vocês sabem que os governantes das na-
ções as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre
elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tor-
nar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser
111
o primeiro deverá ser escravo; como o Filho do homem, que não
UNIDADE 3

veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate
por muitos” (Mt 20, 25-28).

2. Quando os fariseus advertem a Jesus para ele se esconder, pois Herodes


estaria buscando matá-lo, ele diz que não vai parar de fazer milagres e faz
o seu lamento sobre Jerusalém:


“Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que
são enviados a você! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos,
como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas
vocês não quiseram!” (Lc 13, 34)

Mais uma vez, a lógica é invertida: ao invés de fugir, Jesus enfrenta as autoridades
e em vez de querer dominar, ele quer aconchegar, como uma galinha aconchega
os seus pintinhos, nós é que nos afastamos.
3. Quando Jesus entra em Jerusalém montado numa jumenta, ele mostra
mais do que claramente que o seu Reino é outro. E ele chora, porque
ninguém parece entender a simbologia do gesto e querem aclamá-lo rei
dos judeus (Mt 21).
4. Quando Pilatos pergunta a Jesus se ele não sabe que ele tinha a autoridade
para condená-lo ou libertá-lo, ele responde: “‘Não terias nenhuma auto-
ridade sobre mim se esta não te fosse dada de cima. Por isso, aquele que
me entregou a ti é culpado de um pecado maior’” (Lc 19, 11).

Com isso, ele reafirma que toda a autoridade é dada por Deus e dá o recado aos ju-
deus, que deveriam ser culpabilizados pela sua condenação, mais do que os romanos.
5. Em João 18, 33-37, Jesus argumenta com Pilatos sobre o seu reinado:


Pilatos então voltou para o Pretório, chamou Jesus e lhe perguntou:
“Você é o rei dos judeus? “ Perguntou-lhe Jesus: “Essa pergunta é tua,
ou outros te falaram a meu respeito? “ Respondeu Pilatos: “Acaso sou
judeu? Foram o seu povo e os chefes dos sacerdotes que entregaram
você a mim. Que é que você fez? “ Disse Jesus: “O meu Reino não é
deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que
os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui”.

112
“Então, você é rei! “, disse Pilatos. Jesus respondeu: “Tu dizes que

UNICESUMAR
sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para
testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem”.

Podemos comparar essa passagem às passagens paralelas de Mt 27, 11, Mc


15, 2 e Lc 23, 3. Nelas, Jesus deixou claro que ele não tem interesse pelo poder
temporal ou pela política terrena. No entanto, diz ao mesmo tempo que é rei,
de fato. Como entender esse mistério?
Só mesmo extrapolando a compreensão humana e mundana que temos do
poder e do Estado, atribuindo-lhe uma dimensão transcendente. Jesus é o rei,
disso não há dúvida, mas que rei é esse? Ele anula a autoridade dos reis e governos
terrenos? Será que nos céus teremos governos como os temos aqui?
Fora dos Evangelhos, temos outras passagens no Novo Testamento que falam
da relação entre Estado e religião. Em Atos dos Apóstolos, temos as seguintes
passagens que falam dessa relação:
1. A culpa da morte de Jesus recai mais sobre os israelitas do que sobre
os romanos, mas tudo é devido mais à ignorância do que ao mal
premeditado (At 2, 23; 3, 3-7).
2. Da mesma forma, a perseguição aos cristãos foi mais instigada pelos ju-
deus ortodoxos do que pelos romanos (At 13, 50; 14, 5; 17, 5-9).

Os romanos também perseguiram os cristãos, como se pode ver no seguinte episódio:


Certo dia, indo nós para o lugar de oração, encontramos uma es-
crava que tinha um espírito pelo qual predizia o futuro. Ela ganhava
muito dinheiro para os seus senhores com adivinhações. Essa moça
seguia a Paulo e a nós, gritando: “Estes homens são servos do Deus
Altíssimo e lhes anunciam o caminho da salvação”. Ela continuou
fazendo isso por muitos dias. Finalmente, Paulo ficou indignado,
voltou-se e disse ao espírito: “Em nome de Jesus Cristo eu lhe ordeno
que saia dela!” No mesmo instante o espírito a deixou. Percebendo
que a sua esperança de lucro tinha se acabado, os donos da escrava
agarraram Paulo e Silas e os arrastaram para a praça principal, dian-
te das autoridades. E, levando-os aos magistrados, disseram: Estes
homens são judeus e estão perturbando a nossa cidade, propagando
costumes que a nós, romanos, não é permitido aceitar nem praticar.

113
A multidão ajuntou-se contra Paulo e Silas, e os magistrados orde-
UNIDADE 3

naram que se lhes tirassem as roupas e fossem açoitados. Depois de


serem severamente açoitados, foram lançados na prisão. O carcerei-
ro recebeu instrução para vigiá-los com cuidado. Tendo recebido
tais ordens, ele os lançou no cárcere interior e lhes prendeu os pés
no tronco (At 16, 16-24).

Mais tarde, quando veio a ordem de soltura, Paulo e Silas revelaram que eram
romanos e reivindicaram o seu direito de serem indenizados pela prisão, pelo
que tiveram que se ausentar da cidade. Essa questão da cidadania romana
aparece novamente em Atos 22, 25-29 e 23, 21-35. Longe de serem passivos e
meramente ingênuos ou alienados, os apóstolos conheciam muito bem seus
direitos, gerando o temor nas autoridades.
3. Outro episódio em que os romanos foram favoráveis aos cristãos, ao con-
trário dos judeus está relatado em Atos 18.12-16; 19.35-41; e 21, 31.
4. Em Atos 25, 10-12, Paulo apela para César, que admite ser uma autoridade
para julgá-lo.

Já nas epístolas, a relação entre Estado e religião é bastante enfatizada.


1. Em Romanos, Paulo é muito claro:


Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há
autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram
por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autorida-
de está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim
procedem trazem condenação sobre si mesmos. Pois os governantes
não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer
viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá.
Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha
medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente
da justiça para punir quem pratica o mal. Portanto, é necessário que
sejamos submissos às autoridades, não apenas por causa da possibi-
lidade de uma punição, mas também por questão de consciência. É
por isso também que vocês pagam imposto, pois as autoridades estão
a serviço de Deus, sempre dedicadas a esse trabalho. Dêem a cada um
o que lhe é devido: se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor,
temor; se honra, honra (Rm 13, 1-7).

114
Temos aqui o famoso princípio bíblico da justiça distributiva, que ensina a “dar

UNICESUMAR
a cada um o que lhe é devido”. E Paulo admoesta que a autoridade não existe só
para a punição, mas também para o apelo à consciência. Ele deixa claro que toda a
autoridade serve a Deus, por mais autoritária e injusta que seja. Isso não significa
que devemos ser passivos diante dos abusos do poder, mas apenas respeitosos,
não infringindo a lei para fazer justiça pelas próprias mãos, mas usando das
brechas que a lei sempre apresenta para fornecer resistência.
E devemos resistir apenas quando o governo instituído infringir as leis de
Deus e quando ele nos obrigada, por exemplo, a renegar a nossa fé.
2. Principalmente, somos chamados a orar pelas autoridades:


Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões
e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que
exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica,
com toda a piedade e dignidade (1Tm 2, 1-2).

Em todos os casos, o verdadeiro cristão respeita as autoridades: “Lembre a todos


que se sujeitem aos governantes e às autoridades, sejam obedientes, estejam sem-
pre prontos a fazer tudo o que é bom” (Tt 3, 1). E em 1 Pedro 2, 13-14 lemos: “Por
causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja
ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados
para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem”.
3. A Bíblia insiste que a nossa cidadania não está aqui, mas transcende todo
poder temporal: “A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde espe-
ramos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3, 20).
4. Em Apocalipse 13, o Império Romano é comparado à besta que é a cau-
sadora da perseguição aos cristãos.

As Relações entre Estado e a Igreja Primitiva

Nos primeiros séculos da era cristã, a relação entre a igreja e o Estado era
complexa, muitas vezes conflitiva, porque os cristãos se negavam a prestar
culto ao imperador romano.
A primeira perseguição aos cristãos deu-se por Nero, que incendiou Roma
e jogou a culpa nos cristãos nas primeiras décadas da era cristã. Até o século
115
III d.C. muitas ondas de perseguição aconteceram e muitos foram os fiéis
UNIDADE 3

martirizados pelo império.


No ano de 306, Constantino, que foi o César do Império Romano, teve um
sonho que mudou os rumos da história:


Na véspera da famosa batalha da Ponte Mílvia, perto de Roma,
Constantino teve um sonho em que viu as primeiras letras do nome
de Cristo e as palavras “Com este sinal, vencerás”. Disposto a confiar
a sua causa ao Deus dos cristãos, ele fez com que o monograma Chi-
-Rho fosse pintado nos escudos dos soldados. Quando ele entrou
em Roma em triunfo, os costumeiros tributos de agradecimento aos
deuses de Roma foram omitidos. O imperador havia lançado a sua
sorte com a causa minoritária dos cristãos e desde então considerou
o Deus cristão como o protetor do império e o patrocinador da
sua própria missão de reforma e reconstrução. (Ver Walker, 125.)
No ano seguinte (313) Constantino e Licínio, o imperador do orien-
te, encontraram-se em Milão e chegaram a um acordo acerca dos
cristãos. O célebre Edito de Milão proclamou a liberdade de cons-
ciência, concedeu ao cristianismo plena igualdade com os outros
cultos e ordenou a devolução de todas as propriedades eclesiásticas
confiscadas durante a perseguição. Eventualmente, Licínio impôs
sérias restrições à vida pública das igrejas. Unindo interesses políti-
cos e religiosos, Constantino derrotou Licínio em 324, tornando-se
o único governante do império. As igrejas despertaram para o fato
de que a causa de Roma e a causa de Cristo haviam se tornado uma
só (CPPAJ, [2019], on-line)9.

Foi assim que, pela primeira vez, o cristianismo ganhava poder político. E Cons-
tantino e seus filhos interferiam diretamente nos assuntos da igreja, sejam con-
trovérsias teológicas, sejam assuntos políticos.
Foi só com Teodósio, e após uma tentativa de recuperação do paganismo, que
o cristianismo foi decretado a religião oficial do Estado.


Em 380, Teodósio e seu colega Graciano promulgaram um edito
decretando que “todos os povos” do império deviam “praticar… a
religião que é seguida pelo pontífice Dâmaso [de Roma] e por Pedro,
bispo de Alexandria” – a saber, o cristianismo ortodoxo que confes-
116
sava “a única Divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (cf. Bet-

UNICESUMAR
tenson, 51; Ayer, 367). Este decreto, que marcou o triunfo do partido
niceno sobre o arianismo, também marcou um novo momento na
história da relação das igrejas com o estado romano. Claramente o
cristianismo era agora a religião oficial do império e todas as outras
foram proibidas, inclusive as formas variantes do próprio cristianis-
mo. Seguindo os seus predecessores, Teodósio convocou em 381 um
sínodo de bispos orientais que ficou conhecido como o Concílio
de Constantinopla, e que teve como tarefa primária a afirmação da
plena divindade do Espírito Santo (CPPAJ, [2019], on-line)9.

Com o declínio do Império Romano, a Igreja passa a assumir cada vez mais
papéis, antes atribuídos ao Estado, como disputas jurídicas e questões militares.
Nesse contexto, um papa, de nome Gelásio I, promulgou a doutrina das duas
espadas ou dois poderes: o da Igreja e do Estado, sendo que o da Igreja era pre-
dominante, pois tinha que prestar contas diretamente a Deus.


Em outras palavras, existem duas esferas separadas, a igreja e o
estado, nenhuma exercendo os direitos da outra. Todavia, a esfera
espiritual é superior à temporal, e nos conflitos o papa e o bispo
prevalecem sobre o imperador porque são responsáveis pela sal-
vação deste. Essa teoria foi utilizada insistentemente pelos papas
medievais (CPPAJ, [2019, on-line)9.

Essa doutrina foi ignorada por alguns imperadores, como Justiniano, que tentou
reerguer o Império Romano Ocidental, pois havia sido invadido pelos bárbaros.
Ele, que tinha grande interesse teológico, queria reunificar o Império Ocidental
e o Oriental por meio da religião.
Ele intervinha, com seu poder ditatorial, em todos os assuntos da Igreja, que
era usada como fundamento do poder imperial. Também perseguiu judeus, pa-
gãos e heréticos, fechando a Academia de Platão, extinguiu o Talmude das sinago-
gas e acabou com o reduto dos mistérios egípcios. Ele e sua esposa, Teodora, que
muito o influenciou, seguiam uma heresia chamada “monofisismo”, que atribuía
uma só natureza a Cristo, a divina.

117
Relações entre Estado e Igreja na Idade Média
UNIDADE 3

Sobre as relações entre Estado e Igreja na Idade Média, lemos no site do CPPAJ:


Durante a Idade Média, a teoria dos dois poderes foi geralmente acei-
ta, mas a questão da supremacia permaneceu indefinida. O estado era
universalmente considerado uma instituição cristã, tendo a obriga-
ção de sustentar, proteger e difundir a fé. A lei canônica afirmava que
o estado tinha o dever de punir os hereges, e este dever foi aceito pelo
estado. Mas também houve incessante debate entre os teólogos e ju-
ristas canônicos sobre o verdadeiro sentido da teoria das duas espa-
das de Gelásio. Eventualmente foi articulado o conceito de uma única
sociedade com dois aspectos, cada qual com suas responsabilidades.
Foi isto o que veio a ser chamado de corpus christianum: a idéia de
que a igreja e o estado, conquanto em princípio sociedades distin-
tas, estavam unidas em uma só comunidade. A distinção entre elas
consistia principalmente em suas hierarquias separadas (papa e im-
perador, etc.), com suas diferentes funções, e nos sistemas legais que
administravam. O ideal de muitos, seguindo a visão de Agostinho
em A Cidade de Deus, era a existência de uma comunidade cristã
universal chefiada pelo papa (CPPAJ, [2019],on-line)9.

Essa supremacia do poder papal não se deu de forma livre de conflitos ou pacífica,
sendo que ora os reis tinham a supremacia do poder, ora o papado o recuperava.
No século VI, a autoridade papal se fortaleceu, sendo reconhecida pelos rei-
nos da Europa central, dominados pelos bárbaros, e perdurou ao longo de toda
a Idade Média. Apesar dos conflitos entre papas e reis, o século XI foi o de auge
do poder papal, sendo o mais poderoso papa, Inocêncio III (1198-1216), que
reformou a Igreja e enfrentou reis com sucesso.
No papado de Bonifácio VIII (1294-1303), o qual dizem que ele “chegou como
uma raposa, viveu como um rei e morreu como um cão”, há uma crise do poder
papal, pois esse papa se tornou arrogante, enfrentando os reis e impondo-lhes
condições absurdas. Ele foi exilado e morreu logo depois de ter sido solto.

118
Ao longo do século XIV e início do XV, o poder do papado foi decrescendo,

UNICESUMAR
submetendo-se cada vez mais ao poder secular. Até que houve uma época em
que haviam dois e três papas, simultaneamente, no Grande Cisma do Ocidente.
A situação só mudou após a organização de Concílios e com a instauração da
Santa Inquisição, a qual os bens dos condenados eram confiscados para a Igreja,
que voltou a aumentar o seu poder.


Durante a Idade Média, muitas pessoas sentiram-se descontentes
com essa associação duvidosa entre a igreja e o estado. Diferentes gru-
pos de cristãos alegaram que, desde a época de Constantino, a igreja
tinha sucumbido diante do mundo ou a ele se conformado, compro-
metendo o seu testemunho, que devia ter se inspirado no sermão da
montanha movimentos não conformistas (cátaros, valdenses, lolar-
dos, hussitas, etc.) que foram considerados heréticos e sofreram per-
seguições por parte da igreja e do seu braço secular, o poder estatal.
Uma das principais ferramentas usadas na supressão das heresias
foi a sinistra Inquisição ou Santo Ofício, instituída no séc. XIII pelos
papas Inocêncio III e Gregório IX e entregue a uma ordem criada
recentemente com outros objetivos, os dominicanos. Utilizando
sistematicamente a delação e a tortura e negando aos acusados os
mais elementares direitos de defesa, os precessos (sic) freqüente-
mente resultavam na execução dos réus impenitentes, entregues ao
poder civil para serem queimados vivos. Uma das características
mais odiosas da Inquisição era o confisco dos bens do herege con-
fesso. Como esses bens eram divididos entre as autoridades leigas e
eclesiásticas, isto por certo contribuiu para manter aceso o fogo das
perseguições. Na Espanha, a Inquisição haveria de tornar-se uma
instituição nacional, quando o papa Sixto IV a estabeleceu sob o
controle direto dos reis católicos Fernando e Isabel (1478). Por vá-
rios séculos a famigerada instituição perseguiu judeus, muçulmanos
e protestantes dos dois lados do Atlântico (CPPAJ, [2019], on-line)9.

No período pré-reforma, o papado se voltou cada vez mais para a preocupação


com as artes renascentistas e os interesses próprios, corrompendo-se ao extremo.

119
explorando Ideias
UNIDADE 3

É importante conhecer a cronologia de sucessão dos papas para entendermos as influên-


cias religiosas sobre a história do mundo e a intensidade variável dessa influência, de
acordo com o papa em vigência.
Para uma lista completa dos papas e quando eles governaram na história (menos o
atual, Papa Francisco) veja a seguir: https://www.terra.com.br/noticias/educacao/voce-
-sabia/quantos-papas-a-igreja-catolica-ja-teve-em-sua-historia,02583705db61d310VgnV-
CM20000099cceb0aRCRD.html.
Fonte: a autora.

Relações entre Estado e Igreja na Reforma

A questão da autoridade permeou a Reforma, pois ela estava sendo disputada


entre Deus, o papa, o rei e o povo; ou Deus, o rei, o papa e o povo. A igreja tinha
duas armas básicas: a excomunhão e o interdito, que é a interdição dos sacra-
mentos em toda uma região, o que era terrível, pois as pessoas não podiam se
confessar, receber a extrema unção, casar etc. Se os sacramentos são interditos,
a salvação é negada. Os papas usavam essas armas com frequência, gerando
revolta no povo, o que preparou a Reforma.
A Reforma Protestante do século XVI tentou criar a ideia da separação entre
religião e estado, principalmente, baseada nos dois textos do reformador alemão
Martinho Lutero “Sobre a Liberdade Cristã” e “A Nobreza Cristã da Nação Alemã”.
Nesses textos, ele propunha um resgate da Cidade de Deus de Agostinho, e que o
Estado cuidasse das coisas públicas e a Igreja, das coisas de Deus.
No entanto só o que conseguiu foi a autonomia dos Estados alemães, divididos
no “Sacro Império Romano Germânico”, que assim puderam escolher a sua religião.
Toda cidade-Estado ou Estado com várias cidades escolheu sua religião e quem dos
seus cidadãos não a seguisse era expulso ou morto por heresia, haja vista os calvi-
nistas, menonitas, os anabatistas e os próprios católicos, que fugiram da Alemanha
na época, e que só iriam ter uma liberdade em Estados protestantes no século XVIII
A relação danosa entre Estado e Igreja foi a causa maior da Reforma. Ela provo-
cou a desunião da igreja ocidental, fazendo surgirem várias igrejas menores nacio-
nais, seguindo a tendência à unificação dos Estados da Europa e do nacionalismo
desses países em formação. Algumas continuaram a jurar fidelidade ao papa, ao

120
mesmo tempo em que queriam ser independentes dentro de sua nação. Por sua

UNICESUMAR
vez, outras romperam totalmente com ele, como a igreja anglicana e a luterana.


Os luteranos e os anglicanos estavam muito mais inclina-
dos que os reformados (calvinistas) a deixar o poder civil (o
“príncipe cristão”) governar a igreja. Todavia, a idéia acei-
ta era que em cada país a igreja e o estado formavam uma co-
munidade (...) A unidade religiosa era considerada neces-
sária para a coerência e estabilidade política de uma nação.
Em lugar da teoria medieval da autoridade última dos papas em
questões referentes à igreja e ao estado, os Reformadores apre-
sentaram várias abordagens distintas. Martinho Lutero (†1546)
traçou uma nítida distinção entre as áreas temporal e espiritual,
mas considerou muitas funções, tal como a administração, como
sendo não essenciais. Portanto, a maior parte dos estados lutera-
nos desenvolveram um sistema territorial “erastiano” no qual os
príncipes superintendiam questões eclesiásticas. Erastianismo foi
a concepção defendida pelo suíço Thomas Erastus (1524-83), pro-
fessor de medicina na Universidade de Heidelberg, de que o estado
tinha o direito de exercer suprema autoridade sobre a igreja em
todas as questões. Na realidade, essa doutrina foi mais defendida
pelo jurista holandês Hugo Grócio (1583-1645) do que por Erasto
(CPPAJ, [2019], on-line)9.

A concepção de João Calvino era que havia uma clara distinção entre as funções
da Igreja e do Estado, cujo dever era “manter a paz, proteger a igreja e seguir nor-
mas bíblicas nas questões civis” (CPPAJ, [2019], on-line)9. Ao contrário do que
muitos pensam, Calvino não defendia uma teocracia, mas apenas o controle do
domínio do poder civil. Tanto que ele teve uma série de dificuldades em manter
a sua autoridade diante das autoridades civis.
Outros grupos, como os anabatistas, os batistas, os quakers e os independen-
tes, defendiam uma separação entre Estado e Igreja, pois acreditavam, baseados
na Bíblia, que esse era


[...] o único meio de salvaguardar a liberdade religiosa e o sacerdó-
cio dos crentes. Com isso eles queriam dizer que o estado não tinha
o direito de interferir nas crenças e práticas religiosas dos indivíduos
121
e das igrejas, e que a igreja, por sua vez, não tinha o direito de receber
UNIDADE 3

qualquer sustento financeiro do estado. Receber verbas públicas era


abrir as portas para o controle governamental e a perda da identi-
dade religiosa (CPPAJ, [2019], on-line)9.

No século XVI, houve uma série de guerras entre luteranos e católicos devi-
do a disputas territoriais, que só terminaram com a “Paz de Augsburgo”. Houve
também uma tentativa de implantação da teocracia por parte de um grupo de
anabatistas, mas que teve um fim sangrento.
O grande modelo da intervenção do Estado, em questões religiosas, foi dado
na Inglaterra, que implantou o protestantismo depois que Maria Tudor tentou
retornar ao catolicismo de forma violenta, graças à intervenção de Elizabete I.
A Escócia optou pelo presbiterianismo, implantado pelo parlamento


[...] no contexto da luta contra os franceses. Os principais protago-
nistas foram, de um lado a rainha Maria Stuart (1542-87), que após
viver muitos anos na França, a terra de sua mãe, retornou à Escócia
para tomar posse do trono em 1561; de outro lado, o reformador
John Knox (†1572), que tornara-se (sic) discípulo de Calvino em
Genebra e voltara à sua terra em 1559. Maria Stuart foi executada
por ordem de Elizabete em 1587 (CPPAJ, [2019], on-line)9.

Nos países baixos, os protestantes foram reprimidos pelos reis, e, no contexto da


luta contra os espanhóis, formaram-se, assim, os países da Holanda, que seguiu o
protestantismo; da Bélgica, que também se tornou protestante; e de Luxemburgo,
que se manteve católico.
Os teóricos iluministas, como John Locke e Hugo Grócio, influenciaram esses
conflitos no século XVIII. Ao invés da vontade de Deus, o governo civil passou
a repousar sobre o Contrato Social.


Armados com esse conceito, os estados nacionais emergentes ten-
deram a tornar a igreja subserviente ao bem-comum da sociedade e
passaram a esperar que a religião institucional se mantivesse distante
das questões políticas. Todavia, o desenvolvimento desse conceito na
Europa e no restante do mundo foi desigual, e ressurgiram tentativas
de controle da igreja pelo estado. Somente nos recém-criados Esta-

122
dos Unidos da América o governo concordou explicitamente com

UNICESUMAR
um novo sistema que buscou garantir a liberdade religiosa através da
separação entre a igreja e o estado (CPPAJ, [2019], on-line)9.

Relações entre Estado e religião no período


moderno

No período moderno, a Contrarreforma estava preocupada em combater o pro-


testantismo e ganhar novos adeptos ao catolicismo nas colônias americanas, afri-
canas e asiáticas, principalmente, através da ação dos jesuítas.
Com a Revolução Francesa, o secularismo se firmou e instaurou-se o anticle-
ricalismo de forma muito intensa. Muitos sacerdotes e fiéis foram perseguidos
e mortos, e o papa Pio VI foi levado preso. Napoleão até tinha a igreja católica
como religião oficial, mas sempre subordinada ao Estado. “Em 1808, Napoleão
entrou em Roma e anexou os estados papais, sendo o papa Pio VII igualmente
aprisionado” (CPPAJ, [2019], on-line)9.
A igreja não deixou barato restaurando as missões jesuítas, após a sua expul-
são em 1773. O papa Pio IX, o mais duradouro da história, publicou uma encíclica
que condenava os valores democráticos e republicanos. Foi assim que o papado
perdeu definitivamente o seu poder e o Estado do Vaticano foi criado:


Assim, o pontificado de Pio IX marcou o fim do poder político-ter-
ritorial dos papas, que alcançara o seu ápice no séc. XIII sob Inocên-
cio III. Ao mesmo tempo que perdeu o seu poder político, Pio IX
esforçou-se por afirmar a sua autoridade em questões religiosas. Sob
sua direção, o Concílio Vaticano I (1869-70) proclamou o dogma
da infalibilidade papal. Em 1929, Pio XI finalmente reconheceu a
perda definitiva dos territórios pontifícios, assinando com o dita-
dor Benito Mussolini uma concordata mediante a qual foi criado
o Estado do Vaticano. Foi somente no pontificado de João XXIII
(1958-63) que a Igreja Católica finalmente abandonou a sua antiga
atitude reacionária. No Concílio Vaticano II (1962-65), João XXIII
convocou os participantes a “construírem uma ponte entre a Igreja
e o mundo moderno” (CPPAJ, [2019], on-line)9.

123
Nessa época, a Igreja Ortodoxa da Grécia foi a única que ainda estava unida ao
UNIDADE 3

poder estatal. Na Rússia, pós-revolução, a igreja foi proibida e perseguida.


Nos Estados Unidos, predominou-se o modelo denominacional, por
diversos motivos:


A existência de numerosos grupos dissidentes e a necessidade de
atrair colonos independentemente de sua persuasão religiosa torna-
vam difícil impor uma igreja oficial. Na época da revolução, quan-
do os novos estados escreveram as suas constituições, quase todos
deixaram de ter igrejas estabelecidas [...]. Esses eventos tornaram
possível o surgimento de um fenômeno tipicamente (sic) ameri-
cano – o denominacionalismo. O modelo americano de separação
entre igreja e estado, plena liberdade de consciência e diversidade
denominacional foram progressivamente aceitos na maior parte do
mundo ocidental (CPPAJ, [2019], on-line)9.

Talvez, o modelo americano seja o mais claro de separação entre Estado e Igreja,
sendo que as polêmicas e controvérsias de cunho religioso, como a questão do
aborto e da tributação das propriedades religiosas, são decididas nos tribunais e
de forma independente em cada Estado. Segundo o site do CPPAJ ([2019], on-
-line)9, “importantes fenômenos recentes são o crescimento de seitas autoritárias
e o avanço político da nova ‘direita religiosa’ ”.

pensando juntos

Será que esses “fenômenos recentes” são exclusividade da realidade americana ou tem se
espalhado pelo mundo, devido aos últimos movimentos de refugiados e reorganização de
grupos nacionalistas e até neonazistas por toda a Europa e mundo?

124
Relação entre Estado Religião no Brasil e

UNICESUMAR
América Latina

No Brasil, como vimos, houve o fenômeno do padroado, que foi a autoridade


concedida à


[...] Coroa Portuguesa sobre a Igreja Católica, nos territórios de do-
mínio Lusitano. Esse direito do Padroado consistiu na delegação
de poderes ao Rei de Portugal, concedida pelos papas, em forma de
diversas bulas papais, uma das quais uniu perpetuamente a Coroa
Portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. Já no
Império, esse regime foi renovado pela Bula Praeclara Portugalliae,
que concedeu a D. Pedro I os direitos do ‘Padroado Régio’ ora cha-
mado de ‘Regalismo’ (CASIMIRO, 2010, p. 83).

No texto do CPPJA, lemos um resumo de como foi o acordo entre igreja e Estado
na época da Colônia:


O estado forneceu os navios, financiou o empreendimento, cons-
truiu as igrejas e pagou o clero, mas também teve o direito de no-
mear os bispos, recolher os dízimos, aprovar documentos e interferir
em quase todas as áreas da igreja (CPPAJ, [2019], on-line)9.

Assim, os jesuítas se tornaram “os maiores proprietários de terras e senhores de


escravos do Brasil colonial” (CPPAJ, [2019], on-line)9.
Segundo Casimiro (2010), é preciso considerar no caso brasileiro, a longa
experiência dos jesuítas com catecismo na Europa durante a Idade Média, e o
poder centralizador e absolutista do Estado que se instalou no Brasil e que exercia
controle rígido sobre tudo o que acontecia.
Acontece que a Igreja Católica tinha carta branca para evangelizar até a
primeira metade do século XVIII, quando a igreja entra em crise, o que culmina
na extinção da ordem em 1773 e a expulsão dos jesuítas do território brasileiro,
por Marquês de Pombal.

125

Desta forma, por 200 anos, o poder da Igreja no Brasil foi inquestio-
UNIDADE 3

nável. Mas, após a expulsão dos jesuítas, sua derrocada foi paulatina e
vertiginosa até atingir a um grau de quase extinção no Período Impe-
rial. Conforme Saviani (2007), o regime monárquico instalado após a
independência política adotou o catolicismo como religião oficial, sob
a forma de padroado, nos mesmos moldes como vinha acontecendo
no período colonial. Nas palavras de Saviani, esse regime vigorou até o
final do Império,“já que foi renovado, em 1827, pela Bula Praeclara Por-
tugalliae, de Leão XII, que concedeu a Dom Pedro I o reconhecimento
formal dos tradicionais poderes do Padroado para si, inaugurando o
‘padroado régio’ ou ‘regalismo’ no Brasil” (CASALI, 1995, p. 61).

O regalismo é o controle total do rei de todas as instituições sociais, particu-


larmente a Igreja. Como foi que os protestantes finalmente conseguiram entrar
nas terras brasileiras?
Com a vinda da família real ao Brasil, os protestantes, que antes eram proi-
bidos de viver no Brasil, particularmente depois das invasões holandesa e fran-
cesa, começaram a ingressar, especialmente os ingleses. E com a independência,
“surgiu a necessidade de atrair imigrantes europeus, inclusive protestantes. A
Constituição Imperial, promulgada em 1824, concedeu-lhes certa liberdade de
culto, ao mesmo tempo em que confirmou o catolicismo como religião oficial”
(CPPAJ, [2019], on-line)9.
O controle do campo educacional pelos católicos não chegou a ser abalado,
apesar do Estado imperial já ter sido bastante laicizado e secularizado. O que
houve foi uma crise de unidade ideológica com a chamada “questão religiosa”
que foi a luta contra a maçonaria no seio da Igreja.
Com D. Vidal, depois que ele foi solto da prisão por conta da questão religio-
sa, entre 1870 e 1880, começa a “restauração da espiritualidade do catolicismo”
(CASIMIRO, 2010, p. 84), no que foi denominado também de “reação católica”.


A mobilização da Igreja no Brasil expressou-se na forma de resistência
ativa que articulava dois aspectos: a pressão para o restabelecimento do
ensino religioso nas escolas públicas e a difusão de seu ideário peda-
gógico “mediante a publicação de livros e artigos em revistas e jornais
e, em especial, na forma de livros didáticos para uso nas próprias es-
colas públicas assim como na formação de professores, para o que ela
dispunha de suas próprias Escolas Normais” (SAVIANI, 2007, p. 179).

126
Contudo, com a República, há um novo movimento de laicismo, pelo qual o

UNICESUMAR
ensino religioso nas escolas públicas foi proibido e o casamento civil ganhou
precedência sobre o religioso, entre outras medidas laicizantes.
Apesar disso, o movimento de renovação da fé católica continuou com a con-
versão de pensadores, como Joaquim Nabuco e Felício dos Santos e a militância
de pregadores como Júlio Maria, junto às camadas populares.
Posteriormente, surgiu a liderança de Jackson de Figueiredo, que se auto-
denominava “reacionário do bom-senso” e defendia a “ordem”, a “autoridade”
e a “estabilidade”. Foi um dos precursores do integralismo no Brasil e fundou
o Centro Dom Vidal, que viria a se tornar o centro da intelectualidade cristã
pela restauração católica.
A Figueiredo, seguiu-se Alceu de Amoroso Lima (Tristão de Ataíde), que era seu
amigo, mas sofreu a influência do liberalismo e humanismo de Jacques Maritain.


Alceu coloca-se nitidamente sob a orientação de um Filósofo, que,
naquela época significava ousadia, vanguardismo, o que tínhamos
de mais avançado no mundo católico: Jacques Maritain. Tristão de
Ataíde trouxe para o Brasil o pensamento de Maritain, as posições
político-sociais maritainianas do ‘humanismo integral’. Esse livro
de 1936, obra-prima da Filosofia Social de Maritain, publicado em
plena Revolução espanhola e escrito originariamente para o curso
de verão da Universidade de Santander, na Espanha, em 1535, esse
livro-pioneiro teve enorme repercussão no pensamento católico
do Brasil. Foi um impacto. Foi um divisor de águas. Separou fun-
damente. Suscitou divergências terríveis. A partir daí o pensamento
católico brasileiro se diversifica: os maritainianos e os antimaritai-
nianos. Os reacionários e os liberais. Os abertos e os fechados. Os
da direita e os da esquerda. O passado e o presente (VILLAÇA apud
CASIMIRO, 2010, p. 85).

Apesar de também ter namorado o integralismo, Alceu era a favor da liberdade


e contra o autoritarismo. Ele foi um dos inspiradores da fundação do Instituto
Católico de Estudos Superiores, que deu origem à Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Foi no campo da educação, no entanto, que os católicos mais se preo-
cuparam em atuar e exercer influência.

127

Considerando a educação uma área estratégica, os católicos esme-
UNIDADE 3

raram-se em organizar esse campo criando, a partir de 1928, nas di-


versas unidades da federação, Associações de Professores Católicos,
que vieram a se aglutinar na Confederação Católica Brasileira de
Educação. Nas palavras de Dermeval Saviani, com essa força orga-
nizativa, os católicos constituíram-se “no principal núcleo de ideias
pedagógicas a resistir ao avanço de ideias novas, disputando, palmo
a palmo com os renovadores, herdeiros das ideias liberais laicas, a
hegemonia do campo educacional no Brasil, a partir dos anos de
1930” (SAVIANI, 2007, p. 181 apud CASIMIRO, 2010, p. 86).

Surge nessa época, também, Gustavo Corção, como uma voz mais reacionária da
ala católica, mas que a nosso ver é uma figura ainda bastante incompreendida e
mal interpretada pelos intelectuais católicos e não católicos.
Os grandes opositores da Igreja, na maior fase de retomada do catolicismo
no Brasil, que se deu entre 1930 e 1940, foram os “comunistas, positivistas, es-
colanovistas e, na própria Igreja, com alguns segmentos do clero. É o que nos
relata Rocha (2000), em referência à ‘implicância’ da Igreja com os escolanovistas,
principalmente com Anísio Teixeira” (CASIMIRO, 2010, p. 86).
A figura de Anísio Teixeira causou divisão entre os católicos, pois ele defendia
a escola pública como o direito da maioria dos brasileiros mais pobres à educação,
o que era tomado como bolchevismo pela maioria dos católicos.
Depois da Independência foram vários os movimentos de missionários, não
só jesuítas, mas também capuchinos italianos e franciscanos, carmelitas, benedi-
tinos e lazaristas, pelo Nordeste que serviram para apaziguar rebeldias e manter
o povo submisso às autoridades do Estado.
No entanto nem tudo foi submissões. Surge a figura polêmica do Conselhei-
ro na Guerra dos Canudos e sua oposição ao governo. Surge ainda o Círculo
Operário da Bahia.


Vale lembrar que, à parte do movimento missionário, cujo foco era os
redutos sertanejos e rurais, novas formas de presença religiosa come-
çavam a florescer, também, em centros urbanos. Exemplo significativo
foi a criação do Círculo Operário da Bahia – COB, no início da década
de 1930, pela Irmã Dulce Lopes Pontes e pelo alemão, Frade Francis-
cano, (...)– Frei Hildebrando Kruthaup. Trabalharam juntos por mais
de 20 anos, mas, enquanto a visão de Irmã Dulce estava marcada com

128
o carisma da caridade, o olhar de Frei Hildebrando já apontava para

UNICESUMAR
a direção de um movimento social operário.(...) O Círculo Operá-
rio da Bahia chega ao seu apogeu entre 1948 e 1950, com estatuto,
imóveis e, mais ou menos, 26 mil sócios, mas, com divergências de
opinião quanto ao significado de uma associação de operários entre
os partidários da Irmã Dulce (mais voltada para as ações caritativas,
e os franciscanos, mais voltados para a conscientização religiosa e
social), acabou afastando os franciscanos do Círculo, que passou a
ser dirigido espiritualmente pelos jesuítas (CASIMIRO, 2010, p. 91).

Apesar de Frei Gil colocar que a assistência social, no fundo, só serve para apro-
fundar as causas da miséria, o fato de ele tê-la considerado como parte da missão
da Igreja já é um avanço.
Casimiro (2010, p. 92) conclui que:


[...] a despeito de caminhos diferentes, as ações de reconquista do espaço
da Igreja Católica no Brasil − tanto por parte dos religiosos e intelectuais
que transitavam mais perto dos mecanismos do poder, quanto por parte
dos missionários que se embrenhavam nas regiões mais longínquas e
intermediavam os conflitos mais regionalizados − tinham, como meta
unitária, a manutenção da ordem, da autoridade e da estabilidade social,
compreendidas como obediência à Igreja e ao Estado.

No site CPPAJ, ficamos sabendo da parte protestante do desenvolvimento da


relação Estado e Igreja no Brasil. Somos informados também que um reverendo
consultou alguns juristas sobre as suas atividades religiosas, conseguindo apoio
dos mesmos e que em 1890


[...] um decreto do governo republicano consa-
grou a separação entre a igreja e o estado, asseguran-
do aos protestantes pleno reconhecimento e proteção legal.
Em fevereiro de 1891, a primeira constituição republicana procla-
mou a separação entre a igreja e o estado, bem como outras medi-
das liberais tais como a plena liberdade de culto, o casamento civil
obrigatório e a secularização dos cemitérios. Sob influências liberais
e positivistas, a constituição omitiu o nome de Deus, afirmando
assim a caráter não religioso do novo regime, e a Igreja Católica foi

129
colocada em pé de igualdade com todos os outros grupos religio-
UNIDADE 3

sos; a educação foi secularizada, a religião sendo omitida do novo


currículo. Em uma carta pastoral (março de 1890), os bispos deram
as boas-vindas à república, mas também repudiaram a separação
entre a igreja e o estado (CPPAJ, [2019], on-line)9.

A partir de então, a Igreja católica passou a lutar para obter o apoio do Estado
e conseguir ter mais influência sobre a sociedade, abrindo novos seminários,
fortalecendo as suas estruturas, recebendo religiosos estrangeiros e combatendo
veementemente a “modernidade, o protestantismo, a maçonaria e outros movi-
mentos” (CPPAJ, [2019], on-line)9.
Os articulistas do site concluem, após comentar que os evangélicos se uniram
na Confederação Evangélica do Brasil, que:


Após 1964, as relações entre as igrejas evangélicas, por um lado, e a
Igreja Católica, por outro lado, com o estado brasileiro, tomaram ru-
mos por vezes diametralmente opostos, cujas profundas conseqüên-
cias (sic) fazem-se sentir até os nossos dias (CPPAJ, [2019], on-line)9.

pensando juntos

Como julgar movimentos, como o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil),
o CLAI (Conselho Latino-Americano de Igrejas), a Visão Mundial e o Christian Aid, que reú-
nem cristãos de todas as denominações na luta pela sua unificação e sua relação com o
Estado nos dias de hoje?

Nos demais países da América Latina, a relação entre Estado e Igreja é parecida
com a do Brasil, já que a Espanha também se submetia ao poder papal. No artigo
de Oro e Ureta (2007) constata-se que além de a América Latina tenha nascido
católica, a diversidade religiosa é relativamente pequena, já que a maioria das
populações se constituem de católicos e evangélicos.

130
UNICESUMAR
explorando Ideias

Para maiores detalhes sobre as relações entre Estado e Igreja, em cada um dos países da
América Latina, recomendamos a leitura completa do artigo de Oro e Ureta (2007) a seguir:
http://www.scielo.br/pdf/ha/v13n27/v13n27a13.pdf.
Nele são analisadas as legislações de vários países da América Latina, comparativamente, quan-
to às relações entre Estado e igreja. Ele fornece uma visão bastante completa e contextualizada
do quadro atual e, também, apresentam dados sobre a constituição religiosa por país.
Fonte: a autora.

Outra observação é o decréscimo em todos os países daqueles que se autodenomi-


nam católicos e o crescimento dos neopentecostais, sendo que alguns teóricos defen-
dem a pentecostalização da América Latina, mas os autores acham isso exagerado.
Finalmente, observam o aumento dos que se declaram sem igreja ou sem
religião, por toda a América Latina, que a meu ver, reflete um movimento global.
E na maioria dos países (11 ao todo) foi instaurada a separação entre Estado e
Igreja e a educação laica:


É nesta rubrica que se enquadra a maioria dos países latino-america-
nos. Ou seja, neles é sustentada legalmente a separação Igreja-Estado,
é assegurada a liberdade de cultos para os cidadãos, assim como a
igualdade entre os cultos, o que significa, ao menos em tese, que
a Igreja católica detém menor reconhecimento oficial do que nos
demais países mencionados (ORO; URETA, 2007, p. 294).

Os autores concluem que, embora a separação entre Estado e Igreja seja legal-
mente instituída na maior parte dos países da América Latina e a liberdade re-
ligiosa também seja prevista em lei, a realidade não é bem assim, pois há discri-
minações, preconceitos e tratamentos desiguais.


Predomina hoje, portanto, na América Latina, com diferenças entre os
seus países, um contexto legal de separação jurídica e política do Esta-
do da religião dominante, com a conseqüente prática de diversidade
religiosa, de tolerância e de liberdade religiosas asseguradas legalmen-
te. Isso não significa, porém, que haja, na prática, um tratamento iso-
nômico entre todos os grupos religiosos que configuram o pluralismo

131
religioso nessa parte do continente americano. O fato de haver um
UNIDADE 3

tratamento jurídico e político privilegiado dispensado à Igreja católica


em vários países configura a ausência de igualdade de direitos entre
eles e, portanto, a existência de discriminação. Isso significa, também,
que a propalada neutralidade do Estado laico em relação às religiões
é somente em parte real (ORO;URETA, 2007, p. 307).

2
OS FILÓSOFOS MODERNOS
E A RELAÇÃO
ESTADO-IGREJA

Agora analisaremos o que pensam alguns filósofos sobre a relação entre Estado
e Igreja.

Relações entre Estado e Igreja em Hegel

Em “As relações entre Estado e Religião em Hegel”, Zabatiero faz uma análise dos
textos de Hegel sobre a relação entre Estado e religião “desvestindo-os de seu
idealismo metafísico” (2012, p. 83), se é que isso é possível.
E resume:

132

Hegel descreve a relação entre religião e estado mediante três tó-

UNICESUMAR
picos: (1) no tocante às doutrinas religiosas, na medida em que
constituem a dimensão interna da religião, total separação e até
“indiferença” do Estado (dependendo do número de membros e
da atitude geral da comunidade religiosa); (2) no caso das proprie-
dades e relações materiais delas derivadas, na comunidade religiosa,
o Estado tem a primazia sobre a instituição religiosa; e (3) em casos
de junção da dimensão interna com a externa em aspectos litúrgi-
cos e éticos (juramento, casamento, moral), o aspecto exterior da
eticidade tem primazia, as religiões apenas acrescentando o fator
abstrato e subjetivo motivacional (ZABATIERO, 2012, p. 84).

É preciso considerar, com relação ao tópico 1, que há um esforço para resgatar a


dimensão objetiva da religião, e extrapolar uma visão de sua mera subjetividade.
Hegel combate a ideia do senso comum, de que a religião seja o fundamento do
Estado. Para ele, é e não é. Não é, no sentido de uma subordinação a uma única reli-
gião e redução da religião à capacidade de consolação que essa proporciona. Nesse
sentido, ele prefere falar em religiões, do que em religião, se bem que ele ainda tran-
site mais no âmbito da cristandade do que de outras religiões. O papel do Estado
nessa relação é “defender a razão e a consciência de si”. (ZABATIERO, 2012, p. 85)
A religião é o fundamento do Estado, no sentido do termo alemão Grundlage,
que é uma base. De acordo com a explicação de Zabatiero (2012, p. 85-86), trata-se de:


[...] mais uma condição histórica do que um fundamento propria-
mente dito, talvez até se pudesse optar pela tradução “fundação” ou
“alicerce”, ao invés de “fundamento” –, de modo que a pretensão de a
religião ter primazia em relação ao Estado não se justifica. Ao mes-
mo tempo, porém, o fato da religião ser um fundamento do estado
não permite validar a redução da religião a mero conforto emocio-
nal ou conhecimento ilusório. A religião é fundamento do estado
visto que ela “é a relação com o absoluto na forma de sentimento,
imaginação e fé, e dentro de seu centro totalmente abrangente, tudo
é meramente acidental e transitório”. Portanto, o Estado, enquanto
Geist presentificado (Dasein), objetivo e concreto, não pode ser sub-
sumido à religião em seu caráter abstrato e subjetivo, pois estaria
aquém do momento concreto do Geist.

133
Nesse sentido, Hegel critica os diversos fundamentalismos e fanatismos, em que
UNIDADE 3

o Estado é subordinado a uma religião subjetiva, porque isso acabaria na anarquia


e o estado perderia a legitimidade e assim também a própria religião. “Colocar a
religião acima do estado seria uma demonstração da fraqueza da religião e não
de sua força, posto que seria fruto de um não-conhecimento de si da própria
religião” (ZABATIERO, 2012, p. 86).
E logo em seguida, Zabatiero faz a seguinte declaração importante sobre a
relação entre Estado e religião em Hegel: “do contrário, quando a religião é ver-
dadeira, ela reconhece e endossa o Estado, de modo que assim consegue para si
própria estatuto e expressão, ocupando o seu espaço-tempo adequado no movi-
mento do Geist” (2012, p. 86).
Como Hegel defende que a religião transita no interior do sujeito, ela adquire
uma dimensão relativa e pluralista. Passa a vigorar o direito à liberdade de crença
como liberdade de consciência.
Assim, a religião em Hegel é relegada ao âmbito da subjetividade e da vida pri-
vada. A religião é não objetiva e não racional, por isso é que ela precisa da relação
com o Estado regulador, ainda que não interventor. Ela é uma instituição como
outra qualquer, que não se limita ao campo do sagrado e espiritual, da mesma
forma que o Estado não se limita ao âmbito do secular. Há, portanto, entre Estado
e religião, uma relação dialética.
Citando Rorty, Zabatiero resume: “as relações religião-estado possuem assim
três dimensões: uma de separação radical, outra de subordinação da religião ao
Estado e uma terceira em que coexistem a separação e a subordinação” (2012, p. 88).
Hegel critica os fundamentalismos, também no sentido de seus conteúdos
doutrinários, que não seriam absolutos e que concorreriam com outras doutrinas,
como a da ciência. Essa também pode recair no fundamentalismo, quando ela se
coloca como verdade absoluta. Ele defende uma crença não conceitual, baseada
na Empfindung, ou seja, na percepção e no sentimento.
Por mais que ele promovesse a separação entre Estado e igreja, principal-
mente no que tange ao conteúdo, “o estado deve reconhecer sua dívida para com
a religião, que lhe serve de justificação e permite que não tenha apenas caráter
secular – de modo a cumprir sua vocação ética –, sem, porém, subordinar-se à
religião” (ZABATIERO, 2012, p. 90).
Assim, o Estado é o guardião contra as pretensões de verdade e autoridade
absoluta de qualquer setor da sociedade. E o pluralismo religioso é o melhor

134
caminho para se estabelecer esse controle, impedindo os fanatismos e funda-

UNICESUMAR
mentalismos de visões monolíticas.
O autor traz, ainda, esse pensamento para a atualidade, citando os movimentos
de refugiados por todo o mundo, que obriga a convivência entre culturas e religiões
e requer que se pense não apenas as relações entre Estado e religião, mas se discuta
o papel da religião na esfera pública. Não se deve, segundo ele, estabelecer uma
hierarquia de verdades entre as do Estado, da ciência e da religião, mas as verdades,
de acordo com nossa visão, devem conviver entre si de forma dialógica e dialética.
E ao invés de relegar a religião ao âmbito da subjetividade, deve-se reconhecer,
como o próprio Hegel reconhece, que ela se origina no divino, e, portanto, tem uma
dimensão objetiva e racional, porque, e aqui nós complementamos o pensamento
de Zabatiero, provém de um Logos, que é a tradução grega para ratio, no latim.
O que é a racionalidade, se não a lógica de funcionamento de determinado
ser, sua essência, como a lógica de funcionamento de uma máquina, com o perdão
do reducionismo do exemplo.
Não usaríamos uma máquina de lavar roupas para lavar louças ou um liqui-
dificador para secar o cabelo. Assim, também, o ser humano não se presta para
certas coisas que a religião proíbe. Claro que não é assim moralista e mecanicista,
mas o exemplo serve para ilustrar o que se entende por racionalidade no sentido
mais amplo. Nas palavras de Zabatiero (2012, p. 93): “apenas insisto no fato de
que a religião, sendo uma atividade humana de produção de conhecimentos e
práticas, não pode ser considerada, a priori, menos do que racional”.
A segunda inferência que ele tira para os dias de hoje da abordagem de Hegel
é que o Estado não deve oferecer privilégios ao setor religioso, em relação a outras
instâncias da sociedade, como abatimento de impostos.
O terceiro ponto é, para nós o mais importante, que ele resume nos
seguintes termos:


[...] a discussão das relações religião-estado (e ciência e esfera pú-
blica) só poderá avançar se retirarmos da equação a descrição da
religião como atividade privada, subjetiva. Religiões são, prima-
riamente, sistemas de atribuição de sentido e valor à vida humana
– nada mais racional, objetivo e público do que isto! Por público,
neste ponto, não me refiro ao estatal, mas ao interesse público que
encontra na esfera pública o espaço de sua apresentação e discussão.
Não se pode confundir a separação entre instituição religiosa e esta-

135
do – separação que expressa uma conquista legítima dos modernos
UNIDADE 3

estados de direito – com a expulsão da religião da esfera pública


(ZABATIERO, 2012, p. 94).

Portanto, todas as abordagens que atribuem um caráter irracional e meramente


subjetivo à religião estão equivocadas e deixam de extrair da religião o que ela
tem de melhor para oferecer à sociedade:


Recusar-se a ouvir a voz de religiões como uma voz racional e pú-
blica na postulação de sentido para a vida humana em sociedade é
praticar uma totalitária discriminação epistêmica, e nada produz a
não ser o empobrecimento dos nossos conhecimentos e de nossas
discussões morais e políticas (ZABATIERO, 2012, p. 94).

Relações entre Estado e Igreja em Kierkegaard via


Arendt

Segundo Arendt, na análise de Paula (2013), Kierkegaard faz uma crítica a


Hegel por ele ser metafísico demais e por ter instituído uma teoria totalitária
da relação entre Estado e Igreja. Mais do que buscar no espírito da sociedade
e na sua dimensão transcendente o sentido dessa relação, Kierkegaard a busca
no indivíduo e na subjetividade. Por isso, ele é considerado, por ela, o pai da
psicanálise e da filosofia da existência.
Ela também compara Kierkegaard a Marx em sua dívida para com Hegel. En-
quanto Marx procura simplesmente inverter a lógica da subordinação do Estado
ao Espírito, Kierkegaard faz a crítica efetiva a Hegel, com isso, contribuindo mais
à filosofia do que Marx, na concepção de Arendt.
Kierkegaard era um crítico, tanto do secularismo quanto do cristianismo,
e como um dos primeiros a viverem num contexto totalmente contaminado
pelo iluminismo e seu anticlericalismo, era uma voz solitária em sua época,
que clamava pelo sentido da existência e do eu, mas isso de uma forma que
contradizia a forma dos românticos.
Não se trata de um eu egoísta, mas aberto à transcendência e subordinado
à vontade divina. Nesse sentido, ele se aproxima de Nietzsche na sua crítica ao
romantismo, pela via da ética e do existencialismo, segundo Arendt.
136
Arendt classifica Kierkegaard como mestre da dúvida, ao lado de Marx, Niet-

UNICESUMAR
zsche e Freud, pelo que não era irracionalista, apesar de defender seu famoso
“salto da fé”, que sempre é acompanhado pela dúvida, pelo que os mistérios da
razão e da crença poderiam ser ladeados. Ele apenas criticava o uso da razão para
justificar, quer seja uma religião anticientífica e fundamentalista, quer seja uma
ciência que nega a religião e tenta explicá-la pelo uso da razão.

Relações entre Estado e Igreja em Habermas

Em outro ensaio sobre a ideia que Habermas tinha sobre a relação entre o Estado
e a religião, Zabatiero (2008) comenta que ele mudou de ideia a partir dos anos de
1990 e, principalmente, depois de seus diálogos com teólogos após os atentados
de 11 de setembro, com o ex-papa Ratzinger.
Ele elucida, a partir de Habermas, que a cultura pós-secular, que não apenas
leva em conta a cosmovisão religiosa, como também dá lugar a uma “moderni-
zação da consciência pública”.


Habermas afirma vivermos em uma forma pós-secular de socieda-
des. Sociedades pós-seculares não são apenas aquelas que aceitam a
presença das religiões e reconhecem suas funções sociais positivas.
Sociedades pós-seculares são aquelas que foram capazes de superar a
teleologia moderna e seu evolucionismo simplista. São sociedades em
que: se dá lugar à concepção de que a ‘modernização da consciência
pública’ abrange de modo assíncrono tanto as mentalidades religiosas
como as mundanas e as modifica de modo reflexivo. Ambas as par-
tes se concedem a secularização da sociedade como um processo de
aprendizagem complementar, podem realizar as suas contribuições
aos temas controversos na esfera pública e levarem-se mutuamente
a sério, também por motivos cognitivos (ZABATIERO, 2008, p. 143).

Habermas inova no sentido de igualar a exigência aos crentes e não-crentes de


estabelecer uma relação entre fé e conhecimento de acordo com os ditames seculares.
Zabatiero (2008) critica essa postura em seguida, pois ela estabelece uma dicotomia
entre fé e conhecimento e o que ele chama de uma “concessão custosa” de racionali-
dade à religião e porque determina a visão secular como um a priori absoluto.

137
Apesar de reconhecer que a filosofia não será capaz de substituir ou reprimir
UNIDADE 3

a religião, a religião é tida como uma paciente que foi submetida a tratamento
racional administrado pelo pensamento secular.
Habermas também insiste que a linguagem religiosa necessitasse ser tradu-
zida a termos seculares e “universalmente acessíveis”.


Essa é a “carga” a que são submetidos os cidadãos religiosos – a de
traduzir para a linguagem secular as suas noções – uma carga que
Habermas tentará mostrar como politicamente não-assimétrica –
embora seja epistemicamente desigual. Em primeiro lugar, ela é não
assimétrica na medida em que “este trabalho de tradução deve ser
entendido como uma tarefa cooperativa, na qual também partici-
pam os cidadãos não religiosos, para que os concidadãos religiosos
que sejam capazes e estejam dispostos a participar, não tenham de
suportar uma carga de modo assimétrico” Em segundo lugar, a sime-
tria política se garante na medida em que “essa carga é compensada
com a expectativa normativa de que os cidadãos seculares abram
suas mentes ao possível conteúdo de verdade das contribuições re-
ligiosas e entrem em diálogos nos quais pode ocorrer que razões
religiosas resultem na forma transformada de argumentos univer-
salmente acessíveis (ZABATIERO, 2008, p. 148)

pensando juntos

Quem disse que, se a religião mudar de discurso e adotar uma linguagem mais univer-
salmente acessível, o mundo secular dará mais atenção a ela ou dialogará com ela? Não
seria o caso de ambos traduzirem as suas linguagens para chegarem a um senso comum?

O conceito de pós-metafísica de Habermas é ambíguo, segundo Zabatiero (2008),


pois ele mesmo não escapa da metafísica. Ele advoga que seja o “equivalente se-
cular da consciência religiosa” (ZABATIERO, 2008, p. 150), e que combata o
cientificismo do mesmo modo que o fundamentalismo, mas ao mesmo tempo
não reconhece uma racionalidade ao religioso:

138

Em suma, Habermas funde sincreticamente dois problemas dis-

UNICESUMAR
tintos – o das relações entre Estado e instituições religiosas, e o das
relações entre “fé” e razão – e, por causa dessa fusão, a sua resposta
permanece ambígua, o que demanda uma revisão pós-metafísica do
conceito de secularização” (ZABATIERO, 2008, p. 151-152).

Zabatiero (2008) faz as seguintes críticas ao pensamento de Habermas sobre a


relação entre o Estado e a religião:
■ Não se pode reduzir as religiões àquelas que se limitam à revelação.
■ Não se pode, simplesmente, negar a racionalidade às religiões.
■ O ser religioso não se contradiz automaticamente ao ser público.
■ A fé não pode ser vista como oposta ao conhecimento, nem como sua
obstrutora, pelo contrário, ela auxiliou o avanço do conhecimento.

Em relação a esse último ponto, Zabatiero (2008) ressalta que a ciência não dá
conta de negar a Deus, mesmo porque, ao fazê-lo, estaria transgredindo os limites
que ela mesma se impôs.
Assim, a crítica do autor a Habermas se resume ao seguinte:


Afirmar sobre os conteúdos das crenças religiosas que eles somente
podem entrar no espaço público após tradução para linguagem se-
cular, pública e universalmente acessível, é afirmar que esses conteú-
dos são a priori inferiores aos conteúdos das crenças não-religiosas,
retornando ao ultrapassado esquema de mito versus verdade (ou fé
versus razão) e recolocando, contra o próprio pensamento de Ha-
bermas, a dimensão instrumental da racionalidade humana como
primordial e como fundamento das demais dimensões e de todos
os saberes racionalmente produzíveis (ZABATIERO, 2008, p. 157).

Nesse sentido, um conceito pós-metafísico da relação Estado-religião seria redu-


zido ao âmbito institucional, de separação entre instituições religiosas e seculares,
e não no sentido conceitual, que estaria em constante diálogo, ao invés de serem
esferas incompatíveis e separadas.

139
3
DISCUSSÃO SOBRE A
UNIDADE 3

LEGITIMIDADE E O
PAPEL DO ENSINO
RELIGIOSO
frente à laicidade do Estado
brasileiro

Explicando o Estado Laico

De uma maneira geral, o Estado laico é um estado que se pretende neutro, pro-
movendo o respeito ao próximo em suas crenças e ideologias, objetivando a paz
entre as pessoas de religiões diversas e o pluralismo religioso.
O Brasil, por exemplo, é considerado um Estado Laico em virtude do artigo
da Constituição que ampara e promove a liberdade de crença e culto religioso.
Assim, cito o artigo 5º, VI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) que dispõe:
■ Não se pode reduzir as religiões àquelas que se limitam à revelação.
■ Não se pode simplesmente negar a racionalidade às religiões.
■ O ser religioso não se contradiz automaticamente ao ser público.
■ A fé não pode ser vista como oposta ao conhecimento, nem como sua
obstrutora, pelo contrário, ela auxiliou o avanço do conhecimento.

Em sequência, cito, ainda, o artigo 19, I, da Constituição mencionada:


Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencio-
na-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou
seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,
na forma da lei, a colaboração de interesse público (BRASIL, 1988).
140
É importante considerar que o Brasil passou ao patamar de Estado laico em

UNICESUMAR
1890, com o Decreto 119 do mesmo ano, de autoria da eminente figura da política
brasileira, Ruy Barbosa. Na verdade, já existia a liberdade de crença pessoal no
Brasil antes disso, mas ainda não havia liberdade de culto, coisa que só recente-
mente se tornou uma realidade, se é que já se tornou real.
Um Estado laico ou secular trata todos seus cidadãos e cidadãs, que o compõe,
com igualdade, não importa a sua opção religiosa, sem oferecer privilégios a nenhu-
ma religião ou as pessoas que a sigam. O caso oposto se dá na teocracia, ou Estado
teocrático, como é o caso do Vaticano (Estado Católico) e do Irã (Estado Islâmico).
O Estado laico difere de um Estado ateu - como era a extinta União Soviética
– que se opõe explicitamente a qualquer prática de natureza religiosa ou a acei-
tação de Deus, deuses ou divindades de qualquer natureza. No caso da ex-União
Soviética, a crença e prática religiosa era até proibida, punindo com a prisão e, às
vezes, até a morte e tortura, aqueles que infringissem a lei.

pensando juntos

Até que ponto é possível ao Estado assumir uma postura neutra em relação à religião?
Isso não seria utopia e alienação? Não seria mais legítimo cada qual lutar com suas pró-
prias armas para ocupar o seu espaço?

Ensino Religioso

Com isso, surge a pergunta diante do exposto anteriormente e do já discutido até


aqui: é possível que as escolas públicas, de um estado Laico ou secular, tenham
em seu currículo escolar o ensino religioso?

pensando juntos

Até que ponto é legítimo o ensino de dogmas e doutrinas de uma determinada religião
num espaço de educação pública? Isso seria inconstitucional? Mesmo se as aulas partirem
da pluralidade de credos característica de nossa tradição secular, sem privilegiar uma ou
outra vertente, isso seria legal?

141
A religião faz parte sociedade humana, desde os seus primórdios, como vimos
UNIDADE 3

anteriormente. Ela é parte da cultura como um todo. Desse modo, sendo expres-
são do próprio ser humano, deve ser estudada, pesquisada e analisada, porque se
projeta em quase todas as áreas do saber da sociedade.
Resumidamente, é perfeitamente possível o ensino religioso comprometido
com o respeito e diálogo religioso, sem proselitismos, no Estado laico, sem com
isso se estar infringindo a lei. Assim, há uma interação saudável entre o Estado e
a tradição, sem que um interfira e atrapalhe o outro.
Ao contrário do que preconizam muitos estudiosos da área de sociologia e edu-
cação, nem tudo que tem a ver com a religião é já prejudicial à sociedade. Apesar de
vários e lamentáveis equívocos da igreja que se registram nos autos da história, po-
de-se dizer que eles são proporcionalmente inferiores aos benefícios trazidos pela
religião à humanidade. É possível defender, sem dor na consciência, que o Ensino
Religioso é benéfico e faz até bem para a saúde. Isso, desde que os professores dei-
xem clara a especificidade de cada religião na construção da pessoa e da cidadania.
Não devemos deixar escapar a oportunidade de cultivar nos estudantes a
curiosidade e o respeito pela atenta busca e estudo crítico do sagrado e do outro,
que o circunda, enchendo-os de otimismo e confiança no primado da pesquisa
e do estudo, com todos os riscos e desafios característicos desta realidade.
É possível que alguns pais de alunos ou mesmo outros professores não com-
preendam o sentido plural do Ensino Religioso e venham a se opor a uma aula
que valorize alguns conteúdos. No entanto nada que o diálogo saudável, respei-
toso e esclarecedor não seja capaz de resolver. Isso tudo, respeitando-se o ponto
de vista teológico, sociológico e pedagógico do ensino religioso.
O cristão, o de religião de matriz africana, o espírita, o da religião oriental, o
da religião muçulmana, e qualquer outra religião, portanto, devem reivindicar que
sua religião seja abordada em sala de aula, pois ela contribuiu para a construção
da cultura mundial e brasileira.
Como trabalhar a pluralidade na catequese da igreja? Penso que adotando a filo-
sofia de Freire (1979) que pede que partamos de uma pesquisa da realidade da igreja
no micro e descubramos palavras geradoras, ou seja, palavras que vem do imaginário
significativo da comunidade, capazes de potencializar o aprendizado das diferentes
religiões e culturas. Nesse sentido, precisamos alfabetizar religiosamente os membros
da igreja, que precisam partir de sua realidade contextual para refletir sobre mudan-
ças a serem realizadas nesta realidade, como a de respeitar a religiosidade do outro.

142
De acordo com Freire (2000, p. 32), as etapas do método Paulo Freire são

UNICESUMAR
as seguintes:
■ Etapa de investigação: em que a busca era conjunta entre professor e aluno
das palavras e temas mais significativos da vida do aluno, dentro de seu
universo vocabular e da comunidade onde ele vive.
■ Etapa de tematização: que era o momento da tomada de consciência do
mundo, através da análise dos significados sociais dos temas e palavras.
■ Etapa de problematização: momento em que o professor desafia e inspira
o aluno a superar a visão mágica e acrítica do mundo, para uma postura
conscientizada.

Vamos praticar esse método nas nossas igrejas?

143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 3

Como vimos, historicamente, as relações entre Igreja e Estado se deram de forma


pendular, ora predominando um, ora o outro, sendo que quanto mais caminhamos
para a modernidade e pós-modernidade, mais nos deparamos com o fenômeno
da secularização. A igreja vai perdendo espaço e os “sem-religião” vão ganhando.
Será que a secularização é sinônimo de negação da fé e da religião? Será que
ela simplesmente não está convidando os religiosos de todo o planeta a se rein-
ventarem e repensarem o seu modelo de culto e de igreja?
As igrejas certamente estão em crise, mas essa crise não necessariamente
significa extinção, mas apenas reforma. Isso, por um lado. Por outro, há também
bolsões de reencantamento com as coisas do mundo sobrenatural e com o cultivo
da espiritualidade. O sucesso de livros e filmes esotéricos e de autoajuda mostra
claramente isso. Há de se considerar, ainda, o crescimento do mundo muçulmano,
que está tomando a Europa e sua religiosidade que segue aparentemente inabalável
e impermeável à influência dos tempos modernos.
O que se pode concluir, disso tudo, é que a questão religiosa está longe de ter
sido superada pelas sociedades modernas e pós-modernas e que por isso mesmo,
ela tem que ser tratada com equidade e justiça para com o direito de todos os
cidadãos do mundo de expressarem a sua fé com liberdade, desde que de modo
pacífico e ordeiro, sem agressão ou ofensa às pessoas de dentro ou de fora.
E a educação, sem dúvida, tem um papel relevante para que esse ideal de so-
ciedade mais igualitária, mais livre e tolerante se torne uma realidade. Para isso é
que serve o ensino religioso e não para a prática do proselitismo.
Espero que essa unidade o tenha instigado e feito refletir mais profundamente
sobre as relações entre Estado e religião, e que agora você consiga opinar sobre
ela com maior conhecimento de causa.
Até a próxima!

144
na prática

1. Sobre a relação entre Religião e Estado na Antiguidade é correto afirmar que:

a) Antes da era dos juízes e dos reis, a nação judaica era teocrática.
b) Na Grécia antiga, havia a teocracia, em que a religião tinha prevalência sobre
o Estado.
c) Na Grécia antiga havia uma separação rígida entre Estado e Religião.
d) Na sociedade judaica havia uma distinção rígida entre a vida de fé e a vida pública.
e) Sócrates acreditava nos deuses, por isso foi preso pelo Imperador, que era ateu.

2. Sobre a relação entre Igreja e Estado na Bíblia é correto afirmar que

I - Jesus defendia que Estado e Igreja eram uma coisa só e que o Estado deveria
servir à Igreja.
II - O poder e autoridade de Cristo é superior a qualquer outro poder humano e
sobre-humano
III - O reino de Cristo não é deste mundo.
IV - Os romanos foram os principais culpados pela morte de Cristo e a perseguição
dos cristãos nas primeiras eras.

Assinale a alternativa correta:

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

3. Acerca da relação entre Igreja e Estado, assinale (V) para as assertivas verdadeiras
(V) e (F) para as falsas:

( ) Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade


que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas.
( ) A Bíblia diz que nossa cidadania é terrena e que devemos lutar pelos nossos
direitos terrenos, pois são os únicos pelos quais podemos lutar.
( ) Com o declínio do Império Romano, a Igreja passa a assumir cada vez mais pa-
péis, antes atribuídos ao Estado, como disputas jurídicas e questões militares.

145
na prática

a) V- F- F
b) F- V- F
c) V- F- V
d) F- F- V
e) V- V- F

4. Sobre a relação entre Igreja e Estado na Idade Média, é correto afirmar que:

I - O poder da Igreja predominou durante a maior parte da Idade Média.


II - Essa supremacia do poder papal não se deu de forma livre de conflitos ou
pacífica, sendo que ora os reis tinham a supremacia do poder, ora o papado o
recuperava.
III - A Igreja se enfraqueceu no fim desse período, sendo que haviam dois e três
papas, simultaneamente.
IV - No século VI, a autoridade papal se fortaleceu, sendo reconhecida pelos reinos
da Europa central, dominados pelos bárbaros.

Assinale a alternativa correta:

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Todas as alternativas estão corretas.

5. Sobre a relação entre Igreja e Estado na América Latina é correto afirmar que:

a) A América Latina já nasceu laica, sendo que o ensino religioso é proibido na


maior parte dos países.
b) Há predomínio da Igreja Evangélica em toda a América Latina.
c) As igrejas neopentecostais ainda não ultrapassam as católicas em termos de fiéis
por toda a América Latina.
d) A maioria dos países determina a articulação do Estado e com a Igreja por lei.
e) A maioria dos países não prevê a liberdade religiosa e a isonomia por lei, embora
isso na prática sempre aconteça.

146
aprimore-se

OS EVANGÉLICOS E A CRISE BRASILEIRA EM DUAS PESQUISAS

Nestes tempos de percepção, por boa parte da sociedade, de uma subida política
evangélica fortemente de direita, duas pesquisas nos chamaram a atenção. Uma,
feita no Brasil; a outra, nos Estados Unidos […].
A primeira pesquisa foi feita durante a Marcha para Jesus, em São Paulo, em ju-
nho deste ano. Os pesquisadores, que eram de duas universidades paulistas (USP e
Unifesp), comentam admirados a coincidência entre o perfil demográfico (cor, renda
e educação) dos participantes da Marcha para Jesus e a população brasileira em ge-
ral. “O povo estava na Marcha”, exclamam, ao contrário do perfil das manifestações
pró e contra o impeachment […].
A conclusão geral dos pesquisadores é que “essa pesquisa desfaz alguns preconcei-
tos”, pelo fato de que as respostas dos participantes da Marcha não foram muito dife-
rentes das encontradas na população brasileira em geral. Ou seja, a imagem de uma
excepcionalidade evangélica, de uma inclinação política muito discrepante da socieda-
de, não se confirmou. “Os evangélicos não me parecem especialmente conservadores.
São o comum da sociedade brasileira em geral”, disse um dos pesquisadores […].
Um dos achados da pesquisa é que 75% dos participantes da Marcha acreditam
que os valores religiosos deveriam orientar a legislação. O problema, claro, está na
ambiguidade da pergunta: “orientar” é igual a “ditar”? Responder “não” à pergunta
da pesquisa parece sugerir uma completa cisão entre moralidade e legislação; mas
responder “sim” parece sugerir um impulso teocrático.
Seja como for, as opiniões expressas sobre o sistema partidário e a classe políti-
ca são mais fáceis de interpretar. Entre os participantes da Marcha, um pouco me-
nos da metade se considera “conservador”, e o resto “pouco ou nada conservador”.
E dois terços afirmam não se identificar nem com o espectro da esquerda nem com
o da direita. (Não está claro se isso significa uma rejeição da classificação ideológica
direita-centro-esquerda em geral, ou uma tendência para o centrismo.). Mas não
há dúvida quanto a não identificação com o atual leque partidário brasileiro, in-
cluindo aí os pequenos partidos, em geral fortemente associados aos evangélicos.

147
aprimore-se

Uma esmagadora porcentagem (77%) não professa identificação partidária alguma;


pífios 7% dizem preferir o PSDB e 5,8% o PT (lembremos que a Marcha pesquisada
aconteceu em São Paulo); nenhum outro partido passa de 1,2% de preferências.
Os políticos também gozam de pouquíssima aceitação, inclusive os evangélicos [...].
A conclusão dos pesquisadores é reveladora: “O preconceito faz com que a opinião
ache que eles são conservadores e que o voto é de cabresto”, mas “pelos números
não parece haver um alinhamento automático”. A baixa confiança nos políticos reflete
a sociedade brasileira como um todo, “mas é notável como eles não confiam também
nos políticos evangélicos... Uma resposta padrão que ouvimos ao perguntarmos sobre
algum político evangélico era que ‘confiamos nele como pastor, não como político’”.
Nem como formuladores de políticas sociais, pelo jeito! Contrariando medidas
tomadas ou pretendidas pelo atual governo, com amplo apoio da “bancada evan-
gélica”, um esmagador 90,1% dos participantes da Marcha discordam da ideia de
que “em um momento de crise o governo precisa cortar gastos inclusive em saúde
e educação”; e 86,6% acham que “quem começa a trabalhar cedo deve poder se
aposentar cedo sem limite mínimo de idade” […].
Sobre atitudes frente às “minorias”, na Marcha 41% concordaram com as cotas
para afrodescendentes no ensino superior; 90% discordaram da ideia de que o lugar
da mulher é em casa; e 64% concordaram que “não se deve condenar uma mulher
que transe com muitas pessoas” […].
Nos temas mais controversos, e que mais tem caracterizado a imagem das “ban-
cadas evangélicas”, as respostas da Marcha também mostram certa ambivalência.
Um terço dos participantes discordam da afirmação de que “fazer aborto é sempre
errado”. Um terço também rejeita a ideia de que “a união de pessoas do mesmo
sexo não constitui família”; e 70% concordam que as escolas devem ensinar “a res-
peitar os gays”. A conclusão dos pesquisadores: “Pautas muito importantes para a
bancada evangélica não tinham a adesão que se imaginava”; “as opiniões desses
fiéis têm mais matizes com respeito à questão de gênero e de direitos das minorias
LGBT do que o alinhamento fechado da bancada evangélica”.

148
aprimore-se

Finalmente, a pesquisa constatou uma minoria significativa dos participantes da


Marcha que defendia o direito ao aborto (21%), o reconhecimento de famílias gays
(33%), o direito de dois homens se beijarem em público (35%) e o direito de travestis
poderem usar o banheiro feminino (19%) […].
Que o evangelicalismo brasileiro aprenda a lição enquanto é tempo: a sabedoria
e a diversidade políticas são fundamentais para a saúde da igreja. A sabedoria de
escolher bem as batalhas [...]. É preciso que a diversidade do “evangelicalismo real”
seja mais disseminada e penetre mais a consciência da sociedade como um todo,
para frear a percepção crescente de que a religião evangélica se caracteriza por um
projeto de conquista do poder com pretensões reacionárias.
O combate a essa percepção é necessário não só para o bem da comunidade
evangélica, mas também para o bem da sociedade brasileira. Não há solução para o
Brasil que faça do mundo evangélico como um todo um inimigo político. É essencial
entender as nuances deste mundo evangélico, a sua diversidade; também as suas
divisões, as quais impedem uma “tomada do poder”, por mais que cresça numerica-
mente; e sempre levando em conta a sua composição de classe, em termos de renda,
educação, gênero e cor. Falar depreciativamente sobre “os evangélicos” como um blo-
co – algo que, graças a Deus, não é mais aceitável fazer a respeito de outros grupos
como judeus ou muçulmanos – não ajuda a compreender o que se passa no Brasil […].
Fonte: Freston (2017, on-line).

149
eu recomendo!

livro

Qual é a relação entre Igreja e Estado?


Autor: R.C. Sproul
Editora: Fiel
Sinopse: Deus chama os homens a honrarem as autoridades e
governos (Rm 13, 1-7), mas sabemos que essa não é uma tarefa
simples. Será que esse princípio implica que os cristãos devem
obedecer ao estado, indiscriminadamente, sem levar em conta
quem governa ou quais os valores do governo? Será que a igreja tem o papel de
dizer como o estado deve ser governado? E o estado, por sua vez, pode determi-
nar como a igreja deve ser administrada?

filme

Elizabeth - A Era de Ouro (Elizabeth: The Golden Age)


Ano: 2007
Sinopse: Inglaterra, 1585. Elizabeth I (Cate Blanchett) está quase há
três décadas no comando da Inglaterra, mas ainda precisa lidar com
a possibilidade de traição em sua própria família. Simultaneamen-
te, a Europa passa por uma fase de catolicismo fundamentalista,
que tem como testa-de-ferro o rei Felipe II (Jordi Mollá), da Espanha.
Apoiado pelo Vaticano e armado com a Inquisição, Felipe II planeja
destronar a “herege” Elizabeth I, que é protestante, e restaurar o catolicismo na Ingla-
terra. Preparando-se para entrar em guerra, Elizabeth busca equilibrar as tarefas da
realeza com uma inesperada vulnerabilidade, causada por seu amor proibido com o
aventureiro Sir Walter Raleigh (Clive Owen).

150
eu recomendo!

conecte-se

Veja uma reflexão interessante do teólogo, pedagogo, especialista em educação


cognitiva, Igor Miguel, a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4439 apresentada pela Procuradoria-Geral da República que denuncia a incons-
titucionalidade do ensino confessional e interconfessional nas escolas, sejam pú-
blicas, sejam privadas.
https://www.ultimato.com.br/conteudo/ensino-religioso-em-escolas-publicas-
-confessionalidade-e-laicidade

O vídeo, gravado por ocasião das comemorações dos 500 anos da Reforma, faz
um apanhado histórico da relação entre a Igreja e o Estado, desde o Cativeiro
Babilônico, passando pela Idade Média até a Reforma.
https://www.youtube.com/watch?v=_EtMvP2i4Rc

O Rev. Dr. Augustus Nicodemus, ex-chanceler da Universidade Presbiteriana Mac-


kenzie, fala sobre a relação entre Igreja e Estado, principalmente no seio da Uni-
versidade Confessional.
https://www.youtube.com/watch?v=DFE63oU28UE

151
4
ESTRUTURA E
FUNCIONAMENTO DO
ENSINO RELIGIOSO
no Brasil

PROFESSORA
Dra. Gabriele Greggersen

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Fundamentação legal do ensino
religioso nas constituições e Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBs) • Fundamentação
legal do ensino religioso na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) • Fundamentação legal do ensino
religioso nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino religioso.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Apresentar e discutir a estrutura e funcionamento do ensino religioso no Brasil • Promover um olhar
panorâmico do ensino religioso e uma função educacional que assegure ao alunato do ciclo funda-
mental respeito à diversidade cultural religiosa, sem proselitismos, e fortaleça o diálogo das diversas
manifestações de religiosidade na sociedade contemporânea • Conhecer e compreender a proposta
dos Parâmetros Curriculares Nacionais no que diz respeito ao Ensino Religioso.
INTRODUÇÃO

A legislação brasileira é uma das mais complexas e completas do mundo.


Há leis para tudo. Leis sofisticadas e bem fundamentadas. Fora o tama-
nho dos processos. Os juristas e advogados lidam com toneladas de papéis
todos os dias. Pergunta-se quantas leis dessas “pegam” e quantas servem
apenas de enfeite das bibliotecas e dos sites dos órgãos públicos.
A lei é muito bonita, mas nem sempre é realista ou reflete as reais cir-
cunstâncias e necessidades da população. E o ensino religioso? Como ele
se justifica em um estado laico? Ele pode ser previsto ou até decretado por
lei? Como vimos anteriormente, a relação entre o Estado, representado
pelos legisladores e a religião, é complexa e multifacetada. O máximo que
uma legislação nessa matéria pode fazer é orientar e fundamentar algumas
práticas com princípios genéricos e valores.
Ora, a relação entre a legislação e a religião se intensificou quando os
cursos de teologia foram finalmente reconhecidos como cursos superiores,
em 1999. Até então, eles eram tidos como cursos livres que serviam apenas
para preparar ministros e líderes religiosos, sem valor na carreira acadêmica.
Essa ideia de que a teologia não é conhecimento científico é bem positivista.
E o que é positivismo? É a ideia de que toda ciência é sinônimo de verdade
certa, exata e até absoluta, tomando o lugar de Deus na constelação das coisas.
Hoje, temos cursos não só de teologia, reconhecidos pelo MEC e com Parâme-
tros Curriculares próprios, mas que levaram bastante tempo para serem definidos,
como também do campo das chamadas Ciências da(s) religião(ões), que estudam
o fenômeno religioso de forma sistemática e crítica; anacrônica e diacrônica.
Advertimos, nesse sentido, que a abordagem que fazemos do fenômeno
religioso não se pretende confessional, e não adota uma ou outra teologia,
mas se vale muito antes dos reconhecimentos das Ciências da(s) religião(ões),
que promovem o pluralismo religioso e o diálogo entre as religiões.
Alguns autores que se interessaram pelo assunto defendem que o En-
sino Religioso é a transposição didática dos conteúdos estudados pela(s)
Ciência(s) da(s) Religião(ões).
Com a homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais da área
de Ciência(s) da(s) Religião(ões), Parecer CNE/CP n.º12/2018, o campo
certamente irá se incrementar e crescer por todo o país. Nesse capítulo,
falaremos sobre a legislação voltada para o Ensino Religioso, em diversos
textos legislativos. Vamos conhecê-los?
1
FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DO
UNIDADE 4

ENSINO RELIGIOSO
nas constituições e Leis de
Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBs)

A LDB de 1996 não foi a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação que
se referia ao ensino religioso. Na verdade, foi a terceira. A primeira data, em
1961; a segunda, em 1971.
O ensino religioso se dá desde os primórdios da colonização. No ano de 1549, o
governador geral Tomé de Souza envia seis missionários jesuítas para o Brasil, en-
cabeçados por Manuel da Nóbrega, que fundam, em Salvador, os primeiros cem co-
légios públicos, confessionais e gratuitos com o objetivo de catequizar os indígenas.
Em pouco tempo, a natureza catequética e assistencialista-colonizadora dessas
escolas se desvirtua, e logo os capitães das fazendas tomam posse dessas escolas para
a educação dos seus próprios filhos. Qualquer semelhança com as universidades
públicas de hoje – que servem a muitos filhos da camada mais rica e abastada da
população, e não, necessariamente, às mais pobres – é mera coincidência.
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, pelo Marquês de Pombal,
depois de dois séculos de monopólio da Companhia de Jesus na educação, outros
setores da igreja passam a assumir os colégios.
Assim, a influência da Igreja sobre a colônia era explícita e inabalável, pois
embora a igreja católica não fosse do Estado, era a igreja do Rei, que, mesmo depois
do império, continuou e continua até hoje exercendo grande poder sobre o Estado.

154
Tanto que a primeira Constituição do Brasil, que data de 1824, estabelece a Igreja

UNICESUMAR
Católica Apostólica Romana como igreja do Império, o que é diferente de Igreja do Es-
tado, como no caso da Inglaterra (Igreja Anglicana) e da Alemanha (Igreja Luterana).
Com a Proclamação da República, instaurou-se a separação entre Estado e
Igreja, sendo que, com o Decreto 119, de 1890, o presidente Manoel Deodoro da
Fonseca prevê a plena liberdade de culto, e proíbe a intervenção da União e dos
Estados em questões religiosas.
A Constituição republicana de 1891 declara que “será leigo o ensino ministra-
do nos estabelecimentos públicos” e reforça-se a separação entre Estado e Igreja
e a liberdade de crença e culto no Brasil.
No governo de Getúlio Vargas, em 1931, é publicado um decreto que torna o
ensino religioso facultativo nas escolas públicas. Com isso, foi criada a Coligação
Nacional Pró-Estado Leigo, que conta com representantes de todas as religiões e
alguns intelectuais, como a escritora Cecília Meireles.
Seguindo as constituições, naquela do ano de 1934, lê-se que


O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de
acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifes-
tada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários
nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais
(BRASIL, 1934, on-line).

Isso, na prática, era muito complicado, pois as escolas eram obrigadas a terem
um professor para cada confissão religiosa, sendo que o ônus disso era grande.
A Constituição de 1946 reformula, em parte, o texto constitucional de 1934, mas
não muda em nada a sua essência. Ela diz sobre o ensino religioso nas escolas que:


O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas ofi-
ciais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a
confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou
pelo seu representante legal ou responsável (BRASIL, 1946, on-line).

Na primeira LDB (Lei n.º 4.024/1961), assume-se o princípio anterior, com a di-
ferença de que os professores de ensino religioso não deveriam ser remunerados
e com a especificação de que os professores deveriam ser recrutados pelos líderes
da respectiva religião. Vejamos o que diz o Artigo 97:
155

O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas ofi-
UNIDADE 4

ciais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para


os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno,
manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal
ou responsável. § 1º A formação de classe para o ensino religio-
so independe de número mínimo de alunos. § 2º O registro dos
professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade
religiosa respectiva (BRASIL, 1961, on-line).

Isso é reforçado na Constituição Federal de 1967, que promulga: “o ensino reli-


gioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das
escolas oficiais de grau primário e médio”, redação esta que é mantida pela Emen-
da Constitucional número 1/1969.
E a segunda LDB (Lei n.º 5.692/1971) da história, o que diz? Ela fala do ensi-
no religioso no parágrafo único do Artigo 7º, que se refere à obrigatoriedade de


[...] inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Edu-
cação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos
estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto à primeira o
disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969. Pará-
grafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º
e 2º graus (BRASIL, 1971, on-line).

Nos anos de 1980, há uma abertura, não apenas política, mas também na
reformulação da educação para que se torne mais inclusiva e assim, o ensino
religioso se torne mais pluralista. E no final da década, em 1988, promulga-se
uma nova Constituição, que é válida até os dias de hoje. No Artigo 5º estabele-
ce-se que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias”. No entanto há restrições. O Artigo 19, por
exemplo, proíbe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios


I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embara-
çar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representan-
tes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei,
a colaboração de interesse público; II - recusar fé aos documentos
públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre
si (BRASIL, 1988, on-line).
156
E finalmente, o primeiro parágrafo do Artigo 210 diz que: “o ensino religioso,

UNICESUMAR
de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental”.
Isso já representa um avanço no sentido de promover a igualdade entre as
religiões e efetivar a separação entre Estado e Igreja. Adentrando os dias de hoje,
a atual LDB (Lei n.º 9.394/1996) diz o seguinte sobre o Ensino Religioso:


O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo
oferecido,sem ônus para os cofres públicos,de acordo com as preferên-
cias manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do alu-
no ou do seu responsável, ministrado por professo-
res ou orientadores religiosos preparados e credencia-
dos pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entida-
des religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respec-
tivo programa (BRASIL, 1996, on-line).

Voltou-se a considerar que o professor de ensino religioso não mereceria salário


e, introduziu-se a possibilidade do ensino confessional ou interconfessional.
Em julho de 1997, com a lei n. º 9.475/1997, o Artigo 33 recebe uma nova
redação, qual seja


O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte inte-
grante da formação básica do cidadão e constitui discipli-
na dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos
para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão
as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso (BRASIL, 1997, on-line).

Finalmente, em 2009, o Congresso Nacional aprova o já mencionado e comen-


tado Acordo Brasil-Santa Sé, que traz a seguinte redação:
157

Art. 11 - A República Federativa do Brasil, em observância ao di-
UNIDADE 4

reito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade


confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em
vista da formação integral da pessoa. §1º. O ensino religioso, católico
e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fun-
damental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do
Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigen-
tes, sem qualquer forma de discriminação (BRASIL, 2010, on-line).

pensando juntos

O acordo Brasil-Santa Sé fala em: “o ensino religioso, católico e de outras confissões re-
ligiosas”. Reflita até que ponto esse texto não está, de forma subliminar, privilegiando a
confissão católica, já que fala dela e das “outras” confissões. Em que medida não ficam
excluídas as pessoas que não têm nenhuma confissão religiosa confessa ou consciente?

O respeito à diversidade cultural e a falta de discriminação são avanços represen-


tados por essa legislação. O que diz a mais recente Base Nacional Comum Curri-
cular, que, em algumas versões, extinguia o ensino religioso das escolas públicas?

explorando Ideias

Leia o Acordo Brasil-Santa Sé na íntegra, aprovado em 2009, e que para muitos estudiosos
representa um retrocesso nos debates sobre a relação Estado-Igreja, no Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm.

A CNBB se defende, apresentando a sua versão, que se encontra disponível em:


http://www.cnbb.org.br/acor%C2%ADdo-en%C2%ADtre-o-bra%C2%ADsil-e-a-san%-
C2%ADta-se/.

Também, a visão do clero é importante nessa discussão para entendermos todos os lados
da questão. Veja a versão comentada por um cônego:
https://noticias.cancaonova.com/brasil/entenda-passo-a-passo-o-acordo-entre-brasil-e-
-santa-se/.

Fonte: a autora.
158
Como vimos, o ensino religioso teve diversas bases e marcos legais ao longo da

UNICESUMAR
história do Brasil, mas, basicamente, sempre foi de matrícula facultativa e oferta
obrigatória no tempo normal de aula.
A seguir, veremos como se equacionou a questão na BNCC, depois de muito
debate, idas e vindas de propostas de inclusão e exclusão do Ensino Religioso do
currículo básico nacional.

2
FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DO
ENSINO RELIGIOSO
na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC)

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) gerou muita discussão entre os bra-
sileiros, principalmente, entre os educadores. Depois de muitas idas e vindas, ela
estabelece o Ensino Religioso como uma de suas cinco áreas. Diz ela, ainda, que
no Ensino Religioso devem ser abordadas diferentes manifestações das religiões,
de todas as culturas e sociedades, a partir de pressupostos éticos e científicos, sem
tratar nenhuma crença ou convicção de maneira privilegiada.

159
A BNCC define quatro objetivos para o Ensino Religioso: “proporcionar a apren-
UNIDADE 4

dizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifes-


tações religiosas, percebidas na realidade dos educandos” (BRASIL, [2019], p. 436)
Tais conhecimentos já se acumulam na área recente de ciências das religiões,
que vem se desenvolvendo a olhos vistos, em todo o país, com novos cursos,
desde a graduação até a pós-graduação. Antes, as ciências da(s) religião(ões) se
limitavam ao nível da pós-graduação, mas agora contam com alguns cursos de
graduação. A BNCC descreve essa área da seguinte forma:


Essas Ciências investigam a manifestação dos fenômenos religiosos
em diferentes culturas e sociedades enquanto um dos bens simbó-
licos resultantes da busca humana por respostas aos enigmas do
mundo, da vida e da morte. De modo singular, complexo e diverso,
esses fenômenos alicerçaram distintos sentidos e significados de
vida e diversas ideias de divindade(s), em torno dos quais se or-
ganizaram cosmovisões, linguagens, saberes, crenças, mitologias,
narrativas, textos, símbolos, ritos, doutrinas, tradições, movimentos,
práticas e princípios éticos e morais. Os fenômenos religiosos em
suas múltiplas manifestações são parte integrante do substrato cul-
tural da humanidade (BRASIL, [2019], p. 436).

Diz o objetivo, ainda, que é preciso partir da realidade do aluno. Isso é fun-
damental e faz parte das conquistas da área de educação, que cada vez mais
se centra no aluno e não no professor. Levar em conta o contexto religioso do
educando é condição que une as tendências liberais e progressistas da educação,
que concordam nesse ponto.
O segundo objetivo é “propiciar conhecimentos a respeito da liberdade de
consciência e crença, com o constante propósito de promoção dos direitos hu-
manos” (BRASIL, [2019], p. 436), já que a crença religiosa é um desses direitos.
Ver a religião como direito também é fruto do pensamento pós-moderno,
que desenvolve e efetiva a era dos direitos, em que cada vez mais o ser humano
vem nos conquistando para si e para os outros.
Como terceiro objetivo, cita-se “desenvolver competências e habilidades que
contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exer-
citando o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo
com a Constituição Federal” (BRASIL, [2019], p. 436).

160
Esse pluralismo e ênfase no diálogo são fundamentais para que efetivamente

UNICESUMAR
os direitos de expressão de crença e de culto sejam respeitados. É preciso que os
alunos saibam respeitar as diferentes formas de religiosidade e saibam ampliar
os seus horizontes para tolerar o diferente.
Com relação à habilidade para o diálogo, a BNCC a relaciona a outro conceito
que é o da alteridade:


No Ensino Fundamental, o Ensino Religioso adota a pesqui-
sa e o diálogo como princípios mediadores e articuladores dos
processos de observação, identificação, análise, apropriação e
ressignificação de saberes, visando o desenvolvimento de com-
petências específicas. Dessa maneira, busca problematizar re-
presentações sociais preconceituosas sobre o outro, com o in-
tuito de combater a intolerância, a discriminação e a exclusão.
Por isso, a interculturalidade e a ética da alteridade cons-
tituem fundamentos teóricos e pedagógicos do En-
sino Religioso, porque favorecem o reconhecimen-
to e respeito às histórias, memórias, crenças, convicções e
valores de diferentes culturas, tradições religiosas e filosofias de vida.
O Ensino Religioso busca construir, por meio do estudo dos conheci-
mentos religiosos e das filosofias de vida, atitudes de reconhecimen-
to e respeito às alteridades. Trata-se de um espaço de aprendizagens,
experiências pedagógicas, intercâmbios e diálogos permanentes, que
visam o acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na
perspectiva da interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz.
Tais finalidades se articulam aos elementos da formação integral dos
estudantes, na medida em que fomentam a aprendizagem da convi-
vência democrática e cidadã, princípio básico à vida em sociedade
(BRASIL, [2019], p. 436-437).

Finalmente, o último objetivo é: “contribuir para que os educandos construam


seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania”
(BRASIL, [2019], p. 437).
Que a religião e seu ensino têm a ver com a própria vida e seus princípios é outro
reconhecimento recente, que vem sendo construído a partir de lutas da sociedade
organizada que vem batalhando o direito à religião. Mesmo se considerarmos um
pensamento ateu, ele tem a ver com a ética, pois define valores para si e para os outros.
161
UNIDADE 4

pensando juntos

Qual é a relação entre ética e religião, sendo que temos pessoas éticas que não são reli-
giosas e, religiosas que não são éticas? Será que ser religioso é sinônimo de ser ético? Será
que o fato de ser religioso dá à pessoa um salvo-conduto para fazer o que bem entende?

Em relação a isso lemos na BNCC que


Cabe ao Ensino Religioso tratar os conhecimentos religiosos a par-
tir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma
crença ou convicção. Isso implica abordar esses conhecimentos com
base nas diversas culturas e tradições religiosas, sem desconsiderar
a existência de filosofias seculares de vida (BRASIL, [2019], p. 436).

explorando Ideias

Saiba mais informações sobre como foi o complexo e polêmico processo histórico de
elaboração da BNCC, com todas as suas discussões e o histórico, acessando o site oficial.
Atente-se para as discussões em torno do Ensino Religioso nos diversos Estados:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico/.
Fonte: a autora.

Quanto às competências específicas para o ensino religioso, a BNCC estabelece


um total de seis. A primeira diz o seguinte:


Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/mo-
vimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos
científicos, filosóficos, estéticos e éticos (BRASIL, [2019], p. 437).

pensando juntos

Uma das opiniões sobre a oferta do Ensino Religioso é que ele seria inconstitucional, já que
estamos num Estado laico. Qual a sua posição sobre isso, agora que leu o material até aqui?
162
Então, isso exige do professor os conhecimentos específicos e uma postura, que o

UNICESUMAR
habilita a não estabelecer nenhum tipo de privilégio a determinada religião. Rela-
cionado a essa competência, temos a habilidade a ser desenvolvida no segundo ano
do ensino fundamental: “identificar, distinguir e respeitar símbolos religiosos de
distintas manifestações, tradições e instituições religiosas” (BRASIL, [2019], p. 444).
E no quarto ano, prevê-se a habilidade de “caracterizar ritos de iniciação e
de passagem em diversos grupos religiosos (nascimento, casamento e morte)”
(BRASIL, [2019], p. 449).
Relacionado a essa competência ainda, é mencionada, no sexto ano, a habili-
dade de “reconhecer e valorizar a diversidade de textos religiosos escritos (textos
do Budismo, Cristianismo, Espiritismo, Hinduísmo, Islamismo, Judaísmo, entre
outros)” (BRASIL, [2019], p. 453)
A segunda competência a ser desenvolvida pelo Ensino Religioso é a de
“compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de
vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios”
(BRASIL, [2019], p. 437).
Seria interessante, com relação a essa competência, usar a estratégia do es-
tudo de caso, em que se poderiam abordar casos de intolerância e desrespeito a
manifestações religiosas por todo o mundo.
A terceira competência tem a ver com a percepção e cuidado de si, dos outros
e da natureza: “reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza,
enquanto expressão de valor da vida” (BRASIL, [2019], p. 437).
Esse texto abre a possibilidade de o professor trabalhar a relação entre re-
ligiosidade e ecologia, que é muito interessante, já que, de acordo com várias
narrativas da criação do mundo, o homem foi incumbido pela divindade a zelar
pela natureza. Um livro muito importante para se trabalhar essa relação é “Saber
Cuidar” de Leonardo Boff (1999). Ele faz uma ponte entre religiosidade, ecologia
e ética, por meio dos valores ligados ao cultivo da terra, pois a terra, de acordo
com várias tradições, é a nossa mãe e devemos valorizar e zelar por ela de todos
os modos. É ela que nos dá vida.
Só essas competências, que já justificariam o ensino religioso nas escolas, não
bastam. A quarta competência é saber “conviver com a diversidade de crenças, pen-
samentos, convicções, modos de ser e viver” (BRASIL, [2019], p. 437). Essa habilida-
de, uma das mais importantes do Ensino Religioso, exige não apenas a habilidade
da tolerância, mas também a capacidade de escuta e atenção ao outro. Requer ainda

163
a habilidade de considerar diferentes visões a respeito de um mesmo fato ou fenô-
UNIDADE 4

meno, ao invés de ter uma visão unilateral e estereotipada das coisas, e respeitá-las.
A competência seguinte insere o Ensino Religioso em um quadro mais amplo.
Ela reza: “analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura,
da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambien-
te” (BRASIL, [2019], p. 437). Aqui, mais uma vez, é útil ao educador consultar o
campo das Ciências da(s) religião(ões), que é eminentemente interdisciplinar,
estabelecendo um diálogo frutífero com vários outros campos do saber. Quanto à
relação com o meio ambiente, mais uma vez podemos citar o livro de Boff (1999).
Finalmente, a última competência é a de:


Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e prá-
ticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso,
de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da
cidadania e da cultura de paz (BRASIL, [2019], p. 437).

A competência de número seis está em consonância com a nona competência


geral da base que é:


Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a coope-
ração, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos
direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de
indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e
potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza (BRASIL,
[2019], p. 10).

Grande parte das atitudes preconceituosas se devem à ignorância e falta de co-


nhecimento. Assim, quanto mais os educandos forem expostos a “saberes, iden-
tidades, culturas e potencialidades de diversas religiões”, mais se evitará que um
dia eles desenvolvam atitudes preconceituosas e mais se desconstruirão atitudes
já desenvolvidas nesse sentido.
É preciso considerar que o preconceito nasce também do medo do
desconhecido e do outro. Atitudes xenófobas sempre se basearam no medo
do diferente, do diverso. Desse modo, quanto mais esse diferente for conheci-
do, mais ele tenderá a ser aceito e maior a possibilidade de se desenvolver uma
postura de empatia em relação a ele.
164
Como se não bastassem essas, que outras habilidades estão envolvidas no

UNICESUMAR
desenvolvimento dessas competências? Para o terceiro ano do ensino funda-
mental, se estabelece, por exemplo, a capacidade de: “identificar e respeitar prá-
ticas celebrativas (cerimônias, orações, festividades, peregrinações, entre outras)
de diferentes tradições religiosas” (BRASIL, [2019], p. 447). Aqui, seria possível
trabalhar com o drama pedagógico, fazendo os alunos, em grupos, pesquisarem
diferentes celebrações e vivenciá-las em sala, imitando as práticas pesquisadas.
Para a sétima série, se espera “discutir estratégias que promovam a convivência
ética e respeitosa entre as religiões” (BRASIL, [2019], p. 455). Mais uma vez entra em
jogo o valor da tolerância e a capacidade de desenvolvimento de planos de ação para
promovê-la. Nesse sentido, os educandos também vão desenvolver a habilidade de
elaboração de projetos de intervenção transformadora da realidade circundante.
Além disso, é mister nessa sétima série “reconhecer o direito à liberdade
de consciência, crença ou convicção, questionando concepções e práticas
sociais que a violam” (BRASIL, [2019], p. 456). Sugiro, para o desenvolvi-
mento dessa habilidade, trabalhar com notícias do jornal ou da internet que
narrem casos de violação do direito à liberdade religiosa. Só tem que se tomar
cuidado com as Fake News.
No restante do texto da BNCC, promove-se uma visão dialética e interativa do
ser humano e da sua religiosidade, sendo que ele se posta entre a apropriação e a
produção cultural; a identidade e a alteridade; a imanência, que para os articulis-
tas é a “dimensão concreta, biológica” (BRASIL, [2019], p. 438), e a transcendência,
que para eles é a “dimensão subjetiva, simbólica”.
Mais do que isso, a transcendência dá conta do mistério e do que vai além da
compreensão meramente racional das coisas e, portanto, também vai além do
aqui e agora. A transcendência é o âmbito, em outras palavras, da metafísica, em
que se fala usando figuras de linguagem, como a metáfora, o símbolo e o mito, já
que o sentido literal das palavras não dá conta dos fenômenos analisados.


Ambas as dimensões possibilitam que os huma-
nos se relacionem entre si, com a natureza e com a(s) di-
vindade(s), percebendo-se como iguais e diferentes.
A percepção das diferenças (alteridades) possibilita a distinção en-
tre o “eu” e o “outro”, “nós” e “eles”, cujas relações dialógicas são me-
diadas por referenciais simbólicos (representações, saberes, cren-
ças, convicções, valores) necessários à construção das identidades.

165
Tais elementos embasam a unidade temática Identidades e alterida-
UNIDADE 4

des, a ser abordada ao longo de todo o Ensino Fundamental, especial-


mente nos anos iniciais. Nessa unidade pretende-se que os estudantes
reconheçam, valorizem e acolham o caráter singular e diverso do ser
humano, por meio da identificação e do respeito às semelhanças e
diferenças entre o eu (subjetividade) e os outros (alteridades), da com-
preensão dos símbolos e significados e da relação entre imanência e
transcendência (BRASIL, [2019], p. 437 – grifos dos autores).

pensando juntos

Embora a imanência e a transcendência mantenham entre si uma relação dialética na realida-


de e na experiência do sujeito, é a transcendência que entra em jogo na religião, que também
envolve o corpo, principalmente, nos rituais e celebrações, mas muito mais a alma, que são
as emoções, e o espírito, que se encarrega da religação entre o ser humano e a divindade.

Sobre o conceito de transcendência, suas linguagens, função e formas de manifes-


tação e sua relação com a religiosidade, os articulistas da BNCC dizem o seguinte:


A dimensão da transcendência é matriz dos fenômenos e das ex-
periências religiosas, uma vez que, em face da finitude, os sujeitos
e as coletividades sentiram-se desafiados a atribuir sentidos e sig-
nificados à vida e à morte. Na busca de respostas, o ser humano
conferiu valor de sacralidade a objetos, coisas, pessoas, forças da na-
tureza ou seres sobrenaturais, transcendendo a realidade concreta.
Essa dimensão transcendental é mediada por linguagens espe-
cíficas, tais como o símbolo, o mito e o rito. No símbolo, encon-
tram-se dois sentidos distintos e complementares. Por exemplo,
objetivamente uma flor é apenas uma flor. No entanto, é possível
reconhecer nela outro significado: a flor pode despertar emoções
e trazer lembranças. Assim, o símbolo é um elemento cotidiano
ressignificado para representar algo além de seu sentido primeiro.
Sua função é fazer a mediação com outra realidade e, por isso, é uma
das linguagens básicas da experiência religiosa. Tal experiência é
uma construção subjetiva alimentada por diferentes práticas espi-
rituais ou ritualísticas, que incluem a realização de cerimônias, cele-
166
brações, orações, festividades, peregrinações, entre outras. Enquanto

UNICESUMAR
linguagem gestual, os ritos narram, encenam, repetem e representam
histórias e acontecimentos religiosos. Desta forma, se o símbolo é
uma coisa que significa outra, o rito é um gesto que também aponta
para outra realidade. Os rituais religiosos são geralmente realizados
coletivamente em espaços e territórios sagrados (montanhas, mares,
rios, florestas, templos, santuários, caminhos, entre outros), que se
distinguem dos demais por seu caráter simbólico. Esses espaços
constituem-se em lócus de apropriação simbólico-cultural, onde
os diferentes sujeitos se relacionam, constroem, desenvolvem e vi-
venciam suas identidades religiosas (BRASIL, [2019], p. 438-439).

E esses espaços sagrados envolvem ainda personagens, também consideradas


sagradas ou santas, que cuidam dos serviços religiosos, como sacerdotes, guias,
líderes religiosos, entre outros. Seu papel é específico e público, incumbindo-se
da evangelização, da doutrinação, da organização, da interpretação dos textos
e narrativas sagrados e da transmissão de valores, princípios, além da repro-
dução de práticas, que vão compor a tradição litúrgica e ritualística daquela
religião. Assim, eles influenciam todas as demais esferas sociais, interferindo
ativamente no cotidiano dos fiéis.
Os articulistas da BNCC também vão definir o que entendem por “Unidade
temática”, que é um recurso para facilitar o estabelecimento do currículo de En-
sino Religioso vejamos:


Esse conjunto de elementos (símbolos, ritos, espaços, territó-
rios e lideranças) integra a unidade temática Manifestações reli-
giosas, em que se pretende proporcionar o conhecimento, a va-
lorização e o respeito às distintas experiências e manifestações
religiosas, e a compreensão das relações estabelecidas entre as li-
deranças e denominações religiosas e as distintas esferas sociais.
Na unidade temática Crenças religiosas e filosofias de vida, são tratados
aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos
e filosofias de vida, particularmente sobre mitos, ideia(s) de divinda-
de(s), crenças e doutrinas religiosas, tradições orais e escritas, ideias
de imortalidade, princípios e valores éticos (BRASIL, [2019], p. 439).

167
Também a mitologia, que é a narrativa de histórias que dão explicação aos fenô-
UNIDADE 4

menos naturais e humanos, com inserção de elementos mágicos e imaginativos,


merece considerações especiais, já que


Os mitos são outro elemento estruturante das tradições religiosas.
Eles representam a tentativa de explicar como e por que a vida, a na-
tureza e o cosmos foram criados. Apresentam histórias dos deuses ou
heróis divinos, relatando, por meio de uma linguagem rica em simbo-
lismo, acontecimentos nos quais as divindades agem ou se manifestam.
O mito é um texto que estabelece uma relação entre ima-
nência (existência concreta) e transcendência (o caráter sim-
bólico dos eventos). Ao relatar um acontecimento, o mito
situa-se em um determinado tempo e lugar e, frequentemente, apresen-
ta-se como uma história verdadeira, repleta de elementos imaginários.
No enredo mítico, a criação é uma obra de divindades, seres, entes ou
energias que transcendem a materialidade do mundo. São representados
de diversas maneiras, sob distintos nomes, formas, faces e sentidos, segun-
do cada grupo social ou tradição religiosa (BRASIL, [2019], p. 439-440).

Em seguida, estabelece-se a relação entre mito, rito e símbolo, que são os elemen-
tos que estão na base das narrativas religiosas.


O mito, o rito, o símbolo e as divindades alicerçam as crenças, enten-
didas como um conjunto de ideias, conceitos e representações estru-
turantes de determinada tradição religiosa. As crenças fornecem res-
postas teológicas aos enigmas da vida e da morte, que se manifestam
nas práticas rituais e sociais sob a forma de orientações, leis e costumes.
Esse conjunto de elementos originam narrativas religiosas que, de
modo mais ou menos organizado, são preservadas e passadas de
geração em geração pela oralidade. Desse modo, ao longo do tempo,
cosmovisões, crenças, ideia(s) de divindade(s), histórias, narrativas
e mitos sagrados constituíram tradições específicas, inicialmente
orais. Em algumas culturas, o conteúdo dessa tradição foi registrado
sob a forma de textos escritos (BRASIL, [2019], p. 439-440).

O que diferencia os mitos dos textos usados diretamente pelas religiões como
inspirados pela divindade? Ao contrário da mitologia, os textos sagrados reúnem
recomendações, valores, princípios, dogmas, crenças e artigos de fé, que procuram
168
dar sentido à vida, estabelecendo princípios que embasam a relação entre o ser

UNICESUMAR
humano e o(s) deus(es) e com o meio ambiente. Essa doutrina é que se transmite
com o ensino religioso, que sempre foi praticado nas comunidades e não é ne-
nhuma novidade. Ela abarca uma amplitude de assuntos de interesse religioso:


No conjunto das crenças e doutrinas religiosas encontram-se ideias
de imortalidade (ancestralidade, reencarnação, ressurreição, trans-
migração, entre outras), que são norteadoras do sentido da vida
dos seus seguidores. Essas informações oferecem aos sujeitos re-
ferenciais tanto para a vida terrena quanto para o pós-morte, cuja
finalidade é direcionar condutas individuais e sociais, por meio de
códigos éticos e morais. Tais códigos, em geral, definem o que é certo
ou errado, permitido ou proibido. Esses princípios éticos e morais
atuam como balizadores de comportamento, tanto nos ritos como
na vida social (BRASIL, [2019], p. 440-441).

Os articuladores da BNCC também comentam que mesmo quem não tem reli-
gião pode ter uma filosofia de vida que dá conta do papel da religião na orientação
do comportamento e da experiência dos sujeitos. Pessoas sem religião, portanto,
também devem ser respeitadas em suas convicções e crenças a respeito da vida.
Ao final da BNCC, são ainda recomendados os conteúdos para serem tra-
balhados em cada série, considerando-se que as unidades temáticas “expressam
um arranjo possível (dentre outros). Portanto, os agrupamentos propostos não
devem ser tomados como modelo obrigatório para o desenho dos currículos”
(BRASIL, [2019], p. 441).

169
3
FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DO
UNIDADE 4

ENSINO RELIGIOSO
nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o ensino religioso

Parâmetros Curriculares são como um mapa de navegação de um avião. O piloto


e copiloto precisam de um direcionamento e de uma rota de voo para chegar ao
seu destino, senão, podem ir parar onde não querem ou gastar a gasolina antes
de pousarem no aeroporto certo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso celebram que,
finalmente, o Ensino Religioso é tratado como campo do conhecimento que não
pertence às religiões, mas à escola e que visa ao conhecimento e ao diálogo, ou
seja, dar acesso a saberes provenientes de várias religiões em interação entre si.
Tais conhecimentos são direito de todos, uma vez que fazem parte do patri-
mônio cultural comum da humanidade, historicamente gerado e acumulado.
Mas dar acesso ao conhecimento não é o mesmo que induzir os alunos a
abraçarem esta ou aquela religião, que não é absolutamente função da escola.
Pelo contrário, ela é até proibida de fazer isso. O professor de ensino religioso
deve manter-se o mais neutro possível em relação à diversidade de religiões, até
por uma questão ética e humanística.
A religiosidade é uma das dimensões da integralidade da educação que deve ser
oferecida pela escola, a qual envolve ainda aspectos racionais, emocionais, intuitivos e
sensoriais. O aspecto religioso se volta para o transcendental e, por isso, ajuda o aluno
a extrapolar os limites do aqui e agora e se ligar a temas que vão além da superficiali-
dade dos assuntos tratados nas demais disciplinas, mas sempre em diálogo com elas.
170
São tratadas questões como a finitude e infinitude, a morte, o sentido da

UNICESUMAR
vida e da existência, os valores universais da humanidade e todos os mistérios
insolúveis para a ciência.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso organizam-se
em torno de cinco eixos, a saber: Culturas e Religiões, Escrituras Sagradas,
Teologias, Ritos e Ethos.
Vamos ver o que Viesser (2018, on-line) tem a dizer sobre cada um deles.


Culturas e Tradições religiosas.
É o estudo do fenômeno religioso à luz da razão humana, analisando
questões como: função e valores da tradição religiosa, relação entre
tradição religiosa e ética, teodicéia, tradição religiosa natural e re-
velada, existência e destino do ser humano nas diferentes culturas.
Esse estudo reúne o conjunto de conhecimentos ligados ao fenôme-
no religioso, em um número reduzido de princípios que lhe servem
de fundamento e lhe delimitam o âmbito da compreensão. Assim,
não se separa das ciências que se ocupam com o mesmo objeto
como: filosofia da tradição religiosa, história e tradição religiosa,
sociologia e tradição religiosa, psicologia e tradição religiosa, nem
delimita, de maneira absoluta e definitiva um critério epistemoló-
gico unívoco (VIESSER, 2018, on-line).

Os conteúdos a serem tratados nesse tópico são – a filosofia, a sociologia, a psi-


cologia e a história da tradição religiosa. Esse eixo é eminentemente pluralista
e ecumênico, no sentido de dar voz e vez a todas as vertentes da religião e suas
tradições, em sua relação com a cultura.


Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais
São os textos que transmitem, conforme a fé dos seguidores, uma
mensagem do Transcendente, onde pela revelação, cada for-
ma de afirmar o Transcendente faz conhecer aos seres humanos
seus mistérios e sua vontade, dando origem às tradições. E estão
ligados ao ensino, à pregação, à exortação e aos estudos eruditos.
Contém a elaboração dos mistérios e da vontade manifesta do
Transcendente com objetivo de buscar orientações para (sic)
vida concreta neste mundo. Essa elaboração se dá num pro-
cesso de tempo-história, num determinado contexto cultural,

171
como fruto próprio da caminhada religiosa de um povo, ob-
UNIDADE 4

servando e respeitando a experiência religiosa de seus ances-


trais, exigindo a posteriori uma interpretação e uma exegese.
Nas tradições religiosas que não possuem o texto sagrado escrito, a
transmissão é feita na tradição oral (VIESSER, 2018, on-line).

Os conteúdos propostos para esse tópico extremamente literário e linguístico são


a revelação (até que ponto as escrituras sagradas são divinamente inspiradas), a
história das narrativas sagradas, o contexto cultural e a exegese, que é o estudo
mais aprofundado e sistemático das Escrituras Sagradas e tradições orais.
O próximo eixo já é mais técnico:


Teologias
É o conjunto de afirmações e conhecimentos elaborados
pela religião e repassados para os fiéis sobre o
Transcendente, de um modo organizado ou sistematizado.
Como o Transcendente é a entidade ordenadora e o senhor abso-
luto de todas as coisas, expressa-se esse estudo nas verdades de fé.
E, a participação na natureza do Transcendente é entendida como
graça e glorificação, respectivamente no tempo e na infinidade. Para
alcançar essa infinidade o ser humano necessita passar pela reali-
dade última da existência do ser, interpretada como ressurreição,
reencarnação, ancestralidade havendo espaço para a negação da
vida além morte (VIESSER, 2018, on-line).

É preciso considerar que a teologia é composta de Theo, Deus, e logos, palavra ou


conhecimento, ou seja, conhecimento sobre Deus. Então, os conteúdos tratados
nesse eixo são baseados nas divindades, nas verdades da fé e na concepção que
se tem da vida além da morte.


Ritos
É a série de práticas celebrativas das tradições religiosas formando
um conjunto de:
a) rituais que podem ser agrupados em três categorias principais:
os propiciatórios (que se constituem principalmente de orações,
sacrifícios e purificações); os divinatórios (que visam conhecer os
desígnios do Transcendente em relação aos acontecimentos futu-
ros); os de mistérios (que compreendem as várias cerimônias rela-

172
cionadas com certas práticas limitadas a um número restrito de fiéis,

UNICESUMAR
embora também haja uma forma externa acessível a todo o povo;
b) símbolos que são sinais indicativos que atingem a fan-
tasia do ser, levando-o à compreensão de alguma coisa;
c) espiritualidades que alimentam a vida dos adeptos através de en-
sinamentos, técnicas e tradições, a partir de experiências religiosas e
que permitem ao crente uma relação imediata com o Transcendente
(VIESSER, 2018, on-line).

Os conteúdos correspondentes a esse eixo são rituais, símbolos e espiritualidades,


ou seja, práticas religiosas que remetem o sujeito ao transcendente.
O próximo eixo está ligado tanto à ética e moral quanto à crítica, por um lado,
e à utopia, por outro:


Ethos
É a forma interior da moral humana em que se realiza o próprio
sentido do ser. É formado na percepção interior dos valores,
de que nasce o dever como expressão da consciência e como
resposta do próprio “eu” pessoal. O valor moral tem ligação com
um processo dinâmico da intimidade do ser humano e, para
atingi-lo, não basta deter-se à superfície das ações humanas.
Essa moral está iluminada pela ética, cujas funções são mui-
tas, salientando-se a crítica e a utópica. A função crítica, pelo
discurso ético, detecta, desmascara e pondera as realizações
inautênticas da realidade humana. A função utópica proje-
ta e configura o ideal normativo das realizações humanas.
Essa dupla função caracteriza-se na busca de “fins” e de “significa-
dos”, na necessidade de utopias globais e no valor inalienável do
ser humano e de todos os seres, onde ele não é sujeito nem valor
fundamental da moral numa consideração fechada de si mesmo
(VIESSER, 2018, on-line).

Os conteúdos propostos são alteridade, ou seja, a percepção do outro; os valores


e os limites, isto é, até onde se pode ir na liberdade, por exemplo.
Outro texto importante desses parâmetros é a análise de Toledo e Amaral (2004)
dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, no qual observam que
a escola pública nasceu do ensino religioso que só se tornou secular com a Procla-
mação da República e, um ano mais tarde, com a separação entre Estado e Igreja.
173
Os Parâmetros que eles analisam trazem a novidade desse campo polêmico,
UNIDADE 4

de tratar o ensino religioso como área científica, que muito tem a contribuir com
a formação do ser humano. E eles explicitam assim os seus objetivos no artigo:


O que se pretende aqui é discutir o novo modelo proposto para
o Ensino Religioso, porque, embora sua concepção tenha sofrido
alterações, inicialmente como cristianização e manutenção da reli-
gião Católica, com caráter explicitamente catequético e mais tarde
como modelo ecumênico, através do diálogo entre as confissões
cristãs, nunca antes possuiu o caráter que hoje lhe é imprimido:
criou-se uma identidade pedagógica para o Ensino Religioso que
tem como pressuposto fundamental a formação básica do cidadão.
A construção desse componente curricular se encontra organiza-
da nos PCNER (2000), e o configura como área de conhecimento,
atribuindo-lhe um caráter pedagógico como o de qualquer outra
disciplina do currículo básico da educação nacional (TOLEDO;
AMARAL, 2004, p. 3).

No artigo, os autores esclarecem que os Parâmetros Curriculares do Ensino


Religioso, ao contrário do que aconteceu com os Parâmetros das demais áreas,
escritos por comissões de especialistas, foram formulados por integrantes pelo
FONAPER (1997) — Fórum Nacional Permanente para o Ensino Religioso —
que é composto por representantes de todas as religiões e de todas as regiões do
país, mas predominantemente os católicos.
Eles deixam claro, ainda, que os Parâmetros foram criados para resolver
o impasse do texto da LDB que dizia que o Ensino Religioso não tinha ônus
para os cofres públicos, com base na Constituição, que diz que o Estado não
pode subvencionar a Igreja.
A solução era a retirada do caráter proselitista e eminentemente católico do
ensino religioso, imprimindo-lhe um caráter pluralista e de formação cidadã,
muito mais do que de catequese. Também, o conceito de religião foi desconstruí-
do e reconstruído como eles bem descrevem:


Transformar o Ensino Religioso em disciplina implicou definir-lhe
objeto e objetivos próprios, pois havia que se considerar as duas
áreas nas quais este componente está envolvido: educação es-
colar pública e religião. Partiu-se, então, da elaboração de uma
174
nova concepção do Ensino Religioso, que exigiu o entendimen-

UNICESUMAR
to da religião, não necessariamente vinculada às instituições
religiosas. Portanto, a estratégia utilizada pelos organizadores
do PCNER foi mudar o conceito do termo religião, isto é, subs-
tituíram o sentido tradicional de religião, que é “religar” a Deus
para o sentido de “reler”, ou seja, religião no sentido de releitura.
Tomando esse conceito de religião, o Ensino Religioso passou a
ter como enfoque o fenômeno religioso e como finalidade a sua
releitura, no sentido epistemológico. Nessa perspectiva, o Ensino
Religioso passou para o âmbito secular, devendo ser tratado episte-
mologicamente, tendo como substrato as ciências da religião como
filosofia, história, sociologia e antropologia da religião (TOLEDO;
AMARAL, 2004, p. 5).

Os Parâmetros escritos, em 1997, têm 63 páginas que estabelecem a identidade


da área do conhecimento, denominado religião, seus objetivos e história, sua
metodologia e estratégias avaliativas próprias, além de orientações didáticas e
curriculares específicas.
A partir desse ponto, os autores fazem vários questionamentos que tentam
responder com base em Bourdieu e Gramsci:


É intrigante e, até difícil, pela própria natureza histórica do
Ensino Religioso no Brasil, compreender o caráter “científico”
que ora lhe é impresso. Mais intrigante ainda é concebê-lo de
forma neutra, secularizada, dentro de uma sociedade cuja própria
configuração se deu de forma hegemonizadora, da qual, a partir
do novo modelo, abriu mão a Igreja Católica Romana, que de-
teve, desde o início da colonização, o controle sobre tal matéria.
Tais fatos suscitaram questionamentos como: como foi dado o ca-
ráter científico ao Ensino Religioso? Qual o interesse, por parte dos
setores públicos, em mantê-lo na escola? Qual a relevância de um
Ensino Religioso de caráter científico para a Igreja, principalmente a
Católica, que esteve à frente para a sua aprovação? Qual a concepção
de esfera pública e privada subjacentes a essa ação? Como se dão
as relações entre sociedade civil e sociedade política no Brasil? As
respostas a estes questionamentos devem partir, necessariamente, da
constatação de que o tema está inserido em uma relação complexa
entre religião e educação. Para entendê-la é preciso situá-la na dinâ-
175
mica das relações que se travam nos vários campos de poder exis-
UNIDADE 4

tentes na sociedade. Assim, faz-se necessário estudar a dinâmica da


organização interna de cada campo, ou seja, do campo da educação
e do campo da religião, para poder relacioná-los, e, nesse sentido,
contribui muito a noção de campo de Pierre Bourdieu (1930-2002),
porque permite vislumbrar esses campos atuando na sociedade em
busca da manutenção da hegemonia, com relativa autonomia, mas,
ao mesmo tempo em que se reproduz, acaba colaborando para a
manutenção e reprodução de outros campos de poder na sociedade
(TOLEDO; AMARAL, 2004, p. 6).

Após explicar como se dá a manutenção de estruturas de poder na sociedade, os


autores defendem a ideia de que haja uma luta pela hegemonia da parte da igreja
católica no campo do ensino religioso.
Os autores traçam ainda um perfil da religiosidade brasileira destacando o
fato de a igreja católica ter perdido espaço para os evangélicos, particularmente,
os neopentecostais e os que se assumem como “sem-religião”.
Diante disso, a igreja católica mudou de discurso, assumindo um caráter mais
humanizador e cidadão, participando de debates internacionais e, ao contrário
da postura tradicional “anti-modernidade”, abriu-se ao novo.


Dessa forma, em relação à modernidade, a crítica não é feita mais em
nome dos valores da tradição, mas em nome do direito do homem
e do bem da humanidade. A questão deixa de ser unicamente reli-
giosa, passando para o campo da ética, e assim, partilhada por toda
a sociedade. A mesma estratégia pode ser observada na proposta
para o Ensino Religioso na escola pública, porque, não podendo
mais se falar em nome de uma única tradição, abre-se o leque para
as demais tradições religiosas em nome do multiculturalismo, de
forma que não possa ser questionada quanto ao caráter proselitista,
para que assim possa ser partilhada por todos na sociedade. E todos
os grupos religiosos acabam sendo beneficiados por isso. Tanto que
diferentes denominações religiosas, com concepções distintas, se
uniram para defender o Ensino Religioso nas escolas públicas e
não perder esse domínio no espaço público. Todavia, é importante
observar como a Igreja Católica tem se comportado em relação ao
tema (TOLEDO; AMARAL, 2004, p. 10).

176
Nessa esteira, Toledo e Amaral estabelecem paralelos entre os parâmetros e do-

UNICESUMAR
cumentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e as Diretrizes
Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja Católica no Brasil (DGAE), principal-
mente, no que diz respeito ao combate ao proselitismo, mesmo na evangelização
e na valorização do ecumenismo e diálogo inter-religioso e da individualidade e
liberdade de consciência dos fiéis.
Eles estabelecem ainda um paralelo entre as diretrizes dos jesuítas e o docu-
mento do Vaticano II. E explicam, referindo-se àquelas diretrizes:


Essa interpretação guarda similaridades com os PCNER, em
particular com o Vaticano II, que reconheceu que o mun-
do é plural e que, portanto, a Igreja deveria adotar uma po-
sição que possibilitasse uma abertura ao diálogo para com
outras religiões. Tal similaridade não significa, evidentemen-
te, que as propostas e concepções presentes nos PCNER te-
nham sido derivadas diretamente daqueles outros documentos.
Entretanto, não há como negar as relações dos PCNER com as
determinações da Igreja Católica, por mais que se tenha tentado
desvinculá-lo, o suporte da proposta para o Ensino Religioso, ain-
da, guarda profundas relações com a Igreja Católica (TOLEDO;
AMARAL, 2019, p. 12).

pensando juntos

Ao contrário do que possa parecer, a igreja não está evoluindo para uma posição mais
aberta ao diálogo, mas está se rendendo a uma realidade cada vez mais plural. A religião,
da mesma forma que o ensino religioso, e suas relações com a ciência podem ser ques-
tionados, em busca de interesses ocultos por trás desses movimentos de aproximação.

Para os autores é questionável a postura de alguns sociólogos que fazem a defesa


velada da religião. Eles tentam ocultar o fato da religião servir a interesses de
dominação, como a política.
Da mesma forma, os autores põem em dúvida a legitimidade do ensino reli-
gioso nas escolas. E comentam “cabe perguntarmos se o espaço público é o espaço

177
legítimo para a divulgação e sustentação de lutas que deveriam ser travadas em
UNIDADE 4

outras esferas” (TOLEDO; AMARAL, 2005, p. 15).


Os autores concluem com um discurso sobre a importância do espaço pú-
blico em detrimento do particular, e que no espaço público não se justificam
discursos de cunho religioso, que é particular. Por isso é que não é legítimo o
ensino religioso nas escolas, que representa um


[...] retrocesso para as conquistas dos ideais republicanos à medida
que abre espaço nos domínios públicos para determinações emana-
das das diversas denominações religiosas que não se justificam num
regime republicano laico, mesmo tendo em vista a pluralidade cultu-
ral e religiosa existente no Brasil (TOLEDO; AMARAL, 2019, p. 17).

Além dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso temos Diretri-


zes Curriculares em vários estados da federação. Já que a LDB não estabelece mais
detalhes e abre a possibilidade para um ensino confessional e interconfessional,
cada sistema inventou a sua forma de entender e regularizar o seu ensino religioso.
Dada a grande diversidade de modelos existentes, Lima e Menin (2017) limi-
taram seu estudo a três Estados: no Rio de Janeiro, que adota o modelo confessio-
nal; em São Paulo, que usa a história das religiões como base do Ensino Religioso;
e o Paraná, que aplica o modelo interconfessional.
E já adiantam que


Embora haja um aparente distanciamento de modelos, as justificati-
vas que os sustentam se assemelham, fazendo com que, independen-
temente do modelo adotado, o ER seja um espaço em que o objetivo
maior seja a formação integral do sujeito. Vista dessa forma, a disci-
plina pode acabar tensionando os limites da laicidade, desfavorecer
a diversidade e igualdade entre os grupos religiosos e inviabilizar a
realidade social de indivíduos que não professam nenhuma religião
(LIMA; MENIN, 2017, p. 142).

Quanto ao Estado do Rio de Janeiro, as autoras comentam que foi decretada uma
Lei Estadual e vários decretos:

178

Por meio da Lei Estadual nº 3.459, de 14 de setembro de 2000 (Rio

UNICESUMAR
de Janeiro, 2000), institui-se o ER como disciplina de oferta obriga-
tória e matrícula facultativa nas escolas públicas de Educação Bási-
ca, na forma confessional, de acordo com as preferências manifesta-
das pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 anos.
A referida Lei delega ainda o credenciamento de professores, a se-
leção dos conteúdos e a elaboração do material didático às autori-
dades religiosas. Dela decorrem dois Decretos do Poder Executivo
estadual: Decretos 29.228, de 20 de setembro de 2001 (Rio de Janei-
ro, 2001), e 31.086, de 27 de março de 2002 (Rio de Janeiro, 2002)
(LIMA; MENIN, 2017, p. 142-143).

O fato de as autoridades religiosas se encarregarem da seleção de professores e


conteúdos, bem como do material didático, gerou acirradas discussões na socie-
dade civil sobre a legitimidade da coisa, já que isso configura um ensino proselitis-
ta e não pluralista. Discutiu-se ainda, a falta de previsão de Ensino Religioso nos
cursos técnicos e nas escolas de ensino Normal, bem como na educação infantil.
Outra questão polêmica é que as escolas são obrigadas a oferecer o ensino
religioso de acordo com a confissão de cada aluno, o que se tornou inviável e des-
proporcional, sendo que de quinhentas matrículas, mais de 300 eram de católicos,
mais de 100 de evangélicos e o restante de religiões não especificadas.
A questão das exigências, também, em relação ao recrutamento de professores
não é matéria fácil. Sobre isso, os autores declaram que:


Os professores devem possuir formação universitária, com título
de licenciatura plena e credenciamento pela respectiva autoridade
religiosa. Sem o documento que o credencie, o professor, mesmo que
aprovado em concurso, não pode assumir o cargo. Caso o professor,
no decorrer de sua atividade docente, perca sua fé, torne-se agnós-
tico ou ateu, ou perca o seu credenciamento, não pode ser mantido
como professor de ER. A remuneração desses profissionais obede-
ce aos mesmos padrões remuneratórios do pessoal do quadro do
Magistério Público Estadual; no entanto, é de direito da autoridade
religiosa cancelar a qualquer tempo o credenciamento concedido
aos professores concursados (LIMA; MENIN, 2017, p.143).

179
Além do recrutamento dos professores, surge o problema da discriminação de
UNIDADE 4

alunos de religiões minoritárias – as de origem africana, sem religião ou ateus e


agnósticos – e a questão da liberdade de opinião em questões polêmicas, como a
origem da vida e do aborto, nas salas de aula confessionais. As autoras concluem
que “em um estado laico, as escolas públicas são espaços de promoção do bem pú-
blico, e não de interesses ou crenças particulares” (LIMA; MENIN, 2017, p. 144).
Vários documentos católicos, publicados no Estado, foram analisados e de-
fendem a liberdade religiosa e a responsabilidade das famílias de decidirem a
confessionalidade da criança.
Também foi analisado o documento de


[...] Orientações básicas para o Ensino Religioso nas escolas es-
taduais (Rio de Janeiro, 2014), cuja organização é dos seguintes
órgãos: Subsecretaria de Gestão da Rede e de Ensino, superin-
tendência pedagógica e coordenação de Ensino Religioso. Nele,
encontramos orientações legais e pedagógicas para a disciplina.
Nas orientações pedagógicas, são listadas: A) as responsabilidades do
diretor da unidade escolar; B) a metodologia de trabalho do professor;
C) os conteúdos; D) a avaliação e; E) a responsabilidade da regional
pedagógica quanto ao Ensino Religioso (LIMA; MENIN, 2017, p. 145).

Mais adiante, essas partes são esmiuçadas, começando pela função do diretor:


O diretor tem a responsabilidade de respeitar a matrícula faculta-
tiva e o caráter da confessionalidade religiosa na constituição das
turmas; realizar, no ato da matrícula, o levantamento das opções
religiosas dos alunos, para a formação das turmas; constituir as tur-
mas independe do número de alunos (Rio de Janeiro, 2014) (LIMA;
MENIN, 2017, p. 145).

Com relação aos conteúdos, a orientação básica é que se atente para as questões
pessoais de transcendência e sentido da vida, sendo a religião tida como “cami-
nho para a realização pessoal” (LIMA; MENIN, 2017, p. 145). A responsabilidade
sobre os conteúdos e materiais didáticos é atribuída às autoridades religiosas e a
avaliação deve ser formativa e não terminal.

180
Na regional pedagógica criam-se ainda as figuras do Articulador Técnico-Pe-

UNICESUMAR
dagógico, que faz a ponte entre a coordenação do Ensino Religioso e os professores,
e o Articulador Religioso, que é o “elo entre as Autoridades Religiosas, as Regionais
Pedagógicas e a coordenação de Ensino Religioso” (LIMA; MENIN, 2017, p. 145).
No Estado de São Paulo, existem várias leis que se dedicam ao Ensino Reli-
gioso. Lima e Menin (2017, p. 146) resumem assim essa legislação:


Soma-se à Lei 10.783/2001, como medidas normativas importan-
tes para conhecermos os contornos da disciplina, a Deliberação
16/2001 (São Paulo, 2001b), a Indicação 07/2001 (São Paulo, 2001a)
do Conselho Estadual de Educação, que pretende estabelecer as di-
retrizes gerais para a implementação do ER nas escolas estaduais
de São Paulo, os cadernos explicativos que têm por título O Ensino
Religioso na escola pública do Estado de São Paulo (São Paulo,
2002) (LIMA; MENIN, 2017, p. 146).

Nessa unidade da federação, há toda uma polêmica e discussão das entidades de


classe em torno do reconhecimento do Ensino Religioso com área do conhecimento,
uma vez que ele foi reduzido à história das religiões, que faz parte da área de história e
não de Ensino Religioso, e foi subordinado a um modelo de supraconfessionalidade.
Os que defendem o Ensino Religioso como ensino de história das religiões
argumentam que essa é uma solução ideal para se evitar o proselitismo e se con-
siderar com igualdade todas as religiões.
E há, ainda, uma confusão na legislação entre considerar o Ensino Religioso
como área do conhecimento e como tema transversal. Como tema transversal,
ele é oferecido nas séries iniciais do Ensino Fundamental pelos professores das
classes e nas séries finais, em pelo menos uma série, podendo ser assumido por
professores de história, filosofia e ciências sociais.
As autoras alertam que, se fosse tema transversal, que na sua definição não in-
clui a religião, o ensino religioso teria que ser diluído nas demais disciplinas, o que
o descaracterizaria como área do conhecimento. Em todos os casos, de acordo
com o modelo da história das religiões, adotado no Estado de São Paulo, o ensino
religioso é secular e deve ser assumido por professores da área de humanas.
Depois de analisarem os objetivos das várias propostas pedagógicas para o
Ensino Religioso, que vão desde a descoberta do mundo interior e do autocon-
ceito até o reconhecimento de valores universais da ética clássica, incluindo os
181
valores da tolerância que seriam alcançados pelo maior conhecimento e menor
UNIDADE 4

estranhamento das diversas religiões, as autoras mencionam o papel do depar-


tamento de história da Unicamp no direcionamento do setor,


Em cadernos mais específicos, que levam a estampa da Unicamp,
da Secretaria de Estado da Educação e do Governo do Estado de
São Paulo, encontramos uma apresentação intitulada Um novo
horizonte, em que se justifica o ER na rede pública de São Pau-
lo e um conjunto de textos breves sobre as questões que visam a
oferecer informações que auxiliem os professores a compreende-
rem a proposta desse ensino e suas possibilidades em sala de aula.
Dentre os temas, estão: Religião e diversidade, história e religiosida-
de; Textos sagrados; Pluralismo religioso; Diferença; Tolerância; Ima-
gens, simbolismos e iconografia etc. (LIMA; MENIN, 2017, p. 148).

As autoras, entretanto, observam que nos materiais voltados para professores


que se submetem às mais recentes teorias de aprendizagem das competências, o
Ensino Religioso é totalmente ignorado e silenciado.
E no Estado do Paraná, um dos que foram palco das maiores discussões e
organizações em torno do tema? Nessa unidade da federação, a legislação é mais
complexa e específica, sendo muito influenciada pela Associação Inter-religiosa
de Educação (Assintec).
Resumidamente:


[...] o ER teve, pós-LDB, regulamentações dirigidas pelo Conselho
Estadual de Educação (CEE - Indicação n. 02/02 (Paraná, 2002c) e
Deliberação n. 03/02 (Paraná, 2002a); Indicação n. 08/02 e Delibe-
ração n. 07/02 (Paraná, 2002b)) e pela Secretaria de Estado da Edu-
cação (SEED - Instrução n. 01/02 (Paraná, 2002d)). Nesse conjunto
normativo, foram especificados procedimentos para a organização
dos conteúdos e definidos critérios para a implantação do compo-
nente curricular. Subsequentemente, como nos mostram Toledo e
Malvezzi (2013), devido à necessidade de maiores esclarecimentos,
foram gerados outros Pareceres do CEE e Instruções Conjuntas
expedidas pela SEED, Superintendência de Educação (SUED) e
Departamento de Ensino Fundamental (DEF). Em 2006, foi apro-
vado pelo Conselho Estadual de Educação a Deliberação 01/2006

182
(Paraná, 2006), que, em vigor, atualiza as deliberações anteriores. O

UNICESUMAR
estado conta ainda com as Diretrizes curriculares da educação bá-
sica para o Ensino Religioso, publicadas pela SEED em 2008 com o
intuito de oferecer discussões teóricas e metodológicas a respeito da
implementação da disciplina no contexto educacional e evidenciar
a extensão pedagógica da proposta de Ensino Cultural e Religioso
no Estado do Paraná (Paraná, 2008) e um espaço na página da Se-
cretaria de Educação onde são publicadas informações e materiais
sobre o ER (LIMA; MENIN, 2017, p. 148).

Embora não se declare claramente que modelo é adotado pelo Estado, tudo leva
a crer que seja o interconfessional, já que o objetivo é


“[…] é a promoção de valores e práticas religiosa em um consenso sobreposto
em torno de algumas religiões hegemônicas à sociedade brasileira. É passível
de ser ministrado por representantes de comunidades religiosas ou por pro-
fessores sem filiação religiosa declarada” (LIMA; MENIN, 2017, p. 148-149).

As autoras comentam também que o padrão adotado pelo Estado do Paraná, que
também sedia o Fonaper, foi modelo para os Parâmetros Curriculares Nacionais
do Ensino Religioso tratado anteriormente, por seu destaque no tratamento da
questão de forma ecumênica e inter-religiosa. Por isso, vamos nos dedicar espe-
cificamente a essas diretrizes a seguir.


Colocada legalmente no mesmo patamar que as demais dis-
ciplinas escolares, a disciplina é entendida como campo do
conhecimento que pode ser identificada por seus respecti-
vos conteúdos estruturantes e quadros teóricos conceituais.
Pretende, ao socializar o conhecimento religioso, “[…] promover a
oportunidade aos educandos de se tornarem capazes de entender os
movimentos específicos das diversas culturas e para que o elemento
religioso colabore na constituição do sujeito” (Paraná, 2008, p. 57)
(LIMA; MENIN, 2017, p. 149).

De acordo com Diniz e Carrião (2010), de todas as unidades de federação do


Brasil, 22 praticam o modelo interconfessional; quatro escolheram o confessional;
e apenas São Paulo, o histórico.
183
O que dizem as Diretrizes Curriculares de Ensino religioso do Estado do
UNIDADE 4

Paraná? Vamos consultá-las diretamente? Pois, então, vamos lá!


A primeira parte dedica-se à questão do currículo de uma maneira geral,
afirmando que ele é o


[...] conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas
pelo aluno dentro de um ciclo – nível educativo ou modalidade de
ensino é a acepção mais clássica e desenvolvida; o currículo como
programa de atividades planejadas, devidamente sequencializadas,
ordenadas metodologicamente tal como se mostram num manual
ou num guia do professor; o currículo, também foi entendido, às
vezes, como resultados pretendidos de aprendizagem; o currículo
como concretização do plano reprodutor para a escola de deter-
minada sociedade, contendo conhecimentos, valores e atitudes; o
currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual
podem desenvolver-se; o currículo como tarefa e habilidade a serem
dominadas como é o caso da formação profissional; o currículo
como programa que proporciona conteúdos e valores para que os
alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução social da
mesma (SACRISTAN, 2000 apud BRASIL, 2008, p. 15).

A partir daí, discute-se as propostas academicistas e cientificistas do currículo,


ambas com a mesma mazela de valorizarem demais o conteúdo e, assim, contri-
buírem para a fragmentação do conhecimento.
Outra crítica feita a esse currículo, que põe a ciência e a academia, é a
reprodução do status quo da sociedade, enfatizando as desigualdades e a injustiça
social, ignorando a luta de classes e assumindo um papel puramente ideológico.
Por sua vez, o currículo que enfatiza as subjetividades e experiências dos
alunos recai no relativismo epistemológico, valorizando em demasia as per-
cepções e interesses dos alunos em detrimento dos conteúdos historicamente
acumulados, a que eles têm direito.
No lugar desses currículos é sugerida uma abordagem mais crítica, não ne-
cessariamente estruturalista ou marxista no sentido radical, que atribui uma
estrutura fixa à sociedade, mas contextualizando o currículo nos seus aspectos
históricos, culturais, filosóficos e sociais.
Nesse sentido, ele parte das disciplinas para se ver interdisciplinar, pois põe essas
disciplinas em diálogo entre si. Assim, o currículo jamais é fechado ou fixo, mas dinâ-
184
mico e historicamente situado, sendo fruto de um Projeto Pedagógico pautado pela

UNICESUMAR
discussão e participação de todos os envolvidos no contexto escolar e extraescolar.


Nessa práxis, os professores participam ativamente da constante
construção curricular e se fundamentam para organizar o trabalho
pedagógico a partir dos conteúdos estruturantes de sua discipli-
na. Entende-se por conteúdos estruturantes os conhecimentos de
grande amplitude, conceitos, teorias ou práticas, que identificam e
organizam os campos de estudos de uma disciplina escolar, consi-
derados fundamentais para a compreensão de seu objeto de estudo/
ensino (BRASIL, 2008, p. 25).

pensando juntos

E a questão da avaliação, como terá que ser resolvida, se não há notas, recuperação ou
repetência? E o texto aborda essa questão, dizendo que ela não deve ser simplesmente
baseada na reprodução de conteúdos, mas deve ser igualmente fruto de discussões mais
amplas a respeito do Projeto Pedagógico e da filosofia adotada pela escola.

Lembro, aqui, de uma importante parte do Projeto Pedagógico que deve orientar
o estabelecimento de critérios avaliativos que é o perfil de egresso. A pergunta
que se faz nessa parte é: que aluno é esse que queremos formar?
Cabe reproduzir ainda as seguintes observações do material das DCN
quanto à avaliação:


No cotidiano das aulas, isso significa que:
• é importante a compreensão de que uma atividade de avaliação
situa-se (sic) entre a intenção e o resultado e que não se diferen-
cia da atividade de ensino, porque ambas têm o intuito de ensinar;
• no Plano de Trabalho Docente, ao definir os conteúdos es-
pecíficos trabalhados naquele período de tempo, já se de-
finem os critérios, estratégias e instrumentos de avalia-
ção, para que professor e alunos conheçam os avanços e as
dificuldades, tendo em vista a reorganização do trabalho docente;
• os critérios de avaliação devem ser definidos pela intenção que

185
orienta o ensino e explicitar os propósitos e a dimensão do que se
UNIDADE 4

avalia. Assim, os critérios são um elemento de grande importância no


processo avaliativo, pois articulam todas as etapas da ação pedagógica;
• os enunciados de atividades avaliativas devem ser claros e objetivos.
Uma resposta insatisfatória, em muitos casos, não revela, em princípio,
que o estudante não aprendeu o conteúdo, mas simplesmente que ele
não entendeu o que lhe foi perguntado.Nesta circunstância, o difícil não
é desempenhar a tarefa solicitada, mas sim compreender o que se pede;
• os instrumentos de avaliação devem ser pensados e definidos de acor-
do com as possibilidades teórico-metodológicas que oferecem para
avaliar os critérios estabelecidos. Por exemplo, para avaliar a capaci-
dade e a qualidade argumentativa, a realização de um debate ou a pro-
dução de um texto serão mais adequados do que uma prova objetiva;
• a utilização repetida e exclusiva de um mesmo tipo de instru-
mento de avaliação reduz a possibilidade de observar os diversos
processos cognitivos dos alunos, tais como: memorização, ob-
servação, percepção, descrição, argumentação, análise crítica, in-
terpretação, criatividade, formulação de hipóteses, entre outros;
• uma atividade avaliativa representa, tão somente, um determi-
nado momento e não todo processo de ensino-aprendizagem;
• a recuperação de estudos deve acontecer a partir de uma lógica sim-
ples: os conteúdos selecionados para o ensino são importantes para
a formação do aluno, então, é preciso investir em todas as estratégias
e recursos possíveis para que ele aprenda. A recuperação é justamen-
te isso: o esforço de retomar, de voltar ao conteúdo, de modificar os
encaminhamentos metodológicos, para assegurar a possibilidade de
aprendizagem. Nesse sentido, a recuperação da nota é simples decor-
rência da recuperação de conteúdo (BRASIL, 2008, p. 32-33).

Já nas diretrizes propriamente ditas, faz-se um histórico, lembrando que a educa-


ção ficou a cargo dos jesuítas por mais de 300 anos e que o princípio republicano
da laicidade do Estado teve que se impor com base em muita luta, sendo que só
foi garantido com o advento do Estado Novo, em 1934.
Instaura-se com essa Constituição uma tradição, que dura até os dias de hoje,
de se garantir a liberdade religiosa, tornando, ao mesmo tempo, obrigatório e
facultativo o ensino religioso nas escolas, o que é contraditório. Esse dualismo e
contradição permanecem até hoje.

186
Na prática também há de se observar que o único ensino que se admitia era

UNICESUMAR
o cristão, ao passo que as outras religiões eram silenciadas. Ora, isso vai contra
o movimento mundial pela laicidade da educação pública. A Declaração dos
Direitos Humanos diz, por exemplo, que:


Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e
religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou cren-
ça e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino,
pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente,
em público ou em particular (BRASIL, 2008, p. 40).

No Brasil, só com a Constituição de 1967 é que se abriu uma perspectiva para o


ensino religioso aconfessional. Na prática, porém, o fato de o Estado se recusar
a legislar a respeito fez com que os profissionais religiosos que se encarregavam
desse ensino “puxassem a sardinha” para a sua própria confissão.


A possibilidade de um Ensino Religioso aconfessional e públi-
co só se concretizou legalmente na redação da Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional de 1996 e sua respectiva cor-
reção, em 1997, pela Lei 9.475. De acordo com o Artigo 33 da
LDBEN, o Ensino Religioso recebeu a seguinte caracterização:
Art. 33 – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é
parte integrante da formação básica do cidadão e consti-
tui disciplina dos horários normais das escolas públicas de
Educação Básica assegurado o respeito à diversidade reli-
giosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§1º – Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos
para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão
as normas para a habilitação e admissão de professores.
§2º – Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil,
constituída pelas diferentes denominações religiosas,
para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
Pela primeira vez na história da inclusão dos temas religiosos na
educação brasileira, foi proposto um modelo laico e pluralista com
a intenção de impedir qualquer forma de prática catequética nas
escolas públicas (BRASIL, 2008, p. 40-41).

187
Desde então, várias entidades e Secretarias do Estado da Educação têm se es-
UNIDADE 4

forçado para discutir e orientar o ensino religioso nas escolas, com parâmetros,
diretrizes e propostas curriculares.
No Estado do Paraná, destaca-se a fundação da já mencionada Associação
Interconfessional de Curitiba (Assintec), que é de caráter ecumênico e intercon-
fessional, e que, desde os anos 1970, tem atuado nesse setor, com a criação de
cursos de formação continuada para os profissionais da educação e o Programa
Nacional de Tele-Educação (Prontel), elaborado em 1972, que propunha o ensino
religioso radiofônico nas escolas.
Outra entidade que se mostrou atuante foi a Associação das Escolas Católi-
cas (AEC), que apresentou uma proposta de ensino bíblico nas escolas, além de
orientações sobre a pedagogia da educação religiosa.
Nos anos de 1980, foi divulgado uma cartilha de ensino religioso e organiza-
do o Primeiro Simpósio de Educação Religiosa, no Centro de Treinamento
de Professores do Estado do Paraná (Cetepar). Apesar de as discussões sobre o
assunto terem sido acaloradas durante os anos da constituinte, sendo um dos
temas mais discutidos, o Currículo Básico do Estado do Paraná de 1990, não
previu o tema. Só dois anos mais tarde apareceu um caderno nos moldes dos
parâmetros curriculares, elaborado pela Assintec em colaboração com a SEED,
que, no entanto, perdeu a validade com a promulgação de LDB de 1996.
Essa, por sua vez, não atendeu às demandas sociais, de modo que se apresen-
taram três proposições no sentido de alteração do texto legal:


• na primeira proposição, solicitava-se a exclusão do texto “sem
ônus para os cofres públicos”, baseada no princípio de que o
Ensino Religioso é componente curricular da Educação Bási-
ca e de importância para a formação do cidadão e para seu ple-
no desenvolvimento como pessoa. Por consequência, é par-
te do dever constitucional do Estado em matéria educativa;
• na segunda proposição, indicava-se que o Ensino Religio-
so fosse parte integrante da formação básica do cidadão, veda-
va qualquer forma de doutrinação ou proselitismo, bem como
propunha o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil;
• na terceira proposição, solicitava-se o caráter laico para o Ensino
Religioso, com garantia de acesso a conhecimentos que promovessem
a educação do respeito às diferentes culturas (BRASIL, 2008, p. 43).

188
Outra entidade importante que surgiu nesse período foi a FUNAPER (Fórum

UNICESUMAR
Nacional Permanente de Ensino Religioso), em 1995, com representantes das
escolas, entidades religiosas, universidades. Mesmo assim, houve um eclipse no
ensino religioso, entre 1995 e 2002, sendo que os Parâmetros Curriculares Na-
cionais o ignoraram totalmente.
Apenas em 1997, um ano depois dos demais Parâmetros, é que se estabeleceram
os Parâmetros Curriculares do Ensino Religioso. A partir de então, principalmente
de 2003 em diante, os Estados, particularmente o do Paraná, se organizaram para
regulamentar o ensino religioso e voltar a assumir o seu papel na matéria.
Vários outros encontros foram realizados desde então, sendo que os princi-
pais resultados e conquistas foram os seguintes:


• o repensar do objeto de estudo da disciplina;
• o compromisso com a formação continuada dos docentes;
• a consideração da diversidade religiosa no Estado
frente à superação das tradicionais aulas de religião;
• a necessidade do diálogo e do estudo na escola
sobre as diferentes leituras do Sagrado na sociedade;
• o ensino da disciplina em cuja base se reconhece a expressão das
diferentes manifestações culturais e religiosas (BRASIL, 2008, p. 45).

Nesse sentido, os parâmetros promovem a derrubada do ensino religioso dog-


mático e proselitista e a construção de um ensino religioso pluralista e inclusivo,
tratando o fenômeno religioso de forma aberta e inserida na cultura.


Para isso, retoma-se a necessidade de:
• superar as tradicionais aulas de religião;
• abordar conteúdos escolares que tratem das diversas manifestações
culturais e religiosas, dos seus ritos, das suas paisagens e dos seus sím-
bolos, e relações culturais, sociais, políticas e econômicas de que são im-
pregnadas as formas diversas de religiosidade (BRASIL, 2008, p. 47).

Assim, o que é matéria de fé para a religião, passa a ser objeto de estudo para o
ensino religioso, qual seja o sagrado, que sempre implica em algo ou alguém con-
sagrado. Isso, não em termos de aulas meramente expositivas, mas de debates dia-
lógicos, problematizadores e interativos, com participação efetiva dos educandos.
189
E para isso, é preciso ter em mente as origens etimológicas da palavra “religião”, que
UNIDADE 4

são duas: religare, que denota a ligação entre o ser humano e o sagrado, e religiosus,
que tem um sentido ético-jurídico. Ambos os sentidos são crivados de contradições.
A religação com o sagrado tem três sentidos diferentes: do sentimento de te-
mor ou até terror diante dele; da dimensão dos valores supremos, que são apreen-
didos intuitivamente e da relação eu-tu com a divindade. Quando algum desses
sentidos é sublinhado, os outros ficam atenuados.
Lembra-se da nossa discussão sobre o imanente e o transcendente na reli-
gião? Pois é, outra distinção da religação está nas suas dimensões imanente e
transcendente, que abrigam duas contradições igualmente profundas. No sentido
imanente, o religare, dá-se consigo mesmo, pelo que se tornar obsoleta a necessi-
dade sequer de uma “religação”. Já no sentido transcendente, de reconexão com o
Outro divino, a contradição se dá pela intangibilidade e inalcançabilidade desse
Outro, em termos humanos.
Também, âmbito do ético-jurídico, do religiosus, há de se considerar contra-
dições, por exemplo, se a religião é uma orientação para a conduta do indivíduo,
como explicar e considerar a pluralidade de religiões existentes?
A outra contradição se dá entre o sagrado e o profano. Enquanto o sagrado
busca a harmonia e a unidade, o profano, por exemplo, a política, se identifica
com a divergência, o dissenso e a pluralidade.


O tratamento da religião como objeto de estudo e não de fé, quase
sempre foi matéria controversa e contribuiu para a desconstrução
do paradigma da religião enquanto poder. Espinosa, Feuerbach e
Marx, por exemplo, tomaram a palavra fazendo a exigência, ainda
que por caminhos distintos, da desmistificação do caráter alienante
da religião e da sua vinculação a esquemas de dominação, contra a
emancipação humana (BRASIL, 2008, p. 51).

Enquanto Marx denunciava a religião, como sendo “ópio do povo”, Feuerbach di-
zia que a imagem que fazemos de Deus é expressão de nossos desejos e consciên-
cia de contradições entre a perfeição e imperfeição; a onipotência e a impotência;
a santidade e o pecado etc. Então, Deus não passa de um reflexo do homem e de
suas contradições essenciais.
Marx faz a crítica a Feuerbach, dizendo que esse esqueceu a dimensão da
práxis religiosa. Ao mesmo tempo, ele diz que não se deve simplesmente erradi-
190
car a religião, sendo que a religiosidade é um direito de todo cidadão, mas sim,

UNICESUMAR
exercer a crítica sobre ela, denunciando suas influências ideológicas, de apoio à
classe dominante e de radicalismos excludentes e preconceituosos.
Para Kant, a ideia de Deus está ligada à ética jurídica, pois ele assume o papel
de legislador supremo numa comunidade ética. Ele não é objeto do conheci-
mento objetivo e científico, mas o elemento que nos dá esperança, formando
um a priori da vida prática.

pensando juntos

Como se pode ver, há diversas formas de se apreender o sagrado e interpretar a religiosi-


dade e todas elas têm espaço e devem ter vez e voz no ensino religioso.

Como patrimônio histórico e cultural da humanidade, o conhecimento religioso


contribui para a formação humana e humanizadora, além de ser direito de todo
cidadão o acesso à diversidade de suas manifestações.
Quanto aos conteúdos, os articuladores se valem de Gil e Alves (BRASIL,
2008), que estabelecem três eixos principais, também chamados de “conteúdos
estruturantes”:


Paisagem Religiosa - à materialidade fenomênica do Sa-
grado, a qual é apreendida através dos sentidos. É a exterio-
ridade do Sagrado e sua concretude, os espaços Sagrados.
Universo Simbólico Religioso - à apreensão concei-
tual através da razão, pela qual concebe-se o Sagrado pe-
los seus predicados e reconhece-se a sua lógica simbóli-
ca. É entendido como sistema simbólico e projeção cultural.
Texto Sagrado - à tradição e à natureza do Sagrado enquanto fenô-
meno. Neste sentido é reconhecido através das Escrituras Sagradas,
das Tradições Orais Sagradas e dos Mitos (BRASIL, 2008, p. 58).

191
Esquematicamente temos:
UNIDADE 4

PAISAGEM
RELIGIOSA

SAGRADO

TEXTO UNIVERSO SIMBÓLICO


SAGRADO RELIGIOSO

Figura 1 - Conteúdos estruturantes / Fonte: adaptada de BRASIL (2008, p. 58).

Em outras palavras, a paisagem religiosa são todos os cenários e locais onde acon-
tecem os ritos e manifestações religiosas e todo o seu imaginário. As procissões
são um exemplo de paisagem religiosa, que acontecem nas ruas. Uma montanha,
um rio ou uma igreja também podem ser locais com essa simbologia.
A simbologia é a base da comunicação religiosa. O ser humano, sendo um
animal simbólico, usa desses meios o tempo todo para expressar seus mais pro-
fundos desejos e também a sua fé. A simbologia religiosa é tão rica e abrangente
que forma um verdadeiro universo paralelo. Entre os símbolos sagrados podemos
citar a hóstia dos cristãos, ou a mandala dos judeus. Toda religião costuma ter
um símbolo, como o peixe dos cristãos.
Finalmente, os textos sagrados podem ser orais, como é o caso das culturas in-
dígenas ágrafas (sem escrita). Tanto a literatura oral quanto a escrita se mostram
presentes nos rituais. Entre os muçulmanos, por exemplo, temos o Alcorão ou
só Corão, como alguns o chamam. E a mitologia dos gregos e de outros povos
antigos formam a tradição oral sagrada daqueles povos.
Como ficaria o currículo de uma série ou duas específicas de acordo com
esse traçado? A seguir é apresentado um currículo para a 5ª série (6º ano), que
segue o seguinte esquema:

192
SAGRADO

UNICESUMAR
Conteúdos Estruturantes

PAISAGEM UNIVERSO SIMBÓLICO TEXTO


RELIGIOSA RELIGIOSO SAGRADO

Conteúdos Básicos

5ª série / 6º ano 6ª série / 7º ano


• Organizações Religiosas • Temporalidade Sagrada
• Lugares Sagrados • Festas Religiosas
• Textos Sagrados orais ou escritos • Ritos
• Símbolos Religiosos • Vida e Morte

Figura 2 - Conteúdo básico do Ensino Religioso para a 5ª série (6º ano)


Fonte: adaptada de BRASIL, 2008, p. 61

Depois de esmiuçarem esses pontos, os articuladores das Diretrizes apresentam


sugestões metodológicas que visam a superação do ensino bancário e unidire-
cional, promovendo um ensino mais dialogado, interativo, em que o professor
é o mediador problematizador. Ele deve partir, num primeiro momento, no le-
vantamento do que os alunos já sabem sobre determinado assunto; seguido de
problematização do conteúdo, em que são levantados os principais problemas e
questões relativos ao conteúdo; em seguida, o conteúdo é abordado teoricamente,
mas de forma contextualizada e interdisciplinar.
Nessa parte, é importante atentar para a inclusão de todas as culturas e
manifestações religiosas e para as fontes dos materiais a serem trabalhados em
sala de aula, que não tenham cunho proselitista e sectário.

193
Finalmente, é nos oferecida uma palavra sobre avaliação, que deve fazer parte
UNIDADE 4

do processo educacional, estabelecendo critérios para aferir, se o aluno aprendeu


e se os objetivos postos no plano de ensino foram alcançados.
Apesar de não haver uma nota oficial para o ensino religioso, é possível, sim,
dar uma ideia aos alunos e seus responsáveis sobre o progresso dos mesmos,
tendo como perguntas e critérios norteadores os seguintes:


• o aluno expressa uma relação respeitosa com os cole-
gas de classe que têm opções religiosas diferentes da sua?
• o aluno aceita as diferenças de credo ou de expressão de fé?
• o aluno reconhece que o fenômeno religioso é um
dado de cultura e de identidade de cada grupo social?
• o aluno emprega conceitos adequados para referir-se às diferentes
manifestações do Sagrado? (BRASIL, 2008, p. 67).

Agora que analisamos as Diretrizes do Ensino Religioso do Estado do Paraná,


resta concluir, junto com Lima e Menin (2017), que, embora os três modelos do
Rio de Janeiro, de São Paulo e do Paraná sigam propostas diferentes, da confes-
sionalidade, história das religiões e interconfessionalidade respectivamente, elas
têm semelhanças com relação a seus objetivos e justificativas.
E uma delas, de que o Ensino Religioso faça parte da educação integral do
sujeito humano é questionada diante da laicidade do Estado, pois como se senti-
ria, então, um aluno que opta por não frequentar as aulas, por ser “sem religião”?
Sua educação estaria deficitária?

explorando Ideias

O ensino religioso cada vez mais tem se destacado pela busca do diálogo inter-religioso.
Mas o que é isso?
O princípio básico é a promoção da ideia de que nenhuma religião é detentora da verdade e da
razão, mas todas devem conviver entre si, cultivando o diálogo e o respeito mútuo. Com isso,
busca-se superar os conflitos e guerras que se fizeram e fazem até hoje em nome de Deus.
Uma das primeiras iniciativas, nesse sentido, deu-se no Império Mongol, em 1893, com a
fundação do Parlamento Mundial das Religiões. A Igreja Católica viria muito depois, em
1960, a sugerir algo semelhante no Concílio Vaticano.
Fonte: a autora.
194
Tenho a considerar quanto a isso que a liberdade humana permite que uma pes-

UNICESUMAR
soa opte por abdicar de determinado setor da vida. Como existem os vegetarianos
e veganos, os que optam pela abstinência sexual, há os que optam pela abstinência
religiosa. Nem por isso temos motivos suficientes para extinguir por completo a
carne e derivados de leite e o sexo. Nem tão pouco a dimensão religiosa deve ser
ignorada pela educação, que deve levar em conta todos os aspectos da formação
humana, quer a pessoa os reconheça, quer não. E não se esquecendo que a opção
pela não-religião também é uma opção religiosa e que o tratamento de questões
que são levantadas pelo Ensino Religioso é tão importante para os sem-religião
quanto para aqueles que a seguem.

pensando juntos

Será que devemos negar a ingestão de carne a toda a população por respeito a quem é ve-
gano? Do mesmo jeito não devemos negar o Ensino Religioso a toda a população devido a
uma minoria dos sem-religião, por mais que obviamente os devamos respeitar e não excluir.

195
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 4

Por mais que alguém possa defender a inconstitucionalidade do Ensino Religioso


nas escolas, existem justificativas abundantes para defender que não, que se trata de
um direito do cidadão e que faça parte da educação entendida na sua integralidade.
Tanto que é possível legislar sobre o assunto, sem recair em proselitismo. Não
estou defendendo que exista a neutralidade. Ela não existe, pois todos temos
crenças, mesmo os que se declaram agnósticos ou ateus, a menos que vivam vidas
vegetativas e estejam na iminência do suicídio a todo momento. São as crenças
que fornecem o rumo na vida e o seu sentido, que dizem que vale a pena viver,
mesmo na perspectiva da morte certa, mas é preciso que haja um esforço em
direção à neutralidade. Tentar ao máximo ser imparcial.
A maioria dos juízes e legisladores brasileiros reconhece isso, refletindo a maio-
ria da população brasileira, que segue alguma crença, mesmo que não a pratique.
E a legislação brasileira caminha em direção ao modelo do pluralismo, que é
universalista. Resta agora saber, até que ponto, como cristãos, devemos oferecer resis-
tência a esse modelo. Penso que o modelo exclusivista seja reservado apenas àqueles
cristãos que se autodeclaram, ou são inconscientemente, fundamentalistas. O mo-
delo inclusivista me parece mais razoável, já que Cristo mesmo declarou que ele é
“o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (Jo 14, 6).
Contudo, as formas de percorrer esse caminho são diversas e certamente Jesus
nos deixou uma mensagem e nos deu exemplo de práticas totalmente inclusivistas.
Por isso, já que ninguém que escolheu o caminho de Cristo é dono da verdade,
devemos sempre estar abertos ao diálogo e promovê-lo intensamente, a fim de,
juntos, chegarmos mais perto da verdade do Evangelho, revelada nas Escrituras.
E assim também tem que ser o Ensino religioso: aberto ao diálogo e inclusivista.
Espero que essa unidade tenha sido elucidativa e enriquecedora para você
aprofundar os seus estudos e alçar um conhecimento e uma práxis efetivamente
transformadora e libertadora.

196
na prática

1. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) sobre o que as LDBs brasileiras falam sobre educação:

I - Elas falam coisas completamente diferentes, já que foram escritas em contextos


históricos diversos.
II - Todas elas estabelecem o Ensino Religioso como facultativo para o aluno.
III - Todas elas estabelecem o Ensino Religioso como de oferta obrigatória no horário
normal de aula das escolas.
IV - A LDB n.º 4024/1961 e a LDB n.º 9394/1996 estabelecem que o Ensino Religioso
deveria ser oferecido sem ônus para o Estado.
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

2. Assinale (V) para as assertivas verdadeiras ou (F) para as falsas:

( ) Na época da Colônia, a Igreja Católica era a Igreja do Estado e com isso, deveria
ensinar religião católica confessional nas escolas.
( ) A Constituição republicana de 1891 declara que “será leigo o ensino ministrado
nos estabelecimentos públicos” e reforça-se a separação entre Estado e Igreja
e a liberdade de crença e culto no Brasil.
( ) O Acordo Brasil-Santa Sé de 2009 volta a promulgar o ensino confessional dog-
mático e proselitista, não respeitando a diversidade religiosa.

Assinale a alternativa correta:

a) F-V-F
b) F-F-V
c) V-F-V
d) F-F-F
e) V-V-V

197
na prática

3. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) sobre os objetivos do Ensino Religioso na BNCC:

I - Um dos objetivos é: “proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religio-


sos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na
realidade dos educandos”.
II - Um dos objetivos é: “propiciar conhecimentos a respeito da liberdade de cons-
ciência e crença, com o constante propósito de promoção dos direitos huma-
nos”.
III - Um dos objetivos é: “desenvolver competências e habilidades que contribuam
para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o
respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a
Constituição Federal”.
IV - Um dos objetivos é: “contribuir para que os educandos construam seus sentidos
pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania”.

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas III e IV estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas I, III e IV estão corretas.
e) Todas as alternativas estão corretas

4. Sobre os modelos de Ensino Religioso existentes no Brasil é correto afirmar que:

a) Os modelos são o dogmático, o confessional e o pluralista.


b) Os modelos são o confessional, o interconfessional e o da história das religiões.
c) Os modelos são o dogmático, o pluralista e o da história das religiões.
d) Os modelos são o confessional, o interconfessional e o pluralista.
e) Os modelos são o dogmático, o interconfessional e o da história das religiões.

198
na prática

5. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) com relação ao Ensino Religioso nas escolas públicas

I - O professor de ensino religioso deve manter-se o mais neutro possível em


relação à diversidade de religiões, até por uma questão ética e humanística.
II - São tratadas questões como a finitude e infinitude, a morte, o sentido da vida
e da existência, os valores universais da humanidade e todos os mistérios
insolúveis para a ciência
III - De acordo com Toledo e Amaral (2004), o Ensino Religioso é incompatível com
um currículo que se queira científico e é palco de disputas de poder da Igreja
Católica no Brasil até hoje.
IV - Não há justificativa possível para o Ensino Religioso na escola pública laica.

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas I, II e III estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

199
aprimore-se

O DILEMA DO PROSELITISMO NAS ESCOLAS

Nesse artigo, vou me dedicar a um assunto que tem tirado o sono de todos aque-
les professores que são encarregados do ensino religioso nas escolas e, ao mesmo
tempo, são obrigados a renunciar a qualquer tipo de promoção de dada religião ou
denominação cristã.
Diz a mais nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN 9394/1996:


Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disci-
plinas dos horários normais das escolas públicas de ensino funda-
mental, sendo oferecido de acordo com as preferências manifestadas
pelos alunos ou por seus representantes (vedadas quaisquer formas
de proselitismo).

Proselitismo nada mais é do que a “arte” de fazer prosélitos. E, de acordo com o di-
cionário Priberam, prosélito é um “pagão que abraçava religião diferente da sua”; um
“novo convertido a uma religião, a uma seita ou a um partido”; e um “partidário; sectá-
rio”. Já o proselitismo é o “zelo ou afã de fazer prosélitos” e “o conjunto de prosélitos”.
No dicionário Houaiss, prosélito é historicamente a “pessoa que abdicava de
suas crenças para adotar a religião judaica”. Trata-se do “indivíduo que se converteu
ao judaísmo ou a qualquer outra religião, doutrina, seita etc.” Pode ser ainda um
adepto, partidário - pessoa que abraçou uma seita, uma doutrina, um partido etc.”.
Ao mesmo tempo, esse princípio se estende também aos professores de outras dis-
ciplinas que, enquanto cristãos, não podem deixar transparecer a sua opção religiosa. O
que por sua vez se projeta sobre os pais dos alunos desses professores, principalmente
aqueles que esperam do professor alguma orientação de seus filhos nesse sentido.
Pior ainda é a situação daqueles professores e dirigentes de instituições de ensi-
no, de todos os níveis, que se assumem como confessionais, pois a lei não faz essa
distinção em relação a elas.
Mas qual é exatamente o cerne do dilema? Está em pressupor que o professor
seja capaz de ser neutro (religiosa, política, sexualmente), prefigurando-se em uma
classe de seres humanos excepcionais (não que eu não os ache excepcionais, mas

200
aprimore-se

em outro sentido, positivo), que foge à regra válida para todo o resto da humani-
dade, de que não haja neutralidade em questões polêmicas e subjetivas como a
religião, a política e o gênero.
É claro que a intenção da lei é boa: a de que seja garantido o tratamento
igualitário de todos os alunos e suas respectivas crenças, de forma independente
de sua orientação religiosa, sexual ou política. E isso é até bíblico, pois a Bíblia nos
diz, desde o Antigo, até o Novo Testamento, que Deus não faz acepção de pessoas,
qualquer que seja, e, portanto, nós, cristãos também não devemos fazer. Mas daí
a simular uma neutralidade hipócrita e até renegar a sua orientação é um bom
caminho, que acaba num extremo injustificável.
É vedado ao professor fazer propaganda ou panfletagem religiosa ativa e inten-
cional, da mesma forma que é negado aos candidatos de dado partido fazer “boca
de urna”, o que é justo e correto num país marcado pela laicidade e separação entre
Estado e Igreja. É preciso que o professor cristão esteja bem consciente disso, até
mesmo nas instituições confessionais, evitando se referir às demais religiões com
menosprezo ou assumir atitudes de soberba ou do tipo “chutar a santa” ou declarar
publicamente que “os evangélicos não querem diálogo com os católicos”.
Jesus e seus discípulos dialogaram a vida toda em que estiveram aqui na Ter-
ra (veja Paulo no Areópago). Quem tinha preconceitos eram os outros contra eles,
nunca vice-versa. Por outro lado, eles também eram firmes nas suas convicções e
tinham fundamento sólido para a sua fé.
É esse paradoxo que o professor cristão tem que manter equilibrado e é essa
postura que deve assumir, de respeito, mas ao mesmo tempo, de firmeza, quer no
ensino religioso, quer em qualquer outra disciplina.
Fonte: Greggersen (2015, on-line)10.

201
eu recomendo!

livro

Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Religioso


Autor: Fonaper
Editora: Fonaper
Sinopse: no capítulo 1, o documento apresenta os elementos his-
tóricos do Ensino Religioso no Brasil, destacando a mudança da
compreensão de Ensino Religioso, que parte do ensino da religião
oficial no Império, chegando aos dias atuais como ensino que aten-
de a uma sociedade pluralista. Apresenta, ainda, a Escola como espaço socializador
do conhecimento através dos conteúdos, tendo a responsabilidade de fornecer as
informações e responder aos aspectos principais do fenômeno religioso, presente
em todas as culturas e em todas as épocas. No capítulo 2, destaca-se o fenômeno
religioso como a busca pelo sentido da vida além morte. Nessa busca, a humanida-
de formula quatro respostas possíveis. Em função delas, propõem-se os pressupos-
tos para a organização e seleção de conteúdos para o Ensino Religioso na escola,
com os eixos organizadores e seus conteúdos, o tratamento didático e os pressu-
postos para avaliação. No capítulo 3, apresenta-se o tratamento do Ensino Religioso
em cada ciclo do ensino fundamental com sua caracterização, objetivos, pressupos-
tos para avaliação, bloco de conteúdos e o respectivo tratamento didático.

filme

Sociedade dos poetas mortos


Ano: 1990
Sinopse: o filme relata a história de um professor que possui mé-
todos de aprendizagem diferenciados da escola onde ele irá tra-
balhar. O professor incentiva seus alunos a pensar de maneira
própria, mas a direção da escola fica com a atuação dele, principal-
mente quando ele fala sobre a Sociedade dos Poetas Mortos. Os
alunos gostam do novo professor e começam a superar seus medos e problemas,
mas entram em conflito com os pais. Os alunos formam uma nova Sociedade dos
Poetas Mortos e vivem sobre o ideal Carpe Diem. Depois que um dos alunos se sui-
cida, o professor é afastado e os alunos fazem uma manifestação em favor deles.
Comentário: apesar de o filme não tratar de ensino religioso, ele mostra como
as crenças de um professor podem influenciar seus alunos e como pode haver
embate de visões mais tradicionalistas e mais liberais dentro da escola.

202
eu recomendo!

conecte-se

Entrevista com Filipe Fontes, organizada pela Faculdade Teológica Reformada de


Brasília, que passa pela diferença entre a educação secular e educação cristã, che-
gando até entidades que têm relação com a educação cristã.
https://www.youtube.com/watch?v=HP8fqlaScgY

Palestra de Solano Portela sobre o seu livro “O que estão ensinando aos nossos
filhos”. Na primeira parte, fala-se sobre a educação escolar cristã e seus pressu-
postos e, na segunda parte, uma proposta de pedagogia redentiva.
https://www.youtube.com/watch?v=6bfxyQWUXU4

203
5
PERSPECTIVAS
CONTEMPORÂNEAS DA
EDUCAÇÃO CRISTÃ
e do Ensino Religioso

PROFESSORA
Dra. Gabriele Greggersen

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Perspectivas da Educação Cristã
em Paulo Freire • Perspectivas do Ensino Religioso • Relação entre Educação Cristã e Ensino Religioso.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Conhecer as ideias de Paulo Freire e discutir a sua validade para a Educação Cristã • Identificar e
discutir os desafios e perspectivas atuais do Ensino Religioso e suas relações com a formação de
professores • Estabelecer relações entre as Ciências da(s) Religião(ões), a Teologia, a Educação Cristã e
o Ensino Religioso.
INTRODUÇÃO

Se analisarmos os educadores que fizeram diferença na história da educa-


ção no Brasil e no mundo ocidental, vamos perceber que todos eles, uns
mais e outros menos, sofreram influência do cristianismo ou eram decla-
radamente cristãos, como vimos nas unidades anteriores.
Nessa unidade, nos debruçaremos sobre um deles, Paulo Freire, que
muito contribuiu para a educação no Brasil e no mundo, e extrair dele o
que pode ser aplicado à Educação Cristã e Ensino Religioso.
Por outro lado, vemos exemplos de chamados cristãos perseguindo
pessoas devido à sua religião, raça ou orientação sexual, os chamados fa-
náticos religiosos. E, no mundo, vemos atos de terrorismo sendo praticados
em nome de Deus por cristãos e contra cristãos.
Como julgar, então se a religião é benéfica ou maléfica para a huma-
nidade? Se ela é benéfica, excluindo os extremismos e fundamentalismos,
quem se encarrega dela? Quais as exigências que se tem em relação aos
professores? Que tipo de formação eles devem ter e que tipo de curso deve
formá-los: cursos de Ciências da(s) Religião(ões), de teologia? Cursos de
capacitação ou de pós-graduação?
Qual tipo de conhecimento eles devem dominar: devem eles conhecer
todas as religiões possíveis e imagináveis? Será isso possível? E basta co-
nhecer na teoria, ou teriam que ter a vivência também?
Para que o Ensino Religioso deixe de ser proselitista, será que é ne-
cessário que o professor seja neutro? E isso será que é possível? Deve a
neutralidade ser um absoluto ou um objetivo a ser alcançado, um esforço
da parte do professor e da instituição de ensino?
Essas e outras questões, bem como as perspectivas de Educação Cristã e
do Ensino Religioso na atualidade serão discutidas nessa unidade. Espero que
instigue você a alçar maiores voos pelo universo da educação e da religião,
rumo a uma sociedade mais igualitária, cidadã, humana, ética e solidária.
1
PERSPECTIVAS DA
UNIDADE 5

EDUCAÇÃO CRISTÃ
em Paulo Freire

Paulo Freire foi um educador cristão muito importante na história da educação,


no Brasil e no mundo. Infelizmente, ele é mais conhecido fora do Brasil do que
na sua própria terra. E aqui no Brasil, o seu nome está envolto em polêmicas,
principalmente, no atual governo, que declara abertamente que pretende libertar
a educação do “ranço” freireano.
Um exemplo do Deputado Federal Rogério Marinho (2019), ele denuncia
que Paulo Freire não teria falado quase nada de educação em “Pedagogia do
Oprimido” e que teria apenas preparado o Brasil para a revolução comunista. E
ele seria o “patrono do fracasso escolar no Brasil”.
Fica evidente no texto que ele não leu nem um por cento dos livros de Freire
e ignora completamente o mérito desse gigante da educação que tanto contri-
buiu para o combate ao analfabetismo e para a consolidação da Pedagogia como
campo do saber, particularmente para a Filosofia da Educação.

Biografia

Na biografia de sua esposa, Ana Maria Araújo Freire (GADOTTI, 1996), ficamos
sabendo que Paulo Reglus Neves Freire nasceu no Recife, em 19 de setembro de
1921, e como eles se conheceram no colégio do pai dela em Recife. Ele se alfabetizou
206
usando gravetos de mangueiras do seu quintal. Era o filho mais novo de quatro, que,

UNICESUMAR
embora fosse proveniente de família de classe média, experimentou a fome no pe-
ríodo da Grande Depressão de 1929. Sua mãe teve que sustentar a família sozinha,
depois de certo tempo, já que o pai morreu, quando Freire tinha 13 anos de idade.
Conclui a escola primária em Jaboatão, uma das cidades vizinhas de Recife e
foi para o colégio Oswaldo Cruz, onde estudou com bolsa. E foi lá que ele tomou
o gosto pelos estudos que concretizou na Faculdade de Direito de Recife, na qual
ingressou aos 22 anos de idade. Em 1944, casou-se com Elza Maria Costa Oliveira,
com a qual teve quatro filhos.
Mais tarde, ele viria a se tornar professor do mesmo colégio em que estudou.
Depois dessa experiência:


[...] foi ser diretor do setor de Educação e Cultura do SESI, órgão
recém-criado pela Confederação Nacional da Indústria através de
um acordo com o governo Vargas. Aí teve contato com a educação
de adultos/trabalhadores e sentiu o quanto eles e a nação precisa-
vam enfrentar a questão da educação e, mais particularmente, da
alfabetização. Freire ocupou o cargo de Diretor desse setor do SESI
de 1947 a 1954 e foi Superintendente do mesmo de 1954 a 1957.
Ao lado de outros educadores e pessoas interessadas na educação
escolarizada, sob a liderança de Raquel Castro, fundou nos anos 50 o
Instituto Capibaribe. Instituição de ensino privado conhecida até hoje
em Recife pelo seu alto nível de ensino e de formação científica, ética
e moral voltada para a consciência democrática. Em 9 de agosto de
1956, o prefeito progressista Pelópidas Silveira, usando de atribuições
a ele concedidas pelo Decreto nº. 1.555, de 09.08.1956, nomeou Pau-
lo Freire, ao lado de mais oito notáveis educadores pernambucanos,
membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife. Alguns
anos depois, foi designado para o cargo de Diretor da Divisão de
Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultu-
ra da Prefeitura Municipal do Recife, conforme atestado assinado
por Germano Coelho, em 14 de julho de 1961. Teve suas primeiras
experiências como professor de nível superior lecionando Filosofia
da Educação na Escola de Serviço Social a qual, posteriormente, foi
incorporada à então Universidade do Recife (GADOTTI, 1996, p. 34).

207
Em 1959, obteve seu título de doutor e passou no concurso para professor na
UNIDADE 5

Universidade do Recife na cadeira de História e Filosofia da Educação. Dois anos


depois, tornou-se livre-docente pela Escola de Belas Artes.


Paulo Freire foi também um dos “Conselheiros Pioneiros” do
Conselho Estadual de Educação de Pernambuco. “Conselheiros
Pioneiros”, conforme demonstram os registros nos arquivos, foi a
expressão com a qual os próprios integrantes se autodenomina-
ram. Esses primeiros conselheiros, em número de quinze, foram
escolhidos pelo governador Miguel Arraes, de acordo com a lei,
dentre as “pessoas de notório saber e experiência em matéria de
educação e cultura” do Estado pernambucano. Eles tomaram posse
em novembro de 1963 e, conforme lei estadual preconizada pelo
artigo nº. 10 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº. 4.024/61, foram responsáveis pela elaboração do Primeiro Re-
gimento do Conselho, o qual foi aprovado pelo mesmo governa-
dor que os escolheu através do Decreto nº. 928, de 03 de março de
1964, publicado no Diário Oficial, em 06 de março subsequente.
No dia 31 de março de 1964, quando o cerco golpista já se avizinha-
va, treze deles renunciaram coletivamente a seus mandatos. Paulo
Freire, que se encontrava em Brasília ativamente envolvido com os
trabalhos do Programa Nacional de Alfabetização e, por isso, não
pôde assinar o pedido de exoneração coletiva, foi destituído de suas
funções de Conselheiro pelo Decreto nº. 942, de 20 de abril de 1964,
assinado pelo Vice- Governador Paulo Guerra porque o Governa-
dor Miguel Arraes já estava preso pelas novas forças que tomaram
o poder (GADOTTI, 1996, p. 35).

Muito antes de escrever sua famosa “Pedagogia do Oprimido”, Freire já se destacava


por ser um educador dos oprimidos e injustiçados pela sociedade e se engajava na
luta pela sua libertação. Seu método de alfabetização, longe de ser um conjunto de
técnicas mecânicas e frias é um estilo de vida, que tem como fim, a conscientização
e libertação do educando de seu estado de alienação. Nesse sentido, trata-se mais
de uma filosofia do que de uma metodologia propriamente dita. E é um convite.


O “convite” de Freire ao alfabetizando adulto é, inicialmente, para
que ele se veja enquanto homem ou mulher vivendo e produzindo
208
em determinada sociedade. Convida o analfabeto a sair da apatia

UNICESUMAR
e do conformismo de “demitido da vida” em que quase sempre se
encontra e desafia-o a compreender que ele próprio é também um
fazedor de cultura, fazendo-o apreender o conceito antropológico
de cultura. O “ser-menos” das camadas populares é trabalhado para
não ser entendido como desígnio divino ou sina, mas como deter-
minação do contexto econômico-político-ideológico da sociedade
em que vivem (GADOTTI, 1996, p. 37).

Sua proposta é a de alfabetizar-se não apenas para ler a palavra, mas para ler o mun-
do, ou seja, de ter uma compreensão ampliada e consciente da realidade circundante.
Paulo Freire ficou dezessete anos no exílio, tendo percorrido vários países
da América Latina, Europa, Ásia, África e América do Norte. Em 1967, publica
seu primeiro livro, “Pedagogia como Prática da Liberdade” e um ano depois,
“Pedagogia do Oprimido”.

pensando juntos

Leia as palavras de Paulo Freire e reflita sobre elas:

“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se


educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 39).

O que isso significa para o educador cristão?

Nos EUA, trabalhou como professor visitante, em 1969, na Universidade de Har-


vard e, na Suíça, foi consultor do Conselho Municipal de Igrejas. Retornou do
exílio nos anos de 1980, quando se filiou ao Partido dos Trabalhadores.
Em 1986, Elza faleceu e dois anos depois, ele se casou com Ana Maria Araújo,
que conhecia desde infância e também foi sua orientada na PUC de São Paulo.
Tornou-se secretário da educação no governo de Luísa Erundina, cargo que
ocupou desde 1989 até 1991, quando organizou o Movimento de Alfabetização
de Jovens e Adultos (MOVA) e, posteriormente, foi professor da Universidade
de Campinas (UNICAMP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Ao longo da vida recebeu vários prêmios e 40 títulos de doutorado
Honoris Causa. Faleceu no dia 2 de maio de 1997, de infarto.
209
Em 1991 foi fundado o Instituto Paulo Freire, por seu diretor, o professor que
UNIDADE 5

também foi braço direito de Freire, Moacir Gadotti. Seu pensamento é considerado
uma síntese entre a fenomenologia, o materialismo histórico, o hegelianismo e o exis-
tencialismo cristão. Com seu talento como escritor e ativista de movimentos sociais
logo teve adeptos nos meios de educadores, sociólogos, teólogos e ativistas políticos.

Pedagogia como Prática da Liberdade

Paulo Freire é um pensador da educação que se recusou a ser considerado o pai


de uma metodologia de alfabetização de adultos. Em “Pedagogia como Prática
da Liberdade”, sua primeira obra, escrita no período de exílio, ele chega perto
disso, fundamentando-a filosófica, histórica e sociologicamente. No prefácio
de Weffort, somos apresentados a um estudo de caso da experiência que Freire
teve em Angicos, Rio Grande do Norte, no ano de 1962. Lá, ele alfabetizou 300
ruralistas, em um prazo de 45 dias.
Outras experiências relatadas por Weffort fizeram parte do que ele chamou de
maior mobilização pela democratização da cultura da história do Brasil. Ela funcio-
nou a partir de cursos de capacitação, realizados entre 1963 e 1964, em várias capitais
do Brasil e havia planos para instalação de 20.000 dos grupos que Freire chamou de
Círculos de Cultura, que também seguiam uma metodologia baseada no diálogo e
estavam projetados para o atendimento de dois milhões de adultos iletrados.
O Golpe de 64, entretanto, frustrou os planos, reprimindo o movimento to-
talmente. Depois de 70 dias de detenção, Paulo Freire foi exilado. Ele não parou,
continuo escrevendo livros, como “Pedagogia do Oprimido”, entre outros; e tendo
experiências com alfabetização de adultos na América Latina e África. Dessa for-
ma, marcou profundamente tudo o que entendemos por educação popular hoje.
Tanto na introdução quanto no prefácio é ressaltado a profunda relação da
pedagogia de Freire, particularmente nesse livro, com a religiosidade. Tudo o que
Freire diz sobre educação tange a transcendência e uma perspectiva de infinitude.
Em seu breve relato sobre a religiosidade em Freire, Elias (GADOTTI, 1996)
comenta que ele contribuiu para o campo da educação religiosa, fornecendo-lhe
as bases filosóficas, que, no entender dele, são ecléticas, indo desde a fenomeno-
logia existencial até o marxismo, já que ele é tocado também pela Teologia da
Libertação, de raízes latino-americanas. Além disso, também fornece os fins:

210

A filosofia educacional de Freire contribui para a discussão dos

UNICESUMAR
fins da educação religiosa. Sua ênfase está na dimensão social
e política da educação religiosa. Podemos também encontrar
nos escritos de Paulo Freire muitas implicações tanto para os
contéudos da educação religiosa quanto para os seus métodos.
Paulo Freire recomenda aos educadores que busquem na situação
vivida dos seus estudantes os temas a serem estudados, através de
uma discussão aberta com eles. As suas reflexões sobre o papel dos
coordenadores dos círculos de cultura oferecem elementos funda-
mentais para definir o papel do professor (sic) de educação religiosa.
Ele deve ter um grande respeito por todas as pessoas no grupo e,
portanto, estar profundamente comprometido com uma atitude
dialógica. Não deve impor ideias. Se a educação religiosa deve ser
uma verdadeira educação e não uma forma de doutrinação, o papel
do professor deve ser entendido como o de um coordenador de
círculo de cultura (GADOTTI, 1996, p. 609).

Depois de uma extensa parte histórica, no capítulo três de “Educação como


prática da Liberdade”, Freire faz a sua famosa crítica à escola tradicional, que
era o modelo predominante na época e ouso dizê-lo, é até hoje. E para romper
com este modelo, ele aposta no educador crítico e criativo, capaz de formar
sujeitos históricos e conscientes de seu papel na história, contribuindo para
uma transição à democracia e liberdade.
Essa pedagogia seria a do diálogo, da mudança, da educação para a tomada
de decisão e para a responsabilização diante da vida. Ela permite que o indiví-
duo defenda apaixonadamente suas ideias, mas ao mesmo tempo saiba aceitar
o contraditório e respeitar a opinião divergente ou contrária. E o educador tem
uma relação de horizontalidade com o educando em termos de autoridade, só
que ele se destaca por ser modelo e por transcender o saber do aluno. Sua função
e papel não se confunde com a do aluno.
Assim, Paulo Freire inova no que diz respeito à relação entre professor e alu-
no, em uma abordagem que não se baseia mais na transmissão de conteúdos do
professor para o aluno, mas no diálogo, em que o educador também está sendo
educado e, ao mesmo tempo, todos estão se educando a si mesmos.

211
UNIDADE 5

pensando juntos

Não existe conhecimento neutro. E não se pode esperar que o professor o seja. Deve, sim,
haver um esforço nesse sentido, mas ele não pode se esvaziar de todas as suas crenças.
Então, é melhor que ele assuma seu posicionamento, sem impô-lo.

De acordo com Paulo Freire (2006), alunos e professores, igualmente, devem ser
considerados pesquisadores autônomos e críticos. Não se pode considerar o aluno
uma página em branco que cabe ao professor preencher, como pensava John Locke.
Levar em conta a bagagem trazida pelo aluno também faz parte das pedago-
gias tradicionais e liberais. Isso só fica na teoria, uma vez que não se rompe com
a tendência reprodutivista da escola do status quo e da condição de dominação.
Para encerrar, no quarto capítulo do livro, há uma descrição detalhada do mé-
todo de alfabetização de adultos, mencionando o projeto supracitado de 20 mil
Círculos de Cultura, que servem para substituir o modelo de escola tradicional,
e que surgiram no governo Goulart. Nesses círculos, o professor é o coordenador
de debates. O círculo tem uma programação compacta e o aluno é participante
de um grupo que, por sua vez, é a razão de ser do grupo, que permite e sustenta
o diálogo em torno de vários problemas sociais e culturais.
Como dizíamos, esse plano foi interrompido com o Golpe de Estado. Os
primeiros frutos já foram colhidos com os coordenadores desse projeto, fazendo
entrevistas com os sujeitos analfabetos e coordenando debates entre eles, com
levantamento de seus problemas específicos.
O método de alfabetização trabalha com palavras geradoras, que são palavras
levantadas junto aos alfabetizandos, que fazem parte do seu universo vocabular
e que depois são desmembradas em famílias silábicas. Em seguida, elas são rea-
grupadas em novas palavras. Assim, a alfabetização anda de mãos dadas com a
conscientização e é filha da libertação.
Sentiu a diferença para a alfabetização do tipo cartilha e sintética, que vai “jun-
tando as letras” no “be-a-bá”? Essa proposta é contrária, sendo que Freire defendia
que a criança precisava ter em mãos o livro completo, mesmo antes de saber ler. É
preciso partir de um todo, para depois ir às partes, num método dedutivo e analítico.
Assim, com suas propostas e filosofia, Freire lança uma luz completamente
nova sobre a prática educacional: não se trata de alguém que sabe, que "doa" o
saber para quem não sabe, mas uma apropriação coletiva da realidade com o
212
intuito de transformá-la. Trata-se de uma prática que coloca o educando como

UNICESUMAR
sujeito de sua aprendizagem e não como objeto inerte, coisificando-o. E como
sujeito, ele tem uma vivência e uma experiência, uma realidade e forma de ver o
mundo que é importante considerar na sua aprendizagem.

pensando juntos

Nesse processo, o educador pode se perguntar se ele está sendo libertador, contribuindo
para a mudança, ou mero reprodutor do sistema. Se ele escolhe o caminho da libertação,
irá buscar soluções para as crises, situações-limite e, ao superá-las, abre-se para o novo,
para aquilo que ainda não foi experimentado.

Assim, é do educador que parte a mudança e transformação que passa para o


educando, em uma espécie de bom contágio. E é na identificação com o outro, sua
história e experiência que se experimenta a libertação, que passa pelo mirar-se
no outro como num espelho e ver a si próprio em terceira pessoa, ou seja, ver a
própria imagem de outro ângulo.
Em um contexto mais amplo e global, e até internacional, esse tipo de prática pe-
dagógica gera a necessidade de mostrar a eficácia e a universalidade do método ou
caminho encontrado para a superação e libertação subsequente. Sente-se a neces-
sidade de internacionalizar a resposta local e, sobretudo o desejo de compartilhar
os casos de sucesso. Este processo tem nome e se chama "ação cultural libertadora".
E para Freire o processo de opressão não é "privilégio" dos países que na sua
época se chamavam de “Terceiro Mundo”. Injustiça e opressão existem em maior
ou menor escala por todo o mundo. Destarte, a pedagogia freireana não é apenas
destinada ao que hoje chamamos de “países emergentes”, tanto que seus escritos
são usados como inspiração em países de todo o mundo, mas funda-se em uma
perspectiva idealizada da realidade, que pode ser universalizada.
E para consultar um dos manuais mais importantes sobre o autor, a Biobiblio-
grafia de Moacir Gadotti, deparamo-nos com o seguinte resumo do pensamento
do autor, que reforça o fato de ele não ter fundado um sistema, mas um projeto.

213

Freire não é um autor no qual se possa buscar ideias feitinhas, res-
UNIDADE 5

postas prontas para nossos problemas, como as receitas de cozinha.


Ele é um autor avesso às respostas prontas e bem arrumadas. Seu
pensamento é dialético, e como tal, atento à realidade, que é dinâ-
mica, imprevisível, marcada pela contradição. O significado mais
profundo de sua obra é o de nos fornecer pistas, linhas de partida,
para os caminhos a descobrir, na construção do futuro. Certas ati-
tudes são diametralmente opostas a esta perspectiva. Qual é o livro
principal de Freire? Onde é que ele expõe melhor a sua pedagogia?
Recebe-se a indicação. Lê-se com atenção Pedagogia do oprimido,
Educação como prática da liberdade, ou então Conscientização, e
parte-se com euforia para um projeto de alfabetização de adultos ou
de educação popular. Como Freire é formidável!... Não é certamente
um bom ponto de partida. Seus escritos representam um desafio à
nossa reflexão crítica, à nossa criatividade, e um apelo à nossa ação,
mais do que resposta às nossas indagações. Sua concepção de uma
pedagogia aberta, fiel à realidade sempre tão diferente e complexa
de cada comunidade, não permite uma sistematização definitiva.
Falando de Pedagogia do oprimido o autor mesmo caracteriza esta
síntese como “dialética e fenomenológica”, dada a contradição da
dualidade existencial da consciência oprimida, e da dualidade es-
trutural de uma sociedade de classes e de um mundo constituído
de potências imperialistas e países dependentes. É por isso, segundo
ele, que “é preciso desenvolver um tipo de relação problematizadora
das relações homem-mundo”. A pedagogia de Freire caracteriza-se
como um projeto de libertação dos oprimidos. Este projeto é mar-
cado por tomadas de posição filosóficas muito claras e por engaja-
mentos bem definidos. O autor propõe uma metodologia de ação. A
partir de cada experiência há um esforço sério de elaboração teórica,
mas jamais a preocupação de construir um sistema. Os escritos de
Freire não constituem uma obra sistemática, mas antes formulações
circunstanciais e provisórias de sua proposta pedagógica. Eles repre-
sentam, por um lado, uma tomada de distância, no nível da reflexão
e da teorização; e por outro lado, um relato aos leitores, e sobretudo
às pessoas engajadas na ação de libertação. Tais escritos representam
(sic) pois uma ocasião de diálogo amplo e fecundo entre o autor e
muitas pessoas e grupos que se comprometeram, como ele, na cons-
trução de uma pedagogia dos oprimidos (GADOTTI, 1996, p. 87).

214
Assim, ao invés de um sistema, Freire criou uma filosofia existencial e dialética.

UNICESUMAR
Todo o conceito de ensinar e aprender muda nessa perspectiva. Para ele, aprender
envolve a descoberta criadora, com abertura ao risco e à aventura de atualização e
realização do ser, pois é ensinando que se aprende e aprendendo é que se ensina.
É preciso, não apenas no Brasil, mas no mundo, pois a desigualdade e tirania
da classe hegemônica do capitalismo se estende por todo o planeta, tirar o opres-
sor de dentro do oprimido. É preciso libertá-lo do sentimento de culpa pela sua
condição e pelo fracasso que sente diante da vida.

pensando juntos

Segundo Freire, o ensino é muito mais que uma profissão, é uma missão que exige com-
provados saberes no seu processo dinâmico de promoção da autonomia do ser de todos
os educandos, partindo dos saberes de experiência dos educandos, o saber de senso
comum, o saber popular. Não se deve ficar só nisso, sendo necessário transcender esses
saberes rumo aos saberes universais, que são patrimônio comum da humanidade e não
devem ser privilégio das elites.

Freire defende a conscientização para a reflexão - uma ação que substancia o con-
ceito de liberdade como um caminho, sem retorno, para a aquisição dos sentidos
históricos em que vive ser humano, ao tornar-se sujeito ativo e capaz de tomada
de decisão autônoma. Isto implica em uma reestruturação do ato educativo, como
ação de reflexão política na qual o educando aprende a ler a palavra a partir da
leitura de seu próprio mundo e cultura, repletos de luta, trabalho e injustiças.
Resumidamente, a educação como prática da liberdade contrasta com a edu-
cação como prática de dominação e do mundo isolado do ser humano. Ela rejeita
a ideia de uma educação, um professor ou conteúdo neutros. O ser humano está
contextualizado e é participante do seu mundo circundante e se posiciona, inclu-
sive, politicamente, diante dele. Essa educação é contra a postura autoritária do
professor e a relação opressor-oprimido. É uma educação a favor da problemati-
zação e da conscientização libertadora da condição de alienação e de passividade.
É participando que o educando se torna detentor da sua dignidade enquanto
ser humano e possuidor de uma cultura própria. Em uma estrutura que nega o

215
diálogo, só é possível dialogar sobre a própria negação do diálogo. Isso já é um
UNIDADE 5

bom começo e um caminho para a libertação, como se pode ver em “A Revolução


dos Bichos” de George Orwell.
Em suma, as sementes plantadas por Paulo Freire, aqui no Brasil e no mundo,
continuam a dar frutos, por exemplo, nas propostas de pedagogia por projetos e
de gestão participativa, particularmente desde os anos 1990 com a nova LDB, o
Plano Nacional da Educação e a BNCC, como vimos anteriormente.
Deu para ter uma ideia do livro “Educação como Prática da Liberdade” e das
ideias de Paulo Freire? Lembre-se, isso é só um resumo, que não substitui, em
absoluto, a leitura do mesmo.

explorando Ideias

O legado de Paulo Freire é assumido pelo Instituto Paulo Freire, fundado em São Paulo, no
ano de 1991. O Instituto desenvolve projetos de assessoria, consultoria, pesquisas, forma-
ção (presencial e a distância) inicial e educação continuada, orientados pelas dimensões so-
cioambiental e intertranscultural, constituindo três áreas de atuação: Educação de Adultos,
Educação Cidadã e Educação Popular. Conheça mais visitando e explorando o site:
https://www.paulofreire.org/o-instituto-paulo-freire.
Fonte: a autora.

Podemos concluir essa análise de Freire junto com Bernet (GADOTTI, 1996, p.
645-646) que sua obra não está conclusa e acabada. Que ela contribuiu imensa-
mente para o campo da educação de adultos, que é tão marginalizado, mas que
extrapolou em muito essa área.


Além do âmbito da sua teoria e prática educativa, Freire também
elaborou uma teoria e prática da ação social e cultural. Por isso, a
sua projeção se fez sentir, igualmente, na animação sociocultural,
na cultura popular, no desenvolvimento comunitário etc. Também
não podemos deixar de mencionar a influência direta de Freire na
Teologia da libertação, como os seus próprios promotores o reco-
nhecem (GADOTTI, 1996, p. 646).

216
Não devemos pensar o cristianismo de Paulo Freire como sendo dessa ou daque-

UNICESUMAR
la denominação ou se abraçou o protestantismo, mas se subscreveu os princípios
comuns a todos os cristãos que são o pressuposto da criação do homem à imagem
e semelhança de Deus. A queda, a salvação e redenção por meio da encarnação
de Jesus Cristo e o Mandamento que a tudo resume, que é o amor a Deus acima
de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
E certamente o pensador reflete esses pressupostos. Ele é, portanto, um pa-
trimônio universal do cristianismo e certamente tem muito a contribuir para a
discussão da Educação Cristã e do Ensino Religioso nas escolas.
É claro que ele também tem limites. Um deles é que ele foca muito mais nas
questões de opressão e libertação dessas condições do que nos conteúdos a que
o educando também tem direito. Outro é a supervalorização da autonomia do
indivíduo, que, em última instância, depende do Criador.
Finalmente, não é a educação que liberta, mas unicamente Jesus Cristo. Talvez
você tenha mais objeções ao educador, mas não podemos tirar-lhe o mérito de
ter contribuído efetivamente para a educação, em uma perspectiva cristã.

217
2
PERSPECTIVAS DO
UNIDADE 5

ENSINO RELIGIOSO
e formação de professores

Será que o Ensino Religioso é legítimo em um estado laico? Em outras palavras:


A questão que se coloca, então, de vital importância, é: como ensinar
religião ou falar de religião em um estado laico? Em outros termos,
como separar Ensino Religioso sem confissão religiosa de catequese
ou formação religiosa? As linhas de separação são muito tênues e os
posicionamentos muito apaixonados para garantir uma adequada
discussão (SOARES; STIGAR, 2016, p. 138).

E se considerarmos que o Ensino Religioso nas escolas se justifica, quando é o


momento certo de se iniciar o aluno ao ensino religioso? No ensino fundamental?
No ensino médio? Em ambos?
Antes de responder a essas perguntas, porém é preciso refletir sobre o con-
ceito de educação religiosa. A combinação entre a palavra educação e religião é
complexa devido à natureza epistemológica de ambos os termos.


O problema do objeto é associado, numa perspectiva imediata, com
o nome da disciplina e da área de conhecimento. Apesar de uma ca-
minhada já realizada sobre o problema epistemológico do ER, bem
como das Ciências da Religião, considera-se que ainda há longo per-
218
curso a cumprir. E sobre a questão do nome da disciplina, deve-se des-

UNICESUMAR
tacar que ele não está mais em discussão, pois a legislação construída
a duras penas está aí e denomina Ensino Religioso a disciplina e a área
de conhecimento (Resolução CNE/CEB nº 07 de dezembro de 2010).
A expressão religiosa, como adjetivação do ensino, é problemática em
razão de sua semântica diversa e plural, e, mais do isso, geradora de gran-
de debate filosófico, epistemológico, pedagógico, sociológico, político,
teológico e ideológico, para ficar só nesses campos. Toda a discussão
epistemológica e metodológica do ER passa pela compreensão e por
esse horizonte semântico do nome da disciplina e dessa área de conhe-
cimento. Porém, abrir ou reabrir a discussão sobre o nome, em nível
legislativo e jurídico, é correr um risco enorme, especialmente ofere-
cendo oportuno espaço para aqueles que querem excluir o ER definiti-
vamente, como se viu na Audiência Pública do STF em junho de 2015.
A principal razão postulada para a sua manutenção, ou mais ainda, que
justifica e fundamenta a existência desse componente curricular, parte
da compreensão da educação como espaço de construção da condição
humana, do “aprender a construir-se”, de formação humana e cidadã, que
ultrapassa a visão tecnicista ou de uma racionalidade instrumental, preo-
cupadas com o saber técnico e produtoras de fragmentação acadêmica.
O Ensino Religioso, nesse sentido, objetiva ser tempo e espaço de cone-
xão, ou para usar uma palavra mais clara, apesar de gerar suspeita eti-
mológica, de religação de saberes e sabedoria (BAPTISTA, 2015, p. 117).

Em seu artigo sobre a formação de professores para o Ensino Religioso, Baptista


(2015) faz um histórico dos cursos de Ciências da Religião, tanto na graduação
e licenciatura quanto na pós-graduação e faz uma importante distinção entre
catequese e religiosidade:


Na visão de Gruen, a catequese tem seu foco na educação da fé explí-
cita de determinada denominação religiosa, ao passo que a religiosi-
dade quer ensinar “esta capacidade de ir além da superfície de coisas,
acontecimentos, gestos, ritos, normas e formulações, para interpretar
toda a realidade em profundidade crescente e atuar na sociedade de
modo transformador, libertador”. Enfim, a religiosidade é a dimensão
que abre o ser humano ao processo de refletir sobre o sentido da vida,
buscando um sentido profundo e evita tanto a banalização do religio-
so quanto o dualismo sagrado x profano (BAPTISTA, 2015, p. 111).

219
Assim, a visão não catequética de religiosidade estaria na raiz da sua legitimação
UNIDADE 5

como disciplina escolar. E o autor ressalta a importância do ensino religioso para


uma “sociedade que historicamente teve e tem uma educação de qualidade limi-
tada, e especialmente hoje, quando a manipulação ideológica de tipo religioso
proselitista, intolerante, andrógino e sexista, produz mais divisão e exclusão do
que encontro e diálogo” (BAPTISTA, 2015, p. 117-118).

pensando juntos

Diante de tudo o que foi discutido até aqui sobre a Educação Cristã e o Ensino Religioso,
qual seria a justificativa de um curso de teologia confessional, hoje em dia, adotar o mo-
delo da catequese?

O fato de não existirem Parâmetros Curriculares do MEC ainda para a área


de ciências da religião, apenas um parecer homologado (Parecer CNE/CP
nº12/2018), torna essa área um campo abandonado e carente de mais pesquisas
e diretrizes mais claras.
Revisando toda a bibliografia que se escreveu nos últimos anos sobre a área,
parece que há um consenso de que quem tem que formar os professores de ensino
religioso são os cursos de Ciências da Religião e não de teologia, que são mais
confessionais, mesmo aqueles que já adotam uma perspectiva de teologia pública.
São poucos os cursos de licenciatura em Ciências da Religião existentes no país
e, também, são escassas as linhas de pesquisa e Grupos de Trabalho (GTs) que
claramente associam a educação à religião.
De acordo com Rodrigues (2015, p. 58), essa escassez traz consigo que o com-
ponente curricular Ensino Religioso careça “de uma elaboração metodológica
mais assertiva que oriente a prática docente”.
Na ANPED, o maior encontro de educação do país, até existem trabalhos
sobre ensino religioso, mas a tendência dos mesmos é seguir a posição positi-
vista, que não admite que se fale em religião nos órgãos do Estado Laico e que
defendem a extinção do ensino religioso das escolas.
Vamos entender um pouco melhor o que significa laicidade do Estado, já
discutida anteriormente, consultando o artigo de Soares e Stigar (2016, p. 139):

220

A laicidade do Estado implica o respeito do Estado pelos cidadãos

UNICESUMAR
e pelas suas escolhas religiosas livres; além disso, garante às institui-
ções religiosas sua livre organização para atingirem seus objetivos,
sempre no respeito à lei comum... A laicidade do Estado não passa
automaticamente aos cidadãos, nem às instituições da sociedade,
aos quais fica assegurado o direito ao pluralismo religioso; se os
cidadãos que têm fé religiosa não pudessem expressar livremente
suas convicções, ou se lhes fosse tolhido o direito de participar das
responsabilidades da sociedade e do próprio Estado, estaríamos
diante do pensamento único e oficial, próprio dos Estados totali-
tários: “O Estado laico deve manter as fronteiras entre a liberdade
religiosa e a aplicação do dinheiro público, daí a compreensão de
que o ensino religioso não pode prever a confessionalidade, para
que seja mantida a relação constitucional entre a igreja e o Estado”.

Mais adiante, eles completam a ideia que têm sobre o assunto:


Uma das características da laicidade é que o Estado torna-
-se (sic) imparcial em matéria de religião, seja nos conflitos ou
nas alianças entre as crenças religiosas, seja na atuação dos não
crentes. O Estado laico respeita, então, todas as crenças reli-
giosas, desde que não atentem contra a ordem pública, assim
como a não crença religiosa. Ele não apoia nem dificulta a di-
fusão das ideias religiosas nem das ideias contrárias à religião.
Outra característica da laicidade do Estado é que a moral co-
letiva, particularmente a que é sancionada pelas leis, deixa
de ter caráter sagrado, isto é, deixa de ser tutelada pela reli-
gião, passando a ser definida no âmbito da soberania popular.
Isso quer dizer que as leis, inclusive as que têm implicações éticas ou
morais, são elaboradas com a participação de todos – dos crentes
e dos não crentes, enquanto cidadãos... Mas, ao mesmo tempo, o
Estado laico não pode desconhecer que os religiosos de todas as
crenças têm o direito de influencia (sic) a ordem política, fazendo
valer, tanto quanto os não crentes, sua própria versão sobre o que
é melhor para toda a sociedade (SOARES; STIGAR, 2016, p. 139).

221
Por outro lado, Estado laico não é a mesma coisa que Estado ateu, como temos
UNIDADE 5

na França, por exemplo, e tínhamos na antiga União Soviética. A religiosidade


é admitida como parte da constituição do ser humano e parte dos direitos que
constituem a cidadania do sujeito brasileiro, cuja constituição foi promulgada
“sob a proteção de Deus”.
Assim, a escola laica quer dizer nada mais do que isso: que haja uma abor-
dagem não-proselitista da religião, o que implica em que a proposta do Ensino
Religioso seja não só inter como transdisciplinar, ou seja, que transcenda as di-
versas disciplinas e o diálogo entre elas:


Nesse sentido, as Ciências da Religião são o melhor espaço de forma-
ção docente do Ensino Religioso por trabalharem de forma interdisci-
plinar o complexo fenômeno religioso, a religiosidade, o fato e o ato, as
formas e as diversas experiências e expressões de crença ou não cren-
ça. Pela sua natureza metodológica, que ainda está em construção, não
abordam o religioso de forma fechada e apodítica; buscam enfrentar
o desafio de pensar o seu objeto diante de uma concepção de ciência
reducionista e positivista, inclusive revelando sua concepção aberta e
dialógica em relação à diversidade cultural e religiosa e ao problema
da intolerância e de toda forma de exclusão e preconceito [...]. Um dos
grandes desafios das Ciências da Religião é avançar nessa perspectiva
transdisciplinar e abri-la para o Ensino Religioso. [...]pois a transdis-
ciplinaridade “depende da existência de objetos, métodos, problemas
e conceitos compartilhados por diferentes áreas do conhecimento.
Tal conjunto, compartilhado ou compartilhável, pode ser encontrado
seja no interior das disciplinas [...], seja nas zonas de ignorância e de
indefinição do processo de conhecimento, como nos casos da vida, da
dor, da consciência, da linguagem e de outros aspectos do psiquismo
humano” (BAPTISTA, 2015, p. 118-119).

Sobre a importância de uma abordagem transdisciplinar do Ensino Religioso, reco-


mendamos o texto recente de Werneck (2014) que coloca o campo como intersecção
entre o da Educação e o das Ciências da Religião, mas que extrapola ambos os campos.
Baptista (2015) também fala da urgência de se investir em mais material
didático para o ensino religioso e isso, com qualidade. Fala ainda das pesquisas
que se referem à solidão do professor de Ensino Religioso no espaço escolar, pois
se vê isolado dos colegas, que o tratam como um estranho no ninho.
222
Enfim, pode-se concluir, a partir do artigo de Baptista, que são necessárias

UNICESUMAR
mais cursos de formação de professores de Ensino Religioso e mais ações
concretas e pesquisas na área.

pensando juntos

Você se anima a contribuir para a área? Já definiu seu tema de TCC? Que tal esse e suas
implicações para a Educação Cristã?

Uma das abordagens que pode ser mais explorada nessas pesquisas e nesses es-
forços por criação de cursos é, segundo Rodrigues (2015), a fenomenológica, que
explicita, em seu significado etimológico, nos seguintes termos:


Pertence à alçada da fenomenologia da religião o exercício de co-
nhecer e interpretar o fenômeno religioso como se manifesta. Etimo-
logicamente, o entendimento de fenômeno denota qualquer objeto
possível de experiência como aparece ou como pode ser percebido.
Mas a aparência do fenômeno somente pode ser desvelada pelo dis-
curso ou pelo conhecimento – logia – sobre ele. Conhecimento que
se obtém por meio da interpretação do que aparece e do que está por
trás do que aparece, isto é, aquilo que subjaz à aparência. Isso significa
que a fenomenologia lança luz sobre aquilo que objetos possuem em
termos de 1) - índices; 2) – ícones; e 3) - formas de apresentações,
características dos objetos que não se descolam das aparências. O fe-
nômeno manifesta-se segundo duas variedades implícitas aos objetos,
uma que diz respeito a (sic) sua parte externa e outra que diz respeito
a algo que lhe é interno (RODRIGUES, 2015, p. 58-59).

Essa abordagem tem uma dimensão subjetiva, da percepção do fenômeno reli-


gioso e uma objetiva, que tem a ver com a conduta e com a realidade sócio-polí-
tica. Podemos ver por aí a complexidade da religiosidade, que não pode ter uma
interpretação e tratamento monolítico e reducionista, pois tem um conceito que
vai além da ética e da moral:

223

Resulta dessa perspectiva que religião não seria redutível à ética ou
UNIDADE 5

moralidade, pois cada uma possuiria forma própria de organizar os


conteúdos da vida. A religião seria uma forma possível de organizar
a vida dentre outras, como a artística, a econômica, a política etc. ”O
fenômeno religioso em sua essência específica, em sua existência
pura, livre de toda “coisa” empírica, é vida; o homem religioso vive
de uma maneira que lhe é própria e seus processos psíquicos apre-
sentam um ritmo, uma tonalidade, um arranjo e uma proporção de
energias psíquicas que são claramente distintos daqueles do homem
teórico, artístico e prático” (RODRIGUES, 2015, p. 60).

Essa conceituação também permite entrever a importante dimensão do diálogo


na compreensão do fenômeno religioso, que por sua vez seria condição para uma
prática pedagógica de Ensino Religioso mais inclusiva, que promova a tolerância
e o respeito à religiosidade do outro:


Parte importante do conhecimento sobre o religioso, portanto, seria
perseguir a continuidade entre esse material bruto e o que ele repre-
senta para quem ostenta algum tipo de fé religiosa. Se na academia
a construção desse saber tem uma finalidade compreensiva que
contenta-se na elucidação do fenômeno, para o Ensino Religioso
como componente curricular que se serve desse saber a finalidade
pode ter outro objetivo ou, para usar uma expressão weberiana,
pode representar uma outra racionalidade quanto a fins, a saber:
conhecer as manifestações que compõem o campo religioso bra-
sileiro, bem como compreendê-las, teria o potencial de permitir a
ampliação do debate e do diálogo público sobre o papel, a função, o
lugar, os direitos e os deveres das expressões religiosas no âmbito do
Estado e sociedade brasileiros. Assim, ampliando igualmente para
as possibilidades de entendimento entre cidadãos(ãs), sejam reli-
giosos(as) ou não, e contribuindo para a erradicação das violências
e das intolerâncias (RODRIGUES, 2015, p. 61).

E a autora propõe, nessa perspectiva fenomenológica, o que chama de “Ensino


Religioso Reflexivo”, que nada mais é do que um ensino descritivo e analítico,
pautando-se pelos saberes acumulados pela área das Ciências da Religião, con-

224
siderando o contexto histórico e geográfico de cada religião e cuidando para

UNICESUMAR
primeiro observar as religiões empiricamente, para só depois interpretá-las e
tentar compreendê-las. E Rodrigues detalha como isso deve ser feito:


Isso posto, observar a religião ou as formas com que se ma-
nifesta requer saber a respeito delas sua origem (no tem-
po e no espaço), seus fundadores(as), o que propõem (mitos
e teologias) e como se performatizam (seus ritos e práticas).
Elencar esses conhecimentos sobre a religião tem a finalidade de
promover conhecimento sobre o fenômeno, tanto do ponto de vista
de como aparece histórica e socialmente, quanto do ponto de vista
do sentido que lhe subjaz na medida em que se desenvolve na vida
das pessoas religiosas, isto é, na experiência delas (RODRIGUES,
2015, p. 61).

E mais especificamente ainda, ela explicita como deve ser feita a abordagem fe-
nomenológica da religião:


Retirar o véu e observar o que lhe subjaz é ir além do objetivo:
é perseguir o(s) sentido(s) dele no âmbito de um tempo, de um
espaço, de um grupo. Essa explicação externa sobre um fenômeno
religioso permite que se produza um conhecimento sobre ele que
o ordena em quadros mais ou menos claros, segundo seus 1) - ín-
dices; 2) - ícones/símbolos; e 3) - formas de apresentação. Daí que,
após essa construção, chega-se a possíveis classificações (provisó-
rias) das formas de religião, se individuais ou coletivas, se racionais
ou mágicas, se pré-modernas, modernas ou pós-modernas (sic), se
discursivas ou performáticas, dentre outros parâmetros (não tão
fixos, nem tão oclusivamente binários), mas que proporcionam a
construção cognitiva do que seja a diversidade religiosa. Pouco a
pouco tal conhecimento permite a comparação, a identificação de
similaridades e de rupturas entre os modos de religião e, por fim, a
compreensão quanto ao que é contínuo entre as religiões e o que as
distingue. Esse quadro sobre o fenômeno religioso é que torna pos-
sível a reflexão, a crítica e a formulação de opiniões sobre a religião
(RODRIGUES, 2015, p. 62).

225
Quem é que já não leu ou até rezou o Pai Nosso? Pois, ela dá esse exemplo, que
UNIDADE 5

pode até ser analisado e estudado em suas partes e seu contexto histórico-geográ-
fico e cultural-social, mas não deve ser orado em sala de aula, para não ofender
o princípio da laicidade do ensino. E conclui:


Espera-se como resultado desse processo que o(a) estudante crie
condições para formular suas opiniões de maneira crítica e autô-
noma. Por isso, a abordagem fenomenológica entende-se também
como ferramenta para a construção de uma aprendizagem signifi-
cativa, do tipo que contribuirá de fato para a formação da pessoa, na
condição de cidadã de direitos e deveres (RODRIGUES, 2015, p. 62).

Entre as demais conclusões estão o fato de Ensino e Religioso e Ciências da Re-


ligião se relacionarem por sua abordagem multidisciplinar e seu objeto comum,
que é a religião ou o fenômeno religioso. Em segundo lugar, elas se relacionam
pela importância dada às humanidades para alimentar ambas as áreas. E final-
mente, nenhuma das duas áreas, por serem interpretativas, coloca-se acima de
nenhum outro campo, dialogando simplesmente com eles e visando sempre uma
aprendizagem cada vez mais significativa e complexa.
Vale citar o parágrafo final do artigo como inspiração para maiores pesquisas na área:


Mesmo que, na condição de campos em construção, tanto uma quan-
to a outra possuem na perspectiva fenomenológica um caminho dia-
lógico, porque compreensivo, para construção de uma aprendizagem
significativa que alimente uma sociedade pluralista e mais cidadã.
Pode-se dizer, então, que a fenomenologia constitui aquilo que une
as duas pontas e estabelece ligação entre o mundo das ideias e o am-
biente escolar. Logo, falar sobre Ensino Religioso hoje pressupõe que
sua prática docente requer preenchimento, isto é, pesquisa, estudo,
observação, comparação, análise e, finalmente, compreensão. Caso
contrário, as aulas de Ensino Religioso permanecerão envolvidas no
imbróglio entre ensinar sobre religião e fazer proselitismo. Algo que
no momento atual não mais tem sentido, tendo em vista a produção
científica sobre Ensino Religioso publicada e em circulação, a traje-
tória da Ciência da Religião no Brasil e o recente quadro histórico e
político envolvendo a penetração e atuação crescente de religiosos na
arena pública de debates (RODRIGUES, 2015, p. 64).
226
Soares e Stigar (2016) também dão destaque à abordagem fenomenológica, afir-

UNICESUMAR
mando que ela que vai permitir que se evite a catequese, doutrinação, uso ideo-
lógico e proselitismo no Ensino Religioso. Esse é o novo paradigma defendido
pelos autores, que é o das Ciências da Religião. Elas devem ser as norteadoras do
Ensino Religioso, e têm o potencial de serem orientadoras do estabelecimento
de um currículo para a disciplina:


Na escola o Ensino Religioso tem a função de garantir para to-
dos os educandos a possibilidade deles estabelecerem diálogo
sobre a vida. E, como o conhecimento religioso está no substra-
to cultural, o Ensino Religioso contribui para a vida coletiva dos
educandos, na perspectiva unificadora que a expressão religiosa
tem, de modo próprio e diverso, diante dos desafios e conflitos.
Cada uma dessas respostas organiza-se num sistema de pensa-
mento próprio, obedecendo a uma estrutura comum. É dessa
estrutura comum que são retirados os critérios para organiza-
ção e seleção dos conteúdos e objetivos do Ensino Religioso.
Assim, na pluralidade da escola brasileira esses critérios, eixos or-
ganizadores para os blocos de conteúdos são: Culturas e Tradições
Religiosas, Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais, Teologias, Ri-
tos e Ethos (SOARES; STIGAR, 2016, p. 142).

Esse já é um bom começo para se pensar em um Currículo de Ensino Religioso,


não acha? Os autores seguem afirmando que a liberdade religiosa que marca
a abordagem fenomenológica da religião pede a contextualização histórica da
mesma, pois apenas seres humanos livres e conscientes são capazes de construir
a sua história de forma cidadã.
Segundo os autores, é preciso pensar ainda em uma fundamentação episte-
mológica e metodológica da área de Ensino Religioso, que ainda é tão nova. E
isso tudo, sempre com base no diálogo entre pessoas e áreas do conhecimento:


Educar para conhecer diversas religiões e compreender as culturas
que lhes dão forma, analisar a relação entre presente e passado para
produzir um saber histórico implica exercitar o diálogo com o dife-
rente, baseado no respeito profundo e no desejo de preservar a digni-
dade e o direito de existência de cada manifestação cultural-religiosa.
O desafio está em aprendermos a conviver com as diferentes tradi-

227
ções religiosas, vivenciando a própria cultura e respeitando as diversas
UNIDADE 5

formas de expressão cultural, permitindo ao outro ser sujeito de sua


cultura e de seus desejos. Por isso, os debates e as reflexões prosseguem
na busca por estabelecer o Ensino Religioso como um espaço para
pensar o ser humano, partindo de uma visão mais ampla que reúna
todas as áreas do conhecimento (SOARES; STIGAR, 2016, p. 144-145).

Mas um ponto polêmico do artigo é que os autores defendem que o novo para-
digma do Ensino Religioso, as Ciências da Religião, promoveria uma neutrali-
dade ao mesmo, à medida que todas as religiões seriam igualmente valorizadas
e consideradas. A neutralidade também viria de sua base epistemológica e sua
metodologia indutiva e, portanto, científica.


Este paradigma apresentado possui por sua vez uma neutrali-
dade religiosa, o que lhe permite uma fundamentação científica.
Usarski apresenta a ciência da religião como uma disciplina em-
pírica que investiga sistematicamente a religião em todas as suas
manifestações, porém um elemento chave é o compromisso de seus
representantes com o ideal da neutralidade frente aos objetos de es-
tudo. Não se questiona a “verdade” ou a “qualidade” de uma religião
(SOARES; STIGAR, 2016, p. 146).

pensando juntos

Não existe conhecimento neutro. E não se pode esperar que o professor o seja. Deve, sim,
haver um esforço nesse sentido, mas ele não pode se esvaziar de todas as suas crenças e
convicções. Então, é mais honesto que ele assuma seu posicionamento, sem impô-lo, até
para que o aluno possa questioná-lo.

228
Esse é um ponto que não queremos responder aqui, da mesma forma que não

UNICESUMAR
queremos pôr nenhuma pedra sobre o assunto se é legítimo ou não o ensino
religioso nas escolas. Você terá que chegar à sua própria conclusão.
O fato é que as Ciências da Religião, com certeza, são um paradigma bastante
interessante para o Ensino Religioso, pois


[...] o modelo das ciências da religião se apoia especificamente na epis-
temologia e por isso se distingue dos outros dois modelos [O catequé-
tico e o teológico]: “Consiste em tirar as decorrências legais, teóricas e
pedagógicas da afirmação do ER como uma área de conhecimento...
Trata-se de reconhecer, sim, a religiosidade e a religião como dados an-
tropológicos e socioculturais que devem ser abordados no conjunto das
demais disciplinas escolares por razoes (sic) cognitivas e pedagógicas”.
A base teórica e metodológica deste modelo remete à ciên-
cia da religião e possui uma cosmovisão transreligiosa
e seu contexto social e político é a sociedade seculariza-
da, sua fonte é a ciência da religião, seu método é a indução.
“O objetivo da Ciência da Religião é fazer um inventário, o mais abran-
gente possível, de fatos reais do mundo religioso, um entendimento his-
tórico do surgimento e desenvolvimento de religiões particulares, uma
identificação e seus contatos mútuos, e a investigação de suas inter-re-
lações com outras áreas da vida. A partir de um estudo de fenômenos
religiosos concretos, o material é exposto a uma análise comparada.
Isso leva a um entendimento das semelhanças e diferenças de religiões
singulares a respeito de suas formas, conteúdos e práticas. O reconheci-
mento de traços comuns do cientista da religião, permite uma dedução
de elementos que caracterizam religião em geral, ou seja, como um fenô-
meno antropológico universal” (SOARES; STIGAR, 2016, p. 146-147).

229
Os três modelos de Ensino Religioso mencionados neste trecho são assim
UNIDADE 5

resumidos, inspirados em L. Sena:

Ciências da
Modelo Catequético Teológico
Religião

Cosmovisão Unirreligiosa Plurirreligiosa Transreligiosa

Contexto Aliança Igreja- Sociedade Sociedade


Político -Estado secularizada secularizada

Antropologia,
Conteúdos A Ciência da
Fonte teologia do
doutrinais Religião
pluralismo

Método Doutrinação Indução Indução

Escola Epistemologia
Afinidade Escola Nova
Tradicional atual

Formação
Expansão das Educação do
Objetivo religiosa dos
Igrejas cidadão
cidadãos

Comunidade
Confissões Confissões
Responsabilidade científica e do
religiosas religiosas
Estado

Proselitismo e Catequese Neutralidade


Riscos
intolerância disfarçada científica

Quadro 1 - Modelos de Ensino Religioso / Fonte: Soares e Stigar (2016, p. 150).

O modelo das Ciências da Religião é que romperia com os demais modelos,


dando ao Ensino Religioso uma base epistemológica, cognitiva e pedagógica,
orquestrando um conjunto de disciplinas que contribuem para a constituição
como campo do saber.
Por outro lado, o campo das Ciências da Religião se destaca das demais ciên-
cias por levar em conta o senso comum e o cotidiano, não se trata apenas de um
conhecimento produzido em laboratório ou campo, mas também reproduzido,
decodificando diferentes tradições e os valores subjacentes a elas. Assim, elas
questionam a abordagem positivista e tecnicista da ciência e nesse sentido, a
própria neutralidade da ciência.
230
UNICESUMAR
explorando Ideias

Ainda são poucos os cursos de graduação em Ciência(s) da(s) Religião(ões) no Brasil. Exis-
tem mais cursos de pós-graduação na área. A seguir você pode descobrir as especificida-
des desses cursos:
https://www.educamaisbrasil.com.br/cursos-e-faculdades/ciencias-da-religiao.

Sugiro ainda que você pesquise o Parecer que homologa as Diretrizes Curriculares de
Ciências da Religião para ver o que ele fala de Educação Cristã, e avaliar se esse curso
realmente prepara o profissional da área:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=-
99971-pcp012-18&category_slug=outubro-2018-pdf-1&Itemid=30192.

Agora, você pode fazer uma comparação desse documento com as Diretrizes Curriculares
de Teologia:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=-
48421-rces004-16-pdf&category_slug=setembro-2016-pdf&Itemid=30192.

Fonte: a autora.

Soares e Stigar (2016) concluem que de fato, as Ciências da Religião, tanto


em seus cursos de licenciatura quanto de pós-graduação, são o curso que
capacitaria os professores a um Ensino Religioso menos catequético, mais
científico e mais condizente com uma sociedade secularizada, em que a re-
ligiosidade, ao invés de se extinguir, apenas se tornou menos pública e mais
de foro íntimo de cada indivíduo.

pensando juntos

Se considerarmos que hoje os cursos de teologia passam por comissões de avaliação


que os analisam de acordo com Diretrizes Curriculares, que promovem o respeito a
todas as religiões e à diversidade, ainda que permitam a confessionalidade, será que
reservar a formação do profissional do Ensino Religioso aos cursos de Ciências da(s)
Religião(ões) ainda faz sentido?

231
3
RELAÇÃO ENTRE
UNIDADE 5

EDUCAÇÃO CRISTÃ
e Ensino Religioso

Depois de termos discutido as perspectivas da Educação Cristã em Paulo Freire, e


as perspectivas do Ensino Religioso e a formação de professores e, também, falado
bastante das relações do campo das Ciências das Religiões e o Ensino religioso,
resta agora fazer a ponte entre a parte da teologia que se chama Educação Cristã
e o Ensino Religioso, em busca do resgate do modelo teológico.
Em seu artigo, Reblin (2009) faz uma abordagem teológica do Ensino Re-
ligioso, inspirado no pensamento do educador, também brasileiro, e que muito
tem em comum com Paulo Freire, o mineiro Rubem Alves.
O autor lembra que vivemos num país ainda de forte matriz católica, em-
bora miscigenada com as tradições espíritas e afrodescendentes, que vive a
liberdade religiosa há apenas um século, sendo que a liberdade de culto das
religiões afro-brasileiras é ainda mais recente.
Vira e mexe ouvimos nos jornais a respeito de terreiros invadidos ou pessoas
com trajes típicos desrespeitadas. E ele faz as seguintes perguntas nevrálgicas para
introduzir a discussão sobre o Ensino Religioso nas escolas:


Afinal, é possível ensinar religião? É possível buscar um conceito
de religião que sirva universalmente? Que perspectivas podem ser
delineadas para uma compreensão de religião mais próxima a uma
universalidade? Como lidar com as diversidades de religiosidades
existentes na sala de aula? (REBLIN, 2009, p. 132).
232
Na verdade, o autor não entra na questão da universalidade, focando mais na

UNICESUMAR
diversidade das experiências religiosas trazidas pelos alunos. Ele critica a abor-
dagem dos PCN do que seja religião que reduzem o Ensino Religioso a cinco
eixos temáticos: “culturas e religiões; escrituras sagradas; teologias; ritos e ethos”,
o que configuraria para ele uma


[...] ‘religião institucionalizada e instituição religiosa’, i.e., um conjun-
to de símbolos de valor existencial para o ser humano, reconhecidos
socialmente e sedimentados pela história, controlado e administra-
do por “uma organização humana composta por agentes produtores
e consumidores de capital simbólico religioso, participantes de um
campo religioso que abarca conflitos de poder” (REBLIN, 2009, p.
49, nota 77, grifo do autor). Em outras palavras, o termo religião
nos PCNs abarca aquilo que corresponde à história das religiões:
símbolos, costumes, crenças, doutrinas, presença no mundo etc.,
apresentados sob o olhar neutro do cientista/professor: objetivida-
de, estrutura lógica, verificabilidade. Uma questão pautada aqui é se
tal compreensão alicerçada numa visão institucionalista de religião
não esconde determinadas limitações sobre o exercício do Ensino
Religioso (REBLIN, 2009, p. 132).

E, de fato, um conceito assim reduz a religião a algo que pode ser dissecado, como
um sapo, mas que sempre foge da mesa de dissecação, tornando o ensino quase
impossível. Uma abordagem racionalista e cientificista colocaria em risco toda a
dimensão do mistério e do encantamento e da imaginação envolvidas na religião.
A religião, do ponto de vista teológico, é algo que transcende a toda e
qualquer tentativa de análise e síntese. Para se ensinar religião seria necessá-
rio conhecer todas as religiões por experiência, já que a religião envolve uma
dimensão vivencial muito intensa.

pensando juntos

E diante da diversidade de experiências religiosas dos alunos, que sequer podem dialogar
entre si já que “nem o diálogo inter-religioso e o ecumenismo funcionam” (REBLIN, 2009,
p. 133), o autor se pergunta: “como lidar com a neutralidade (visto que uma postura con-
trária pode ser entendida como proselitismo) sem ignorar as diferenças, às vezes, imen-
suráveis entre as diferentes tradições religiosas?” (Idem).
233
E a segunda dificuldade da concepção de religião dos PCN é que eles a tratam
UNIDADE 5

como se fossem bem definidas, delimitadas e estanques quando, na verdade e na


vivência das pessoas, elas se misturam e sincretizam.
Veja como Reblin (2009, p. 133) sintetiza toda essa problemática:


Não é possível ensinar o conteúdo das religiões como se fossem
‘caixinhas’ separadas umas das outras, porque os conteúdos dessas
religiões se inter-relacionam no dia-a-dia das pessoas. É dificílimo
ensinar o próprio de cada religião, pois as pessoas, em seu dia-a-dia,
fazem uma síntese, uma espécie de contrabando e de bricolagem
que visa, em primeira instância, responder a (sic) sua busca por
sentido. É até possível ensinar algo sobre religiões, mas como en-
sinar ou conversar sobre religiosidade, visto que não é possível (e
nem permitido) ensinar a vivência de fé? O que fazer para que o
Ensino Religioso não se torne mera Ciência da Religião e para que
seu exercício não adquira contornos práticos de uma história das
religiões? Uma leitura sobre a noção de religião e de religiosidade
em perspectiva teológica é uma das possibilidades de se evidenciar
novos horizontes nesse debate.

Na perspectiva teológica de Rubem Alves, a religião faz parte do universo especi-


ficamente humano, que não pode ser reduzido à satisfação de necessidades físicas
ou emocionais, mas que faz com que o homem, por sua consciência, busque um
sentido na vida, capaz de satisfazer os seus desejos mais profundos. Ele também
tem, ao contrário dos animais, uma perspectiva de transformação da sua reali-
dade circundante e do seu mundo. A religiosidade é uma das formas pelas quais
essas buscas se manifestam e canalizam.


A religião é compreendida como uma rede simbólica que dá sentido
e direção ao ser humano em sua busca incessante por um lar. Os
símbolos religiosos são os horizontes que direcionam o caminhar
humano e são as testemunhas do desejo e da esperança humana por
uma realidade que faça sentido e que satisfaça o ser humano em suas
angústias interiores pela busca de um universo em que ele possa se
sentir amado. Os símbolos são a expressão da recusa e do protesto

234
humanos em aceitar a realidade como ela se apresenta a ele. Eles

UNICESUMAR
são uma expressão da ausência (ALVES, 2005a), pois os símbolos
expressam justamente aquilo que não pode ser encontrado na rea-
lidade presente. E justamente por lidar com o paradoxo da tensão
entre ausência e presença e a tensão entre o anseio e a representação
da realização máxima desse anseio, a relação ser humano símbolo é
primariamente existencial (REBLIN, 2009, p. 134).

Nesse sentido, para Rubem Alves, a religião não é uma instituição fria e racio-
nalizada, mas uma vivência cotidiana. Por isso é que a religião também pode ser
comparada a uma linguagem simbólica - evidentemente não se reduzindo a ela
- que tem fortes relações com o cotidiano e com uma realidade objetiva que lhe
dá sustentação. Não se trata, portanto, de um fenômeno meramente subjetivo.
Nas palavras do próprio Rubem Alves:


O ser humano não é um ser que uma essência possui e a projeta. A
consciência é sempre uma relação, não uma entidade em si. O ser
humano sempre tem consciência de algo que está fora de si mesmo. A
consciência supõe algo que sustenta o ser humano; seria impensável
sem este ‘outro’. A consciência do nada é o nada da consciência. A re-
ligião, então, não é a essência do ser humano em sua forma simbólica,
mas a expressão simbólica da relação do ser real humano com seu
mundo. Por isso chegaríamos a conclusões errôneas se nos pusésse-
mos a indagar a posição ‘ontológica’ das realidades a que se referem os
símbolos. Esta foi a tentação constante da teologia, que terminou por
isso convertendo-se em metafísica. Pelo contrário, devemos conside-
rar os símbolos religiosos como espelhos que refletem a situação do
ser humano em seu mundo (ALVES apud REBLIN, 2009, p. 134-135).

Embora Alves não distinguisse religião de religiosidade, pois ambas emanam


de uma linguagem e de uma vivência cotidiana, Reblin (2009) explica que se a
religiosidade for tomada como o aspecto da vivência e a religião mais como um
fato sistematizado, mesmo assim não se pode reduzir a religião a uma sociologia
e nem a religiosidade a uma manifestação emotiva e subjetivista.
Uma abordagem interessante da religião e da religiosidade se dá pela chama-
da “teologia do cotidiano”, como Reblin (2009, p. 136) elucida:

235

A ideia central na ‘teologia do cotidiano’ é que as pessoas em sua
UNIDADE 5

vida diária ‘produzem teologia’, i.e., elas articulam de forma inteligí-


vel para si mesmas e para os outros aquilo que elas creem ou como
entendem a experiência religiosa que possuem. A teologia aqui é
entendida num sentido mais amplo. Não se trata de uma produção
exclusivamente acadêmica ou institucional, mas de uma atividade
inerente a todo ser humano que busca encontrar-se no mundo e
fazer dele o seu lar (ALVES, 2005b, p. 21et seq.). Ora, as pessoas em
sua vida diária estão em contato constante com as mais variadas for-
mas de saber, de experiências. Elas vão assimilando, incorporando e
modificando seu conhecimento nessa fluência e nesse intercâmbio
constante de saberes, de culturas, de experiências, que acontece na
vida diária, à medida que elas vão transitando entre diferentes es-
paços, grupos, e, nessa inter-relação, vão estabelecendo contato com
distintos universos simbólicos. Elas buscam fórmulas e modelos
(fornecidos por diversas instituições, grupos) capazes de resolver
seus problemas diários. No entanto, essas fórmulas e modelos só
terão validade para as pessoas se corresponderem aos seus anseios e
a sua busca por sentido. Quando isso não acontece, esses conteúdos
estão sujeitos a serem adaptados, excluídos ou mesmo misturados
com outros, a fim de constituírem-se numa síntese válida.

Na prática pedagógica do Ensino Religioso, esses conteúdos se inserem no cor-


po do aluno, que traz consigo toda uma tradição religiosa e práticas a que está
habituado na sua casa ou instituição religiosa.
E isso suscita uma série de questões, como: se não se pode ensinar uma vi-
vência religiosa, como a da convivência saudável entre as religiões, pois isso con-
figuraria proselitismo, como ensinar religião e lidar com as diferenças, tendo em
vista que algumas tradições as quais os alunos trazem inscritas no corpo. Como
lidar com as religiosidades que promovem a sua autosegregação? E como Rubem
Alves reagiria a esses questionamentos?
Primeiro, Reblin faz uma aproximação da sua filosofia da educação com a
de Paulo Freire, em sua denúncia da “educação bancária” e da racionalização po-
sitivista do ensino. Depois ele especula que Rubem Alves seria contra o Ensino
Religioso nas escolas, pelo seu conceito amplo, erótico, lúdico, poético e imagi-
nativo de religião e educação.

236

Nesse sentido, tal como se encontra estruturado e dados os parâ-

UNICESUMAR
metros atuais que modelam o Ensino Religioso, é bem provável que
Rubem Alves seria (radicalmente) contra o exercício do Ensino
Religioso nas escolas. Tal prática seria uma tentativa de assassinar
quaisquer mistérios inerentes ao fenômeno religioso que arrepiam
e fascinam quem está intimamente envolvido nele. Racionalizar e
dissecar a religião ou ressaltar o invólucro institucional que a apri-
siona é reduzir o sentido que a religião possui na vida das pessoas.
No entanto, a religião sempre dá um jeito de transcender os espaços
nos quais é confinada e poderá evidenciar um contrassenso aqui
entre o que se ensina e o que se vive [...] (REBLIN, 2009, p. 137).

Segundo Reblin (2009), Rubem Alves defenderia um Ensino Religioso difu-


so, como tema transversal de todos os componentes curriculares da escola,
como uma vivência diária.


O ‘Ensino Religioso’ (que talvez não teria esse nome) não estaria tanto
no conteúdo, mas no ‘como’ a prática e a interação entre sapiência (co-
nhecimento com sabor) e vida aconteceriam no dia-a-dia da escola.
O Ensino Religioso não precisaria invocar o nome de Deus, de
Alá, de Jeová, do Altíssimo, do Poder Superior para estar presente.
O Ensino Religioso revelar-se-ia no exercício do amor. Conforme Ru-
bem Alves, “porque não é pelo conhecimento que os corpos são res-
suscitados (sic) mas pelo amor” (ALVES apud REBLIN, 2009, p. 137).

Então, do ponto de vista teológico, o ensino religioso não seria possível, mas o
autor deixa entrever que a luta por ele como espaço no currículo escolar poderia
trazer uma humanização e sensibilização para outras dimensões da vida e exis-
tência humana como a arte, por exemplo.
E aqui que eu penso que o autor se equivoca de achar que Rubem Alves
seria contra o Ensino Religioso nas escolas. Nesse caso, diria eu, ele também
seria contra qualquer educação escolar, já que educação e religião são conceitos
coirmãos. Sim, porque, do ponto de vista teológico, ou pelo menos da teologia
cristã, a educação é formação do ser humano conforme uma imagem que nele foi
impressa desde a criação, conforme um plano pré-pensado, porém não fechado,
a menos que queiramos recair nas teses de predestinação radical, pelas quais fica
comprometida a liberdade do ser humano.
237
A religião visa a mesma formação do homem à imagem do Deus encarna-
UNIDADE 5

do, que, no caso do Cristianismo, é Cristo. Toda religião tem seus modelos que
servem de norte para a boa conduta e para o melhor modo de ser e de viver
nesse mundo e para além dele.
Tais princípios têm implicações práticas. Como o professor pode lidar com
os desafios práticos de sala de aula, munido dessa religiosidade ou dessa espiri-
tualidade? Sendo e não apenas fazendo. Sendo um professor, que, para além do
desinteresse dos alunos, consegue despertá-los para coisas realmente essenciais
na vida e para as quais todos têm um mínimo de sensibilidade. Sendo um profes-
sor que respeita seus alunos acima de tudo. Sendo um professor que faz os alunos
participarem ativamente das aulas, envolvendo-os. Sendo um professor que se
identifica com o contexto e a realidade do aluno, estendendo-lhe a mão nas suas
carências. Sendo um professor compreensivo, mas também que saiba desafiar o
aluno para que supere os seus limites. Enfim, um modelo de ética e comprome-
timento com a transformação social e com um mundo melhor.
É assim que religião e educação podem andar de mãos dadas, visando uma
nova sociedade para a qual cada um contribua com a sua parte. Resta perguntar-
-nos, se essa coincidência entre religião e educação se aplica apenas à Educação
Cristã ou se é um conceito que pode ser universalizado.

Educação Cristã: um paradigma universalizável?

A teóloga George (2014) nos fornece mais alguma luz sobre as relações entre Edu-
cação Cristã. Nele, ela defende uma visão holística e integral da educação em sua
relação com a igreja e a missão. Como ensinar tudo a todos o tempo todo? Essa
é uma pergunta que o educador cristão, Comênio, já se fazia e que Paulo Freire
subscreveria. Em George, o conceito de educação está inscrito no de igreja, for-
mando um todo articulado com ela, que abre novos horizontes para a realidade:


A Igreja é uma comunidade litúrgica, ensinadora e missionária.
Minha ênfase é na integralidade da educação e da missão. Nessa
visão holística procuro as pontes entre a educação e a missão. Pelo
batismo todos e todas que seguem e adoram a Cristo são discípulos
missionários em todos os lugares e durante a vida toda. A EC ensina

238
a Bíblia e a fé cristã para preparar as pessoas para a totalidade da

UNICESUMAR
vida e da missão. Essa educação nos dá uma visão integral e integra-
da, um novo olhar sobre a vida (GEORGE, 2014, p. 2).

E ela continua coerente com o que defendia em seu clássico, em que conceituava
a Educação Cristã da seguinte forma: é um processo deliberado e intencional
pelo qual Cristo é formado nas pessoas, visando à transformação, formação e
crescimento da pessoa toda e da Igreja toda em todo o tempo” (GEORGE, 1993,
p. 14). E acrescenta a isso “a transformação da sociedade e do mundo pela ação
missionária de Deus e Seu povo (GEORGE, 2014, p. 2).
A Educação Cristã tem a ver com o processo de santificação, em que, no dizer
de C. S. Lewis (2017c), somos transformados em “pequenos cristos”, à imagem
e semelhança dele. E esse crescimento não se dá apenas exteriormente, mas de
dentro para fora, como no caso de Pinóquio que, de um boneco de madeira, foi
transformado em menino de verdade.
Na ilustração de Lewis (2017c) em “Cristianismo Puro e Simples” somos como
“soldadinhos de chumbo” que ganharam vida, como na fantasia de uma criança ou
na história do Toy Story. Da mesma forma como ele encarnou; ele, que é o nosso
modelo, nós temos que encarnar, mas é em Cristo. Temos que ser enxertados nele.


Na sua encarnação total como ser humano, Jesus teve um desenvolvi-
mento integral, tanto na esfera biológica quanto na social. Cristo nasceu
e viveu a experiência humana em todas as suas dimensões sem, todavia,
haver pecado. Ele crescia intelectual, física, espiritual, emocional e social-
mente. Foi um crescimento integral e integrado. Sua humanidade dá um
modelo e meta para nós: ser pessoas inteiras, completas, plenas em Cristo!
Sua consciência de sua própria relação com Deus e consequentemente de
sua missão, também são um modelo para nós [...] (GEORGE, 2014, p. 3).

E essa missão já foi atribuída à humanidade desde o jardim do Éden, como bem
lembra George, desde que em “Gênesis 12, descobrimos que Deus vai fazer um
povo com a missão de ser uma bênção – ‘em ti serão benditas todas as famílias
da terra’ (GEORGE, 2014, p. 4).
Quando Deus cria o ser humano, ele o incumbe de dar nome aos animais
e de ser o mordomo do Jardim do Éden. Depois da queda, ele deveria ganhar a
vida com o suor de seu rosto e cultivando a terra. Ora, a palavra “cultura” vem
239
de “cultivo” e cultura, como se aprende da palavra alemã Bildung, tem a ver
UNIDADE 5

com formação ou educação. Então, cultura e educação foram dados ao homem


como um arrimo, uma tábua de salvação, para a condição de seres decaídos em
que se encontravam os humanos. Ao invés da Educação Cristã ser um antídoto
agressivo contra mal do pecado e a corrupção humana, ele é o bálsamo, o óleo
curador das feridas. E era isso que Jesus fazia. Ele não veio com açoites e varas
para castigar, mas com palavras construtivas para salvar e curar. E ele é o má-
ximo modelo de toda educação.


Aquele que cresceu em tudo nos dá um modelo, uma referência,
uma direção, uma meta. Discípulas e discípulos de Cristo crescem
em todas as áreas da vida em união com seu Mestre, com seu Senhor,
com a cabeça da Igreja e do universo. Crescemos em Cristo. Por isso,
é educação ou formação cristã (GEORGE, 2014, p. 4).

Lembrando da nossa ilustração do homem no deserto, ele precisava de um rumo,


um direcionamento, uma meta, além de uma motivação. É claro que o educador
pode escolher esse modelo, essa meta, mas o educador cristão já o tem e é pre-
ciso que ele se conscientize dele e o estude a fundo. É preciso que ele conheça
profundamente a pessoa e a vida de Cristo para lhe seguir o exemplo. Assim,
crescer em Cristo é formar-se em Cristo e, tornar-se um especialista em Cristo,
não só teoricamente, mas na prática. Saber tudo sobre Cristo e imitá-lo em tudo.
Isso parece muito radical e é mesmo, pois o único radicalismo, ou “ismo” que é
permitido ao cristão e, principalmente, ao educador cristão é o cristianismo. Por
isso é que a abordagem pode ser totalizante e integral, sem ser equivocada, pois
qualquer outro tipo de totalitarismo é errado.
A expressão em Efésios diz que devemos crescer em tudo:


Mas seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que
é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolida-
do pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada
parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo
em amor” (Ef 4, 15-16).

Essa passagem é a base do artigo de George (2014) que a problematiza e comenta


da seguinte forma:
240

O que significa “em tudo”? No grego é ta panta, ou em todas as coisas,

UNICESUMAR
uma expressão cara em Efésios. Pode-se traduzir assim:“façamos cres-
cer o todo”.É um crescimento integral,holístico e completo sempre com
equilíbrio. É um crescimento com dimensões individuais, coletivas e
cósmicas. Somos seres comunitários. Pertencemos a uma comunida-
de cristã concreta na qual podemos viver uma experiência permanen-
te de discipulado, de comunhão, de adoração, de oração, de missão.
“Seguindo a verdade em amor”. Há dois componentes essenciais no
ensino: a verdade – o conteúdo, o racional, o objetivo – e o amor – o
afetivo, o relacional, o subjetivo. Não há verdadeiro ensino se falta um
dos elementos. Verdade sem amor é ortodoxia sem carácter. Amor
sem verdade é sentimentalismo sem balizas (GEORGE, 2014, p. 4-5).

Lewis dizia que razão é o órgão da verdade e a imaginação, do sentido. Tudo o


que aprendemos tem que passar por ambos, se não, não dá “liga”. A razão sem ima-
ginação é racionalista. As coisas que o professor racionalista ensina, desprovidas de
significado, abstracionistas, conteudistas e teóricas demais, tendem a “entrar por um
ouvido e sair pelo outro”. E a imaginação sem a razão vira ilusão e loucura fantasiosa.
Se considerarmos que fomos criados em amor “à imagem e semelhança de
Deus”, essa imagem é a base de nossa imaginação e o laboratório no qual o amor
opera e se desenvolve. O amor nos conduz através da aliança e cooperação entre
imaginação e razão até a verdade, que é libertadora.
E George continua o raciocínio, mostrando o lado experiencial da verdade:


‘Seguindo a verdade’ no grego é uma palavra só, um verbo – ‘prati-
cando a verdade’. Ou seja, verdade não é só um conhecimento in-
telectual, cognitivo, é algo que vivemos, que praticamos em amor.
Precisamos equilibrar esses dois componentes complementares
em nosso ensino: a verdade ensinada e vivida em amor. Discurso e
valores colocados em prática na vida diária. É nosso teste de auten-
ticidade (GEORGE, 2014, p. 5).

Vemos aqui a importância não apenas da prática e da vivência, mas também do coti-
diano. Toda Educação Cristã é vivencial, ou seja, é experimentada no contexto da vida
cotidiana. Ela não é abstrata e composta de conteúdos frios e distantes da realidade.
Ela é viva e pulsante. Ela tem esse elán vital que todas as coisas que Jesus ensinava têm.

241
Existe até uma teoria, baseada em David Kolb, que se valeu de Paulo Freire, Dewey,
UNIDADE 5

Rogers, Ausubel, entre outros, e que defende a chamada Experiencial Learning, que
é a Aprendizagem Vivencial. Essa proposta combina muito com a abordagem cristã.
Toda teologia cristã é –ou deveria ser– vivencial. Tanto que Cristo instruiu os
seus discípulos, antes de ascender aos céus, que devessem ir, ou seja, mover-se, pra-
ticar e experimentar a vida cristã por todo o mundo, evangelizando, batizando e
ensinando. O próprio batismo é um sacramento vivencial, como nos mostra George
(2014, p. 5):


O batismo é o começo de tudo. Passamos a vida toda para entender
a plenitude de nosso batismo e para viver as consequências dele.
A educação cristã tem a tarefa de fazer de cada criança ou adulto
batizado discípulos e discípulas maduros que vão por sua vez fazer
mais e mais discípulos. Como se faz isso? Ensinando a prática de
“todas as coisas” que Jesus ensinou. Temos que crescer em tudo.

Então, Educação Cristã é um processo, a narrativa de uma história de vida de um


ser que se torna cada vez mais o que ele é em essência. Trata-se de um vir-a-ser
de autorrealização. Nesse sentido, a Educação Cristã é


[...] uma jornada, um processo de crescimento mútuo e serviço que
dura a vida toda. E isso ocorre dentro de uma comunidade local de
fé [...] Por isso, indivíduos precisam da igreja toda para seu cres-
cimento integral e a igreja também precisa crescer e amadurecer
como um todo (GEORGE, 2014, p. 6).

Assim, George faz a ponte novamente entre Educação Cristã e igreja, ou comu-
nidade, pois, além de ser experiencial, a ela é comunitária e colaborativa. A ideia
de comunhão é muito típica do cristianismo e muito imitada pelo mundo secular
com propostas para a educação de atividades colaborativas e em grupos. Existe aí
ainda uma teoria de dinâmicas de grupo, desenvolvida por Kurt Lewin (1978) que

242
tenta reproduzir o que acontece entre cristãos, ou seja, o trabalho em comunhão.

UNICESUMAR
E George estabelece novamente a relação da comunhão educadora com a missão:


O Deus trino que é comunhão nos criou para ter comunhão com
Deus e uns com os outros e para ser uma bênção. A comunhão é
a realidade mais profunda e fundadora que existe. É por causa da
comunhão que existem o amor, a amizade, a benquerença e a doação
entre as pessoas humanas e divinas. E o amor sempre se abre, sai
de si, transborda e abençoa. Para a comunidade de fé local crescer,
ela precisa inserir-se como luz no seu contexto local, ou seja, na
sociedade, e também participar e intercambiar no contexto maior.
Enfim, a formação integral nos leva a ter uma fé comprometida que
é missionária. Visamos a transformação contínua de indivíduos, de
igrejas e de sociedades (GEORGE, 2014, p. 6).

O alerta que ela faz para a importância da transformação da sociedade é funda-


mental nos dias de hoje, em que as igrejas vivem cada vez mais “ensimesmadas”
e isoladas do resto do mundo, esquecendo-se de seu papel social transformador.
É preciso pensar não apenas em termos de missão, a menos que se tenha uma
compreensão muito ampla do que seja isso, mas também de influência política
no combate às injustiças sociais e às desigualdades. A formação integral também
passa pela conscientização e pela assunção e exercício da cidadania do indiví-
duo. Qual é a igreja que se vê assim, inserida na realidade social e histórica e que
assume o seu papel enquanto instituição na sociedade? Bonhoeffer, citado pela
autora, foi um dos pensadores que tinha essa tônica quando dizia


[...] que a igreja é a única entidade que não existe para si mesma,
está voltada para fora de si mesma, expressando o amor de Deus às
demais pessoas fora dela. Educação cristã está sempre ao serviço do
bem da sociedade. A igreja missionária é luz e sal na comunidade
maior. A missão discipuladora de Jesus vai além da evangelização,
pois conduz à transformação da pessoa, da igreja e do mundo. Jesus
muda pessoas, relações e realidades (GEORGE, 2104, p. 8).

243
Esse conceito amplo da ação transformadora de Jesus e de sua Igreja é uma das
UNIDADE 5

marcas características do pensamento de George (2014), que é totalmente bíblico.


Bíblica também é a constatação que a tarefa e missão de sermos


[...] filhas e filhos amados de Deus na sociedade nunca foi algo fácil
e continua não sendo, pois “o mundo não nos conhece, porque não
conheceu a Jesus”. Viver o amor e a filiação de Deus na sociedade
é uma atitude profundamente transformadora e missionária. Abrir
amorosamente nossas casas como um espaço eclesial e evangeliza-
dor e expressar ao mundo a vida de Cristo em nós são por si só im-
portantes e fiéis testemunhos missionários/as (GEORGE, 2014, p. 9).

Nesse sentido, ser um educador cristão na perspectiva de uma parceria entre


escola, família e igreja também não é um projeto simples e fácil, mas complexo e
desafiador e muito urgente. E George (2014) tem sido uma das pensadoras que
estão contribuindo ativamente para esse projeto.
Então, deu para você perceber a coincidência entre a religião e a teologia e a
educação? Elas são muito semelhantes em sua natureza e estrutura. Por isso não
podem ser vistas isoladamente.
Resta a pergunta: Haveria uma educação legítima que não seja também cristã?

244
CONSIDERAÇÕES FINAIS

UNICESUMAR
Nessa unidade, apresentamos o educador brasileiro, Paulo Freire, e suas contri-
buições como educador cristão que foi. Discutimos, ainda, a questão da forma-
ção do professor de ensino religioso e os cursos de formação de Ciências da(s)
Religião(ões) ou de Teologia.
Mencionamos também as perspectivas, tanto da Educação Cristã quanto do
Ensino Religioso no mundo contemporâneo, que são promissoras, principal-
mente se considerarmos uma realidade cada vez mais globalizada, em que há
mobilidade de povos e multiculturalismo, tornando o diálogo inter-religioso uma
necessidade cada vez mais premente para a consolidação do convívio pacífico e
da fraternidade entre os povos.
A religião certamente é um componente integrante da formação humana,
mesmo que a pessoa tenha o direito de renegá-lo e abrir mão dele. Da mesma
forma como a pessoa pode abrir mão do sexo, de certos alimentos e certas prá-
ticas consideradas “normais” por outros. Isso faz parte do processo civilizatório.
Ela inclusive, mesmo renegando a religião, pode desenvolver uma filosofia ética,
baseada, por exemplo, no ideal de coletividade, bem-comum e cidadania.
O que ela não pode é simplesmente suprimir a religião e fazer de conta que
ela não exista. Isso seria negar toda a história das culturas humanas. Todas elas,
sem exceção, desenvolveram algum tipo de religiosidade e crença religiosa.
Por isso é que não existe neutralidade em relação à religião, mas apenas um
esforço, no sentido de considerar e respeitar todas as religiões, inclusive os sem
religião, com imparcialidade.
Espero que essa unidade tenha sido proveitosa e tenha preparado você para
encarar os desafios da Educação Cristã e do Ensino Religioso, tornando-o apto
para a tarefa e missão que eventualmente lhe será atribuída um dia.

245
na prática

1. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) sobre o legado de Paulo Freire no Brasil e no mundo.

I - As ideias de Paulo Freire são responsáveis exclusivas pelo fracasso escolar no


Brasil.
II - O legado de Paulo Freire é plenamente reconhecido no Brasil.
III - Paulo Freire tem mais reconhecimento internacional do que nacional.
IV - A única coisa que Paulo Freire fez na Secretaria da Educação de São Paulo foi
instituir a promoção automática nas escolas.

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas III está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

2. Assinale (V) para verdadeiro ou (F) para falso nas afirmações a seguir:

( ) A metodologia Paulo Freire de alfabetização de adultos é a única contribuição


do autor para a educação.
( ) Ele contribuiu mais com uma filosofia de vida e educação do que com uma
metodologia única e fechada.
( ) Sua proposta é a de alfabetizar-se não apenas para ler a palavra, mas para ler o
mundo, ou seja, de ter uma compreensão ampliada e consciente da realidade
circundante.

Assinale a alternativa correta:

a) F- V- V
b) F- F- V
c) V- F- V
d) F- F- F
e) V- V- V

246
na prática

3. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s):

I - Estado laico não é a mesma coisa que Estado ateu, como temos na França, por
exemplo e tínhamos na antiga União Soviética. A religiosidade é admitida como
parte da constituição do ser humano e parte dos direitos que constituem a cidada-
nia do sujeito brasileiro, cuja constituição foi promulgada “sob a proteção de Deus”.
II - O diálogo é fundamental para uma prática pedagógica de Ensino Religioso mais
inclusiva, que promova a tolerância e o respeito à religiosidade do outro.
III - O Ensino Religioso Reflexivo é um ensino descritivo e analítico, pautando-se pelos
saberes acumulados pela área das Ciências da Religião, considerando o contex-
to histórico e geográfico de cada religião e cuidando para primeiro observar as
religiões empiricamente, para só depois interpretá-las e tentar compreendê-las.
IV - Sem o Ensino Religioso não se pode formar sujeitos éticos, pois a religião é a única
salvaguarda da conduta ética. Sem religião é impossível a uma pessoa se portar
de acordo com uma moral decente. Um ateu, por exemplo, não pode ser ético.

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas III e IV estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas I, II e III estão corretas.
e) Todas as alternativas estão corretas

4. Sobre os modelos de Ensino Religioso existentes no Brasil de acordo com L. Sena


é correto afirmar que:

a) Os modelos são o confessional, o catequético e o teológico.


b) Os modelos são o catequético, o interconfessional e o das Ciências da religião.
c) Os modelos são o catequético, o teológico e o das Ciências da Religião.
d) Os modelos são o confessional, o interconfessional e o pluralista.
e) Os modelos são o dogmático, o interconfessional e o da história das Religiões.

247
na prática

5. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) com relação ao Ensino Religioso nas


escolas públicas:

I - A religião, do ponto de vista teológico, é algo que transcende a toda e qualquer


tentativa de análise e síntese.
II - Na visão de Reblin, é possível, em uma abordagem pluralista, que é a mais acer-
tada, dar conta de todas as religiões no Ensino Religioso.
III - Não é possível ensinar o conteúdo das religiões como se fossem ‘caixi-
nhas’ separadas umas das outras, porque os conteúdos dessas religiões se
inter-relacionam no dia a dia das pessoas.
IV - Na perspectiva teológica de Rubem Alves, a religião faz parte do universo espe-
cificamente humano, que não pode ser reduzido à satisfação de necessidades
físicas ou emocionais, mas que faz com que o homem, por sua consciência,
busque um sentido na vida, capaz de satisfazer os seus desejos mais profundos.

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas I, II e III estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Apenas I, III e IV estão corretas.
e) Todas as alternativas estão corretas.

6. Na visão de Gruen, qual a diferença entre catequese e religiosidade? Qual das duas,
na sua opinião, devem ser ensinadas no Ensino Religioso nas escolas?

248
aprimore-se

O MODISMO DA IMPARCIALIDADE: CHESTERTON E A EDUCAÇÃO

“O que as pessoas chamam de imparcialidade pode significar simplesmente indiferença,


e o que chama parcialidade pode significar apenas atividade mental” (G.K. Chesterton).
Ao atualizar minhas leituras de G.K. Chesterton deparei-me com a afirmativa
acima no artigo “O erro da imparcialidade”, da coletânea “Considerando Todas
as Coisas” (Editora Ecclesia), e pensei que haveria uma bela aplicação do mesmo
para a educação.
Mas antes de falar em educação, tema do qual o autor confessadamente não
trata de forma direta, mas que podemos entrever em vários dos seus artigos,
vamos ao argumento do autor.
Referindo-se à dimensão jurídica da imparcialidade do júri e do juiz, primeiro ele
ventila a possibilidade de que a imparcialidade (forçada) seja capaz de levar a uma
injustiça maior que a parcialidade. “Como assim?”, perguntaria o leitor desavisado
e desacostumado com a metodologia paradoxal aplicada por Chesterton. Explico:
Não se pode impedir as pessoas de partirem de pressupostos (sem os quais, como
ele deixa claro no artigo “Filosofia para a sala de aula”, não seria sequer possível
concatenar as ideias em um argumento ou veredicto coerente). Ou seja, ser parcial
é nada mais nada menos do que um “sintoma” do que ele chama de “atividade men-
tal”, coisa sem a qual apenas um débil mental pode viver.
Eu costumo dizer mais diretamente que a “neutralidade” é impossível em qual-
quer que seja o assunto do qual se pretende ensinar alguma coisa, o que não invali-
da o esforço que se deve empenhar nesse sentido. O professor de matemática pre-
cisa estar convencido da álgebra ou da geometria para ensiná-la e nem por isso ele
é chamado de proselitista (outra palavra da moda nos meios educacionais atuais)
ou dogmático. O mesmo vale para qualquer outro assunto, por mais “subjetivo” que
se queira taxá-lo, como infelizmente se taxa hoje o ensino religioso nas escolas, por
exemplo. Aliás, uma das suposições mais idiotas que se inventou no Brasil é que
“sobre futebol, mulher e religião” não se possa discutir.

249
aprimore-se

Então quer dizer que esses assuntos são “tabus”? Parafraseando o filósofo ana-
lítico Wittgenstein, ele já dizia (erroneamente, a meu ver), que “sobre o que não se
pode falar, deve-se calar”.
Então o quê? Deve-se dogmatizar intencionalmente? Claro que não, pois esse
seria cair do outro lado do cavalo. Chesterton mesmo alerta sobre o chamado viés
que “o mero fato de que haja formado uma impressão temporária a partir do co-
nhecimento que tinha dos primeiros fatos – isso não prova que não é um árbitro
imparcial; prova apenas que não é um tolo sangue-frio”.
Hoje, a grande ordem nas escolas é a da imparcialidade, tanto no que diz respei-
to à moral e questões sexuais quanto à religião. E ela é tomada de forma dogmática,
muito baseada em um ceticismo crônico. Contra este, que é um dos maiores “dra-
gões” enfrentados por Chesterton em qualquer nível, ele comenta: “Assume-se que
o cético não tem viés; ao passo que o tem muito obviamente em favor do ceticismo”.
O mesmo se poderia afirmar do ateísmo, que muitas vezes está por trás da tese da
neutralidade religiosa e do chamado “pluralismo religioso”. A eles se aplica o tipo de
raciocínio assim formulado por Chesterton “Todos os homens que contam chega-
ram à minha conclusão; pois, se chegarem à sua, não contam”.
Isso pode muito bem aplicar-se também aquele que tem uma crença definida e
quer impô-la a todo o custo às demais pessoas, sendo chamado, com toda a razão,
de “fanático religioso”. Mas não pode ser considerado fanático aquele “pensador que
pensou completamente e até um fim definitivo” em determinada questão. Do contrá-
rio, um juiz seria destituído por dar uma sentença e o júri, por chegar a um veredito. E
eu acrescento ainda que, sem pressupostos e pensamentos e valores consequentes e
bem fundamentados, a própria escola deixará de ter razão de ser na sociedade.
Fonte: adaptado de Greggersen (2014, on-line)11.

250
eu recomendo!

livro

A Abolição do Homem
Autor: C.S Lewis
Editora: Thomas Nelson
Sinopse: surpreendente e profético. É um dos livros mais debati-
dos de C.S. Lewis. Nas poucas, porém densas páginas desta obra,
o célebre autor britânico defende a moralidade absoluta e os va-
lores universais, como o altruísmo, a caridade e o amor, além de
expor as consequências da falta desses princípios na sociedade.

conecte-se

Nessa palestra, vamos conhecer o que C.S. Lewis pensava sobre educação, que foi
registrado principalmente no livro, A Abolição do Homem, que tive o privilégio de
traduzir para a editora Thomas Nelson.
https://www.youtube.com/watch?v=JU_c2V8XudI

251
conclusão geral

conclusão geral

Chegamos ao final da disciplina com algumas respostas, mas também certas inda-
gações que não pretendemos fechar, pois cremos que elas devem ser mantidas no
campo do mistério e do diálogo honesto, igualitário, participativo e livre.

Será que uma pessoa tem que ser instruída na religião e no cristianismo para ser
uma pessoa completa? É claro que as pessoas que abdicam de qualquer religião e
não creem em um Deus também podem ser éticas, dentro de seu contexto.

Quem tem uma crença em Deus tem maiores motivos e motivação para tanto, pois
tem a quem prestar contas. A religião é uma vitamina, não um componente vital e
indispensável à saúde espiritual de uma pessoa. Para o cristão, que é mais do que
um mero religioso, a Educação Cristã é indispensável para a redenção, a felicidade e
a santificação. No caso dele, Cristo é a única resposta possível para uma vida plena.

No entanto isso não significa que ele seja dono da verdade ou seja uma pessoa me-
lhor do que os outros. A diferença básica é que ele tem um ajudador, o Espírito Santo,
que monitora as suas ações e lhe dá as forças e motivação para resistir ao mal e prati-
car o bem. Isso coloca os cristãos em uma condição de maior responsabilidade pelos
seus atos. Pior do que um pagão agindo de má-fé é um cristão fazendo o mesmo.

E a Bíblia nos proíbe de julgar os outros. Então, não podemos dizer com certeza quem
será salvo, pois é bem capaz que uma pessoa esteja invocando determinado deus ou
deuses, mas esteja servindo, na verdade, ao Deus vivo, mesmo que inconscientemente.

252
conclusão geral

conclusão geral

O poeta, o músico e o artista em geral, por exemplo, invoca e glorifica a Deus o tem-
po todo, mesmo que se declare ateu. E quem aprecia a natureza, muitas vezes, pode
estar, inconscientemente, venerando ao Deus que a criou.

Só Deus mesmo pode julgar os corações e nós, cristãos, devemos, humildemente,


estar conscientes de nosso papel como mediadores e não detentores da verdade, o
que muda completamente nossa postura como educadores cristãos.

Temos motivos ainda para adotar o modelo teológico de Ensino Religioso, se consi-
derarmos o caráter não-proselitista dos Parâmetros Curriculares atuais. E devemos,
acima de tudo, adotar o modelo de Cristo, que é o de amar o nosso próximo e res-
peitá-lo como a nós mesmos, não importa a crença que ele professe. Esse é o man-
damento maior de todos, que só é inferior ao de amar a Deus sobre todas as coisas.

Sejamos, portanto, educadoras e educadores autenticamente cristãos que façam a


diferença nesse mundo e contribuam para a instauração do Reino de Deus, em uma
práxis transformadora para o honra e glória do seu nome.

253
referências

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ARMSTRONG, H. Bases da Educação Cristã. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.

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de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível:
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254
referências

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Relator: Ivan Cláudio Pereira Siqueira. Aguardando homologação. Aprovado em 2 de outubro
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9 Em: https://cpaj.mackenzie.br/historia-da-igreja/igreja-e-estado-uma-visao-panoramica/.
Acesso em: 12 dez. 2019.

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ligioso. Acesso em: 20dez. 2019.

11 Em: https://www.ultimato.com.br/conteudo/o-modismo-da-imparcialidade-chesterton-e-a-edu-
cacao#ensino+religioso. Acesso em: 26 dez. 2019.

258
gabarito

UNIDADE 1 UNIDADE 5

1. C. 1. C.

2. B. 2. A.

3. A. 3. D.

4. C. 4. C.

5. A. 5. D.

6. Opinião aberta. Na visão de Gruen, a

UNIDADE 2 catequese tem seu foco na educação


da fé explícita de determinada deno-
1. A. minação religiosa, ao passo que a reli-
giosidade quer ensinar “esta capacida-
2. C.
de de ir além da superfície de coisas,
3. B. acontecimentos, gestos, ritos, normas
e formulações, para interpretar toda a
4. C.
realidade em profundidade crescente
5. D. e atuar na sociedade de modo trans-
formador, libertador”. Enfim, a religio-
sidade é a dimensão que abre o ser
UNIDADE 3 humano ao processo de refletir sobre
o sentido da vida, buscando um sen-
1. A.
tido profundo e evita tanto a banali-
2. B. zação do religioso quanto o dualismo
sagrado x profano.
3. C.

4. E.

5. C.

UNIDADE 4

1. D.

2. A.

3. E.

4. B.

5. B.

259
anotações



































anotações



































anotações



































anotações



































anotações




































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