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FUNDAMENTOS

METODOLÓGICOS
DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Giza Guimarães P. Sales
Presidente Divisão Sul-Americana: Stanley Arco
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Educação Adventista a Distância

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Editora Universitária Adventista

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Gerente administrativo: Bruno Sales Ferreira
Editor associado: Werter Gouveia
Responsável editorial pelo EaD: Luiza Simões
FUNDAMENTOS
METODOLÓGICOS
Giza Guimarães Pereira Sales DA EDUCAÇÃO
Doutora em educação pela
Universidade Estadual Paulista - Unesp INFANTIL

1ª Edição, 2022

Editora Universitária Adventista


Engenheiro Coelho, SP
Fundamentos metodológicos
Editora Universitária Adventista
da educação infantil

Caixa Postal 88 – Reitoria Unasp 1ª edição – 2022


Engenheiro Coelho, SP – CEP 13448-900 e-book (pdf)
Tel.: (19) 3858-5171 / 3858-5172

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Érica Miranda
Magistério, Pedagogia, especialização em Gestão Escolar e
mestranda em Gestão do Conhecimento nas Organizações.
Rosa Maria Barros
Coordenação editorial: Letícia Simões e Mestranda em Educação - Programa de Pós-graduação stricto
Luiza Simões sensu em Educação (PPE) pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM); Pós-graduação Latto sensu (especialização)
Preparação: Lorena Freire
em Educação a distância e as tecnologias educacionais pela
Projeto gráfico: Ana Paula Pirani UNICESUMAR; Pós-graduação Latto sensu(especialização)
Capa: Jonathas Sant’Ana pelo Instituto Adventista Paranaense (IAP/FAP) em Docência
Diagramação: Kenny Zukowski no Ensino Superior.

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)


(Ficha catalográfica elaborada por Hermenérico Siqueira de Morais Netto – CRB 7370)

Campagnoni, Mariana / dos Santos, Diego Henrique Moreira


Formação da identidade profissional do contador [livro eletrônico] / Mariana Campagnoni. -- 1.
ed. -- Engenheiro Coelho, SP : Unaspress, 2020.

1 Mb ; PDF

ISBN 978-85-8463-172-8

1. Carreira profissional 2. Contabilidade 3. Contabilidade como profissão 4. Contabilidade como


profissão - Leis e legislação 5. Formação profissional 6. Negócios I. Título.

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a reprodução por quaisquer meios, sem prévia autorização escrita da editora, salvo
em breves citações, com indicação da fonte.
SUMÁRIO

A INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL


AO LONGO DA HISTÓRIA .........................................9
Introdução.........................................................................................10

Infância e educação infantil .............................................................12


A infância e educação infantil
ao longo da história.................................................................12

Relação criança e educação


em cada momento...........................................................................21

Educação: a infância e educação na


perspectiva bíblico-cristã-adventista..............................................33

Histórico da educação
para a infância no Brasil...................................................................38
Panorama histórico da educação
para a Infância no Brasil: principais avanços...........................38
Marcos Históricos e legais
sobre a EI no Brasil...................................................................52

Considerações finais.........................................................................67

Referências........................................................................................71
EMENTA
Concepção de infância e educação infantil.
Processos históricos do atendimento à
criança: do assistencialismo à escolarização.
Socialização e direitos de aprendizagem
e desenvolvimento da criança na
contemporaneidade. Processos simbólicos
e conhecimento do mundo na infância.
Interações e brincadeiras. O trabalho
em instituições de educação infantil.
Fundamentos teóricos e metodológicos da
ação docente. Avaliação da aprendizagem
na educação infantil.
UNIDADE 1
A INFÂNCIA E EDUCAÇÃO
INFANTIL AO LONGO
DA HISTÓRIA
OBJETIVOS

- Conhecer os processos de aprendizagem.


- Compreender os vários aspectos do
crescimento e desenvolvimento humano e
suas inter-relações.
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

INTRODUÇÃO
Os documentos oficiais que regulamentam a educação da
infância no Brasil apresentam uma concepção de criança que vem
sendo adotada em muitas partes do mundo, como um “sujeito
histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,
narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura” (BRASIL, 2009, p. 12).

Em nosso país, o período que abrange a Educação Infantil


(EI) vai de 0 a 5 anos de idade. Com a promulgação da
Constituição Federal de 1988 institui-se que “a educação deverá
ser efetivada mediante a garantia de EI, em creches e pré-escolas”
(BRASIL, 1988). Esse reconhecimento só foi possível graças às
reivindicações de vários movimentos sociais que contribuíram
para tornar a educação um direito de todos e dever do Estado.
Após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB
9394/1996, a EI passou a integrar a educação básica e se tornou
obrigatória a partir dos 4 anos de idade.

A concepção de infância entende a criança como um sujeito


ativo, detentor de direitos, em constante desenvolvimento, que
interage em seu contexto histórico, social e cultural.

10
A infância e educação infantil ao longo da história

Os estudos sobre educação da infância partem de um


pressuposto fundamental: o sistema educacional brasileiro
considera a EI como primeira etapa da escolarização básica,
colocando-a no mesmo nível de importância das etapas
que virão posteriormente, uma vez que é a partir dessa
etapa inicial que se constrói o alicerce para os futuros anos
escolares.

Os principais temas abordados serão:

• A infância e EI ao longo da história;

• concepção de infância em cada período histórico;

• criança e educação na perspectiva


bíblico-cristã-adventista;

• histórico da educação para a infância


no Brasil (panorama);

• marcos históricos e legais sobre a EI no Brasil.

Bons estudos!

11
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL


A vida em sociedade é pautada por concepções que são
contruídas a partir de elementos históricos, culturais e sociais.
Dessa forma, alguns conceitos sofrem modificações com o
passar do tempo. O papel da família e a maneira de olhar
para a criança foram se constituindo de um modo bastante
complexo, sendo permeados por padrões aceitáveis em cada
época. Durante muitos séculos, desde a alta idade média até a
segunda metade do século 18, não se compreendia a infância
como a entendemos na atualidade. Ou seja, a infância não era
reconhecida como uma fase específica da vida do ser humano.
A criança ocupava um lugar de pouca visibilidade no seio
familiar e também na sociedade. Sua dependência e inabilidade
para os atos da vida cotidiana faziam com que sua existência
fosse considerada frágil e, portanto, incerta, o que demandava
não se apegar tanto a ela.

A INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL


AO LONGO DA HISTÓRIA
Philippe Ariès, historiador francês, pesquisou a história
da infância a partir da análise de pinturas (representações
iconográficas) de famílias e crianças na Europa medieval

12
A infância e educação infantil ao longo da história

e percebeu as transformações que passaram a ocorrer na


configuração familiar ao longo dos séculos. Em sua percepção,
a infância foi passando, aos poucos, a ocupar um lugar de
destaque e preocupação que antes não existia.

Segundo Gonzalez-Mena (2015, p. 17),

“Três tendências históricas subjazem à teoria da educação


infantil de hoje: a ideia de pecado original da igreja; a ênfase de
Locke sobre o ambiente [experiência]; e a crença de Rousseau
no processo natural do desenvolvimento. Essas visões de
natureza básica da criança, assim como as pesquisas científicas
atuais, ainda influenciam a teoria do desenvolvimento infantil.”

Ainda segundo a autora, na visão clássica da igreja, a criança


possuía uma natureza basicamente má. “Cada criança carregava
a semente do mal como resultado de ter nascido do pecado
original, e apenas a disciplina mais estrita a impediria de tornar-
se ainda mais pecaminosa” (GONZALEZ-MENA, 2015, p. 16).

Já na visão do filósofo inglês John Locke (1632-1704), a


criança não era dotada de nenhuma habilidade inata que viesse
a influenciar seu desenvolvimento, ou seja, ela nascia como
uma tábula rasa, ou uma folha em branco e todo aprendizado
estaria diretamente subordinado ao ambiente.

13
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Essa concepção de criança como um ser passivo, que se


desenvolve aprende apenas pelas experiências ficou conhecida
como empirismo e influenciou um grupo de pesquisadores
defensores do behaviorismo. De acordo com essa teoria,
“a criança está aberta a todos os tipos de aprendizagem
– aprendizagens que acabarão por moldar a criança em
um adulto capaz de funcionar com sucesso em sociedade”
(GONZALEZ-MENA, 2015, p. 17).

A visão de Rousseau entendia a criança como um pequeno


anjo. Nessa concepção, as crianças são como seres puros e
inocentes e possuem potencial de desenvolvimento para o bem,
só necessitam da orientação e condução adequada. “Nessa
visão, um bebê é como uma semente: dê a ele um bom solo,
nutrientes, água, luz do sol e ar fresco, e a natureza cuidará
do resto” (GONZALEZ-MENA, 2015, p. 17). Vejamos como as
diferentes concepções de infância foram coexistindo ao longo
da história.

Na antiguidade (3500 a.C e 476 d.C), a partir dos estudos


europeus, não há documentos que indiquem uma concepção
clara da infância, não havia uma distinção específica em relação
a esse período da vida. A ideia de que a vida do ser humano se
estruturava em fases com características específicas, só viria a
surgir bem mais tarde.

14
A infância e educação infantil ao longo da história

”[...] a velha sociedade tradicional [...] via mal a criança,


e pior ainda o adolescente. A duração da infância era
reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote
do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança
então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo
misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos
e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava
imediatamente em homem jovem” (ARIÈS, 2014, p. 11).

Até por volta do século 12, a infância não era retratada na


arte medieval. Sua presença nas pinturas e literatura era quase
inexistente ou secundária. Para Ariès (2014, p. 52), “É difícil
crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta
de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a
infância nesse mundo”. Ou seja, a sociedade girava em torno do
mundo adulto em função das necessidades de manutenção da
vida por meio do trabalho, das guerras e da sobrevivência.

No contexto da sociedade medieval (476 a 1453), a infância


invisível, ou pouco observada, ainda se fazia constante e
corriqueira em função de sua existência frágil e fugidia.
Segundo o historiador,

“[...] o sentimento da infância não existia - o que não quer


dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas
ou desprezadas. O sentimento da infância não significa

15
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à


consciência da particularidade infantil, essa particularidade
que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo
jovem. Essa consciência não existia” (ARIÈS, 2014, p.152).

Dessa forma, as crianças tão logo superavam a fase mais


frágil, que geralmente se estendia até os 7 anos de idade,
passavam a fazer parte do mundo adulto, sendo, portanto,
tratadas como adultos em miniatura.

Crianças, jovens e adultos se misturavam em todas as


atividades cotidianas, seja nos divertimentos, na aprendizagem
ou exercício das profissões, no manuseio das armas, nas
festividades, cerimoniais religiosos etc.

A transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de


modo mais geral, a socialização da criança, não eram portanto
nem asseguradas nem controladas pela família. A criança
se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que durante
séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à
convivência da criança ou do jovem com os adultos. A criança
aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-
las (ARIÈS, 2014, p. 11).

Nesta perspectiva, o autor identifica o surgimento de


um sentimento superficial em relação à criança, o que ele

16
A infância e educação infantil ao longo da história

denominou de “paparicação”. Esse sentimento se resumia


aos primeiros anos de vida da criança, quando os adultos a
consideravam uma “coisinha engraçadinha”, quase como um
animalzinho a ser apreciado. Após superado os primeiros
e mais frágeis anos da infância, as crianças eram enviadas
para outras casas a fim de conviverem com outras famílias e
aprenderem algum ofício. (ARIÈS, 2014)

O final da idade média e início da moderna também


foi palco de uma prática, que, embora aos nossos olhos
contemporâneos, possa ser considerada incompreensível, foi
a maneira encontrada pela igreja católica ou instituições de
caridade para proteger as crianças recém-nascidas de terem
uma morte cruel e desamparada. A criação da roda dos
expostos ou roda dos enjeitados, mais do que um recurso, se
tornou um lugar onde as famílias colocavam aquelas crianças
que, por algum motivo, eram rejeitadas. Algumas por serem
frutos de relacionamentos fortuitos como adultério, gravidez
indesejada da moça solteira, estupros e indícios de deficiência
ou doença grave.

As crianças recebidas na roda, sempre que possível, eram


encaminhadas para adoção ou eram criadas nos conventos. Essa
prática, de caráter assistencialista, foi amplamente utilizada na
Europa durante o século 16 a 19, perdurando ainda até o século

17
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

20, existindo também no Brasil até meados dos anos 1950.


Muitos conventos e santas casas de Misericórdia, especialmente
Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo adotaram a Roda
como meio de minimizar o sofrimento da criança rejeitada.
Conforme aponta Maria Luiza Marcílio, pesquisadora da
história da infância no Brasil:

”A roda dos expostos foi uma das instituições brasileiras de


mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de
nossa história. Criada na colônia, perpassou e multiplicou-
se no período imperial, conseguiu manter-se durante a
república e só foi extinta definitivamente na recente década
de 1950. Sendo o Brasil o último país a abolir a chaga da
escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste
sistema da roda dos enjeitados. Mas essa instituição cumpriu
importante papel. Quase por século e meio a roda dos
expostos foi praticamente a única instituição de assistência
à criança abandonada no Brasil” (MARCÍLIO, 1999, p. 51).

Na idade moderna (1453-1789) começa a ocorrer um


fenômeno distinto dos períodos anteriores, uma vez que a
infância deixa de ser vista apenas como um evento biológico
e passa a ser entendida como uma fase da vida. As mudanças
apontam para a formação de um conceito de infância que foi
sendo construído entre o final da idade média e durante toda a
idade moderna, particularmente na Europa.

18
A infância e educação infantil ao longo da história

Ariès ressalta que a partir do século 17, tal mudança se


torna perceptível, tanto na literatura quanto na pintura, as
crianças vão ganhando espaço e sendo retratadas de forma
individual ou coletiva como um ser puro, belo e afetuoso e a
ocupar um lugar mais central na família. Isso revela o valor que
a sociedade começa a demonstrar pela criança, entendendo-a
como um ser que necessita de cuidados.

Vários fatores contribuem para a formação dessa


mentalidade: a religião católica tem uma forte influência nos
costumes da época com a prática do batismo das crianças e das
representações artísticas inspiradas no menino Jesus e Maria
sua mãe; uma sutil melhora nas condições de vida, higiene e
cuidados com a saúde favorecem a diminuição da mortalidade
infantil; certa valorização da família com o fortalecimento dos
laços na relação marido-mulher e pais-filhos, abrindo espaço
para as manifestações de afetos e sentimentos; a sociedade
passa a enxergar a criança como um ser coletivo.

Ariès identifica um novo lugar assumido pela criança nessa


organização familiar e social das sociedades industriais, entre o
final do século 17 e todo o século 18.

A partir do fim do século 17, uma mudança considerável


alterou o estado de coisas que acabo de analisar. Podemos

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FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

compreendê-la a partir de duas abordagens distintas. A escola


substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer
dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de
aprender a vida diretamente, através do contato com eles. A
despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi
separada dos adultos e mantida a distância numa espécie de
quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi
a escola, o colégio. “Começou então um longo processo de
enclausuramento das crianças [...]. Essa quarentena foi a escola, o
colégio[...] se dá o nome de escolarização” (ARIÈS, 2014, p. 13).

A sociedade contemprânea (1789 aos dias atuais) inicia


o que Ariès entende como um novo fenômeno na relação
familiar. “A família tornou-se o lugar de uma afeição
necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que
ela não era antes” (ARIÈS, 2014, p. 13). A organização nessa
nova configuração não remetia apenas a uma relação parental
voltada à busca pela sobrevivência de seus membros, ou
a manutenção dos bens e defesa da honra, mas começa-
se a estabelecer uma relação de preocupação com o bem-
estar, educação, futuro e o lugar de ocupação na sociedade.
“Tratava-se de um sentimento inteiramente novo: os pais se
interessavam pelos estudos de seus filhos e os acompanhavam
com uma solicitude habitual nos séculos 19 e 20, mas outrora
desconhecida” (ARIÈS, 2014, p. 13).

20
A infância e educação infantil ao longo da história

A criança começa a ocupar uma posição inusitada no


seio familiar. Já não se admitia perdê-la sem que a dor e o
sofrimento afligissem a todos. De um lugar de anonimato a
criança alcança um lugar central na afetividade do lar e da
sociedade. Ao passo que sua existência se tornava importante
e essencial, é necessário também estabelecer algum controle
de natalidade de forma a poder cuidar, amparar e investir
melhor em seu desenvolvimento. As famílias passaram a ter
cada vez menos filhos. “Essa afeição se exprimiu sobretudo
através da importância que se passou a atribuir à educação”
(ARIÈS, 2014, p. 13).

IMPORTANTE

Como primeira etapa da educação básica, a educação infantil é o iní-


cio e o fundamento do processo educacional BNCC (BRASIL, 2018, p.
38). Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 04 jul. 2022.

RELAÇÃO CRIANÇA E EDUCAÇÃO


EM CADA MOMENTO
Conforme pudemos perceber, a noção de infância foi se
modificando ao longo da história. A nossa sociedade demorou

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FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

muitos séculos para chegar à compreensão de que a criança


é um sujeito de direitos, cujo desenvolvimento merece ser
acompanhado com atenção e cuidado. Estudos historiográficos
têm nos permitido conhecer cada vez mais a respeito da
relação entre a criança e a educação, entender as formas
de ensinar e aprender e sobre a utilização dos métodos e
materiais considerados mais adequados ou eficientes em cada
momento histórico.

Em algumas comunidades tribais da antiguidade,


segundo Aranha (2012), a aprendizagem ocorria de forma
difusa e constante. As crianças aprendiam todas as atividades
necessárias à sobrevivência e à vida social imitando os gestos
dos adultos em suas atividades cotidianas e na observação e
prática dos rituais. Não havia um momento específico para
aprender a caçar, nadar, pescar ou mesmo se defender dos
perigos. Era o aprendizado “para a vida e por meio da vida,
sem que ninguém estivesse especialmente destinado para a
tarefa de ensinar” (ARANHA, 2012, p. 34).

A formação ocorria de maneira integral, pois se


concentrava no aprendizado de todos os saberes culturais,
laborais e religiosos que faziam parte do contexto daquela tribo.
Era também igualitária, uma vez que todos poderiam ter acesso
aos conhecimentos da comunidade.

22
A infância e educação infantil ao longo da história

Na medida em que as sociedades vão se tornando mais


complexas e se organizando em estruturas pré-estabelecidas,
são criadas classes diferenciadas. A escrita surge, entre outras
coisas, para atender a uma necessidade de fiscalização e
administração das relações comerciais. As formas de dominação
que existiam nas relações, como entre senhores e escravos, entre
governantes e governados, e entre proprietários e servos, fixam
os papéis sociais. Em alguns casos, crianças e mulheres ficam
mais restritas ao lar e ao controle patriarcal. A organização
social estabelece a hierarquia e impõe a desigualdade
econômica e social. Aranha (2012, p. 36) comenta que:

”O saber, antes aberto a todos, tornou-se patrimônio e


privilégio da classe dominante. Nesse momento surgiu a
necessidade da escola, para que apenas alguns iniciados
tivessem acesso ao conhecimento. Se analisarmos atentamente
a história da educação, veremos como a escola, ao elitizar o
saber, tem desempenhado um papel de exclusão da maioria.”

As sociedades medievais foram marcadas por uma nova


configuração econômica, social, religiosa e educacional, no
entanto, pouco se fala em educação para a infância nesse
período. Conduzida prioritariamente pela Igreja, o objetivo
era a formação dos líderes religiosos e nobreza. É também o
momento de surgimento de alguns espaços especializados
para a transmissão do saber, como os mosteiros, as escolas

23
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

monacais, sacerdotais e escolas seculares. Aranha, (2012, p.


168) explica que:

”Até então, a educação era privilégio dos clérigos, ou, no


caso da formação de leigos, as escolas monacais e catedrais
restringiam-se à instrução religiosa. Com o desenvolvimento
do comércio, as necessidades eram outras, e os burgueses
procuraram uma educação que atendesse aos objetivos da
vida prática. Por volta do século 12 surgiram pequenas
escolas nas cidades mais importantes, com professores
leigos nomeados pela autoridade municipal.”

As acomodações dessas escolas não eram as melhores.


“O mestre recebia os alunos em diferentes locais: na própria
casa, na igreja ou em sua porta, numa esquina de rua ou ainda
alugava uma sala” e muitas vezes forrava-se o chão com palha
para os alunos se sentarem (ARANHA, 2012). Nessas escolas
reuniam-se meninos e homens desde os 6 aos 20 anos de idade
ou mais. A educação feminina era praticamente inexistente.

A partir do século 12 e 13 a escola passa a servir como um


local para aprendizagem profissional, com o que se denominava
formação das “gentes de ofício” e para a formação militar. A
idade média, apesar das contradições existentes quanto aos
objetivos educacionais, começa a disseminar uma ideia de

24
A infância e educação infantil ao longo da história

educação para os meninos entre 7 e 20 anos de idade, filhos


da classe burguesa que buscava ascensão. Fica evidente que
crianças abaixo dessa faixa etária não recebiam reconhecimento
social, nem havia instituições especializadas para sua educação.
Aranha (2012, p. 199) afirma que:

”É impressionante o interesse pela educação no Renascimento


— sobretudo se comparado com o manifestado na Idade Média
—principalmente pela proliferação de colégios e manuais para
alunos e professores. Educar tornava-se questão de moda e
uma exigência, conforme a nova concepção de ser humano.”

O final da idade média e início da idade moderna


são momentos bastante significativos para as mudanças
educacionais que viriam em decorrência dos novos
entendimentos em relação à visão de homem, de sociedade
e de educação. O pensamento protestante e, na sequência, os
ideais renascentistas e iluministas criam novos objetivos para a
educação, e buscam alcançar aqueles anteriormente excluídos.
O lema passa a ser ensinar tudo a todos.

Alguns pensadores contribuem para a formação desse


pensamento, embora tais mudanças tenham ocorrido de forma
lenta e gradual. Vejamos como a noção de educação para a
infância foi sendo construída ao longo da história.

25
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

João Amós Comênio (1592-1670), ou Comenius como


ficou conhecido, defensor do ensino para todas as pessoas e
classes sociais, foi um bispo e educador protestante, nascido na
Morávia - Reino da Boêmia (República Checa), considerado um
dos pioneiros na promoção da educação para a infância, uma
vez que defendia a tese de que a instrução deveria iniciar-se na
mais tenra idade. Para Lopes (2015, p. 18)

“Ficou claro que em Comenius o conhecimento


era inato a todos os seres humanos, os quais foram
criados à imagem e semelhança de Deus; portanto,
deveriam ser educados igualmente, independentemente
de classe social e gênero. Assim, ele se tornou o
defensor da universalização da educação.”

Comenius foi o primeiro a sistematizar uma pedagogia


voltada para a educação das crianças. Escreveu vários livros
educacionais, sendo os mais famosos: Didática Magna e Escola da
Infância, que lhe renderam o título de pai da didática moderna.

Embora as ideias de Comenius tenham surgido cerca


de um século antes, é com o filósofo suíço Jean Jacques
Rousseau (1712-1778) que o tema infância e educação
ganham proeminência no mundo moderno. Fundamentado
nos ideais iluministas de educação para todos, liberdade,
igualdade e fraternidade, Rousseau defendia que a escola

26
A infância e educação infantil ao longo da história

e as formas de ensinar deveriam permitir que a natureza


desabrochasse livremente na criança, e não poderia servir
como repressão ou modelagem.

A Pedagogia de Rousseau nasceu em 1762 com a


publicação do seu romance intitulado “Emílio, ou Da
Educação”, que acabou se tornando um verdadeiro tratado
de educação. Baseado numa vertente naturalista, Rousseau
entendia que o ser humano nascia bom e puro, uma vez que
acabara de sair das mãos do criador, porém, o contato com
a sociedade o levava à corrupção. Propunha que o início do
processo educativo deveria respeitar os instintos naturais da
criança, para, somente após, ser inserida a educação formal, de
maneira cautelosa, por meio da valorização dos sentidos, do
cultivo da liberdade e da promoção da independência.

As influências de Comenius e Rousseau foram


fundamentais para despertar um maior interesse pela educação
das crianças pequenas, embora os investimentos por parte
dos governantes ainda fossem demorar muitas décadas para
acontecer. Coube às instituições assistenciais, filantrópicas
e religiosas, além de alguns educadores que manifestavam
profundo interesse pela criança, encontrar alguma forma de
empreender esforços para promover o atendimento educacional
a esse público específico.

27
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

As alterações que ocorreram nas sociedades ilustradas,


especialmente a revolução francesa, e todo movimento
de ascensão da classe burguesa, fizeram com que a
contemporaneidade chegasse buscando colocar em prática os
princípios pelos quais tanto se lutou e buscou defender, como a
educação pública, laica e gratuita para todos. É nesse momento
de transição que surgem outros personagens para continuar a
defesa do direito e acesso à educação.

A contemporaneidade é o momento em que Johann


Pestalozzi (1746-1827) começa a colocar em prática suas
habilidades como educador. De origem suíça, assim como
Rousseau, foi fortemente Influenciado pelas leituras de “O
Emílio”, que marcaram profundamente sua compreensão
acerca da infância. Defensor da educação natural, integral
e acessível a todos, passou a se preocupar em acolher
crianças órfãs e abandonadas que viviam sem lar e sem
comida sofrendo as consequências das guerras. Trabalhou
incansavelmente para criar escolas e locais de abrigo,
assistência e educação a essas crianças.

Por volta de 1801, sistematizou seu método pedagógio no


livro: “Como Gertrudes ensina suas crianças” (Wie Gertrude
Ihre Kinder Lehrt), que acabou por se transformar no método
Pestalozzi, fundamentado no accolhimento, amor e afeto.

28
A infância e educação infantil ao longo da história

Sob as influências do trabalho de Pestalozzi e tendo


aprendido seus métodos educacionais, Friedrich Fröebel
(1782-1852), educador e religioso alemão, foi o pioneiro
a idealizar e criar os jardins-de-infância (kindergarden),
cujo nome remete à ideia de que a criança é como uma
planta, que, em sua fase de formação necessita de cuidados
atenciosos do jardineiro para se desenvolver e crescer de
maneira livre e saudável. Valorizava o lúdico como forma de
desenvolvimento da natureza infantil. Publicou o livro “A
Educação do homem”, em 1825, que se tornou sua obra mais
importante. Kuhlmann Júnior (2000, p. 7) afirma que:

“A instituição educacional criada para as crianças até 3


anos, a creche, surgiu posteriormente àquelas destinadas às
crianças maiores. Fröebel, fundador do jardim-de-infância,
na Alemanha, em 1840, chegou a escrever sobre a educação
desde a mais tenra idade, como no seu livro para as mães com
sugestões de cantigas, brincadeiras e cuidados com os bebês.”

Apesar de reconhecer a importãncia da educação das


crianças pequenas, Fröebel enfatizava o papel da figura
materna na educação dos bebês, especialmente para se evitar a
separação mãe e filho precocemente e devido aos altos índices
de mortalidade infantil que eram alarmantes. Kuhlmann Júnior
(2000, p. 7) explica:

29
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

“Criada na França em 1844, é na década de 1870 –


com as descobertas no campo da microbiologia, que
viabilizaram a amamentação artificial – que a creche
encontra condições mais efetivas para se difundir interna
e internacionalmente, chegando também ao Brasil.”

A pedagogia de Pestalozzi e Fröebel, apesar da resistência


dos grupos mais conservadores que enxergavam suas ideias
como impróprias e incapazes de moldar e domar a natureza da
criança, se tornou referência em toda a Europa e se espalhou
pelo mundo. Os jardins-de-infância nos moldes froebelianos
conquistaram a apreciação dos educadores e sociedade. Seus
princípios foram incorporados pelo filósofo e educador norte
americano John Dewey (1859-1952) na sistematização de plano
de renovação educacional que se converteu na pedagogia da
Escola Nova.

Ganhando proeminência no século 20, a Escola Nova foi


um movimento de renovação e mudanças de paradigmas
educacionais disseminado inicialmente na Europa e Estados
Unidos, chegando também ao Brasil.

No Brasil, vive-se nesse período o deslocamento da


influência europeia para os EUA, fenômeno que encontra
expressão marcante na criação do Dia da Criança, no 3º
Congresso Americano da Criança, realizado no Rio de Janeiro

30
A infância e educação infantil ao longo da história

em 1922, juntamente com o 1º Congresso


Brasileiro de Proteção à Infância.
Associava-se a data da descoberta do
Novo Mundo com a infância, que deveria
ser educada segundo o espírito americano
(KUHLMANN JR., 2000, p. 8).

Para Dewey, a escola não deve ser


uma preparação para a vida, mas sim,
a própria vida. O eixo norteador da A Escola Nova
educação deveria ser: vida-experiência- adotou um
aprendizagem. Dessa forma, a escola novo olhar para
busca propiciar aos alunos o diálogo a criança e sua
constante entre conhecimento e vivência.
relação com o
É dessa forma que a aprendizagem
conhecimento.
assume seu papel. Gonzalez-Mena (2015,
p. 25) explica que:

”John Dewey criou o movimento de


educação progressiva. Como seus
precursores, ele também defendia
a aprendizagem experiencial.
Ele acreditava que o currículo
deveria estar embasado nos
interesses das crianças e que os

31
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

conteúdos deveriam ser integrados nesses interesses. É de


Dewey que vem o termo currículo centrado na criança.”

Um dos princípios fundantes da Escola Nova está na


articulação entre biologia, psicologia, sociologia e educação. Em
suas bases científicas, ela adota um novo olhar para a criança
e sua relação com o conhecimento. Ressalta conceitos como
desenvolvimento, maturidade, fases ou períodos e aprendizagem.

SAIBA MAIS

Lourenço Filho, foi um pesquisador que compreendia


que a psicologia experimental deveria ser uma aliada
da escola e da compreensão da questão da aprendiza-
gem da criança. Dessa forma, Lourenço Filho expan-
diu suas pesquisas em psicologia da educação para
diversos laboratórios de observação e verificação da
aprendizagem, tentando estabelecer uma relação en-
tre os fatores do desenvolvimento e a aprendizagem
(Lourenço Filho, 1955).

É por meio do conhecimento das bases psicológicas da


aprendizagem que a Escola Nova e seus defensores trazem ao
debate as formas de aprender, deslocando o foco das formas de
ensinar, que foram tão priorizadas ao longo de toda a história
da educação e da escola e direcionando para as formas de
aprender, ou seja, para a criança como sujeito da aprendizagem.

32
A infância e educação infantil ao longo da história

Os avanços nas várias áreas da ciência e sua interface


com educação nos permitem chegar a novas descobertas em
relação à natureza da criança, suas fases de desenvolvimento
físico, cognitivo, socioemocional e moral, para que sejam
melhor compreendidas. A educação na atualidade tem um
olhar voltado para a criança enquanto sujeito de direitos de
aprendizagem e desenvolvimento. Talvez ainda não tenhamos
todas as condições favoráveis ou todo o conhecimento
necessário para, de fato, conhecer a criança e suas necessidades.
Mas certamente, muitos avanços têm ocorrido e melhoras
significativas têm sido observadas no atendimento das crianças
da educação infantil.

EDUCAÇÃO: A INFÂNCIA
E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA
BÍBLICO-CRISTÃ-ADVENTISTA

Em Provérbios 22:6, o rei Salomão nos adverte: “Ensina a


criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for
velho, não se desviará dele.” A bíblia deixa claro a importância
que a educação tem na formação da criança. Sabemos que
tal orientação não se refere apenas aos conhecimentos
acadêmicos ou instruções úteis para a vida, mas a todo o

33
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

conjunto de instruções e conhecimentos que a criança venha a


receber de sua família e também do grupo social em que está
inserido. A educação, na perspectiva bíblica-cristã, é muito
mais do que a aprendizagem de conteúdos, ela diz respeito
ao desenvolvimentos das faculdades intectuais, sociais,
emocionais, morais e espirituais. Considera a necessidade de o
ser humano crescer e se desenvolver em toda a sua plenitude.
Sales (2019, p. 91) comenta que:

”White estabelece um paralelo entre educação e redenção que


norteará toda a filosofia adventista de educação. Com isso,
coloca diante dos membros e fiéis seguidores os princípios
que deveriam conduzir a educação das crianças e jovens e que
acabou por se tornar na filosofia educacional adventista.”

A educação adventista surge em decorrência da crença de


que a salvação do ser humano envolve não apenas o aspecto
religioso - com a salvação da alma, mas também a salvação da
mente e do corpo (por meio da educação e saúde), uma vez que
o ser humano é um todo formado pelos aspectos espirituais,
mentais e físicos.

Nessa perspectiva, “a educação da criança constitui parte


importante do plano de Deus para demonstrar o poder do
cristianismo” (WHITE, 2013, p. 38). Portanto, a educação deve
conduzir a criança, desde cedo, a reconhecer seu criador,

34
A infância e educação infantil ao longo da história

valorizar a natureza e reconhecer o amor e sacrifícico de Deus


e seu filho Jesus Cristo para restaurar a santidade e pureza nos
corações das pessoas. Conforme aponta White, redenção e
educação são consideradas uma obra só. Visam a restauração
do homem à imagem do seu criador (WHITE, 2013, p. 12).

De acordo com a escritora adventista, a educação começa


no lar, desde a mais tenra idade e tem continuidade na escola
e em todos os momentos da vida (WHITE, 2013, p. 12). Além
disso, ela comenta:

”Os pais mandam os filhos à escola; e ao fazê-lo pensam


que os têm educado. Mas a educação é uma questão de
maior amplitude do que muitos pensam: compreende
todo o processo pelo qual a criança é instruída, desde o
berço à infância, da infância à juventude, e da juventude à
maturidade. Logo que uma criança é capaz de formar uma
idéia, deve começar sua educação.” (WHITE, 2013, p. 12)

A sistematização da educação adventista começa a partir


da publicação de um escrito datado de 1872, de autoria de
Ellen G. White, intitulado A Verdadeira Educação. Este texto
marca o início de todo o pensamento que mais tarde definiria
os princípios filosóficos educacionais adventistas. Para White,
a crença na iminente volta de Jesus não deveria impedir que

35
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

as crianças aprendessem as habilidades básicas para viver no


mundo secular em que habitavam (SALES, 2019, p. 62).

‘A Verdadeira Educação’ ou ‘A Devida Educação’,


cujo título original é ‘Proper Education’, nesse texto a
autora esclarece que a educação apropriada vai além do
desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades
humanas — físicas, morais e espirituais — mas tem como fim
“[...] restaurar o homem à imagem do seu Criador” (SALES;
CASTRO, 2020, p. 466).

Em 1903, Ellen G. White escreveu aquela que seria


considerada a sua maior contribuição para educação
adventista, o livro Educação, que se tornou uma fonte de
princípios filosófico-cristãos sistematizados, que traduziam
em linguagem simples, clara e, ao mesmo tempo, rica em
concepções educacionais, os conceitos bíblicos aplicados ao
desenvolvimento do corpo, do intelecto e do espírito, segundo
os ensinamentos da igreja adventista, recém-criada naquele
momento (SALES, 2019).

Nossas ideias acerca da educação têm sido


demasiadamente acanhadas. Há a necessidade de um
objetivo mais amplo e mais elevado. A verdadeira educação
significa mais do que avançar em certo curso de estudos. É

36
A infância e educação infantil ao longo da história

muito mais do que a preparação para a


vida presente. Visa o ser todo, e todo o
período da existência possível ao homem.
É o desenvolvimento harmônico das
faculdades físicas, intelectuais e espirituais
(WHITE, 2013, p. 13). “A verdadeira
educação
O pensamento de White sobre
significa mais
educação não está dissociado de seu
do que avançar
contexto histórico. Durante o século 19,
em certo curso
houve uma valorização das ideias de
Rousseau e Condorcet que enalteciam o
de estudos.
valor da educação e da bondade natural É muito mais
do homem. Conceitos como educação do que a
integral ressaltavam a importância do preparação
meio natural, distante das cidades, para para a vida
o pleno desenvolvimento das faculdades presente”
mentais do ser humano. (WHITE, 2013,
p. 13).
Outras influências claras foram de
Kant, quanto ao retorno às coisas naturais
e Pestalozzi, na sua perspectiva de
valorização do trabalho educativo a partir
das mãos, do corpo e da mente, adotando
uma perspectiva holística do ser humano.

37
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Além disso, há influência do modelo de educação praticado no


colégio Oberlin, instituição metodista fundada em 1833, que
visava o cuidado “[...] ao corpo e coração tão bem quanto ao
intelecto: seu alvo era a melhor educação do homem integral”
(KNIGHT, 1983, p. 164).

HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO
PARA A INFÂNCIA NO BRASIL
A história da educação infantil no Brasil, embora um pouco
mais recente do que nos países europeus, teve uma trajetória
bastante semelhante.

PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PARA A


INFÂNCIA NO BRASIL: PRINCIPAIS AVANÇOS
Embora ainda no século 18 e 19 já houvesse algumas
instituições de atendimento à primeira infância, elas eram escassas,
ofereciam poucas vagas e estavam vinculadas à necessidade da
família de terem um local para deixarem seus filhos.

O século 19 foi o responsável pela expansão das instituições


de atendimento infantil e pré-escolas, como as escolas maternais,

38
A infância e educação infantil ao longo da história

as creches e as unidades de jardins de infância. Tais instituições


geralmente possuíam uma característica predominantemente
assistencialista, cuja tônica era o atendimento médico e higienista
na tentativa de combater os altos índices de mortalidade infantil
ou do abandono de crianças.

Segundo Kuhlmann Júnior (2007, p. 74), “a creche era


considerada uma escola: de higiene, de moral e de virtudes
sociais”. Foi a partir dessa visão higienista que se incorporou
à creche a ideia do cuidar, associada ao educar que mantemos
vinculada aos pressupostos da educação infantil na atualidade.

As instituições específicas para atendimento da criança


na primeira infância só viriam a surgir entre o final do
século 19 e início do 20, porém muito timidamente. Essas
primeiras instituições possuíam, segundo Kuhlmann Junior
(2000), uma estreita relação com as demandas sociais e
econômicas da família, da expansão populacional, da
crescente urbanização nos grandes centros e da inserção da
mulher no mercado de trabalho.

Compreender como a história da educação infantil no


Brasil foi se desenvolvendo ao longo do tempo nos ajuda
a perceber o lugar que a educação dos pequenos ocupa
atualmente em nossa sociedade.

39
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Certamente que as mudanças em relação à importância


do atendimento à criança pequena não se referem apenas
a questões educacionais e estão descoladas dos eventos
sociais e econômicos enfrentados na sociedade. É bem
verdade que a conquista do direito à educação infantil está
diretamente relacionada ao movimento de industrialização e
desenvolvimento do país, especialmente nas primeiras décadas
do século 20 e a consequente necessidade de entrada das
mulheres no mercado de trabalho.

O deslocamento das famílias do campo para os grandes


centros, a necessidade de a mulher trabalhar para compor a
renda família e a dificuldade em ter com quem deixar seus filhos
contribuíram significativamente para movimentar a sociedade
em prol da luta por instituições de atendimento infantil.

Não tendo alternativas e com quem deixar as crianças,


muitas mães trabalhadoras recorriam às criadeiras ou a
parentes, geralmente cuidavam de várias crianças ao mesmo
tempo. Nesses casos, nem sempre as condições de segurança e
higiene eram as mais adequadas.

Com esse panorama, as creches começaram a ser pensadas


como alternativas viáveis para minimizar os efeitos das

40
A infância e educação infantil ao longo da história

péssimas condições em que as crianças se encontravam. Daí o


caráter higienista e médico assistencial que essas instituições
adquiriram desde o começo.

O início do século 20 foi marcado por escassez de


instituições e péssima qualidade das poucas que existiam. As
lutas e reivindicações das mulheres trabalhadoras, grupos
feministas e alguns apoiadores, pressionaram os governos a
investirem em instituições específicas para as crianças menores
de 7 anos. Somente nas décadas de 1960 e 70 é que se tem
um aumento significativo na implantação dessas instituições
(KUHLMANN JUNIOR, 2000).

O desenvolvimento da concepção de amparo assistencial


à família pobre formulada e mantida durante boa parte do
século 20 “[...] já previa que o atendimento da pobreza não
deveria ser feito com grandes investimentos. A educação
assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que
pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social”
(KUHLMANN JUNIOR, 2000, p. 8).

Diante desse quadro, o Estado não se responsabilizava


diretamente por gerir tais instituições, mas delegava essa função
para as entidades filantrópicas, religiosas e para as empresas.

41
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Do início do século até meados da década de 1970, as


instituições de educação infantil viveram um lento processo de
expansão, parte ligada aos sistemas de educação, atendendo
crianças de 4 a 6 anos, e parte vinculada aos órgãos de saúde e
de assistência, com um contato indireto com a área educacional
(KUHLMANN JUNIOR, 2000, p. 8).

Em alguns estados, como São Paulo, desde a década


de 1920, a legislação previa o incentivo às empresas para a
instalação de Escolas Maternais em suas dependências.

Com a finalidade de prestar cuidados aos filhos de


operários, preferencialmente junto às fábricas que oferecessem
local e alimento para as crianças. As poucas empresas que se
propunham a atender os filhos de suas trabalhadoras o faziam
desde o berçário, ocupando-se também da instalação de creches
(KUHLMANN JUNIOR, 2000, p. 8).

A partir da década de 1920 foram criadas instituições


governamentais voltadas a discutir e tomar medidas de
proteção e educação da infância para todo o território nacional.
Entre outras atividades essas instituições ficaram encarregadas
de estabelecer normas para o funcionamento das creches e pré-
escolas, além de promover eventos para discussão e publicação
de livros e artigos.

42
A infância e educação infantil ao longo da história

SAIBA MAIS

DATAS IMPORTANTES:
1953 - Ministério da Educação e Saúde se desmembra e
o Ministério da Educação passa a se chamar Ministério
da Educação e Cultura (MEC)
1985 - Ministério da Educação e Cultura é des-
membrado novamente, mantendo-se o Ministé-
rio da Educação, porém, permanece a sigla MEC.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/
content/article/33771-institucional/83591-conhe-
ca-a-evolucao-da-educacao-brasileira#:~:text=Pe-
la%20Lei%20n%C2%BA%201.920%2C%20de,da%20
pasta%20somente%20em%201995. Acesso em 04 jul.
2022.

No âmbito nacional, no ano de 1932, a legislação


trabalhista previa que as empresas que contassem com
mais de 30 mulheres deveriam estabelecer creches em seus
estabelecimentos, de forma a proporcionar facilidades às mães
com crianças pequenas e lactantes, no entanto, poucas empresas
se empenharam nessa tarefa.

Ainda no ano de 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Escola


Nova é redigido por Fernando de Azevedo, diretor da instrução
pública, e endossado por 25 educadores e políticos influentes à

43
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

época. Após sua publicação acaba por se tornar um importante


marco no projeto de renovação educacional do país.

O programa educacional do Manifesto dos Pioneiros da


Escola Nova, de 1932, também aproximava as instituições
ao prever o desenvolvimento das instituições de educação
e assistência física e psíquica às crianças na idade pré-
escolar (creches, escolas maternais e jardins-de-infância)
(KUHLMANN JR, 2000, p. 9).

De uma forma lenta, mas crescente, a creche e escola


maternal deixam de ser caracterizadas apenas como a
instituição dos pobres e passa a ser mais procurada e valorizada
também pela classe média. O termo jardim-de-infância, que
antes se caracterizava por ser a instituição da classe mais
abastada se populariza. Posteriormente os termos berçário,
maternal, jardim e pré começam a ser usados para organizar e
separar as crianças de 0 a 6 anos.

Em 1935 o estado de São Paulo cria uma instituição para a


atendimento à primeira infância, o Parque Infantil, vinculado
ao Departamento de Cultura (DC). O parque infantil, a partir
da década de 1940 expande-se para outras localidades do país.
Essa denominação perdurou até o ano de 1975, quando houve
a mudança para Escola Municipal de Educação Infantil. Nessa

44
A infância e educação infantil ao longo da história

época, a idade máxima das crianças atendidas já estava restrita


aos 6 anos (KUHLMANN JR., 2019, p. 224).

Apesar dos avanços que começavam a despontar na forma


de conceber a educação infantil, ainda perdurou por muito
tempo a ideia de que seria possível oferecer atendimento às
crianças pequenas com pouco investimento.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),


que promoveu, em 1965, a Conferência Latino-Americana
sobre a Infância e a Juventude no Desenvolvimento Nacional,
já trazia a ideia de simplificar as exigências básicas para uma
instituição educacional e implantar um modelo de baixo custo,
apoiado na ideologia do desenvolvimento da comunidade, que
certamente influenciou a elaboração do Plano do DNCr, de 1967
(KUHLMANN JR., 2000, p. 11).

Em 1967 foi colocado em prática o Plano de Assistência ao


Pré-Escolar, do Departamento Nacional da Criança (DNCr),
gestado durante o governo militar. Nesse plano, dentre outras
medidas, procurava delegar para a instituições religiosas de
diversas denominações a prerrogativa de criação de instituições
de atendimento à infância. Nesse momento foram criados os
Centros de Recreação Infantil, na tentativa de suprir a carência
de creches e pré-escolas mantidas pelo governo.

45
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

É de se supor, entretanto, que após esse sinal verde às


religiões, a igreja católica tenha-se empenhado na organização
das comunidades, nos Clubes de Mães etc., favorecendo a
eclosão dos Movimentos de Luta por Creche, em vários lugares
do país, no final dos anos 70 (KUHLMANN JR., 2000, p. 10).

O Plano de Assistência ao Pré-Escolar, seguindo


recomendações do UNICEF para implantação e expansão
do atendimento às crianças dessa faixa etária, priorizava a
quantidade em detrimento da qualidade. Ao que parece ter sido
pensado para cumprir exigências relacionadas a empréstimos
junto aos organismos internacionais, não conseguiu suprir com
eficiência o seu papel.

As propostas do regime militar queriam atender as


crianças de forma barata. Classes anexas nas escolas primárias,
instituições que deixassem de lado critérios de qualidade
“sofisticados” dos países desenvolvidos, “distantes da realidade
brasileira”. Tratava-se de evitar que os pobres morressem de
fome, ou que vivessem em promiscuidade, assim como o seu
ingresso na vida marginal (KUHLMANN JR., 2000, p. 10).

No final dos anos 1970, a Legião Brasileira de Assistência


(LBA) lançou um programa denominado Projeto Casulo,
que consistia na implantação de creches marcadas por um

46
A infância e educação infantil ao longo da história

atendimento assistencialista que visava oferecer orientação


familiar, bem como o atendimento à criança em situação de
vulnerabilidade social, além de minimizar as dificuldades de
nutrição e também aprendizagem.

A tônica do atendimento à criança nas creches e pré-


escolas no Brasil, desde a implantação das primeiras
instituições, no começo do século passado, continuou sendo
a do assistencialismo e filantropia. Situação que permaneceu
durante muitas décadas. Possivelmente tal problema ainda não
tenha sido totalmente superado, a despeito das mudanças na
legislação e dos avanços em relação à importância do trabalho
pedagógico e do acompanhamento do desenvolvimento da
criança e da família por profissionais qualificados.

A relação estabelecida entre as instituições de atendimento


à criança pequena era primariamente o lugar de assistência
social, de acolhimento e cuidado, especialmente para as
crianças pobres, órfãs ou desvalidas. Nessa configuração
as creches, pré-escolas ou maternais estavam vinculadas
às Secretarias de Assistência Social que acolhiam, naquela
época, crianças de 0 a 6 anos, no sistema público de ensino.
No entanto, a preocupação era mais de caráter assistencialista
do que pedagógico. O que importava naquele momento era
garantir a alimentação, cuidados básicos com higiene e saúde,

47
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

integridade física, momentos de brincadeira e um local seguro


enquanto os pais trabalhavam.

Dessa forma, por serem ações assistenciais, as atividades


centravam-se muito mais no cuidar do que no educar. A
compreensão do momento considerava mais importante garantir
alimentação, higiene, brincadeiras para entretenimento e
integridade física, do que propriamente atividades pedagógicas.

SAIBA MAIS

DATAS IMPORTANTES:
1923 - Inspetoria de Higiene Infantil
1930 - Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pú-
blica. 
1934 - Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância
1937 - Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pú-
blica passa a se chamar Ministério da Educação e Saúde
1940 - Departamento Nacional da Criança (DNCr)
1942 - Legião Brasileira de Assistência (LBA) .
Fonte: http://portal.mec.gov.br/component/content/
article/33771-institucional/83591-conheca-a-evolucao-
-da-educacao-brasileira#:~:text=Pela%20Lei%20n%-
C2%BA%201.920%2C%20de,da%20pasta%20somen-
te%20em%201995. Acesso em: 04 Jul. 2022.

48
A infância e educação infantil ao longo da história

Ao longo da história muitas denominações foram dadas


às instituições de atendimento à criança pequena. Maternal,
jardim de infância, pré-escola, parque, centro de recreação,
esses são alguns exemplos para configurar a etapa anterior à
fase de alfabetização. E como a própria sociedade entendia, a
fase anterior à escolarização.

Conforme destaca Kuhlmann Junior (2007), durante


muito tempo a Educação Infantil esteve esquecida dos
documentos legisladores da Educação Brasileira, uma vez que
o entendimento que se tinha era que tal segmento não fazia
parte da educação. Até mesmo a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) nº 4.024 de 1961, sequer menciona a
Educação Infantil.

Da mesma forma a Lei nº 5692 de 1971, apenas menciona


a possibilidade de que os sistemas de ensino se ocupem de
promover o atendimento para os menores, porém não os
específica, nem determina obrigatoriedade. “Os sistemas de ensino
velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam
conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e
instituições equivalentes” (BRASIL, 1971, art. 17, parágrafo 2º).

Ao passo que os estudos a respeito da natureza,


características e fases do desenvolvimento humano foram

49
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

evoluindo, as mudanças em relação à compreensão da


infância também evoluem. A criança conquistou a atenção
dos estudiosos, dos governantes e da sociedade, que passou a
enxergá-la como portadoras de direitos. Nessa perspectiva, a
ideia de que a creche e pré-escola seriam espaços apenas para o
cuidado começou a ser superada e substituída pela premissa da
articulação indissociável do cuidar e educar.

Em função dessa trajetória inicial, que, obviamente,


evidenciava as necessidades daquele momento histórico, a
creche permaneceu durante muito tempo associadas ao caráter
assistencialista. Situação que começa a se reconfigurar a parti
especialmente das décadas de 1970 e 1980. O primeiro e grande
salto que promoveu a mudança de visão em relação à Educação
infantil se dá a partir da Constituição Federal de 1988, que
reconhece, pela primeira vez na história, a creche e a pré-escola
como parte integrante do sistema educacional no país.

É somente pós a redemocratização do país e da


promulgação da Constituição Federal que a visão de educação
infantil começa a se modificar. As discussões em torno do
direito da criança e a necessidade de se universalizar o acesso à
Educação infantil mobilizou educadores e políticos a adotarem
uma posição de caráter mais educativo e menos assistencialista.

50
A infância e educação infantil ao longo da história

Dessa forma, a criança conquista o direito à educação e ao


cuidado como prerrogativa do Estado.

No entanto, a realidade não se modificou imediatamente,


durante mais de uma década, algumas creches continuavam
sendo mantidas pelas Secretarias de Assistência Social
e continuavam desenvolvendo um trabalho de cunho
assistencialista nos sistemas públicos de ensino. “A
incorporação das creches aos sistemas educacionais não
necessariamente proporcionou a superação da concepção
educacional assistencialista” (KUHLMANN JR., 2000, p.7).

As mudanças significativamente mais efetivas só puderam


ser sentidas a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) nº 9394/1996, cujo maior avanço pôde
ser percebido ao determinar a Educação Infantil como parte
integrante da Educação Básica. Ou seja, esse segmento passou
ter o mesmo status do ensino fundamental e médio, e, portanto,
passou a ser obrigatório.

A respeito dos desdobramentos dessa lei, outros


instrumentos legais foram publicados com a intenção de
organizar, estruturar e normatizar o trabalho pedagógico nas
instituições de educação infantil. São eles:

51
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

• Referenciais Nacionais para a Educação Infantil;

• Diretrizes Curriculares Nacionais


para a Educação Infantil;

• Indicadores da Qualidade na Educação Infantil;

• Parâmetros Nacionais de Qualidade para


Educação Infantil, entre outros.

Sobre tais instrumentos, estudaremos no tópico seguinte.

MARCOS HISTÓRICOS E LEGAIS


SOBRE A EI NO BRASIL
O período de redemocratização do Brasil desencadeou
intensas transformações quanto aos aspectos políticos,
econômicos, sociais e educacionais. A Constituição Federal
promulgada em 1988 ficou conhecida como a Constituição
cidadã e promoveu a ampliação dos direitos de todos os
cidadãos brasileiros, além do reconhecimento e valorização da
educação para um grupo de crianças que antes não possuía, as
crianças menores de 7 anos.

52
A infância e educação infantil ao longo da história

Pela primeira vez na história foi reconhecido o direito


da criança de 0 a 6 anos à educação, não estando mais
condicionado ao direito das mães e/ou pais trabalhadores, mas
sim, ao direito subjetivo da própria criança. Atualmente no
Brasil, esse direito se estende a toda criança e jovem dos 0 aos
17 anos por meio da educação básica. Porém, a obrigatoriedade
se dá a partir dos 4 anos de idade.

A mudança na Constituição ao mesmo tempo em que passa


a garantir o direito da criança à escola, também responsabiliza
o Estado também pelo atendimento e democratização da
educação infantil.

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de: IV - educação
infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)
anos de idade (BRASIL, 1988, Art. 227 e 228).

A sociedade passou a adotar uma nova compreensão de


educação infantil, deixando de lado a concepção meramente

53
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

assistencialista e adotando uma perspectiva que considera o


direito da criança a um atendimento de qualidade, de caráter
educacional e formativo. É somente nesse momento que o país
institui a educação infantil como uma política de Estado.

Tão logo foram estabelecidos os conceitos em relação


aos direitos fundamentais das crianças, tem-se também a
aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei
nº. 8069 de 1990, que vem reforçar os princípios estabelecidos
na CF e trazer um maior detalhamento para proteção e
desenvolvimento pleno desse público-alvo.

Em 1996, após longos debates e tramitação conturbada, foi


finalmente aprovada a LDB nº 9394, que promoveu mudanças
significativas em todo o sistema educacional brasileiro. A partir
desse momento, a educação infantil passou a ser parte integrante
educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento
integral da criança de 0 a 6 anos de idade. Além das mudanças
em relação ao tempo e idade, a LDB também passa a exigir a
formação docente especializada em cursos de pedagogia, porém,
ainda se admitindo a formação em nível médio nos cursos
magistério e normal, a título de transição.

Nas determinações legais é possível destacar a necessidade


de envolvimento tanto do poder público, quanto da sociedade

54
A infância e educação infantil ao longo da história

e da família em colaboração para promover a educação das


crianças. Dessa forma, a pesquisadora Rau (2012, p. 23) destaca
a importância e necessidade do envolvimento da família:

”Sabe-se que as condições sociais das famílias


influenciam na percepção de suas responsabilidades
perante a infância situações como: trabalho infantil,
abandono, privação cultural, mas condições de higiene
pessoal, sanitárias e alimentares, falta de tempo para
a reflexão sobre os valores e o convívio em sociedade,
entre outras tantas, servem de obstáculos no processo
de desenvolvimento e aprendizagem infantil.”

Diante dos desafios enfrentados em relação às condições


nem sempre favoráveis das famílias, o poder público vem
agindo no sentido de antecipar cada vez mais o acesso à
educação para as crianças, no sentido de abranger atender uma
parcela mais significativa da sociedade.

Com a modificação introduzida na LDB por meio da Lei nº


11.274/2006 que reestruturou o ensino fundamental passando
sua duração de 8 para 9 anos e antecipou o seu acesso para
os 6 anos de idade, também modificou a educação infantil
que passou a abranger a faixa etária dos 0 aos 5 anos de idade
(BRASIL, 2006).

55
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Em 2009 começou a vigorar nova


mudança pertinente à Educação Infantil,
que passou a ser obrigatória a partir
dos 4 anos de idade com a aprovação
da Emenda Constitucional n. 59/2009
que determinou a obrigatoriedade
da educação básica dos 4 aos 17 anos
(BRASIL, 2009). Essa determinação
A partir da
foi então incluída na LDB por meio
da Lei n. 12.796/2013, reafirmando a
compreensão
obrigatoriedade da matrícula de todas as da importância
crianças de 4 e 5 anos em instituições de da educação,
Educação Infantil (BRASIL, 2013). foi estabelecida
a orientação
A partir dessas mudanças de para o ensino
compreensão quanto à importância e prática
educação das crianças ocorridas nas docente.
últimas décadas, muitos instrumentos de
orientação para os sistemas de ensino e a
prática docente foram sendo criados.

Em 1997, logo após a aprovação da


LDB, Ministério da Educação (MEC)
publicou os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e os Referenciais

56
A infância e educação infantil ao longo da história

Curriculares Nacionais para Educação Infantil (RCNEIs). Esses


documentos, apesar de não serem obrigatórios, tinham como
objetivo se tornarem norteadores das práticas educacionais e da
orientação curricular para cada segmento.

No ano de 2006 foi também publicado o documento


orientador denominado Parâmetros Nacionais de Qualidade
para a Educação Infantil (PNQEI) para servir de referências de
qualidade para a Educação Infantil a serem utilizadas pelos
sistemas educacionais, por creches, pré-escolas e centros de
Educação Infantil (BRASIL, 2006).

Somente em 2009, foram aprovadas as Diretrizes


Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEIs), na
forma da Resolução 5/2009 (BRASIL, 2009). Esse documento
foi o primeiro a ser adotado no Brasil tendo caráter normativo
e obrigatório, e deveria subsidiar a elaboração dos currículos e
das práticas educacionais da Educação Infantil.

As DCNEIs determinam que a Educação infantil deve ter


como eixos estruturantes das práticas pedagógicas, a interações
e a brincadeiras, pois é a partir dessas experiências que as
crianças podem construir e apropriar-se dos conhecimentos
sociais e culturais presentes em seu contexto histórico. É
também por meio das interações com seus pares e com

57
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

os adultos que ela terá a oportunidade de aprender e se


desenvolver plenamente.

IMPORTANTE

Assim como a construção de uma casa ou de um edifício necessitam


de um planejamento adequado, com a elaboração do projeto, preparo
do terreno, seleção de materiais, contratação dos profissionais, orga-
nização quanto aos métodos e técnicas a serem empregados, entre
outras ações, que têm como objetivo obter uma construção segura e
adequada aos interesses e necessidades do proprietário, assim tam-
bém se dá com a educação. Faz-se necessário que suas bases sejam
bem planejadas e construídas para produzir sujeitos aptos a lidarem
com o conhecimento e exercerem seu papel na sociedade, como seres
atuantes e capazes de buscar soluções para os problemas futuros.

Em 2017 após amplo debate junto à sociedade e


comunidade educacional do país, foi aprovado o texto da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) referentes à Educação
Infantil e ao ensino fundamental. Mais um importante passo foi
dado nesse processo histórico de reconhecimento dos aspectos
pedagógicos que envolvem a educação das crianças de 0 a 5
anos, valorizando sua importância e integração ao conjunto
da educação básica. Em 2018, o texto da BNCC é publicado
integralmente, englobando todos os segmentos da educação
básica (BRASIL, 2018).

58
A infância e educação infantil ao longo da história

Contudo, a implementação da BNCC não implica


a invalidação dos documentos legais já existentes. Na
verdade, ela é o acréscimo de um conjunto de referências e
direcionamentos que subsidiarão as instituições de ensino a
organizarem e reestruturarem seus currículos para os próximos
anos. Dessa forma, as DCNEI continuam vigentes, assim como
seus eixos estruturantes, ou seja, as interações e as brincadeiras,
que são ressaltados nesse documento e permanecem, na BNCC,
como sendo o foco do trabalho docente a ser desenvolvido na
Educação Infantil. O objetivo das interações e brincadeiras é
promover o pleno desenvolvimento das potencialidades da
criança, assim como sua socialização por meio do convívio com
outras crianças (BRASIL, 2009; 2018).

A BNCC propõe que, ao longo do período escolar, sejam


contempladas competências, aprendizagens essenciais e direitos
de aprendizagem, não só na Educação Infantil, mas em todo o
ensino fundamental e médio (BRASIL, 2017).

Ao longo do seu percurso educacional, os alunos devem


desenvolver dez competências gerais, as quais pretendem
assegurar, como resultado do seu processo de aprendizagem
e desenvolvimento, uma formação humana integral que visa
à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva
(BRASIL, 2018).

59
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Figura 1 - Competências gerais da Educação básica e seus objetivos

Entender e explicar a realidade, colaborar com a sociedade e


1. Conhecimento
continuar a aprender.
Investigar causas, elabirar e testar hipóteses, formular e
2. Pensamento científico
resolver problemas e criar soluções.
Fruir e participar de práticas diversificadas da produção
3. Repertório cultural
artístico-cultural.
Expressar-se a partilhar informações, sentimentos,
4. Comunicação ideais, experiências e produzir sentimentos que levem ao
entendimento mútuo.
Comunicar-se, acessar e produzir informações e conhecimento,
5. Cultura digital
resolver problemas e exercer protagonismo de autoria.
Entender o mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas à
6. Cultura digital cidadania e ao seu projeto de vida com liberdae, autonomia,
criatividade e reponsabilidade.
Formular, negociar e defender idaias, pontos de vista e
7. Argumentação decisões comuns com base em direitos humanos, consciência
socioambiental, consumo responsável e ética.
Cuidar da saúde física e emocional, reconhecendo suas
8. Autoconhecimento e
emoções e a dos outros, com autocrítica e capacidade para
autocuidado
lidar com elas.
Fazer-se respeitar e promover o respeito ao outro e aos direitos
9. Empatia e cooperação humanos, com acolhimento e valorização da diversidade, sem
preconceito de qualquer natureza.
10. Responsabilidade e Tomar decisões com princípios éticos, democráticos, inclusivos
cidadania sustentáveis e democráticos.
Fonte: adaptada de BNCC (BRASIL, 2018)

60
A infância e educação infantil ao longo da história

A BNCC/ 2018, além de outras normatizações específicas,


busca garantir não só o acesso e a permanência dos educandos,
como também a qualidade e a equidade do ensino em todas as
escolas do país.

Dessa forma, a BNCC pretende contribuir para consolidar na


Educação Infantil a indissociabilidade entre educação e cuidado.

A concretização da concepção de educar e cuidar em


práticas educativas é um grande desafio para os profissionais
da Educação infantil e familiares. Tal questão demonstra a
estreita relação entre as instituições de educação infantil e
família, sendo que ambas precisam ter clareza de seus papéis e
responsabilidades (RAU, 2012, p. 79).

Diante dos princípios estabelecidos na BNCC, a concepção


entre o educar e o cuidar está na base da indissociabilidade
dessas ações, uma vez que para educar a criança pequena é
preciso cuidar. E da mesma forma, enquanto se está cuidando,
também é possível educar.

Nesse contexto, as creches e pré-escolas, ao acolher as


vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no
ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e
articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo

61
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e


habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando
novas aprendizagens, atuando de maneira complementar
à educação familiar – especialmente quando se trata da
educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve
aprendizagens muito próximas aos dois contextos (familiar
e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação
(BRASIL, 2018, p. 36).

A BNCC/2018, embora tenha se tornado o documento


principal para nortear os currículos da educação básica, dialoga
com os documentos publicados anteriormente, de forma
que ela não os invalida, mas traz maiores detalhamentos e
aprofundamentos quantos às formas de ensinar e trabalhar para
promover o desenvolvimento integral das crianças.

A BNCC reforça o compromisso firmado também nas


DCNEIs, em relação aos eixos estruturantes das práticas
pedagógicas, ou seja, as interações e brincadeiras. Nesse
sentido,

a interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da


infância, trazendo consigo muitas aprendizagens e potenciais
para o desenvolvimento integral das crianças. Ao observar
as interações e a brincadeira entre as crianças e delas com

62
A infância e educação infantil ao longo da história

os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão


dos afetos, a mediação das frustrações, a resolução de
conflitos e a regulação das emoções (BRASIL, 2018, p. 37).

Além de priorizar as interações e brincadeiras como


eixos estruturantes para o trabalho pedagógico na Educação
Infantil, a BNCC também leva em conta o desenvolvimento
de competências sobre as quais toda a educação básica deverá
buscar promover.

Conforme pudemos aprender, a criança é um sujeito de


direitos. E nessa perspectiva, a BNCC busca valorizar a garantia
de 6 direitos de aprendizagem considerados essenciais para o
desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos.

Por meio desses direitos são oportunizadas às crianças


condições favoráveis para que aprendam a partir de situações
reais que envolvem as dinâmicas da vida social e cultural em
seu ambiente escolar.

Os direitos de aprendizagem e desenvolvimento permitem


que a criança possa “desempenhar um papel ativo em
ambientes que as convidem a vivenciar desafios e a sentirem-
se provocadas a resolvê-los, nas quais possam construir
significados sobre si, os outros e o mundo social e natural”
(BRASIL, 2018, p. 8).

63
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Figura 2 - Direitos de aprendizagem e desenvolvimento

Fonte: Adaptada de Brasil (2018).

Percebemos que cada um desses direitos possui suas


especificidades em relação às práticas pedagógicas. Segundo
Brasil (2018), as especificidades dos direitos de aprendizagem e
desenvolvimento são:

• Conviver: com outras crianças e adultos


utilizando diferentes linguagens, ampliando
o conhecimento de si e do outro, o respeito
em relação à cultura e às diversidades.

64
A infância e educação infantil ao longo da história

• Brincar: cotidianamente de diferentes formas,


espaços e tempos, com diferentes parceiros.

• Participar: ativamente, con audltos e outras crianças,


tanto do planejamento da gestão da escola quanto
da realização das atividades da vida cotidiana.

• Explorar: movimentos, gestos, sons, formas,


texturas, cores, palavras, emoões, transformações,
relacionamentos, histórias, objetos, elementos
da natureza, na escola e fora dela.

• Expressar: como sujeito dialógico, criativo e


sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos,
dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões,
questionamentos, por meio de diferentes linguagens.

• Conhecer-se: e construir sua identidade


pesssoal, social e cultural.

Após compreender que os direitos de aprendizagem


e desenvolvimento são prerrogativas essenciais para que a
criança tenha condições efetivas de crescer física, emocional e
intelectualmente, a BNCC estabelece que o conhecimento a ser
trabalhado na Educação Infantil deva ser organizado a partir de

65
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

5 campos de experiências, que são os campos que se relacionam


com o universo de descobertas da criança pequena.

Os campos de experiências constituem um arranjo


curricular que acolhe as situações e as experiências concretas
da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os
aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural
(BRASIL, 2018, p. 38).

Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, na


Educação Infantil, estão organizados dentro de cada campo de
experiência e separados por faixa etária. Por sua vez, as faixas
etárias estão selecionadas em três grupos, que englobam os
bebês, as crianças bem pequenas e as crianças pequenas, tal
como ilustra a figura 3.

Figura 3 - Faixas etárias da Educação Infantil

Fonte: BNCC (BRASIL, 2018)

Com base na organização definida tanto nas DCNs quanto


na BNCC, percebemos que a Educação Infantil é composta por

66
A infância e educação infantil ao longo da história

Creche e pré-escola. A diferença entre elas está na divisão por


faixa etária, sendo que a creche engloba as crianças de 0 a 3
anos e 11 meses, embora essa etapa não seja obrigatória para
a criança, cabe ao Estado o dever de oferecê-la. Já a pré-escola
engloba o período anterior à entrada no ensino fundamental,
contemplando a faixa etária de 4 a 5 anos e 11 meses, que,
conforme aprendemos se constitui como parte integrante da
educação básica, e, portanto, etapa obrigatória.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao chegarmos ao final deste estudo tivemos a
oportunidade de conhecer como a compreensão de infância e a
necessidade de educar as crianças pequenas foi se consolidando
ao longo da história.

A partir das mudanças históricas sobre a noção de infância


e valorização dos laços familiares, além da inserção da mulher
no mercado de trabalho, inicia-se um processo de cuidado, e
investimento na educação das crianças pequenas para além do
ambiente doméstico. Foram criadas instituições de acolhimento
e amparo à criança, porém com caráter mais assistencialista
do que educacional. É somente a partir do final século XX
que a criança conquista de fato, um lugar de reconhecimento

67
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

e passa a ser um sujeito de direitos perante as sociedades


contemporâneas.

Com tais mudanças ocorrendo, a educação infantil ganhou


espaço e passou a ser reconhecida como direito de todas
as crianças, no Brasil e em muitos outros países do mundo
ocidental, embora muito se tenha ainda a avançar para diminuir
as desigualdades entre países.

Atualmente, a realidade brasileira tem avançado


na aprovação de dispositivos legais e documentos que
regulamentam a Educação Infantil. A preocupação com o
desenvolvimento integral e o bem-estar da criança tem sido
pauta de muitos eventos, de políticas governamentais e de
discussão entre educadores e pesquisadores da área. Esperamos
continuar em desenvolvimento nessa área, cujo principal
objetivo é oportunizar cada vez mais o acesso a educação de
qualidade para todas as crianças.

Sabe-se, portanto, que os desafios ainda são imensos e


requerem maiores investimentos por parte do poder público,
bem como da sociedade e dos educadores, para que a Educação
Infantil efetivamente possa exercer, de forma adequada e
completa, o seu papel na formação das futuras gerações.

68
A infância e educação infantil ao longo da história

Dessa forma, convidamos você, futuro docente, a


abraçar a educação infantil com amor, responsabilidade e
profissionalismo, pois, somente a partir do trabalho coletivo,
eficiente e comprometido seremos capazes de contribuir para a
garantia do direito a uma infância segura e formação cidadã de
todas as crianças.

RESUMO

O que aprendemos nesta unidade:

• O sentimento da infância não era o mesmo nas


sociedades antiga e medieval. A criança era vista como
um adulto em miniatura, porém devido às condições
da época, sua existência era frágil e incerta.

• A partir da idade moderna e contemporânea que começa


a ocorrer um fenômeno distinto dos períodos anteriores.
A infância deixa de ser vista apenas como um evento
biológico e passa a ser entendida como uma fase da vida.

• A conquista do direito à educação infantil está diretamente


relacionada ao movimento de industrialização e
desenvolvimento do país, especialmente nas primeiras

69
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

décadas do século 20 e a consequente necessidade


de entrada das mulheres no mercado de trabalho.

• O século 20 vem promover mudanças significativas na


compreensão de educação para as crianças pequenas.
A sociedade passou a adotar uma nova visão de
educação infantil, deixando de lado a concepção
assistencialista e adotando uma perspectiva que
considera o direito da criança a um atendimento de
qualidade, de caráter educacional e formativo.

• A criança passa a ser vista como um “sujeito histórico e de


direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas
que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva”.

• No Brasil, a Educação Infantil é direito de toda criança


de 0 a 5 anos de idade. O reconhecimento do direito à
Educação Infantil foi instituído a partir da CF de 1988.

• A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB 9394/1996 tornou


a Educação Infantil como parte integrante da Educação Básica,
de matrícula obrigatória para crianças de 4 e 5 anos de idade.

• A ideia de que a creche e pré-escola seriam


espaços apenas para o cuidado começou a

70
A infância e educação infantil ao longo da história

ser superada e substituída pela premissa da


articulação indissociável do cuidar e educar.

• Na perspectiva bíblica-cristã-adventista, a educação é muito


mais do que a aprendizagem de conteúdos, diz respeito
ao desenvolvimento das faculdades intelectuais, sociais,
morais, emocionais e espirituais. Considera a necessidade
de o ser humano crescer e se desenvolver em toda a sua
plenitude e se tornar mais semelhante ao seu Criador.

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