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PEDAGOGIA
PEDAGOGIA
Programa de Formação de Professores
em Exercício, para a Educação Infantil, para
as Séries Iniciais do Ensino Fundamental
e para a Gestão Educacional
Educação Infantil:
abordagens curriculares
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PEDAGOGIA
Pró-Reitoria de Graduação
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Revisão de conteúdo
Profa. Dra. Célia Maria Guimarães
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PEDAGOGIA
SUMÁRIO
Texto 11 – Escola Moderna Portuguesa e Plano Curricular Base para educação infantil da Espanha ------- 139
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PEDAGOGIA
do planejamento dos profissionais. Vamos, ainda, compreender qual é o eixo central do currículo
(brincar e interações) para bebês e crianças de até 5 anos e 11 meses perante a função desta etapa
da Educação Básica – cuidar e educar de modo indissociável. O papel do ambiente, que é composto
pelo espaço físico, pela organização do tempo-rotina e dos materiais, será abordado para que você
o compreenda como um dos elementos do currículo e dimensione a sua função educativa.
UNIDADE 2 – A BNCC: REFERÊNCIA PARA (RE)PENSAR O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Nesta unidade vamos analisar que desde 2019 temos este documento oficial como referência
para (re)pensar o currículo para educação infantil. O arranjo proposto na BNCC – EI coloca em
questão várias práticas pedagógicas usadas há décadas e que desrespeitam os direitos infantis
ao aprendizado e ao desenvolvimento integral. Precisaremos perceber que A BASE NACIONAL
CURRICULAR COMUM PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL é uma referência obrigatória para os
sistemas de ensino proporem o currículo e sua proposta pedagógica ao atendimento da criança
de zero a 5 anos e 11 meses. Isso deve ocorrer juntamente com a observação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2010). É desafiante para familiares e
professores porque a BNCC propõe o abandono de práticas educativas que têm por base “as
tarefas” para manter crianças quietas, ocupadas e silenciosas, além de valorizar a ação, a conversa
e a experimentação pela criança. Isso exige planejamento, estudo e o entendimento sobre como
é que a criança pensa, aprende e se desenvolve. Aprenderemos como as crianças desta etapa
pensam e aprendem e como é que os profissionais ensinam em decorrência deste entendimento
para que desenvolvam sua identidade e autonomia.
UNIDADE 3 – A FUNÇÃO E A FINALIDADE DA AVALIAÇÃO NA/DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Nesta unidade, vamos conhecer e aprofundar o entendimento que, no Brasil, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em seu artigo 31, anuncia que “[...] a avaliação
na educação infantil far-se-á mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem
o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental” (BRASIL, 1996). De acordo
com a Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), as instituições de educação infantil têm, como uma
de suas incumbências, criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para
avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de selecionar, promover ou classificar.
Desse modo, em relação à avaliação, oficialmente temos duas principais orientações a seguir que
se complementam: a documentação pedagógica e a utilização de múltiplas formas de registro.
UNIDADE 4 – O COMPARTILHAMENTO DA EDUCAÇÃO E CUIDADOS DAS CRIANÇAS ENTRE
A INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL E AS FAMÍLIAS
Nesta unidade proponho a reflexão sobre o trabalho conjunto e solidário de cuidar e
educar envolvendo familiares e profissionais da Educação Infantil. Tal tarefa impõe o desafio de
os profissionais de educação infantil enfrentarem os ruídos de comunicação com as famílias,
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PEDAGOGIA
independentemente de sua estrutura. Estabelecer diálogo com as famílias exige vontade pedagógica
e política por parte de gestores e professores se o objetivo primordial é criar rotinas e estratégias
bem-sucedidas de cuidados e educação de forma compartilhada. Vamos entender que Família e
Instituição de Educação Infantil se constituem em dois contextos específicos e, que, comumente,
mais interferem no desenvolvimento infantil.
UNIDADE 5 – ABORDAGENS CURRICULARES PARA EDUCAÇÃO INFANTIL PROVENIENTES
DE DIFERENTES CONTEXTOS
Para concluir, conheceremos distintas abordagens para o trabalho pedagógico com crianças
da Educação Infantil, elaboradas e desenvolvidas em contextos sociais, políticos e econômicos
diferentes. Nesta Unidade poderemos aprender sobre práticas educativas de alta qualidade e nos
inspirar com diversas experiências conhecendo seus princípios e fundamentos teóricos e práticos.
Para que os objetivos da disciplina fiquem bem claros para você, todos eles estão elencados
a seguir:
1. Compreender o conceito de currículo na Educação Infantil e a relevância do estabelecimento
de orientações curriculares para o trabalho nas creches e pré-escolas;
2. Entender o sentido do eixo central do currículo para educação infantil – brincar e interações
– para o desenvolvimento das práticas educativas;
3. Elaborar para si a compreensão de como é que bebês e crianças pequenas pensam e
aprendem para relacionar ao modo particular de ensiná-las;
4. Conhecer e estudar o que as Diretrizes Curriculares Nacionais e a BNCC propõem em
relação à elaboração de currículo para educação infantil;
5. Refletir sobre possibilidades de organização do tempo e do espaço e materiais nas creches
e pré-escolas, propondo rotinas e arranjos espaciais para o trabalho com crianças de
zero a três anos e de quatro e cinco anos;
6. Compreender o conceito e a finalidade da avaliação no trabalho pedagógico com
crianças de zero a cinco anos e aprender sobre práticas de avaliação coerentes com a
especificidade da Educação Infantil;
7. Estudar e elaborar o entendimento do significado do trabalho compartilhado de cuidados
e educação das crianças com suas famílias;
8. Analisar e discutir distintas abordagens curriculares para a educação das crianças de
zero a cinco anos elaboradas em diferentes contextos.
EMENTA DA DISICPLINA
A finalidade desta disciplina é estudar o currículo para a primeira etapa da Educação
Básica – Educação Infantil, enfatizando a sua identidade. Junto a isso, explicitar a relevância do
planejamento curricular como o guia das escolhas pedagógicas para as práticas educativas de alta
qualidade pelos gestores e professores.
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PEDAGOGIA
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PEDAGOGIA
Unidade 1 – Texto 1
CURRÍCULO PARA A EDUCAÇÃO E O CUIDADO DA CRIANÇA DE 0 A 5
ANOS?1
Célia Maria Guimarães e Gilza Maria Zauhy Garms2
Resumo
Abordam-se neste texto momentos significativos da política e legislação nacional em relação à
visão da criança, do currículo e do trabalho do professor de Educação Infantil, refletindo-se acerca
dos avanços e desafios originados da legislação e das políticas nacionais para a Educação Infantil.
Assinalam-se possibilidades de formação da identidade de professores e da creche/pré-escola e,
por isso, ressignifica-se o cuidar-educar como qualificativo necessário para a construção de um
currículo da infância, mas, sobretudo, para programas de formação de professores. Para concluir,
propõem-se alguns pressupostos nascidos da trajetória e da política nacional de Educação Infantil.
A intenção do artigo é oferecer contributos às reflexões em torno da identidade do professor e da
creche/pré-escola brasileira sendo, por conseguinte, refere-se ao currículo capaz de imprimir a
especificidade e a função da Educação Infantil brasileira.
1 Cópia autorizada pela Revista de Educação PUC-Campinas em observância à política de acesso público, Open
Access, mediante a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).
2 Professoras Doutoras, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Ciência e
Tecnologia, Departamento de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. R. Roberto Simonsen, 305,
Centro Educacional, 19060-080, Presidente Prudente, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: C.M.
GUIMARÃES. E-mail: <cmgui@fct.unesp.br>.
Abstract
The present study approaches meaningful times in national policies and legislation related to the
view of children, curriculum and Early Childhood Education teacher’s work. It also reflects on
the advancement and challenges originated from these national policies and legislation. Some
possibilities of shaping teachers’ identity as well as the corresponding identity of day-care centers/
pre-schools are pointed out. Thus, the term care-educate is redefined as a necessary qualitative
element in order to build a curriculum for children, but mainly for teacher qualification programs.
Finally, some plans originating from the national Early Childhood Education policies are suggested.
This article intends to offer contributory reflections about the identity of Brazilian Early Childhood
Education teachers and day-care centers/pre-schools, therefore, reference is made to the curriculum
that is able to provide the specificity and function suitable for Brazilian Early Childhood Education.
Keywords: Care-educate. Curriculum. Early childhood education. Public policies. Pedagogic
proposal.
Introdução
A etapa da Educação Infantil brasileira se encontra em processo de significativas mudanças.
Ao lado da ampliação de matrículas, ainda em número não suficiente para atingir as metas
do Plano Nacional de Educação de 2001, surgem importantes inovações na maneira como se
entende a função social e política desse nível de ensino, a concepção de criança e seu processo
de aprendizado e desenvolvimento. Novos encaminhamentos didáticos e formas alternativas
renovadas sobre o cotidiano das creches e pré-escolas têm-se colocado nos embates da área,
instigando os educadores à (re)significação de seu trabalho junto às crianças e suas famílias.
Essa perspectiva move à reflexão sobre alguns aspectos da política nacional para Educação
Infantil, com o objetivo de iluminar a reflexão, quiçá, a proposição de pressupostos a serem
considerados na proposta pedagógica e no currículo da creche/ pré-escola. “A construção da
proposta pedagógica é o aspecto mais relevante da dimensão cuidar-educar” (Kishimoto, 2003,
p.410).
Nesta direção, a concepção de infância como categoria social ilumina a presente reflexão
sobre atendimento infantil, currículo e proposta pedagógica.
Para Moss (2002), nos últimos anos tem se delineado uma ideia de criança, a saber:
membro de um grupo social, agente de sua vida, embora ainda não o seja totalmente agente livre,
co-construtores do conhecimento, de identidade e cultura. Compreende-se a criança inserida na
história e na cultura, daí o desafio de se construir um currículo que privilegie os fatores sociais e
culturais relevantes para o processo educativo nos tempos atuais. A criança da Educação Infantil
ainda vive a dependência do adulto e, ao mesmo tempo, é referida na literatura da área como
ativa e produtora de cultura, além de sujeito de direitos, o que instiga a busca de respostas para
questões, tais como: quais ações promovem os direitos infantis? Como conciliar a vulnerabilidade
e a participação da criança? A este respeito, Sarmento e Pinto (1997, p.18, grifo dos autores)
discutem que:
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PEDAGOGIA
Nessa direção, o entendimento de como é a criança, de como ela pensa e aprende, afasta-
se da visão empirista, romântica ou racionalista e se volta para os princípios da perspectiva
sociointeracionista, que concebe que a criança aprende com base em suas ações físicas e
mentais, sobre o objeto de conhecimento (informações; explicações; pessoas; situações; objetos;
instruções; temas de trabalho; fenômenos de seu próprio ambiente etc.). É agindo sobre os objetos,
ao nível do real e das ideias, que o sujeito se organiza e pode transformar informações externas em
conhecimento seu. Junta-se a isto a compreensão de que é numa dada cultura e momento histórico,
em interação com adultos e pares, que são engendrados processos psíquicos fundamentais a
construção de suas estruturas mentais e afetivas (Leontiev, 1978; Piaget, 1978; Wallon, 1979;
Vygotsky, 1996).
Uma proposta pedagógica e curricular se efetiva em espaços e tempos, através de atividades
realizadas por crianças e adultos em interação. Por esta razão, espera-se que os adultos facilitem
e promovam os processos de interação ativa da criança com pessoas e as coisas que promovam
desenvolvimento e aprendizagem (Piaget, 1978; Bronfenbrenner, 1979; Wallon, 1979; Vygotsky,
1996).
O que os teóricos referidos têm em comum e que interessa à discussão? Não se trata
de misturar abordagens, mas de integrar uma compreensão alargada sobre a criança, seu
desenvolvimento e aprendizagem e o papel dos outros.
Para além das divergências, eles têm em comum algo que não pode ser subestima-
do: a ação do sujeito, tratada frequentemente como prática ou práxis, colocada no
cerne do processo de aprendizagem [...]. Todos eles pensam, cada um a seu modo,
que a ação do sujeito tem um poder de determinação do processo e, portanto, tem
um poder de determinação histórico-social [...] a ação tem um valor que transcende
qualquer valor como capacidade constitutiva [...] das relações. Por isto é que deve-
mos nos indignar e criticar todas as formas de passividade do sujeito por serem an-
tinaturais, anti-humanas (e, por isso, antissociais), a começar pelas nossas didáticas
(Becker, 2003, p.243).
2003, p.422). Uma educação compartilhada, em que adulto e criança tenham um papel que se
diversifica no decorrer da interação. Porém, não é qualquer tipo de interação que ajuda a promover
o desenvolvimento pessoal. Malaguzzi (1999, p.77) assevera: “[...] o modo como nos relacionamos
com as crianças influencia o que as motiva e o que aprendem. Seu ambiente deve ser preparado
de modo a interligar o campo cognitivo com os campos do relacionamento e da afetividade”.
Katz (1999, p.49) ressalta que o conteúdo do relacionamento entre adultos e crianças deve
se referir ao trabalho de interesse de ambos, a formulação e solução de problemas. “Um programa
tem vitalidade intelectual se as interações individuais e grupais do professor evocam principalmente
o que as crianças estão aprendendo, planejando e pensando sobre seu trabalho e brincadeiras e
uma sobre as outras [...]”.
Desse modo, o currículo para Educação Infantil se distancia de um conjunto de disciplinas
e conteúdos ou de um conjunto genérico de tudo o que acontece na creche/pré-escola. O
delineamento, por consenso entre os profissionais, de um conjunto de indicativos orientadores das
propostas cotidianas precisa ocorrer no bojo de uma (re)visão da concepção de criança/infância,
da função da creche e da pré-escola, bem como do papel do professor e da família em relação aos
cuidados-e-educação.
Outro aspecto a ser clareado é que uma proposta pedagógica é concebida como o plano
orientador das ações do conjunto de profissionais da creche/pré-escola. Nesse sentido, para
alcançar as metas indicadas na proposta pedagógica, a Instituição de Educação Infantil organiza
seu currículo, que, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI) (Brasil,
2009b, p.1) -, é assim definido: “As práticas educacionais organizadas em torno do conhecimento e
em meio às relações sociais que se travam nos espaços institucionais, e que afetam a construção
das identidades das crianças”.
Identificado dessa maneira, o currículo busca articular as experiências e os saberes das
crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e
tecnológico da sociedade, por meio de práticas planejadas e permanentemente avaliadas que
estruturam o cotidiano das instituições.
Desde a Constituição Federal de 1988, busca-se o campo específico da Educação Infantil,
circunscrevendo sua terminologia, conceituando o que são suas instituições e focalizando seus
objetivos relativamente ao direito à educação da criança e ao direito de mães e pais trabalhadores.
Campos et al. (1995) argumentam que o atendimento em creches e pré-escolas, subordinado à
área da Educação, representa avanço, ao menos no texto da Constituição, na direção da superação
do caráter assistencialista, predominante nos anos anteriores à sua promulgação, em 1988.
A propósito, Rosemberg (2002) demarca quatro funções/objetivos historicamente atribuídos
às Instituição de Educação Infantil e que podem, ou não, coexistir, ser complementares ou colidir:
cuidado/ "guarda” de crianças enquanto suas mães trabalham fora ou estudam; educação/
socialização da criança em espaços institucionais complementares à família; compensação de
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PEDAGOGIA
3 A Lei nº 11.274/2006 altera a indicação original da LDBEN de 1996 e dispõe sobre a idade de 6 anos para ingresso
obrigatório no Ensino Fundamental e a ampliação, pelos sistemas de ensino, em mais um ano a duração do Ensino
Fundamental, prevendo-se como limite para o ajuste necessário o ano de 2010 (Brasil, 2006b).
Medidas que visam apenas à ampliação do acesso devem ser avaliadas com cuidado,
pois criam falsas ideias sobre democratização da Educação Infantil; se a oferta de qualidade do
atendimento infantil não beneficia as crianças, outros interesses estarão subjacentes e seguirão
em direção contrária às ideias fortes referidas. Estas encontram defesa nas DCNEI (Brasil, 1999,
2009b), o documento mandatório brasileiro que dispõe sobre princípios e fundamentos para
enfrentar a questão da qualidade do atendimento infantil, por meio da elaboração da proposta
pedagógica da creche/pré-escola e da formação adequada de professores.
Os marcos legais, tais como o Direito Universal à Educação para crianças de 0 a 6 anos,
reconhecido na Constituição Federal Brasileira de 1988, a confirmação da Educação Infantil
como primeira etapa da Educação Básica, na LDBEN de 1996, a incorporação, em 2006, da
primeira infância nos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e as DCNEI (Brasil, 1999, 2009b),
demonstram a opção brasileira pela Educação Infantil institucionalizada, o que a distancia das
práticas não formais de outrora e impõe maior qualidade do atendimento (Nunes & Corsino, 2009).
Todavia, em face da qualidade do atendimento infantil a ser conquistada, questões centrais
“fecham” e “abrem” o debate. Dentre várias, destaca-se:
• A legislação e a regulamentação da Educação Infantil incorporam as novas descobertas
científicas?
• As Instituições de Educação Infantil têm uma proposta pedagógica compatível com as
novas concepções de criança, infância, creche, pré-escola, professor etc.?
• As interações e o brincar são considerados como eixos norteadores no processo de
construção do currículo/propostas pedagógicas para infância?
• Quais são as exigências legais de formação de professores da Educação Infantil?
• Como a legislação/normatização se traduz na creche e na pré-escola, em termos de
espaço físico, organização do tempo, formação do professor, proposta pedagógica, razão
professor/criança etc.?
• Existem vagas para as famílias que demandam por creche ou pré-escola? Se a demanda
é maior que a oferta, há crianças que não encontram vagas em creches e pré-escolas?
As instituições têm lista de espera? Se apenas algumas crianças são admitidas, quais
critérios são utilizados para admissão: sorteio, seleção? A forma é pública?
• As crianças menos favorecidas economicamente têm acesso a creches e pré-escolas
menos qualificadas?
• Como as crianças que não têm acesso a instituições estão sendo educadas (pelos pais,
pelos vizinhos, nas ruas, Organizações não-governamentais (ONG) etc.)? Quando se
trata de alternativa de caráter coletivo, por exemplo, atendimento domiciliar de crianças,
qual a qualidade desse atendimento? Qual a formação dos profissionais que se ocupam
dessas crianças? Que conhecimentos têm sobre o desenvolvimento infantil e sobre a
importância dessa fase da vida? (Organização das Nações Unidas, 2003).
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PEDAGOGIA
Esse contexto configura-se numa reação às propostas de cunho assistencialista existentes até
então, marcadas por uma pedagogia de orientação preconceituosa da pobreza, uma educação
mais moral do que intelectual. Desse modo, a defesa do atendimento de concepção assistencialista
ou educativa, em creches e pré-escolas, manteve-se subordinada à classe social das crianças
brasileiras.
À medida que a expansão da Educação Infantil ocorria, respaldada na meta de atenuar
carências sociais, esta, ao conquistar um espaço institucional próprio, especificamente aquele
destinado à criança de 4 a 6 anos, contamina-se pelo espaço mais próximo do modelo de Escola
destinado às crianças maiores e, ao fazê-lo, adota o processo de “escolarização” como prática
educativa. Tal ocorrência reforçou o trabalho pedagógico e as propostas curriculares caracterizadas,
sobretudo, pela ausência de identidade própria.
A Educação Infantil convive, desde então, com uma contradição, ora traduzida por meio de
práticas de maternagem - o cuidar -, especialmente os cuidados físicos em relação às crianças de
até 3 anos, ora pelas práticas escolarizantes - o educar -, direcionadas à idade de 3 até os 6 anos.
São contradições que reforçam o contingente que, historicamente, atua na área sem formação
específica. A esse respeito, Rocha (1999, p.62) ressalta que:
[...] enquanto a escola se coloca como espaço privilegiado para o domínio dos co-
nhecimentos básicos, as instituições de Educação Infantil se põem, sobretudo, com
fins de complementaridade à educação da família. [...] enquanto a escola tem como
sujeito o aluno e como objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas através da
aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas no
espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade
[...].
No início dos anos de 1980, impulsionada pela expansão do atendimento infantil, surge a
necessidade de currículo, primeiro para pré-escola e, posteriormente, para a creche. Todavia, a
Educação Infantil brasileira tem sua gênese caracterizada pela dissociação de uma intencionalidade
educativa explicitada, com toda clareza, num currículo próprio para a faixa etária (Corsino, 2009).
Contudo, a década de 1980 terminou com uma nova perspectiva - a Constituição Federal
de 1988 -, que passa a proclamar a cidadania da criança, elevada ao status de sujeito de direitos,
conforme pode ser observado no artigo 227, que determina:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convi-
vência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligên-
cia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988, online).
A Constituição Federal de 1988 anunciou, ainda, para as crianças e seus pais, a creche e
pré-escola como direito e definiu sua natureza educativa em superação ao atendimento de cunho
assistencial, focado nos cuidados físicos - alimentação e higiene.
23
PEDAGOGIA
A década de 1990 iniciou-se sob a proteção do Estado ante o direito da criança à educação.
A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, explicita as conquistas da
Constituição de 1988, reafirma esses direitos e estabelece mecanismos de participação e controle
social na elaboração e na implantação de políticas para a infância.
Nesse contexto, incorporando essas premissas constitucionais, o Ministério da Educação
(MEC) - aprovou, em 1994, a “Política Nacional de Educação Infantil” (Brasil, 1994), documento
que define diretrizes gerais, sintetizadas em princípios que conceituam a Educação Infantil como
primeira etapa da Educação Básica; integram creches e pré-escolas que se diferenciam apenas pela
faixa etária; particularizam a ação da Educação Infantil como complementar à família, integrando
a educação ao cuidado; ressaltam a ação educativa, através de especificidades do currículo e da
formação do profissional; e estabelecem normas para o acolhimento de crianças com necessidades
especiais.
O referido documento propôs objetivos cujo desdobramento culminou, anos depois, na
publicação pelo MEC, em 2006, do documento “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito
das crianças de zero a seis anos à educação”, que anunciou a necessidade de formação profissional
para atuação em creches e pré-escolas como condição para a melhoria da qualidade da educação
(Brasil, 2006a).
Com base nas políticas descritas e nas reflexões em torno da construção da LDBEN de 1996,
o MEC, em 1995, fixou a melhoria da qualidade da educação às crianças de 0 a 6 anos como um
dos principais objetivos e, para tanto, indicou metas de ação, as quais deveriam oferecer incentivo
à elaboração, implementação e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares; promover a
formação e a valorização dos profissionais que atuam em creches e pré-escolas; dar apoio aos
sistemas de ensino municipais para assumirem sua responsabilidade com a Educação Infantil; e
promover a criação de um sistema de informações sobre a educação da criança de 0 a 6 anos.
Ressalte-se que a atenção à qualidade da Educação Infantil se inicia a partir da década de
1990, com a divulgação de resultados de pesquisa e dos vários documentos mencionados.
O termo qualidade foi e será utilizado neste texto, na maioria das vezes, vinculado ao
atendimento da criança na Instituição de Educação Infantil, como também à proposta pedagógica
e ao currículo que orienta (ou deveria orientar) tal atendimento. Por essa razão, é necessária a
coerência entre a concepção de qualidade e a elaboração do currículo para a creche/ pré-escola.
A discussão de qualidade geralmente surge quando o objetivo é analisar as condições do
atendimento às crianças e a formação dos professores para Educação Infantil. Campos et al.
(2006) demonstraram que, mesmo diante das prerrogativas para o atendimento, emanadas do
ordenamento legal, há a permanência de distanciamento entre as metas legais e a realidade das
creches e pré-escolas brasileiras.
Há uma diversidade de definições para qualidade, subordinadas ao momento histórico, às
ideologias, aos valores, às concepções de como a criança pensa e aprende, às afiliações políticas
das pessoas, às suas tradições, aos interesses, aos papéis assumidos nas instituições, entre outros
aspectos intervenientes. A compreensão do que é qualidade varia de acordo com o contexto e suas
necessidades específicas (Oliveira-Formozinho, 2001; Craidy, 2002).
Oliveira-Formozinho (2001) alerta que, ao lidar com os indicadores de qualidade e com
resultados, não se pode ceder ao desejo comum, nos tempos modernos, de pensá-los como
universais, possíveis de serem medidos com precisão por meio de critérios definitivos e infalíveis,
garantidores de certezas, ordem, segurança. O conceito de qualidade apresenta caráter contextual,
é complexo, plural e se relaciona ao processo (Kishimoto, 2003).
Relativamente ao atendimento na Educação Infantil, o MEC propôs, em 2006, os parâmetros
nacionais de qualidade, nos quais o conceito de qualidade comparece assim sintetizado:
1) a qualidade é um conceito socialmente construído, sujeito a constantes negocia-
ções; 2) depende do contexto; 3) baseia-se em direitos, necessidades, demandas,
conhecimentos e possibilidades; 4) a definição de critérios de qualidade está cons-
tantemente tensionada por essas diferentes perspectivas (Brasil, 2006c, p.24).
25
PEDAGOGIA
Educação Infantil". Nesse mesmo ano, o "Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil"
(RCNEI) (Brasil, 1998) foi divulgado com o propósito de oferecer um conjunto de referências e
orientações pedagógicas, sem, contudo, constituir-se como base obrigatória à ação dos professores.
Concomitantemente, o Conselho Nacional de Educação divulgou, em 1999, as DCNEI, de caráter
obrigatório, que, por meio de princípios, fundamentos e procedimentos, orientariam os sistemas
brasileiros de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de pro- postas
pedagógicas destinadas às Instituições de Educação Infantil. Em 2009, esse documento passou
por revisão (Brasil, 2009b). Em continuidade à política de diretrizes e normas, no ano de 2005, o
MEC definiu a "Política Nacional de Educação Infantil", que veiculou diretrizes, objetivos, metas e
estratégias, contemplando e incorporando as produções na área.
Assim sendo, as DCNEI, dado seu caráter mandatório, deveriam ser respeitadas, em âmbito
nacional, na elaboração das propostas pedagógicas, em observância aos seguintes princípios
contidos no seu Art. 6º:
Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem
comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades.
Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem
democrática.
Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expres-
são nas diferentes manifestações artísticas e culturais (Brasil, 2009b, p.18).
Por esse instrumento legal, a elaboração das propostas pedagógicas deveria ocorrer,
conforme dispõe o Art. 4º, tendo em vista:
[...] que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direi-
tos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua
identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa,
experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura (Brasil, 2009b, p.18).
A análise da trajetória da Educação Infantil brasileira demonstra que ela assumiu e ainda
assume diferentes funções, muitas vezes, simultaneamente, ora predominantemente assistencialista,
ora com caráter compensatório e ora com características educacionais. A concepção de criança,
por sua vez, passou por transformações que conduziram ao surgimento de inúmeras interpretações
sobre como proceder no atendimento de crianças, em creches e pré-escolas. Por outro lado, um
número significativo de profissionais sem certificação para atuar nesse nível de ensino construiu
um saber-fazer próprio, impregnado das experiências e contradições inerentes às práticas sociais.
Trata-se de um cenário repleto de desafios, tais como conciliar essa realidade desordenada e o
dever de elaborar “[...] Propostas Pedagógicas, práticas de educação e cuidados, que possibilitem
a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/ lingüísticos e sociais da
criança, como base no entendimento que ela é um ser completo, total e indivisível” (Brasil, 1999,
p.11).
27
PEDAGOGIA
Nunes (2006, p.16), afirma que, a partir dos anos 2000, a etapa da Educação Infantil passou
a ser vista como uma necessidade da sociedade contemporânea:
[...] caracterizando-se por um espaço de socialização, de troca, de ampliação de ex-
periências e conhecimentos, de acesso a diferentes produções culturais. O serviço
educacional é direito da criança, dever do Estado e opção dos pais. Pontos cruciais
para este serviço são formulados no âmbito dos movimentos, em consonância com
a produção teórica sobre a criança de 0 a 6 anos: (I) engloba o educar e cuidar da
criança de 0 a 6 anos de forma integrada e indissociável; (II) não é frequentado por
crianças com mais de sete anos de idade; (III) é concebido como um serviço pú-
blico que atende aos direitos da criança e da família; (IV) responde ao princípio de
igualdade de oportunidade para as classes sociais, os sexos, as raças e os credos;
(V) os critérios para admissão de crianças são democráticos, transparentes e não
discriminatórios; (VI) o currículo respeita e valoriza as características culturais da
população atendida; (VII) estimula a produção e o intercâmbio de conhecimentos;
(VIII) prevê a gestão democrática dos equipamentos, com a participação das famílias
e da comunidade.
Para atender a esta perspectiva emergiu a expectativa por profissionais com formação
específica, para fundamentar e definir um novo fazer educacional.
[...] a capacitação específica do profissional é uma das variáveis que maior impacto
causam sobre a qualidade do atendimento [...]. No Brasil, a relevância da questão
tem levado vários estudiosos e profissionais que atuam na área a promover discus-
sões e elaborar propostas para formação do profissional de Educação Infantil, espe-
cialmente daqueles que trabalham em creches (Barreto, 1994, p.11).
29
PEDAGOGIA
Diante desse quadro, o MEC publicou, em 1995 e posteriormente em 2009, o texto e o vídeo
elaborados por Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, intitulados “Critérios para um atendimento
em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças”, com o objetivo de subsidiar ações
em organizações que atuam nesse segmento. O documento apresenta critérios de avaliação do
atendimento infantil, balizadores da construção de propostas pedagógicas e curriculares (Brasil,
1995; Campos & Rosemberg, 2009).
Pelo exposto, pode-se afirmar que, nos últimos 40 anos, foi possível identificar 3 jurisdições
de elaboração de um projeto educativo para a área: a das práticas sociais, a das políticas públicas e
a da sistematização acadêmica de conhecimentos concernentes à criança pequena. É no contexto
de cada uma dessas instâncias que se revela, de maneira diversa, o desagrado com o projeto
vigente, ao mesmo tempo em que são engendradas ações no sentido de promover estudos sobre
o trabalho pedagógico, formar o profissional e sustentar uma política pública coerente com os
avanços da área.
Para consolidar uma atuação qualificada com relação à criança pequena, destacam-se
alguns aspectos: a necessidade de intensificação dos esforços dos profissionais na direção da
construção da identidade própria e do seu reconhecimento por meio de uma formação especializada;
o imperativo de adoção pelos representantes do poder público de uma concepção atualizada da
Educação Infantil. Aspecto fundamental ao esclarecimento sobre o trabalho pedagógico, nesse
âmbito, através da tradução das novas proposituras legais em normas, regras e prioridades; a
academia, na pessoa dos especialistas, precisa continuar à busca da crescente consistência teórica
e das bases científicas para um trabalho pedagógico que corresponda à especificidade da criança
e da sua infância.
O nível de articulação entre as três instâncias se reflete nas propostas de currículo para
a Educação Infantil brasileira, que, por sua vez, retratam contornos diversos, manifestados na
heterogeneidade das propostas pedagógicas existentes. As diferenças territoriais constituem um
dos aspectos cruciais da discussão curricular.
Entretanto, há de se garantir um paradigma norteador do projeto de Educação Infantil.
Mas, “Como garantir um currículo que respeite as diferenças - de faixa, étnicas, culturais, raciais
- e que, concomitantemente, respeite direitos inerentes a todas as crianças brasileiras de 0 a 6
anos, contribuindo, assim, para a redução das desigualdades?” (Brasil, 1996a, p.9). Sobre isto,
parece importante partir da reflexão sobre as concepções que subjazem a trajetória histórica
do atendimento infantil no Brasil; atentar para concepções e práticas educativas decorrentes de
paradigmas educacionais e curriculares contrários ao que pro- clamam os documentos oficiais e
aos resultados das pesquisas científicas da área; considerar criticamente as DCNEI (Brasil, 1999,
2009b); explicitar os fundamentos epistemológicos sobre como é que a criança pequena pensa e
aprende/se desenvolve etc.
Ainda a este respeito, Katz (1999, p.38) propõe os projetos como parte do currículo da
primeira infância e explica:
As crianças pequenas dependem dos adultos em muitos aspectos de suas vidas e
de suas experiências de aprendizagem, entretanto, o trabalho em projetos é a parte
do currículo na qual seus próprios interesses, ideias, preferências e escolhas podem
ter rédeas relativamente soltas. [...] o trabalho com projetos visa a ajudar crianças
pequenas a extrair um sentido mais profundo e completo de eventos e fenômenos
de seu próprio ambiente e de experiências que mereçam sua atenção. Os projetos
oferecem a parte do currículo na qual as crianças são encorajadas a tomarem suas
próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas, geralmente em cooperação
com seus colegas, sobre o trabalho a ser realizado. Presumimos que este tipo de
trabalho aumenta a confiança das crianças em seus próprios poderes intelectuais e
reforça sua disposição de continuar aprendendo.
O entendimento da Educação Infantil como ambiente educativo significa vincular “[...] o lúdico
ao educativo, que entenda o pedagógico como cultural, que desconstrua a ideia de aluno, de aula
e conceba o sujeito-criança, num espaço de convívio coletivo, onde as mais diversas interações
possam estabelecer-se” (Corsino, 2009, p.9).
Vale ressaltar que vários estudiosos situam a primeira infância como etapa privilegiada da
construção das estruturas básicas de pensamento, período em que se iniciam os mecanismos
de interação com o ambiente e com a sociedade, e que se elabora a identidade social e pessoal
(Piaget, 1978; Bronfenbrenner, 1979; Wallon, 1979; Vygotsky, 1996).
A trajetória histórica do atendimento infantil e os avanços proporcionados pela política
nacional da Educação Infantil, até o presente momento histórico, elevaram a Educação Infantil
31
PEDAGOGIA
à condição de primeira etapa da Educação Básica, contudo, esta se defronta com a urgência da
constituição de sua identidade. Para que a identidade em construção apresente características
próprias, é preciso tomar como ponto de partida o compromisso com a singularidade do processo
de “humanização” a ser iniciado na Educação Infantil (Leontiev, 1978). Urge conceber o currículo da
Educação Infantil a partir de alguns pressupostos que a política de atendimento a criança pequena
permite inferir. Sendo assim, pressupõe-se que:
• O centro das decisões é a criança-sujeito de direitos.
• É preciso delimitar o que é específico da Educação Infantil: cuidar e educar integradamente,
num ambiente que considera as necessidades e interesses próprios da faixa etária,
como, por exemplo: a movimentação do corpo, a brincadeira, a interação com adultos
e pares, a expressão e representação nas suas diferentes modalidades, a ampliação
de seu conhecimento do mundo natural e social, o acesso à cultura, tempos, espaços e
materiais que promovam desenvolvimento intelectual, motor, afetivo, social etc.
• A criança desenvolve suas estruturas mentais, constrói conhecimentos e se constrói
como sujeito, com base em suas ações e na reflexão que faz sobre as consequências de
suas ações, interagindo com outras pessoas adultas e crianças.
• A criança é concebida como cidadão, sujeito de direitos, pessoa com capacidade de
pensar e de aprender, singular em seus modos de fazê-lo, o que eliminaria, de vez,
as possibilidades de continuidade da tendência de copiar propostas e rotinas dos anos
iniciais do Ensino Fundamental.
• A criança é inteligente e capaz, porém, ainda depende do adulto para realizar vários
tipos de atividades. Por essa razão, precisa do apoio e incentivo do adulto, em suas
iniciativas. Precisa de auxílio e orientação nas suas necessidades de saúde, segurança,
alimentação, higiene e bem-estar geral.
O espaço físico se organiza para favorecer a interação com o outro, com os objetos e a
cultura.
• A rotina diária precisa oferecer segurança e estruturar as ações da criança, no tempo de
permanência na creche/pré-escola, sem ser rotineira e desprovida de sentido.
• Espaço e tempo se organizam com o objetivo de oferecer muitas possibilidades de agir e
de experimentar, sozinho e com outros, jogando, brincando, imaginando e criando.
• A autonomia moral e intelectual é concebida como princípio básico das propostas e das
interações com a criança.
• O professor seleciona, organiza e dispõe objetos, materiais e propostas, e intervém com
a intenção de ampliar a curiosidade e as possibilidades investigativas da criança.
• As propostas e as ações se respaldam numa clara intencionalidade educativa, iluminada
por reflexões éticas, estéticas e epistemológicas.
• As famílias das crianças precisam fazer parte das decisões e ações.
A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo
principal promover o desenvolvimento integral das crianças de zero a cinco anos
de idade garantindo [...] acesso a processos de construção de conhecimentos e a
aprendizagem de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde,
à liberdade, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e interação com
outras crianças (Brasil, 2009b, p.18).
Considerações Finais
A Educação Infantil é um campo em (re)construção de conquista recente na legislação
brasileira e certamente é um avanço incluí-la na Educação Básica, mesmo que de atendimento
não obrigatório. O desafio a enfrentar é a definição sobre qual é a infância à qual deve-se reportar,
sobre quais são as instituições e as culturas que foram produzidas, geradas nesses caminhos e,
principalmente, sobre o professor de crianças, seus saberes e identidades.
No caso do presente texto, indica-se a necessidade da melhoria da qualidade do
atendimento oferecido às crianças brasileiras em instituições de Educação Infantil, melhoria que
incide diretamente sobre a formação do profissional, para que este, por meio de um currículo e
da proposta pedagógica, faça valer o direito social e humano das crianças de serem educadas e
cuidadas e, em acréscimo, de viverem plenamente a infância.
A propósito das reflexões referidas, busca-se resposta “para que” serve a Educação Infantil.
É premente nesta faixa etária dar “suporte” às demandas afetivas para o estabelecimento e
fortalecimento de vínculos que permitam a elaboração da autopositiva, condição necessária para
a sobre- vivência saudável da criança. O carinho, a atenção e a disponibilidade incondicional dos
adultos responsáveis por proporcionar interações sociais que inserem as crianças na cultura se
torna viável desde que as atividades propostas nas instituições de Educação Infantil se direcionem
ao cuidado e à educação de maneira simultânea.
Outrossim, pesquisadores da área vem defendendo há tempos que formar professores via
pacotes, cursos esporádicos, fortuitos, não resulta em mudanças significativas, nem do ponto de
vista da progressão da carreira profissional, nem do ponto de vista pedagógico.
Nessa perspectiva, os processos de formação de professores devem ser concebidos como
prática social de reflexão contínua e coerente com a prática que se almeja implantar; um dos
caminhos indicados para o professor ser protagonista de seu processo formativo. Faz-se essencial
definir que a formação é necessária não apenas para aperfeiçoar a ação profissional e a prática
correspondente, mas é direito de todos os professores. Essa condição se encontra explícita nas
“Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil” de 1999 e de 2009.
Estar continuamente se formando e, se possível, se (trans)formando. Isso requer que os
formadores de professores tenham consciência de seu próprio inacabamento e, por consequência,
compreendam que existem saberes plurais e diferentes modos de pensar a realidade. Conceber,
perceber os saberes e valores dos profissionais, a partir da visão de sua perspectiva social, sua
33
PEDAGOGIA
etnia, sua história de vida e trabalho efetivo é a forma simples e espontânea que permeia uma
proposta de formação e em que residem, também, nesse aspecto, sua força e possibilidade de
sucesso.
O eixo orientador necessita ser a ação prática vinculada à reflexão crítica, elegendo a
linguagem como fator essencial que permita reflexão, interação e mudanças dos processos de
formação em ambientes de multiplicidade de vozes e aquisição da palavra.
Compreender melhor o desenvolvimento humano e o processo ensino-aprendizagem
significa ir além do espaço do saber fazer, exige inseri-lo no campo das políticas públicas e dos
movimentos sociais que historicamente têm contribuído com as conquistas e também ensinado a
todos.
Valorizar os conhecimentos e saberes da experiência que as crianças já possuem e garantir
sua ampliação é papel dos profissionais responsáveis por ela. Para tanto, é necessário “olhar”
o educador como protagonista, como agente construtor desse contexto, e dessa ótica percebê-
lo como capaz de refletir sobre sua ação e ressignificá-la se for o caso. Ao fazê-lo, pode não
só alterar suas ações educativas intencionais do ato de cuidar e do educar, bem como provocar
mudanças nos contextos institucionais em que elas são produzidas. As mudanças em educação
não dependem, certamente, apenas das vontades individuais, mas somente podem ocorrer se
os profissionais da educação se apropriarem da sua própria prática da qual são sujeitos. Implica,
portanto, ter oportunidade de rever-se como pessoa e como profissional, sem a qual as mudanças
não passarão de “reformas técnicas” destituídas de qualquer significado.
E está evidente que o sentido das transformações é o de uma nova qualidade do educar e
do cuidar, proporcionada por uma visão humanista e democrática, desde a organização curricular,
passando pelas relações interpessoais, atingindo a esfera do político e social em sentido amplo.
Este processo, contudo, é de responsabilidade de todos.
Em suma, todo currículo e proposta pedagógica têm uma história, e, nela, a formação dos
profissionais envolvidos está presente de forma central, sobretudo quando propicia oportunidades
de pensar no percurso vivido e de refletir sobre a prática realizada. A história narrada e o (re)pensar
sobre a prática vivida permitem, por meio dessa ação, que o objeto penetre na subjetividade do
sujeito e assim possibilita que ela aja no sentido de perceber este objeto, tendo propriedade de
força, parte essencial dos processos de formação. O caminho didático que se constitui numa das
possibilidades de formação que se defende é capaz de (re)significar o cuidar e o educar. Faz-se
necessário neste momento exigir, em função de direito legitimo à formação profissional docente num
contexto em que a educação de crianças pequenas deixa de ser tutelada e assume também ser um
direito da criança. No que diz respeito aos cursos de formação docente, o pedido impertinente se
dirige à busca de uma nova interpretação para os novos olhares e leituras de infância que requerem
procurar ver a multíplice presença delas.
A esta altura, abrem-se questões para um outro texto: a formação dos professores e os
projetos propostos para sua formação; a discussão a ser referenciada nas peculiaridades de
apreensão da realidade, de conhecimento e de apropriação/ elaboração de significados pela
criança de 0 a 5/6 anos de idade. O alerta sobre a necessidade de reformulação relativamente às
áreas do conhecimento ou conteúdos disciplinares da formação de professores se faz pertinente,
uma vez que são os professores os responsáveis pela transmissão e produção do conhecimento
no ambiente educa- cional. Isto exige que os projetos de formação devam enfatizar os paradigmas
epistemológicos e ontológicos que subjazem às relações pedagógicas que denuncia determinadas
concepções do que é o conhecimento e as implicações teóricas advindas destes envolvimentos
epistemológicos e do que deve ser a formação do professor de crianças.
Nesse sentido, a formação do profissional é ainda um desafio ao atendimento de qualidade na
Educação Infantil, no Brasil, nomeadamente para (re)qualificar as práticas pedagógicas existentes.
Muitas instituições de Educação Infantil apresentam-se reféns de modelos considerados
impróprios como instrumentos de educar e cuidar e favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento
das crianças. Sabe-se que esse quadro se deve em parte à longa tradição assistencialista, em
especial voltada à constituição da creche, o que certamente dificultou a construção de propostas
pedagógicas mais direcionadas às concepções promotoras do desenvolvimento infantil.
Há ausência de uma política de formação de professores voltada para as especificidades da
infância, assente numa explicitação clara de atribuições, particularmente em relação às crianças
de 0 a 3 anos.
Em contrapartida, tem-se hoje instituições que caminham na concretização dos avanços
legais e teóricos quanto à consideração da criança como centro do planejamento curricular e como
sujeito histórico e de direitos. Outras instituições podem também trilhar o mesmo processo de
(re)significar práticas, desconstruir crenças sobre a criança e sobre concepções acerca do que a
criança pode ou é capaz de aprender.
Afinal, não somente as crianças se apropriam de uma cultura e a constroem, enquanto
sujeitos do seu próprio processo de aprendizagem, mas também seus professores se inserem no
processo de, também eles, se constituírem sujeitos e construtores de sua profissionalidade.
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Unidade 1 – Texto 2
QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS:
CONTRIBUTOS DE PESQUISAS ACADÊMICAS PARA O DEBATE4
Daniele Ramos de Oliveira, Célia Maria Guimarães e Elieuza Ap. de Lima
Resumo
O presente artigo apresenta elementos que compõem a qualidade da educação na faixa etária
de zero a cinco anos, ofe- recida por instituições de Educação Infantil no Brasil, com base nos
resultados de pesquisa disseminados em teses e dissertações que enfocam essa temática. Foi
utilizado o procedimento metodológico delineado como mapeamento bibliográfico das pesquisas
acadêmicas brasileiras vinculadas aos Programas de Pós-Graduação em Educação, os quais
focalizam a questão no período entre 1996 e 2012. Os resulta- dos dos estudos fornecem elementos
sobre financiamento, formação de professores, família, qualidade do atendimento em redes de
ensino, avaliação institucional, percepções sobre qualidade e práticas educativas que permitem
discutir sobre a qualidade da Educação Infantil oferecida nas instituições brasileiras. Além disso,
considera-se que não convém tomar o conceito de qualidade da Educação Infantil como universal,
visto que este se vincula ao contexto, às concepções sobre criança e à sua educação.
Palavras-chave: Educação Infantil. Qualidade. Mapeamento bibliográfico.
4 Cópia autorizada pela Revista Educação em Questão em observância ao item 28 das Normas de Publicação na Revista
Educação em Questão, mediante a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC
BY-NC 4.0).
39
PEDAGOGIA
Abstract
This article presents elements that make up the quality of education in the age group of zero to
five years, offered by institutions of Early Childhood Education in Brazil, based on research results
disseminated in theses and dissertations that focus on this theme. It was used as the methodological
procedure outlined mapping Brazilian literature of aca- demic research related to the Post-Graduate
Education, which focus on the issue in the period between 1996 and 2012. The results of the
study provide insights on funding, teacher training, family, quality of care in the school systems,
institutional assessment, perceptions of quality and educational prac- tices that allow discuss the
quality of early childhood education offered in Brazilian institutions. Moreover, considering that not
convenient to take the concept of quality of early childhood education as universal as this is linked
to the context, the conceptions about children and their education.
Keywords: Early Childhood Education. Quality. Mapping literature.
1. Introdução
O que se busca discutir neste artigo são os elementos que compõem a qualidade da educação
de zero a cinco anos, oferecida em instituições de Educação Infantil no Brasil, com base nos
resultados de pesquisa disseminados em teses e dissertações que enfocam essa temática. Essa
intenção tem sua justificativa na recorrente afirmação presente em nossos documentos oficiais e
nas pesquisas da área: a criança tem direito à educação pública e de qualidade.
Há uma diversidade de definições para qualidade, subordinadas ao momento histórico, às
ideologias, aos valores, às concepções de como a criança pensa e aprende, às afiliações políticas
das pessoas, às suas tradições, aos interesses, aos papéis assumidos nas instituições, dentre outros
aspectos intervenientes. A compreensão do que é qualidade varia de acordo com o contexto e suas
necessidades específicas. (OLIVEIRA-FORMOZINHO, 2001; CRAIDY, 2002). A qualidade é um
conceito relativo e dinâmico, abran- gente, multidimensional, social e historicamente determinado,
uma vez que emerge em uma realidade específica e num contexto concreto. (RIOS, 2001).
Nessa direção, Nunes e Corsino (2009) alertam sobre o que, contem- poraneamente, é
consensual sobre as peculiaridades do atendimento infantil, implicadas na busca da qualidade:
[...] fazer dessas instituições lugares de respeito e de valorização das crianças pe-
quenas e suas formas de pensar, sentir e expressar-se, de convivência, de múltiplas
interações e abertura para o mundo, de acesso a diferentes produções culturais, de
humanização e de promoção da equidade. (NUNES; CORSINO 2009, p. 32).
e rotinas não favorecem a brincadeira, não permitem que bebês interajam entre si e
com os adultos, impedem o movimento e a expressão, não promovem a ampliação
do conhecimento, então a qualidade da instituição é baixa. É urgente desenvolver
traduções práticas sob esses critérios, abertos à contribuição de professores, famí-
lias e às próprias crianças. Deixada à própria sorte, a maioria dos educadores não
tem condições de fazer essa tradução. (NASCIMENTO; CAMPOS; COELHO, 2011,
p. 203).
41
PEDAGOGIA
Nos “Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil” (BRASIL, 1998), são
apontadas metas de qualidade para que as crianças tenham um desenvolvimento integral, ou seja,
esse documento pode funcionar como elemento orientador de ações na busca da melhoria de
qualidade da Educação Infantil brasileira, mas não tem a pretensão de resolver os complexos
problemas dessa etapa educacional, conforme ressaltado:
A busca da qualidade do atendimento envolve questões amplas ligadas às políticas
públicas, às decisões de ordem orçamentária, à implantação de políticas de recursos
humanos, ao estabeleci- mento de padrões de atendimento que garantam espaço
físico adequado, materiais em quantidade e qualidade suficientes e à adoção de pro-
postas educacionais compatíveis com a faixa etária nas diferentes modalidades de
atendimento, para as quais este Referencial pretende dar sua contribuição. (BRASIL,
1998, p. 11).
Destaca-se que, numa democracia, os objetivos mais gerais da educação não podem ser
diferentes para crianças socialmente desiguais, mas é possível que os meios para alcançá-los sejam
diversos. Aprofundar esse questionamento pode contribuir para avanços no debate na direção de
experiências educativas que contribuam para uma sociedade mais justa. (CAMPOS, 2013).
A discussão aqui proposta sobre os elementos da qualidade da Educação Infantil será
desenvolvida com base nos resultados de pesquisa disseminados por estudos realizados em
nível de Pós-Graduação strictu-sensu. Antes disso, porém, é necessário mencionar as estratégias
metodológicas utilizadas, comportando os procedimentos de localização, seleção, síntese e
sistematização dos textos que serão abordados.
2. Caminhos da pesquisa
Foi desenvolvido um mapeamento bibliográfico das pesquisas acadêmicas brasileiras
vinculadas aos Programas de Pós-Graduação em Educação que focalizam a questão da qualidade
na Educação Infantil, publicadas entre 1996 e 2012. As dissertações de mestrado e teses de
doutorado foram escolhidas como corpus do estudo, por ser a Pós-Graduação um lugar privilegiado
43
PEDAGOGIA
1996 1
1997 -
1998 -
1999 -
2000 1
2001 1
2002 1
2003 1
2004 2
2005 3
2006 3
2007 6
2008 3
2009 6
2010 2
2011 2
2012 6
Fonte: Autoria própria
Não foram localizadas dissertações e teses sobre qualidade da Educação Infantil, no período
de 1997 a 1999. É possível, contudo, consi- derar a hipótese de haver estudos, nesse período, não
identificados por não estarem disponibilizados em meio digital. O ano de 2004 marca o início de
um aumento no número de estudos sobre a temática, sendo os anos de 2007, 2009 e 2012 os
mais expressivos em termos de quantidade de publicações. Esse aumento pode relacionar-se aos
seguintes fatores: a contínua expansão quantitativa e qualitativa dos cursos de Pós-Graduação em
Educação e dos documentos orientadores sobre a questão da qualidade nesse nível de ensino,
emanados de órgãos e conselhos do Ministério da Educação, reforçado pelo acesso aos estudos
e experiências estrangeiras.
A Educação Infantil constitui-se como uma etapa da Educação Básica cujo reconhecimento
legal foi conquistado há pouco tempo, no Brasil. Nessa medida, a expressividade de estudos
científicos, de modo geral, quando com- parada àquela referente ao Ensino Fundamental, ainda é
pequena. Arelaro (2005) aponta que o Ensino Fundamental público representa quase metade da
produção acadêmica na área da Educação, de 1990 a 2005.
As pesquisas acadêmicas sobre o tema têm sido produzidas em dife- rentes universidades,
conforme sistematizado no Quadro 2. A maioria dessa produção, porém, se concentra na
Universidade de Brasília, o que pode ser explicado pelo desenvolvimento dos projetos de pesquisas
45
PEDAGOGIA
4. Tendências temáticas
4.1 Financiamento
Embora as pesquisas sobre qualidade na Educação Infantil que abrangem a questão
do financiamento reiterem que somente os custos não determinam as condições de qualidade,
alertam que o discurso da falta de recursos pode mascarar o descomprometimento com a oferta
gratuita da Educação Infantil. (BERNARDO, 2006). Nascimento (2012) destaca que, mesmo com a
implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação − Fundeb, não foi possível identificar a priorização da Educação
Infantil na última década. Já Ribeiro (2011) considera, com base no depoimento das coordenadoras
da rede municipal de Fortaleza-CE, que o Fundeb possibilitou muitas melhorias para a Educação
Infantil como aumento do número de instituições; melhoria da infraestrutura dos prédios; aumento
da quantidade de profissionais; materiais e alimentação de melhor qualidade. Entretanto, os sujeitos
da pesquisa reconhecem que esses avanços foram possíveis também devido a uma diversidade
de fatores, dentre os quais são citados: o aumento da visibilidade da área em nível nacional, a
melhoria da formação dos profissionais e a ação dos movimentos sociais em defesa do direito da
criança pequena.
Segundo Nascimento (2012), o Plano Nacional de Educação (2001-2010) preconizou como
meta atingir, ao final da década, o atendimento para 50% das crianças de 0 a 3 anos e para 80%
das crianças de 4 a 6 anos de idade, mas após o período de vigência alcançou apenas 10% da
população do primeiro grupo e 60% das crianças em idade pré-escolar. De 2000 a 2009, enquanto
o Ensino Fundamental recebeu cerca de 3,6% do PIB, a Educação Infantil contou com 0,4% do
mesmo recurso. Diante disso, de acordo com Nascimento (2012), para atingir as metas propostas
no novo Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei nº 8.035/2010) com vistas à melhoria da
qualidade desse atendimento será necessário um maior investimento financeiro, principalmente
por parte da União, aumentando a destinação financeira para Educação Infantil de 7% para 10%.
47
PEDAGOGIA
49
PEDAGOGIA
criança, da autoavaliação do professor e da escola), comunicação com os pais e, por fim, satisfação
dos participantes, professores, pais e funcionários. Após desenvolver a análise dos dados que
envolveram 10 instituições de Educação Infantil, particulares e públicas, na cidade de Fortaleza-
CE, concluiu que cada um desses referenciais de qualidade só será, de fato, concretizado quando
interligado aos demais.
Zucoloto (2011) almejou identificar o que se entende por qualidade na educação de bebês
e crianças pequenas e se a escala ITERS-R, que avalia o ambiente para crianças de até trinta
meses, em instituições infantis, seria um instrumento fidedigno para a avaliação de creches. A
autora evidencia que o instrumento é apropriado para avaliação de ambientes para crianças da
faixa etária investigada, desde que sua implementação seja acompanhada pela formação dos
profissionais que utilizariam o instrumento. Além disso, a reflexão sobre os diversos itens que
compõem a escala do ambiente educativo, em um processo colaborativo entre o pesquisador e as
educadoras, também pode contribuir para uma formação em contexto, que respeita a autonomia do
educador para avaliar a sua prática educativa.
Numa outra perspectiva, Corrêa (2007) analisou a avaliação e a qualidade da Educação
Infantil por meio de uma abordagem qualitativa dos processos avaliativos desenvolvidos na creche
e na pré-escola. Concluiu que a avaliação na creche e na pré-escola apresentava as mesmas
características e ambas reproduziam os moldes do Ensino Fundamental. Nesse sentido, o conceito
e o desenvolvimento da avaliação na Educação Infantil ainda não se aproximam da abordagem
formativa, pois se constituem como meio de controle e disciplinamento das crianças. Além disso,
a autora destacou seis fatores apontados pelo corpo docente envolvido na pesquisa para uma
Educação Infantil de qualidade, a saber:
a) o atendimento aos interesses e necessidades das crianças;
b) a preparação da criança para vida adulta;
c) a relação de parceria entre a família e a instituição;
d) a satisfação da criança e suas famílias;
e) a formação específica para atuar na educação infantil;
f) maior estabilidade do corpo docente na instituição no que se refere à alta rotativida-
de das professoras cedidas pela Secretaria de Educação. (CORRÊA, 2007, p.204).
Além das pesquisas citadas, três estudos (RAMPAZZO, 2009; RIBEIRO, 2010; BOGARIM,
2012) tiveram como foco a investigação sobre processos de avaliação institucional.
Rampazzo (2009) examinou o processo de implantação de uma experiência de avaliação
institucional vivenciada por uma escola municipal de Educação Infantil, em Campinas − São Paulo.
A autora ressalta que todos os segmentos precisam cooperar para a avaliação institucional e que
essa se constitui como um processo que leva tempo para se concretizar, uma vez que os sujeitos
envolvidos precisam negociar entre si a melhor forma de realizar essa avaliação, visando à melhoria
de qualidade.
[...] a uma equipe de professores bem preparados; à boa estrutura física da escola,
compreendida como um espaço vivo e dinâmico, que deve favorecer aventuras,
descobertas, criatividade, desafios, ludicidade, confirmando as imagens da infância
enquanto um tempo do brincar; ao progresso da criança, indicando que o que dá
sentido à escola de Educação Infantil é, também, a aprendizagem e o desenvolvimento
da criança; às questões relativas à atmosfera geral positiva da escola; à boa gestão e
organização da escola e, por fim, uma escola onde se partilha a educação da criança
com a família. (LIMA, 2010, p. 172).
51
PEDAGOGIA
53
PEDAGOGIA
Leonília Nunes (2009) destaca que a escuta sensível de professoras pode contribuir para a
construção de uma Educação Infantil de qualidade quando o professor observa as representações
das crianças para comunicar suas ideias com seus pares, os seus sentimentos, o seu entendimento,
a sua imaginação e suas observações e utiliza desses aspectos como referência para a tomada de
decisões sobre o trabalho educativo. Isso, no entanto, requer algumas características do professor
como sensibilidade, espelhamento de sentimentos, empatia e diálogo.
Além dos já citados, três trabalhos (CAPISTRANO, 2005; FELIPE, 2005; MOURA, 2009)
tratam de aspectos de estruturação do trabalho educativo: a organização do espaço e a brincadeira
nos fazeres cotidianos.
Felipe (2005) investigou como organização do ambiente escolar se relaciona com o
desenvolvimento infantil, promovendo uma Educação Infantil de qualidade. Considerou que os
educadores precisam planejar a organização do ambiente escolar, de modo vinculado a uma
proposta pedagógica comprometida com a qualidade na Educação Infantil, com sentido múltiplo,
desafiador e organizado para a criança.
Moura (2009) destaca que a organização do espaço pode contribuir de modo significativo
para uma Educação Infantil de qualidade quando proporciona à criança o direito de se tornar
protagonista do seu processo de desenvolvimento e de aprendizagem.
Capistrano (2005) destaca que a qualidade na Educação Infantil está associada a fatores
do contexto (compromisso da família, do governo e da escola), à prática do professor (atuação e
formação) e à própria concepção que se tem na escola sobre Educação Infantil. A autora que teve
como enfoque a brincadeira destaca que o brincar ainda não é apontado como uma das dimensões
da qualidade no cotidiano escolar pelas professoras, sendo necessária uma reflexão teórico-prática
para que a brincadeira possa ocupar um espaço central nos fazeres cotidianos. As professoras,
sujeitos da pesquisa, apontaram que para melhoria da qualidade são necessários mais recursos,
for- mação e compromisso de todos, inclusive mudanças em suas próprias práticas pedagógicas.
Por fim, nesse agrupamento foram incluídos mais quatro estudos (ARRUDA, 2007; SILVA,
2008; PEREIRA, 2012; SOUZA, 2012) que abordam diferentes aspectos referentes à atuação
do professor: criatividade, empenhamento docente para envolver as crianças em situações de
letramento, organização da prática pedagógica voltada para o contexto da escola integral e o ensino
especial.
Arruda (2007) ressalta que existe relação entre a criatividade do pro fessor no desenvolvimento
do currículo e a qualidade da Educação Infantil, já que ambas têm, como perspectiva, o favorecimento
da aprendizagem e desenvolvimento das crianças.
Pereira (2012) analisou a qualidade da Educação Infantil, a partir da relação entre
empenhamento do professor e envolvimento da criança em situações de letramento e apontou
a tendência da Educação Infantil em adotar práticas de letramento de caráter preparatório e o
55
PEDAGOGIA
professores e demais profissionais; cooperação e troca com as famílias; respeito aos aspectos
emocionais infantis; afetividade; planejamento e registro das atividades; gestão e organização
escolar com compartilhamento de poder.
As pesquisas acadêmicas também abordaram os elementos que podem dificultar um
atendimento de qualidade na educação infantil, a saber: falta de planejamento por parte dos
professores; escassez de recursos; carência afetiva das crianças, problemas na relação família-
escola e dificuldades no trabalho em equipe.
Para Angotti (2009), as condições de qualidade no atendimento da Educação Infantil são
consequência de:
• mudança de cultura sobre a infância, a criança, a educação e o desenvolvimento
infantil, com a divulgação mais ampla do conhecimento produzido na área;
É possível depreender com isso que não há uma única qualidade e que são diversos os
fatores que interferem na sua concretização.
5. Considerações finais
A publicação de documentos não tem sido medida suficiente para garantia ao atendimento
dos diversos critérios de qualidade nas instituições de Educação Infantil públicas, o que pode
causar prejuízos ao envolvimento das crianças no contexto de um atendimento educacional
institucionalizado.
Contudo, de acordo com Moss (2002, p. 23), o “[...] problema com qualidade [...]” não pode
ser resolvido buscando incluir múltiplas perspectivas, pois está baseado na crença de critérios
definitivos, objetivos e universais. Diante disso, o autor alerta que, em lugar de reconstruir o
conceito de qualidade, se faça a opção por trabalhar com o conceito de qualidade como um meio
de avaliação ou buscar outros conceitos. O autor sugere que, em lugar de se trabalhar com o
conceito de qualidade, se passe a usar o conceito de criar significado (tornar significativo o que
está acontecendo pelos sujeitos pertencentes a uma instituição de Educação Infantil). Para tanto,
é necessário buscar formas de tornar o trabalho real desenvolvido na instituição visível e sujeito ao
diálogo.
Compreender pode então levar à formação de julgamentos, que por sua vez conduz
à busca de acordo, embora não necessariamente, pois o processo de aprofundar
o entendimento é importante por si só. Esse exame do trabalho pedagógico deve
acontecer em um contexto de debate democrático sobre uma série de questões crí-
ticas: quem nós achamos que é a criança? Quais são as finalidades das instituições
para a criança pequena? Como entendemos o mundo no qual vivemos hoje? O que
queremos para nossas crianças, aqui e agora e no futuro? (MOSS, 2002, p. 24).
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Profa. Dra. Célia Maria Guimarães | Universidade Estadual Paulista “Júlio Mes-
quita Filho” UNESP | Faculdade de Ciências e Tecnologia, Campus de Presi-
dente Prudente | Programa de Pós-Graduação em Educação | Líder do Grupo
de Pesquisa Profissão Docente: formação, identidade e representações sociais
E-mail cmgui@fct.unesp.br
Profa. Dra. Elieuza Ap. de Lima | Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita
Filho” UNESP | Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília | Programa
de Pós-Graduação em Educação | Grupos de Pesquisa: "Implicações Pedagógicas
da Teoria Histórico-Cultural" e "GP FORME: Formação do Educador" e "Grupo de
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Unidade 1 – Texto 3
O BRINCAR DA CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA PERSPECTIVA
PEDAGÓGICA DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR – BNCC
Silvio Sena
ssena1916@gmail.com
Resumo
Este artigo se propõe a analisar e interpretar a concepção do brincar como eixo estruturante do
trabalho pedagógico latente na BNCC. Objetiva clarificar e exemplificar por meio de levantamento
de dados provenientes do campo de experiência corpo, gestos e movimentos, as efetivas conexões
e relações de interdependência presentes entre as interações e a brincadeira nas situações de
ensino, de aprendizagem e de procedimentos metodológicos estabelecidos para bebês, crianças
bem pequenas e crianças pequenas. Os resultados das análises efetuadas demonstram que a
concepção do brincar presente na BNCC e em outros documentos oficiais da Educação Infantil,
concebe o brincar como sinônimo de lúdico. Na mesma tendência, as conclusões constatam que a
dialética entre o brincar (elemento lúdico) e o trabalhar também deve constar no trato pedagógico
dos conteúdos dos demais campos de experiências na forma de atividades ora estruturadas, ora
livres e vice-versa.
Palavras-chave: Educação. Educação Infantil. BNCC. Criança. Brincadeira.
1. INTRODUÇÃO
Com vistas a contribuir na construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva,
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018a) estabelece dez competências gerais
que os alunos devem desenvolver ao longo das etapas que compõem a Educação Básica.
Homologada por meio da Resolução CNE/CP n. 2, de 22 de dezembro de 2017, a BNCC
(BRASIL, 2018a) elenca o conjunto de aprendizagens e desenvolvimento mínimos a que todos
os alunos têm direito, tanto o que devem aprender em relação à saberes quanto a capacidade de
mobilizar e efetivar a aplicação desses. Em relação à Educação Infantil, o brincar e as interações
figuram como eixos estruturantes do trabalho pedagógico, por meio dos quais os conteúdos de
aprendizagem dos cinco campos de experiência5 podem e devem ser ensinados.
5 O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e
imaginação; e, Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
63
PEDAGOGIA
Para efetivar o trabalho pedagógico na perspectiva apontada, por meio de ações intencionais,
cabe ao professor(a) de Educação Infantil planejar e desenvolver atividades alinhadas a estratégias
que permitam às crianças6 observar, investigar e explorar o ambiente, manejar/manipular objetos e
brinquedos, aguçar a curiosidade, criar suposições, identificar/verificar informações que esclareçam
dúvidas e produzam respostas para as questões geradas. Assim, as instituições de Educação Infantil
podem proporcionar situações que oportunizam às crianças ampliar e enriquecer conhecimentos
alusivos ao mundo físico e sociocultural, de modo a utilizá-los em seu cotidiano.
De acordo com esse documento, o trabalho educativo voltado às crianças da Educação
Infantil é pautado nos seis direitos, em destaque: “conviver, brincar, participar, explorar, expressar,
conhecer-se” (BRASIL, 2018a, p. 38). Esses seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento:
[...] asseguram, na Educação Infantil, as condições para que as crianças aprendam
em situações nas quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que as
convidem a vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los, nas quais
possam construir significados sobre si, os outros e o mundo social e natural (BRA-
SIL, 2018a, p. 37).
Tal concepção do brincar aponta para a exigência do elemento lúdico nas experiências
infantis de aprendizagem não apenas dos conteúdos referentes ao campo de experiência mais
declaradamente ligado ao brincar infantil – “corpo, gestos e movimentos”, mas, também, dos
elementos de aprendizagem que integram os quatro outros campos de experiência. Logo, torna-se
imprescindível esclarecer os conceitos de lúdico e de brincadeira subentendidos na BNCC.
6 “Ser que observa, questiona, levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores e que constrói
conhecimentos e se apropria do conhecimento sistematizado por meio da ação e nas interações com o mundo físico
e social não deve resultar no confinamento dessas aprendizagens a um processo de desenvolvimento natural ou
espontâneo. Ao contrário, impõe a necessidade de imprimir intencionalidade educativa às práticas pedagógicas na
Educação Infantil, tanto na creche quanto na pré-escola.” (BRASIL, 2018a, p. 36).
7 Cf. (BRASIL, 2018b, 2012, 2010, 2006, 1999, 1998a, 1998b e 1996); (MEC, 2013, 2005) entre outros.
Segundo a autora, quando o(a) professor(a) se julga autorizado(a) a impor atividades por
ele(a) consideradas prazerosas e/ou divertidas, na maioria dos casos os convites representam
convocações que não admitem recusa. Tal circunstância resulta em um paradoxo que pode levar
os próprios defensores da pedagogia da brincadeira a traírem seus próprios fins. Segundo ela, ao
se planejar a educação pela brincadeira, de modo dialético, há a necessidade de se considerar
a brincadeira pelo trabalho, pois nenhuma brincadeira constitui o todo e nem mesmo a base da
educação. Em complementação à compreensão de Dantas (2002), Brougère (2010, p. 93) certifica
que: “À iniciativa lúdica da criança deve corresponder, em outros momentos, a iniciativa educativa
do adulto”.
Respaldados em Dantas (2002), Sena e Guimarães (2015) explicam que, se tentarmos
empregar a liberdade com o sentido de alguma possibilidade de escolha, teremos que nos referir a
graus de liberdade, os quais se iniciam com a possibilidade de recusa a um convite do(a) professor(a)
e se ampliam na medida em que se multiplicam as alternativas de atividade – a liberdade aumenta na
medida em que são oferecidas possibilidades de ação traduzidas em opções de escolha. Tal forma
de organizar o trabalho pedagógico não se confunde com o entendimento de que o cumprimento
de nenhuma atividade deva ser determinada, mas que o equilíbrio entre o livre e o imposto deve ser
encontrado. Nessa proposição, é imprescindível, ao(à) professor(a) da educação infantil, a ciência
de que a atividade planejada, sistematizada e imposta à criança como única opção, se configura
como trabalho. “A dialética jogo-trabalho é indispensável à saúde de ambas as práticas: pode
resgatar a liberdade do jogo e o prazer do trabalho” (DANTAS, 2002, p. 113).
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PEDAGOGIA
Nessa acepção, tanto a atividade livre (brincadeira) como o trabalho, compreendido como
atividade planejada, sistematizada com objetivo prévio e imposta à criança, devem figurar no contexto
da Educação Infantil. O acesso ao brincar livre – brincadeira, isto é, a oportunidade concedida à
criança para livremente explorar e investigar materiais e situações deve ser a precursora de um
brincar mais desafiador, com um produto (objetivo) estabelecido a priori – trabalho. Todavia, ele
também pode e deve ser sua consequência. Povoar o espaço com jogos viáveis, passíveis de
utilização autônoma, requer do(a) professor(a) da Educação Infantil alto grau de conhecimento
sobre o desenvolvimento psicogenético da criança (DANTAS, 2002 apud SENA; GUIMARÃES,
2015).
No que se refere às possibilidades da efetivação da dialética jogo-trabalho no contexto
pedagógico da Educação Infantil, Dantas (2002, p. 26-27) demonstra com o seguinte exemplo:
um novo material de polydron foi apresentado a um grupo de crianças. O brinquedo consistiu em
quadrados e triângulos que se encaixavam de maneira singular, como em um entalhe de trabalho
em madeira.
As crianças tiveram a oportunidade de brincar livremente com os materiais em vá-
rias ocasiões, com tempo suficiente para explorá-los até parecerem compreender
e familiarizar-se com suas propriedades, qualidades e possíveis funções. A própria
professora então construiu um cubo de quadrados de polydron, um dos quais incluía
uma tampa com dobradiças. Ela perguntou às crianças se eram capazes de construir
uma ‘caixa’ semelhante, e ao fazer isso, nesta ocasião, envolveu as crianças em um
brincar dirigido. As crianças prontamente construíram seus próprios cubos, discutin-
do cores, formas, número de peças, o que fazia a tampa abrir, e assim por diante.
Seus esforços foram discutidos com a professora e elogiados por ela, e o material
foi então guardado para uma outra ocasião. Quando surgiu essa outra ocasião, as
crianças puderam novamente brincar livremente e voltaram a fazer cubos com tam-
pas de dobradiças, desta vez incluindo pequenos personagens de plástico dentro.
Isso levou uma criança a mudar sua tampa, acrescentando um outro quadrado ao
topo e apoiando um quadrado contra o outro para fazer um telhado: o brincar livre e
uma nova aprendizagem de uma só vez. (DANTAS, 2002, 26-27)
A BNCC (BRASIL, 2018a) não pontua e não detalha formas dialéticas de se planejar,
sistematizar e implementar o brincar como eixo estruturante do trabalho pedagógico, apenas fixa
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e propõe ações que devem integrar as atividades
direcionadas para as crianças dos grupamentos que estabelece. O exemplo de Dantas (2002)
vislumbra a linha geral de raciocínio que pode ser adotada no trato dialético latente entre a brincadeira
e o trabalho educativo no ensino dos conteúdos de qualquer dos cinco campos de experiências.
Todavia, os limites de um artigo não nos permitem a exemplificação detalhada de atividades/
conteúdos e procedimentos metodológicos intervinculados aos objetivos delimitados para cada
um dos cinco campos de experiências. Logo, para clarificar as possibilidades do brincar como
eixo estruturante do trabalho pedagógico na Educação Infantil, a seguir, ilustramos exemplos de
situações de aprendizagem e procedimentos metodológicos articulados aos objetivos propostos
para o campo de experiência corpo, gestos e movimentos.
Por incorporar a diretriz supracitada com base nas especificidades dos três grupos
etários8 que compõem a etapa da Educação Infantil e nas diferenças individuais que precisam
ser consideradas no trabalho pedagógico, a BNCC (BRASIL, 2018a) organiza os objetivos por
campos de experiências e de forma sequencial, tais intenções se articulam ao grau de viabilidade
de aprendizagem e às características e peculiaridades de desenvolvimento das crianças de cada
grupo etário.
Cada campo de experiência define objetivos de aprendizagem e desenvolvimento específicos
para cada faixa etária, dado a isso e aos limites deste artigo, seguem como exemplos os objetivos,
situações de aprendizagem e procedimentos metodológicos referentes ao campo de experiência
corpo, gestos e movimentos, organizados em conformidade com as faixas etárias dos grupamentos
elencados pela BNCC (BRASIL, 2018a).
3.1 EXEMPLOS DO BRINCAR EM SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM ARTICULADAS AOS
OBJETIVOS PARA BEBÊS
• MOVIMENTAR as partes do corpo para exprimir corporalmente emoções, neces-
sidades e desejos. EXPERIMENTAR possibilidades corporais nas brincadeiras e in-
terações em ambientes acolhedores e desafiantes. IMITAR gestos e movimentos de
outras crianças, adultos e animais. UTILIZAR os movimentos de preensão, encaixe
e lançamento, ampliando as possibilidades de manuseio de diferentes materiais e
objetos. PARTICIPAR do cuidado do seu corpo e da promoção do seu bem-estar.
(BRASIL, 2018a, p. 40, grifos nossos)
Os objetivos citados são ascendidos pelos bebês, por meio de atividades que incorporam
conteúdos que permitam que eles peguem, amassem, empilhem, montem, encaixem, movam,
lancem longe e chutem objetos de diferentes formas, cores, pesos, texturas, tamanhos; brincam
com água, terra e outros elementos naturais, brinquem de procurar e achar objetos escondidos;
participem com progressiva autonomia dos momentos de cuidados pessoais, como do banho, do
vestir-se, do desvestir-se; e acompanhem a narrativa ou leitura de histórias fazendo expressões e
gestos para seguir a ação dos personagens (BRASIL, 2018a).
8 Creche: bebês (0 a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); Pré-escola:
crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses).
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PEDAGOGIA
bebês, das crianças bem pequenas e/ou das crianças pequenas, por meio de ações intencionais,
cabe ao(à) professor(a) pesquisar, selecionar, organizar e, sobretudo, criar atividades com
materiais e objetos neutros9 e representativos10 em ambientes que instigam a curiosidade infantil
e permitam às crianças pegar, amassar, empilhar, montar, encaixar, mover, lançar longe, chutar
objetos de diferentes formas, cores, pesos, texturas, tamanhos; brincar com água, terra e outros
elementos naturais, brincar de procurar e achar objetos escondidos; explorar espaços, rolando,
sentando, rastejando, engatinhando, erguendo o tronco e a cabeça; participar com autonomia
crescente dos momentos de cuidados pessoais, como a hora do banho, de vestir-se, de desvestir-
se; e, progressivamente, acompanhar a narrativa ou leitura de histórias manifestando expressões
e gestos para acompanhar a ação dos personagens.
As ações citadas podem e devem ser contextualizadas e incorporadas a atividades tipificadas
como brincadeira (jogo) de papéis sociais, de construção e com regras (explícitas). Na brincadeira
de papéis, as experiências prévias da criança são resgatadas pela memória e, por meio da imitação,
as crianças transformam os objetos disponíveis (neutros e representativos), concedendo-lhes
funcionalidades distintas daquelas para as quais foram criados. Nessa realidade paralela, um cabo
de vassoura pode transformar-se em um cavalo e uma tampinha de garrafa em um estetoscópio.
Apoiando o pensamento nos objetos por ela transformados e/ou em gestos copiados, a criança
pode assumir diversos papéis sociais que conhece ou experimenta em sua vida concreta ou em
histórias, filmes, programas televisivos etc. Na brincadeira de construção, as crianças são instigadas
a descobrir como as coisas são e funcionam por meio do fascínio e curiosidade que os objetos e
suas propriedades provocam nelas. “Apesar de estarem intrinsecamente associadas ao processo
de desenvolvimento do faz-de-conta, brincar com materiais de construção permite uma exploração
mais aprofundada das propriedades e características associativas dos objetos assim como de seus
usos sociais e simbólicos.” (BRASIL, 1998c, p. 11).
Por sua vez, apesar de diversas teorias conceberem as brincadeiras com regras (explicitas)
como a última etapa das brincadeiras infantis, Brasil (1998c) o considera:
[...] como uma atividade que se origina com as primeiras experiências que os bebês
têm do mundo social, impregnam o faz-de-conta e a construção, organizando-se
de forma explícita em um tipo de atividade cuja significação, desafio e resolução de
problemas encontram-se no cumprimento de determinadas regras que organizam
a ação das crianças. Isto quer dizer que, neste tipo de brincar, as próprias regras
constituem-se nos recursos que delimitam um campo de raciocínio ou ação que de-
vem ser seguidos. Estas atividades abrangem as brincadeiras tradicionais que en-
volvem o corpo tais como as brincadeiras de roda, jogos com bolas, jogos gráficos,
etc.; jogos tradicionais de linguagem: adivinhações, trava-línguas, parlendas, etc.;
jogos tradicionais com objetos: rodar pião, bolinha de gude, saltar elástico, empinar
9 Sem função social definida (ex.: toquinhos de madeira, tampinhas de garrafa, latas vazias, caixas de papelão etc.).
10 Objeto com função social presente na realidade social (talheres, pratos, travesseiros, panelas etc.) ou seu
representativo (ex.: bonecas, carrinhos e aviões de brinquedo etc.).
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PEDAGOGIA
pipa, etc.; os jogos de tabuleiro: xadrez, dama, palavras cruzadas, gamão, dominó,
batalha naval e uma infinidade de jogos de estratégia e de percurso tanto de origem
tradicional como industrializados. (BRASIL, 1998c, p. 12)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
• Os campos de experiências reconhecem que o envolvimento das crianças em práticas
sociais interativas, culturais e criativas promove aprendizados e desenvolvimento
significativos. Essa forma de estruturar o ensino se configura como um arranjo curricular
que organiza e integra brincadeiras, observações e interações que acontecem na rotina
das instituições de Educação Infantil.
• Os campos de experiência exigem intencionalidade na atividade docente e situam a
criança no centro do processo pedagógico. Isso significa planejar e desenvolver atividades
que integrem o que está proposto no currículo com os interesses, ideias e possibilidades
das crianças de cada grupamento. A partir da observação, escuta e análise ativas das
crianças e do conhecimento consistente e aprofundado do documento curricular, o(a)
professor(a) pode promover aprendizagens e desenvolvimento significativos às crianças.
• Destaque-se que essas atividades não precisam ser concentradas em aulas específicas
e nem há a exigência de serem realizadas em momentos previamente agendados,
devem integrar todos os momentos da jornada da criança na Educação Infantil, como:
acolhimento e despedida; atividades de livre escolha; momentos de grande grupo;
momentos de pequenos grupos; momentos nas áreas externas das instituições; rotinas de
cuidado e em diferentes contextos de aprendizagem, de que são exemplos as atividades
planejadas, organizadas e dirigidas pelo professor, as festividades e encontros com as
famílias, as rodas de conversa e a horas de história, entre outros.
O arranjo curricular por campos de experiências ainda permite a organização de atividades
abertas às iniciativas, desejos e formas próprias de agir das crianças, que também podem ser
objeto da intervenção do(a) professor(a). Vale reiterar que a imersão das crianças em atividades
deve ser contextualizada por meio dos eixos estruturantes do trabalho pedagógico, ou seja, das
interações e da brincadeira identificada pelo elemento lúdico – que proporciona o prazer e/ou a
diversão a qualquer atividade e concebe o conceito de brincadeira latente na BNCC (BRASIL,
2018a) e demais documentos oficiais da Educação Infantil.
Enfim, concluímos este artigo reiterando que tal contextualização do brincar deve ser
ampliada e enriquecida por meio de brincadeiras de papéis sociais, de construção e de regras
(explicitas) – como as tradicionais, didáticas e de movimento; devidamente dimensionadas para o
ensino, aprendizagem e desenvolvimento dos bebês, das crianças bem pequenas e das crianças
pequenas.
Referências
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 20 out. 2022.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Brincar. Versão Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Versão Preliminar. Brasília: MEC/SEF, 1998c.
BRASIL. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB,
2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018a.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 19 out. 2022.
DANTAS, H. Brincar e Trabalhar. In: KISHIMOTO, T. M. O brincar e suas teorias. São Paulo:
Pioneira, 2002.
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PEDAGOGIA
SENA, S.; GUIMARÃES, C. M. A brincadeira, o jogo e o trabalho como elementos do saber próprio
e da profissionalidade do professor da Educação Infantil. Movimento – Revista de Educação, Rio de
Janeiro, ano 2, n. 2, p. 1-29, 2015. Disponível em: https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/
view/32554/18689. Acesso em: 21 out. 2022.
Unidade 1 – Texto 4
ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL –
PESQUISAS E PRÁTICAS
Maévi Anabel Nono
O dia a dia das creches e pré-escolas é repleto de atividades organizadas por educadores
que, de uma maneira ou de outra, lidam com o espaço e o tempo a todo o momento. Como organizar
tempos de brincar, de tomar banho, de se alimentar, de repousar de crianças de diferentes idades
nos espaços das salas de atividades, do parque, do refeitório, do banheiro, do pátio? É tarefa dos
educadores organizar o espaço e o tempo das escolas infantis, sempre levando em conta o objetivo
de proporcionar desenvolvimento às crianças.
Maria Carmen Silveira Barbosa e Maria da Graça Souza Horn pesquisam a organização do
espaço e do tempo na escola infantil e afirmam:
Organizar o cotidiano das crianças da Educação Infantil pressupõe pensar que o es-
tabelecimento de uma sequência básica de atividades diárias é, antes de mais nada,
o resultado da leitura que fazemos do nosso grupo de crianças, a partir, principal-
mente, de suas necessidades. É importante que o educador observe o que as crian-
ças brincam, como estas brincadeiras se desenvolvem, o que mais gostam de fazer,
em que espaços preferem ficar, o que lhes chama mais atenção, em que momentos
do dia estão mais tranquilos ou mais agitados. Este conhecimento é fundamental
para que a estruturação espaço-temporal tenha significado. Ao lado disto, também é
importante considerar o contexto sociocultural no qual se insere e a proposta peda-
gógica da instituição, que deverão lhe dar suporte (BARBOSA; HORN, 2001, p. 67).
Para as pesquisadoras, no que se refere à organização das atividades no tempo, nas escolas
de Educação Infantil, são necessários momentos diferenciados, organizados de acordo com as
necessidades biológicas, psicológicas, sociais e históricas das crianças (menores ou maiores).
Nesse sentido, a organização do tempo nas creches e pré-escolas deve considerar as necessidades
relacionadas ao repouso, alimentação, higiene de cada criança, levando-se em conta sua faixa
etária, suas características pessoais, sua cultura e estilo de vida que traz de casa para a escola
(BARBOSA; HORN, 2001).
Assim como o tempo, o espaço também deve ser organizado levando-se em conta o objetivo
da Educação Infantil de promover o desenvolvimento integral das crianças. Maria da Graça Souza
Horn ajuda-nos a pensar sobre esse tema. A partir de suas pesquisas, escreve:
O olhar de um educador atento é sensível a todos os elementos que estão postos em
uma sala de aula. O modo como organizamos materiais e móveis, e a forma como
crianças e adultos ocupam esse espaço e como interagem com ele são reveladores
73
PEDAGOGIA
de uma concepção pedagógica. Aliás, o que sempre chamou minha atenção foi a
pobreza frequentemente encontrada nas salas de aula, nos materiais, nas cores, nos
aromas; enfim, em tudo que pode povoar o espaço onde cotidianamente as crianças
estão e como poderiam desenvolver-se nele e por meio dele se fosse mais bem or-
ganizado e mais rico em desafios (HORN, 2004, p. 15).
Horn acrescenta:
As escolas de educação infantil têm na organização dos ambientes uma parte impor-
tante de sua proposta pedagógica. Ela traduz as concepções de criança, de educa-
ção, de ensino e aprendizagem, bem como uma visão de mundo e de ser humano
do educador que atua nesse cenário. Portanto, qualquer professor tem, na realida-
de, uma concepção pedagógica explicitada no modo como planeja suas aulas, na
maneira como se relaciona com as crianças, na forma como organiza seus espaços
na sala de aula. Por exemplo, se o educador planeja as atividades de acordo com a
ideia de que as crianças aprendem através da memorização de conceitos; se man-
tém uma atitude autoritária sem discutir com as crianças as regras do convívio em
grupo; se privilegia a ocupação dos espaços nobres das salas de aula com armários
(onde somente ele tem acesso), mesas e cadeiras, a concepção que revela é emi-
nentemente fundamentada em uma prática pedagógica tradicional. Conforme Farias
(1998), a pedagogia se faz no espaço realidade e o espaço, por sua vez, consolida
a pedagogia. Na realidade, ele é o retrato da relação pedagógica estabelecida entre
crianças e professor. Ainda exemplificando, em uma concepção educacional que
compreende o ensinar e o aprender em uma relação de mão única, ou seja, o pro-
fessor ensina e o aluno aprende, toda a organização do espaço girará em torno da
figura do professor. As mesas e as cadeiras ocuparão espaços privilegiados na sala
de aula, e todas as ações das crianças dependerão de seu comando, de sua concor-
dância e aquiescência (HORN, 2004, p. 61).
Diante das análises de Maria da Graça, como pensar a organização dos espaços nas creches
e pré-escolas?
Alguns educadores e pesquisadores têm voltado sua atenção para a organização dos
espaços para o cuidado e educação de bebês. Cândida Bertolini e Ivanira B. Cruz enfatizam que
“Os espaços e objetos de uma creche devem estar a favor do desenvolvimento sadio dos bebês,
propiciando-lhes experiências novas e diversificadas” (BERTOLINI; CRUZ, 2007, p. 149).
Maria A. S. Martins, Cândida Bertolini, Marta A. M. Rodriguez e Francisca F. Silva, no capítulo
intitulado Um lugar gostoso para o bebê, publicado na obra organizada por Maria Clotilde T. Rossetti-
Ferreira et al. (2007), observam que, normalmente, o espaço destinado aos bebês na grande parte
das creches é tomado por berços, restando poucas possibilidades para que os pequenos explorem
o ambiente e se locomovam por toda parte, com segurança. As educadoras pensaram em uma
organização espacial diferente desta, na tentativa de proporcionar aos bebês um espaço atraente
para seu desenvolvimento.
Para elas, “O berçário deve ter espaços programados para dar à criança oportunidade de
se movimentar, interagindo tanto com objetos como com outros bebês. Deve oferecer ao bebê
situações desafiadoras, possibilitando o desenvolvimento de suas capacidades.” (MARTINS;
BERTOLINI; RODRIGUEZ; SILVA, 2007, p. 147).
Lendo o capítulo "Espaço que dê espaço”, escrito por Lilian Pacheco S. Thiago (2006), no
qual ela relata suas experiências de estágio com crianças de onze meses a um ano e três meses,
notamos suas conquistas ao reorganizar o espaço dos bebês de uma escola de Educação Infantil.
Indo ao encontro das reflexões feitas pelas educadoras Martins, Bertolini, Rodriguez e Silva; Lilian
P. S. Thiago desenvolve o projeto Criando... e recriando espaços e percebe que
[...] é preciso oferecer espaços com propostas diferenciadas, situações diversifica-
das, que ampliem as possibilidades de exploração e ‘pesquisa’ infantis. As crianças
realmente ampliaram suas possibilidades de exercitar a autonomia, a liberdade, a ini-
ciativa, a livre escolha, quando o espaço está adequadamente organizado. Percebi,
também, que poderia ficar mais livre para atendê-las individualmente, conforme suas
necessidades, para observá-las e conhecê-las melhor. Dessa forma, ainda, poderia
me envolver com um pequeno grupo de crianças, propondo uma atividade específi-
ca, como na situação relatada anteriormente, quando me pus a brincar de carro com
uma caixa de papelão com algumas crianças, enquanto outras se envolviam com
diferentes objetos e lugares na sala. (THIAGO, 2006, p. 60)
75
PEDAGOGIA
escola, condições inadequadas da própria escola de Educação Infantil. Mas, em muitos casos, há
mesmo uma lacuna na formação do professor que o impede de pensar a organização de sua sala
em termos de um arranjo espacial semiaberto. Nesse tipo de arranjo, sugerido por Mara Campos
de Carvalho e Renata Meneghini, são utilizados móveis baixos para formar cantinhos ou zonas
circunscritas, que “[...] são áreas delimitadas em três ou quatro lados, com uma abertura para a
passagem, onde cabem com conforto cerca de seis crianças” (2007, p. 151).
Conforme explicam as estudiosas,
A característica principal das zonas circunscritas é seu fechamento em pelo me-
nos três lados, seja qual for o material que o educador coloca lá dentro, ou que as
próprias crianças levam para brincar. Dessa maneira, vocês podem delimitar essas
áreas usando mesinhas ou cadeirinhas. Elas também podem ser constituídas por
caixotes de madeira ou cabaninhas, desde que contenham aberturas. As cabaninhas
podem ser criadas aproveitando o espaço embaixo de uma mesa e colocando por
cima um pano que caia para os lados, contendo uma abertura, tipo porta. As cortinas
também podem ser úteis para delimitar um ou dois lados. É importante que a criança
possa ver facilmente a educadora, senão ela não ficará muito tempo dentro dessas
áreas circunscritas. (CARVALHO; MENEGHINI, 2007, p. 151)
Quando as crianças brincam nas zonas circunscritas, ficam mais tempo interagindo com outras
crianças e com a atividade que está sendo ali realizada. Solicitam menos a atenção do educador
que, dessa forma, pode acompanhar o desenvolvimento das diversas crianças, focalizando ora
uma, ora outra. Também, pode observar se os materiais oferecidos estão atendendo aos objetivos
que deseja alcançar em termos de desenvolvimento de cada criança, em particular, e do grupo
todo, de modo geral. Além disso, pode perceber o momento de reorganizar ou modificar os cantos
propostos para motivar mais as crianças e proporcionar a elas novas aprendizagens.
Mara Campos de Carvalho (2007), no capítulo Por que as crianças gostam de áreas fechadas?
observa que a zona circunscrita oferece proteção e privacidade para as crianças, de modo que elas
ficam mais atentas na atividade e no comportamento dos colegas, envolvendo-se por mais tempo
nas brincadeiras proporcionadas pelo canto organizado pelo professor ou professora.
Agora, também é importante que os professores e professoras de Educação Infantil saibam
que as crianças precisam aprender a trabalhar com zonas circunscritas, especialmente, se já
estavam habituadas a trabalhar no arranjo espacial aberto, com o educador dirigindo as atividades
e interferindo diretamente nas suas ações, e relações com os colegas e o ambiente.
A educadora Carvalho (2007) também alerta os professores e professoras da Educação
Infantil para o fato de que, mesmo no arranjo espacial semiaberto, as áreas circunscritas não
devem tomar todo o espaço das salas das creches e pré-escolas. Outras áreas que não sejam
necessariamente delimitadas por três ou quatro lados também devem ser oferecidas para as
crianças como, por exemplo, espaços com mesinhas e cadeiras para execução de atividades de
colagem, pintura, lápis e papel, espaços sem delimitação com almofadas e tapetes para leitura de
livros de histórias.
77
PEDAGOGIA
Ainda contribuindo para que professores e professoras pensem sobre o espaço que
oferecem para as crianças em creches e pré-escolas, a educadora (CARVALHO, 2007) faz
algumas análises dos ambientes infantis e conclui que eles devem estar organizados de modo a
promover o desenvolvimento da identidade pessoal de cada criança, o desenvolvimento de diversas
competências como, por exemplo, poder tomar água sozinha e alcançar o interruptor de luz. Trata-
se de oportunidades para realização de movimentos corporais diversos, estimulação dos sentidos,
promoção de sensação de segurança e confiança, bem como de privacidade e, finalmente, de
contato social.
Paulo de Camargo (2008) analisa os Desencontros entre Arquitetura e Pedagogia em
reportagem na qual conversa com arquitetos e educadores sobre os espaços nas escolas de
Educação Infantil. Os arquitetos entrevistados por Camargo ressaltam a necessidade de que as
creches e pré-escolas sejam construídas levando-se em conta que elas serão ocupadas e utilizadas
por crianças.
Um dos arquitetos entrevistados, Paulo Sophia, esclarece que, para conceber uma escola,
tenta se colocar no lugar da criança, procurando notar como ela irá olhar ou perceber o espaço.
Para esse arquiteto, as crianças têm uma relação própria com o espaço, bastante diferente daquela
dos adultos.
Outra arquiteta entrevista por Camargo é Ana Beatriz Goulart de Faria, envolvida com
diversos projetos de arquitetura educativa. Ana Beatriz observa que, na maioria dos municípios
brasileiros, os espaços de Educação Infantil seguem modelos-padrão elaborados muito longe
daqueles territórios, desconsiderando sua geografia, sua história, sua cultura, suas políticas para
a infância. Para ela, “São projetos-modelo elaborados para uma infância sem fala” (CAMARGO,
2008, p. 46).
Camargo também entrevista a arquiteta Adriana Freyberger, segundo a qual é preciso que se
dê mais atenção aos espaços da escola de Educação Infantil que vão além da sala de atividades.
Pátios e refeitórios devem ser cuidadosamente organizados, já que são espaços de aprendizagem.
Para Freyberger, refletir sobre espaço significa pensar além da estrutura física. É preciso, segundo
ela, planejar os materiais, jogos e brinquedos adequados ao projeto pedagógico da instituição. A
arquiteta ressalta a importância do uso de materiais de qualidade nas creches e pré-escolas, e da
atenção ao número adequado de crianças para cada espaço, evitando-se o excesso de crianças
por sala.
Para finalizar esse texto sobre a organização do tempo e do espaço nas creches e pré-
escolas, vejamos a fala transcrita a seguir que expressa a opinião da arquiteta Ana Beatriz Goulart
de Faria (entrevistada por Paulo de Camargo).
Os espaços de nossa infância nos marcam profundamente. Sejam eles berço, casa,
rua, praça, creche, escola, cidade, país, sejam eles bonitos ou feios, confortáveis ou
não, o fato é que influenciam definitivamente nossa maneira de vermos o mundo e
de nos relacionarmos com ele (CAMARGO, 2008, p. 45)
Vocês concordam com a arquiteta Faria? Quais espaços marcaram a sua infância? Como
eram esses espaços? Por quais motivos foram marcantes? Quais lembranças trazem esses
espaços para vocês? Nada melhor que finalizar a leitura deste texto com estas reflexões. Pensem
também em como vocês lidavam com o tempo na sua infância. Havia tempos marcados para
determinadas atividades ao longo do dia? Estas reflexões sobre o espaço e o tempo em sua infância
devem sempre estar presentes nas suas reflexões sobre o espaço e o tempo que devemos, como
professores e gestores, proporcionar para as crianças nas creches e pré-escolas.
Referências
BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. G. S. Organização do espaço e do tempo na escola infantil. In:
CRAIDY, C.; KAERCHER, G. E. Educação Infantil. Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.
p. 67-79.
CAMARGO, P. Desencontros entre Arquitetura e Pedagogia. Revista Pátio Educação Infantil, Porto
Alegre, ano VI, n. 18, p. 44-47, nov. 2008.
HORN, M. G. S. Sabores, cores, sons, aromas. A organização dos espaços na Educação Infantil.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
79
PEDAGOGIA
Unidade 1 – Texto 5
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO NA EDUCAÇÃO INFANTIL –
A LEGISLAÇÃO E OS DOCUMENTOS PUBLICADOS PELO MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO
Maévi Anabel Nono
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora na
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Unesp, Câmpus de São José do Rio Preto-SP.
Notem que, no excerto, o relator também se refere ao fato de que a criança deve ter
possibilidade, nas instituições de Educação Infantil, de “[...] fazer deslocamentos e movimentos
amplos nos espaços internos e externos às salas de referência das classes e à instituição” (CNE,
2009, p.14). Isso significa que é preciso possibilitar para a criança um espaço adequado e seguro,
que vai além de sua sala de atividades, onde possa experimentar diversas formas de se locomover
(engatinhando, escorregando, pulando obstáculos, abaixando-se, correndo, equilibrando-se).
O relator indica, ainda, espaços externos à instituição que devem ser explorados pelas
crianças pequenas, além de espaços culturais diversificados, como podemos observar no excerto
a seguir:
As crianças precisam brincar em pátios, quintais, praças, bosques, jardins, praias, e
viver experiências de semear, plantar e colher os frutos da terra, permitindo a cons-
trução de uma relação de identidade, reverência e respeito para com a natureza.
Elas necessitam também ter acesso a espaços culturais diversificados: inserção em
práticas culturais da comunidade, participação em apresentações musicais, teatrais,
fotográficas e plásticas, visitas a bibliotecas, brinquedotecas, museus, monumentos,
equipamentos públicos, parques, jardins (CNE, 2009, p. 15).
Lendo esse excerto, notamos que a criança também é considerada como alguém que
organiza o ambiente da escola de Educação Infantil, podendo e devendo modificá-lo, explorá-lo,
recriá-lo. Dessa forma, cabe ao professor ouvir as crianças a respeito da organização do espaço e,
especialmente, observar como elas se relacionam com a sala, o parque, o banheiro, o refeitório e
todos os outros ambientes da instituição, de modo a perceber modificações necessárias.
Acredita-se que ambientes variados podem favorecer diferentes tipos de interações
e que o professor tem papel importante como organi-zador dos espaços onde ocorre
o processo educacional. Tal trabalho baseia-se na escuta, no diálogo e na observa-
ção das necessidades e dos interesses expressos pelas crianças, transformando-se
em objetivos pedagógicos (BRASIL, 2006a, p. 8)
81
PEDAGOGIA
Em seguida, estão apresentados alguns excertos retirados do Encarte, com indicações sobre
alguns dos ambientes que devem compor as creches e pré-escolas.
I – Espaço para crianças de 0 a 1 ano
Assim como os demais espaços da instituição, o espaço destinado a esta faixa etá-
ria deve ser concebido como local voltado para cuidar e educar crianças pequenas,
incentivando o seu pleno desenvolvimento. As crianças de 0 a 1 ano, com seus
ritmos próprios, necessitam de espaços para engatinhar, rolar, ensaiar os primeiros
passos, explorar materiais diversos, observar, brincar, tocar o outro, alimentar-se,
tomar banho, repousar, dormir, satisfazendo, assim, suas necessidades essenciais.
Recomenda-se que o espaço a elas destinado esteja situado em local silencioso,
preservado das áreas de grande movimentação e proporcione conforto térmico e
acústico. Compõem este ambiente: sala para repouso; sala para atividades; fraldá-
rio; lactário; solário. (BRASIL, 2006b, p. 11).
[...]
II – Salas de atividades para crianças de 1 a 6 anos
O espaço físico para a criança de 1 a 6 anos deve ser visto como um suporte que
possibilita e contribui para a vivência e a expressão das culturas infantis – jogos,
brincadeiras, músicas, histórias que expressam a especificidade do olhar infantil. As-
sim, deve-se organizar um ambiente adequado à proposta pedagógica da instituição,
que possibilite à criança a realização de explorações e brincadeiras, garantindo-lhe
identidade, segurança, confiança, interações socioeducativas e privacidade, promo-
vendo oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. (BRASIL, 2006b, p. 16).
[...]
III. Sala multiuso
Embora as salas de atividades sejam concebidas como espaços multiuso, preven-
do-se a organização de cantos de leitura, brincadeiras, jogos, dentre outros, res-
saltamos a importância da organização de um espaço destinado a atividades dife-
renciadas, planejadas de acordo com a proposta pedagógica da instituição, como
alternativa para biblioteca, sala de televisão, vídeo ou DVD e som. É recomendável
que tenha capacidade mínima para atendimento à maior classe da instituição. (BRA-
SIL, 2006b, p. 17).
[...]
IV. Área administrativa
Recepção – espaço destinado a acolher os familiares e a comunidade. Deve ser
planejado como um ambiente agradável, aconchegante, contando com cadeiras e
quadro de informes. Espaço para entrada e saída das crianças, devendo possibilitar
a segurança destas.
Secretaria – espaço de fluxo e arquivo de documentos, bem como de recepção dos
que chegam à instituição. Deve contar, se possível, com: computador e impressora,
mesa e cadeira, arquivos, telefone, quadro de chaves.
Almoxarifado – espaço para a guarda de material pedagógico e administrativo. Além
do almoxarifado, as instituições devem prever espaços para a guarda de brinquedos
maiores, colchonetes, cenários, ornamentos, dentre outros.
83
PEDAGOGIA
Atividades permanentes
• roda de história;
• roda de conversas;
85
PEDAGOGIA
Sequência de atividades
Por exemplo: se o objetivo é fazer com que as crianças avancem em relação à repre-
sentação da figura humana por meio do desenho, pode-se planejar várias etapas de
trabalho para ajudá-las a reelaborar e enriquecer seus conhecimentos prévios sobre
esse assunto, como observação de pessoas, de desenhos ou pinturas de artistas e
de fotografias; atividades de representação a partir destas observações; atividades
de representação a partir de interferências previamente planejadas pelo educador
etc.
Projetos de trabalho
Onde procurar as informações pode ser uma decisão compartilhada com crianças,
familiares e demais funcionários da instituição. Várias fontes de informações pode-
rão ser usadas, como livros, enciclopédias, trechos de filmes, análise de imagens,
87
PEDAGOGIA
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Parâmetros Básicos de Infra-
estrutura para Instituições de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006a.
89
PEDAGOGIA
Unidade 2 – Texto 6
IDENTIDADE E AUTONOMIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Maévi Anabel Nono
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora na
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Unesp, Câmpus de São José do Rio Preto-SP.
As propostas pedagógicas das escolas de Educação Infantil devem prever situações que
garantam a construção da identidade e o desenvolvimento da autonomia das crianças pequenas.
De acordo com a Resolução CNE/CEB n. 5, de 17de dezembro de 2009 (CNE, 2009), as
práticas pedagógicas que compõem as propostas curriculares das creches e pré-escolas devem
garantir experiências que promovam o conhecimento de si mesmas pelas crianças, que ampliem a
confiança e participação delas nas atividades individuais e coletivas, que promovam a autonomia
das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar, que garantam
a interação entre elas, respeitadas as individualidades e a diversidade.
Diversos profissionais de Educação Infantil vêm incrementando projetos com as crianças
pequenas no sentido de promover o desenvolvimento de sua identidade e autonomia. Neste texto,
vamos tratar de alguns destes projetos que poderão servir de fundamento para práticas que vocês
venham a adotar, seja como professores ou gestores de escolas de Educação Infantil.
A prática de registrar os projetos desenvolvidos na Educação Infantil deve ser adotada pelos
professores e professoras que trabalham com crianças de zero a seis anos de idade, e também
por diretoras e coordenadoras de creches e pré-escolas. Por meio do registro, os educadores e
educadoras podem compartilhar experiências e, ao mesmo tempo, avaliar as práticas desenvolvidas.
Quando registramos, também avaliamos. Avaliamos as aprendizagens proporcionadas às crianças,
bem como o trabalho realizado.
Por meio do registro, é possível explicitar melhor os objetivos que orientaram as atividades
propostas, além de estabelecer relações entre o trabalho realizado e o referencial teórico que o
sustentou a cada momento.
Telma Weisz, em seu livro O diálogo entre o ensino e a aprendizagem, publicado em 2002,
analisa a necessidade de os professores registrarem sua prática docente. A respeito do registro
escrito, como esses feitos pelos professores responsáveis pelos projetos que iremos destacar
neste texto, Weisz escreve que:
O ato de refletir por escrito possibilita a criação de um espaço para que a reflexão
sobre a prática ultrapasse a simples constatação. Escrever sobre alguma coisa faz
com que se construa uma experiência de reflexão organizada, produzindo, para nós
mesmos, um conhecimento mais aprofundado sobre a prática, sobre as nossas cren-
ças, sobre o que sabemos e o que não sabemos. Ao escrever para comunicar uma
O primeiro projeto que vamos destacar é aquele que foi desenvolvido pela professora Patrícia
da Silva Dutra, do município de Cabedelo, na Paraíba. O projeto foi nomeado por ela de “Construindo
identidades”. Trata-se de um conjunto de atividades que ela colocou em prática com sua classe de
crianças de 11 meses a dois anos de idade. O projeto “Construindo identidades” (BRASIL, 2006)
foi divulgado pelo Ministério da Educação em 2006, na publicação “Prêmio Professores do Brasil.
Compartilhe o desafio de ensinar e aprender”.
Ao relatar o projeto desenvolvido, a professora Patrícia aponta as relações que estabelece
entre as atividades que desenvolveu e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(BRASIL, 1998). Ela afirma que observa as crianças e, a partir de seus levantamentos, constrói
o projeto. Patrícia explica que assume seu papel de educadora na construção da identidade e
autonomia das crianças de 11 meses a dois anos de idade.
Ela trabalha, no decorrer do projeto, não apenas com identidade e autonomia, mas também
com o desenvolvimento da afetividade, interação, linguagem oral, movimento. Ela também se
preocupa em envolver os pais nas atividades, garantindo uma maior proximidade com as famílias
das crianças.
Ao relatar o projeto desenvolvido, a professora afirma que a ideia de trabalhar com atividades
voltadas para a construção da identidade surgiu quando constatou que as crianças da sua classe,
de 11 meses até dois anos de idade, não identificavam sua própria ima¬gem refletida no espelho.
Certa da importância de sua intervenção, como professora, no desenvolvimento da identidade
das crianças, a educadora organizou o projeto a partir das seguintes atividades:
• introdução de espelhos na sala de aula e observação do comportamento das crianças
diante da sua própria imagem;
• leituras em roda de histórias;
• solicitação de fotos das crianças e de seus familiares às famílias;
• montagem de uma exposição com as fotos para que cada criança pudesse identificar a
sua, a dos colegas e dos familiares;
• apresentação para as crianças de uma carteira de identidade e proposta de confecção de
uma para cada criança da classe;
• realização de visitas frequentes pelas dependências da instituição, pelas ruas, pela
praça do bairro, cumprimentando colegas, funcionários e as pessoas da comunidade,
interagindo, dessa forma, com outras pessoas;
• desenho do corpo, tomando como modelo as próprias crianças;
• atividade de pintura do rosto;
• oficina de interação com os pais.
91
PEDAGOGIA
Dutra afirma que, durante todo o projeto, realizava avaliações constantes do desenvolvimento
das crianças. Ela relata:
No decorrer do trabalho realiza¬va avaliações constantes sobre o de-senvolvimento
da classe e o trabalho desenvolvido, desta forma constatei a importância de ser uma
educadora mais atenta às manifestações de cada criança individualmente, pois, as
atitudes, expressões e condutas revelam as necessidades e o desenvolvimento dos
pequenos. Acredito que cabe a nós professoras e professores desenvolver um olhar
sensível e não deixar passar em branco as oportunidades de conhe¬cer as crianças.
(BRASIL, 2006, p. 132).
as crianças, atividades com os sentidos (tato, visão, audição, olfato e paladar), desenho do próprio
corpo com materiais diversos, momentos de observação das crianças de sua classe, sua escola
e da rua em que vivem, reconstrução da história do aluno, da escola e do bairro, organização
de mural de fotografias, construção da linha do tempo e do livro da vida com a ajuda dos pais,
situações de discussão, encontros com a presença de membros das famílias para contarem suas
histórias, leituras diversas.
Outro projeto interessante, com o objetivo de favorecer a construção da identidade e
autonomia de um grupo de crianças de três anos de idade, e o fortalecimento de vínculos afetivos
entre elas e a escola, e suas famílias, é relatado pela professora Rita de Cássia Gomes da Silva
(2002), de Belo Horizonte (MG), no artigo Vítor: o mais novo amigo da nossa turminha.
Silva justifica:
Ao iniciar o ano com uma turma de crianças de três anos, sentimos a necessidade
de conhecer as características dessa faixa etária, bem como as peculiaridades das
crianças, seu modo de agir, de pensar e a história pessoal de cada uma, para que
pudéssemos valorizar os atuais e garantir a aquisição de novos conhecimentos, na
interação com o meio físico e social. E para, além disso, constituirmos um grupo, no
qual cada um, na sua identidade, se sentisse parte do mesmo, percebendo-se como
diferente/semelhante, estabelecendo relações entre si e o outro, seu complemento
essencial, indispensável à diferenciação pessoal, à demarcação dos limites do eu,
e consequentemente possibilitando seu desenvolvimento, autonomia e cooperação
(SILVA, 2002, p. 30).
A professora Rita de Cássia G. da Silva (2002) propôs para sua turma de crianças a
construção de um boneco de pano. Para construir o boneco, as crianças precisaram tomar muitas
decisões sobre o tamanho dele, se seria um boneco ou uma boneca, suas roupas e sapatos, seu
cabelo, seu nome, sua idade, dia de seu aniversário. Segundo Silva (2002), as escolhas individuais
das crianças foram sendo discutidas e avaliadas pela turma toda, transformando-se em um acordo
coletivo. Para a construção do boneco, as crianças foram explorando o próprio corpo para não se
esquecerem de algum detalhe que poderia fazer parte do Vítor.
Segundo a professora de Educação Infantil, “À medida que íamos atribuindo uma identidade
ao boneco, estávamos revisitando o nosso eu corporal, constituído ao longo dos dois primeiros
anos de vida” (SILVA, 2002, p. 30). Dessa forma, as crianças estavam construindo sua própria
identidade. E, além disso, construíam a identidade de grupo, já que todas as decisões eram tomadas
coletivamente, “costurando agrados e desagrados”, como afirma.
Ao relatar o projeto desenvolvido com a turma de crianças, a professora analisa os processos
vividos por elas, individualmente e em grupo, e destaca a importância do registro de todas as
atividades desenvolvidas:
Tudo o que discutíamos e realizávamos ia sendo registrado num caderno, com a
participação de todas as crianças. Esses registros funcionavam como um suporte
para a construção da nossa identidade de grupo, em que cada uma vivenciou um
processo de autoconhecimento, conhecimento do outro e do mundo em que vive
(SILVA, 2002, p. 31).
93
PEDAGOGIA
NONO, Maévi Anabel. Identidade e autonomia na educação infantil. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL
PAULISTA [UNESP]; UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE SÃO PAULO [UNIVESP] (Org.).
Caderno de formação: formação de professores: educação infantil: princípios e fundamentos. São
Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Graduação, 2011.
v. 2. p. 59-64. ISBN 978-85-7983-132-4. Disponível em: https://acervodigital.unesp.br/bitstream/
unesp/337947/1/caderno-formacao-pedagogia_7.pdf. Acesso em: 24 out. 2022. (Educação Infantil:
abordagens curriculares, Caderno de formação n. 7, bloco 1, módulo 3, disciplina 13).
Referências
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO [CNE]. Câmara de Educação Básica. Institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Resolução CNE/CEB n. 5, de 17 de dezembro de
2009. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção 1, p. 18, 18 dez. 2009.
SILVA, R. C. G. Vítor: o mais novo amigo da nossa turminha. Revista Criança do Professor de
Educação Infantil, n. 36, p. 30-31, Brasília, jun. 2002.
WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Ática, 2002. (Série Palavra
de Professor).
95
PEDAGOGIA
Unidade 3 – Texto 7
AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL – LEGISLAÇÃO E PESQUISAS
Maévi Anabel Nono
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora na
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Unesp, Câmpus de São José do Rio Preto-SP.
97
PEDAGOGIA
Vejam que a avaliação é apontada nessa Lei como necessária para que o professor possa
acompanhar e promover o desenvolvimento das crianças. A avaliação, nessa etapa da Educação
Básica, não deve ter como objetivo reprovar ou aprovar a criança para prosseguir na própria
Educação Infantil ou para poder se matricular no Ensino Fundamental. Avaliar, nesse sentido trazido
pela legislação, é acompanhar o desenvolvimento das crianças de 0 a 6 anos, analisando sempre
as práticas de cuidado e educação que estão sendo adotadas.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CNE/CEB 5, de
18/12/2009), também, há determinações a respeito de como deve ocorrer a avaliação na Educação
Infantil. Tais determinações são as seguintes:
Art. 10. As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acom-
panhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crian-
ças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo:
I – a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das
crianças no cotidiano;
II – utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fo-
tografias, desenhos, álbuns etc.);
III – a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estra-
tégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transi-
ção casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transi-
ção creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental);
IV – documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da ins-
tituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da
criança na Educação Infantil;
V – a não retenção das crianças na Educação Infantil. (CNE, 2009b, p. 18).
observá-las, avaliando como se relacionam com as demais crianças, como utilizam os brinquedos,
como estão se desenvolvendo em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social.
Outro aspecto importante a ser ressaltado nas Diretrizes diz respeito à necessidade da “[...]
utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos,
álbuns etc.)” (CNE, 2009b, p. 18). Em outra Unidade de nossa disciplina, já tratamos da importância
de os professores registrarem as atividades por eles desenvolvidas nas creches e pré-escolas.
Agora, vemos que esse registro é determinado por Lei.
O registro garante ao professor a documentação de sua prática e do desenvolvimento das
crianças. Essa documentação será fundamental para que possa refletir sobre sua atuação, para
que possa compartilhar suas práticas com pesquisadores (colaborando com a construção do
conhecimento sobre Educação Infantil) e para que possa discutir o trabalho por ele desenvolvido
com os gestores da escola em que atua.
As Diretrizes destacam, ainda, a importância da organização de uma “[...] documentação
específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos
de desenvolvimento e aprendizagem da criança na Educação Infantil” (CNE, 2009b, p. 18).
Na disciplina D10 – Fundamentos e princípios da Educação Infantil (nesta terceira edição
do curso esta foi a disciplina 8), tratamos da parceria que deve ser estabelecida entre as escolas
de Educação Infantil e as famílias das crianças atendidas. Elaborar uma documentação específica
para as famílias faz parte das ações que podem garantir um trabalho conjunto entre escola e
famílias para o desenvolvimento das crianças.
No Parecer CNE/CEB n. 20/2009, referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil, também, podemos encontrar aspectos relativos à avaliação na Educação Infantil.
O relator do Parecer detalha, no trecho transcrito a seguir, como a avaliação deve acontecer nas
creches e pré-escolas.
9. O PROCESSO DE AVALIAÇÃO
As instituições de Educação Infantil, sob a ótica da garantia de direitos, são respon-
sáveis por criar procedimentos para avaliação do trabalho pedagógico e das con-
quistas das crianças.
99
PEDAGOGIA
São várias as maneiras pelas quais a observação pode ser registrada pelos profes-
sores. A escrita é, sem dúvida, a mais comum e acessível. O registro diário de suas
observações, impressões, idéias etc. pode compor um rico material de reflexão e
ajuda para o planejamento educativo. Outras formas de registro também, podem ser
consideradas, como a gravação em áudio e vídeo; produções das crianças ao longo
do tempo; fotografias etc.
No que se refere às crianças, a avaliação deve permitir que elas acompanhem suas
conquistas, suas dificuldades e suas possibilidades ao longo de seu processo de
aprendizagem. Para que isso ocorra, o professor deve compartilhar com elas aque-
las observações que sinalizam seus avanços e suas possibilidades de superação
das dificuldades.
São várias as situações cotidianas nas quais isso já ocorre, como, por exemplo,
quando o professor diz: “Olhe que bom, você já está conseguindo se servir sozi-
nho”, ou quando torna observável para as crianças o que elas sabiam fazer quando
chegaram na instituição com o que sabem até aquele momento. Nessas situações,
o retorno para as crianças se dá de forma contextualizada, o que fortalece a função
formativa que deve ser atribuída à avaliação. Além dessas, existem outras situações
que podem ser aproveitadas ou criadas com o objetivo de situar a criança frente ao
seu processo de aprendizagem. É importante que o professor tenha consciência
101
PEDAGOGIA
disso, para que possa atuar de forma cada vez mais intencional. Isso significa definir
melhor a quem se dirige a avaliação — se ao grupo todo ou às crianças em particu-
lar; qual o melhor momento para explicitá-la e como deve ser feito. Esses momentos
de retorno da avaliação para a criança devem incidir prioritariamente sobre as suas
conquistas. Apontar aquilo que a criança não consegue realizar ou não sabe, só faz
sentido numa perspectiva de possível superação, quando o professor detém conhe-
cimento sobre as reais possibilidades de avanço da criança e sobre as possibilidades
que ele tem para ajudá-la. Do contrário, ao invés de potencializar a ação das crian-
ças e fortalecer a sua autoestima, a avaliação pode provocar-lhes um sentimento de
impotência e fracasso. Outro ponto importante de se marcar, refere-se à represen-
tação que a criança constrói sobre a avaliação. O professor deve ter consciência de
que a forma como a avaliação é compreendida, na instituição e por ele próprio, será
de fundamental importância para que a criança possa construir uma representação
positiva da mesma.
Para que possa se constituir como um instrumento voltado para reorientar a prática
educativa, a avaliação deve se dar de forma sistemática e contínua, tendo como
objetivo principal a melhoria da ação educativa. O professor, ciente do que pretende
que as crianças aprendam, pode selecionar determinadas produções das crianças
ao longo de um período para obter com mais precisão informações sobre sua apren-
dizagem. Os pais, também, têm o direito de acompanhar o processo de aprendiza-
gem de suas crianças, se inteirando dos avanços e conquistas, compreendendo os
objetivos e as ações desenvolvidas pela instituição (BRASIL, 1998, p. 59-61).
Dessa forma, também para essas pesquisadoras, assim como para as outras que citamos,
avaliar, na Educação Infantil, é buscar elementos que orientem as práticas de cuidado e educação
de modo que elas de fato garantam o desenvolvimento integral das crianças. Para Bassedas,
Huguet e Solé (1999), é necessário avaliar em diferentes momentos. Elas (1999) propõem uma
avaliação inicial para o levantamento dos conhecimentos que as crianças já possuem sobre o tema
que se pretende trabalhar ou sobre aquilo que se pretende ensinar, uma avaliação formativa, que
se realiza de uma maneira progressiva e paralela às diferentes situações, bem como atividades
que se desenvolvem, e uma avaliação somativa, que se realiza ao final de um processo de ensino-
aprendizagem com a finalidade de explicitar informações sobre o que as crianças aprenderam em
relação aos conteúdos que foram trabalhados.
103
PEDAGOGIA
Outro pesquisador que se dedica ao estudo da avaliação, no Brasil, é o professor Luiz Carlos
de Freitas. Em uma entrevista concedida à Revista Pátio Educação Infantil, em 2006, o pesquisador
responde à seguinte questão: Há diferenças substantivas entre a avaliação na educação infantil e
nos demais níveis educacionais? Vejam a resposta dada por ele:
Sem dúvida. Do ponto de vista formativo, os horizontes são outros e, portanto, a ava-
liação também deve ser outra. Uma tentação muito grande que tem sido observada
nas escolas é o desejo de antecipar a escolarização das primeiras séries do ensino
fundamental para a educação infantil. O tempo da educação infantil é específico e
diferente do tempo do ensino fundamental – não só biologicamente, mas também
do ponto de vista psicológico, educacional e social. Do ponto de vista da avaliação,
além dos objetivos desta serem diferentes, há o fato de que a avaliação não pode
estar baseada em processos escritos, nos quais os alunos dão suas respostas, como
normalmente ocorre em outros níveis avaliados. Isso só reforçaria a antecipação da
escolarização. Nesse nível de ensino, a avaliação do aluno depende muito mais da
avaliação que o professor faz dele. A questão é que esse processo não pode estar
baseado apenas em um olhar informal do professor, porque precisa ser planejado
em função dos objetivos de desenvolvimento esperados para a criança nesse nível
(FREITAS, 2006, p. 16-17).
NONO, Maévi Anabel. Avaliação na Educação Infantil – legislação e pesquisas. In: UNIVERSIDADE
ESTADUAL PAULISTA [UNESP]; UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
[UNIVESP] (org.). Caderno de formação: formação de professores: educação infantil: princípios
e fundamentos. São Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de
Graduação, 2011. v. 2. P. 108-119. ISBN 978-85-7983-132-4. Disponível em: https://acervodigital.
unesp.br/bitstream/unesp/337947/1/caderno-formacao-pedagogia_7.pdf. Acesso em: 25 out. 2022.
(Educação Infantil: abordagens curriculares, Caderno de formação n. 7, bloco 1, módulo 3, disciplina
13).
Referências
BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
FREITAS, L. C. Entrevista. Revista Pátio Educação Infantil, Porto Alegre, ano IV, n. 10, p. 15-17,
mar./jun. 2006.
GODOI, E. G. A avaliação e a educação das crianças pequenas. Revista Pátio Educação Infantil,
Porto Alegre, ano IV, n. 12, p. 34-36, nov. 2006/fev. 2007.
HOFFMANN, J. Avaliação: mito e desafio (uma perspectiva construtivista). 30. Ed. Porto Alegre:
Mediação, 2001.
ZABALZA, M. A. Os diferentes âmbitos da avaliação. Revista Pátio Educação Infantil, Porto Alegre,
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Unidade 3 – Texto 8
AVALIAÇÃO NA CRECHE E NA PRÉ-ESCOLA: POSSIBILIDADES
E LIMITES ÀS NECESSIDADES TEÓRICO-PRÁTICAS DOS
PROFISSIONAIS11
Célia Maria Guimarães
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora aposentada
na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Daniele Ramos de Oliveira
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora
na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Câmpus de
Paranaíba-MS.
[...] não é possível praticar sem avaliar a prática. Avaliar a prática é analisar o que se
faz, comparando os resultados obtidos com as finalidades que procuramos alcançar
com a prática. A avaliação da prática revela acertos, erros e imprecisões. A avaliação
corrige a prática, melhora a prática, aumenta a nossa eficiência. O trabalho de avaliar
a prática jamais deixa de acompanhá-la. (FREIRE, 1984, p. 92)
11 Parte deste texto foi originalmente publicado no livro organizado por: GUIMARÃES, Célia Maria; CARDONA, Maria
João; OLIVEIRA, Daniele Ramos de. Avaliação na creche e na pré-escola: possibilidades e limites. In: Fundamentos
e práticas da avaliação na educação infantil. Porto Alegre: Mediação, 2014.
107
PEDAGOGIA
Anteriormente, o texto do RCNEI (BRASIL, 1998, p. 59) já anunciava uma concepção e uma
função para a avaliação:
Neste documento, a avaliação é entendida, prioritariamente, como um conjunto de
ações que auxiliam o professor a refletir sobre as condições de aprendizagem ofere-
cidas e ajustar sua prática às necessidades colocadas pelas crianças. É um elemen-
to indissociável do processo educativo que possibilita ao professor definir critérios
para planejar as atividades e criar situações que gerem avanços na aprendizagem
das crianças. Tem como função acompanhar, orientar, regular e redirecionar esse
processo como um todo.
Desse modo, o RCNEI (BRASIL, 1998) agrega orientações gerais para o professor e veicula
informações sobre “observação, registro e avaliação formativa” para cada área proposta ao trabalho
pedagógico na educação infantil (movimento, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza e
sociedade, matemática). Desse ponto de vista, a avaliação da criança comparece relacionada
àquilo que foi propiciado pela instituição educativa/professor, ou seja, avalia-se não só a criança
como também a atuação do professor, tendo aquela um caráter instrumental para reorganização
dos objetivos. “Portanto, avaliam-se as situações que foram oferecidas para que a aprendizagem
ocorra, e não a criança em si” (CANDIDO et al., 2008).
Candido et al. Também abordam a função da avaliação para o professor, para as crianças e
para as famílias, assim como a avaliação institucional:
No que se refere às crianças, a avaliação deve permitir que elas acompanhem suas
conquistas, suas dificuldades e suas possibilidades ao longo de seu processo de
aprendizagem. Para que isso ocorra, o professor deve compartilhar com elas aque-
las observações que sinalizam seus avanços e suas possibilidades de superação
das dificuldades. São várias as situações cotidianas nas quais isso já ocorre, como,
por exemplo, quando o professor diz: ‘Olhe que bom, você já está conseguindo se
servir sozinho’, ou quando torna observável para as crianças o que elas sabiam fa-
zer quando chegaram na instituição com o que sabem até aquele momento. Nessas
situações, o retorno para as crianças se dá de forma contextualizada, o que fortalece
a função formativa que deve ser atribuída à avaliação. Além dessas, existem outras
situações que podem ser aproveitadas ou criadas com o objetivo de situar a criança
frente ao seu processo de aprendizagem. É importante que o professor tenha cons-
ciência disso, para que possa atuar de forma cada vez mais intencional. Isso signi-
fica definir melhor a quem se dirige a avaliação – se ao grupo todo ou às crianças
em particular; qual o melhor momento para explicitá-la e como deve ser feito. Esses
momentos de retorno da avaliação para a criança devem incidir prioritariamente so-
bre as suas conquistas. Apontar aquilo que a criança não consegue realizar ou não
sabe só faz sentido numa perspectiva de possível superação, quando o professor
detém conhecimento sobre as reais possibilidades de avanço da criança e sobre as
possibilidades que ele tem para ajudá-la. Do contrário, ao invés de potencializar a
ação das crianças e fortalecer a sua autoestima, a avaliação pode provocar-lhes um
sentimento de impotência e fracasso. Outro ponto importante de se marcar refere-
-se à representação que a criança constrói sobre a avaliação. O professor deve ter
consciência de que a forma como a avaliação é compreendida, na instituição e por
ele próprio, será de fundamental importância para que a criança possa construir uma
109
PEDAGOGIA
Desse ponto de vista, a avaliação serve para valorizar o que acontece quando colocamos
em prática o programa que planejamos previamente e para verificarmos se é preciso modificar ou
não determinadas atuações. Nesse caso, a avaliação está sendo utilizada para obter informações
que ajudam a melhorar as propostas que fizemos em aula (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999, p.
173).
Avaliar a criança como fim em si mesma significa retrocesso. Mais coerente seria avaliar
as manifestações infantis com base nos contextos em que ocorrem as interações, de modo a se
constituir, tal como proposto em documentos oficiais do Ministério da Educação (MEC), a exemplo
da LDBEN, uma avaliação de acompanhamento que busque a reflexão pelo grupo de educadores
sobre o que se realiza com a criança pequena, com o sentido de possibilitar a elas o acesso ao
mundo cultural já existente e a criação de suas próprias culturas. Didonet (2012b, p. 13) esclarece
sobre a razão de a avaliação na educação infantil ser diferente daquela praticada nos ensinos
fundamental e médio:
Na educação infantil, a avaliação tem especificidades derivadas das características
etárias das crianças, nos aspectos físicos, psicológicos e sociais, correlacionadas às
formas culturais em que se dá sua formação humana, dependentes das finalidades
e objetivos que a sociedade determina para essa etapa da educação, dos ambientes
e espaços em que ela se realiza e das interações que se estabelecem entre crianças
e entre crianças e adultos.
Freitas (2006) contribui, ao argumentar a respeito de diferenças substantivas entre a
avaliação na educação infantil e nos demais níveis educacionais:
Sem dúvida, do ponto de vista formativo, os horizontes são outros e, portanto, a ava-
liação também deve ser outra. Uma tentação muito grande que tem sido observada
nas escolas é o desejo de antecipar a escolarização das primeiras séries do ensino
fundamental para a educação infantil. O tempo da educação infantil é específico e
diferente do tempo do ensino fundamental – não só biologicamente, mas também do
ponto de vista psicológico, educacional e social.
A sistemática de avaliação a ser construída para educação infantil deve ser a de uma
atividade processual. “A avaliação ocorre permanentemente e nunca como ato formal de teste,
comprovação, atribuição de notas e atitudes que sinalizem punição” (BRASIL, 2012, p. 15). “Como
tal, requer o delineamento de atividades inter-relacionadas que garantam um fluxo de produção de
informações, análise, julgamento e decisões que apoiem continuamente a execução das políticas
e programas” (BRASIL, 2012, p. 11).
111
PEDAGOGIA
abordaremos o portfólio, no entanto, frisamos ser essa uma das possibilidades de proceder à
documentação pedagógica, além de, com base nessa, o coletivo de professores poder realizar
a reflexão sobre seu fazer cotidiano e tomar decisões iluminadas pelos resultados de avaliação,
capazes de promover a interação das crianças com o conhecimento.
ACOMPANHAMENTO DA CRIANÇA E DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
As DCNEI (BRASIL, 2009) anunciam duas principais orientações complementares: “a
documentação pedagógica e a utilização de múltiplas formas de registro”.
Trata-se de orientações que impõem ao professor sua compreensão e suas decorrências
para avaliação na educação infantil. Consideramos que tais orientações são complexas, não se
traduzem em ações facilmente e cotejam a formação do professor. As duas principais orientações
se encontram, em geral, justapostas a antigas práticas no cotidiano da creche/pré-escola, exercidas
pelos profissionais com tropeços que resultam às vezes na desistência ou na distorção da orientação.
Um dos perigos originados da citada incompreensão é a prática de elaboração de fichas
comportamentais, de padrões e pareceres classificatórios, no que se refere aos registros de
avaliação das crianças (HOFFMANN, 2007, 2008). Isso ocorre porque o registro e a documentação,
conforme destaca Marques (2010), não são apenas técnicas, mas envolvem concepção de mundo,
de criança, de escola, de aprendizagem e de desenvolvimento.
Antes de iniciar a documentação pedagógica e durante seu curso, portanto, é preciso discutir
sobre antigas crenças e refletir junto ao grupo de profissionais que desenvolvem ações educativas
com as crianças pequenas o que é registrar, o que é importante registrar, por que, em quais
momentos, de que maneiras, com quais objetivos, para quem, para quê.
A documentação pedagógica, embora possa ser adotada em larga escala, não condiz com
a ideia de avaliação padronizada, pois requer que sua constituição aconteça segundo o percurso
das crianças e de cada equipe de profissionais. Outro aspecto a ser clareado entre os profissionais
é a sua ideia de qualidade e o consenso sobre a qualidade desejada ao atendimento das crianças,
na creche/pré-escola de seu município, por exemplo. Igualmente, é necessário ter presentes
resultados de estudos e as referências sobre avaliação dispostas pelos vários documentos oficiais
divulgados pelo MEC.
Vasconcelos (2007) destaca o valor da documentação pedagógica pela importância da
continuidade das propostas cujo alicerce é o registro que, por sua vez, favorece a recordação, a
memória das experiências vividas pelo grupo de crianças, a construção da capacidade da cognição
e do sentido de comunidade democrática.
A documentação pedagógica tem a finalidade de sistematizar e intencionalmente documentar
o que o professor e crianças vão fazendo e definindo como representativo de suas experiências; é
uma forma desses atores darem visibilidade e sentido a sua realidade, organizando os documentos
que registram o processo de trabalho de cada professor e do coletivo dos professores. O objetivo é
113
PEDAGOGIA
produzir um conjunto de textos, imagens e objetos que exponham, por exemplo, as aprendizagens
das crianças; suas experiências individuais e coletivas; a interpretação que cada professor dá a
esses processos e seus registros; a participação da família e da comunidade escolar. Documenta-
se sob diferentes formatos: registros de coisas ditas e de manifestações observadas, fotografias,
gravações de imagem e/ou de voz, produções infantis em diferentes linguagens etc. O suporte para
reunir os “documentos” escolhidos para realizar a documentação pedagógica pode variar: uma
pasta, um caderno, um envelope etc. Importa verdadeiramente é a compreensão de que
[...] a documentação contempla um conteúdo – que se caracteriza pelo material
produzido pelas crianças e pela professora, o qual pode assumir diferentes formas:
registro manuscrito, áudio, vídeo, fotografia, criações e construções artísticas das
crianças – e um processo – o uso desse material como meio de reflexão, podendo
ser utilizado individualmente pela professora e coletivamente pelos outros atores
envolvidos no ato educativo (GODOI, 2007, p. 35, grifos nossos).
Desse modo, a documentação pedagógica tem algumas funções, a saber: ser memória e
avaliação; constituir fonte para pesquisa e reflexão para professores; informar sobre o cotidiano da
creche/pré-escola. Tais funções podem fazer avançar a singularidade e a identidade do professor e
do trabalho pedagógico na educação infantil.
Contudo, a documentação não é um método ou uma fórmula. Ela é um modo de raciocinar,
de observar, de discutir, de experimentar e esboçar o trabalho pedagógico. Permite ao professor
com seu grupo de crianças criar memória, restaurar acontecimentos e fatos. Ressalte-se que a
documentação não é unilateral, mas é coconstruída com o grupo de crianças. Por isso, suscita
desafios aos professores, tais como avaliar cotidianamente e não avaliar apenas em situações
formais; avaliar o processo e não somente o produto final; alterar a atitude frente ao erro; aprender
a trabalhar coletivamente a avaliação, realizando trocas de pontos de vista e de registros; ampliar o
olhar sobre o desenvolvimento e a aprendizagem infantil, utilizando diferentes instrumentos; centrar
no que as crianças podem e não naquilo que lhes falta, adotar o princípio de atenção à diversidade,
abandonar a tendência de centrar a avaliação no comportamento (disciplina) infantil etc.
Por essas e outras razões, presumimos que as finalidades e funções da documentação
pedagógica podem acarretar consequências propícias ao processo de constituição da identidade
da primeira etapa da educação básica e do profissional que nela atua. A propósito, para o professor
realizar acompanhamento do desenvolvimento e das aprendizagens infantis, conforme anunciado
pelos documentos oficiais, precisa de uma avaliação como processo que siga na contramão da
avaliação que compara e classifica as crianças, a partir de instrumentos uniformes e de um modelo
ideal de infância e de criança. Assumir o modelo de avaliação como processo exige dos profissionais
a reflexão sobre suas concepções e, especialmente, será preciso debater sobre a tendência de
ceder ao desejo de escolarizar a criança precocemente, com
[...] uma análise sobre a organização do trabalho pedagógico (o currículo, os tempos
e os espaços educativos), além das concepções de mundo, de sociedade, de edu-
cação infantil, de criança e de infância que temos praticado (GODOI, 2007, p. 35).
A concepção e a prática de avaliação como processo poderão ser consolidadas por meio da
documentação pedagógica. Para isso ser possível, os registros diários são imprescindíveis: “[...]
registrar o dia a dia é algo que não se pode adiar, negligenciar [...] é preciso que cuidemos para
que o que vamos escrever seja claro e não cifrado, enigmático; descritivo e não interpretativo e
classificatório [...]” (JUNQUEIRA FILHO, 2007, p. 11-12).
Ao acompanhar vários alunos, em diferentes momentos de aprendizagem, é preciso
registrar o que se observa de significativo como um recurso de memória diante da
diversidade e um ‘exercício de prestar atenção ao processo’ (HOFFMANN, 2008, p.
175).
Lopes (2009) e Proença (2007) inserem os registros numa perspectiva mais ampla de leitura
da realidade e de si mesmo, o que lhes confere o caráter de elemento de formação do professor,
capaz de provocar transformações na prática pedagógica, por meio da sua ressignificação, o que
é possível quando se narra e se reflete sobre os seus fazeres e saberes. Apontam os registros
ainda como inter-relacionados com a observação, o planejamento e a avaliação. Compreendem
os registros vinculados a um planejamento, o qual, por sua vez, associa-se a uma concepção de
educação e de criança.
Os registros têm início na observação atenta pelo professor, que foca seu olhar sobre o que
as crianças pensam, fazem e aprendem. Os registros fornecem elementos para refletir sobre a
prática, para sua avaliação, o que, segundo as autoras, orienta a tomada de decisões quanto às
intervenções e atitudes junto à criança, remetendo novamente ao planejamento.
Registros de avaliação exigem exercício do professor. Exercício de prestar atenção
nas manifestações dos alunos (orais e escritas), exercício de descrever e refletir
teoricamente sobre tais manifestações, de partir para encaminhamentos ao invés de
permanecer nas constatações (HOFFMANN, 1993, p. 122).
115
PEDAGOGIA
pode orientar o acompanhamento infantil com base em suas “[...] impressões gerais, holísticas e na
inconsistência de informações sobre a progressão das aprendizagens” (HOFFMANN, 2011, p. 179).
A autora ainda alerta sobre a impossibilidade de observar todas as crianças em todos os momentos
do trabalho diário, bem como não ser possível reter na memória os detalhes importantes de cada
uma delas. Assim, “[...] é necessária a elaboração de instrumentos de avaliação confiáveis para
um acompanhamento também confiável [...] instrumentos de avaliação são registros de diferentes
naturezas” (HOFFMANN, 2008, p. 179). No entanto, a autora enfatiza:
As anotações do professor precisam contemplar referências significativas sobre a
singularidade de cada estudante: suas estratégias de raciocínio na resolução de
problemas, modos de ser e de agir em sala de aula, comentários e perguntas em
diferentes momentos de aprendizagem e sua evolução na compreensão das noções.
[...] os melhores instrumentos de avaliação são todas as tarefas e registros feitos
pelo professor que o auxiliam a resgatar uma memória significativa do processo, per-
mitindo uma análise abrangente do desenvolvimento do aluno (HOFFMANN, 2008,
p. 180-182).
Nessa direção, Lopes (2009), Junqueira Filho (2006/2007) e Proença (2007) enfatizam que a
produção e a organização deliberada dos documentos que registram o processo de trabalho é uma
estratégia de formação permanente dos profissionais da educação infantil.
Junqueira Filho (2006/2007) sugere que os relatórios escritos podem vir acompanhados de
anexos ou diagramados ao longo do texto escrito, apresentando as produções infantis representadas
sob a forma de diferentes linguagens, assim como as fotografias feitas pela professora, contendo
imagens das crianças nas mais diferentes e diversificadas situações de trabalho individual e coletivo.
117
PEDAGOGIA
CONSIDERAÇÕES
Antes de tudo, compreendemos a avaliação vinculada ao contexto social da criança e
inversamente à visão de avaliação vinculada à ideologia do sucesso e da exclusão e ao seu uso
como instrumento de controle social, que classifica, hierarquiza e homogeneíza. Ainda temos de
romper definitivamente com o pensamento e a prática de avaliação como produto para colocar em
seu lugar a avaliação como acompanhamento do processo de aprendizagem. Podemos começar
o processo de mudança, respondendo a questionamentos como: Onde estamos? Para onde
queremos ir? Como podemos fazer?
Na perspectiva apontada, é preciso destacar que o desenvolvimento de procedimentos de
avaliação que propiciem o acompanhamento do trabalho pedagógico relaciona-se diretamente às
condições de trabalho do professor, porque o excesso de número de crianças por turma se constitui
como um obstáculo a ser enfrentado pelos educadores no dia a dia.
A avaliação reflexiva requer do professor postura de observação, descrição e análise que
permita documentar o individual de cada criança dentro da turma. Esse trabalho nem sempre será
possível ser concluído nas horas com as crianças na instituição e requer jornada extensa que
continua fora da creche/pré-escola.
Atualmente é comum que professores pré-escolares tenham uma carga horária de trabalho
em locais distintos, muitas vezes desenvolvida em dois turnos para ampliação da baixa remuneração.
Outro aspecto que dificulta a construção de práticas de educação articuladas à avaliação diz
respeito à tendência de o professor se remover do local de trabalho anualmente. Junte-se a isso a
ausência de projeto pedagógico e curricular específico para creche/pré-escola, o que incentiva a
adoção de práticas pedagógicas dos anos iniciais do ensino fundamental. Tais condições dificultam
a forma de trabalho que propomos e clamam por medidas do poder público.
Sem reais condições de trabalho, a distorção das orientações dispostas nos documentos
oficiais continuará a ocorrer. Lembramos também que nenhum instrumento de avaliação pode
ser responsabilizado por produzir a melhoria da qualidade na educação, pois essa depende de
inúmeros fatores, dentre os quais os já mencionados.
A pesquisa científica, por seu turno, deve cotejar modelos de avaliação apropriados para
a educação infantil. A formação inicial do professor nos cursos de Pedagogia não pode continuar
a privilegiar os anos iniciais do ensino fundamental, e à formação continuada falta considerar os
resultados de avaliação. Aos responsáveis pelas políticas públicas nas várias esferas dos sistemas
de ensino é bom relembrar que as DCNEI apontam que as instituições de educação infantil têm como
uma de suas incumbências propor procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico
e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de selecionar, promover ou
classificar. Para tal ser possível, é preciso projetos e recursos para desenvolvimento de ações de
formação continuada para profissionais da educação infantil.
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123
PEDAGOGIA
Unidade 4 – Texto 9
INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL E FAMÍLIAS: A RELAÇÃO
ENTRE DOIS CONTEXTOS QUE REPERCUTE NO DESENVOLVIMENTO
DA CRIANÇA
Claudia Cristina Garcia Piffer
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Especialista em Psicopedagogia.
Pedagoga. Supervisora de ensino na Prefeitura de Presidente Prudente,
Secretaria Municipal de Educação, Presidente Prudente-SP.
Célia Maria Guimarães
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora aposentada
na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O presente texto foi produzido a partir de duas pesquisas desenvolvidas junto ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Unesp de Presidente Prudente – SP, sendo: “Trabalho com famílias
na Educação Infantil: concepções e práticas” (PIFFER-LOPES, 2008) e “A complementaridade
creche-família: retratos de uma creche pública municipal” (PIFFER, 2017), no âmbito de mestrado
e doutorado, respectivamente.
Para iniciar a discussão, é preciso, primeiramente, contextualizar o problema, com um olhar
sobre as relações entre famílias e instituições de Educação Infantil, buscando entendê-las a partir
das concepções que as influenciam.
O cotidiano das instituições de Educação Infantil tem apresentado um quadro de desencontro
entre estas e as famílias, marcado por queixas e insatisfações mútuas, colocando ambas em polos
distintos. De um lado, presenciamos as instituições de Educação Infantil e as queixas corriqueiras
de que as famílias não leem os bilhetes enviados pela instituição, não atualizam números de
telefones, não aparecem nas reuniões, não organizam a mochila da criança, não chegam no horário
e assim por diante. No outro polo, temos as famílias com suas insatisfações quanto aos pertences
desaparecidos e não encontrados, a mordida que a criança recebeu do colega, o medo de reclamar
e a criança sofrer consequências, enfim, as relações entre família e instituição de Educação Infantil
têm se apresentado pouco harmoniosas.
Tal situação tem sugerido que as instituições de Educação Infantil enquanto agências
educativas iniciem o trabalho de aproximação com as famílias, partindo do pressuposto de que
família e instituição de Educação Infantil mantêm entre si relação que interfere no atendimento à
criança.
PORQUE A RELAÇÃO FAMÍLIA-ESCOLA É IMPORTANTE?
Vários estudos comprovam que o estreitamento das relações entre família e Instituição
de Educação Infantil repercute positivamente no desenvolvimento infantil (MAGALHÃES, 2007;
125
PEDAGOGIA
relação que Silva (2003) denomina como “relação armadilhada”, na medida em que se pretende
homogeneizar as famílias, no sentido de adequá-las ao que a instituição julga como o “correto”.
Imbuídas dessa ideia, muitas instituições se propõem a “ensinar” as famílias. Subjacente a esta
prática encontra-se concepção de família como aquela que não possui condições de contribuir com
o desenvolvimento da criança, pois é vista como “desestruturada”, a partir de um modelo de família
que, em geral, não corresponde à realidade.
No que se refere ao perfil das famílias brasileiras, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o último censo, realizado em 2010, apontou os seguintes dados, em comparação
com o censo anterior: os casamentos formais cederam espaço às uniões consensuais, a proporção
de divórcios quase dobrou. O percentual de famílias sob a responsabilidade exclusiva da mulher
aumentou mais de 15%, inclusive em presença do cônjuge, o que se relaciona com o aumento no
nível de instrução da mulher e a intensificação de sua presença no mercado de trabalho. Do total
de casais com filhos, 16,3% se configuram em famílias reconstituídas, ou seja, núcleos constituídos
após a separação ou morte de um dos cônjuges, nas quais os filhos são de apenas um dos
companheiros ou de ambos. Esses números tendem a aumentar, como tem sinalizado recentes
dados estatísticos, o que poderemos confirmar em breve com o novo censo, em andamento. Assim,
é importante considerar as famílias nas suas múltiplas configurações, sem o modelo “ideal” como
referência.
No conteúdo veiculado pela mídia e pela sociedade em geral, não raro nos deparamos com
imagens estereotipadas e, por vezes, carregadas de preconceitos, em campanhas publicitárias
por meio de comerciais de TV, outdoors, propagandas de revistas, livros didáticos, dentre outros,
nas quais a família “ideal” se faz presente. Geralmente, comparecem nesse modelo um casal de
homem e mulher e seus filhos. Compõem esse universo, ainda, a figura do homem como provedor
da família, responsável pelo sustento dos seus filhos e esposa. A mulher, como a “rainha do
lar”, mãe zelosa e dedicada aos filhos, com disponibilidade total à educação das crianças, cuja
responsabilidade lhe é atribuída.
Nesse contexto, os trabalhos com famílias na Educação Infantil são influenciados e até
mesmo determinados pelas concepções que os profissionais possuem, especialmente acerca de
família, de criança, de Educação Infantil e de profissionais.
Com relação à concepção de criança, se considerada como sujeito de direitos com base
no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), regulamentado pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 1990 (BRASIL, 1990), entende-se que esta tem
direito a uma educação de qualidade, a um ambiente favorável de aprendizagem marcado pelo
diálogo entre os dois contextos com os quais convive – casa e instituição de Educação Infantil.
Se a criança também é vista como ator social competente, então, esta é entendida como
participante ativa no processo de relações entre família e instituição, o que implica numa postura
perante à realização de trabalhos com as famílias, na qual a criança também tem seu papel. Quando
a instituição de Educação Infantil adota como prática, por exemplo, a aproximação das famílias
através dos trabalhos desenvolvidos pelas crianças, subjaz a ideia de que as crianças produzem
trabalhos dignos de serem mostrados, que se valoriza muito o que fazem, fortalecendo também nas
famílias uma relação de confiança na instituição.
A concepção de Educação Infantil também influencia as práticas de trabalhos com famílias,
pois, se concebida como primeira etapa da educação básica, conforme o artigo 21, inciso I da
LDBEN, o atendimento à criança é visto, consequentemente, com intencionalidade educativa, não
podendo confundir-se com o papel da família (BRASIL, 1996). Deste modo, o trabalho com as
famílias deve ser no sentido de demarcar o campo de atuação da família e da instituição, embora
partilhem responsabilidades comuns.
Assim como a instituição de Educação Infantil não pode assumir o papel de substituta do lar,
os profissionais também não podem ser concebidos como mães e pais substitutos, o que implica na
adoção de postura profissional perante as famílias, de competência para realizar o trabalho junto às
crianças, superando a ideia de que para ser educador basta ser mãe ou “ter jeito”.
Segundo Rogoff (2005), tanto escola como família consistem em comunidades culturais, de
forma que as diferenças entre ambas podem servir como impulso para o desenvolvimento criativo
de novos hábitos culturais, e cada uma pode oferecer um enriquecimento à outra, complementando-
se mutuamente.
QUAL O PAPEL DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO ESTABELECIMENTO DE
RELAÇÕES COM AS FAMÍLIAS?
O seu papel consiste em desenvolver práticas de aproximação e construir parcerias. Para
isso, o profissional precisa ser preparado para:
• Respeitar as famílias, suas formas de organização, sua cultura, aprender a ouvir,
estabelecer trocas e se desvencilhar da concepção idealizada de família;
• Reconhecer que não podemos falar em família, no singular, mas, sim, em famílias, no
plural, dada a diversidade de composições familiares existentes na atualidade, o que
implica em propor atividades que considerem as famílias tal como elas são, por vezes,
não composta por pai, mãe e filhos, mas que pode incluir tios, avós, padrastos, madrastas,
dois pais, duas mães, dentre outros;
• Reconhecer as relações de poder entre estas instituições e seus agentes, bem como as
relações de gênero que estruturam a divisão de trabalho em casa e na escola;
• Compreender o significado da participação das famílias. Seria estar presente nas reuniões
para ouvir informações burocráticas e queixas referentes ao mau comportamento dos
filhos? Ter acesso a decisões previamente estabelecidas? ajudar a organizar a festa
junina da escola?
127
PEDAGOGIA
• Conhecer as razões pelas quais as famílias não têm correspondido ao que os profissionais
esperam enquanto sua participação na escola;
• Conhecer e estudar experiências bem-sucedidas de outras localidades para construir
ações locais;
• Participar de processos de formação inicial e continuada em serviço que promovam a
reflexão e a elaboração de novos conhecimentos.
Por fim, se faz necessário compreender que neste momento histórico nem a instituição
formal de educação e nem a família dará conta das demandas formativas e educativas das novas
gerações de forma isolada, o que nos impele a trazer à baila outros setores, que não somente o
educacional, como diz o provérbio africano: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.
Referências
BHERING, E.; DE NEZ, T. B. Envolvimento de pais em creche: possibilidades e dificuldades de
parceria. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 18, n. 1, p. 63-73, Brasília, jan./abr. 2002. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S0102-37722002000100008. Acesso em: 25 out. 2022.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm. Acesso em: 19 fev. 2022.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 25 out. 2022.
CORSINO, P. Relação família e escola na Educação Infantil: algumas reflexões. Boletim Salto para
o Futuro, TV escola, Brasília, 2002.
GANDINI, L.; EDWARDS, C. (org.). Bambini: a abordagem italiana à educação infantil. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
PANIAGUA, G.; PALACIOS, J. Educação Infantil: resposta educativa à diversidade. Porto Alegre:
Artmed, 2007.
PORTELA, A. L., ATTA, D. M. A. A dimensão pedagógica da educação. Boletim Salto para o Futuro,
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SANTOS, A. N. C. et al. Um mais um é sempre mais que dois. In: GARCIA, R. L; LEITE FILHO, A.
(org.). Em defesa da Educação Infantil. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 109-133.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GOIS, A.; SOARES, P. Modelo “pai, mãe e filhos” perde espaço. Folha de São Paulo, 21 dez. 2006.
Cotidiano, p. C4.
129
PEDAGOGIA
Unidade 5 – Texto 10
CONHECENDO HIGH/SCOPE E REGGIO EMILIA
Maévi Anabel Nono
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora na
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Unesp, Câmpus de São José do Rio Preto-SP.
No artigo “Educação Infantil no Primeiro Mundo: uma visão daqui debaixo do Equador”, Maria
Malta Campos (1994, p. 323-353) contextualiza o surgimento do modelo curricular da Fundação
High/Scope e relaciona algumas de suas principais características. Para a pesquisadora, tal modelo
se relaciona a um projeto de sociedade mais amplo, de formação de “[...] indivíduos autônomos,
confiantes em si, conscientes de sua identidade, prontos para se afirmar e competir numa sociedade
individualista como a norte-americana” (CAMPOS, 1994, p. 323).
De acordo com Ana Beatriz Rocha Lima (2004, p. 227), “O currículo do modelo High Scope
para a educação infantil é um sistema aberto de ideias e práticas educacionais baseado no
desenvolvimento espontâneo das crianças proposto inicialmente por Weikart e colaboradores na
década de 60”.
David P. Weikart refere-se ao currículo High/Scope da seguinte maneira:
O currículo High/Scope é uma abordagem aberta de teorias do desenvolvimento
e práticas educacionais que se baseia no desenvolvimento natural das crianças.
Atualmente este currículo é usado em milhares de programas de educação infantil
nos Estados Unidos e em outros países. Baseado nas ideias de Piaget acerca do
desenvolvimento infantil, o Currículo High/Scope considera a criança como aprendiz
ativo que aprende melhor a partir das atividades que ela mesma planeja, desenvolve
e sobre as quais reflete. Os adultos organizam as áreas de interesse no ambiente de
aprendizagem; mantêm a rotina diária que permite às crianças o planejamento e bus-
ca de suas próprias atividades; e juntam-se às atividades das crianças para ajudá-las
a refletir. Os adultos encorajam as crianças a envolverem-se em experiências-chave,
ajudam-nas a aprender a fazer escolhas, a resolver problemas e a engajar-se em
atividades que promovam o desenvolvimento intelectual, social e físico. Décadas de
pesquisas indicam que isto funciona, promovendo significativamente as oportunida-
des de vida das crianças participantes. (WEIKART, 2004, p. 23)
131
PEDAGOGIA
esta abordagem dá ênfase à ação do adulto em relação às atividades disponíveis para as crianças
e enfatiza a importância da reflexão sobre a atuação do adulto para apoiar o desenvolvimento dos
projetos e atividades propostas pelas crianças e a elas disponíveis” (BHERING et al., 2004, p. 217).
Bhering et al. (2004) apontam as mudanças que ocorreram no Colégio de Aplicação da
UNIVALI a partir do estudo dos pressupostos do modelo curricular High/Scope. Destaca que as
salas foram sendo reorganizadas em cantinhos, nos quais os materiais passaram a ficar cada
vez mais disponíveis para as crianças, de modo que elas pudessem selecioná-los de acordo com
seus interesses. Dispostas em cantos, as crianças demonstraram desenvolvimento de iniciativa e
de autonomia, buscando materiais em diversos cantinhos para realizar suas atividades e executar
suas ideias.
Os cantos organizados foram os seguintes, de acordo com as autoras: o da sucata (caixas
de embalagens de plástico, de papelão, pedras, recortes de papéis, linhas, latas, palitos, canudos);
dos jogos (jogos infantis em geral como memória, cilada, cartas, varetas, blocos lógicos, jogos de
encaixe); da fantasia (fantasias, adereços e acessórios, fantoches); da casinha (peças de casa em
miniatura, como mesinhas e cadeiras, peças de cozinha em desuso como panelas, potes plásticos;
aparelhos eletrônicos em desuso como teclados de computadores, telefones, câmera fotográfica,
ferro de passar); das artes (cola, tesoura, tintas, folhas, papel picado, fita adesiva, pincéis); dos
brinquedos (bonecas e bonecos, carrinhos, aviões, berço); e da literatura (livros, jornais, revistas e
dicionários).
A respeito dos cantos organizados no Colégio de Aplicação da UNIVALI, a partir dos estudos
do modelo High/Scope, Bhering et al. afirmam:
Visando facilitar o desenvolvimento das atividades nos cantos e aumentar as pos-
sibilidades de ação e a autonomia das crianças, as professoras, aos poucos, foram
estruturando os cantos de maneira que as atividades realizadas pelas crianças se
tornassem mais complexas e desafiadoras. Notavam que as crianças tinham neces-
sidades de ter mais materiais para mantê-las motivadas e inspiradas. Desta forma,
estimulava-se os interesses e iniciativas das crianças para atuar nos cantos, am-
pliando suas aprendizagens. Alguns cantos foram levados para o corredor, para que
outras crianças também os pudessem utilizar favorecendo assim a interação entre
diferentes faixas etárias (isto foi feito já com vistas na implementação de grupos de
idades mistas). O corredor é um espaço amplo que não era utilizado para este fim
até então. (BHERING et al., 2004, p. 221)
Ainda, a respeito das mudanças efetuadas no Colégio de Aplicação da UNIVALI com base
no modelo High/Scope, Bhering et al. (2004) apontam a reestruturação da lista de materiais
regularmente pedida aos pais dos alunos da instituição (com o objetivo de enriquecer os cantos),
mudanças na rotina diária do Colégio, organização integrada entre as salas com maior interação
entre as crianças.
133
PEDAGOGIA
Analúcia Vieira utiliza-se do conceito de apoio, fornecido por Hohmann e Weikart, para
fundamentar sua argumentação:
Um clima de apoio interpessoal é essencial para a aprendizagem activa porque esta
é, basicamente, um processo interactivo. Consequentemente, um dos principais ob-
jectivos do programa High/Scope consiste em apoiar os adultos de modo a que estes
possam criar e manter ambientes em que a interacção com as crianças seja positiva.
Assim elas podem trabalhar e brincar com pessoas e objectos libertas de medos,
ansiedades ou de aborrecimento e negligência. Este objectivo nasce das conclusões
retiradas da investigação psicológica segundo a qual o processo básico que a crian-
ça tem para construir o conhecimento social, emocional, intelectual e físico advém
de uma aprendizagem de tipo activo. (HOHMANN; WEIKART, 2003, p. 63 apud
VIEIRA, 2009, p. 2)
Vieira escreve, em outro artigo (2008), resultante também de seus estudos de pós-doutorado
nos dois Jardins de Infância, com pressupostos teóricos do modelo curricular High/Scope – que
pode ser acessado por meio do link indicado nas referências bibliográficas, caso vocês desejem –,
um pouco mais sobre a relação entre os adultos e as crianças nesse modelo, como vocês podem
ler no excerto a seguir:
Segundo Hohmann e Weikart (2003), a abordagem construtivista do modelo High/
Scope ocorre numa aprendizagem pela ação entre os adultos e as crianças. Nesse
sentido, os adultos são mediadores e apoiantes nas conversas, diálogos e brinca-
deiras das crianças. Eles compartilham o controle com as crianças de uma maneira
interativa, centrando em aspectos da criação, do talento, na busca de resolução de
problemas sociais em conjunto. (VIEIRA, 2008, p. 34)
Para saber ainda um pouco mais sobre o modelo curricular High/Scope, façamos referência
ao artigo publicado por Fernanda Müller (2002), intitulado “Educação Infantil na Inglaterra: um olhar
desconfiado sobre a escolarização das crianças pequenas”. Neste artigo, a pesquisadora analisa
as práticas de uma escola de Educação Infantil inglesa, da região de Cambridgeshire, que, com
certa autonomia, segue alguns princípios do currículo da Fundação High/Scope.
Fernanda percebe que o currículo da creche analisada por ela na região de Cambridgeshire
enfatiza metas e objetivos para a aprendizagem das crianças referentes à autoconfiança, à
autoestima, à linguagem e movimentação física. No currículo dessa creche, há a ideia de que as
crianças precisam construir autonomia e ter liberdade de escolha de suas ações na creche.
Até agora, nesse texto, tratamos de estudos referentes ao modelo curricular da Fundação
High/Scope. Vamos, a partir deste momento, tratar da abordagem adotada nas escolas da infância
da cidade de Reggio Emilia, localizada na Itália.
As escolas de Reggio Emilia foram organizadas por um grupo de educadores, pais e alunos
voluntários após a Segunda Guerra Mundial. A preocupação deles era a de organizar um sistema
de escolas para as crianças pequenas, melhorando a vida das crianças e de suas famílias após
todo o sofrimento e devastação causados pela guerra.
De acordo com Carolyn Pope Edwards, no artigo “Boa escolarização para as crianças de
amanhã” (2009), as escolas da infância de Reggio Emilia, que tiveram Loris Malaguzzi como seu
diretor fundador, evoluíram de um movimento cooperativo de pais para um sistema administrado
pela prefeitura e exercem, hoje, um papel de liderança na inovação educacional na Itália, na Europa
e em todo o mundo.
Em seu artigo, Carolyn Pope Edwards (2009) enfatiza que a abordagem de Reggio Emilia
não deve ser encarada como um modelo educacional a ser copiado por outras escolas. Mas, os
princípios centrais de tal abordagem e as experiências vividas pelas escolas dessa cidade italiana
podem ser discutidos por outros educadores que desejem refletir sobre o trabalho que desenvolvem
nos contextos em que vivem.
135
PEDAGOGIA
Os princípios centrais da abordagem de Reggio Emilia, segundo Edwards (2009, p. 8), são
os seguintes:
1. a imagem da criança como aprendiz competente e poderoso;
2. o professor como facilitador da aprendizagem e como pesquisador das experiências de
aprendizagem das crianças;
3. o ambiente como outro professor, o qual oferece provocações para o aprendizado das
crianças;
4. o currículo como provocação para as investigações a longo prazo das crianças em áreas
de seu interesse;
5. as possibilidades oferecidas em apoio à aprendizagem das crianças quando pais,
professores, alunos e a comunidade colaboram no processo de aprendizagem;
6. o processo de documentação como meio de tornar a aprendizagem visível e aprofundá-la
por meio da reflexão e de perguntas adicionais.
No número 43 da Revista Criança do professor de Educação Infantil, foi publicada uma
entrevista com Bruna Elena Giacopini e Lanfranco Bassi (2007), intitulada Reggio Emília: uma
experiência inspiradora. Bruna é pedagoga formada pela Universidade de Bologna e coordenadora
pedagógica da Prefeitura de Reggio Emília. Lanfranco é um educador que ocupa a função de
atelierista em uma das escolas da infância da cidade de Reggio Emília.
Na entrevista, concedida a Vitória Faria e Alex Criado, e traduzida do italiano por Fernanda
Landucci Ortale e Ilse Paschoal Moreira, são discutidas questões relacionadas às relações entre
o cuidar, o educar e o brincar em Reggio Emilia, ao papel do atelierista nas escolas da infância, à
formação dos profissionais que trabalham nas escolas da infância e nas creches da cidade italiana,
e também questões relacionadas à participação das famílias nas escolas que atendem às crianças
pequenas naquela região da Itália.
Leiam um pequeno trecho da entrevista, no qual Elena Giacopini responde à seguinte
questão: “Como se desenvolvem as relações entre o cuidar, o educar e o brincar em Reggio Emilia?”
Na nossa experiência, pensamos em uma menininha e um menininho que auto-
-aprende e constrói o próprio conhecimento na relação com os outros. Isso significa
que, na creche e na escola da infância, o preparo de contextos de brincadeiras e
de experiências assume importância particular e é responsabilidade pedagógica do
professor. O percurso educativo entrelaça todos os momentos do dia, remete a situa-
ções de brincadeiras, de diálogo entre crianças e adultos, crianças entre si e adultos
entre si. É uma visão sistêmica, nunca previsível e repetitiva, que não pressupõe au-
las por parte do professor. Os meninos e as meninas têm, de fato, o direito a um lugar
educativo pensado para eles, onde possam se arriscar, escolher como se exprimir,
ser ouvidos e ouvir, experimentar diversas linguagens e conteúdos, assumir posturas
investigativas, experimentar situações de grupo grande e pequeno.
É por isso que gostamos de enfatizar que os adultos aprendem com as crianças,
aprendem como as crianças constroem as suas peculiares teorias cognitivas. Estas
são, com certeza, teorias provisórias, moles, como as definia Loris Malaguzzi, ca-
pazes de serem rapidamente modificadas, mas importantes porque nos ajudam a
entender as ideias, as representações mentais e emocionais que as crianças ativam
e elaboram. (GIACOPINI; BASSI, 2007, p. 5)
Tanto o modelo curricular High/Scope como a abordagem das escolas de Reggio Emilia
podem nos ajudar a refletir sobre as escolas de Educação Infantil brasileiras. Sem dúvida, as
diferenças culturais, econômicas, e a própria trajetória das creches e pré-escolas devem ser levadas
em conta quando, com base em diferentes modelos, analisamos o modelo que temos e, mais que
isso, que estamos construindo.
NONO, Maévi Anabel. Conhecendo High/Scope e Reggio Emilia. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL
PAULISTA [UNESP]; UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE SÃO PAULO [UNIVESP] (Org.).
Caderno de formação: formação de professores: educação infantil: princípios e fundamentos. São
Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Graduação, 2011.
v. 2. p. 26-34. ISBN 978-85-7983-132-4. Disponível em: https://acervodigital.unesp.br/bitstream/
unesp/337947/1/caderno-formacao-pedagogia_7.pdf. Acesso em: 26 jul. 2016. (Educação Infantil:
abordagens curriculares, Caderno de formação n. 7, bloco 1, módulo 3, disciplina 13).
Referências
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Contrapontos, Itajaí, v. 4, n. 1, p. 215-224, jan/abr. 2004. Disponível em: https://periodicos.univali.br/
index.php/rc/article/view/757. Acesso em: 25 out. 2022.
CAMPOS, M. M. Educação Infantil no Primeiro Mundo: uma visão daqui debaixo do Equador. In:
ROSEMBERG, F.; CAMPOS, M. M. (org.). Creches e pré-escolas no hemisfério Norte. São Paulo:
Cortez/Fundação Carlos Chagas, 1994. p. 323-353.
EDWARDS, C. P. Boa escolarização para as crianças de amanhã. Pátio Educação Infantil, ano VI,
n. 18, p. 6-9, nov. 2008/fev. 2009.
GIACOPINI, B. E.; BASSI, L. Reggio Emília: uma experiência inspiradora. [ago. 2007]. Entrevistadores:
Vitória Faria e Alex Criado. Revista Criança do Professor de Educação Infantil, Brasília, n. 43, ago.
2007. p. 5-8. Disponível em: http://www.oei.es/noticias/IMG/pdf/revista_crianca43.pdf. Acesso em: 27
137
PEDAGOGIA
jul. 2016.
VIEIRA, A. M. Autoridade e autonomia: uma relação entre a criança e a família no contexto infantil.
Revista Iberoamericana de Educación, Madri, n. 49/5, p. 1-10, maio 2009. Disponível em: https://
rieoei.org/historico/deloslectores/2964Morais.pdf. Acesso em: 25 out. 2022.
Unidade 5 – Texto 11
ESCOLA MODERNA PORTUGUESA E PLANO CURRICULAR BASE
PARA EDUCAÇÃO INFANTIL DA ESPANHA
Maévi Anabel Nono
Doutora em Educação. Mestre em Educação. Pedagoga. Professora na
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Unesp, Câmpus de São José do Rio Preto-SP.
Para prosseguirmos com as reflexões sobre o currículo para a educação das crianças
pequenas em creches e pré-escolas, neste texto, inicialmente, tratamos do modelo curricular da
Escola Moderna Portuguesa e, logo em seguida, do Plano Curricular Base para a Educação Infantil
da Espanha.
Para compreensão da Escola Moderna Portuguesa, leiam os excertos a seguir, extraídos do
artigo O Modelo Curricular de Educação Pré-Escolar da Escola Moderna Portuguesa, escrito por
Sérgio Niza (1998). O MEM (Movimento da Escola Moderna) apresenta-se sob a forma de uma
associação de profissionais de educação. No excerto a seguir, observem como os docentes desse
Movimento entendem a escola:
A escola define-se para os docentes do MEM (Movimento da Escola Moderna) como
um espaço de iniciação às práticas de cooperação e de solidariedade de uma vida
democrática. Nela, os educandos deverão criar com os seus educadores as con-
dições materiais, afectivas e sociais para que, em comum, possam organizar um
ambiente institucional capaz de ajudar cada um a apropriar-se dos conhecimentos,
dos processos e dos valores morais e estéticos gerados pela humanidade no seu
percurso histórico-cultural. (NIZA, 1998, p. 141)
139
PEDAGOGIA
materiais ou dos documentos para que possa ocorrer a interrogação (Louis Legrand
chama-lhe o espanto) que suscite projectos de pesquisa, auto-propostos ou provo-
cados pelo educador, que alimentam, afinal, um modelo educativo como o da Escola
Moderna que implica o desenvolvimento em simultâneo de projectos diversificados
no trabalho educativo. (NIZA, 1998, p. 146)
García apresenta os blocos de conteúdo de cada uma das três áreas curriculares. Em
relação à área “Identidade e autonomia pessoal”, que se refere “[...] ao conhecimento de si mesmo
e à construção da própria identidade em interação com o ambiente, sobre o qual a criança pode
intervir mediante o conhecimento de seu próprio corpo e da descoberta de suas possibilidades e
limitações” (2004, p. 21), os blocos de conteúdo são:
1. Conhecimento do corpo e configuração da imagem de si mesmo.
2. Habilidades perceptivo-motoras envolvidas na resolução de tarefas de natureza diversa.
3. Aspectos cognitivos, afetivos e de relacionamento envolvidos em atividades da vida
cotidiana.
4. A saúde: habilidades básicas relacionadas com o cuidado de si mesmo e do ambiente.
141
PEDAGOGIA
García afirma que a área “Descoberta do meio físico e social” “[...] compreende elementos,
espaços, condições, situações e relações que constituem o contexto da criança e incidem em seu
desenvolvimento” (GARCIA, 2004, p. 21), e é integrada pelos seguintes blocos de conteúdo:
1. As relações sociais e a atividade humana.
2. Os objetos.
3. Animais e plantas.
4. A paisagem.
Sobre a área Comunicação e representação, García esclarece que ela “[...] abarca as
diferentes linguagens que relacionam o indivíduo com seu ambiente. Essas linguagens são
consideradas a partir da tripla função: lúdico-criativa, comunicativa e representativa” (GARCIA,
2004, p. 21). Os blocos de conteúdo dessa área são:
1. Linguagem oral.
2. Aproximação da linguagem escrita.
3. Expressão e produção plástica.
4. Produção e expressão musical.
5. Expressão corporal
6. Relações, medida e representação no espaço.
Esse Plano, de acordo com García (2004), representa uma proposta a ser debatida e
discutida pelas escolas de Educação Infantil da Espanha ao elaborarem suas próprias propostas
curriculares.
O documento Proyecto para la reforma de la enseñanza. Educación infantil, primaria,
secundaria y profesional. Propuesta para debate, publicado pelo Ministerio de Educación y Ciencia
da Espanha, apresenta:
• a concepção de Educação Infantil e a expansão de sua oferta naquele país;
• os objetivos propostos para a educação das crianças de zero a seis anos;
• os aspectos relativos ao profissional que atuará nesse nível de ensino;
• as considerações sobre a participação das famílias na Educação Infantil na Espanha.
No referido documento, destaca-se que, até pouco tempo, a educação das crianças, na
Espanha, antes do seu acesso à educação obrigatória, era responsabilidade exclusiva das famílias.
A crescente incorporação da mulher ao mercado de trabalho fez com que surgissem jardins de
infância com o objetivo quase que exclusivo de cuidar das crianças durante o período de trabalho
das mães. De acordo com o documento, investigações psicopedagógicas têm indicado que, sem
menosprezar o papel crucial da família durante a infância, o ingresso da criança pequena em centros
educativos, nos quais haja a presença de educadores, é fundamental para seu desenvolvimento.
Além disso, nesses centros, as crianças têm contato com outras, relacionando-se e interagindo
em um espaço organizado, com uma intencionalidade educativa que busca seu desenvolvimento
integral.
De acordo com o documento,
Desde este punto de vista, el objetivo de los centros educativos donde los niños
acuden antes de su escolarización obligatoria, no es ya el de custodiar y cuidar de
ellos mientras sus padres trabajan, sino el de aportar a los más pequeños – trabajen
o no sus padres – um conjunto de experiencias favorecedoras de su desarrollo, que
no sustituyen a las vividas en la familia, sino que las apoyan y complementan. Por
consiguiente, tanto la familia como el centro educativo comparten los objetivos de
acompañar, guiar y estimular el desarrollo psicológico infantil a través de diferen-
tes experiencias educativas que buscan el desarrollo integral del niño. (ESPANHA,
1987, p. 75-76)
- Tomar conciencia de sí mismo al integrar y controlar las diversas partes del propio
cuerpo. Descubre así las necesidades e intereses propios más elementales, adquie-
re una positiva auto-estima y toma conciencia del mundo que le rodea.
- Fomentar conductas, hábitos y actitudes que promuevan una vida sana. (ESPA-
NHA, 1987, p. 78-79)
Com base nos objetivos apresentados acima, podemos pensar sobre os objetivos que
desejamos que as crianças das creches e pré-escolas brasileiras atinjam enquanto frequentam a
Educação Infantil. Assim como o modelo High/Scope e a abordagem de Reggio Emilia, o modelo
curricular da Escola Moderna Portuguesa e o Plano Curricular Base para a Educação Infantil da
Espanha devem ser lidos levando-se em conta o contexto das creches e pré-escolas brasileiras.
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PEDAGOGIA
O fundamental é não perdermos de vista que o centro do planejamento nas escolas de Educação
Infantil deve ser a criança pequena. Analisar diferentes modelos curriculares deve permitir que
pensemos em uma organização que atenda às necessidades da criança de 0 a 6 anos de idade e
que proporcione seu desenvolvimento integral.
NONO, Maévi Anabel. Escola Moderna Portuguesa e Plano Curricular Base para a educação infantil
da Espanha. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA [UNESP]; UNIVERSIDADE VIRTUAL DO
ESTADO DE SÃO PAULO [UNIVESP] (org.). Caderno de formação: formação de professores:
educação infantil: princípios e fundamentos. São Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual
Paulista, Pró-Reitoria de Graduação, 2011. v. 2. p. 37-43. ISBN 978-85-7983-132-4. Disponível em:
https://acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/337947/1/caderno-formacao-pedagogia_7.pdf. Acesso
em: 25 out. 2022. (Educação Infantil: abordagens curriculares, Caderno de formação n. 7, bloco 1,
módulo 3, disciplina 13).
Referências
ESPANHA. Ministerio de Educación y Ciencia. Proyecto para la reforma de la enseñanza. Educación
infantil, primaria, secundaria y profesional Propuesta para debate. Madri: Centro de Publicaciones
del Ministerio de Educación y Ciencia, 1987. p. 75-82.
NIZA, S. O modelo curricular de Educação Pré-Escolar da Escola Moderna Portuguesa. In: OLIVEIRA-
FORMOSINHO, J. (org.). Modelos Curriculares para a Educação de Infância: Construindo uma
práxis de participação. Porto: Porto, 1998. p. 137-159.