Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PROFESSORA
Dra. Vera Lucia da Silva
ACESSE AQUI
O SEU LIVRO
NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de
EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi
FICHA CATALOGRÁFICA
Coordenador(a) de Conteúdo
Fabiane Carniel
Projeto Gráfico e Capa
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.
Arthur Cantareli, Jhonny Coelho Núcleo de Educação a Distância. SILVA, Vera Lucia da.
e Thayla Guimarães
Linguística II.
Editoração Vera Lucia da Silva.
Flávia Thaís Pedroso
Design Educacional Maringá - PR.: UniCesumar, 2020.
Giovana Vieira Cardoso 200 p.
Revisão Textual “Graduação - EaD”.
Silvia Caroline Gonçalves 1. Linguística 2. Linguagem 3. Ensino. EaD. I. Título.
Ilustração
André Azevedo
Fotos
Shutterstock CDD - 22 ed. 412
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Impresso por:
ISBN 978-65-5615-124-3
qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- são, que é promover a educação de qua-
versão integral das pessoas ao conhecimento. lidade nas diferentes áreas do conheci-
Reitor
Wilson de Matos Silva
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
http://lattes.cnpq.br/3139374696864904
A P R E S E N TA Ç Ã O DA DISCIPLINA
LINGUÍSTICA II
Prezado(a), estamos iniciando mais uma etapa do curso e, por meio dela, iremos mediar a disci-
plina de Linguística II, em que o foco é compartilhar conhecimentos sobre a nossa língua mater-
na, ou seja, a portuguesa brasileira, que começamos aprender ainda no ventre da nossa mãe.
Esperamos que você, enquanto sujeito ativo, desenvolva uma leitura mediada por críticas
e reflexões para que possamos colaborar, a partir de nossos pequenos gestos, para uma
transformação social capaz de retirar o nosso modelo educacional adequado para o século
XIX, transformando-o para atender às necessidades que a sociedade do século XXI está exi-
gindo de todas as pessoas, principalmente daquelas que estão propondo atuar no campo
profissional da docência, tendo a língua como sua ferramenta de trabalho.
Dentro de um arcabouço teórico amplo, tivemos que fazer escolhas teóricas que resultaram
nas cinco unidades que iremos apresentar. Cada uma contemplará uma teoria do campo da
linguística e o foco sempre será a língua que falamos e escrevemos.
Na primeira unidade, você terá acesso aos conceitos básicos da Teoria Linguística Gerativista
e o seu teórico principal, Noam Chomsky. O objetivo é lhe apresentar a língua, a partir de
conceitos que a refletem como algo de pertencimento exclusivo e inato de nós seres huma-
nos, para chegar a alguns aspectos teóricos e práticos de aquisição do Português do Brasil
pelas nossas crianças.
A P R E S E N TA Ç Ã O DA DISCIPLINA
Na segunda unidade, você irá conhecer outra teoria do campo da Linguística, denominada
Sociolinguística. Por meio dela, você descobrirá que a língua não é fixa, homogênea e enges-
sada, mas flexível, fluida e em constante movimento, ou seja, ela está sempre em processo
de variação e mudança. Por meio dessa teoria e seus autores, nosso olhar sobre a língua que
falamos e escrevemos hoje (a Portuguesa Brasileira) enxergará mais longe, para além dos
preconceitos linguísticos cultivados no solo fértil do senso comum.
A terceira unidade foi desenvolvida para que você conheça e pratique, nas suas ações linguís-
ticas cotidianas, a Teoria da Semântica. Este campo de saber nos subsidia a lidar com a língua
como um campo aberto que, pensada nos seus contextos específicos, uma única palavra
possibilita a produção de vários significados. Um campo de saber riquíssimo para pensarmos
na engrenagem da língua tanto no espaço social quanto no chão da escola.
A quarta unidade levará você a uma teoria linguística denominada Análise do Discurso (AD) e, por
ser considerada uma disciplina de entremeios, pois, além da linguística, o discurso é produzido
também pela história e pelos acontecimentos sociais justificados nas lutas de classes. Pela AD,
você irá descobrir que a língua é opaca e capaz de produzir efeitos de sentidos, conforme a
posição do sujeito que enuncia. Enfim, trata-se de mais uma teoria linguística que irá auxiliar a
estabelecer uma relação menos ingênua (sem tanta inocência) com os fatos cotidianos.
Desejo-lhe uma ótima leitura e que os resultados abram espaços para o início de uma jorna-
da com resultados profícuos para desbravar uma área que ainda merece cuidado e carinho.
Mergulhe por inteiro!
ÍCONES
pensando juntos
explorando ideias
quadro-resumo
conceituando
Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele-
mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples.
conecte-se
PROGRAMÁTICO
UNIDADE 01
10 UNIDADE 02
52
LINGUÍSTICA GERATIVA: SOCIOLINGUÍSTICA:
CONCEITOS TEÓRICOS VARIAÇÃO E
E PRÁTICOS SOBRE MUDANÇAS
A AQUISIÇÃO DA LINGUÍSTICAS
LINGUAGEM DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO
UNIDADE 03
90 UNIDADE 04
118
SEMÂNTICA: A TEORIA ANÁLISE DO
DO SIGNIFICADO DISCURSO:
FUNDAMENTOS
INTRODUTÓRIOS
UNIDADE 05
158 FECHAMENTO
193
ENSINO E CONCLUSÃO GERAL
APRENDIZAGEM DE
LÍNGUA MATERNA:
REFLEXÕES TEÓRICAS
E PRÁTICAS
1
LINGUÍSTICA GERATIVA:
CONCEITOS
TEÓRICOS
e práticos sobre a aquisição
da linguagem
PROFESSORA
Dra. Vera Lucia da Silva
PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Retornar para avançar: Linguística
I • Gerativismo: que teoria linguística é essa e quem é seu principal autor? • Behaviorismo: estímulo,
resposta e reforço na aprendizagem da língua • Linguística gerativa: fases, aplicações e conceitos
principais • Aquisição de linguagem do português brasileiro: risos, tropeços, balbucios e meias falas.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Lembrar alguns aspectos teóricos da Linguística I e preparar o(a) estudante para conhecer e refletir
sobre a Linguística Gerativa • Apresentar a teoria e seu principal autor • Conhecer a fase behaviorista e
sua influência na fase gerativista • Compreender a teoria gerativista e suas fases de desenvolvimento •
Compreender a aplicação da teoria gerativa na aquisição do Português Brasileiro.
INTRODUÇÃO
AVANÇAR:
linguística I
12
Como a língua somente será analisada de forma competente se o analista a
UNICESUMAR
considerar como algo que está sempre aberto e em constante movimento, é cabível,
neste momento, pensá-la por meio do falante e, claro, de forma interdependente
aos acontecimentos que compõem nossa vida enquanto seres sociáveis e afetado
pelos acontecimentos. Por isso, dedicaremos as páginas desta unidade para você
ter acesso aos aspectos básicos que compõem a teoria linguística gerativista.
Ferdinand de Saussure já foi apresentado a você como o responsável pela teoria
que revolucionou os estudos linguísticos, a partir do século XX, por meio do lan-
çamento da obra denominada Curso de Linguística Geral, o famoso CLG, lançado
em 1916, que trouxe em seu arcabouço a base teórica da língua, enquanto objeto
científico. O que importa para nós, neste momento, é que foi a apresentação da
sua teoria com todos consensos e dissensos ocorridos que, hoje, podemos pensar
sobre a (e na) língua por meios de diversas ramificações teóricas e a disciplina de
Linguística II nos dará a oportunidade de conhecer algumas delas. Nesta unidade,
apresentaremos a base teórica do gerativismo de Noam Chomsky e seus desdobra-
mentos, por ser considerada uma das primeiras teorias linguística, após Saussure.
É importante, nesse momento, afirmar que, para nós, dizer algo é tão natural
quanto o gesto de andar ou tão simples como é o ato de voar para o pássaro. Um
ato tão natural que não paramos para pensar na complexidade que há em uma
situação em que um falante pergunta as horas para o outro, seguida da resposta
que define o momento do dia em que estamos.
É sobre o modo como os humanos produzem e compreendem suas expres-
sões de fala que será tratado nesta unidade, por meio da apresentação de uma
ciência denominada Linguística Gerativa. Sua compreensão básica elege a mente
humana como componente inato de aquisição da linguagem e, nesse contexto
teórico, cabe ao linguista “[...] formular hipóteses sobre como deve ser o conhe-
cimento linguístico existente na mente das pessoas” (KENEDY, 2013a, p. 16).
13
2
GERATIVISMO:
UNIDADE 1
QUE TEORIA
LINGUÍSTICA
é essa e quem é o
autor principal?
Nossa produção sobre esta temática linguística se inicia por meio de uma con-
ceituação básica, mas capaz de responder à pergunta que intitula este item. Para
iniciar nossa reflexão, nos apropriamos de Guimarães (2014) para definirmos o
gerativismo como uma corrente teórica do campo da linguística que reflete sobre
o processo de aquisição da linguagem. Ele foi oficialmente criado nos Estados
Unidos pelo linguista e ativista político Avram Noam Chomsky (veja sua bio-
grafia no “Explorando Ideias”), por meio do lançamento da sua obra Syntactic
Structures (Estruturas Sintáticas), no ano de 1957.
14
■ Nesse período considerado como pós-saussuriano (o ano de 1957),
UNICESUMAR
Chomsky e seu estilo polêmico aparece com uma teoria em que o ponto
principal se pautava em um comportamento científico de resistência em
relação às propostas teóricas e práticas do behaviorismo (o próximo item
será dedicado a este tema). Para tanto, a proposta chomskyana se funda-
mentava teoricamente por meio do desenvolvimento de um projeto pe-
dagógico ministrado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Não podemos esquecer que estamos tratando de um campo teórico que tem
como foco pensar cientificamente sobre a língua e, especificamente no caso do
gerativismo que estamos tratando aqui, no modo pelo qual ocorre a aquisição
da linguagem em nós, seres humanos. Além disso, no dizer de Kenedy (2013a),
gerativismo vem do verbo gerar e, por meio dele, significa o desenvolvimento de
uma teoria linguística capaz de descrever os procedimentos mentais que geram
as estruturas da linguagem representadas por palavras e frases criadas na mente
das pessoas, por meio de regras inconscientes.
Ainda amparados no autor, salientamos que a descrição e explicação racional
do modo como se adquire e funciona a linguagem humana será discutida neste
espaço. Para isso, consideramos o aspecto cognitivo e suas reflexões sobre um
conjunto de inteligências humanas, ou seja, fenômenos mentais relacionados à
aquisição, armazenamento e ativação de elementos utilizados na aquisição da
linguagem (a língua materna que, no nosso caso, é a Portuguesa Brasileira).
Novamente estamos inseridos em uma importante teoria que tem como ob-
jetivo pensar sobre a língua, cabendo defini-la dentro desse campo teórico, pois,
como já sabemos que a língua se apresenta a partir de uma multiplicidade de
definições para a comunidade acadêmica que a tem como seu principal objeto
de estudo, conforme veremos neste material. Por isso, é importante defini-la aqui,
especificamente, dentro do campo teórico gerativista e segundo Kenedy (2013a)
como uma habilidade presente na mente humana, uma faculdade cognitiva que
habilita o ser humano a produzir e compreender enunciados na língua de seu
ambiente (a materna).
Nesse momento, vale a pena refletir sobre o gerativismo a partir de uma po-
sição prática, ou seja, apresentando alguns questionamentos tal como o de Luft
(1985), que apresenta questões desafiadoras sobre o modelo de ensino tradicional
(e também atual) da língua materna. Ele afirma que:
15
“
Uma das principais causas de um ensino de língua materna mal
UNIDADE 1
EU TRAZI E EU JÁ FAZI
MINHA BOLA PARA MINHA TAREFA, AGORA
JOGAR. PODEMOS BRINCAR!
16
Veja o que o autor apresenta como exemplos dessa fase:
UNICESUMAR
a) * fazi ou * trazi equiparando às regras gerais das formas regulares bati,
fugi, comi.
b) * abrido, * cobrido, * fazido, * escrevido se assemelhando aos modos re-
gulares dormido, comido, batido.
Os exemplos registrados com o sinal de asteriscos indicam que tais termos são
agramaticais, ou seja, estão em desacordo com as regras gramaticais ensinadas
nas escolas e, portanto, não são aceitáveis. No entanto, se fizermos uma reflexão
linguística destituídos das normas da gramática normativa tradicional, iremos
perceber que essa criança está construindo um arquivo linguístico em que ela se
acha exposta e cria suas hipóteses, marcando sua evolução linguística. Sobre tais
fatos, veja o que nos diz o autor:
“
Parece assombro que qualquer criança em condições físicas, men-
tais e sociais normais, seja capaz de elaborar assim a teoria ou a
gramática de sua língua. [...]. Trata-se de um saber imediato, sem
intermediação da razão, sem nomenclatura. Um saber sintético, não
analítico; implícito, não explícito. Enfim, um saber intuitivo, não
discursivo (LUFT, 1985, p. 42-43).
Esse processo intuitivo e inatista (escreveremos sobre isso logo mais) é inerente à
formação da criança que chega na escola dominando sua língua materna, apenas
pelo convívio social com seus pares (amiguinhos, pais, avós, irmãos etc.), ou seja,
ela não precisa passar por nenhum projeto pedagógico de alfabetização para iniciar
sua trajetória como falante e ser social que interage, principalmente e, inicialmente,
pela linguagem falada. Nesse caso, o gerativismo é um campo de conhecimento que
poderá ajudar a compreender o fenômeno da aquisição da linguagem.
Enquanto estudantes, é importante saber que as teorias científicas sempre
surgem a partir de reflexões de pensadores que ressignificam ou refutam teorias já
existentes, nos eventos acadêmicos. Tais celeumas também ocorreram em meados
do século XX, quando Noam Chomsky criticou a influência do behaviorismo,
enquanto linha de pensamento vigente e influenciadora no processo de ensino
e aprendizagem da aquisição da língua materna. Vamos conhecer os aspectos
básicos desta teoria e sua aplicabilidade no processo de ensino de língua, bem
como os motivos pelos quais Chomsky o criticou veementemente?
17
UNIDADE 1
explorando Ideias
O professor, ativista político e crítico radical contra a economia externa americana Avram
Noam Chomsky nasceu em 1928, na Filadélfia, em um dos estados americanos denomi-
nado Pensilvânia. Em 1955, tornou-se doutor na Universidade da Pensilvânia e, em 1957,
lança o resultado do seu trabalho na obra “estruturas sintáticas”. Em 1961, começou a
lecionar no Massachusetts Institute of Technology (MIT), mas o que o tornou conhecido e
famoso foi sua contribuição à linguística moderna, por meio da formulação teórica e o
desenvolvimento do conceito de gramática gerativa transformacional que, ao apresen-
tar um sistema de análise linguística lógica, desafiou a linguística tradicional, a partir da
consideração de que a única forma de entender o aprendizado de uma língua, por seus
falantes nativos, seria por meio da compreensão de estruturas gramaticais inatas (já nas-
cidas com o indivíduo) e, portanto, comum a toda a humanidade, ou seja, uma espécie
de gramática universal (GU) ou um dispositivo cerebral inato que nos permite aprender e
utilizar a língua de forma quase instintiva.
Fonte: adaptado de Pacievitch ([2020], on-line)1.
18
3
BEHAVIORISMO:
UNICESUMAR
ESTÍMULO, RESPOSTA
e reforço na aprendizagem
da língua
a) O que é behaviorismo?
20
A essência dessa teoria preza pela omissão do estudo da consciência e da in-
UNICESUMAR
trospecção (emoção e sentimento) para basear-se somente em dados fisiológicos
observáveis e herdados da teoria do condicionamento do médico fisiologista
russo Ivan Pavlov (1849-1936). Este explicou o modo pelo qual os estímulos se
encadeiam com as reações para produzir o comportamento, chegando à con-
clusão de que todo comportamento humano poderia ser explicado por meio de
condicionamentos (FRAZÃO, [2020], on-line)3.
Resumindo: a essência do behaviorismo define que qualquer ser humano,
mesmo sendo considerado uma tábula rasa e de mente vazia, poderia ser en-
sinado a ter um comportamento determinado, mediante a construção de sua
personalidade e inteligência, ou seja, de acordo com a teoria de Watson, qualquer
criança poderia ser treinada e transformada em médico, artista, ladrão ou men-
digo (GUIMARÃES, 2014).
A autora salienta que Chomsky fora considerado “rebelde e inflexível” por
ter se negado a continuar com as propostas behavioristas, indo na contramão da
hipótese empirista, ou seja, a de que a linguagem é adquirida pelas experiências
vividas após o nascimento. Ao negar essa possibilidade, ele assume uma postura
acadêmica ousada e desenvolve um pensamento diferente do que já estava estabe-
lecido naquele tempo, por meio da sua dissertação de mestrado, na Universidade
da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Interessa saber que foi a partir desta teoria que surgiram novas interpretações
conhecida como neobehaviorismo ou behaviorismo radical e é nesse contexto
que lembramos o psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner (1904-
1990), discípulo de Watson que lançou sua teoria oficialmente, em 1957, por meio
da obra Comportamento Verbal. Ele considerou o comportamento verbal hu-
mano e a aprendizagem, por meio da dupla estímulo-resposta (S-R das palavras
inglesas stimuli e response) adquiridas de Watson, mas acrescentou um terceiro
elemento, o reforço positivo ou negativo.
Segundo a autora, os pressupostos de Skinner para a aquisição da linguagem
defendem que as crianças aprendem imitando os adultos e por meio do reforço
negativo (quando dizem algo "errado" e são corrigidas) e do reforço positivo
(quando dizem algo considerado "certo" e são elogiadas/motivadas).
21
Desse modo, sua base científica está amparada na relação entre a atividade
UNIDADE 1
“
[...] acreditavam que o comportamento humano era regido pela
tríade estímulo-resposta-reforço: a pessoa recebia algum estímu-
lo, externo ou interno, e então desenvolvia uma resposta; se fosse
reforçada positivamente, essa resposta viraria um comportamento
frequente; se reforçada negativamente, seria abandonada (GUIMA-
RÃES, 2014, p. 46).
REPETIÇÃO DO
COMPORTAMENTO
ABANDONO DO
COMPORTAMENTO
22
Vamos para mais um exemplo: a criança, ao ver a mamadeira (estímulo), diz papá
UNICESUMAR
e, caso receba o alimento (reforço positivo), aprende que sempre que sentir fome
deverá dizer papá (resposta). De acordo com os adeptos do behaviorismo, esse
comportamento linguístico explica que a aquisição da linguagem ocorre por
meio de um processo automatizado, observacional, ou seja, sem a preocupação de
que há outros elementos estruturadores e organizacionais que atuam juntamente
durante o processo de aquisição.
Seguindo este raciocínio, a questão que se coloca nesse momento é que a apren-
dizagem (ou aquisição) de uma língua ocorre por meio de um fenômeno mecani-
cista de imitação, trazendo à tona vários questionamentos, entre os quais apresen-
tamos somente dois, por considerá-los primordiais no avanço da nossa reflexão:
a) Se a aquisição da linguagem ocorre por meio de imitação (estímulo, res-
posta e reforço), como explicar o fato de uma criança que, com apenas 4
anos de idade, já é competente em sua língua nativa, dominando a maior
parte de suas regras, ultrapassando o método imitativo?
b) Se a aquisição da linguagem ocorre por meio de imitação (estímulo, res-
posta e reforço), como uma criança enuncia palavras ou frases nunca
ouvidas dos interlocutores próximos (pais, avós, irmãos etc.)?
Tais reflexões são suficientes para adentrarmos em outro campo teórico que abor-
da a aquisição da linguagem por meio de um campo teórico que vai além da
base behaviorista, e que questionou esse modelo mecanicista de se adquirir uma
linguagem, partindo de questões observáveis e teorizando-as como algo inerente/
inato no ser humano. Tais questões continuarão sendo tratadas aqui, por meio do
avanço pela teoria gerativa de Noam Chomsky, situando seus pontos principais.
pensando juntos
Você já pensou sobre a capacidade que os humanos têm em adquirir e fazer uso de uma
língua de forma tão natural e rápida? Já refletiu também por que os outros animais não
conseguem falar, mesmo submetidos a treinamentos?
Fonte: adaptado de Kenedy (2013a) e Lima Junior (2013).
23
4
LINGUÍSTICA GERATIVA:
UNIDADE 1
FASES, APLICAÇÕES
e conceitos principais
24
Primeira fase: a teoria padrão e o inatismo
UNICESUMAR
Iniciamos este tema com duas reflexões, lançada por Kenedy (2013b):
25
Esse é o momento de apresentar o conceito denominado “faculdade da lin-
UNIDADE 1
“
[...] chegamos a um dos princípios essenciais da teoria gerativa: todo
ser humano nasce com a faculdade da linguagem, um módulo men-
tal ou dotação biológica específica da espécie humana que o torna
apto a adquirir e utilizar pelo menos uma língua natural (GUIMA-
RÃES, 2014, p. 27).
Por isso, ao afirmar que a linguagem verbal é uma propriedade que nasce com
o ser humano, a teoria gerativa assume a postura de que estamos tratando de
algo que faz parte do seu código genético. Fato que justifica o termo “faculdade
da linguagem” como uma predisposição inata ou, no dizer de Kenedy (2013b,
p. 15), como uma “[...] disposição biológica que todos os indivíduos humanos
saudáveis possuem para adquirir uma língua e para produzir e compreender
palavras, frases e discursos”.
Segundo Chomsky (1971), essa concepção inatista nos leva a uma conclusão
de que a linguagem humana parece ser um fenômeno único e que se compõe de
uma sintaxe pelo fato de apresentar um resultado de organização interna, estru-
tura e coerência. O autor ainda ressalta que o inatismo nos capacita a falar muitas
coisas que não aprendemos, pois é a partir de tais capacidades inatas (institutos
naturais) que somos direcionados para a “[...] a natureza, a maneira e a extensão
do que se deve ouvir, esperar ou desejar [...]” (CHOMSKY, 1972, p. 77).
Essa engrenagem é explicada por um dispositivo mental que, na teoria
chomskyana, denominou como “dispositivo de aquisição da linguagem” (langua-
ge acquisition device - LAD). Kenedy (2013a) afirma que os neurônios criados
pelo LAD são especializados em retirar informações linguísticas do ambiente,
direcionando à seguinte reflexão: que informações linguísticas são essas? Ora,
são todos os enunciados construídos na língua da comunidade de falantes a que
pertencemos e que estamos expostos desde o primeiro dia de nossas vidas. Veja
o que nos diz a autora:
26
“
O gerativismo defende a interdependência entre inatismo e experiência.
UNICESUMAR
Todos nascemos com o LAD, que nos predispõe a aprender qualquer
língua natural – ou seja, ninguém nasce predisposto a aprender chi-
nês, italiano ou português; nascemos com predisposição para aprender
qualquer língua. Depois, à medida que crescemos e somos expostos
a uma língua específica, nossa faculdade da linguagem especializa-se
e atinge um estado de “maturidade”, que é o conhecimento profundo
e abstrato que temos dessa língua em particular, seja ela o chinês, o
italiano, o português ou qualquer outra (GUIMARÃES, 2014, p. 28).
Estamos agora diante de uma informação em que se faz necessário retomar dois
conceitos: língua-I e língua-E. Antes de tratar sobre, observe o quadro e veja como
funciona o processo de aquisição de linguagem na hipótese gerativista:
Informações Conhecimento
linguísticas do de uma língua
ambiente particular
27
A criança a qual estamos nos referindo está exposta a duas línguas portugue-
UNIDADE 1
sas: a que está dentro da sua cabeça enquanto falante e outra que se presentifica
no ambiente e, portanto, facilmente localizável nos dicionários. Um assunto que
estimulou Noam Chomsky a propor os termos língua-I e língua-E. A língua-I se
refere àquela que se considera como alocada “dentro da cabeça” do falante (aspec-
to cognitivo, individual, intensional com “s” para a caracterizar como individual
e interior), ou seja, trata-se
“
[...] daquele conhecimento inconsciente, subjetivo e abstrato que te-
mos de certa língua natural, ou melhor, de certa língua-E. A língua-I
corresponde, desse modo, ao estado de maturidade que a faculdade
da linguagem, em um indivíduo exposto a estímulos linguísticos
normais, atinge no início da puberdade (GUIMARÃES, 2014, p. 31).
Nesse caso, a língua-I faz parte do sistema cognitivo humano (faculdade da lingua-
gem) que possibilita, desde o nascimento, a perceber e processar a língua-E do am-
biente em que está inserido e que o capacita a retirar as devidas informações para criar
a sua língua-I, ou seja, seu conhecimento linguístico. Assim, a língua-I “[...] é a forma
pela qual as informações contidas no código linguístico do ambiente (a língua-E) es-
tão representadas em nossa mente. É [...] a nossa versão interiorizada das informações
da língua-E, a nossa cópia particular dessa língua” (KENEDY, 2013a, p. 34).
A língua-E, como o próprio nome sugere, corresponde ao que se denomina
como língua (ou idioma: português, inglês, francês etc.) que se caracteriza como
fenômeno sociocultural (objetivo, extensional com “s” para a definir como co-
letiva e exterior), ou seja, é também uma língua usada pela população por um
interesse comunicativo que se compreende como um construto independente das
propriedades da mente/cérebro. Vamos explicar a ideia por meio de um quadro:
Quadro 3 - A hipótese inatista sobre a faculdade da linguagem / Fonte: Kenedy (2013a, p. 74).
28
O quadro evidencia a interdependência dos elementos para conseguir o resul-
UNICESUMAR
tado, ou seja, os estímulos são condições necessárias para a aquisição do conhe-
cimento linguístico. No entanto, nada aconteceria (ou se acontecesse alguma
coisa, seria semelhante a um animal treinado) se o ser humano não fosse dotado
biologicamente para isso, ou seja, apesar da interdependência entre a língua-E
e a língua-I, a pessoa mesmo exposta a um ambiente linguístico considerado
ineficiente denominado como fenômeno de pobreza de estímulos, ela consegue
se desenvolver linguisticamente, graças ao aspecto modular da mente. Observe
como se configura a nossa mente:
EMOÇÕES
LINGUAGEM
RELAÇÕES
SOCIAIS
PROCESSADOR CENTRAL
VISÃO
RELAÇÃO
MATEMÁTICA
MEMÓRIA
RELAÇÃO
ESPACIAL
29
Embora esse modo de conceber o cérebro humano tenha múltiplas interpreta-
UNIDADE 1
ções, conforme a teoria em que se está filiado, é importante saber que, em relação
ao módulo da linguagem, podemos considerar os seguintes submódulos:
a) Fonológico: refere-se às estruturas sonoras da língua. Exemplo: o fone-
ma (ou som) /s/, representados pelas letras “s” (sapo), “ç” (açougue) e “ss”
(assado) (lembrando que fonema não se confunde com letra).
b) Morfológico: morfemas dotados de significação que permitem estruturar
e modificar os itens lexicais e reconhecer palavras novas. Ao verbo “estu-
dar” pode atribuir vários significados, por meio da adição ou subtração
de morfemas: estudarei (o morfema /re/ adiciona o significado de futuro
e o /i/ recai sobre a pessoa que fala, a primeira pessoa “eu”), estudava (o
morfema /va/ considera uma ação passada, pretérito imperfeito).
c) Lexical: dedica-se às palavras, sua pronúncia e significado e suas condi-
ções de uso e faz parte do nosso conhecimento linguístico, ou seja, nossa
língua-I (diferenciando do conjunto de palavras que estão registradas nos
dicionários e se refere à língua-E). Exemplo: por um lado, no dicionário
encontramos a palavra “amplexo” e sua definição, mas muitos de nós não
a conhecemos e, por outro, apesar de a palavra “tchan” ser consagrada no
Brasil há décadas, dificilmente a encontraremos registrada em dicionários.
d) Sintático: capacidade de produzir e compreender frases por meio de um
controle combinatório inconsciente. Nós, falantes e conhecedores das re-
gras da língua portuguesa brasileira, sabemos que a frase “a minha amiga é
bonita” é gramatical, enquanto “minha amiga a bonita é” é agramatical (*).
e) Semântico: identifica significados em expressões linguísticas como pala-
vras, sintagmas e frases. Diante de uma pergunta para apresentar o signifi-
cado oposto do sentimento de tristeza, certamente, você e sua competên-
cia semântica acerca da sua língua nativa, registraria felicidade ou alegria.
30
f) Pragmático: voltado para o contexto de uso prático da língua sem que os
UNICESUMAR
significados de tais usos estejam explicitados nas frases citadas, mas que
produzem seus efeitos. Vamos exemplificar: você está a quase 30 minutos
de explicação da teoria linguística gerativista aos seus alunos do segundo
ano de Letras e, nesse tempo, o aluno Marcos entra sem justificar em sua
aula. Você de forma um pouco ríspida faz a seguinte pergunta: “Marcos,
você sabe que horas são?”. Todos nós, com o conhecimento que temos da
nossa língua nativa e da situação descrita, sabemos que o(a) professor(a)
não quer saber a hora simplesmente, mas alertá-lo sobre seu descompro-
misso com a aula, por meio do atraso.
31
“
A sentença (S) “o aluno leu o livro” é formada pela relação estrutural
UNIDADE 1
Nesse período, tal sentença também poderia ser representada por um esquema
denominado diagrama arbóreo, a famosa árvore que os gerativistas fazem para re-
presentar as estruturas sintáticas de uma sentença, conforme demonstrado a seguir:
SN SV
DET N V SN
o estudante leu
DET N
o livro
32
S
UNICESUMAR
SN SV
DET N V SN
o estudante leu
DET N
o livro
ESTRUTURA PROFUNDA
REGRAS DE TRANSFORMAÇÃO
1. seleção do verbo “ser” + particípio; 2. movimento do objeto para a posição de sujeito;
3. manifestação do agente como Sintagma Preposicionado (SP).
SN SV
DET N V SP
foi lido
por
(pelo)
DET N
o livro
Quadro 6 - Transformação de uma sentença ativa em passiva / Fonte: Kenedy (2013b, p. 132)
33
Avançando para a década de 80, do século passado, salientamos que as teorias vão
UNIDADE 1
sendo reformuladas tal como ocorre com a tecnologia, o estilo de vida, a moda, as
relações sociais etc., e foi nesse período que surgiu a Gramática Universal (GU).
Sobre essa fase, precisamos antes ter a noção de que existe no mundo, aproximada-
mente, 6.912 idiomas e é partir dessa informação que lançamos uma reflexão que,
talvez, ainda não foi pensada por você: será que existe alguma regularidade comum
entre tantas línguas naturais heterogêneas? Além disso, será que há diferenças pre-
visíveis entre elas? É justamente a busca por essas universalidades, previsibilidades
e ordem linguísticas que ocupam o tempo dos gerativistas dessa época.
Tais reflexões fornecem o suporte básico para entendermos o avanço da teo-
ria, para além do aspecto inato ou da faculdade da linguagem defendido na pri-
meira fase. De acordo com Kenedy (2013a), os gerativistas formularam a teoria da
GU, a partir de dois mecanismos teóricos denominados princípios universais e
parâmetros particulares, e que são desenvolvidos por meio da sintaxe, pois é por
meio dessa área que se percebem as semelhanças entre as línguas. Um exemplo
disso é que todas as línguas do mundo possuem funções sintáticas como sujeito,
predicado e complementos.
Dentro do contexto aqui estudado e do autor que nos respalda, de um modo
atualizado, entendemos os princípios como propriedades gramaticais válidas
para todas as línguas naturais, enquanto que os parâmetros são as possibilidades
limitadas de variação entres tais línguas. Vamos compreender o fenômeno na
prática, por meio da leitura de duas sentenças:
a) João disse que ele vai se casar. Nesse caso, o pronome “ele” pode se referir
tanto a João, quanto a outro homem qualquer citado anteriormente.
b) Ele disse que João vai se casar. Nesse caso, o pronome “ele” não pode se
referir a João, mas a outro homem.
“
Essa diferenciação entre a referencialidade do pronome “ele” nas duas
frases pode ser explicada da seguinte maneira: nesse contexto, o pro-
nome faz referência a algum elemento que precisa ter sido citado
anteriormente no texto – trata-se de um pronome anafórico. É um
Princípio da GU que uma anáfora necessariamente deve suceder o
34
seu referente, e nunca o contrário. É por isso que na frase (a) “ele” pode
UNICESUMAR
ser tanto “João” quanto outro homem citado numa frase anterior, já
que ambos os termos antecedem o pronome. Já no caso de (b) “João”
não pode ser o referente de “ele”, pois o pronome antecede o nome. Se
traduzíssemos (a) e (b) para qualquer língua do mundo, o resultado
seria sempre o mesmo: em (b) seria impossível ligar o pronome ao
nome citado, mas em (a) isso pode ocorrer (KENEDY, 2013b, p. 136).
35
Como o próprio nome sugere, esse momento da teoria que perdura até os dias
UNIDADE 1
“
[...] a questão fundamental do PM é o estabelecimento da “medida”
que permita a avaliação da “otimidade” das estruturas em satisfazer
as condições impostas pelos sistemas externos. Em outras palavras,
será considerada “boa”, “gramatical”, “aceitável”, a estrutura que sa-
tisfizer inteiramente as condições das interfaces (BORGES NETO,
2011, p. 123).
36
5
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
UNICESUMAR
DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO:
risos, tropeços, balbucios
e meias falas
37
UNIDADE 1
Vamos para a análise das duas situações: a criança, ao invés de utilizar os verbos
“fechar” e “encher”, utilizou o “des” como um ato de desconstrução em relação
ao que estava feito, no caso “desabriu” e “desmurcha”. Embora para o adulto seja
considerado “erro”, considerando a fase dessa criança e sua relação única com a
língua, estabelecida por uma relação paradigmática (conforme já estudamos, as
dicotomias de Saussure em Linguística I) colocadas juntas a desligar, desabo-
toar, desamarrar, destampar, etc.
38
Sobre este aspecto, Castro e Figueira (2006) afirmam que há relações entre a fala
UNICESUMAR
da criança com a fala do adulto, de modo que a primeira (a criança) tende a incor-
porar, constantemente, argumentos que circulam na segunda (o adulto). Entretanto
observa-se também que na fala da criança há argumentos que não mostram a mes-
ma ligação com a fala do adulto, distanciando-se pelas contradições, deslocamentos
e, principalmente, a comprovação que a linguagem pode sofrer a força da ruptura,
da não coesão e do não-todo, sempre permeada pela imprevisibilidade.
Ainda amparada nas autoras, apresentamos mais um exemplo para que você
tenha noção do processo de aquisição da linguagem nas crianças: a mãe, para
convencer a criança a comer, argumenta que é preciso “comer para crescer”. Veja
como ocorreu uma situação, na hora do almoço, e que nos surpreende pela im-
previsibilidade da criança em associar o crescimento ao ato imediato de comer,
por meio da palavra “agora” no ato de crescer, simultaneamente, ao ato de comer:
Retomando à teoria gerativista já trabalhada, Santos (2012) afirma que pela pro-
posta teórica básica de Chomsky, toda criança saudável e inserida em um am-
biente social tem um dispositivo de aquisição da linguagem inato, que é ativado,
gerando a gramática da língua em que ela está exposta, ou seja, toda criança tem
uma Gramática Universal (GU) inata com a regra de todas as línguas e ela selecio-
na apenas as regras que estão ativas na língua que está adquirindo. Nesse caso, a
“
[...] a gramática universal é formada por princípios, ou seja, “leis”
invariantes, que se aplicam da mesma forma em todas as línguas, e
parâmetros,“leis” cujos valores variam entre as línguas e dão origem
tanto à diferença entre as línguas como à mudança numa mesma
língua. (SANTOS, 2012, p. 221).
39
Voltemos ao caso do uso do sujeito: se a criança for exposta à língua inglesa, vai
UNIDADE 1
“
O aprendizado da linguagem pela criança não é uma doação de
palavras, um depósito na memória e a reprodução pelo balbucio
com os lábios, mas o crescimento da faculdade de falar devido à
idade e ao exercício (CHOMSKY, 1972, p. 80).
“
O fato de que nas crianças não tem lugar um aprendizado mecânico
da linguagem, mas o desenvolvimento da capacidade linguística,
demonstra também que, assim como as principais forças humanas
têm um certo momento na vida indicado para o seu desenvolvi-
mento, todas as crianças, nas circunstâncias mais diversas, falam
e compreendem aproximadamente na mesma idade, só variando
dentro de um curto período (CHOMSKY, 1972, p. 80).
Resumindo, diz o autor que “[...] a aquisição da linguagem é uma questão de cres-
cimento e maturação de capacidades relativamente fixas, em condições externas
adequadas” (CHOMSKY, 1972, p. 80). No entanto a base forte desse processo é
determinada, em grande parte, por fatores internos e você que, nesse momento,
é um estudante da língua, percebeu que a temática é complexa e que este espaço
não é capaz de aprofundar e, muito menos, esgotar o assunto. Mas para começar,
você deve compreender que a criança consegue se desenvolver por diversos me-
canismos, principalmente por meio da linguagem que é adquirida na primeira
infância (até os 6 anos) e que, atrelada às suas experiências e descobertas, irão lhe
acompanhar por todo o percurso de suas vidas.
40
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNICESUMAR
Prezado(a) estudante, apresentamos algumas reflexões sobre a linguística gera-
tiva, como marco inicial das reflexões que serão abordadas, durante o percurso
de Linguística II. Apresentamos as fases da teoria, suas definições e elucubrações
representadas por autores que tomam como suporte teórico as ideias de Noam
Chomsky, por ser considerado o principal representante dessa teoria posta em
funcionamento nas produções científicas localizáveis física e virtualmente.
Retornamos ao século passado para compreendermos que sempre há críticas
em relação aos componentes teóricos que estão no centro das pesquisas e práticas
vigentes de um determinado período. Basta relembrarmos as críticas desenvol-
vidas por Chomsky em relação ao behaviorismo, especificamente, no processo
de como se instrumentaliza a aquisição da linguagem, enquanto componente
adquirido por um ser considerado como tabula rasa, mas que ao ser submetido
em treinamentos, passa a fazer uso dela nas interações sociais.
Chomsky se posicionou fortemente, perante a comunidade acadêmica de sua
época, para provocar celeumas, desestabilizar e iniciar um novo ciclo de estudos
sobre a linguagem, a partir de componentes teóricos que assegurava à linguagem,
um estatuto de pertencimento inato da mente humana e, portanto, pronta para
ser desenvolvida por qualquer criança que é inserida no meio social.
Salientamos que aqui foi registrada uma base teórica rudimentar de uma
teoria que ainda continua sendo explorada, repensada e reformulada. Por isso,
ela merece mais leitura, problematizações e reflexões que ultrapassem os limites
dessas páginas, com reflexões que vão além de modelos simplistas que pensam
o ato de falar como algo mecânico e o ser humano como um ser vazio. A lin-
guística gerativa se apresentou para nós para compreendermos que chegamos ao
mundo já programados (lembra do inatismo?) para estabelecer nossas relações,
por diversas modalidades, mas principalmente pela língua.
41
na prática
I - O behaviorismo é uma teoria criada pelo psicólogo John B. Watson que defen-
dia o treinamento repetitivo como método para desenvolver comportamentos
determinados nas pessoas.
II - O behaviorismo foi oficialmente lançado, no ano de 1957, por meio do discípu-
lo de Watson, o psicólogo Skinner, através da obra Estruturas Sintáticas, e sua
tríade: estímulo, resposta e reforço.
42
na prática
3. “O gerativismo teve início nos anos de 1950 do século XX, quando Noam Chomsky,
norte-americano, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA),
formulou suas primeiras ideias a respeito da natureza mental da linguagem huma-
na. [...]. Para ele, a teoria linguística deve descrever os procedimentos mentais que
‘geram’ as estruturas da linguagem, como as palavra, as frases e os discursos. [...] ele
mesmo levantou a hipótese (isto é, criou uma teoria segundo a qual as frases são
criadas na mente das pessoas por meio de aplicações de regras inconscientes, as
quais se aplicam sobre certas palavras de modo a ‘gerar’ as frases que pronunciamos
e compreendemos” (KENEDY, 2013b, p. 17). Sobre esta afirmação, leia as afirmativas
e considere se são verdadeiras (V) ou falsas (F).
43
na prática
( ) Chomsky ao afirmar que as frases são criadas na mente das pessoas significa
que a criança, por meio da sua capacidade inconsciente, é capaz de gerar frases
de acordo com as regras da sua língua materna, mesmo sem nunca ter ouvido
de seus pais.
( ) Chomsky ao afirmar sobre a natureza mental da linguagem humana, fortaleceu
a concepção teórica behaviorista, pois sua teoria gerativista, que defende o
inatismo, confirmou que a aquisição da língua ocorre por meio de treinamentos
repetitivos, até a criança decorar a frase.
a) V, V, F, F.
b) F, F, V, V.
c) V, V, V, F.
d) F, F, F, V.
e) V, V, V, V.
4. “O fato de que nas crianças não tem lugar um aprendizado mecânico da linguagem
mas o desenvolvimento da capacidade linguística, demonstra também que, assim
como as principais forças humanas têm um certo momento na vida indicado para
o seu desenvolvimento, todas as crianças, nas circunstâncias mais diversas, falam
e compreendem aproximadamente na mesma idade, só variando dentro de um
curto período” (CHOMSKY, 1972, p. 80). Essa afirmação de Chomsky demonstra que
a criança precisa estar inserida socialmente, mas não precisa de métodos que
a façam repetir frases prontas para incorporar aprender sua língua materna. Tais
fatos significam que:
44
na prática
45
aprimore-se
46
aprimore-se
Ela nasceu em 1957 (veja: mesmo ano em que Chomsky lançou sua obra Estrutura
Sintáticas), mas foi encontrada somente no início da década de 70, com quase 14
anos de idade. Desde 1,6 anos de idade, Genie não teve nenhum acesso à língua,
pois foi trancada no sótão da casa e, lá ficou isolada, sem rádio, televisão e sem
contato com outras pessoas. Somente seu pai ia até ela, em silêncio, para lhe ali-
mentá-la. A menina não tinha nenhum tipo de exposição à língua e à comunicação,
ou seja, o estímulo auditivo e verbal era nulo e, além disso, não havia brinquedos ou
objetos para brincar.
Após o resgate, Genie foi exposta ao convívio social e estudada por oito anos. Sua
compreensão linguística progrediu, mas permaneceu muito aquém da de um indi-
víduo de sua idade que teve vida social equilibrada. Seu vocabulário cresceu consi-
deravelmente, assim como sua habilidade comunicativa. Sua entonação se manteve
estranha e sua sintaxe não se desenvolveu muito. Ela nunca conseguiu produzir uma
pergunta indireta e sua ordenação de palavras se assemelhava à de uma criança de
dois anos de idade. Sua fala permaneceu agramatical apesar de ter recebido intensa
atenção, carinho, tratamento, instrução e exposição ao inglês, sua língua materna.
47
aprimore-se
Dieu” (ó Deus), muito utilizada por Madame Guérin, uma assistente do instituto no
qual Victor estava, e a palavra “lait” (leite), mas ele utilizava a palavra, várias vezes,
quando recebia leite, mas sem o sentido comunicativo de estar pedindo leite.
O menino ainda aprendeu a reconhecer comandos orais para tarefas rotineiras
de casa e Itard tentou expandir sua capacidade linguística por meio de cartões colo-
ridos com as letras do alfabeto. Victor “aprendeu” algumas palavras e utilizava seus
cartões para pedir as coisas, nas algumas visitas que fazia com Itard, mas o pes-
quisador nunca soube se eram realmente pedidos ou se estava apenas mostrando
seu “novo brinquedo”. Com o tempo, o menino aprendeu a reconhecer a escrita e
a produzir com seus cartões nomes de objetos, alguns adjetivos, como quente, frio,
grande, pequeno) e alguns verbos (comer, beber, tocar, jogar).
Após cinco anos trabalhando com Victor, Itard tentou novamente ensinar-lhe a
falar, mostrando-lhe os movimentos dos órgãos articuladores de maneira exagerada,
mas também não funcionou. Frustrado, Itard finalizou, então, seu trabalho com Victor
e conseguiu ajuda financeira do governo para que ele morasse com Madame Guérin
até que morresse, ainda mudo, no ano de 1828, por volta dos 38 anos de idade.
O caso desses dois irmãos ocorreu no Brasil e foram descobertos em 1994, após uma
denúncia. Eles viviam como animais em um curral de porcos, no sertão pernambu-
cano e, no momento do resgate, as crianças estavam nuas, desnutridas e famintas,
não andavam como bípedes e não falavam. Não falavam nenhuma palavra, apenas
emitiam grunhidos. Após sete anos em cativeiro, com total privação de interação e
linguagem, Pedro e João foram colocados sob os cuidados de tutores que cuidaram
do processo de socialização. Hoje o caçula, João, é mais comunicativo e ativo do que
Pedro, que ainda apresenta mutismo e sérios problemas de interação social. Vale sa-
lientar que, quando os meninos foram abandonados no curral, Pedro já tinha entre
seis e sete anos de idade e, possivelmente, já teria adquirido alguma linguagem.
48
eu recomendo!
livro
filme
49
eu recomendo!
conecte-se
Você quer ver e ouvir Noam Chomsky? Então, assista à entrevista “Noam Chomsky:
o conceito de linguagem” e tenha acesso a questões teóricas e práticas importan-
tes sobre a aquisição da linguagem.
https://www.youtube.com/watch?v=W53UvJoLAwI
50
anotações
2
SOCIOLINGUÍSTICA:
VARIAÇÃO
e mudanças linguísticas do
português brasileiro
PROFESSORA
Dra. Vera Lucia da Silva
PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A sociolinguística e a língua: de-
finições introdutórias • Preconceito linguístico? Isso existe? • Variação e mudança linguística: conceitos
elementares • Norma padrão, culta e curta: onde está a regra? • Variações linguísticas do Português
Brasileiro: tipologias.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Apresentar a teoria, o conceito de língua e os principais autores brasileiros • Refletir sobre o preconceito
linguístico a partir de questões linguísticas cotidianas • Definir e exemplificar os conceitos de variação
e mudança linguística • Apresentar e exemplificar reflexões sobre regra, norma padrão e norma culta
da língua • Apresentar e exemplificar os principais tipos de variações linguísticas.
INTRODUÇÃO
E A LÍNGUA:
definições introdutórias
54
UNICESUMAR
a) Conjugação verbal: a segunda pessoa do plural (vós) está praticamen-
te extinta do nosso vocabulário.
b) Pronome demonstrativo “esse” para quem fala e “este” a quem
fala: está ocorrendo a anulação dessa diferença, independentemente
da classe social e intelectual do falante.
c) Verbo “assistir”: pela gramática normativa tradicional o verbo assis-
tir, no sentido de ver, deve vir antecedido da preposição “a” (assisti ao
filme). No entanto, o que se observa é que quase todos os falantes da
nossa língua materna dizem: “assisti o filme ontem e gostei muito”, sem
a preposição “a”.
Não por acaso, os internautas não conseguiram, ainda, perceber tais fenômenos
que estão ocorrendo no cotidiano dos falantes e, consequentemente, não julga-
ram e não registraram na enorme lista de erros. Pergunto a você, estudante, que
tem a língua como ferramenta de reflexão e, possivelmente, como instrumento
de exercício profissional:
55
Estamos lidando com mais uma temática que apresenta suas vertentes teó-
UNIDADE 2
“
[...] o estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em
seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Seu ponto de
partida é comunidade linguística, um conjunto de pessoas que in-
teragem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas
com respeito aos usos linguísticos (ALKMIM, 2012, p. 33).
Estamos lidando com um ramo da linguística que, segundo Bagno (2007), surgiu
nos Estados Unidos em meados da década de 60. Momento que muitos cientistas da
linguagem perceberam que já não era mais possível estudar a língua sem levar em
conta também a sociedade, nessa língua falada. Dentro do campo da sociolinguística
variacionista, o autor destaca Willian Labov como o nome mais conhecido da área.
Segundo Alkimim (2012), tanto o termo “sociolinguística”, quanto o nome
de Labov, surgiram em um evento científico (os congressos que conhecemos
hoje), na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), em 1964. Foi neste
acontecimento científico que participaram vários estudiosos que, posteriormente,
constituíram-se em referências clássicas para os estudos que refletem a relação
entre língua e sociedade.
56
Reforçando a definição, sabemos que a sociolinguística é uma ramificação
UNICESUMAR
científica (subgrupo) pertencente à família da linguística, que analisa a língua em
uso por seus falantes inseridos na sociedade, ou seja, nas diversas relações coti-
dianas que faz dela o objeto de excelência, o “carro-chefe” de tais relações. Diante
da escassez de tempo e para que você tire o máximo de proveito desse momento
do curso, é necessário compreendermos, agora, que a língua é pensada pelos
linguistas a partir de seus projetos de pesquisa e que, portanto, apresenta-se para
a comunidade acadêmica com definições e aplicações multifacetadas, conforme
a filiação teórica de cada pesquisador.
Nesse caso, lançamos mais um questionamento para você: como a sociolin-
guística define a língua?
Para o estruturalismo saussuriano, a língua é um sistema regido por ela mes-
ma. Para o gerativismo chomskyano, a língua está dentro da cabeça do falante,
enquanto um componente inato e, para a sociolinguística, nos apropriamos de
Bagno (2007) para tentar desmistificar a ilusão da língua homogênea e de que
ela já está pronta e acabada. Segundo o autor, para as instituições (inclusive a
educacional) “[...] só merece o nome de língua um conjunto muito particular
de pronúncias, de palavras e de regras gramaticais que foram cuidadosamente
selecionadas [...] de norma-padrão, isto é, o modelo de língua ‘certa’, de ‘bem falar’
[...]” (BAGNO, 2007, p. 35).
A crítica do autor provoca um retorno histórico à cultura grega do século III
a.C., especificamente sobre a gramática normativa/tradicional, pois
“
Como a língua grega tinha se tornado o idioma internacional dentro
do grande império formado pelas conquistas de Alexandre, surgiu a
necessidade de normatizar essa língua, ou seja, de criar um padrão
uniforme e homogêneo que se erguesse acima das diferenças regio-
nais e sociais para se transformar num instrumento de unificação
política e cultural (BAGNO, 2007, p. 63).
O autor defende que a gramática tradicional merece ser estudada e, portanto, deve
continuar sendo refletida na escola, enquanto patrimônio cultural do ocidente e
sem a visão cega e única de que ela é a única teoria linguística válida. Fato que nos
faz retomar Orlandi (2009) e o seu ponto de vista de que há outras maneiras de
compreender a língua, para além de uma condição imaginária imposta que a ca-
racteriza como a língua que os analistas fixam em fórmulas, objeto-ficção, normas e
57
coerções. A crítica da autora a esse modelo de língua fixa e engessada é interpretada
UNIDADE 2
“
[...] intrinsecamente heterogênea, múltipla, variável, instável e está
sempre em desconstrução e em reconstrução. Ao contrário de um
produto pronto e acabado, de um monumento histórico e feito de
pedra e cimento, a língua é um processo, um fazer-se permanente e
nunca concluído (BAGNO, 2007, p. 36).
58
A partir dessas informações, vale a pena esquecer o mito da língua única, pois
UNICESUMAR
fica impensável refletir sobre ela como algo estável e homogêneo. Essa caracterís-
tica nos direciona para a tentativa de uma luta permanente sobre a implantação
de uma reflexão também permanente sobre o preconceito linguístico e suas con-
sequências sociais. Vamos pensar um pouco sobre essa questão?
2
PRECONCEITO
LINGUÍSTICO?
isso existe?
Não por acaso, tais reflexões encontram resistência para serem debatidas, pois
antes de iniciar, já são rejeitadas como tema motivador da continuação dos caos
linguístico, jogo do vale tudo e incentivo ao “erro”, sob autorização dos marginais
da língua (os subversivos linguistas). A partir de tais questionamentos, temos sub-
sídios para responder à pergunta “o que é preconceito linguístico?” por meio da
definição registrada em um dicionário da língua portuguesa. Segundo o registro
do Dicionário Houaiss, preconceito linguístico é:
“
Qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e
de seus usuários, como, p. ex., a crença de que existem línguas de-
senvolvidas e línguas primitivas, ou de que só a língua das classes
cultas possui gramática, ou de que os povos indígenas da África e
da América não possuem línguas, apenas dialetos. (HOUAISS apud
BAGNO, 2009, p. 16).
60
Tais crenças sem fundamentos científicos não devem, segundo Bagno (2009), ser
UNICESUMAR
direcionadas à sociolinguística e aos seus pesquisadores como defensores dos
seguintes argumentos:
a) A língua pode ser falada e escrita de qualquer jeito, como se fosse uma
arena de vale-tudo.
b) Interpretação da tradição normativa como se fosse algo inútil e sem fun-
damento histórico e social.
c) O uso de uma linguagem popular deve ser utilizado em todas as instâncias
de interação social falada ou escrita.
d) Que as classes desfavorecidas não precisam ter acesso à variedade culta e
de prestígio do português brasileiro contemporâneo.
61
Uma questão importante: a escola é (e deve ser) norteada para ensinar a lín-
UNIDADE 2
“
[...] está na base de todo estado moderno, independentemente de re-
gime político, na formação do seu aparato institucional burocrático,
bem como no desenvolvimento do acervo tecnológico e científico.
Pesquisas na área de planejamento linguístico mostram que existe
uma correlação positiva entre o grau de padronização linguística
de um país e seu estágio de modernização. O problema não parece
estar, pois na existência de um código padrão, mas no acesso restrito
que grandes segmentos da população têm a ele. (BORTONI-RI-
CARDO, 2005, p. 14-15).
62
sua credibilidade e seu poder, mas há, também, as variações que contribuem para
UNICESUMAR
a propagação da imagem negativa do falante, diminuindo, consideravelmente,
suas oportunidades. Desse modo, cabe ao que está na condição de mediador do
conhecimento (o/a professor/a) respeitar (e por que não valorizar?) suas pecu-
liaridades linguísticas e culturais e aproveitar essa grande oportunidade, fazendo
cumprir (pela metodologia pedagógica) o direito inalienável que esse/a aluno/a
tem em aprender as variações consideradas cultas e de prestígio, logo, capazes de
auxiliar na abertura estreita da porta de acesso a uma possível ascensão social.
Para finalizar esta temática, lançamos mais um questionamento: na condição
de professor(a), como você irá mediar o acesso à variação culta, sem ignorar o
conhecimento linguístico e cultural que o aluno traz, quando chega à escola?
Como vai promover o acesso desse aluno à língua culta de prestígio, sem o ranço
do preconceito linguístico?
Vamos responder com uma situação prática, a partir dos pronomes pessoais.
Um tema que faz parte de uma das dez classes gramaticais apresentadas nas
gramáticas brasileiras:
1ª pessoa do singular eu
2ª pessoa do singular tu
63
PORTUGUÊS BRASILEIRO FORMAL PORTUGUÊS BRASILEIRO INFORMAL
UNIDADE 2
Eu falo Eu falo
64
da dicotomia do “certo” e do “errado”, mas apresentar outras vertentes que consi-
UNICESUMAR
deram a língua a partir de um olhar científico heterogêneo.
No segundo quadro, os autores consideram os falantes do português brasilei-
ro formal e informal, ou seja, apresentam possibilidades contemporâneas e suas
variações e mudanças que vêm ocorrendo ao longo do tempo e que está sendo
usada pelos falantes.
No terceiro quadro, o autor, para abordar o tema, apresenta a norma tradi-
cional padrão (como no primeiro quadro) e as variações e mudanças que estão
ocorrendo e já são consideradas como norma culta, pelo fato de serem usadas
por um grupo determinado de falantes pertencentes ao espaço urbano, e a uma
classe intelectual, cultural e social específica.
Além do que registramos, em relação aos pronomes pessoais, é muito comum
ouvirmos a variação “nós/nóis, eles/elas fala” por determinados falantes que per-
tencem a comunidades pertencentes a classes econômicas, cultural e intelectual
consideradas mais baixas e, por isso, o preconceito em relação a essas pessoas
atinge também o campo linguístico. Por isso, precisamos atuar, no sentido de con-
tribuir para a erradicação desse preconceito; afinal, o que é considerado “errado e
feio” hoje poderá ser “certo e bonito” amanhã. Não podemos perder de vista que
a língua jamais poderá ser considerada como algo pronto e acabado.
Tais questões ampliam a nossa capacidade de ir além do que está posto e
cristalizado, mas, para isso, precisamos ter acesso a outras temáticas do campo da
sociolinguística variacionista, como saber a definição que diferencia os conceitos
de variação e mudança linguísticas, bem como sua aplicabilidade prática.
explorando Ideias
E MUDANÇA
LINGUÍSTICA:
conceitos elementares
“
Justamente pelo caráter heterogêneo, instável e mutante das línguas
humanas, a grande maioria das pessoas acha muito mais confortável e
tranquilizador pensar na língua como algo que já terminou de se cons-
truir, como uma ponte firme e sólida, por onde a gente pode caminhar
sem medo de cair e de se afogar na correnteza vertiginosa que corre lá
embaixo. Mas essa ponte não é feita de concreto, é feita de abstrato…
O real estado da língua é o das águas de um rio, que nunca param de
correr e de se agitar, que sobem e descem conforme o regime das chuvas,
sujeitas a se precipitar por cachoeiras, a se estreitar entre as montanhas
e a se alargar pelas planícies... (BAGNO, 2007, p. 36).
66
Ressignificamos o conceito de língua e já sabemos que pouco adianta tentar re-
UNICESUMAR
freá-la artificialmente como uma barragem de uma represa e, no dizer do autor,
como se os falantes não fossem pessoas com diferentes faixas etárias, múltiplas
origens étnicas e classes sociais, graus de escolaridade, religiões, profissões, opi-
niões políticas, roupas de cores e modelos diferentes. Seria possível toda essa
gente falar a sua língua materna sempre do mesmo modo? Sua experiência de
falante sabe que não e nos autoriza a refletir sobre a defesa irrefletida da norma-
-padrão que precisa ser levada em conta, enquanto modelo criado (veremos um
pouco mais sobre a questão da norma, em um item específico).
Para compreendermos o fenômeno da língua em seu estado permanente de
fluidez e instabilidade, apresentaremos alguns conceitos básicos, como variação,
variante e mudança linguísticas. Vamos lá?
A variação linguística, como já sabemos, considera a língua como algo hetero-
gêneo, que está à disposição do falante e que, inspirado em Bagno (2007), ocorre
em todos os níveis da língua, tais como:
67
UNIDADE 2
A frase “a” é usada em situações de escrita por pessoas que tiveram acesso a uma
formação escolar, projeto pedagógico e professores competentes no processo de
alfabetização e letramento, mas, segundo Bagno (2007), geralmente, a frase “b” é a
mais usual pelos falantes do português brasileiro, inclusive os mais escolarizados,
em situações de fala espontânea e que obedecem à regularidade de que somente
o primeiro elemento vai para o plural (o pronome aquelas), pois somente essa
regularidade é capaz de fazer o ouvinte entender que se trata de mais de uma
casinha. Estamos diante de um fenômeno de economia linguística, heterogenei-
dade ordenada e de coerência funcional que proporcionam a interação social e
cultural entre os falantes e vai além da dicotomia simplificada do “certo” e “errado”.
Continuando a análise, as frases “c” e “d” não ocorrem (quase impossível ocor-
rer e, por isso, são marcadas por um asterisco, para identificar uma construção
improvável ou impossível). Tal fenômeno, segundo Possenti (2011), significa que
há outras maneiras de dizer a mesma coisa, mas que tais maneiras seguem uma
regularidade constante, amparada em uma uniformidade que rege a construção
de tais estruturas.
68
Além dos aspectos que já citamos para explicar o fenômeno da variação lin-
UNICESUMAR
guística, é importante registrar que, para se fazer um trabalho científico compe-
tente sobre esta temática, é preciso considerar fatores extralinguísticos elencado
por Bagno (2007) e com algumas adaptações desenvolvidas por nós, como:
a) Origem geográfica: a língua varia em diferentes regiões/estados de um
mesmo país. Exemplo: mandioca no Paraná, aipim no Nordeste.
b) Status socioeconômico, cultural e escolar: pessoas com condição fi-
nanceira maior, nível escolar mais alto e de acesso facilitado aos bens cul-
turais tendem a falar de modo diferente aos que possuem renda financeira
menor, nível escolar mais baixo e de pouco (ou nenhum) acesso aos bens
culturais. É comum ouvir de falantes de determinados segmentos sociais
a palavra “probrema, praca etc.”, por exemplo.
c) Idade e sexo: geralmente, adolescentes não falam de modo igual aos seus
pais, e, entre homens e mulheres, há usos diferenciados de recursos lin-
guísticos.
d) Mercado de trabalho: em situações laborais, as profissões determinam
usos linguísticos. Ex: advogado: “o réu deve permanecer em privação de
liberdade”. O policial: “o bandido vai ficar na cadeia”.
e) Redes sociais: o comportamento linguístico dos internautas no Facebook,
Whatsapp, Instagram, Twitter, e-mail, e muitos outros recursos disponí-
veis na rede, também são determinados pelo grau de formalidade, grupo
a que pertence etc. Vamos exemplificar com o pronome de tratamento
“você” que, conforme a situação, será registrado como “você” para situa-
ções formais, “vc”, “c”, “cê” em situações de intimidade ou informalidade.
Com as discussões elencadas até aqui, você percebeu que não existe falante de es-
tilo único e que apresentamos comportamentos linguísticos, conforme as exigên-
cias comunicativas de cada momento. Retomamos Bagno (2007) para confirmar
que a noção de heterogeneidade da língua como máxima da sociolinguística e
como elemento direcionador para compreender que a variação ocorre de diferen-
tes maneiras. Vamos compreender na prática? Tomamos como exemplo a variável
[r] do português brasileiro em final de sílaba de palavras como cantar, amor, fazer.
Esse [r] pode ser: a) vibrante simples; b) retroflexo (r “caipira”); c) vazio (cantá,
amô, fazê, etc.). Dentro do campo de variação linguística, as diferentes maneiras
de uma palavra variar podem ser caracterizadas como variantes, tal como ocorreu
com a consoante “r”.
69
Dentro dessas concepções, há ainda a questão da mudança linguística que
UNIDADE 2
Certamente, você conseguiu ler, mas percebeu que muitas palavras mudaram
o seu registro gráfico. Vamos nos apropriar da palavra “fruita” (hoje fruta) para
compreender o fenômeno da mudança linguística. No século XVI, era “fruita” a
palavra de prestígio pronunciada e escrita por pessoas letradas e, em um deter-
minado momento, a variante “fruta” passou a concorrer com “fruita”, invertendo
a posição, ou seja, hoje, embora ainda há falantes que dizem “fruita”, o modo de
prestígio considerado pela norma culta é “fruta”. Aqui ocorreu um fenômeno de
mudança linguística.
70
Vamos para mais um exemplo: veja como ocorre a variação do verbo sentir, em
UNICESUMAR
1ª pessoa do singular, do presente do indicativo, chegando até a mudança linguística:
1 2 3 4
“
No primeiro momento, a forma SENÇO era a única que existia na
língua. No segundo momento, aparece a forma SINTO, provavel-
mente usada por grupos restritos da população, e que começa a
concorrer como SENÇO. No terceiro momento, o uso cada vez mais
amplo da forma nova SINTO transformou SENÇO em forma pou-
co prestigiada e de uso cada vez mais reduzido. Por fim, no último
momento, a forma SINTO aparece como única possibilidade de
expressar a 1ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo
SENTIR. A forma SINTO está imperando há muitos séculos, mas
ela também pode vir a ser desbancada, no futuro, por alguma nova
concorrente… (BAGNO, 2007, p. 170).
71
4
NORMA PADRÃO,
UNIDADE 2
CULTA E CURTA:
onde está a regra?
UNICESUMAR
ropa, no final do século XV, mediante a necessidade de se criar uma política de
unidade linguística centralizada nos novos Estados que surgiam, diante daquele
contexto de expansão urbana, práticas mercantis e circulação de pessoas. Uma
conjuntura que exigia um
“
[...] padrão de língua para os Estados Centrais e modernos, de
modo a terem eles um instrumento de política linguística capaz de
contribuir para atenuar a diversidade linguística regional e social
herdada da experiência feudal. A esse instrumento damos hoje o
nome de norma-padrão (FARACO, 2008, p. 73).
Por meio das palavras do autor, retomamos aquele contexto histórico para com-
preender que a norma padrão se aproxima da norma culta, ou seja, uma variedade
que era praticada pela aristocracia da época (os barões doutos) transcrita em
gramáticas e dicionários considerados como instrumento regulador de fixação
de um padrão regulador (normatizador) do comportamento dos falantes para
alcançar uma língua de Estado.
A norma culta se define como uma variedade (lembre-se: a língua é sempre
heterogênea e se constitui por um conjunto de variedades) que
“
[...] designa o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem
habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais mo-
nitoradas de fala e escrita. Esse vínculo com os usos monitorados e
com as práticas da cultura escrita leva os falantes a lhe atribuir um
valor social positivo, a recobri-la com uma capa de prestígio social
(FARACO, 2008, p. 71).
Em relação a esta norma, é preciso salientar que ela é apenas um desse conjunto
de variedades que possui funções sociais e culturais específicas, pois o seu pres-
tígio não decorre das propriedades gramaticais e muito menos de propriedades
intrínsecas da língua propriamente dita, mas se efetiva dentro de um campo ava-
liativo considerado positivo, pelo fato de pertencer aos grupos de prestígio social.
73
Norma curta é discutida por Faraco (2008) a partir da falta de competência
UNIDADE 2
“
[...] no sentido de estar presente, presenciar, este verbo é original-
mente transitivo indireto: assistir a um jogo, a um filme, a um
ensaio. [...]. No entanto, [...] — por pressão semântica de seus si-
nônimos ver, presenciar, observar — se tornou transitivo direto no
Brasil. Primeiro na linguagem coloquial e, desde meados do século
passado, já corrente na escrita literária. Por isso, [...] não faz sentido
condenar essa inovação (FARACO, 2008, p. 99).
74
O autor nos convida a assumir posturas mais abertas e fundamentadas, diante
UNICESUMAR
dos fatos da língua, sem apego ao purismo artificial exacerbado e materializado
em porta-vozes da norma curta, pois em matéria de língua, não existe autoridade
suprema e “assistir o filme” já é uma realidade linguística entre os falantes cultos.
A norma é algo que oscila e, apesar da defesa de uma norma padrão, ela
acompanha a evolução história e social, a regra da língua é outro componente
importante que precisa ser discutido. Para Bagno (2007) nos apresenta a regra de
uma forma diferente daquela que aparece nas gramáticas normativas tradicionais
que a concebe como uma espécie de lei que dita e impõe o que é “certo” e condena
o que é “errado”. Dentro da concepção da científica da linguística
“
[...] regra é tudo aquilo que revela uma regularidade [...]. Quando
conseguimos detectar e descrever alguma coisa que acontece na
língua com regularidade, com previsibilidade, segundo uma lógica
linguística coerente, fazemos essa descrição na forma de uma regra
[...] (BAGNO, 2007, p. 42)
75
5
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
UNIDADE 2
DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO:
tipologias
76
UNICESUMAR
b) Variação diastrática (social): do latim stratum (camada, estrato) essa
variação refere-se aos diferentes modos de falar das classes ou grupos
sociais, a partir de nível escolar, idade, gênero, profissão, poder aquisi-
tivo etc. (ex: voltemos às palavras “praca” e “probrema”, já citadas acima.
Aqui podemos considerar um fenômeno denominado rotacismo que
significa a troca da consoante “l” pelo “r” e que, geralmente, ocorre entre
falantes com pouca escolarização).
c) Variação diafásica (estilística, registro, formal ou informal): do
grego phásis (modo de falar) essa variação refere-se ao uso diferenciado
que cada falante faz da língua, conforme a situação de comunicação
que ele está inserido (ex: Fábio em situação formal/monitorada: “Quero
parabenizar todos vocês pelo esforço corporativo e o trabalho em con-
junto”. Fábio no happy hour, após mais um dia de trabalho: “Galera, va-
leu. Parabéns pra todo mundo, pela garra de cada um. Eita time bom!).
d) Variação diacrônica (histórica ou arcaica): do grego khrónos (tem-
po), essa variação registra as etapas da história de uma língua e suas
respectivas mudanças que acarretam no desuso de uma palavra por
diversos motivos. (ex: a palavra “fazenda”, hoje, significa grande pro-
priedade rural e, em Ministério da “Fazenda”, significa responsabili-
dade pela parte financeira do País). No entanto, a palavra, na época
da Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX), significava “pano ou
tecido”, por ser a mercadoria produzida em larga escala. É uma palavra
contemporânea muita usada, mas como sinônimo de tecido é arcaica.
Reforçando que tais tipologias não são estanques e podem ser analisadas isolada-
mente ou em conjunto; o importante é que você consiga refletir sobre este tema,
considerando as questões sociais (e extremamente desiguais) da nossa sociedade
e saiba lidar nas suas relações interpessoais.
pensando juntos
78
na prática
As referidas palavras por não fazerem parte do uso linguístico das comunidades
atuais de fala (exceto raras exceções) são consideradas como:
a) Variação diacrônica.
b) Variação diastrática.
c) Variação diafásica.
d) Variação diatópica.
e) Variação diamésica.
79
na prática
80
na prática
a) F, F, F, F.
b) V, V, V, V.
c) F, F, V, V.
d) V,V, F, F.
e) F, V, F, V.
81
na prática
82
na prática
I - Vossa Mercê passou pelas seguintes variações: vosmecê, vancê até mudar para
você. Agora o você está passando pelas seguintes variações: ucê, cê.
II - A palavra fruta, na época do Brasil colonial era denominada “fruita”, mas acabou
passando por um processo de variação denominando-a de fruta que, ao longo
do tempo, mudou para “fruita”.
III - O verbo “sentir”, inicialmente era “senço”, que passou por um processo de va-
riação, resultando em sentir, mas permanecenndo o “senço” como a variação
de prestígio e o “sentir” como a variação marginalizada, até ocorrer o processo
definitivo de mudança, resultando o “sentir” como norma-culta.
83
aprimore-se
A Sociolinguística reflete sobre a língua, através do seu uso nas relações sociais de
seus falantes, os quais fazem do uso das variações linguísticas que vão permeando
tais relações. A colocação pronominal (ou ordem dos clíticos) é um tema bastante
relevante, dentro do campo teórico da sociolinguística, por se tratar de um processo
de variação que vem ocorrendo, em relação aos usos de próclise (antes do verbo),
mesóclise (no meio do verbo) e ênclise (no final do verbo).
Segundo Cegalla (2008) e sua perspectiva tradicional normativa, os pronomes
oblíquos átonos são: me, te, se, lhe, lhes, o, a, os, as, nos, vos. Segundo essa ver-
tente, eles devem seguir uma ordem determinada na sua colocação, conforme a
explicação dada nos exemplos.
PRÓCLISE
84
aprimore-se
MESÓCLISE
Cegalla (2008) define a referida colocação pronominal como a intercalação das varia-
ções pronominais átonas que ocorre somente no futuro do presente e no futuro do
pretérito, desde que antes do verbo não haja nenhuma situação que exige próclise.
Seguem alguns exemplos registrados pelo autor.
a. Realizar-se-á, em maio, uma reunião de prefeitos.
b. Falar-lhe-ei a teu respeito, na primeira oportunidade.
c. Por este processo, ter-se-iam obtido melhores resultados.
ÊNCLISE
O autor afirma que os pronomes átonos estarão em ênclise, nas seguintes situações:
a. Períodos iniciados pelo verbo (que não seja futuro), pois na língua culta, não se
abre frase com pronome oblíquo (ex: “Diga-me isto só, murmurou ele” - Machado
de Assis).
Após a apresentação do exemplo, o autor registra que iniciar uma frase com pronome
átono somente é considerado lícito na conversação familiar, despreocupada, ou na
língua escrita, quando se deseja reproduzir a fala dos personagens (ex: me ponho a
correr na praia).
b. Nas orações imperativas afirmativas. (ex: procure suas colegas e convide-as).
c. Junto ao infinitivo não flexionado, precedido de preposição a, em se tratando dos
pronomes o, a, os, as (ex: todos corriam a ouvi-lo). O autor salienta que junto a um
infinitivo flexionado, regido de preposição, é de rigor próclise (ex: repreendi-os por
se queixarem sem razão).
d. Diante de infinitivo impessoal regido da preposição para, quase sempre é indiferente
a colocação do pronome oblíquo antes ou depois do verbo, mesmo com a presença
do advérbio não. (ex: corri para defendê-lo, corri para o defender, calei-me para não
contrariá-lo ou calei-me para não o contrariar).
85
aprimore-se
Passemos agora a uma análise sobre a colocação pronominal pela visão teórica de
autores filiados à sociolinguística e a outros campos de saberes.
Orlandi (2009) diz que, para além da formulação de normas insustentáveis, há
entre o português de Portugal e do Brasil algumas diferenças, entre as quais a mais
citada é o uso dos pronomes átonos proclítico aqui no solo brasileiro e enclítico em
lá nas terras portuguesas.
Orlandi (2009) afirma que ao se tratar de uma língua de colonização, o modelo
da metrópole tende a permanecer. No entanto, a diferença fonética em relação ao
português de Portugal e do Brasil marca a impossibilidade de uma identidade na co-
locação de tais pronomes, pois as pronúncias são diferentes: em Portugal o “e” final
é tão abafado que mal se ouve e no Brasil dizemos “mi,ti,si”. No Brasil se fala mais
pausadamente do que em Portugal que pronuncia de um modo mais apressado e
justifica que a maneira como colocamos os pronomes não é errôneo, pois a língua
altera com a mudança do meio.
Resumindo: o critério é o uso geral e o costume, ou seja, o correto no Brasil é a
liberdade de colocação pronominal no seu brotar espontâneo, pois aqui o ritmo, as
vogais e a melodia são diferentes.
Sobre essa temática, Bagno (2013) afirma que o velho e infrutífero debate sobre
a colocação pronominal deve ser abandonado em favor de uma postura mais rea-
lista da gramática do português brasileiro contemporâneo. A regra atual da sintaxe
dos clíticos (ou pronomes pessoais átonos) vem sempre anteposto ao verbo princi-
pal e a educação linguística deve reconhecer essa intuição gramatical dos falantes.
Vamos conhecer essa regra na prática?
No português brasileiro,
os clíticos se posicionam Me incomoda muito o
Início de frase
sempre antes do verbo comportamento de Ana.
principal (próclise)
86
aprimore-se
Possenti (2009) também faz críticas e afirma que a mesóclise está “mortinha da sil-
va” e não há mais razão para investir no seu aprendizado e muito menos no seu
ensino e, como ela não faz mais parte, é melhor anunciar o seu enterro e assumir
que o português do Brasil é proclítico. Afinal, você leitor diz: “dê-me um livro” ou “me
dá um livro”?
Uma problemática que já deveria estar resolvida, conforme nos avisou o poeta
modernista Oswald de Andrade em “Pronominais”:
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
87
eu recomendo!
livro
filme
conecte-se
88
anotações
3
SEMÂNTICA:
A TEORIA
do significado
PROFESSORA
Dra. Vera Lucia da Silva
PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Semântica? Vamos compreender
e definir a teoria? • A Semântica hoje: considerações gerais • Fenômenos semânticos: desvendando os
segredos da língua • Os significados implícitos: teorias e práticas.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Apresentar a teoria da semântica • Elencar a semântica em um contexto atualizado • Definir e exempli-
ficar os fenômenos semânticos • Compreender os significados implícitos no funcionamento da língua.
INTRODUÇÃO
VAMOS
COMPREENDER
e definir a teoria?
92
“
O estudo que propomos ao leitor é de natureza tão nova que nem
UNICESUMAR
chegou ainda a receber um nome. A preocupação da maioria dos lin-
guistas tem-se voltado sobretudo para a análise do corpo e da forma
das palavras: as leis que presidem à alteração de sentidos, à escolha
de novas expressões, ao nascimento e à morte das locuções foram
deixadas à margem ou apenas acidentalmente assinaladas. Como este
estudo, do mesmo modo que a fonética e a morfologia, merece ter seu
nome, nós o chamaremos de semântica (do verbo semaínein), isto é,
a ciência das significações. (MARQUES, 2003, p. 33).
Portanto, estamos diante da ciência das significações e que se apresenta como marco
de divulgação científica de maior destaque, diante da comunidade acadêmica, atra-
vés da obra de Bréal, denominada Essai de Sémantique: science des significations
(Ensaios de semântica: ciência das significações), editado na França, em 1897.
Para Marques (2003), naquele contexto inicial, esta ciência se pautava ainda
por um viés historicista e limitado ao significado das palavras (semântica lexical),
mas abriu caminho para superar princípios rígidos e mecanicistas da teoria, per-
mitindo, já nas primeiras décadas do século XX, extrapolar os fenômenos físicos e
chegar aos aspectos psicológicos, históricos e socioculturais de tais significações.
Diante da definição apresentada, lançaremos um desafio, a partir da palavra
pé. Você sabe o significado dessa palavra? Claro que sim. Pela anatomia humana e
de um modo bem simples, ela significa uma parte do nosso corpo que fica abaixo
das pernas e que tem a função tanto de nos manter firmes, em posição vertical,
quanto para nos auxiliar na locomoção (andar). Existem outros significados para
essa palavra? Amparada em Marques (2003), veja suas múltiplas significações :
d) Profundidade
da água, em
b) Parte oposta relação à altura de f ) Pé de galinha:
à cabeceira da uma pessoa: rugas nos cantos
cama: pé da cama; cobre o pé. dos olhos;
a) Base inferior
de determinados
objetos: pé da mesa, c) Planta individual: e) Pessoa muito g) Pé de valsa:
da montanha; pé de café, manga, trabalhadora: dançarino.
abacate; pé de boi;
2
A SEMÂNTICA
HOJE:
considerações gerais
UNICESUMAR
mas hoje ela faz parte permanente nos cursos de Letras do Brasil.
Por isso, iniciaremos nossa reflexão fazendo um sobrevoo a partir do estrutura-
lismo saussuriano, pois foi a partir dele que a semântica (e as demais teorias linguís-
ticas que foram surgindo) tomou outros rumos teóricos, suplantando sua concepção
originária, enquanto incorporava os avanços dos estudos linguísticos do século XX.
Marques (2003) retoma os conceitos de Saussure e que já foram estudados
por você, relembrando a língua, dentro da dicotomia língua e fala, como um
produto social e sua natureza arbitrária/linear/convencional oriunda da teoria
do signo linguístico que se manifesta (se concretiza) na fala individual e momen-
tânea dos falantes. Essa ideia retoma algo importante:
“
[...] os signos existem em decorrência de hábitos sociais objetivos
e são convencionais, não-motivados, quanto ao significado das se-
quências fônicas significantes, que não apresentam qualquer víncu-
lo natural com os elementos da realidade que evocam. (MARQUES,
2003, p. 44).
Você percebeu pela sua experiência linguística de falante nativo da nossa língua
materna (a portuguesa brasileira) que a palavra “manga” apresenta um signifi-
cante (imagem acústica) e dois significados (conceitos) totalmente distintos em
a e b e que podem ser explorados pela teoria da semântica.
Salientamos que, a partir do século XX, notadamente após a apresentação das
teorias saussurianas à comunidade acadêmica, a semântica deixou de ser relega-
da a um segundo plano e, hoje, pode ser utilizada nas propostas curriculares de
95
ensino tanto de língua portuguesa brasileira e suas análises quanto em outras
UNIDADE 3
temáticas . Por se tratar de uma ciência que analisa o significado, devemos regis-
trar que para ele acontecer, durante um processo de análise linguística, devemos
considerar três aspectos, conforme relata Magalhães (2011):
a) A língua não pode ser ignorada como algo multifacetado.
b) O indivíduo veicula suas intenções comunicacionais, na construção das
suas mensagens (piadas, charges, propagandas, textos científicos etc.) e na
tentativa de produzir uma interpretação competente no seu destinatário.
c) Os aspectos social, histórico e cultural são determinantes para que a lín-
gua produza o significado planejado pelo falante, ocorra a interação ver-
bal e o cumprimento do propósito.
explorando Ideias
Você já havia parado para pensar na palavra “significado”? Para a semântica, a palavra
“significado” define esta ciência linguística que se apresenta com um leque de possibili-
dades, justificando sua versão plural como as semânticas e que se subdivide em: formal,
lexical, argumentativa, cognitiva, representacional, etc. O importante é você saber que é
preciso estar sempre contextualizado para compreender que rede pode significar: rede
de deitar, rede elétrica, rede de computadores, rede de contatos, rede armadilha, rede de
janela, rede de televisão, etc.
Fonte: a autora.
96
3
FENÔMENOS SEMÂNTICOS:
UNICESUMAR
DESVENDANDO
os segredos da língua
97
perfeito e lógico. Veja um exemplo, com a palavra primeiro (estou grávida do
UNIDADE 3
Intuitivamente, nós falantes, sabemos que “secar” e “enxugar” são sinônimas, pois
traduzem a mesma intenção do locutor e busca o mesmo resultado que é “secar/
enxugar a louça”, estabelecendo uma relação entre elas. Mas voltemos às palavras
analisadas, nas seguintes situações:
98
Cara(o) estudante, como um bom e competente falante de sua língua materna,
UNICESUMAR
você percebeu que a palavra “enxuto” em “a” não se configura como sinonímia de
“seco” em “b”. Este fato reforça a ideia de que, para qualquer análise linguística,
faz-se necessário estar inseridos em seu contexto de produção.
Nessa concepção de palavras sinônimas, há também as paráfrases, as quais,
segundo Ferrarezi (2008), na prática textual, as palavras podem ser substituídas
por outras e, embora comprometa um pouco o sentido geral do texto, não altera
a coisa representada (o referente), ampliando de forma privilegiada a produção
de textos orais e escritos sem as cansativas repetições. Veja o que nos diz o autor
sobre a paráfrase:
“
Embora, quando usamos paráfrases, se mantenha o mesmo referen-
te representado, uma das peculiaridades desse tipo de substituição
é a de que novos aspectos desse referente passam a ser enfocados e
isso pode alterar bastante o sentido geral do texto. Algumas vezes,
pode se usar desse expediente, de propósito, para ressaltar carac-
terísticas positivas ou negativas de algo ou alguém que está sendo
representado (FERRAREZI, 2008, p. 160).
b) O chefe da d) O esposo da
quadrilha de anões dona Tica Porca e
do orçamento pai do Tiquinho
federal. Bacuri.
deputado Tico Leitão), mas que, apesar de manter o mesmo referente, em cada
nova sentença são produzidas novas informações e, consequentemente, novos/
outros significados que mudam nossa forma de ver o referente (o deputado).
Passamos, agora, a refletir sobre a antonímia que se define como um quadro de
relações de significados incompatíveis/contrários entre si, em uma situação contextual
idêntica.Vamos utilizar os exemplos de Ilari e Geraldi (2006) para que você compreenda
como funciona o antônimo na nossa língua materna (a Portuguesa Brasileira).
Pelos exemplos citados, podemos deduzir que pares como chegar/partir (ex: o
menino chegou / o menino partiu), nascer/morrer (ex: Paulo nasceu saudável /
Paulo morreu tão cedo), abrir/fechar, dar/receber etc., são consideradas palavras
antônimas. Certo? Pode até ser certo, mas preferimos provocar um pouco mais e
ampliar a nossa reflexão para além de um conhecimento mediano de definições fixa
como “bonito” e “feio”. Precisamos aprofundar este tema, para sair do nível médio e
nos capacitar para mediar o conhecimento para este nível, na condição de docente.
100
Vamos avançar a partir de duas condições naturalmente humanas, ou seja,
UNICESUMAR
o ato de nascer e de morrer, que deixa de ser considerados antônimos, pois “[...]
representam antes os dois momentos extremos do processo de viver: quem nasce,
‘começa a viver’ e quem morre, ‘termina de viver’.” (ILARI; GERALDI, 2006, p. 54)
e são refletidas como a captura de momentos diferentes das fases da vida.
O mesmo pode ocorrer com os verbos “partir”, como aquele que começa a
viajar, e “chegar”, como quem termina de viajar; seguindo nossa reflexão crítica,
observe os verbos “abrir” e “fechar”. Sua relação é de antonímia, pois implicam
em direções e resultados diferentes, assim como “dar” e “receber”, pois, além da
oposição explícita, o papel do sujeito gramatical se opõe em um sujeito fonte
(aquele que pratica o ato de dar) e o sujeito destinatário (aquele que recebe), ou
seja, estamos diante de situações incompatíveis nessa cena.
A hiperonímia e hiponímia também são tratáveis pela semântica e a pensa-
mos alinhadas com Magalhães (2011) que define a hiperonímia como a ideia do
todo, do qual advêm as partes, ou seja, a hiponímia. Vamos exemplificar:
Exemplo 01 Exemplo 02
Construção Verdura
(hiperonímia) (hiperonímia)
Casa, apartamento,
Couve, alface, espinafre,
hospital, cabana, igreja,
agrião etc.
escola, mansão etc.
(hiponímia)
(hiponímia)
101
Saindo do estabilizado, veja que no enunciado “eu comprei tulipas” (hipo-
UNIDADE 3
nímia) significa que “eu comprei flores” (hiperonímia), mas nem sempre quem
“compra flores”“compra tulipas”. Segundo a autora, estamos diante do hiperônimo
“flores” e do hipônimo “tulipas” e ambos “[...] funcionam como denominações
distintas, aplicáveis aos mesmos objetos de referência, que elas permitem identi-
ficar em um nível categorial [...] (TAMBA, 2006, p. 108). Jamais se pode esquecer
que é o contexto que vai exigir se estamos tratando de uma flor ou de que tipo de
flor, pois os elementos são cambiáveis diante de um comprador que, ao comprar
uma flor, pode levar para casa (ou para a sua amada), uma “rosa”, “margarida”,
“adália” ou “azaleia”.
O que precisamos compreender com essas poucas reflexões que estamos de-
senvolvendo a respeito da semântica é que precisamos estar sempre conectados
com o nosso contexto de produção textual e oral, bem como sintonizados com
os nossos interlocutores, e que não é sempre que encontramos os significados das
palavras que enunciamos nos dicionários.
Vamos avançar um pouco mais? Afinal, a semântica é um labirinto e o estu-
dante de Letras precisa ousar adentrar nos seus percursos intrincados.
102
4
OS SIGNIFICADOS
UNICESUMAR
IMPLÍCITOS:
teorias e práticas
103
“
Se alguém nos disser que o carro parou de trepidar depois que foi ao
UNIDADE 3
104
UNICESUMAR
a) Margarida trouxe b) Margarida trouxe
os ovos na sexta. os ovos na cesta.
Você já se deu conta de que, diante da teimosia da língua, pouco adianta ficar
preso aos padrões fixos que se pregam por aí, pois enquanto bons falantes da
nossa língua portuguesa brasileira, sabemos que é sempre preciso estar contex-
tualizados para identificar (e isso nós sabemos fazer e muito bem!) os significados
das palavras. Um resumo para você:
Palavras homógrafas homófonas: grafia (escrita) igual, fonética (som) igual e signifi-
cado diferente.
Ex:
■ A manga da minha camisa preferida rasgou (parte da roupa).
■ Adoro suco de manga gelado (fruto da mangueira).
Quadro 1 - Resumo dos significados implícitos / Fonte: adaptado de Mesquita e Martos (2005).
105
Temos aqui um desafio, ou seja, não é possível fugir da polissemia, apesar de ser
UNIDADE 3
Vamos nos apropriar de Cançado (2005) para tecer algumas reflexões sobre esta
temática. Segundo a autora, a diferença está no fato de que, na homonímia, não
há relação de significado entre as palavras relacionadas (ex: banco para sentar e
banco para transação financeira), enquanto que, para a polissemia, tais signifi-
cados possuem alguma relação entre si. A linha é tênue e perigosa, mas vamos
arriscar, utilizando os exemplos dados pela autora:
■ Exemplo 1 - pé: pé de cadeira, pé de mesa, pé de fruta, pé de página etc.
■ Exemplo 2 - rede: rede de deitar, rede elétrica, rede de computadores etc.
“
Para estabelecer essa relação entre as palavras polissêmicas, usamos
nossa intuição de falante e, às vezes, os nossos conhecimentos his-
tóricos a respeito dos itens lexicais. Entretanto, você perceberá que
106
estabelecer se itens são ou não relacionados não é tão trivial [...]. Nem
UNICESUMAR
sempre há uma concordância entre os falantes se há a relação entre
os itens em questão, ou mesmo a recuperação histórica desses itens
pode ser tão antiga que, na atualidade, mesmo se houvesse uma rela-
ção anterior, seriam palavras sem relação (CANÇADO, 2005, p. 65).
A autora segue sua reflexão, colocando-nos em uma “saia justa” (percebeu que
saia justa aqui não significa roupa apertada, mas situação embaraçosa/compli-
cada?), pois afirma que, em muitos casos, a mesma palavra pode ser homonímia,
em relação a um determinado sentido e polissêmica em relação a outro. Como
exemplo, ela cita a palavra “pasta”, pois entre “pasta de dente e pasta de comer”
como significado de massa e “pasta de plástico e pasta ministerial” com signifi-
cado de lugar específico, tanto pode ocorrer a polissemia, pois há significados
associados em cada ocorrência, mas pode ser homonímia, pois os significados
parecem ser muito distintos. A questão não se esgota e, portanto, vamos fechar
provisoriamente com os seguintes exemplos, dados por Cançado (2005):
1. Aquele canto era o preferido pela Iolanda.
2. O Henrique cortou a folha.
“
[...] a palavra canto que teria como significado geral tanto a palavra
música como a palavra lugar. Parece-me que temos aí uma homoní-
mia, pois são sentidos não relacionados. [...] a palavra folha pode ser
folha de caderno ou folha de árvore. Em que esses sentidos podem
estar relacionados? Podemos associar papel à árvore? Qual é a sua
intuição? [...]. (CANÇADO, 2005, p. 66).
107
UNIDADE 3
a) Água no vaso.
b) O rachado no vaso.
c) O pássaro na árvore.
d) O pássaro no campo.
Estamos diante de quatro exemplos que fazem uso da mesma preposição (em +
o + a = no/na). No exemplo “a”, a preposição “no” apresenta um significado, indi-
cando que a água está contida (dentro) no vaso e, no exemplo “b”, que o rachado
está no próprio vaso. O falante está tão habituado com sua língua materna e seus
significados contextualizados que não dá uma pausa para refletir sobre os efeitos
dos seus significados, pelo fato de não precisar de tais reflexões para sua vivência
comunicativa cotidiana.
No exemplo “c”, a preposição “na” apresenta uma hipótese significativa de que
o pássaro está em cima de um galho de árvores, enquanto que no exemplo “d”,
entende-se que o pássaro, provavelmente, esteja voando acima do campo.
Bem, já temos aqui o suficiente para você perceber que estabelecer uma di-
ferença entre homonímia e polissemia não é uma tarefa banal e é preciso com-
preender tais fenômenos constitutivos da linguagem humana para apresentar já
nos primeiros anos da vida dos nossos alunos, pois apesar da facilidade que todo
falante vai adquirindo, em relação a sua língua materna, apresentar tais perspicá-
cias linguísticas, logo cedo, o prepara para a vida profissional e para as diversas
situações cotidianas comunicacionais, facilitando suas relações interpessoais.
108
UNICESUMAR
pensando juntos
João caminhava tranquilamente quando viu uma cobra pronta para dar o “bote”. Assusta-
do, correu para A margem do rio, pegou o “bote” e fugiu. A palavra “bote” possui o mesmo
significado?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudantes, chegamos ao final de mais uma unidade de estudos, em que foi possí-
vel apresentar uma das áreas de estudos do campo da linguística. A língua sempre
é o foco das nossas reflexões e, pelos conceitos teóricos da semântica, ela é refleti-
da por meio dos significados das palavras e expressões que os falantes produzem
nas suas interações cotidianas. Você percebeu que a semântica é um campo de
saber linguístico abrangente e muito importante para as nossas práticas sociais
formais e informais, independentemente da área em que atuamos.
Por isso, diante da abrangência e complexidade da teoria, apresentamos a você
sem a intenção de colocá-los em uma posição de conceitos únicos, fixos e sem
possibilidade de trilhar por outros caminhos teóricos e sob o olhar crítico de outros
teóricos. Tentamos apresentar a essência da teoria, a partir de conceitos e exemplos
praticados no nosso cotidiano para que perceba o quanto a língua extrapola concei-
tos prontos, acabados, fixos e de significado único. A língua extrapola, desobedece e
desafia quem tenta enclausurá-la, naquelas teorias que a definem como algo fixo e
engessado. Nossas vivências possibilitam um domínio pleno, competente e criativo
em relação à língua materna (a nossa Língua Portuguesa Brasileira) e nos autoriza
a estabelecer diversas relações sociais. No entanto, como profissionais que já atuam
na docência, ou que poderão atuar, logo após a conclusão do curso, é necessário ter
acesso aos componentes teóricos da semântica.
Foi com essa pretensão que fizemos um recorte definindo e contextualizando
a teoria para, posteriormente, adentrar nos fenômenos semânticos e, principal-
mente, nos significados que ocorrem no campo dos implícitos que nos preparam,
enquanto estudantes da língua, a perceber os detalhes que ela produz nas nossas
vivências sociais.
109
na prática
2. A semântica, enquanto ciência que estuda o significado das palavras, é uma impor-
tante disciplina para compreendermos a língua como um instrumento heterogêneo
e exclusivo da espécie humana e que, portanto, está sempre aberta a uma infinidade
de significados a serem produzidos e adequados ao contexto de cada situação de
fala ou escrita. Leia os textos abaixo, observe a interpretação dos significados atri-
buídos às palavras “coração”, “ouro”, “direito” e “banco”:
110
na prática
( ) Maria é uma pessoa de “coração” duro, pois não ajudou o morador de rua.
Coração significa pessoa ruim.
( ) Quando vi a cobra vindo em minha direção, fiquei com o “coração” na mão.
Coração significa medo.
( ) Minha tia tem um “coração” mole, chorou só porque disse que amava. Coração
significa pessoa que se emociona facilmente.
( ) As pessoas dizem que sou extrovertida e vivo abrindo o “coração”. Coração
significa pessoas que não fazem confidências.
( ) Ver aquela criança no semáforo pedindo esmola foi de cortar o “coração”. Co-
ração significa que pessoa ficou feliz.
111
na prática
a) V, V, F, F, F.
b) F, F, F, V, V.
c) V, V, V, F, F.
d) V, V, V, V, V.
e) F, F, F, F, F.
I - Casa/lar/residência.
II - Cabo de vassoura/cabo do exército.
III - Carro/automóvel.
IV - Porca animal/porca do parafuso.
5. A semântica fornece elementos teóricos para compreender que uma palavra, mesmo
com a mesma grafia (homógrafas) e o mesmo som (homófonas) podem apresentar
vários significados, de acordo com o seu contexto de produção. Diante dessa afirmativa,
leia as duas sentenças retiradas de uma propaganda de calçados e de bebida energética:
112
aprimore-se
Lembrando um pouquinho da história dessa cidade, o autor nos relata que, primei-
ramente, a costa brasileira onde hoje está localizada parte da cidade foi denomina-
da Rio de Janeiro, em 1502, e significa uma nomeação que descreve a natureza (hoje
é a Baía da Guanabara). A cidade que foi fundada neste local fora nomeada “São
Sebastião” para lembrar o Rei de Portugal Dom Sebastião.
Pela análise desenvolvida pela metonímia (uso de um nome no lugar de outro,
emprego da parte pelo todo, o efeito pela causa, o autor pela obra), o nome “Rio de
113
aprimore-se
O adjetivo “maravilhosa” para designar, enaltecer a cidade é algo que faz parte da
vida histórica da cidade e é conhecida, mundialmente, por esse aspecto. Afinal,
quem nunca ouviu falar da “cidade maravilhosa”?
Segundo Guimarães (2014), o epíteto cidade maravilhosa (palavra ou nome utili-
zado para qualificar um nome) aparece pela primeira vez em 1908, por Coelho Neto,
mas sem comprovação. Foi em 1928 que este autor lançou um livro de crônicas com
esse título para justificar e tentar descrever a beleza do lugar que, posteriormente,
teve seu significado divulgado na marchinha de carnaval, de André Filho, em 1934,
apresentando o significado da cidade carioca, em que faz uma conexão, por meio da
metáfora (consiste em estabelecer uma analogia de significados entre duas palavras
ou expressões, empregando uma pela outra) “coração” do corpo humano, com um
significado de que se trata de um lugar (centro) importante no território brasileiro:
Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil.
Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil.
114
aprimore-se
115
eu recomendo!
livro
conecte-se
Veja como uma linha de cosméticos utilizou a semântica na sua propaganda. Ob-
serve o significado palavra “Vitamina C” e a estratégia de marketing utilizada para
convencer o cliente a adquirir o produto.
https://vimeo.com/292380780
116
eu recomendo!
filme
O auto da compadecida
Ano: 2000
Sinopse: no vilarejo de Taperoá, sertão da Paraíba, João Grilo
(Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello), dois nordestinos
sem eira nem beira, andam pelas ruas anunciando A Paixão de
Cristo, “o filme mais arretado do mundo”. A sessão é um sucesso,
eles conseguem alguns trocados, mas a luta pela sobrevivência
continua. João Grilo e Chicó preparam inúmeros planos para con-
seguir um pouco de dinheiro. Novos desafios vão surgindo, provocando mais con-
fusões armadas pela esperteza de João Grilo, sempre em parceria com Chicó, mas
a chegada da bela Rosinha (Virgínia Cavendish), filha de Antônio Moraes (Paulo
Goulart), desperta a paixão de Chicó e ciúmes do cabo Setenta (Aramis Trindade).
Os planos da dupla, que envolvem o casamento entre Chicó e Rosinha e a posse
de uma porca de barro recheada de dinheiro, são interrompidos pela chegada
do cangaceiro Severino (Marco Nanini) e a morte de João Grilo. Todos os mortos
reencontram-se no Juízo Final, onde serão julgados no Tribunal das Almas por um
Jesus negro (Maurício Gonçalves) e pelo diabo (Luís Melo). O destino de cada um
deles será decidido pela aparição de Nossa Senhora, a Compadecida (Fernanda
Montenegro), e traz um final surpreendente, principalmente para João Grilo.
Comentário: O “auto da compadecida” pode ser analisado em diversas disciplinas
da Linguística como, por exemplo, na Semântica em que os conceitos de antôni-
mos, sinônimos, ambiguidade, hiponímia, hiperonímia etc. podem ser detectados
no desenvolvimento do enredo em que a cultura religiosa nordestina, recheada de
transgressões, é percebida, a partir do conhecimento da teoria, na produção de
uma linguagem simples e bem articulada, nas falas humoradas dos personagens.
117
4
ANÁLISE DO DISCURSO:
FUNDAMENTOS
introdutórios
PROFESSORA
Dra. Vera Lucia da Silva
PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Análise do Discurso: definindo a
teoria e o conceito de língua • A gênese da disciplina: um campo de saber interdisciplinar • A Análise
do Discurso no Brasil: uma teoria em movimento • Os principais conceitos da Análise do Discurso •
Dispositivos de análise, procedimentos e escrita analítica.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Definir a teoria e o conceito de língua • Apresentar o contexto histórico e social em que originou a dis-
ciplina • Contextualizar a teoria no espaço brasileiro • Apresentar e exemplificar os principais conceitos
da teoria • Conhecer o método de análise e praticar a escrita analítica
INTRODUÇÃO
DEFININDO
A TEORIA
e o conceito de língua
Como se define a
O que é AD?
língua para AD?
120
A AD é uma teoria do campo da Linguística, que foi oficialmente fundada no
UNICESUMAR
final da década de 60, especificamente, em 1969, na França, pelo filósofo Michel
Pêcheux, por meio do lançamento de sua tese de doutorado intitulada Analyse
Automatique du Discours (Análise Automática do Discurso - AAD).
Segundo Orlandi (2001a), a AD, como o próprio nome indica, elegeu o dis-
curso como o seu objeto de estudos e este, etimologicamente, significa curso,
percurso, correr, movimento. Nesse caso, estamos tratando do discurso, da pala-
vra em movimento por meio dos seres humanos falando e escrevendo. Então, a
AD trata da língua e da gramática? Não. Essa teoria não trata especificamente da
língua e da gramática, mas elas lhe interessam.
Avançando na nossa reflexão, retomamos Fernandes (2005) e sua afirmação
de que, pela via do senso comum, sempre que pensamos na palavra “discurso”,
usualmente, pensamos que ela está se referindo a pronunciamentos políticos ou
gerais, repletos de frases primorosas, marcadas de eloquência e retórica ou de
textos de escrita complexa e rebuscada. No entanto, precisamos compreender,
nessa fase inicial, que não estamos lidando com essas questões, mas do discurso
enquanto “[...] objeto do qual se ocupa uma disciplina específica, objeto de inves-
tigação científica [...]” (FERNANDES, 2005, p. 20). Complementando a definição,
o autor afirma que o
“
[...] discurso, tomado como objeto da Análise do Discurso, não é
a língua, nem texto, nem a fala, mas que necessita de elementos
linguísticos para ter uma existência material. Com isso, dizemos
que o discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no
social e envolve questões de natureza não estritamente linguística.
Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas pa-
lavras quando elas são pronunciadas. (FERNANDES, 2005, p. 20).
Vamos exemplificar como o discurso se efetiva por meio de duas palavras que
circulam em nosso cotidiano, através da mídia tradicional (rádio, televisão, jor-
nais e revistas) e também das redes sociais contemporâneas: ocupação e invasão.
Veja o que nos diz o autor:
“
Tais substantivos são constantemente encontrados em reportagens e/ou
entrevistas que versam sobre os movimentos dos trabalhadores rurais
Sem-Terra e revelam diferentes discursos que se opõem e se contestam.
121
Em torno do Sem-Terra, ocupação é empregado pelos próprios e por
UNIDADE 4
“
[...] as escolhas lexicais e seu uso revelam a presença de ideologias
que se opõem, revelando igualmente a presença de diferentes dis-
cursos, que, por sua vez, expressam a posição de grupos de sujeitos
acerca de um mesmo tema. (FERNANDES, 2005, p. 21).
“
[...] concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem
e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna
possível tanto a permanência e a continuidade quanto o desloca-
mento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive.
(ORLANDI, 2001a, p. 15).
122
As concepções da autora reforça a importância social da teoria da AD, para se
UNICESUMAR
compreender como os discursos são produzidos na sociedade em que estamos
inseridos e, principalmente, para promover um deslocamento do nosso posi-
cionamento em relação às temáticas que nos afetam, como política, economia,
meio ambiente, habitação, saúde, segurança pública, educação etc. Tais questões
(discursos) são produzidas por meio da língua que, nesse contexto teórico espe-
cífico é refletida da seguinte maneira:
“
[...] o sistema da língua é, de fato, o mesmo para o materialista e
para o idealista, para o revolucionário e para o reacionário, para
aquele que dispõe de um conhecimento dado e para o que não dis-
põe desse conhecimento. Entretanto, não se pode concluir, a partir
disso, que esses diversos personagens tenha o mesmo discurso [...].
(PÊCHEUX, 2009, p. 81).
O MST invade
terras?
O MST ocupa
terras?
“
[...] determinado pelas possibilidades de dizer, que, por sua vez, são
determinadas pelas condições sócio-históricas de produção. Em-
bora, o sujeito possa dizer tudo na língua - enquanto falante do
idioma -, ele não pode dizer tudo na língua - enquanto sujeito do
discurso. Não é tudo que é permitido dizer a qualquer momento e
para qualquer pessoa. Há limites jurídicos, éticos, morais, políticos,
econômicos, afetivos etc. que constrangem o sujeito na sua liberdade
de enunciar. Portanto, o dizer é contingenciado (SOUZA, 2014, p. 6).
124
Tais definições de língua nos remetem à compreensão de que, para a AD, a lín-
UNICESUMAR
gua não se define enquanto um sistema, no qual tudo se mantém de maneira
organizada. Segundo Orlandi (2009) e a concepção teórica da AD, a língua não
se concebe por meio de conceitos normatizados, lógicos, estáveis, coercitivos, de
esquemas rígidos e lógicos, universalizados, gramaticalizados e colonizados. A
autora compara a língua “como um imenso rio, [...], que os olhos não abrangem,
não seguram, não limitam. Fluida”. (ORLANDI, 2009, p. 18).
Para facilitar a compreensão desses adjetivos atribuídos à língua, vamos apli-
cá-los, através do seguinte enunciado, retirado de Souza (2014): “Precisamos de
mais terra”. Segundo o autor, o referido enunciado, se analisado pela teoria da
AD, foge do óbvio e produz diferentes efeitos de sentidos, se for dito por um
latifundiário, um sem-terra, um índio, um garimpeiro ou um defensor do meio
ambiente etc. Tais efeitos podem significar dinheiro (latifundiário), posição po-
lítica (sem-terra), moradia (índio), lugar de exploração (garimpeiro), preserva-
ção (ambientalista). Veja que o sentido não está na palavra, mas é produzido
conforme as diferentes posições discursivas ocupadas por estes sujeitos. Então:
retomamos a tese pecheutiana, para afirmar que “[...] as palavras, expressões,
proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles
que as empregam [...]” (PÊCHEUX, 2009, p. 146).
No dizer de Orlandi (2006), esse aspecto desloca a AD do terreno da lin-
guagem, enquanto instrumento de comunicação que ocorre por meio de uma
espécie de estímulo e resposta, ou seja, como uma relação linear entre enunciador
e destinatário. Por essa via, a língua é apenas um código em que faz a mensagem
ser transmitida ao outro e que a AD desconsidera totalmente.
Você já está inserido na teoria. Já sabe como ela se define e como a língua é
pensada e aplicada, mas precisamos avançar, pois há outros campos de saberes
essenciais que compõem a AD para que possa ser compreendida.
Vamos avançar mais?
125
2
A GÊNESE DA DISCIPLINA
UNIDADE 4
UM CAMPO
DE SABER
interdisciplinar
“
Michel Pêcheux [...] dá início à Análise do Discurso na França,
como seu principal articulador, em fins da década de 60, época que
coincide com o auge do estruturalismo, como paradigma de forma-
tação do mundo, das ideias e das coisas para toda uma geração da
intelectualidade francesa (FERREIRA, 2003, p. 1).
126 Figura 3 - Michel Pêcheux (1938 – 1983) / Fonte: Labeurb ([2020], on-line)¹.
Retomando, a AD é uma disciplina que surgiu no final da década de 60, em um
UNICESUMAR
contexto francês em que a inquietude intelectual era a marca de vários pensadores
importantes, entre eles, destacamos aqui o filósofo Michel Pêcheux. Este pensador,
em 1969, apresentou-se oficialmente para o público francês, por meio de suas re-
flexões sobre a língua, tanto entre o grupo de intelectuais a que pertencia quanto
pelas publicações que ocorriam no meio acadêmico. Descobrimos onde a AD
surgiu e assumimos um posicionamento teórico que, não sem riscos, apresenta
Michel Pêcheux como o “fundador” dessa teoria.
Um período de efervescência social e da fundação da AD, enquanto disciplina
de entremeios. Entremeios? O que isso significa?
Antes de explanar esse conceito e qual é a sua aplicação no campo da AD,
não podemos deixar de tecer algumas reflexões sobre a dicotomia língua e fala
de Saussure e o contexto estruturalista (estudamos as dicotomias saussurianas
em Linguística I, você se lembra?). Saussure estabeleceu alguns conceitos para a
língua (homogênea, essencial, social, coletiva e pertencente a uma comunidade
linguística etc.) e, apesar de desconsiderar a fala (e foi criticado por isso) para
desenvolver sua teoria, ele a definiu como heterogênea, acessória, particular, in-
dividual e instrumento de uso dessa comunidade de falantes etc.
Segundo Orlandi (2006), a divisão dicotômica entre a língua e a fala ocorrida
pelo mestre genebrino foi deslocada de forma não dicotomizada para língua e
discurso, sendo possível desenvolver uma análise do seu funcionamento a par-
tir da relação da língua com a exterioridade que o determina, pois, no discurso,
questões relacionadas ao social e ao histórico são imbricadas, e isso, conforme
salienta Brandão (2004), afasta aquela concepção de língua como um conjunto de
signos neutros (e inocentes), que serve apenas para a comunicação e um suporte
de transmissão do pensamento.
Seguindo a revisão, afirmamos ainda que língua ganhou o status de objeto
de estudos da Linguística, naquele início de século XX (1916, data em que foi
lançada a obra Curso de Linguística Geral – CLG). Conforme salienta Souza
(2006), é impossível pensar no referencial teórico da AD sem passar pelas ideias
de Saussure, sendo que a dicotomia língua e fala é o que nos interessa, enquanto
analistas do discurso, pois foi a partir dela que teóricos como Mikhail Bakhtin,
Émile Benveniste, Zellig Harris, Roman Jakobson e Michael Halliday elaboraram
sua teorias linguísticas. Nesse momento, nosso foco será somente sobre Harris,
Jakobson e Halliday.
127
Para Souza (2006), nos anos 50 do século XX, Harris possibilitou uma abertura
UNIDADE 4
reflexiva para, posteriormente, Michel Pêcheux elaborar sua teoria sobre a AD. Ela
ocorreu nos Estados Unidos por meio de uma metodologia denominada “método
distribucional” e que foi divulgado na França, por meio da publicação de um artigo
intitulado Discourse analysis, revista francesa Langages 13, de março de 1969.
Para nós, o que interessa dessa informação é que Harris passa a considerar
a análise do texto para além da frase, ou seja, para além do seu limite, pois para
ele, pesquisa linguística se limitava aos elementos de uma frase, enquanto que o
discurso seria uma sequência de frases. Apesar das limitações (pensou no texto
como uma sequência de frases ou uma frase longa), a importância de Harris
para a AD é que ele conseguiu se livrar das amarras de uma análise linguística
conteudista, ou seja, ele migrou da pergunta “o que esse texto significa” para “como
esse texto significa”.
Continuemos com Souza (2006) para registrar o ponto teórico importante
de Jakobson, para a AD. Este linguista elaborou um esquema comunicacional
considerando a situação ou a realidade de comunicação em que ela se realiza:
o lugar, a época, a cultura das pessoas que comunicam, escolaridade, faixa etá-
ria etc. Neste esquema, os participantes são denominados como emissor (o que
transmite a mensagem), o receptor (que recebe a mensagem) e, além disso, há
outros elementos a serem considerados e que estão resumidos na figura abaixo:
MENSAGEM / CONTEXTO
REMETENTE DESTINATÁRIO
CÓDIGO
UNICESUMAR
mação (mensagem), pelo funcionamento da língua que estabelece uma relação
entre sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história.
Em relação ao linguista inglês Halliday, é importante registrar que ele ultra-
passou o limite da frase, passando a considerar o texto como “[...] unidade semân-
tica de qualquer tamanho que forma um todo unificado, pensando a linguagem
em uso fundamental de análise [...]” (SOUZA, 2006, p. 42). Resumindo:
“
Os trabalhos de Jakobson, Harris e Halliday são pontos de vista teó-
ricos que redirecionam a análise linguística, impulsionando-a para
além da imanência proposta pelo quadro epistemológico do Estru-
turalismo. Esses trabalhos de certa forma e de forma diferenciadas
permitiram a alforria dos estudos textuais em relação ao enclausu-
ramento das análises que se mantinham presas às orientações filoló-
gicas e estruturalistas, que não transcendiam os limites das frases. É
justamente nesse espaço que surgem as primeiras inquietações com
questões transfrásticas que seriam o embrião de uma nova perspec-
tiva de análise textual e, mais tarde, da AD (SOUZA, 2006, p. 42).
129
Outra temática considerada pelos teóricos da AD é o Marxismo (de Karl
UNIDADE 4
O sujeito é descentrado
(ORLANDI, 2001a).
O indivíduo é interpelado em
sujeito pela ideologia
(PÊCHEUX, 2009).
130
Agora que você já sabe o motivo pelo qual a AD é considerada uma disciplina de
UNICESUMAR
entremeios, é preciso acrescentar algumas informações, para continuarmos nosso
percurso. Dentro dessa vertente, apropriamos de Orlandi (2001a) para salientar
que a AD é, de fato, herdeira dessas três áreas de conhecimento (a Linguística, o
Marxismo e a Psicanálise), mas não de modo servil, pois ela os interroga
“
[...] trabalhando na confluência desses campos de conhecimento,
irrompe em suas fronteiras e produz um novo recorte de disciplinas,
constituindo um novo objeto que vai afetar essa forma de conheci-
mento em seu conjunto: este novo objeto é o discurso. (ORLANDI
2001a, p. 20).
E este novo objeto teórico que está filiado a um campo de saber da Linguística é
tão importante para se refletir criticamente sobre os acontecimentos sociais que
ultrapassou as fronteiras geográficas da França. Foi por meio de pesquisadores
que foram para as universidades francesas desenvolverem pesquisas em nível de
mestrado e doutorado que a teoria da AD foi pulverizada para diversos lugares,
entre os quais o Brasil. Vamos conhecer a AD brasileira?
131
3
A ANÁLISE DO DISCURSO
UNIDADE 4
NO BRASIL:
uma teoria em movimento
132
A pesquisadora abre um campo de estudos para pensar o discurso na aca-
UNICESUMAR
demia brasileira, a partir de aulas e publicações nas quais apresenta noções e
conceitos dessa disciplina. Segundo a autora, naquele período os linguistas bra-
sileiros receberam a teoria com ares de desconfiança, ou seja, a entrada da AD
francesa de Michel Pêcheux, naquele contexto brasileiro dos anos 70, não ocorreu
sem resistências.
Foi neste cenário e com uma ditadura que não dava trégua que a pesquisadora
e professora Eni insiste e resiste focada no objetivo de que era preciso ensinar
AD para desvirar os discursos dominantes e mostrar que havia outros sentidos.
Em suma: “[...] era preciso aprender a ler outras palavras naquelas palavras” (OR-
LANDI, 2012, p. 19).
Ao longo dos anos, essa teoria se disseminou, produziu e sofreu deslocamen-
tos no Brasil, a partir de outros autores não menos importantes como: Michel
Foucault, Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau e outros que se alinham
a uma perspectiva de discurso mais próxima do pensador Mikhail Bakhtin.
Hoje, podemos afirmar que a AD no Brasil considera a Linguística nas suas
análises, mas também a História, a Filosofia, a Sociologia e a Psicanálise e dife-
rentes arquivos de análises que perpassam do verbal ao não verbal, do discurso
político ao dos sem-terra, grevistas, religiosos, jurídicos, científicos e cotidianos.
A AD brasileira se desdobrou, deslocou e ressignificou, consolidando-se no
diversos cursos de Letras ministrados em todo o Brasil (inclusive no nosso, aqui
do Unicesumar) e amadureceu de um modo capaz de assegurar seu lugar dentro
dos estudos científicos da língua realizado pelas ciências humanas.
No entanto, apesar de todas as ressignificações que a teoria vem passando,
não podemos esquecer que estamos atuando por meio de um legado deixado
por Pêcheux e, portanto, é necessário conhecer os principais conceitos da teoria,
bem como saber como aplicá-lo em uma possível análise discursiva. Vamos lá?
133
4
OS PRINCIPAIS
UNIDADE 4
CONCEITOS
da análise do discurso
Chegamos a um momento específico da nossa leitura sobre a AD, pois para se de-
senvolver uma análise discursiva de um arquivo (corpus: temas como machismo,
aborto, racismo, política etc.) escolhido por você, é necessário usar uma linguagem
também específica e amparada nos conceitos que direcionam e desenvolvem tal
análise. Por isso, como é preciso ter acesso aos principais conceitos dessa teoria e é o
que faremos agora, através da apresentação, definição e exemplificação dos seguin-
tes conceitos: língua, discurso, sujeito, condições de produção, ideologia, formação
ideológica, formação discursiva, interdiscurso, intradiscurso e memória discursiva.
Em relação à língua e ao discurso, já apresentamos as considerações essen-
ciais para compreendê-los, dentro da temática discutida aqui. Somente para re-
memorar a língua, para a AD, define-se pela sua opacidade, heterogeneidade/
exterioridade, o lugar onde a história se inscreve, algo que desliza em uma fluidez
capaz de proporcionar, pela sua materialidade, a realização de efeitos de sentidos.
O discurso também já foi apresentado, mas reforçamos que ele é o objeto de
estudos da AD, ou seja, não é a língua que foi eleita o objeto, mas o discurso aqui
apresentado como a produção de efeitos de sentidos entre locutores que ocupam
posições específicas (a posição-sujeito) na produção desses discursos.
134
Diante de tais definições, a língua não tem limites e muito menos se apresenta
UNICESUMAR
como um sistema perfeito e unidade fechada nela mesma e, por conta disso, ela está
sempre sujeita a falhas e sempre afetada pela incompletude e pela exterioridade.
Para a AD, a língua é opaca e, portanto, a condição de possibilidade do discurso.
Vamos exemplificar o conceito de língua com uma análise simples de uma piada.
Figura 6 - Análise discursiva de uma piada. / Fonte: adaptada de Piadas... ([2020], on-line)2.
135
Em relação ao sujeito discursivo, também já elencamos as informações bá-
UNIDADE 4
sicas, mas podemos repetir a tese base de Pêcheux (2009) de que o indivíduo é
interpelado em sujeito. O que acrescentamos aqui é que essa interpelação ocorre
pela ideologia (veremos esse conceito, logo mais). O sujeito do discurso não sig-
nifica o indivíduo de carne e osso, dono do seu dizer; é nesta relação entre sujeito
e ideologia que os sentidos vão sendo produzidos como um aceite involuntário
de um recrutamento obrigatório.
Vamos pensar sobre esse sujeito, a partir da análise de uma propaganda polí-
tica (promessa de campanha de candidatos a prefeito de uma cidade denominada
Progresso), em tempos de eleições:
a) Candidato à reeleição (situação): no meu segundo mandato, a cidade de
Progresso ficará ainda mais apropriada para cuidar de você, pois ampliare-
mos as vagas de empregos, vamos construir mais 10 escolas e reformar, além
das 20 que já reformamos, mais 15, e continuaremos com os projetos de
saúde, habitação, segurança, esporte e lazer. Continue confiando em mim.
b) Candidato à eleição (oposição): preciso do seu voto para que a cidade de
Progresso volte a crescer e atender às suas necessidades básicas, como
emprego, educação, saúde, habitação, segurança e mobilidade urbana. Nos
últimos 4 anos, 8 empresas migraram para outras cidades, por falta de
incentivo fiscal e de infraestrutura, não houve investimentos em educação,
basta ver a precariedade das nossas escolas, da falta de medicamentos nos
postos de saúde e do caos do nosso trânsito. Vejam as estatísticas: somente
neste ano, 35 pessoas morreram atropeladas.
Nessas duas propagandas que nós criamos, há duas posições marcadas, por um
sujeito que já é o prefeito em exercício, mas que quer continuar na prefeitura
por mais um mandato, colocando-se como candidato à reeleição. Nesse caso,
cabe a ele produzir um discurso positivo da sua atuação no poder executivo,
apresentando a concretização dos seus projetos, independentemente se foram
(ou não) realizados.
Por sua vez, o candidato da oposição assume uma posição que denigre o
mandato do seu oponente, apresentando os problemas atuais da cidade e, con-
comitantemente, enaltece o “futuro” mandato, dentro de uma perspectiva de já-
-eleito pelo povo, apresentando uma proposta de que a cidade irá crescer, pois fica
subentendido que não haverá desemprego (as empresas ficarão e virão outras),
136
haverá construção e reforma de escolas e investimento em mobilidade urbana e,
UNICESUMAR
consequentemente, redução das mortes no trânsito.
Veja que há uma única situação – eleição para prefeito de uma cidade –, mas os
candidatos assumem duas posições discursivas: situação e oposição. Precisamos,
no entanto, compreender tais posições a partir de suas condições de produção.
pensando juntos
Você não é o dono do seu dizer. Concorda que seu dizer é determinado, inconscientemen-
te, pela posição discursiva que ocupa? Será que a interpelação é sempre passiva? Ou, em
algum momento, o sujeito resiste?
137
Contextualizando: em tempos de eleição para a reitoria de uma universidade,
UNIDADE 4
UNICESUMAR
e que produz evidências naturalizadas (“a sociedade funciona assim e não há como
mudar”), ou seja, o dizer (a língua) é transparente e de sentido único.
explorando Ideias
“
[...] fornece as evidências pelas quais “todo mundo sabe” o que é
um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve etc.,
evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado “quei-
ram dizer o que realmente dizem” e que mascaram, assim, sob a
“transparência da linguagem” [...] (PÊCHEUX, 2009 p. 146).
139
Transparência criticada pela AD, que concebe uma ideia de que o sentido sempre pode
UNIDADE 4
ser outro e aqui ressaltamos mais dois conceitos: a FI e a FD.A primeira é definida como
um “[...] um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem ‘indi-
viduais’ nem ‘universais’ mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de
classes em conflito uma com as outras” (PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p. 166).
Entra em jogo nessa questão, uma (ou mais) FD que
“
[...] numa formação ideológica dada – posição dada – numa con-
juntura dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura
dada, determinada pelo estado de luta classes, determina o que pode
e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, sermão, pan-
fleto, exposição, programa etc.) (PÊCHEUX, 2009, p. 147).
Para fechar esses conceitos, afirmamos, amparados nesse autor, que os indivíduos
são interpelados em sujeitos pela(s) FD(s) que representam, na linguagem, a(s)
FI(s). Vamos aplicar o conceito de FD, na seguinte análise:
3. Sem-terras invadem fazenda Santa Rosa na região noroeste do Paraná.
(uma notícia divulgada por um jornal de grande circulação).
4. Sem-terras ocupam fazenda Santa Rosa na região noroeste do Paraná.
(notícia publicada no site do MST).
140
Retomamos Orlandi (2001a) para afirmar uma espécie de já-dito que dispo-
UNICESUMAR
nibiliza dizeres, afetando o modo com o sujeito significa. Vamos voltar à faixa com
o enunciado “vote sem medo”, instalada em um campus de uma universidade,
durante um período de eleições para reitor. Veja o que nos diz a autora:
“
Todos esses sentidos já ditos por alguém, em algum lugar, em ou-
tros momentos, mesmo muito distantes, têm um efeito sobre o que
aquela faixa diz. São sentidos convocados pela formulação: vote sem
medo! Que pressupõe, entre outras coisas, na experiência política
que temos, que as pessoas têm medo de votar, não votam livremente
etc. (ORLANDI, 2001a, p. 31).
142
5
DISPOSITIVOS DE ANÁLISE,
UNICESUMAR
PROCEDIMENTOS
e escrita analítica
143
Música: Ai que saudades da Amélia
UNIDADE 4
[...]
Hoje aos 30 é melhor que aos 18
Nem Balzac poderia prever
Depois do lar, do trabalho e dos filhos
Ainda vai pra night ferver
Todo dia até cansar (Uhu!)
Quadro 1: Relação entre as duas músicas / Fonte: Ai que saudades...([2020], on-line)3; Des-
construindo... ([2020], on-line)4.
144
aos 30 anos do que aos 18 anos), mas que sobrecarregada pelas atribuições que
UNICESUMAR
assumiu (cuida do lar e dos filhos, estuda e trabalha fora) e ainda arruma tempo
para o lazer (vai para a night ferver).
Apresentamos um modelo básico de um direcionamento analítico, mas fecha-
remos o item com uma análise desenvolvida por Souza (2014). Em um primeiro
momento, apresentaremos o material de análise:
145
Estamos diante de um objeto de análise que se configura como um texto não
UNIDADE 4
verbal (para a AD, cor, desenho, som, picho e grafite no muro, tatuagem no corpo
é texto e, portanto, objeto de análise). O conceito-análise é a cobertura da mídia
no caso Ebola. Veja que há apenas uma pessoa doente com a pele branca e, por-
tanto, o único alvo de atenção pela imprensa (há dois repórteres, entrevistando e
fotografando a pessoa), os demais são pessoas negras. A segunda pergunta “como
o texto constrói o conceito-análise?”. Veja o que nos diz o autor:
“
A pergunta [...] nos leva a um sentido de cobertura desbalanceado
em função de interesses. Dentre os vários doentes, somente o pa-
ciente de pele branca, metaforizando os países de primeiro mundo,
é foco de atenção da mídia. A cobertura da imprensa, criticada e
evidenciada no desenho, apresenta um discurso centrado no Oci-
dente (SOUZA, 2014, p. 37).
“
[...] a escrita da análise pode ser melhor organizada em formato
linear. Por conta da tradição de organização da textualização aca-
dêmica, um texto sequencial, bem definido em suas partes, é mais
bem acolhido dentro do gênero acadêmico (SOUZA, 2014, p. 40).
146
Para desenvolver essa escrita, o autor sugere alguns passos para a estruturação
UNICESUMAR
do texto:
a) Caracterização da análise: contextualizar o cenário em que a análise irá
ocorrer: apresentar e descrever o corpus, os conceitos que irão ser mobi-
lizados. Enfim, o leitor precisa estar informado sobre os procedimentos
do analista.
b) Explicitação do dispositivo teórico e do dispositivo analítico: aqui o ana-
lista vai informar em qual pressuposto teórico ele vai desenvolver sua
análise (a AD), sem deixar como ela compreende a língua, o sujeito, a
ideologia etc. Em seguida, ele vai descrever o dispositivo analítico, por
meio da individualização da teoria (a análise pessoal do corpus), ou seja,
um trabalho específico, singular, diante do mesmo dispositivo teórico.
c) Relato da análise: descrição e interpretação. Após esse processo de des-
crição e interpretação, o analista organiza (arruma) suas hipóteses, para
fornecê-la de forma arrumada para o leitor, apresentando o resultado (o
discurso) produzido na sua análise, pela materialidade do texto analisado
(marcas, exemplos, palavras retiradas do objeto de análise).
d) O retorno da análise: o analista registra suas conclusões e outras questões
que podem surgir, durante o processo de análise, para serem refletidas em
outro momento (outro texto, por exemplo).
e) Referência, anexo e apêndices: todo trabalho acadêmico deve apresentar
as referências utilizadas, e é isso que o analista irá fazer, ou seja, registrar as
obras e seus autores utilizados, no processo de análise, o corpus analisado,
os links de vídeos etc.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 4
148
na prática
Texto I
Texto II
149
na prática
2. Segundo Orlandi (2001), a análise do discurso (AD) surgiu no contexto social e his-
tórico da década de 60, do século passado. Entre as atribuições, ela pode ser defi-
nida como uma das disciplinas do campo teórico da Linguística, que colaborou na
promoção de uma ruptura com as teorias do século XIX. Ao ser considerada como
uma disciplina de entremeios, pelo fato de se constituir a partir de três campos de
saberes, leia as afirmativas a seguir:
150
na prática
a) V, F, V, F.
b) V, V, F, F.
c) F, V, F, V.
d) F, F, F, V.
e) V, F, F, V.
151
na prática
Material de análise
Tema: saúde pública brasileira.
152
aprimore-se
A obra da linguista Eni Orlandi, denominada Cidade dos Sentidos, apresenta uma
análise discursiva sobre a cidade, enquanto uma realidade que se impõe com toda a
sua força, pensada dentro da lógica capitalista. Nela, os indivíduos, na sua diferen-
ça, relacionam-se concentrados no mesmo espaço, e o objetivo da autora é não cair
nas facilidades do discurso homogeneizante da violência, pois quando se fala em
cidade, fala-se em violência que gera um efeito de sentido, pelo discurso produzido,
de que ela é provocada somente pela classe pobre (e não a rica). Ela exemplifica: o
bloqueio de uma rua pela classe média para as festinhas de seus filhos é ecologis-
mo, mas se o mesmo ato ocorrer em um bairro de classe pobre, produz um efeito
de vandalismo, desordem e impedimento da mobilidade urbana.
Por isso, é preciso considerar o espaço urbano como heterogêneo e ir além da
voz do consenso, aquela das autoridades que, geralmente, defendem o controle da
violência pela privatização do espaço público, potencializando, ainda mais, a violên-
cia. A autora apresenta como alternativa o cuidado social e coletivo, mas isso fica
fora, com cada um investindo em solução individual, direcionada para a redução da
capacidade do relacionamento social.
E assim, o espaço urbano se configura em condomínios, enquanto resultado de
proteção da violência. Não é se fechando nos espaços de convivência mínima (e
intolerância máxima) que se promove a sociabilidade, mas abrindo-se para o social,
com os bolsões da violência expostos ao bem público: escola, lazer, cultura, trans-
porte, esgoto, asfalto etc.
Para a autora, as pessoas, com medo, isolam-se e fazem muros, num processo
ambíguo de exibição que ostenta um poder econômico que só aumenta a hostilida-
de. Essa divisão física não é suficiente, pois os fechamentos de espaços diminuem a
capacidade de convivência, diminuem os roubos em residências, mas aumentam os
assaltos e assassinatos na rua. A questão é social e a solução também e, nesse caso,
a responsabilidade da violência se concretiza na falta de investimento no social.
153
aprimore-se
154
aprimore-se
155
eu recomendo!
livro
filme
conecte-se
Quer saber um pouco mais sobre a teoria linguística da Análise do Discurso (AD)?
Assista à entrevista da Professora Dra. Eni Orlandi:
https://www.youtube.com/watch?v=3U4WoY6CWvQr
156
anotações
5
ENSINO E APRENDIZAGEM
DE LÍNGUA
MATERNA:
reflexões teóricas e práticas
PROFESSORA
Dra. Vera Lucia da Silva
PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Gramática Normativa Tradicional
e Língua Portuguesa Brasileira: questões sobre ensino e aprendizagem • Ensino contextualizado da
Língua Portuguesa Brasileira: desapego ao passado colonial • As classes gramaticais: uma questão
pronominal • Língua, ensino e aprendizagem: des(re)fazendo a receita.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Apresentar uma reflexão sobre a concepção de língua no contexto linguístico brasileiro atual e na
gramática normativa tradicional • Refletir sobre o ensino da Língua Portuguesa Brasileira no contex-
to educacional atual • Apresentar uma das classes gramaticais e refletir sobre elas, a partir de uma
conjuntura linguística contemporânea • Pensar sobre outras possibilidades de um ensino efetivo e
contextualizado da língua.
INTRODUÇÃO
TRADICIONAL
E LÍNGUA PORTU
GUESA BRASILEIRA:
questões sobre ensino e
aprendizagem
160
Em um contexto atualizado, a BNCC sugere que a Língua Portuguesa seja
UNICESUMAR
mediada no Ensino Fundamental, por meio da
“
[...] centralidade do texto como unidade de trabalho e as perspecti-
vas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre rela-
cionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento
de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de
leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses.
(BRASIL, 2017, p. 67).
“
Desde os primeiros anos de escola, somos aterrorizados por uma
lista de termos e conceitos que mal compreendemos e por um
conjunto de regras de correção que nos são apresentadas como
intocáveis fenômenos de língua, os quais, pelo seu anacronismo e
artificialismo, não fazem muito sentido para a maioria dos falantes
contemporâneos do português no Brasil (FARACO, 2008, p. 129).
161
Situação que provoca uma sensação de frustração nos professores compro-
UNIDADE 5
metidos, pois, mesmo diante de diversas tentativas pedagógicas, parece que tudo
o que se faz na sala de aula (e fora dela: bom lembrar que professores trabalham
muito, na preparação das aulas) não produzem os resultados esperados. Em rela-
ção à gramática normativa tradicional, por uma via histórica, o autor nos informa
que ela foi criada no contexto greco-romano para preparar os cidadãos para
sustentar argumentos capazes de vencer as disputas políticas, no espaço público.
Aspectos históricos justificáveis, pois a classe social dominante daquela época
precisava de uma língua que, para ser culta, deveria ser amparada em aspectos
como “[...] ortografia e pronúncia; a distribuição das palavras por classes (nomes,
adjetivos, pronomes, verbos [...].); a estrutura sintática da oração simples [...] e dos
períodos (coordenação e subordinação); [...]”. (FARACO, 2008, p. 133).
Tais temáticas, posteriormente, passaram a se constituir como um ramo de
conhecimento denominado como gramática, ou seja, um manual em que estava
registrado a língua literária que, segundo o autor, deveria ser seguida por todos
os que escreviam (um tempo em que a maioria das pessoas eram analfabetas).
Para este autor, foi por essa via que se constituiu a tradição normativa ocidental
de estudos da língua, como alternativa de solução intelectual para impedir a dis-
seminação da diversidade linguística (aquela que não fazia parte do vocabulário
da classe elitizada e que detinha o poder político e econômico) e, consequente-
mente, seus conflitos.
Saindo da antiguidade grega, vamos agora pensar sobre a diversidade lin-
guística no contexto atual do século XXI, ou seja, um mundo globalizado com
predomínio econômico regido pelo sistema capitalista neoliberalista e sobre a
influência direta de uma revolução tecnológica. Contexto que ainda predomina
o valor histórico e cultural da gramática normativa tradicional, com sua definição
de que se trata de um compêndio em que está registrado um conjunto de regras
prescritas que definem e normatizam a forma escrita e falada considerada correta,
segundo uma língua homogênea padronizada.
Este modelo de língua é refutado pelos linguistas, pois consideram a língua
como algo heterogêneo e atrelada à diversidade dos falantes, em seus diferentes
aspectos: classe social, nível escolar, ocupação e renda, idade, etnia, gênero etc.
Citamos Orlandi (2009) para registrar o conceito de língua heterogênea, con-
siderando-a em dois aspectos: o imaginário e o fluido. Veja o quadro a seguir:
162
LÍNGUA IMAGINÁRIA LÍNGUA FLUIDA
UNICESUMAR
Sistema que os analistas fixam em Em constante movimento, de mudança
regras, fórmulas e sistematizações. contínua.
Condição estável pela perda da fluidez, Que não pode ser contida em
nas suas normas fixas. arcabouços e fórmulas.
Ideal, lógica, universal, abstrata, Não se deixa imobilizar, não tem limites e
normatizada. vai além das normas.
Diante das informações sobre duas línguas (uma imaginária e outra fluida), que
se definem em um campo multifacetado e também das condições sociais, cultu-
rais, políticas e econômicas do nosso Brasil e que, consequentemente, atingem
o projeto educacional, surge um questionamento inevitável: o que e como fazer,
enquanto profissional da educação, mesmo em situações adversas, para possibi-
litar um conhecimento linguístico eficiente para alunos pertencentes à sociedade
contemporânea permeada por conflitos étnicos, de gêneros, de classes sociais etc.?
Antunes (2007) nos recomenda a urgência em explorar a gramática sem equí-
vocos, mesmo diante de um instrumento de controle criado, sob a justificativa de
um contexto político, econômico e social greco-latino que tinha como objetivo
disciplinar a língua, bem como conduzir o comportamento verbal dos usuários,
pela imposição de modelos padronizados.
Na condição de profissionais da língua, precisamos vencer alguns conceitos do
conhecimento cotidiano (aquele do senso comum) e, novamente, nos apropriamos
de Antunes (2007), por meio de argumentos que desconstroem algumas crenças:
163
Tais afirmações nos levam a pensar que a gramática normativa tradicional tem
UNIDADE 5
uma função regularizadora, mas, também, tem limites, ou seja, ela sozinha não
é suficiente, pois a língua, segundo a autora, constitui-se por um conjunto de
componentes, a saber:
TEXTO: OS RECURSOS DE
TEXTUALIZAÇÃO (COESÃO, INTERAÇÃO: NORMAS
COERÊNCIA, INTENCIONALIDADE, SOCIAIS DE ATUAÇÃO.
INTERTEXTUALIDADE, ETC);
UNICESUMAR
DA LÍNGUA
PORTUGUESA
BRASILEIRA:
desapego ao
passado colonial
165
alguns estímulos para a criança começar a desenvolver essa habilidade, usando
UNIDADE 5
“
Ao estudarmos gramática, somos convidados a aprender, e muitas
vezes decorar, resultados: não se cogita do método que levou à ob-
tenção desses resultados. A aula de gramática típica não compor-
ta perguntas embaraçosas, referentes a comos e porquês que não
constam do livro adotado. O professor nunca precisa justificar a
análise que ensina, tem apenas que reproduzi-la como a encontrou
na bibliografia (PERINI, 2014, p. 55).
166
Por isso, embasamo-nos em autores que pensam na (e sobre) a língua por meio de
UNICESUMAR
uma gramática que descreve seu funcionamento tanto na fala espontânea do povo
brasileiro quanto na imprensa atual e em outras circunstâncias de uso falado e escrito.
Na Unidade 2 deste material de estudos, apresentamos a teoria da sociolin-
guística para você e, pautadas em teóricos, afirmamos que, além das variações
cotidianas, a língua muda com o tempo. Sobre este aspecto teórico, Bagno (2009)
afirma que a língua nunca está pronta e acabada, ou seja, suas regras não estão
fixadas para sempre, pois enquanto estiver gente falando, ela estará sempre em
processo de variação e mudança.
Concordamos com o autor (há algumas ressalvas) e nos apropriamos dele
para apresentar algumas ocorrências de uso da língua que estão sendo praticadas
pelos falantes atuais em diversas situações linguísticas. O tema é abrangente e,
por meio de uma inspiração pautada no autor, fizemos um recorte de algumas
descrições atuais do vernáculo brasileiro contemporâneo já incorporado na lín-
gua dos brasileiros, apesar de a gramática normativa tradicional considerar tais
fenômenos linguísticos como “errado”.
Explicação: nossa língua atribui gêneros às palavras. Lembrando que tais classifi-
cações em masculino ou feminino é totalmente arbitrária (lembra que estudamos
sobre a arbitrariedade do signo em Linguística 1?), pois não há justificativa natu-
ral e concreta para que as palavras (os signos) “garfo” e “faca” sejam nomeadas pelo
gênero masculino e feminino (o garfo, a faca). Nesse caso, depende da tradição de
uso e das convenções estabelecidas socialmente entre os falantes da língua (po-
deria ser “a garfo” e “o faca”, se fosse convencionado pela comunidade de falantes).
Por isso, o sentimento de pesar e compaixão designado como “um/o dó” de
acordo com a norma tradicional está passando por uma alteração (mudança) de
gênero gramatical, por meio de milhões de brasileiros que estão falando, escre-
vendo, cantando “uma/a dó”.
Apesar de a maioria dos dicionários ainda não contemplarem a palavra “dó”
no feminino, na tentativa de manter a tradição é por meio desse gênero que ela
está sendo usada pelos falantes brasileiros, nas suas diversas relações sociais. En-
quanto esse registro não acontece, vamos ler (e, se possível, ouvir), a música “de
mais ninguém”, de Marisa Monte?
Se ela me deixou,
a dor é minha só, não é de mais ninguém;
aos outros eu devolvo a dó.
eu tenho a minha dor.
[...]
Quadro 2 - Trecho da música “de mais ninguém” / Fonte: Bagno (2009, p. 147).
Vamos nos apropriar de outros autores, como Possenti (2009), para não cairmos
em suposições de que o que estamos tratando aqui é coisa de um único linguista.
O autor apresenta a seguinte situação de dúvida, de uma professora de língua
alemã, em relação à gramática portuguesa:
168
“
Professora Irene: “Quando eu converso com uma pessoa e quero
UNICESUMAR
dizer que a conheço, qual é a forma correta: ‘Eu lhe conheço” ou
‘Eu a conheço’? Existe uma variação do pronome em relação ao
tratamento formal?” (POSSENTI, 2009, p. 141).
“
[...] o verbo conhecer é um transitivo direto, e, portanto recebe o
pronome oblíquo “O”: “Eu O conheço” [...], “Eu A conheço”. É claro
que estamos falando do registro culto, onde “O” representa [...] ob-
jetos diretos, enquanto “LHE” [...] objetos indiretos. No registro po-
pular, no entanto, onde não existe essa consciência da sintaxe (quem
sabe o que é objeto direto ou indireto?), é natural que o uso desses
pronomes tenha sofrido uma enorme alteração. Em primeiro lugar,
o Português falado no Brasil simplesmente eliminou o pronome “O”,
passando-se a usar “ELE” como complemento de verbos transitivos
diretos: “Eu vi ele”, “Encontrei ele” etc., prática ainda inaceitável na
linguagem culta. Em segundo lugar, o “LHE” desvinculou-se total-
mente de sua função sintática original e passou a ser empregado
apenas como forma respeitosa de tratamento. Enquanto se usa “eu
TE conheço” [...] para uma pessoa íntima, prefere-se “eu LHE conhe-
ço” [...] para uma pessoa de maior hierarquia ou cerimônia — outra
prática ainda considerada inaceitável no registro culto, que aqui
exigiria “eu O conheço” [...] (POSSENTI, 2009, p. 141).
“
Se eu estivesse ensinando um estrangeiro a escrever Português, eu
insistiria na distinção sintática entre “O” e “LHE”, no entanto, se eu o
estivesse ensinando a falar, com certeza eu o acostumaria a alternar
entre o “TE” (para os mais próximos) e o “LHE” (para os de maior
cerimônia), de acordo com a menor ou maior formalidade da si-
tuação, porque assim ele estaria perfeitamente integrado com a fala
do brasileiro. (POSSENTI, 2009, p. 142).
169
Prezada(o) estudante, você percebeu que estamos tratando de fatos linguísticos
UNIDADE 5
pensando juntos
Você, diante da arquitetura desfavorável da educação brasileira, acha que é possível mi-
nistrar aula de língua capaz de atender às demandas mercadológicas, sociais, tecnológi-
cas e interpessoais contemporâneas?
170
3
AS CLASSES GRAMATICAIS
UNICESUMAR
TRADICIONAIS:
uma questão pronominal
não existe língua homogênea, pois ela retrata a vida das comunidades de falantes:
classe social, idade, etnia, gênero etc.).
Com o objetivo de registrar a língua literária da cultura helenística, o obje-
tivo de Dionísio fora também o de estabelecer um modelo a ser seguido pelos
falantes, por meio de
“
[...] aspectos de métrica, ortografia e pronúncia; a distribuição das
palavras por classes (nomes, adjetivos, pronomes, verbos, advérbios,
conjunções etc.); a estrutura sintática da oração simples (sujeito, predi-
cado, complementos, adjuntos) e dos períodos (coordenação e subor-
dinação); o uso das figuras de linguagem [...]. (FARACO, 2008, p. 133).
172
Iremos apresentar uma proposta, selecionando uma das dez classes grama-
UNICESUMAR
ticais que conhecemos, por meio das diversas gramáticas tradicionais e moder-
nas que estão disponibilizadas a todos nós. Relembrando, na ordem alfabética,
tais classes se definem como: advérbio, adjetivo, artigo, conjunção, interjeição,
numeral, preposição, pronome, substantivo e verbo. Nosso foco de análise, para
esse momento, será dedicado aos pronomes, especificamente, algumas aborda-
gens mais usuais, como a atual situação dos pronomes demonstrativo esse/a(s)
e este/a(s) e a colocação pronominal na situação atual da nossa língua materna
(o Português do Brasil).
Em relação aos pronomes demonstrativos, o gramático Ulisses Infante faz a
seguinte apresentação:
Em relação aos demonstrativos da segunda pessoa, o autor afirma que eles indicam
proximidade da pessoa a quem se fala ou escreve, apresentando o seguinte exemplo:
b) Receba meus cumprimentos por mais um ano que esse velho corpo con-
segue atravessar incólume.
173
Bagno (2009) apresenta uma análise que afirma uma indiferenciação entre “este”
UNIDADE 5
e “esse”. No entanto, há uma preferência para o uso falado e escrito do “esse”, en-
quanto o “este” está se transformando em um fóssil linguístico, ou seja, em um
“[...] elemento gramatical que vai ficando restrito a poucas modalidades de uso da
língua, como os textos escritos mais monitorados” (BAGNO, 2009, p. 170). Obser-
ve o seguinte exemplo publicado em um dos componentes midiáticos brasileiro
e apresentado pelo autor: “Basta ter um mínimo de recursos que a produção vai
despontar. E tem outra coisa, esse país não é um país qualquer. Esse país é o Brasil,
que tem tanta diversidade cultural” (BAGNO, 2009, p. 172).
Em Bagno (2012), também há uma explicação, justificando que o fim da dua-
lidade entre este/esse está se fundindo no Português do Brasil de forma a somente
saber da sua existência por meio do letramento escolar. Nesse caso,
“
É perda de tempo tentar inculcar nos aprendizes uma diferença
entre esse e este que não existe mais na língua e que não é rigoro-
samente seguida nem sequer pelos que produzem gêneros escritos
mais monitorados. [...] se a função da escola é ensinar o que a pessoa
não sabe, cabe, sim, apresentar os demonstrativos [...] explicando
que, muito tempo atrás na língua, eles só eram aplicados aos objetos
próximos da pessoa que fala e [...] outra para o que está distante. [...].
Uma boa sugestão é coletar textos escritos [...] em jornais e revistas e
ver como se dá ali o uso dos demonstrativos (BAGNO, 2012, p. 795).
174
Dê-me um cigarro
UNICESUMAR
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
PRONOMES PESSOAIS
1ª eu me
Singular 2ª tu te
3ª ele, ela se, lhe, o, a
1ª nós nos
Plural 2ª vós vos
3ª eles, elas se, lhes, os, as
Quadro 5 - Pronomes pessoais oblíquos átonos / Fonte: adaptado de Faraco e Moura (1987, p. 199).
Os autores dedicam uma parte do seu trabalho para explicar que as formas como
ocorrem a colocação dos pronomes pessoais oblíquos átonos devem obedecer a
três posições em relação aos verbos. Vamos apresentar alguns exemplos e suge-
rimos a você que amplie seu conhecimento, por meio das gramáticas disponíveis
nas bibliotecas virtuais.
175
Próclise: antes do verbo
UNIDADE 5
Aplicação:
Em orações com palavras negativa
• Nunca mais a vi.
Em gerúndio precedido de preposição em:
• Em se tratando de finanças, dirija-se ao tesoureiro.
Quadro 6 - Colocação dos pronomes oblíquos átonos / Fonte: adaptado de Faraco e Moura (1987).
“
Segundo a gramática que herdamos de Portugal, a colocação normal
do pronome é a ênclise. No entanto, no português escrito e falado
no Brasil hoje, nota-se uma preferência marcante pela próclise, fato
já constatado por Oswald de Andrade [...]. (FARACO; MOURA,
1987, p. 422).
176
Faremos um deslocamento teórico e apresentaremos a você as reflexões que os
UNICESUMAR
linguistas contemporâneos, como Bagno (2009, 2012) e Orlandi (2009) estão de-
senvolvendo sobre a temática da colocação pronominal. Bagno (2009) afirma que,
intuitivamente, todo falante brasileiro contemporâneo sabe que a regra para a colo-
cação pronominal na nossa língua é a próclise antes do verbo principal (exemplos:
“eu te amo”, “você pode me emprestar uma caneta?”). Salienta o autor que essa
é a regra natural e não adianta tentar sufocar, pois quando se trata de pronomes
oblíquos, a ordem passa a ser sujeito-objeto-verbo (SOV), justificado nos diversos
exemplos retirados de textos divulgados nas mídias oficiais e textos acadêmicos.
Orlandi (2009) elabora uma reflexão sobre o caso da colocação pronominal,
a partir da predominância proclítica no Brasil. Ela afirma que a nossa língua é
resultado de uma imposição colonizadora e, portanto, a tendência é seguir o mo-
delo imposto pelo colonizador. No entanto, apesar das resistências em aceitar (ou
ao menos refletir sobre tais questões), a autora confessa ser impossível utilizar a
colocação pronominal portuguesa. A autora se utiliza das ideias do filólogo Said
Ali, para afirmar que a regularidade lusitana é correta, mas a liberdade brasileira
também é, e não adianta um povo querer imitar outro povo, por conta de um
poder cultural e uma atmosfera artificial.
Há uma distinção entre o falante português e o brasileiro, pois estamos em
outro espaço e em outro tempo. O ritmo é outro e a vida também é outra, ou seja, a
língua é outra e nada escapa à mudança, apesar desse imaginário colonizador que
nos atravessa em todos os aspectos, principalmente quando o assunto é sobre a
língua que falamos e escrevemos. Neste momento, podemos afirmar que é preciso
reconhecer que há uma unidade linguística brasileira, com formação a partir de
outras línguas, entre as quais citamos, a portuguesa, as indígenas, as africanas e
outras tantas vindas para cá, pelos milhares de imigrantes que povoaram (e po-
voam) essa terra. Fato que justifica a necessidade de se reconhecer as mudanças
ocorridas entre o português de Portugal e o português do Brasil.
177
Para finalizar esse item, deixamos registrado o seguinte conselho: “Melhor
UNIDADE 5
explorando Ideias
178
4
LÍNGUA, ENSINO
UNICESUMAR
E APRENDIZAGEM:
des(re)fazendo a receita
“
[...] o normativismo e a gramatiquice não são apenas concepções e
atitudes ligadas à língua e seu ensino. Pelo seu caráter conservador,
impositivo e excludente, o normativismo e a gramatiquice são par-
te intrínseca de todo um conjunto de conceitos, atitudes e valores
fundamentalmente autoritários, muito adequados ao funcionamen-
to de uma sociedade profundamente marcada pela divisão social
(FARACO, 2008, p. 155).
179
O autor sugere à imprensa ressignificar seu conceito e imagem de língua, pelo
UNIDADE 5
UNICESUMAR
na, afirma que não há língua sem gramática e jamais deve ser retirada da sala de
aula, pois ela está na língua e faz parte dela. A gramática deve fazer parte de todo
o percurso dos alunos e nos aponta um caminho possível:
“
O diálogo, a conversa, a escuta de historinhas, os relatos, as justifica-
tivas é que devem preencher as situações orientadas para o desen-
volvimento específico da linguagem. Além disso, a leitura de bons
textos, cheios de interesse, de graça ou de poesia e de encantamento
é o melhor caminho para levar a criança a descobrir um sentido
para a linguagem, para a escrita e os meios em que ela circula (li-
vros, jornais, revistas, faixas, cartazes, placas, meios eletrônicos etc.).
(ANTUNES, 2007, p. 80).
A autora nos avisa que não é proibido ensinar gramática, pois a questão não é ensinar
ou não ensinar gramática — a questão é utilizar os mais variados gêneros de textos
orais, escritos e imagéticos para apresentar o modo como se faz uma resenha, um
resumo, uma notícia, um aviso, um requerimento etc. Já percebemos que a gramá-
tica sozinha não é suficiente para o falante ampliar e aperfeiçoar seu desempenho
comunicativo, mas precisamos dela para atuar no ensino e aprendizagem de língua.
Sobre esta questão, retomamos Vieira (2018) e sua proposta para uma abor-
dagem mais produtiva da gramática em sala de aula, pois na concepção da autora
e de uma forma um pouco diferente de outros linguistas, é preciso também agre-
gar o conhecimento pela tradição gramatical e linguística, mas sem deixar de se
atentar para as variações da língua. A autora propõe um ensino de gramática, pela
escola, capaz de considerar o funcionamento de recursos linguísticos nos níveis
fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico-discursivo. Um ensino
que permita o acesso às práticas de leitura e produção de textos orais e escritos,
permitindo o acesso às variedades de prestígio social, mas sem desmerecer as
variedades apresentadas pelos alunos. A proposta da autora se desenrola a partir
de três eixos de aplicação: 1) ensino de gramática e atividade reflexiva; 2) ensino
de gramática e produção de sentidos 3) ensino de gramática, variação e normas.
Vamos apresentar cada um.
Sobre o primeiro eixo (ensino de gramática e atividade reflexiva), a autora nos
orienta a trabalhar com componentes gramaticais que consideram a língua pela
sua natureza linguística, epilinguística e metalinguística. A primeira natureza (a
181
linguística) é apresentada por meio de atividades que se apropria do saber linguís-
UNIDADE 5
“
[...] opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, trans-
forma-as, experimenta novos modos de construção canônicos ou
não, brinca com linguagem, investe as formas linguísticas de novas
gerações (FRANCHI, 2006, p. 97).
A autora afirma que é por meio da natureza epilinguística que se leva o aluno a di-
versificar os recursos expressivos com que fala, escreve e aprende a operar sua lín-
gua materna, praticando a diversidade dos fatos gramaticais, de forma aprimorada/
sistematizada e consciente. A partir desse momento, podemos considerar a terceira
natureza (a metalinguística), ou seja, usar a língua para falar dela mesma, uma espé-
cie de autorretrato, descrição capaz de observar suas construções sistemáticas. Esse
momento oportuniza o aluno a operar e explicitar o conhecimento que tem da sua
língua, bem como conscientizá-lo de que, apesar do número infinito de possibilidades
de sentenças na língua, há um número reduzido de estruturas linguísticas.
Em relação ao eixo 2 (ensino de gramática e produção de sentidos), Vieira
(2018) retoma as ideias das linguistas Maria Helena de Moura Neves e Maria
Aparecida Lino Pauliukonis, para elaborar questões que articulam o ensino de
gramática imbricado com atividades de leitura e produção de textos. Estas, ao
serem consideradas como unidades de uso que compõem tanto a estrutura da
língua quanto a interpretação de componentes dos de níveis fonológico, morfo-
lógico, sintático, semântico etc., vão atuando na tessitura do texto, estabelecendo
a conexão e a produção de sentidos, por meio de uma série de operações.
Tais operações podem, resumidamente, ser descritas como: os substantivos
que identificam, nomeiam e classificam os seres, os adjetivos que caracterizam
os seres, os verbos que identifica o modo temporal em que ocorrem as relações
entre os seres, o posicionamento diante do que é dito/escrito (certezas, dúvidas,
interrogações, imposições, ponto de vista etc.), os elementos coesivos, os modos
de construção (narração, descrição, dissertação, carta, texto opinativo etc.).
182
Em relação ao terceiro e último eixo (ensino de gramática, variação e nor-
UNICESUMAR
mas), Vieira (2018) nos orienta que as aulas de língua materna sejam capazes
de oportunizar reflexões sobre as estruturas que não são do conhecimento dos
alunos, pelo fato de, salvo exceções, não pertencerem à variedade que ele domina,
ou seja, a popular (no sentido de pertencer a comunidades menos escolarizadas)
e a falada (normalmente praticada por gêneros textuais espontâneos). Ela está
se referindo aqui às estruturas morfossintáticas típicas de situação de alta mo-
nitoração estilística, comumente presentes em textos escritos, como os clíticos
pronominais (lhe/s, o/s, a/s, nos) etc.
Ademais, a autora salienta que, para promover uma prática pedagógica efi-
caz, é preciso compreender alguns pressupostos teóricos da sociolinguística e se
conscientizar que, no plano do uso, há variedades cultas e populares que, muitas
vezes, se fundem. Há, no entanto, aquelas variedades estigmatizadas socialmente,
marcando ausência de escolaridade e há as eleitas como prestigiosas e “corretas” e
que, portanto, pode ser retomada como a tradicional norma-padrão. O que importa
para nós, nesse momento do curso, pode ser apresentado pelas palavras da autora:
“
Numa perspectiva didático-pedagógica, devem-se conhecer as es-
truturas que pertencem às normas/variedades efetivamente pratica-
das por indivíduos escolarizados, chamadas aqui cultas, na fala e na
escrita brasileiras, de modo a permitir que se avalie a proximidade
ou a distância dessas normas em relação: (i) a outras normas já
dominadas pelos estudantes quando chegam à escola; (ii) a outras
normas que se apresentam nos diversos gêneros textuais trabalha-
dos nas aulas de Português, que lidam com materiais brasileiros [...];
e (iii) a normas tão idealizadas que acabam por registrar formas
arcaizantes e até extintas da fala e da escrita contemporâneas, resul-
tando em certo purismo linguístico (VIEIRA, 2018, p. 58).
184
na prática
1. “[...] a língua imaginária é a língua sistema, a que os analistas fixam em suas regras e
fórmulas, em suas sistematizações [...]. [...] A língua fluida, [...] é a língua movimento,
mudança contínua, a que não pode ser contida em arcabouços e fórmulas, não se
deixa imobilizar, a que vai além das normas [...]” (ORLANDI, 2009, p. 18).
a) A língua flui como um rio: apesar de um modelo de língua padrão sugerido pela
gramática normativa tradicional, os falantes usam a língua adequando-a ao con-
texto linguístico atual. Ex: hoje, a maioria dos falantes dizem “assisti o filme”, em
vez de “assisti ao filme”.
b) A língua é estável e controlada: a gramática normativa tradicional determina
que o verbo deve sempre concordar com o sujeito. Ex: “os rios precisam ser
preservados”. Essa é a forma obedecida por todos os falantes e ninguém diz “os
rio precisa ser preservado”.
c) A língua é homogênea e fixa: a língua não sofre influência da revolução tecno-
lógica, apesar de muitas palavras somente terem sido criadas por causa dessas
inovações. Ex: “arquivar nas nuvens” significa esconder objetos em massas de ar
que podem virar chuva.
d) A língua é imaginária: há um modelo de língua que, por ser considerado padrão,
é imposto a todos os falantes a dizer da mesma maneira. Ex: nenhum falante de
língua materna desobedece às normas da concordância verbal, ou seja, ninguém
diz “os menino saiu para comprar lanche”.
e) A língua é lógica: os falantes são obedientes e, até hoje, seguem todos os modelos
pré-estabelecidos pela gramática greco-romana. Ex: os falantes dizem “minha
mãe trouxe um filme para eu assistir”. Ninguém diz: “minha mãe trouxe um filme
para mim assistir”. Afinal, mim não faz nada.
185
na prática
186
na prática
( ) Em “esta moça ao meu lado é uma velha amiga”, o pronome demonstrativo “esta”
é usado em conformidade ao uso atual do português brasileiro contemporâneo,
pois pela gramática tradicional o correto é usar “esse” para indicar o objeto ou
seres que estão próximos de quem fala ou escreve.
( ) Em “esta calça que estou usando é nova”, o pronome demonstrativo “esta” é
usado conforme a norma tradicional, mas no português brasileiro atual, é co-
mum e já aceitável o pronome “essa” comprovando que, hoje, está ocorrendo
uma indiferenciação entre “este” e “esse” no uso falado e escrito.
( ) A aluna Joyce durante a apresentação do seminário do seu grupo: “esse livro
conta a história da língua materna atual”. Durante o debate, o professor explicou
que a versão tradicional exige “este” para indicar proximidade de quem fala, mas,
atualmente, o falante brasileiro tem preferido usar o “esse”.
( ) Marcos e sua esposa planejando a viagem, que irá ocorrer no próximo ano:
“vamos por esse caminho. O outro tem três pedágios”. Pela norma tradicional
Marcos cometeu um erro, pois o pronome “esse” somente deve ser usado para
indicar o ser ou o objeto que está próximo ao falante e ao ouvinte.
a) V, V, F, F.
b) F, F, V, V.
c) F, V, V, F.
d) F, V, F, V.
e) V, F, V, F.
187
na prática
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
188
na prática
Bianca resolveu fazer logo sua tarefa: assim que chegou em casa, viu que seu pai
estava em um site de finanças denominado “me poupe” e sua mãe assistia a um
documentário sobre a crise hídrica no mundo. Percebeu que um grupo de alunos
fazia uma passeata com faixas, contendo a seguinte informação: “Água é vida. Me
economize”. Com dúvidas, Bianca não conseguiu realizar a atividade e, no outro dia,
questionou a professora sobre o fato de ter aprendido na gramática algo que ela
não conseguiu visualizar no uso dos falantes. Margarida ficou feliz pela perspicácia
da aluna e agora poderia dar continuidade à aula de colocação pronominal, partindo
da sua vivência.
189
aprimore-se
190
aprimore-se
Sempre fui péssimo em Português. Mas – isto eu disse – vejam vocês, a intimidade
com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da mi-
nha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E
tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso
as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras.
Exijo submissão. Não raro, peço delas reflexões inomináveis para satisfazer um ges-
to passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me
meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família
nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenha também o mínimo
escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. Algumas
são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras
seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acaba-
ria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade
de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e
obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção
de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma con-
junção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.
191
eu recomendo!
livro
filme
Narradores de Javé
Ano: 2004
Sinopse: conta a história de uma localidade chamada Javé. Tudo
está prestes a ser totalmente destruído por conta de uma autori-
zação para a construção de uma usina hidrelétrica. Os habitantes
procuram uma solução para o problema e decidem se unir para
escrever a história do vilarejo, já que não havia nenhum regis-
tro que comprovasse a existência daquele lugar. Acontece que
os habitantes são analfabetos, exceto Antônio Biá (José Dumont), que recebe a
missão de colocar o plano em prática. Ele bate na porta de cada morador para
coletar as informações necessárias. Durante as entrevistas, é possível perceber as
características daquela comunidade, cultura, costumes e a identidade marcante
de um grupo social. Uma boa dica para quem deseja se aprofundar na construção
da língua.
conecte-se
192
conclusão geral
Prezada(o) estudante, chegamos ao final do nosso percurso e foi por meio desse
material que você conheceu o gerativismo e sua essência teórica pautada em um
modelo que considera a linguagem humana pelo aspecto inato e biológico. Se a
aquisição de uma língua, no entanto, é algo que pertence ao ser humano, as trans-
formações que vão ocorrendo na conjuntura social também afetam a nossa língua
que, por meio das comunidades de falantes, estão em um constante processo de
variação e mudança. Você teve a oportunidade de conhecer tais fenômenos, na Uni-
dade 2, por meio da sociolinguística, seus autores específicos e algumas exemplifi-
cações que utilizamos para materializar a teoria.
Diante de uma língua que pode ser analisada como algo inato e que, por ser viva, não
fica estagnada no tempo e no espaço (não estamos refletindo sobre uma língua morta),
ela acompanha a evolução social e, sem nenhum pudor, é capaz de produzir uma infini-
dade de significados. Isso foi apresentado a você, na terceira unidade, em que tratamos
da semântica, enquanto ciência linguística que estuda os significados das palavras.
A língua, ao ser pensada em sua dinamicidade, ou seja, como um rio que flui cons-
tantemente, não fica limitada a um pensamento fechado. Por isso, ela se apresenta
com a possibilidade de ser um instrumento de produção discursiva, nas diversas
estruturas sociais (mídia, religião, política, educação etc.), sempre por meio de um
sujeito que, a partir de uma posição dada, produz efeitos de sentidos. Você desco-
briu tais conceitos na Unidade 4, por meio da teoria linguística da AD.
193
referências
ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003.
ANTUNES, I. Muito além da gramática: para um ensino de línguas sem pedra no caminho. São
Paulo: Parábola, 2007.
BAGNO, M. Gramática de bolso do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2013b.
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo:
Parábola Editorial, 2007.
BAGNO, M. Não é errado falar assim: em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2009.
BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 55. ed. São Paulo: Loyola, 2013a.
BORGES NETO, J. O empreendimento gerativo. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (org.). Introdução
à linguística: fundamentos epistemológicos. 5. ed., v. 3. São Paulo: Cortez, 2011, p. 93 - 129.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2017 Disponível
em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf.
Acesso em: 1 jun. de 2020.
CANÇADO, M. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
CASTILHO, A. T. de; ELIAS, V. M. Pequena gramática do português brasileiro. São Paulo: Con-
texto: 2015.
194
referências
CASTRO, M. F. P. de; FIGUEIRA, R. A. In: PFEIFFER, C. C.; NUNES, J. H. (org.). Introdução às ciên-
cias da linguagem: linguagem, história e conhecimento. Campinas: Pontes, 2006, p. 73-102.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. São Paulo: Nacional, 2008.
CIÇA. Pagando o Pato. In: PINTO, C. A. Pagando o Pato. Porto Alegre: L7PM, 2006. p. 12.
FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008.
FERRAREZI JÚNIOR, C. Semântica para educação básica. São Paulo: Parábola, 2008.
GUIMARÃES, E. Produzindo sentido de um nome. Revista Rua [online]. Edição Especial. Cam-
pinas, v. 20, p. 35-48, 2014. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/
rua/article/view/8637520/5215/. Acesso em: 7 abr. 2020.
ILARI, R. Introdução à semântica: brincando com a gramática. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2009.
ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. 11. ed. São Paulo: Ática, 2006.
INDURSKY, F. A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, F.; MITTIMANN, S., FERREIRA, M.
C. L. (org.). Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado das Letras,
2011. p. 67–104.
INFANTE, U. Curso de gramática aplicada aos textos. São Paulo: Scipione, 1995.
KENEDY, E. Gerativismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de linguística. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2013b. p. 127-140.
195
referências
LUFT, P. C. Língua & liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu ensino.
Porto Alegre: L&PM, 1985.
LUFT, P. C. Língua & liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu ensino.
Porto Alegre: L&PM, 1985.
MESQUITA, R. M.; MARTOS, C. R. Gramática pedagógica. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
ORLANDI, E. P. Língua brasileira e outras histórias: discurso sobre a língua e ensino no Brasil.
Campinas: Editora RG, 2009.
ORLANDI. E. P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 5. ed. Campinas: Unicamp, 2002.
ORLANDI. E. P. Língua brasileira e outras histórias: discurso sobre a língua e ensino no Brasil.
Campinas: Editora RG, 2009.
PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, P. et al. Papel da memória. Tradução de José
Horta Nunes. Campinas: Pontes, 1999.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 4. ed. Campinas: Uni-
camp, 2009.
196
referências
PEREIRA, E. Camarote, forro e pé de moleque gigante: marcas apoiam festa junina no NE. Mídia e
Marketing. 17 jun. 2019. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/06/17/
ifood-uber-eats-primor-patrocinadores-festas-juninas-nordeste.htm. Acesso em: 6 abr. 2020.
PERINI, M. Defino minha obra gramatical como a tentativa de encontrar resposta às pergun-
tas: por que ensinar gramática? Que gramática ensinar? In: NEVES, M. H. de M.; CASSEB-GAL-
VÃO, V. C. (org.). Gramáticas contemporâneas do português: com a palavra os autores. São
Paulo: Parábola Editorial, 2014. p. 48 – 67.
POSSENTI, S. Questões de linguagem: passeio gramatical dirigido. São Paulo: Parábola, 2011.
SANTOS, R. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, J. L. (org.). Introdução à linguística. 6. ed. São
Paulo: Contexto, 2012, p. 211-227.
TAMBA, I. A semântica. Tradução de Marcos Marcionilo. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2006.
VERÍSSIMO, L. F. O gigolô das palavras. iBahia. 15 set. 2014. Disponível em: https://blogs.ibah-
ia.com/a/blogs/portugues/2014/09/15/5576/. Acesso em: 5 jun. 2020.
VIEIRA, S. R. Três eixos para o ensino da gramática. In: VIEIRA, S. R. Gramática, variação e en-
sino: diagnose & propostas pedagógicas. São Paulo: Blucher, 2018. p. 47 – 59.
REFERÊNCIAS ON-LINE
1
Em: https://www.infoescola.com/biografias/noam-chomsky/. Acesso em: 4 jun. 2020.
2
Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Burrhus_Frederic_Skinner. Acesso em: 4 jun. 2020.
3
Em: https://www.ebiografia.com/ivan_pavlov/. Acesso em: 4 jun. 2020.
4
Em: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=terminology&act=view&id=2060.
Acesso em: 20 maio 2020.
5
Em: http://www.gazetadigital.com.br/editorias/cidades/servidor-que-escreveu-felis-natal-
-em-canteiro-aprendeu-oficio-pela-internet-e-esta-triste-com-as-criticas/559812. Acesso em:
21 maio 2020.
6
Em: https://germanroadraces.de/?post_eng=founding-father-of-the-marathon-michel-breal-
-in-paris. Acesso em 27 mar. 2020.
197
referências
7
Em: https://www.labeurb.unicamp.br/portal/UserFiles/Image/Michel1.JPG.
8
Em: http://misterdivertido.blogspot.com.br/p/piadas-de-gordos.html. Acesso em: 18 maio 2020.
9
Em: https://www.letras.mus.br/mario-lago/377002/. Acesso em: 18 maio 2020.
10
Em: https://www.letras.mus.br/pitty/1524312/. Acesso em: 18 maio 2020.
11
Em: https://www.eosconsultores.com.br/situacao-da-saude-publica-e-saneamento-basico.
Acesso em: 19 maio 2020.
12
Em: https://www.escritas.org/pt/t/7793/pronominais. Acesso em: 5 jun. 2020.
13
Em: https://blogs.ibahia.com/a/blogs/portugues/2014/09/15/5576/. Acesso em: 5 jun. 2020.
198
gabarito
2. B. UNIDADE 4
3. C.
1. C.
4. D.
2. D.
5. E.
3. E.
4. A.
UNIDADE 2
5. Considerando a heterogeneidade da
1. A. língua e sua opacidade, o discurso pro-
duzido pelo sujeito médico, em um
2. B.
hospital público, durante o atendimen-
3. C. to de um paciente, produz um efeito de
4. D. sentido de que o problema da saúde
pública não é a falta de dinheiro, mas a
5. E. falta de uma gestão eficiente na admi-
nistração da arrecadação dos impostos
e do seu direcionamento para setores
UNIDADE 3
essenciais, como a saúde pública.
1. A.
2. B. UNIDADE 5
3. C.
1. A.
4. D.
2. B.
5. Na propaganda a, o significado do pri-
3. C.
meiro “leve” é um verbo que significa
conduzir, administrar, levar a vida de 4. D.
uma forma tranquila, sem estresse, 5. Na posição da professora Margarida,
sem pressa etc. (significado do segun- usaria a dúvida da aluna para retomar
do “leve”). Na propaganda b, “passar” é as normas da gramática tradicional,
um verbo que significa, neste contex- por meio de uma contextualização
to, ser aprovado (na prova, no concur- histórica desse compêndio e, por meio
so etc.), mesmo sem deixar “passar” de uma explicação que justifica a situa-
nada, ou seja, sem deixar de aproveitar ção da língua sempre em processo de
a vida, ficando somente na biblioteca variação e mudança. Além disso, por
199
gabarito
200