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GUARULHOS - SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 4
2 A LÍNGUA COMO OBJETO CIENTÍFICO.................................................................. 5
2.1 A língua como conteúdo de ensino ........................................................................ 12
2.2 Subáreas da linguística .......................................................................................... 14
2.3 Linguística aplicada e linguística teórica ................................................................ 20
3 O QUE É LINGUAGEM?.......................................................................................... 24
3.1 Os estudos da linguagem ...................................................................................... 26
3.2 O campo de estudos linguísticos ........................................................................... 28
4 OS CONCEITOS DE SISTEMA, NORMA, FALA, SINCRONIA E DIACRONIA ....... 30
4.1 Relação entre fala e norma .................................................................................... 33
4.2 Sincronia, diacronia e fator tempo ......................................................................... 34
4.3 Variações da língua ............................................................................................... 35
4.4 Tipos de variação linguística .................................................................................. 36
4.4.1 Variações diatópicas ............................................................................................ 36
4.4.2 Variações diacrônicas .......................................................................................... 37
4.4.3 Variações diastráticas .......................................................................................... 38
4.4.4 Variações diafásicas ............................................................................................ 39
4.5 Variação linguística e preconceito linguístico ........................................................ 39
5 GÍRIAS ..................................................................................................................... 40
5.1 Perspectiva social: surgimento e crescimento ....................................................... 42
6 NORMA ORAL, NORMA ESCRITA E FATORES DE UNIFICAÇÃO LINGUÍSTICA 46
6.1 A globalização e os fatores de unificação da Língua Portuguesa .......................... 46
6.2 Existe uma norma oral? Análise sincrodiacrônica da língua falada ....................... 49
6.3 Análise diacrônica da norma escrita ...................................................................... 50
7 CONCEITOS DE SIGNO EM SAUSSURE E PEIRCE............................................. 55
7.1 Conceito de signo: Saussure e Peirce ................................................................... 55
7.2 Tipos característicos de signo:............................................................................... 58
7.3 Características do signo em Saussure .................................................................. 59
7.3.1 Arbitrariedade ...................................................................................................... 59
7.3.2 Linearidade do significante .................................................................................. 59
2
7.3.3 Imutabilidade ....................................................................................................... 60
7.3.4 Mutabilidade ........................................................................................................ 60
7.4 Classificação dos signos em Peirce ....................................................................... 61
7.4.1 Signos icônicos .................................................................................................... 61
7.4.2 Signos indiciais .................................................................................................... 63
7.5 Signos simbólicos .................................................................................................. 64
8 SEMÂNTICA ............................................................................................................ 65
8.1 A semântica no passado ........................................................................................ 67
8.2 A semântica no presente ....................................................................................... 71
9 SEMÂNTICA COGNITIVA ....................................................................................... 74
9.1 Linguística cognitiva e semântica cognitiva ........................................................... 74
9.2 Linguística cognitiva e semântica cognitiva ........................................................... 76
9.3 O conceito de categorização e a teoria prototípica ................................................ 77
9.4 O fenômeno da metáfora ....................................................................................... 80
10 SEMÂNTICA FORMAL: DIFERENTES ABORDAGENS ......................................... 82
10.1 A semântica formal e o estudo do significado ........................................................ 82
10.2 Princípio da composicionalidade............................................................................ 85
10.3 Recursividade na semântica formal ....................................................................... 87
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 92
3
1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
Bons estudos!
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2 A LÍNGUA COMO OBJETO CIENTÍFICO
Na história dos estudos linguísticos (Neves, 2003, 2005), tem-se com os gregos,
por volta do século V a.C., o início das primeiras análises sobre a natureza da linguagem,
estas ainda de caráter filosófico. Na ocasião a língua era vista como expressão do
pensamento e por isso toda atividade em torno da mesma centrava-se nas técnicas do
discurso, da persuasão, enfim, na arte retórica. Construir enunciados sem defeitos e
eficazes dizia respeito ao resultado que se obtinha com o uso das técnicas da retórica,
especialmente na política.
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mais tarde. Posteriormente, nos séculos III e II a.C., os estoicos começaram a analisar
enunciados e, com isso, o estudo das conjunções passou a se destacar, embora com
base apenas em seu valor lógico; estudava-se também o artigo e seu caráter articulador.
Na segunda metade do século II a.C. já se considerava o critério morfológico da
flexão, bem como um quadro de categorias gramaticais para língua grega, que veio a se
tornar o modelo para a organização das classes de palavras da gramática ocidental.
Nesse momento, ainda não havia espaço para o estudo da sintaxe, então deixada de
lado com a finalidade de garantir o caráter puramente linguístico dos estudos.
Neves (2003, p.51) comenta que, condicionada por sua finalidade prática, a
gramática elege para exame, em especial, a fonética e a morfologia, fixando-se nos fatos
de manifestação depreensível, passíveis de organização em quadros concretos. Se
considerada nesse estágio, a sintaxe teria fatalmente compromisso com a lógica,
constituindo uma deriva das considerações filosóficas.
Portanto, a sintaxe é praticamente ignorada, não tendo lugar nessa nova disciplina,
que, pelas condições de surgimento, só tem sentido se empírica. Em razão dessa recusa
inicial ao estudo da sintaxe, sob pena de comprometer o caráter linguístico das
investigações, é possível concluir que, já nessa época, havia a percepção de que algo
nesse nível de análise estava fora do que era considerado o sistema da língua.
Ainda no século II d.C., teve início algumas pesquisas relacionadas a fenômenos
sintáticos, com Apolônio Díscolo. Todavia, a sintaxe era vista como o conjunto de regras
que regem a síntese dos elementos que constituem a língua (NEVES, 2003) e tinha seu
escopo nos limites da oração (o que não deixou de significar certo avanço nas pesquisas).
Temos registros de que estudos gramaticais de uma língua diferente do grego, o
latim clássico, foram iniciados em Roma, no século I d.C. Durante a Idade Média,
receberam destaque as pesquisas em fonética de Donato, em que comparou o latim com
o grego; e os estudos de Prisciano, que propôs uma definição de sintaxe do Ocidente: “a
disposição que visa à obtenção de uma oração perfeita” (SILVA, 1996). As gramáticas
desses autores foram usadas como manuais de ensino durante toda a Idade Média e os
estudos gramaticais que se seguiram foram baseadas nessas obras.
Durante o Renascimento (séculos XV a XVIII) surgiram gramáticas das línguas
vernáculas (Gramática de la lengua castellana, de Antonio de Nebrija, 1492; Gramática
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da linguagem portuguesa, de Fernão de Oliveira, 1536; a gramática de João de Barros,
1540), mas fortemente inspiradas nas gramáticas clássicas de até então (AZEVEDO,
2001).
Durante os séculos XVII e XVIII, o Racionalismo reforçou a ligação entre a
linguagem e o pensamento, considerando “abusos” ou “imperfeições” tudo o que não se
adequasse a essa concepção de língua. Nessa época foram produzidas a Grammaire
générale et raisonnée, de PortRoyal, e a Gramática filosófica da língua portuguesa, de
Jeronymo Soares Barbosa (AZEVEDO, 2001).
Esse panorama histórico da língua enquanto objeto científico, até o século XVIII,
através da constituição da disciplina gramatical, nos ajuda a compreender as razões de
um ensino de língua arraigado na análise de sua estrutura, na concepção de língua como
“bom uso” e no apego à nomenclatura, uma vez que, como já dito, o mesmo procedimento
das pesquisas serviria, posteriormente, ao ensino.
Toda a pesquisa sobre a língua até a consolidação da Linguística como ciência foi
motivada pela observação e descrição de um modelo selecionado (considerado correto
pelos estudiosos) e no estabelecimento de paradigmas. Somente a partir do século XIX,
os estudos linguísticos começaram a se desvincular da tradição gramatical e a
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desenvolver metodologias próprias e mais específicas, encaminhando-se para a
constituição da Linguística Moderna, embora o ensino da língua mantivesse sua
referência na tradição gramatical.
Nessa época começaram a privilegiar a comparação das línguas com o objetivo
de deduzir os princípios gerais de sua organização e encontrar um elemento comum que,
pudesse explicar a natureza da linguagem. A gramática histórico-comparativa ocupou-
se, essencialmente, da investigação das unidades lexicais, gramaticais e sonoras das
línguas. Através do Estruturalismo, teve início o estudo sincrônico das línguas, contudo,
ainda que esse movimento tenha significado certo rompimento com as concepções
historicistas e logicistas da gramática tradicional (AZEVEDO, 2001, p.23), o foco ainda
era a estrutura da língua, a partir do princípio de que todo significado se estabelecia pela
oposição entre os elementos do sistema.
No campo da fonologia, suas contribuições são inquestionáveis e, na sintaxe,
estabeleceu classes de palavras melhor definidas que as propostas pela gramática
tradicional por meio das análises em constituintes imediatos e da formulação de regras
sintagmáticas, que decompunham os enunciados com o objetivo de descrever a estrutura
da oração. Tendo, entretanto, esse tipo de gramática se mostrado inadequado para
explicar alguns fenômenos como a topicalização e a ambiguidade, por exemplo, um novo
modelo de análise foi proposto pelo linguista americano Chomsky (1957; 1965), em
meados do século XX; sua proposta, mais elaborada, tinha por objetivo dar conta de
fenômenos dessa natureza, não explicados até então. Conforme Cervoni (1989), a
grande crítica de Chomsky aos estruturalistas foi a não consideração, por parte destes,
da criatividade como característica da linguagem.
A abordagem de Chomsky pretendia considerar aspectos subjetivos da linguagem,
no entanto, mostrou-se também limitada por atribuí-los unicamente ao sistema e por
assumir a linguagem como um módulo mental autônomo. Contudo, sua importância é
indiscutível por ter colocado a sintaxe como elemento central nos estudos linguísticos,
assumindo a frase como unidade fundamental da gramática e ampliando definitivamente
o escopo das investigações.
Até essa ocasião, eram os níveis fonológico e morfológico que sobressaíam nas
pesquisas. Sua proposta de uma Gramática Gerativa (1957, 1965) estabelecia dois níveis
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de representação do enunciado: a estrutura profunda, ou EP (que determinaria a
interpretação semântica dos enunciados, seu conteúdo, podendo ser manifestada
“superficialmente” de diferentes maneiras), e a estrutura superficial, ou ES (que
determinaria a organização dos elementos e a forma fonética das sentenças), as quais
se comunicavam por meio de regras transformacionais, podendo estas ser obrigatórias
ou facultativas.
É possível afirmar que a grande limitação do projeto chomskyano está na própria
concepção de língua/linguagem que o motivou: a língua como manifestação de uma
capacidade inata, comum a todos os indivíduos (EP) e apenas exteriorizada de maneiras
distintas (ES). Tentando descrever a competência linguística de um Falante/Ouvinte
ideal, Chomsky (1957; 1965) abstraiu elementos como memória, intenção, contexto etc.,
e a língua continuou a ser encarada como um sistema fechado, determinado por regras
imanentes, e independente de suas condições de uso. Por isso a teoria mostrou-se
incompetente para explicar satisfatoriamente diversos fenômenos da língua,
principalmente por não considerar a intervenção de fatores não linguísticos na
organização dos elementos.
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A sintaxe, que nessa ocasião se tornou objeto de estudo da ciência linguística é
uma sintaxe autônoma, desvinculada dos sentidos (da semântica) e das intenções
comunicativas (da pragmática). Ainda que seja, no gerativismo, o essencial da língua, é
limitada a regras apreensíveis entre os elementos do sistema linguístico.
O interesse pelo conhecimento da língua com base apenas em sua estrutura
morfossintática, mesmo trazendo grandes e importantes contribuições ao
desenvolvimento da Linguística, em geral, e de disciplinas específicas, como o
Processamento Automático de Línguas Naturais foi insuficiente para explicar seu
funcionamento pragmático e discursivo, tornando-se inevitável a busca pela
compreensão de elementos externos ao sistema linguístico, mas atuantes no seu uso
(BARCELLOS, 2016).
Devido a natureza heterogênea da linguagem, diversos estudiosos começaram a
investigar fatores extralinguísticos presentes no uso da língua e determinantes na sua
organização. Todas, no entanto, tendo em comum a consideração do uso linguístico, ou
seja, das condições de produção e recepção dos enunciados a orientação argumentativa
dos enunciados marcada por conjunções (DUCROT, 1987); as ações produzidas por um
enunciado por meio de diferentes forças ilocucionárias impregnadas a ele (AUSTIN,
1975, com a Teoria dos Atos de Fala); os fenômenos de ambiguidade e pressuposição,
que trazem o não dito ao texto (GRICE, 1981; 1982); a coesão e a coerência textuais
(Linguística Textual); aspectos históricos, sociais e ideológicos presentes nos enunciados
(Análise do Discurso); experiências perceptivas e de conceptualização do mundo que
interferem no uso na linguagem (Linguística Cognitiva); fatores sociais que interferem no
uso da língua, como variação de idade, gênero, classe social, escolaridade
(Sociolinguística), entre outros.
Esses estudos definem como campo de investigação um continuum que vai do
cotexto (que foca nas relações intratextuais, aspectos diretamente ligados à
materialidade linguística, mas que ultrapassam o nível da sentença) ao contexto (cuja
ênfase está nos aspectos que caracterizam as condições de produção/compreensão dos
enunciados e a influência que exercem em sua organização).
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Admite-se, porém, que a organização dos elementos da língua é motivada não
apenas por características dos elementos linguísticos, mas também por fatores
extralinguísticos, também constitutivos da natureza da linguagem, que interferem direta
ou indiretamente em sua organização. A língua, vista como um sistema complexo,
constantemente se adapta às situações de uso, o que é contrário à ideia de um sistema
fechado e autônomo (SILVA, 1996).
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2.1 A língua como conteúdo de ensino
Segundo documentos históricos, até o século XIX, o ensino de língua materna era
baseado unicamente na tradição gramatical iniciada com os gregos e propagada ao longo
de todos esses séculos através das obras inspiradas nessa tradição. O pensamento
dominante era de que o conhecimento da estrutura da língua (morfologia e sintaxe)
garantiria o domínio das habilidades de produção e compreensão de textos, em todas as
instâncias de comunicação, o mesmo procedimento das investigações linguísticas (ou
seja, da língua enquanto objeto científico) era utilizado no ensino: descrição, observação
de paradigmas e classificação.
Isso se deve em virtude do apego à nomenclatura gramatical no ensino da língua,
além da consideração de apenas uma variante como correta: a variante culta. A partir daí
se conclui que tanto a herança dos estudos clássicos quanto a concepção de que a língua
estava pronta e deveria ser apropriada determinaram o ensino de língua materna tal como
se faz tradicionalmente.
Quanto ao ensino de Língua Portuguesa no Brasil, temos a informação de que até
a década de 1950 a escola não era acessível a todos, mas somente à elite, que já possuía
certo domínio da norma culta padrão, uma vez que, desde muito cedo, adquiria o hábito
de leitura, cabendo à escola o ensino da gramática normativa. Segundo Geraldi (1993,
p.116), “os professores eram da elite ‘cultural’ e os alunos, da elite ‘social’; os alunos
aprendiam, apesar das evidentes falhas didáticas”.
O Ministério da Educação e Cultura (MEC) corrigiu o problema da variação de
nomenclatura utilizada pelos professores, ao reunir um grupo de gramáticos com a tarefa
de compilar termos técnicos no campo da gramática, os quais deveriam ser empregados
uniformemente em todo o país. A partir de então foi estabelecida a Nomenclatura
Gramatical Brasileira (NGB), em 1959, cujo objetivo era unificar o tratamento à língua.
Conforme a NGB, a nomenclatura gramatical deveria ser bem fixada pelo aluno, a fim de
que este assimilasse o conteúdo das aulas. Logo, o apego à nomenclatura herdado da
tradição grego-latina foi ainda reforçado com a NGB.
Por conta disso, a língua enquanto conteúdo de ensino, permanece ligada à
abordagem tradicional e é, nas aulas de gramática, o estudo de um sistema fechado,
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exemplo de uso correto, cujo principal exercício continua sendo detectar os paradigmas
e classificá-los, na esperança de que por meio dessa prática o aluno adquira seu domínio
(BARCELLOS, 2016). Aos poucos, no entanto, a realidade do ensino revela um
verdadeiro caos, levando muitos estudiosos, em consonância com as novas abordagens
linguísticas, a atribuir sua principal causa ao ensino da gramática (que correspondia,
então, ao ensino de língua).
Durante a década de 1980 diversos trabalhos acadêmicos foram produzidos
questionando o ensino da gramática normativa, e começa a se manifestar no ensino de
Língua Portuguesa o resultado das novas ciências linguísticas: Sociolinguística,
Linguística Textual, Pragmática, Análise do Discurso, entre outras. Na década de 1990,
mais precisamente no ano de 1997, foram definidos os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN’s) pelo Ministério da Educação e Cultura, tendo em viista padronizar e
orientar o ensino a partir de teorias mais modernas, por meio da abordagem da língua
em todas as suas modalidades expressivas, sem privilegiar uma ou outra variante.
Passa a ser discutido então a questão do preconceito linguístico, sendo o ensino
de gramática considerado um dos grandes aliados desse preconceito. Nesse momento,
o foco do ensino passa a ser a produção e compreensão de textos a partir do estudo dos
diversos gêneros textuais, dos mecanismos de coesão e coerência, das características
do contexto de produção dos textos estudados. A gramática recebe fortes críticas, em
razão de seu normativismo e pelo apego à nomenclatura. Ainda assim, não se propõe
uma nova abordagem para o seu ensino, e o foco das aulas de Língua Portuguesa passa
a ser atividades de leitura, produção e compreensão de textos.
É preciso observar, no entanto, que, migra-se de um extremo, o ensino da
gramática por si mesma, desconsiderando-se o contexto, a outro, o trabalho com
texto/contexto, não levando em consideração que o texto é construído também pela
gramática. Contudo, o resultado das avaliações de desempenho linguístico dos alunos
continua insatisfatório, mesmo com essas mudanças, como se pode constatar pelos
dados oficiais do Enem.
Tendo todas essas considerações em vista, podemos afirmar que o problema
nunca esteve necessariamente no ensino da gramática, mas em como se deu esse
ensino, e qual era o objetivo pretendido com ele. Associar o histórico dos estudos
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científicos sobre a língua e as práticas utilizadas para seu ensino pode esclarecer muitos
pressupostos equivocados sobre o ensino de gramática. Abordá-la separada do uso, com
o objetivo de classificar os elementos linguísticos (como propõe a abordagem tradicional),
de fato, não garante o desenvolvimento do aluno em termos de competência linguística.
Em contrapartida, no entanto, não se pode negar que a gramática de uma língua
está na base de qualquer atividade de uso da linguagem. É importante, também, explicar
que o termo “gramática” (com sentido amplo) está sendo usado em referência ao conjunto
de elementos lexicais e propriedades sintáticas da língua, bem como às suas
características estruturais e funcionais, e não à gramática normativa (prescrição de uma
determinada variante da língua).
Ao considerar a gramática, a partir da interação entre os usuários, é procurar
compreender de que maneira a organização dos elementos linguísticos reflete as
intenções do Falante. Nesse sentido, o ensino da gramática é abordado aqui como uma
ferramenta para resolver possíveis problemas de comunicação/uso da língua. Quando
consideramos que os alunos demonstram grande dificuldade ao ler e escrever textos,
atividades que compreendem a seleção e a concatenação de ideias, indivíduos, fatos e
discursos, apresenta-se um novo olhar sobre a sintaxe, elemento este fundamental na
arquitetura de um texto; especificamente, procura-se descrever e analisar algumas
orações subordinadas do português em contextos reais de uso, com o intuito de
demonstrar de maneira concreta a possibilidade de uma abordagem gramatical que seja
diferente da tradicional (BARCELLOS, 2016).
A semântica, por sua vez, estuda sistematicamente o sentido das línguas naturais.
Que sentido é esse? Para começar, é importante lembrar da definição de signo: é a
relação entre um significante e um significado, ou seja, de uma imagem acústica (de
ordem fonológica) desse signo e de seu conceito (de ordem semântica). Pietroforte e
Lopes (2003, p. 115) afirmam que:
Se as expressões das línguas humanas apontam para conceitos situados fora
delas e concebidos como independentes desta ou daquela língua natural, isso quer dizer
que tais conceitos são universais, logo imutáveis para todo e qualquer ser humano, pouco
importando em que cultura este tenha nascido e sido criado.
Saussure e os estudiosos que compartilham de suas ideias postulam que a
linguagem está presente em todas as atividades humanas. Logo, ela pode ser a fonte de
inspiração, de sentido, e não as coisas. Eles tratam, dessa forma, do mundo de sentido
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construído pelo homem, por isso defendem que as línguas sejam estudadas a partir da
forma como elas interpretam e categorizam o mundo material, atribuindo-lhe sentido. Isso
significa que a semântica linguística, na atualidade, está mais voltada à retórica do que
às questões filosóficas e mentais (o que é real, como o cérebro funciona, por exemplo).
Atualmente, valorizam-se também traços semânticos provenientes do contexto.
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2.3 Linguística aplicada e linguística teórica
Em meados do século XX, a linguística passou a ser vista como ciência e, junto
com esse destaque para a análise das questões relacionadas à língua, surgiram
diferentes estudos que partiam da abstração do conhecimento linguístico. A linguística
aplicada apareceu como uma dessas possibilidades, visando aplicar esse conhecimento
linguístico em situações reais de uso da linguagem. (BARROS, 2003, p. 188).
O marco inicial da linguística aplicada foi o curso ministrado por Charles Fries e
Robert Lado na Universidade de Michigan. O foco do curso era o ensino de línguas por
meio da linguística contrastiva. O cenário histórico era propício a isso, pois, com a
Segunda Guerra Mundial, foi necessário que falantes de diferentes línguas conseguissem
se comunicar. Entretanto, nessa época, os métodos de ensino e aprendizagem de língua
estrangeira foram questionados. As propostas da linguística aplicada passaram a ser
ouvidas. Inicialmente era chamada de linguística aplicada ao ensino de línguas.
Nessa época, os estudos de linguística e de linguística aplicada foram subsidiados
pelo interesse no treinamento linguístico para fins militares. De qualquer maneira, as
pesquisas linguísticas foram conduzidas porque havia expectativas quanto a suas
aplicações. Todavia, não se pode negar que esses investimentos contribuíram também
com a linguística teórica. O linguista Noam Chomsky, inclusive, recebeu subsídios por
organizações ligadas às questões de guerra.
Nos anos 1950, Chomsky apresentou a teoria linguística gerativo-
transformacional, contra a qual a linguística aplicada se posicionou. A intenção era
mostrar que o interesse primordial da linguística aplicada era a resolução de problemas
linguísticos, por isso se focou na linguagem em uso. Contudo, esse posicionamento se
apresentou na mesma época em que Chomsky se tornava mundialmente conhecido.
Ele analisava a língua em sua abstração e não no uso que dela fazem os falantes
de uma determinada comunidade linguística em situações reais de fala. Dessa forma,
passaram a predominar os estudos formalistas com base gerativista. Esse predomínio se
deve à aproximação da linguística aos estudos das ciências naturais, o que a tornou mais
científica. Além disso, havia uma ênfase na imanência da língua: o gerativismo propõe
representações para as estruturas das línguas chamadas de universais linguísticos. Elas
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seriam características compartilhadas por todas as línguas do mundo e que constituiriam
uma Gramática Universal, condição inata a todos os seres humanos.
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investigação que procura estabelecer a relevância de estudos teóricos da linguagem para
problemas cotidianos nos quais a linguagem está implícita”.
Enquanto Brumfit (1995, p. 27) diz que é uma “[…] investigação teórica e empírica
de problemas reais nos quais a linguagem é uma questão central […]”. Por sua natureza
prática, a linguística aplicada foi muita utilizada nas escolas, como uma forma de atender
às demandas de revisão dos postulados de ensino da língua focados nas normas
gramaticais. Além disso, o linguista aplicado se envolveu com questões relacionadas às
políticas educacionais, à avaliação e à aquisição de uma segunda língua. Maingueneau
(1996) afirma que a linguística aplicada tem três características principais:
1. responde a uma demanda social;
2. faz empréstimos a diferentes domínios científicos e técnicos;
3. é avaliada por seus resultados.
Evidencia-se, assim, que o foco da linguística aplicada estava relacionado a
acessar os problemas de linguagem conforme eles ocorriam na realidade. Nas escolas,
começou-se a enfatizar a investigação da produção textual, isto é, na análise da produção
da linguagem em detrimento da análise do produto (a redação). Esse contexto favoreceu
a ligação da linguística aplicada com outras áreas das ciências humanas, como a
psicologia e a psicolinguística, principalmente. Entretanto, convocou também outros
campos, e essa relação identificou a linguística aplicada como articuladora de diversos
domínios do saber que estejam ligados à linguagem.
Esses avanços da linguística aplicada contribuíram para que ela fosse tratada
como uma forma de refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem de língua,
avaliando, por exemplo, qual a melhor metodologia e estratégias de ensino. A partir de
seus estudos, surgiram pesquisas sobre produção textual, material didático, bilinguismo,
aprendizagem de segunda língua, interação verbal, avaliação e metodologia de ensino,
análise do discurso pedagógico, socioconstrução da aprendizagem, compreensão e
leitura. Como se vê, o foco das pesquisas do linguista aplicado passou a ser temas de
relevância social. A finalidade passou a ser encontrar respostas teóricas que gerassem
benefícios sociais.
Disso, surgiram investigações sobre as relações de poder na formação do sujeito
na linguagem e por meio dela. Os estudos linguísticos aplicados, portanto, focaram no
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olhar crítico sobre a linguagem. Isso provocou uma responsabilidade a esses estudiosos:
a necessidade de criar um projeto político pedagógico que tentasse transformar uma
sociedade estruturada de forma desigual. Houve, dessa forma, uma expansão da
atuação da linguística aplicada, que passou a tratar de conscientização linguística,
formas de aprendizagem de línguas a partir de interações dialógicas, aprendizagem
baseada no contexto, entre outros.
23
Para esse estudioso, a linguística aplicada contemporânea seria capaz de interagir
com outras áreas do conhecimento para relacionar teoria e prática, porque “[…] é
inadequado construir teorias sem considerar as vozes daqueles que vivem as práticas
sociais que queremos estudar; mesmo porque, no mundo de contingências e de
mudanças velozes em que vivemos, a prática está adiante da teoria […]” (LOPES, 2006,
p. 31).
Resumidamente, a linguística é concebida como ciência, porque tem um objeto de
estudo estabelecido, que é a língua, e um método de estudo, que é histórico-comparativo.
É uma área que está presente em muitos outros campos relacionados à linguagem.
Conforme os enfoques dos estudos linguísticos, então, surgem diferentes áreas, como a
linguística aplicada. Com a expansão dos princípios e das fronteiras, a linguística
aplicada passou a se preocupar com as alternativas para problemas de linguagem a fim
de que os seres humanos tivessem acesso a diferentes aspectos que envolvem suas
vidas: políticos, econômicos, sociais e culturais.
3 O QUE É LINGUAGEM?
O título dessa seção é certamente provocativo, pois não existe resposta simples
para a pergunta “o que é linguagem”? Para John Lyons (1987), em sua obra Linguagem
e linguística: uma introdução, esse questionamento equivale a um outro “o que é a vida?
”, “cujas pressuposições circunscrevem e unificam as ciências biológicas” (p. 15).
25
Fonte de: repositorio.unifesp.br
Podemos admitir várias outras definições para o termo linguagem; todavia, mais
que estender a lista de conceitos, importa compreender que não existem, nesse caso,
concepções certas e erradas, mas tão somente divergências de pontos de vista, de
abordagens, de escopos teóricos que, em conjunto, constroem a história da Linguística.
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sociedade desigual, os grupos socialmente privilegiados impõem seus usos linguísticos
aos demais. Surgem, nesse contexto, os “estudos do certo e do errado”, ou seja, estudos
normativo-descritivos que visam à conservação da linguagem supostamente “correta”
das classes superiores. De outra parte, os contatos culturais e linguísticos estimularam
as comparações sistemáticas entre línguas distintas. Ademais, numa perspectiva ampla,
os processos naturais de mudança linguística fomentaram, desde a antiguidade, os
estudos filológicos da linguagem (CÂMARA JR., 1975).
Na antiguidade grega, o desenvolvimento do pensamento filosófico propiciou,
ainda, o surgimento dos “estudos lógicos da linguagem”. Já no período evolucionista, os
avanços científicos facilitaram o assentamento dos estudos biológicos da linguagem
(CÂMARA JR., 1975).
Maior impacção decorre, por fim, da compreensão da linguagem como
manifestação cultural e de sua observação como objeto de estudo histórico. Nessa
direção, manifestam-se os estudos descritivos, que visam explicar a origem e
desenvolvimento sócio-histórico da linguagem e/ ou sua real função na sociedade.
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cronológica. Na Índia Antiga, por exemplo, prevaleceu a preocupação com a
compreensão correta dos textos religiosos dos “Vedas”, enquanto na Grécia, o estudo da
linguagem se vincula às discussões filosóficas, apresentando-se como uma via possível
para acessar o conhecimento da realidade.
Já no período helenístico, em Alexandria, o enfoque recaiu na análise dos diversos
estágios da língua e nos traços distintivos do dialeto grego, com o fim de explanar os
textos literários (CÂMARA JR., 1975, p. 26-27). É somente no século XVIII que os estudos
da linguagem adquirem mais especificidade, pelo desenvolvimento da linguística
histórico-comparativa:
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4 OS CONCEITOS DE SISTEMA, NORMA, FALA, SINCRONIA E DIACRONIA
30
A imagem ilustra a relação entre língua e fala na concepção de Saussure. Os
conceitos e as imagens acústicas, desencadeadas por estímulos auditivos, são formadas
no cérebro e, por isso, associadas à psique. Constituem, portanto, o conjunto de signos
linguísticos que compõem a língua, objeto de estudos linguísticos. A língua é um
construto social, independente do falante, uma vez que seu locus é a psique.
Consequentemente, os estímulos gerados no processo psíquico ativam o processo
fisiológico da fala, conhecido por fonação que, por usa vez, servirá de estímulo acústico
motivador do processo psíquico no ouvinte.
Mas afinal, o que levou Saussure a optar pela escolha da língua como objeto de
estudos?
Segundo Barros, “A proposta de Saussure de ver na língua o objeto da Linguística
decorre da constatação de que a linguagem é um aglomerado confuso de coisas que [...]
está a cavaleiro de diferentes domínios, tais como a Psicologia, a Antropologia, a
Gramática normativa, a Filologia, etc.” (BARROS, 2013, P.10.) e, por outro lado, “a língua
tem definição autônoma, é vista como sistema, é norma para todas as manifestações da
linguagem, portanto, pode ser estudada cientificamente”. (BARROS, 203, P.10). O
linguista escolhe a língua como objeto de estudo, justamente por ela não estar sujeita à
intervenção humana e por ser um construto social, compartilhado pela comunidade
linguística de natureza, segundo ele, concreta, assimilada passivamente pelos sentidos.
31
Já a fala estaria condicionada à vontade do falante, tornando a utilização da língua
apenas um simples acessório da linguagem. Para Saussure, a fala está subordinada à
língua. (BARROS, 203, P.10).
Cabe salientar que a perspectiva saussureana não desconsidera a importância da
fala, tampouco rechaça o seu estudo. O linguista reconhece a interdependência entre
língua e fala e, inclusive, atribui à fala a evolução da língua. Entretanto, afirma não ser
possível reunir ambas em um mesmo estudo, sugere que se tenha uma Linguística da
língua (essencial) e uma Linguística da fala (secundária, mas não menos importante).
Agora, você pode perceber o porquê dos estruturalistas manterem seu foco nos
estudos de documentos escritos, pois a maneira de estudar um objeto que se forma no
processo psíquico do falante é através da escrita. Para os estruturalistas, a escrita
representa a língua, já que é executada conforme as normas convencionadas pela
comunidade linguística.
32
4.1 Relação entre fala e norma
Por norma, entende-se o conjunto de regras que orienta a utilização correta dos
signos linguísticos que compõem determinada língua. No exemplo anterior, nem todas
as falas obedecem à norma padrão da língua portuguesa, entretanto, elas não são
consideradas erros pelos linguistas ou sociolinguistas, pois a fala não está sujeita às
normas da língua.
A gramática normativa agrega as normas da língua, ou seja, ela não descreve a
língua como realmente se evidencia, mas sim como deve ser materializada pelos
falantes, constituída por um conjunto de sinais (as palavras) e por um conjunto de regras,
de modo a realizar a combinação desses. (DUARTE, 2016, P.1.).
A norma padrão da língua portuguesa, que consta nas gramáticas, versa apenas
sobre a língua escrita. Não só o fato de falar em desacordo com a norma, não se configura
em um erro, como também cogitar aplicar as regras que constam na gramática em todos
os contextos de fala pode ser inadequado. Por exemplo, qualquer pessoa em um jantar
com amigos, poderá dizer “Por favor, me passa o arroz”! sem infringir norma alguma. Já
se uma pessoa, no mesmo jantar disser “Por obséquio, queira me passar o arroz”. Ela
estaria proferindo uma fala inadequada ao contexto informal de um jantar entre amigos,
apesar da frase estar seguindo, perfeitamente, as regras gramaticais da língua
portuguesa.
Na fala, o processo de adequação da linguagem representa a única norma a ser
seguida. O conjunto de regras prescritivas que constam na gramática, construto social
estabelecido, na maioria das vezes, pelas classes dominantes, não exerce domínio sobre
a fala.
33
4.2 Sincronia, diacronia e fator tempo
34
A análise diacrônica da fala é interessante para que você perceba como surgem
alterações na língua falada em curtos espaços de tempo. Um exemplo interessante é
observar as gírias que surgiram em determinadas épocas e compará-las com as atuais.
Quando dizemos que a língua portuguesa é oriunda do Latim, estamos nos referindo a
uma análise diacrônica. De fato, como salienta Celso F. da Cunha, quando você traça a
linearidade histórica de nossa “língua brasileira”, nota que ela provém da língua
portuguesa, que por sua vez provém do latim, que se entronca na grade família das
línguas indo-europeias. (CUNHA apud ASSUNÇÃO, 2016, P.1).
A língua não é regida por normas fixas e imutáveis, muito pelo contrário: assim
como a sociedade é totalmente mutável, a língua pode transformar-se através do tempo
por causa de vários fatores vindos da própria sociedade. Se compararmos textos antigos
com atuais, perceberemos grandes mudanças no estilo e nas expressões. Com certeza
você já percebeu que, mesmo dentro de um mesmo país, existem várias maneiras de se
falar uma língua, no nosso caso, a Língua Portuguesa. As pessoas se comunicam de
formas diferentes e múltiplos fatores devem ser considerados, tais como a época, a
35
região geográfica, a idade, o ambiente e o status sociocultural dos falantes. Nós
costumamos adequar o nosso modo de falar ao ambiente e ao nosso interlocutor e não
falamos da mesma forma que escrevemos.
36
Exemplos de variações diatópicas
• dialeto caipira;
• dialeto gaúcho;
• dialeto baiano.
• véio (velho);
• muié (mulher);
• cantá (cantar);
• enxovar (enxoval).
• vossemecê;
• botica;
• comprir.
37
Grafias que caíram em desuso:
• flôr;
• pharmácia;
• seqüencia.
• Prefiro freestyle.
• O gringo tem um carrinho irado.
• O silk do skate tá insano.
38
4.4.4 Variações diafásicas
39
compreender e aceitar que todas as variedades linguísticas são fatores de
enriquecimento e cultura, não devendo ser encaradas como erros ou desvios.
5 GÍRIAS
41
A gíria comum permite que a mensagem transmitida não seja comprometida em
seu entendimento entre os indivíduos com diversidade socioeconômica e cultural
envolvidos no ato comunicativo, ou seja, todos os receptores passam a compreender a(s)
mensagem(ns) que está sendo veiculada pelo(s) emissor(es). Nesta perspectiva, a gíria
não desvirtua a função plena da linguagem que consiste na comunicação, interação e
vivência humana. É claro que a incorporação da gíria na linguagem de toda uma
sociedade só se torna viável devido as transformações e mobilidades dos costumes e
práticas sociais, as quais permitem uma abertura às variações linguísticas. Se
estivéssemos em uma sociedade fechada, estratificada e restrita a mudanças seria
inviável a difusão, incorporação e aceitação da gíria.
Foi um forrobodó valente. A Rita Baiana essa noite estava veia para a coisa;
estava inspirada! divina! Nunca dançara com tanta graça e tamanha lubricidade!
43
Também contou. E cada verso que vinha de sua boca de mulata era um arrulhar
choroso de pomba no cio. E o Firmo, bêbado de volúpia, enroscava-se todo ao
violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando,
com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava
até ao tutano como línguas finíssimas de cobra. Jerônimo não pôde conter-se:
no momento em que a baiana, ofegante de cansaço, caiu exausta, assentando-
se ao lado dele, o português segredou-lhe com a voz estrangulada de paixão: -
Meu bem! Se você quiser estar comigo, dou uma perna ao demo! O mulato não
ouviu, mas notou o cochicho e ficou de má cara, a rondar disfarçadamente o rival
(...) Mas lá pelo meio do pagode, a baiana caíra na imprudência de derrear-se
toda sobre o português e soprar-lhe um segredo, requebrando os olhos. Firmo,
de um salto, aprumou-se então defronte dele, medindo-o de alto a baixo com um
olhar provocador e atrevido. Jerônimo, também posto de pé, respondeu altivo
com um gesto igual. Os instrumentos calaram-se logo. Fez-se um profundo
silêncio. Ninguém se mexeu do lugar em que estava. E, no meio da grande roda,
iluminados amplamente pelo capitoso luar de abril, os dois homens, perfilados
defronte um do outro, olhavam-se em desafio (...) Piedade erguera-se para
arredar o seu homem dali. O cavouqueiro afastou-a com um empurrão, sem tirar
a vista de cima do mulato. - Deixa-me ver o que quer de mim este cabra!...rosnou
ele. (...)
Lima Barreto, em 1923, redigiu uma sátira social e política – “Os Bruzundangas”.
Na verdade, esse título, cujo significado era “confusões” e “atrapalhadas”, representava
uma gíria frequentemente utilizada em textos escritos do jornalismo popular e também
muito expressiva na fala e “na linguagem dos boêmios, da gente de teatro, dos sambistas,
dos moradores dos morros e favelas, da polícia, dos marginais, e até do povo em geral”
44
(Preti, 2004, p. 75). A partir dos anos trinta a gíria se destacou com a música popular
brasileira, através da figura do sambista do morro. Com ênfase na linguagem dos morros
que se disseminava pela cidade, Noel Rosa, artista da música popular brasileira, compôs
“Não tem tradução” em oposição ao português de Portugal, em 1923:
45
Concomitante surge a Sociolinguística, nova corrente linguística, que propiciou
entendimento às variações da nossa língua. Sua contribuição ao fenômeno gírio foi
importante ao minimizar os velhos paradigmas existentes na sociedade que denegriam
qualquer vocábulo que não fizesse parte da linguagem formalizada. A partir de então,
as gírias só vieram a desempenhar seu crescimento em nossa sociedade.
Vejamos, assim, que a Sociolinguística somado ao desempenho de ilustres
autores já citados, foram elementos contributivos à aceitação das variações linguísticas
a partir do seu entendimento e afirmação pela ciência e do seu uso em grandes obras
literárias brasileira. Segundo Preti (2004, p. 120) “na literatura há uma tendência para
aceitar melhor a contribuição da língua oral, no sentido de caracterizar, dar um tom mais
realista às vozes das personagens e do narrador de primeira pessoa”, ou seja, a literatura
exerce contribuição à sociolinguística à medida que valoriza a espontaneidade e o
dinamismo da língua fala em face da situação interacional.
46
Fonte de: www.super.abril.com.br
No Brasil as variações quanto ao léxico são perceptíveis, uma vez que um falante
da região nordeste se diferencia de um falante da região sul, porém, quanto à
morfossintaxe, é possível observar uma certa unidade. A linguagem falada em
determinadas regiões, principalmente os falantes da zona urbana, contribuem para a
unificação da fala regional, uma vez que se fazem entender ao longo de todo o território
brasileiro (BARCELLOS, 2016).
É importante salientar que uma pessoa adota determinados comportamentos
linguísticos, oriundos da sua comunidade, e acabam por se tornar convenções, originam
normas, as quais denominamos processo de uniformização.
47
48
6.2 Existe uma norma oral? Análise sincrodiacrônica da língua falada
A princípio, não. Se por norma você entende o conjunto de regras que orienta a
utilização correta dos signos linguísticos que compõem determinada língua, não existe
uma norma oral. Por outro lado, quando uma expressão é utilizada, com frequência, na
fala de determinada comunidade linguística, considera-se que essa expressão integra a
norma oral dessa comunidade (BARCELLOS, 2016).
Da mesma forma, se uma expressão é utilizada, mas não com tanta frequência
pelos falantes da comunidade linguística, é considerada uma expressão de uso. Para
determinar a frequência do uso de uma expressão, considera-se um contingente de 50%
ou mais dos falantes da amostra de determinada comunidade linguística. Assim, se
menos de 50% dos falantes analisados emprega a expressão em questão, ela se torna
de uso. Ao passo que, se 50% ou mais dos falantes utiliza tal expressão em sua fala
espontânea, ela passa a ser considerada norma oral de determinada comunidade
linguística.
O fenômeno da normatização da língua pode ser analisado sob várias
perspectivas. A perspectiva linguística que incluiu na dicotomia língua/fala de Saussure
o conceito de norma, a caracteriza como um sistema de imposições socioculturais que
varia conforme a comunidade de fala. Nessa perspectiva, a norma corresponde à tradição
linguística a que todos os falantes estão submetidos e obedecem naturalmente.
Na perspectiva pragmática, temos a norma objetiva, que constitui a língua falada
cotidianamente nos grupos sociais; a norma prescritiva, inserida na escola, que orienta o
uso de regras extraídas da língua literária e, por sua vez, tem por base a escrita; e a
norma subjetiva, que representa a maneira ideal de fala almejada pelos falantes.
Na perspectiva socioantropológica, existe a norma explícita, retratada nas
gramáticas e nos dicionários e aplicada nas escolas, e a norma implícita, integrada por
cada grupo social, cujas mudanças acompanham as sofridas pelo grupo social.
Em outras palavras, pode-se sintetizar o conceito de norma oral como “o resultado
do uso linguístico de um dado segmento social e esse uso, por tradicional, é preservado
e varia de acordo com as possibilidades de realização que o usuário faz da língua. Então,
um falante que tem conhecimento da prescrição linguística, naturalmente, alinhará sua
49
linguagem o quanto possível a ela, a depender da situação de comunicação” (LEITE,
2006, 9.181).
Portanto, para perceber uma norma oral, é preciso observar a fala da comunidade
linguística considerando um período específico, ou seja, fazer uma análise sincrônica da
fala espontânea dos falantes. Por outro lado, a análise diacrônica das falas espontâneas
de determinadas comunidades linguísticas, permite-nos perceber as diversas normas
orais instauradas na comunidade através dos tempos.
Para começar, você vai, primeiro, relembrar em que consiste uma análise
diacrônica. O termo diacronia refere-se a um estudo de um processo através do tempo.
Portanto, uma análise diacrônica da norma escrita da Língua Portuguesa se dispõe a
traçar sua evolução temporal. O processo da diacronia constitui uma excelente
metodologia de análise da língua escrita, pois nos permite estudar registros antigos que
representam as normas da época nas quais foram escritos.
A análise de documentos do século XVI ao XIX, comprova que a língua portuguesa
sofreu modificações periodizadas, marcadas por ciclos sucessivos, que diferem entre si,
tanto por fatores internos, como por fatores externos. Os textos permitem identificar
variações linguísticas, que constituem fatores internos à língua, bem como perceber as
mudanças de contexto histórico da época na qual o texto foi produzido, esses fatores são
considerados externos.
A língua portuguesa, que aparece nos documentos e textos até o final da Idade
Média, representa o que se costuma chamar de português arcaico.
50
A nomenclatura de português arcaico, atribuída à língua do período compreendido
entre o século XIII e o século XVI, foi estabelecida por Leite de Vasconcelos. Outros
autores, entretanto, estipulam outras nomenclaturas e subdividem o período, como você
pode observar na Tabela abaixo.
51
Datar o início do período arcaico não constitui tarefa árdua, pois foi nos primórdios
do sec. XIII que surgiram os documentos escritos. Entretanto, é difícil precisar o término
desse período. Alguns autores apresentam como marco final do período arcaico o final
do séc. XV, quando surge o primeiro livro impresso. Outros, atribuem o final do período
ao surgimento da primeira gramática da língua portuguesa, em meados do século XVI.
52
Longe ainda de ser parecido com o português contemporâneo, o período entre o
séc. XVI e o final do século XVIII, demarca o português clássico.
53
padronização diferente da anterior. Apenas quando a norma escrita, considerada o
padrão da língua, reconhece as mudanças linguísticas, ao incluí-las em sua gramática, a
língua efetivamente sofre uma variação. Seguindo essa corrente, as pesquisadoras
Galves, Namiute e Sousa, afirmam “Consideramos que os primeiros documentos escritos
do português correspondem a gramática do Português Arcaico. Mas o primeiro ponto de
inflexão de nossa periodização estaria situado já na virada entre os séculos XIV e XV, e
corresponderia a emergência de uma gramática a que denominamos o Português Médio.
A segunda inflexão se situa no início do século XVIII, e corresponderia a
emergência da gramática do Português Europeu Moderno (isto, no que respeita a língua
falada na Europa; paralelamente, além disso, uma outra gramática há de ser reconhecida
– o Português Brasileiro [...]). Consideramos, portanto, três fases ou períodos principais
para a língua em Portugal: o Português Arcaico, o Português Médio, e o Português
Europeu Moderno. [...] Essas diferenças podem ser explicadas, em boa medida, pelo fato
de que na periodização que propomos, importa o momento do surgimento de novas
forma, enquanto na periodização tradicional importa o momento do desaparecimento das
formas antigas” (GALVES et al., 2006, p.4).
Na verdade, as duas correntes, tradicional ou gerativista, determinam suas
periodizações com base em eventos que configuram um período de transição entre as
gramáticas, conhecido por competição de gramáticas. Essa transição caracteriza-se por
ser um período no qual “tendo surgido uma inovação linguística (em geral, pela fonte da
língua oral), ela tardará a se incorporar na escrita padrão” (GALVES et al., 2006, p.16).
A datação dos períodos com base histórica, observa o momento em que a língua escrita
sofre a mudança, ou seja, o desaparecimento das formas antigas de se escrever.
Enquanto a datação, com base na gramática, parte do momento em que a oralidade
começa a sofrer alterações, ou seja, do surgimento das novas formas da fala, preocupa-
se também com “as condições de aquisição que levaram à mudança” (GALVES et al.,
2006, p.17).
54
7 CONCEITOS DE SIGNO EM SAUSSURE E PEIRCE
56
Para Saussure (2006), o signo é uma entidade entre a representação mental do
som (significante) e a ideia (significado). Nesse modelo, não existe nada fora do sistema
de significado e significante, ou seja, fora da Linguagem. Compreende que tanto o
significante quanto o significado são de ordem linguística e se unem em nosso cérebro
por associação, independentemente de qualquer objeto externo, porque não há objeto
de referência. O pensamento antes da língua é uma massa amorfa.
Em Peirce (2010), o signo é global e não segmentado porque evoca referentes e
suscita interpretações. É justamente por isso que na visão de Peirce o signo é triádico e
não diádico, como o de Saussure. Se o interpretante não existisse nesse modelo, o
representamen não apareceria como representação do objeto. Para Peirce (2010), o
signo só é signo por ser interpretado como tal. O signo, dessa maneira, representa um
objeto e todo objeto pode vir a ser um signo.
Essa correlação entre os três elementos é dinâmica porque o representamen
representa o objeto e o interpretante faz com que ele seja percebido, e,
concomitantemente, o que é interpretado é a representação do objeto e pode se tornar
um novo representamen reiniciando o processo. Esse movimento é denominado semiose
ilimitada.
No diagrama mostrado na Figura abaixo, é possível observar essa correlação:
57
Nessa perspectiva, é o objeto que gera a linguagem, porque não há nada no
interior da mente do ser humano que não tenha passado pelos sentidos (ver, ouvir,
cheirar, sentir ou tocar). Em Saussure (2006), é importante reforçar, nada existe fora da
linguagem.
58
7.3 Características do signo em Saussure
7.3.1 Arbitrariedade
59
Fonte de: www.docplayer.com.br
7.3.3 Imutabilidade
7.3.4 Mutabilidade
60
massa social. Não são os indivíduos que modificam a língua porque ela é intangível. Ela
se modifica devido à dinâmica da ação social. O princípio de alteração ocorre na língua
porque há uma continuidade. A alteração assume diversas formas que podem funcionar
isoladas, ou combinadas, levando a um deslocamento entre o significado e o significante.
Exemplo: Vossa Mercê > você.
Para Saussure (2006, p. 91), “[...] o tempo altera todas as coisas [...]”, e nem a
língua tem como fugir a essa regra.
Os ícones são os signos mais fáceis de serem reconhecidos porque guardam uma
relação de semelhança, ou não, com o que representam. Nesse último caso, mantêm
relação pelo caráter de qualidade. São de caráter de aproximação, no sentido de “isso
parece com, ou lembra, aquilo”. Peirce (2010) considera os hieróglifos egípcios um
exemplo, considerando-os um tipo de ícone não lógico por ser ideográfico. A fórmula
algébrica pode igualmente ser referida como ícone, devido às regras de comutação,
associação e distribuição de símbolos; ou seja, representam um conhecimento
matemático. Também é um ícone no momento que se representa, mas os signos
algébricos (os números) que formam essa equação não são ícones por serem signos
convencionais. Analise a Figura abaixo.
61
Pela semelhança com o que se pretende representar, a fotografia, a caricatura, ou
o desenho que algum artista fez de uma estátua, de uma construção arquitetônica, a
partir de sua contemplação (PEIRCE, 2010), constitui igualmente um ícone. Observe a
Figura a seguir.
62
7.4.2 Signos indiciais
Os indiciais são os primeiros signos utilizados pelo ser humano. Depende de uma
associação de contiguidade com a representação. Eles são associativos, sempre vêm
vinculados ou conectados àquilo que representam. De maneira que, quando se percebe,
lembra-se imediatamente daquilo através da experiência adquirida. No entanto, não há
associação por semelhança. Para Peirce (2010, p. 67), “Tudo o que nos surpreende é
índice, na medida em se assinala a junção entre duas porções de experiência.”. Pode-se
exemplificar com um violento relâmpago que indica que algo aconteceu, embora não
sabemos o quê. Isso está relacionado com outra experiência, a chuva.
Existem alguns índices que são instruções mais ou menos detalhadas, indicando
o que o indivíduo precisa fazer, ocorrendo uma relação de experiência direta com a coisa
significada. Peirce (2010) apresenta um exemplo de índice a partir de uma instrução:
63
“Guarda Costeira divulga ‘aviso aos navegantes’, dando a latitude e longitude, quatro ou
cinco posições de objetos importantes, etc… e dizendo há um rochedo, ou um banco de
areia, ou uma boia, ou barco-farol”. A mensagem nesse caso indica lugar de perigo.
Também, temos como palavras indiciais as preposições e as frases preposicionais, como
“à direita” ou “à esquerda”. Veja a Figura abaixo.
64
Os conceitos de signo de Saussure (2006) e Peirce (2010) se aproximam apenas
em relação à comunicação, que se fundamenta na aplicabilidade do signo. No processo
de constituição, eles se diferenciam em várias premissas. O modelo saussuriano do signo
linguístico é diádica e linguística, enquanto em Peirce o modelo de signo é lógico e
triádico.
O campo de análise de Saussure (2006) é a linguagem, especificamente a língua,
a qual considera subjetiva, abstrata e de ordem psíquica. Já em Peirce (2010), o campo
de análise é a lógica e a relação com a natureza e a cultura. No signo peirciano, a
subjetividade ocorre de maneira consensual, a partir das experiências que passam pelos
sentidos. O interpretante, responsável por mediar a relação entre o representamen e o
objeto, configurando a relação triádica, é social e constitui-se em um pensamento
subjetivo.
Como os estudos de Saussure (2006) realçam a esfera da linguagem, os signos
apresentam características que são a arbitrariedade, linearidade, imutabilidade e
mutabilidade. Já em Peirce (2010), os estudos são no campo da lógica, tipificando os
signos. Esse pressuposto levou a uma classificação tricotômica com relações igualmente
triádicas. Considera os signos mais relevantes, os relacionados à segunda tricotomia do
signo, ou seja, os que denominam a relação com o objeto: ícone, índice e símbolo.
8 SEMÂNTICA
65
• As propriedades formais que compõem os conceitos;
• Os conhecimentos dos falantes a respeito daquilo que falam e ouvem (ou
escrevem e leem);
• As pistas contextuais que orientam os sentidos de palavras e frases.
67
A semântica histórica teve início em 1883, ano em que foi publicado, na França, o
artigo seminal “As leis intelectuais da linguagem” (BREAL, 1883), estendendo-se até as
primeiras décadas do século XX. Pode ser caracterizada por duas preocupações básicas
em relação aos significados. Por ser alinhada à tradição daquela época (investigar a
história da gramática das línguas [ a sua filologia]), a primeira dessas preocupações está
voltada aos estudos cronológicos dos fenômenos semânticos, que envolve a descrição e
o registro da origem e da mudança dos significados das palavras ao longo do tempo.
A outra preocupação é baseada, sobretudo, nas descobertas científicas feitas pelo
naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), nas décadas de 1850 a 1870, a respeito
da evolução dos seres vivos. De fato, comparando as línguas a espécies de seres vivos
(que surgem, evoluem e desaparecem em função das condições que a natureza impõe),
a semântica histórica demonstra um grande interesse, também, em desvendar os
princípios ou as leis gerais que determinariam as mudanças de significação nas línguas.
Alguns representantes importantes da semântica histórica são o filólogo francês Michel
Bréal (1832-1915) e o linguista e medievalista alemão Jost Trier (1894-1970).
68
O início da fase estruturalista da semântica pode ser atribuído à publicação da
obra célebre Curso de linguística geral, do linguista e filósofo suíço Ferdinand de
Saussure (1857-1913). Embora muitos estudiosos, na época do lançamento dessa obra,
continuassem interessados em descrever a trajetória diacrônica (ou seja, evolutiva) dos
significados das línguas, uma boa parte dos estudos em semântica, desenvolvidos a
partir desse período, já começava a dar uma atenção maior à dimensão sincrônica (ou
seja, estática) desse fenômeno, trazendo para dentro dessa ciência os postulados e
princípios propostos por Saussure (2012).
De modo geral, as preocupações dos estudos identificados com a semântica
estruturalista giram em torno das relações entre os vários significados, atrelados aos seus
significantes (SAUSSURE, 2012), no interior das línguas como sistema fechados. Uma
das investigações que esses estudos empreendem, por exemplo, é a de elencar tantas
propriedades semânticas (em termos de traços distintivos) quantas sejam necessárias e
suficientes para definir cada conceito e determinar o seu lugar dentro desse sistema.
Outro tipo de investigação característico desse período é o que busca organizar as
palavras das línguas em campos semânticos, com base nas relações que existem entre
os seus significados.
Alguns estudiosos importantes da fase estruturalista da semântica são o linguista
dinamarquês Louís Hjelmslev (1899-1965), o linguista alemão Leo Weisberger (1899-
1985) e o linguista inglês John Lyons (1932-). Essa fase perder o fôlego em meados da
década de 1960, quando surgiram diversos estudos em semântica vinculados às
diferentes teorias linguísticas, muitas hoje consolidadas como áreas autônomas.
69
A partir da década de 1960, os estudos em semântica começam a se desenvolver
no âmbito de determinadas escolas linguísticas, identificando-se com os postulados e
modelos pertinentes a elas, como o princípio da cooperação, do filósofo britânico H. Paul
Grice (1913-1988), a gramática gerativa, introduzida pelo linguista norte-americana
Eleanor Rosch (1938-).
Embora as suas preocupações, no que se refere à investigação dos significados
das línguas, estejam alinhadas aos propósitos e enfoques de cada escola, esses estudos
ainda guardam alguns pontos em comum. Por exemplo, algo que passa caracterizar os
estudos em semântica, de um modo geral, é o fato de que o seu objeto de investigação
não mais se limita somente aos significados das palavras (ou das unidades lexicais), mas
se estende aos significados que podem ser atribuídos a estruturas sintáticas completas.
Em outras palavras, podemos dizer que os estudos dos significados, nesse
período, representam uma semântica tanto das palavras quanto das frases (e, até
mesmo, das relações entre frases). Outras preocupações mais pontuais giram em torno,
ainda, de como as estruturas mentais dos falantes ou os aspectos contextuais,
pertinentes aos eventos concretos de uso da linguagem, podem interferir na
determinação dos significados de palavras e frases. É essa diversidade de teorias
semânticas que, a propósito, constitui o cenário dos estudos dos significados das línguas
atualmente.
70
8.2 A semântica no presente
71
dependerá, essencialmente, dos significados das palavras e dos sintagmas que a
compõem.
Para a noção de condição de verdade (TARSKI, 2007), postula-se que, para
determinar o significado de uma sentença, precisamos conhecer em que condições ela
seria verdadeira. Por exemplo, podemos compreender o significado da sentença “Maria
é esposa de Pedro” na medida em que identificamos as condições que devem existir para
que ela seja verdadeira no mundo, ou seja, que uma pessoa chamada de Maria seja, de
fato, casada com outra pessoa chamada de Pedro.
O segundo grupo de teorias semânticas, as de abordagem mentalista, tratam dos
significados a partir da relação das palavras e frases não com as respectivas entidades
no mundo, mas com aquilo que conhecemos (ou, ainda, com as nossas representações
mentais) a respeito dessas entidades. Duas teorias, pelo menos, fazem parte desse
grupo: a semântica cognitiva e a semântica representacional.
Desenvolvida inicialmente pelos linguistas norte-americanos George Lakoff (1941-
) e Ronald Langacker (1942-), a semântica cognitiva como veremos abaixo mais
precisamente se coloca, dentro dos estudos da linguagem, como uma dissidência da
gramática gerativa principalmente, Chomsky (1978). Um postulado fundamental dessa
teoria semântica é o de que os significados da nossa língua se organizaram dentro da
nossa mente, ou do nosso sistema conceptual, em termos de sistemas abstratos (ou
esquemas) de elementos inter-relacionados.
Dessa forma, o significado de uma palavra qualquer, como, por exemplo,
“domingo”, é determinado, dentre outras coisas, pelo sistema abstrato de conceitos do
qual ela faz parte (nesse caso, um esquema de “semana”) e que reúne outros elementos
relacionados a ela (como “segunda-feira”, “terça-feira”, “quarta-feira”, etc). Para
compreendermos o significado de “domingo”, portanto, precisamos conhecer todo o
esquema em que esse conceito está inserido.
Já a semântica representacional, proposta pelo linguista norte-americano Ray
Jackendoff (1945-), pode ser caracterizada como uma contraparte da gramática gerativa
nos estudos dos significados. Um dos postulados que aquela teoria semântica
compartilha com essa teoria sintática, por exemplo, é o de que os diferentes aspectos da
linguagem (ou seja, a sua fonologia, sintaxe, semântica, etc.) seriam processados por
72
módulos mentais autônomos. Ou seja, para a semântica representacional, as
representações mentais que dão conta dos significados da nossa língua estariam
localizadas em um compartimento próprio dentro da nossa mente.
Por fim, temos o conjunto de teorias semânticas de abordagem pragmática, que
estuda de que maneira se estabelecem os significados de palavras e frases nas situações
concretas de uso da linguagem. Uma primeira representante desse grupo é a teoria dos
atos de fala, cujos teóricos mais célebres são o filósofo inglês John Austin (1911-1960) e
filósofo norte-americano John Searle (1932-).
O que essa teoria argumenta, basicamente, é que os enunciados, além de um
significado convencional, também desempenham uma função específica, socialmente
convencionalizada, como informar, persuadir, prometer, etc. Os enunciados são
considerados atos (de fala), nesse caso, porque possuem algum efeito sobre o arranjo
contextual em que são proferidas. Considere, por exemplo, as sentenças “Você poderia
fechar a janela, por favor?” e “Está muito frio aqui dentro”. Embora denotem significados
diferentes, ambas podem propor que a mesma ação seja tomada: uma por meio de uma
ordem direta; a outra por meio de uma insinuação.
73
Duas outras teorias importantes, que podemos classificar como de abordagem
pragmática, são a semântica argumentativa, proposta pelo linguista francês Oswaldo
Ducrot (1930-), e a análise do discurso, inaugurada pelo filósofo, também francês, Michel
Pêcheux (1938-1983). A primeira delas orienta o estudo dos significados diante das
intenções e pressuposições implicadas no uso das sentenças, não propriamente da sua
estrutura sintática. Dessa forma, o que interessa para essa teoria é o fato de uma mesma
sentença, como, por exemplo, “Estou sem dinheiro” pode ter mais de um significado,
dependendo das intenções do falante. Por sua vez, a análise do discurso propõe o estudo
dos significados em função das condições sociais, históricas, políticas, etc. da sua
produção, ou seja, das relações de poder (ideológicas) entre os interlocutores.
9 SEMÂNTICA COGNITIVA
74
Chomsky (1972) considerou que as línguas naturais são frutos de princípios inatos
e autônomos. Para ele, a linguagem é uma característica biológica e incrustada no DNA
humano. Assim, cada ser humano, por meio de inputs (informações linguísticas
disponíveis no ambiente em que o falante está), estabelece as regras e normas de uma
língua. Ao definir um conjunto limitado de combinações por meio dessas normas, o
falante desse idioma consegue produzir infinitas frases (daí o nome “gerativismo”). Tal
produção não depende do estímulo/resposta advindo do meio para determinar o
comportamento, contrariando a hipótese behaviorista.
Por ter uma abordagem mais universalista da língua (entendida como algo comum
a todos os seres humanos), Chomsky (1972) buscou analisar sentenças idealizadas, e
não sentenças contextualizadas e reais. Além disso, devido ao privilégio dado ao estudo
das regras e normas internalizadas em cada falante, o autor constatou que a sintaxe é o
nível gramatical mais alto de todos (em detrimento da fonética, da morfologia, da
semântica, etc.). Todavia, a partir de 1980, diversos linguistas revisitaram as
contribuições de Chomsky, tecendo uma série de críticas. Tais críticas, mais tarde,
acabaram criando uma nova vertente da linguística, a linguística cognitiva, que por sua
vez originou a semântica cognitiva.
Em 1980, George Lakoff, Ronald Langacker e Eleanor Rosch iniciaram uma série
de questionamentos ao gerativismo. Um desses questionamentos dizia respeito à noção
de que a linguagem seria uma faculdade autônoma na mente humana, como se fosse
independente de outras faculdades mentais, indo de encontro ao princípio da
modularidade. Na verdade, a mente funciona de maneira integrada. Logo, é “[...]
fundamental levar em consideração os processos de pensamento subjacentes à
utilização de estruturas linguísticas e sua adequação aos contextos reais nos quais essas
estruturas são construídas” (MARTELOTTA; PALOMANES, 2012, p. 179).
Considere ainda o seguinte:
75
seu armazenamento na memória, assim como a capacidade de organização,
acesso, conexão, utilização e transmissão adequada desses dados
(MARTELOTTA; PALOMANES, 2012, p. 179).
77
Por meio da sua vivência, o falante, articulando os seus conhecimentos da língua,
estabelece mentalmente categorias de diferentes seres do mundo. A categoria “peixes”,
por exemplo, se define por um conjunto de características específicas. Da mesma forma,
na categoria “mamíferos”, há uma série de singularidades. Logo, o conceito de
categorização diz respeito às categorias, as quais “[...] se formam e se definem em termos
de ‘condições necessárias e suficientes’ (isto é, através de propriedades individualmente
necessárias e conjuntamente suficientes) ”; consequentemente, “[...] os elementos de
uma categoria têm o mesmo estatuto (não havendo, pois, graus de representatividade) ”
(SILVA, 1997, p. 7).
Esse conceito, na verdade, não é novo. Ele já existe desde Aristóteles e foi
revisitado pela filosofia da linguagem de Wittgenstein e pela antropologia cultural de
Berlin e Kay (FERRARI, 2010). Contudo, o conceito de categorização possui limitações,
como você pode ver a seguir:
Se, por um defeito de nascença, surgir um tigre com apenas três patas, ele
deixaria de ser tigre? E se, por acaso, algum tigre resolver incluir vegetais em
sua dieta, ele deixa de ser tigre? [...] Certamente, problemas dessa natureza
interferem na aceitação de uma definição de conceito que use a noção de
condições suficientes e necessárias (CANÇADO, 2005, p. 94).
Considere mais uma vez o exemplo mencionado anteriormente: reflita agora sobre
o caso da baleia, uma vez que ele produz uma inconsistência nas categorias de
mamíferos e peixes. A baleia possui características de ambos os grupos. Logo, o conceito
de categorização, para a semântica cognitiva, apresenta limitações e insipientes.
Devido a isso, Rosch (1978) criou a teoria prototípica, ou teoria dos protótipos. De
acordo com essa teoria, as categorias se comportam, na verdade, a partir da dinâmica
entre núcleo e periferia. Observe a Figura abaixo.
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Pela teoria prototípica, o elemento central carrega mais definições e características
da categoria do que o elemento periférico. Note que a passagem é gradual de dentro
para fora e vice-versa. Além disso, um elemento pode ser a interface entre duas ou mais
categorias. É o que você pode ver na Figura abaixo.
79
A possibilidade de que processos cognitivos e construções linguísticas façam
parte de categorias prototípicas é fundamental para a análise de uma série de
fenômenos em linguística cognitiva. Pode explicar, por exemplo, a polissemia, a
abrangência das correspondências metafóricas e as diferentes naturezas de
introdutores de espaços mentais.
Uma forma de isso ocorrer é por meio da metáfora. De acordo com Lakoff e
Johnson (2003), o processo cognitivo da metáfora realizado pelo falante almeja construir
um sentido a partir da projeção de domínios, com o intuito de materializar um conceito
impalpável.
Cançado (2005, p. 97) mostra que a metáfora se estabelece a partir da
aproximação e da atribuição do domínio-fonte e do domínio-alvo: “[...] o ponto de chegada
80
ou o conceito descrito é conhecido, geralmente, como o domínio do alvo (do inglês, target
domain); [...]. Enquanto o conceito comparado, ou a analogia, é conhecida como o
domínio da fonte (do inglês, source domain)”. Para exemplificar a metáfora, Lakoff e
Johnson (2003) utilizam o caso clássico “argumentação é guerra” (Quadro abaixo).
81
A metáfora, à luz da semântica cognitiva, se constitui a partir da dinâmica dos
domínios, os quais não só estruturam o pensamento humano, como também auxiliam na
significação, bem como na compreensão do mundo pelo falante.
Até aqui, você estudou os pressupostos teóricos fundamentais da semântica
cognitiva. Como você viu, ela é um braço da linguística cognitiva, que surgiu a fim de
questionar os princípios gerativistas. De modo ímpar, a linguística cognitiva trouxe para
a semântica a cognição como elemento importante do processo de significação.
Além disso, como você viu, para a semântica cognitiva, o sentido é estabelecido
entre a palavra e o mundo, em um processo mediado pela cognição humana. Nesse
processo, a interpretação se configura a partir de formulações de categorias que
classificam e organizam a realidade. Porém, a categorização não é feita de maneira
engessada e estanque. Na verdade, ela se comporta por meio de protótipos, aliando
elementos com um maior conjunto de características (nucleares) a elementos com um
menor conjunto de características (periféricos).
Por último, você estudou a relação entre a categorização e a metáfora, que se
mostra um fenômeno importante na significação. Afinal, por meio da projeção de
domínios, a metáfora permite expandir e atribuir novos sentidos às mais distintas
expressões linguísticas.
Originada a partir dos estudos sobre lógica desenvolvidos pelo filósofo Richard
Montague em meados do século XX, a semântica formal é uma vertente da semântica.
Ela estuda o significado com base na perspectiva da referencialidade, ou seja, a partir da
noção de que as línguas estabelecem uma referência aos objetos do mundo (CANÇADO,
2005).
Assim, o conceito de referencialidade é fundamental para essa vertente da
semântica. A referencialidade está ligada ao “[...] fato de que as línguas naturais são
utilizadas para falar sobre objetos, indivíduos, fatos, eventos, propriedades [...] descritos
82
como externos à própria língua [...]” (MÜLLER; VIOTTI, 2016, p. 2), articulando tanto o
conhecimento do falante sobre o seu idioma quanto o conhecimento que ele tem do
mundo à sua volta. Para compreender melhor como funciona a referencialidade, observe
a Figura abaixo, a seguir.
Nesse contexto, para essa vertente da semântica, “[...] dar o significado de uma
sentença é dizer em que condições essa sentença seria verdadeira [...]” (CANÇADO,
2005, p. 140). Assim, o significado está diretamente associado ao conceito de condição
de verdade, que você vai conhecer melhor a seguir. Considere está sentença como
exemplo:
Agora veja o que Cançado (2005, p. 140) afirma sobre ela: “Se tentarmos explicar
o significado da sentença [...], diríamos que ela significa que uma pessoa, com as
83
qualidades normalmente atribuídas a homem (sexo masculino, adulto...) fez um
movimento para ultrapassar um obstáculo, chamado muro [...]”. Se você precisasse
definir em que condições essa sentença seria aceita como verdadeira, teria a seguinte
resposta: a sentença “Um homem pulou o muro” será verdadeira quando
(a) existir no mundo a que se faz referência um ser com características masculinas
e que seja adulto;
(b) e esse ser fizer uma ação de transpor um obstáculo fruto de uma construção
vertical de alvenaria.
84
10.2 Princípio da composicionalidade
Você já viu como a semântica formal estuda o significado, principalmente por meio
da perspectiva da referencialidade. Você também conheceu o conceito de condição de
verdade. Agora, você vai estudar outro conceito importante para essa vertente da
semântica, o princípio da composicionalidade.
Como pontua Cançado (2005), o princípio da composicionalidade afirma que o
significado de uma sentença é fruto do significado dos seus itens lexicais mais a
combinação sintática deles. Considere o seguinte:
Aliás, Müller e Viotti (2016) elaboram um comentário pertinente no que diz respeito
à produtividade que as línguas naturais possuem em função de tal princípio. Veja:
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Aplicação do princípio da composicionalidade
Agora considere a disposição sintática desses itens da sentença (1). Observe que
a sentença (S) é constituída de um sintagma nominal (SN) e de um sintagma verbal (SV).
O SN é formado por um núcleo (N), no caso, “João”. Por sua vez, o SV é formado por um
verbo (V), “abraça”, e um SN, “Maria”. Isso que você acabou de ler pode ser representado
pela Figura abaixo.
86
A partir da disposição sintática da sentença, mais os significados particulares de
cada item lexical, tem-se a seguinte situação: para entender o significado de S, é preciso
entender o significado de SN e SV. Para entender o SN, é preciso entender o significado
de N. Para entender o significado de SV, é necessário entender o significado de V e de
SN.
Logo, conhecendo a composição dos itens lexicais e de seus respectivos
significados, é possível compreender o significado total da sentença. É em virtude disso
que o princípio da composicionalidade tem esse nome. Por meio da composição de
unidades menores e simples, pode-se entender as unidades maiores e complexas.
Acarretamento
Note que, se (2) é verdadeiro, consequentemente (3) também será. Além disso, a
informação de (3) está contida em (2); logo, a sentença (2) acarreta a sentença (3). Outro
detalhe frisado por Cançado (2005) em relação ao acarretamento é relativo à assimetria.
Você pode perceber isso tomando novamente como exemplo as sentenças (2) e (3).
Como (2) acarreta (3), não pode haver o caminho inverso, isto é, (3) acarretando (2).
Müller e Viotti (2016, p. 145) também comentam sobre o acarretamento:
88
Note que as sentenças (4) e (5) acarretam (6), porque as duas primeiras juntas
descrevem a última. Caso isso esteja em um texto, o acarretamento pode se mostrar um
aliado relevante na interpretação textual.
Pressuposição
Note que, antes de parar de fumar, necessariamente deve haver a ação de fumar.
Logo, a sentença (8) traz uma suposição anterior à apresentada em (7), isto é, uma
pressuposição. Complementando a fala das autoras, Cançado (2005, p. 33) indica que a
pressuposição “[...] é derivada a partir da estrutura linguística da própria sentença; são
determinadas construções, expressões linguísticas, que desencadeiam essa
pressuposição [...]”. De fato, no sintagma verbal de (7), existe o verbo “parou” e também
há o sintagma preposicional “de fumar”, que só poderia existir devido ao verbo “fumava”
de (8).
Paráfrase
Segundo Cançado (2005, p. 28), “Quando temos uma relação simétrica, ou seja,
a sentença (a) acarreta a sentença (b) e a sentença (b) também acarreta a sentença (a),
temos a relação de paráfrase [...]”. Diferentemente do que ocorre no acarretamento, em
89
que as sentenças são assimétricas, ou seja, uma sentença está contida na outra, fazendo
com que uma acarrete a outra, e não o contrário, na paráfrase o acarretamento é mútuo.
Para entender isso com mais clareza, veja estes exemplos de acarretamento:
(9) Carlos continua doente.
(10) Carlos adoeceu na infância.
A informação de (10) está contida em (9), sendo que (9) acarreta (10), isto é, o
conteúdo expresso na segunda sentença consequentemente levou à primeira, portanto
há uma relação assimétrica. No entanto, isso não ocorre em (11) e (12). Nessas duas
últimas sentenças, a relação é assimétrica, sendo que o significado ocorre tanto em (11)
quanto em (12). Assim, a paráfrase pode ser formada tanto por itens lexicais sinônimos
como por estruturas sintáticas distintas, mas que mantenham a mesma relação entre os
objetos descritos.
Contradição
A contradição, como afirma Cançado (2005, p. 47), ocorre quando “[...] dois fatos
descritos pela sentença não podem se realizar ao mesmo tempo e nem nas mesmas
circunstâncias no mundo [...]”. Veja o exemplo a seguir:
(13) Esta mesa é quadrada.
(14) Esta mesa é redonda.
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Tanto (13) quanto (14) fazem referência a um mesmo objeto no mundo. Todavia,
não é possível que tal objeto tenha formatos espaciais de quadrado e redondo ao mesmo
tempo. Ainda no que tange à contradição, Müller e Viotti (2016) fazem uma ressalva
pertinente: recorrentemente, itens lexicais com significados opostos estão presentes em
contradições, mas algumas vezes isso não quer dizer que necessariamente sejam
contraditórios. Para compreender isso, veja o caso a seguir:
(15) Carlos nasceu na Bahia.
(16) Carlos morreu na Bahia.
Embora (15) e (16) contenham itens lexicais com significados opostos, eles não
envolvem contradição. Nesse caso, são “momentos extremos do processo de viver”. Isto
é, como os verbos estão no pretérito, é possível uma pessoa, em um momento da vida,
nascer e, em outro momento, morrer na Bahia.
Ambiguidade
Em (17), o item lexical “irado” pode tanto significar algo muito bom quanto um
comportamento colérico, raivoso. Müller e Viotti (2016) pontuam que a ambiguidade
também pode ocorrer por meio de uma construção sintática específica, como no exemplo
a seguir:
(18) Os alunos e os professores inteligentes participaram do simpósio.
ou ainda
DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. "Variações da língua "; Brasil Escola. Disponível
em: https://brasilescola.uol.com.br/gramatica/variacoes-lingua.htm. Acesso em 25 de
agosto de 2020.
92
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e perspectivas complementares. Cadernos de Letras da UFF, n. 41, p. 149-165, 2010.
Disponível em: http://www.cadernosdeletras.uff.br/joomla/images/stories/edicoes/41/
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93
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Introdução à linguística II: princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2016. p. 137–159.
94