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Leitura e escrita no ensino superior

Cleuza Cecato

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6565-3

59065 9 788538 765653


Leitura e escrita no
ensino superior

Cleuza Cecato

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: primiaou/JosepPerianes/Shutterstock/EnvatoElements

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C382L

Cecato, Cleuza
Leitura e escrita no ensino superior / Cleuza Cecato. - 1. ed. - Curiti-
ba [PR] : IESDE Brasil, 2021.
114 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6565-3

1. Leitura - Estudo e ensino (Superior). 2. Redação acadêmica. 3. Lín-


gua portuguesa - Composição e exercícios. I. Título.
CDD: 469.8
20-62435
CDU: 811.134.3

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


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0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Cleuza Cecato Doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra em
Linguística e graduada em Letras pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Tem experiência nos
segmentos da educação básica, com especial dedicação
ao ensino médio, além de ministrar aulas relacionadas
à área de linguística em cursos de graduação e
pós-graduação presenciais e na modalidade EaD.
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SUMÁRIO
1 Tópicos de linguagem 9
1.1 Oralidade e escrita 10
1.2 Estrutura de sentença 24

2 Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 29


2.1 Escrita no cotidiano 30
2.2 Norma culta e preconceito linguístico 35
2.3 Variação linguística 38

3 Estratégias para elaboração de textos 46


3.1 Tipos e gêneros textuais 47
3.2 Fatores de textualidade 53
3.3 Coesão e coerência 62

4 Argumentação oral e escrita 67


4.1 O que é argumentação? 68
4.2 Textos argumentativos orais 71
4.3 Textos argumentativos escritos 78
4.4 Principais problemas de argumentação 82

5 Gêneros de escrita acadêmica 91


5.1 Tópicos de escrita acadêmica 91
5.2 Resenha 94
5.3 Relatório 97
5.4 Resumo 103
5.5 Artigo 108
Vídeo APRESENTAÇÃO
Este livro foi elaborado com a intenção de oferecer aos estu-
dantes de ensino superior mais uma possibilidade de conhecer,
compreender e escrever textos solicitados ao longo da formação
acadêmica. Além disso, busca melhorar as nossas estratégias de
comunicação no mercado de trabalho e em outras situações do
decorrer de nossas vidas. Para tanto, esta obra foi dividida em
capítulos que se propõem a estabelecer uma ligação entre o
que se deve ter em mente com relação à produção de textos
ao final da educação básica e o que se espera progredir nesse
sentido nessa nova fase de aprendizado.
O Capítulo 1 cumpre a função de oferecer uma revisão sobre
algumas diferenças e semelhanças entre língua oral e escrita,
além de abordar tópicos específicos de sinais de pontuação –
sua utilização normativa e expressiva –, concordância, regência,
estruturação de frases e parágrafos.
No Capítulo 2, a atenção está voltada para as diferentes ma-
nifestações da língua que geram os diversos tipos de variação
linguística. O distanciamento entre cada variação e a norma-
-padrão pode dar origem a manifestações de preconceito com
quem fala de diferentes maneiras, e não deixamos de conside-
rar como isso aparece em questões de avaliações oficiais ou no
nosso dia a dia.
O Capítulo 3 contém análises e exemplos de diferentes gê-
neros de texto e das maneiras de elaborá-los, considerando
fatores como situacionalidade, informatividade e intertextuali-
dade, bem como passando por análises de coesão e coerência
com base em exemplos clássicos, na atualização das discussões
e no diálogo que podemos estabelecer entre eles.
No Capítulo 4, nosso enfoque são os textos argumentati-
vos em sua realização oral ou escrita. A ideia é exemplificar e
oferecer análises relacionadas a estratégias de elaboração com
escolha de estrutura e conteúdo para textos que se propõem a
expor e defender um ponto de vista. Para alcançar esses obje-
tivos, a abordagem da argumentação se dá pela leitura de pis-
tas e sinais, como nas narrativas de detetive, o que facilita as
analogias necessárias para a leitura e a produção de textos que demandam
interpretação de perspectivas.
O Capítulo 5 é destinado a discutir métodos de leitura e escrita de diferen-
tes textos acadêmicos. Resumo, resenha, relatório e artigo são gêneros muito
solicitados ao longo do ensino superior e por isso mereceram uma atenção
especial nesta obra, sempre com aspectos práticos e exemplos para elabora-
ção desses textos.
Com base nessas propostas de leitura e escrita de textos, esperamos apre-
sentar e/ou consolidar estratégias de escolha de vocabulário e organização de
ideias, com a finalidade de comunicar melhor, despertando a curiosidade para
pesquisar outras obras e desenvolver suas próprias estratégias de autoria e
compreensão de textos diversos.
Boa leitura e bons estudos!
1
Tópicos de linguagem
O ensino superior é uma etapa de formação em nossos estu-
dos que exige um passo a mais no entendimento sobre a língua
escrita e falada. Até a entrada na faculdade, nossa preocupação
está mais relacionada a fazer boas redações escritas que serão
exigidas nos vestibulares e no Enem. Agora, nessa nova etapa,
precisamos exercitar mais e melhorar a utilização oral e escrita da
língua, pois seremos exigidos e estimulados a fazer isso em dife-
rentes ocasiões ao longo de nossa formação.
Por isso, no ensino superior, é fundamental fazermos algumas
perguntas, como: o que sabemos sobre língua escrita e falada?
Quais são nossas principais dúvidas? Onde podemos nos orientar
melhor a respeito de fala e escrita? Como melhorar nossa rela-
ção com a leitura, a fala e a escrita? Todas essas e outras tantas
questões podem nortear nossa curiosidade e nosso aprendizado,
melhorando nossas estratégias de comunicação. Perguntar sobre
como podemos utilizar nosso idioma em favor de nosso aprendi-
zado, em qualquer momento de nossa formação como estudan-
tes, deve ser uma ação constante, que nos ajude a melhorar nosso
entendimento sobre o mundo à nossa volta.
Nossa intenção é começar por tópicos que frequentemente ge-
ram medo de escrever, ou até informações incorretas sobre como
devemos utilizá-los. Nosso ponto de partida é trabalhar com algu-
mas reflexões sobre a escrita, que é uma ação mais complexa que
a fala, e sobre elementos essenciais à comunicação pelo registro
escrito: pontuação e organização de palavras em frases. Contudo,
primeiro apresentamos uma breve discussão sobre a oralidade,
que precede a escrita. Assim, passo a passo, conseguimos enten-
der e utilizar a escrita nas situações em que mais precisamos dela,
inclusive compartilhando nossos desafios, receios e sucessos.

Tópicos de linguagem 9
1.1 Oralidade e escrita
Vídeo Ao elaborarem, no final dos anos 1990, um manual para ensino de
língua portuguesa e escrita no ensino superior, Faraco e Tezza (2003)
didatizaram e trouxeram uma proposta de reconhecimento de regis-
tros de língua muito importante para o cotidiano de estudantes de
graduação. Nesse manual, eles reafirmaram o que Bakhtin já havia
consolidado em seu livro Estética da criação verbal (2011): a escrita foi
criada pelo ser humano como uma maneira de continuar a oralidade,
ou seja, de completar o processo de comunicação em circunstâncias
em que a oralidade somente já não conseguia mais fazê-lo (FARACO;
TEZZA, 2003).
Leitura As menções à escrita e à oralidade são muitas, e poderíamos ex-
Oficina de texto é o nome plorar de várias maneiras essa dualidade no processo de registro e
de um manual, elaborado
utilização de uma língua. No entanto, o que não devemos deixar de
por Carlos Alberto Faraco e
Cristóvão Tezza, que já passou considerar é que, muitas vezes e há até bem pouco tempo, a orali-
por diversas reedições desde dade era considerada um registro de menor importância ou que dis-
seu lançamento, no final dos
torcia a realidade da língua. Isso mudou bastante quando, no início
anos 1990. As propostas de
exercícios são feitas com base do século XX, a linguística passou a dar uma atenção mais cuidadosa
em diferentes gêneros de às possibilidades de explicar fenômenos de linguagem com base em
leitura e escrita, contemplando
as dúvidas e dificuldades mais registros da fala.
significativas dos estudantes, Outro processo muito importante a ser compreendido nessa con-
principalmente naquele pe-
ríodo, quando a internet ainda tinuidade – ou complementaridade – da fala e da escrita é que a fala
não era popularizada como é adquirida e desenvolvida por nós em situações simples do dia a dia,
fonte de produção e divulgação
enquanto a escrita geralmente só é adquirida de maneira mais formal,
de conteúdo sobre ensino de
língua e escrita. em ambientes como a escola, no processo de alfabetização. Podemos
Em Estética da criação verbal, explorar um pouco mais essa concepção de aprendizado natural e não
traduzido e publicado no natural lendo um trecho do livro Guia de escrita, escrito pelo linguista
Brasil no final da década de
1990, B­ akhtin trabalha com as Steven Pinker (2016, p. 41):
definições relacionadas à teoria A fala e a escrita diferem em seus mecanismos, é claro, e essa
literária, como as relações entre é uma das razões pelas quais as crianças precisam lutar com
as personagens e o papel do
a escrita: reproduzir os sons da língua com um lápis ou com o
autor. Para tanto, empregou
muitas concepções e aborda- teclado requer prática. Mas a fala e a escrita diferem também
gens relacionadas à escrita e de outra maneira, o que faz da aquisição da escrita um desafio
à oralidade, que foram depois para toda uma vida, mesmo depois que seu funcionamento foi
utilizadas em vários materiais dominado. Falar e escrever envolvem tipos diferentes de rela-
para ensino de habilidades de
cionamentos humanos, e somente o que diz respeito à fala nos
comunicação.
chega naturalmente. A conversação falada é instintiva porque

10 Leitura e escrita no ensino superior


a interação social é instintiva: falamos às pessoas “com quem Filme
temos diálogo”. Quando começamos um diálogo com nossos
interlocutores, temos uma suposição de que já sabem e do que
poderiam estar interessados em aprender, e durante a conver-
sa monitoramos seus olhares, expressões faciais e atitudes. Se
eles precisam de esclarecimentos, ou não conseguem aceitar
uma afirmação, ou têm algo a acrescentar, podem interromper
ou replicar.

Neste trecho, Pinker (2016) evidencia a naturalidade da fala, e a


escrita como invenção. Além disso, o autor antecipa a ideia de como O cenário do filme Nar-
radores de Javé é a cidade
ambas mobilizam diferentes habilidades a serem realizadas em nosso
de Gameleiro da Lapa, no
processo de comunicação. Por essa razão, é importante destacar o va- interior da Bahia. O enredo
está centrado na necessi-
lor da fala para a inserção social e a possibilidade de reelaboração que
dade que surge de os mo-
ela permite ao longo das interações de comunicação. Podemos cons- radores de uma localidade
chamada Javé contarem
tatar, desse modo, que escrever é uma ação artificial, uma maneira de
sua história, já que o lugar
“fazer de conta”, já que não recebe os retornos imediatos dos interlocu- está ameaçado por cau-
sa da construção de uma
tores, como acontece com a fala.
usina hidrelétrica e não há
registro da existência des-
Para entender melhor as relações entre oralidade e escrita, é preci-
sa comunidade. O conflito
so, dentre outras ações, mudar a perspectiva de análise: não se pode começa a se desenrolar
quando os moradores se
apenas observar a língua (o código) para termos uma percepção com-
dão conta de que quase
pleta dos dois registros, mas também é necessário ver seu uso no coti- todos são analfabetos. A
função de contar a histó-
diano, em nossas práticas sociais. Podemos nos perguntar: por que às
ria concentra-se no per-
vezes a fala é suficiente e, em outras ocasiões, é imprescindível utilizar sonagem Biá (o único que
sabe ler), vivido por José
a escrita? A resposta a essa pergunta passa pelas práticas sociais es-
Dumont. Para contar a
tabelecidas pelo uso da língua. Por exemplo, quando precisamos que história, ele começa a pere-
grinar pelas casas e colher
determinada informação seja documentada e arquivada como com-
informações dos morado-
provação de uma transação (como a compra e venda de uma casa), res. É aí que nossa atenção
precisa ficar mais aguçada:
utilizamos a escrita. Porém, quando precisamos de alguma informação
nessas entrevistas, a cul-
rápida, que não precisa ser armazenada como comprovação (como tura, os costumes, a iden-
tidade e a relação com a
perguntar onde é certo lugar), preferimos utilizar a fala.
construção do idioma se
Em situações de maior informalidade, nas quais podemos ficar mais revelam e intensificam

descontraídos, além de a fala ser o veículo de comunicação, utilizamos Direção: Elaine Caffé. Brasil, França:
RioFilme, 2004.
também palavras mais simples e gírias, fazemos brincadeiras com a
linguagem e não nos preocupamos tanto com as formalidades mais es-
pecíficas da comunicação. Costumamos chamar esse processo de fle-
xibilização dos usos da língua de adequação linguística. Isso quer dizer
que, quando falamos – ou mesmo escrevemos – em contextos mais ou
menos familiares, podemos escolher o grau de formalidade com que

Tópicos de linguagem 11
Atividade 1 vamos nos comunicar. Para exemplificar esses movimentos de adequa-
É importante entender a orali- ção, podemos fazer comparações com as vestimentas que usamos: ir à
dade e a escrita como registros praia de paletó não é adequado, assim como ir apresentar um seminá-
que se complementam em uma
língua? Por quê? Caso a resposta rio não condiz com chinelos e calção de praia. Esses estereótipos exa-
seja afirmativa, como podemos gerados são empregados justamente para que possamos mobilizar a
fazer isso? imagem de adequação ou inadequação de usos da linguagem, conside-
rando a formalidade e a informalidade, tanto na escrita quanto na fala.

Será que a fala sempre teve lugar de destaque na representação e


na reflexão sobre a língua? No Brasil, por exemplo, a fala começou a
ter lugar de discussão, inclusive nas artes, somente a partir do início do
século XX, no movimento modernista. Assim como a escrita, a fala faz
parte da construção da identidade nacional, e foi o Modernismo que
conseguiu introduzir registros de oralidade na representação do que é
a identidade brasileira.
Um exemplo de registro de que não só a fala é diferente da escrita,
como também existem variações dependendo da situação de comuni-
1 cação (e de outras características que envolvem o universo dos falan-
Para a leitura do poema 1
tes), foi feito por Oswald de Andrade no poema Pronominais . Nele, o
Pronominais, acesse o link:
https://www.escritas.org/ poeta relata como as regras estabelecidas pela gramática tradicional
pt/t/7793/pronominais. Acesso prescrevem um simples pedido de cigarro, com o verso “Dê-me um ci-
em: 20 jan. 2020.
garro”, e como as pessoas, no cotidiano, pedem dizendo “Me dá um
cigarro”. Essa simples variação de colocação do pronome oblíquo me
antes ou depois do verbo ainda hoje é tratada de maneira diferente em
+ Saiba mais diversas ocasiões, quando se obedece ou não à prescrição gramatical.
Prescrição gramatical é a
orientação ou determinação É possível constatarmos que, se hoje a oralidade é objeto de es-
de uso feita pela gramática tudos e análises linguísticas, isso foi acontecendo com o passar do
tradicional para que se obedeça
ao padrão formulado a partir de tempo, principalmente com a identificação de que a fala é parte fun-
usos considerados corretos da damental de nossa relação com o mundo e de que a escrita é im-
língua. É importante destacar
prescindível para que isso ocorra (quando a fala não consegue). Por
que a prescrição gramatical
não se altera de maneira tão exemplo, neste livro, utilizamos a escrita para registrar e organizar
rápida, por exemplo, quanto a uma série de informações e orientações a respeito dos estudos da
fala, pois ela segue estruturas já
linguagem. Isso ocorre porque o registro escrito nos permite procurar
cristalizadas e estabelecidas na
língua. Isso nos leva a perceber alguma informação especificamente em páginas e parágrafos, e não
uma grande diferença entre o contamos apenas com a memória para armazenar o que ouvimos ou
que a gramática determina e o
que utilizamos em diferentes falamos. A escrita é, desse modo, responsável por transmitir informa-
ocasiões de comunicação ções padronizadas para um maior número de pessoas e deixarmos
(faladas ou escritas). isso registrado para consulta.

12 Leitura e escrita no ensino superior


Uma das características essenciais para diferenciar a escrita em re- Documentário
lação a qualquer outro tipo de manifestação de linguagem é o uso dos
sinais de pontuação. Por isso, vamos começar conversando um pouco
sobre as principais ocorrências desses sinais e como podemos inter-
pretá-los e utilizá-los em textos escritos. É importante destacar que não
pretendemos listar, como se faz em uma gramática, todo e qualquer
uso da pontuação. Como nossa ideia é oferecer a você um manual que
interprete e explore as ocorrências mais significativas e estratégicas, é
delas que vamos nos valer, inclusive para os exemplos. O documentário Língua:
Vidas em português é uma
Vamos analisar juntos? narrativa muito importan-
te, poética e emocionante
sobre como, todos os dias,

1.1.1 Pontuação mais de 200 milhões de


pessoas pensam, falam,
escrevem, sofrem, ficam
Você já ouviu ou disse que a vírgula aparece no texto escrito para felizes, declaram seus amo-
res e revelam suas tristezas
que se possa respirar ao longo da leitura? Pois é, esse e outros mitos em língua portuguesa. A
mistura do português com
sobre a pontuação utilizada na escrita passam de geração para geração as línguas locais e de fron-
e é preciso muita leitura, maturidade e reflexão para que possamos teiras nas ex-colônias por-
tuguesas é celebrada nes-
abandoná-los e entender que a relação entre pontuação e escrita tem sa obra-prima, que conta
com depoimentos de José
outras origens e funcionalidades. Saramago, Mia Couto, Mar-
tinho da Vila, João Ubaldo
Para começar esta análise, vamos logo compreender que a vírgula Ribeiro e outros tantos
não é sinal de respiração por um simples motivo: a fala veio antes da representantes anônimos
e famosos do uso cotidia-
escrita. O sinal gráfico não comanda a fala, mas procura representá-la, no e da reinvenção desse
idioma.
mostrando como ela se realiza; com relação à pontuação, é a fala que
orienta como se organiza a escrita. Diretor: Victor Lopes. Portugal,
Brasil: TV Zero, 2001.
Vamos tratar, desse modo, dos sinais de pontuação em português e
das principais funções que eles exercem. É importante lembrar que, para
as situações em que vamos utilizar a escrita no ensino superior, saber
utilizar adequadamente a pontuação é um passo muito importante para
que não haja distorção ou interpretação inadequada do que desejamos
comunicar.

+ Saiba mais
A organização sintática é a forma ou a ordem em que as palavras são empregadas na língua para
que as informações façam sentido. A organização mais comum das frases em português é sujeito, verbo e
objeto (então, são colocados outros elementos). Os manuais de língua portuguesa que tratam da sintaxe
geralmente chamam essa sequência de ordem canônica, ou seja, é a ordem tradicional e mais utilizada. Atividade 2
Por que usamos os sinais
Agora, vamos aproveitar para revisar e, quem sabe, conhecer algum de pontuação na escrita de
textos? Justifique sua resposta.
novo emprego dos sinais de pontuação que vemos em textos escritos e Justifique sua resposta.
que podemos utilizar em nossos textos?

Tópicos de linguagem 13
. Ponto-final

É empregado para fechar os períodos, sinalizando a fi-


nalização de um raciocínio, ou em final de abreviações.
•• Exemplo de finalização de período: “Fui à biblioteca
e encontrei três livros que podem ajudar a compor a
parte teórica do trabalho de conclusão de curso”.
•• Exemplo de abreviação: rev. (em vez de revisão),
org. (em vez de organizado ou organização).

sequência ou para indicar o deslocamento de um trecho da


frase, de uma oração inteira ou de uma expressão. Há vá-
rias outras ocorrências, mas vamos lembrar que não esta-
Vírgula

É utilizada para separar itens com mesmo valor em uma


,
mos listando todas as funções do emprego de pontuação.
•• Exemplo de enumeração: “Estivemos no ambiente
de pesquisa e lá conseguimos colher dados, informar
as pessoas e aplicar a metodologia”.

A vírgula separa e, ao mesmo tempo, une os itens, uma


vez que todos os itens (colher dados, informar as pessoas e
aplicar a metodologia) estão ligados ao verbo conseguimos.
Repare também que o último item da sequência é introdu-
zido por e, e não por vírgulas, pois é a última ação listada.
•• Exemplo de deslocamento: “Testei, no decor-
rer da pesquisa, várias possibilidades de aplicação
metodológica”.

Note que a expressão no decorrer da pesquisa está en-


tre vírgulas justamente porque está deslocada. O lugar a
ela destinado, de acordo com a ordem sintática tradicio-
nal, é o final da frase, o que dispensaria a vírgula: “Testei
várias possibilidades de aplicação metodológica no decor-
rer da pesquisa”.

(Continua)

14 Leitura e escrita no ensino superior


Há situações em que o emprego da vírgula altera o sentido
da informação, como em:
a. Liguei para minha irmã que tem dois cachorros para
perguntar o que fazer com meu gato.
b. Liguei para a minha irmã, que tem dois cachorros, para
perguntar o que fazer com meu gato.

Enquanto a ausência das vírgulas em A marca uma res-


trição para a informação (tenho várias irmãs e liguei espe-
cificamente para aquela que tem dois cachorros), em B, a
inserção das vírgulas indica uma explicação sobre minha
irmã (tenho uma irmã e, por acaso, ela tem cachorros).

Essa diferença específica na informação revelada pela


presença (explicação) ou ausência (restrição) de vírgulas deve
ser pensada sempre por nós na elaboração de nossos textos.
Guarde esse exemplo e essa informação e utilize como com-
paração na hora de elaborar seus textos. Com o passar do
tempo, essa percepção da necessidade ou não da vírgula fica
mais fácil e você passa a empregá-la automaticamente.

;
Ponto e vírgula

Pode separar informações de períodos que se equili-


bram em valor de importância ou ser empregada em uma
sequência de itens.
•• Exemplo de informações que se equilibram: “De
um lado, as informações foram colhidas; de outro,
ainda não sabemos o que fazer com elas”.
•• Exemplo de sequência de itens: “Para a realização
da pesquisa, precisamos considerar: ambiente dispo-
nível; esfera de circulação de informações; aplicação
da metodologia e outras contingências”.

Tópicos de linguagem 15
:
Dois-pontos

Em geral, são utilizados para indicar uma sequência de


informações ou uma explicação.
•• Exemplo de sequência de itens: “Para a realização
da pesquisa, precisamos considerar: ambiente dis-
ponível; esfera de circulação de informações; aplica-
ção da metodologia e outras contingências”.
•• Exemplo de explicação: O dado é muito significa-
tivo: cem milhões de brasileiros, quase metade da
população, não têm acesso a saneamento básico.

...
Reticências

Em geral, aparecem para indicar que há uma informação ou


um raciocínio subentendido ou um trecho de texto proposital-
mente retirado. Nesse último caso, pode-se empregar o sinal de
reticências entre parênteses ou colchetes.
•• Exemplo de raciocínio subentendido: “Eu gostaria de
ter feito a pesquisa, o relatório e todo o texto do traba-
lho de conclusão, mas...”
•• Exemplo de trecho de texto retirado:
[...] agora habitamos, de modo sem precedentes, dois
mundos diferentes – o “on-line” e o “off-line” –, ainda
que sejamos capazes de passar de um para outro de
forma tão suave, a ponto de isso ser, na maioria dos
casos, imperceptível, de vez que não há nem frontei-
ras demarcadas ou controles de imigração entre elas,
nem agentes de segurança para verificar nossa ino-
cência ou funcionários da imigração checando nossos
vistos e passaportes. Com muita frequência conse-
guimos estar nos dois mundos ao mesmo tempo [...].
Pode-se fazer uma longa lista de diferenças entre os
dois mundos, mas uma delas parece ter mais peso
sobre nossas reações aos desafios da “crise migrató-
ria’. (BAUMAN, 2017, p. 101)

16 Leitura e escrita no ensino superior



Travessão

Pode ser empregado para indicar falas em um diálogo ou


para conter uma informação secundária ou explicativa.
•• Exemplo de diálogo:

“— Quem saiu mais cedo ontem?

— Eu saí para fazer as pesquisas do projeto”.


•• Exemplo de informações extras: “Cem milhões de
brasileiros — quase metade da população, portanto
—não têm acesso à coleta de esgoto”.

A constatação de que 100 milhões de brasileiros perfazem


quase metade da população total do país não é necessária
para a informação principal. Além do uso de travessões para
separá-la do restante do conteúdo, poderiam ser emprega-
dos parênteses ou vírgulas sem que houvesse alteração de
sentido. Nesses casos, a escolha depende mais do estilo de
escrita ou das estratégias de pontuação do autor do texto.

Parênteses

() São empregados, em geral, para conter informações secun-


dárias ou explicativas sobre o que está escrito fora dos parên-
teses. Podem ser substituídos por vírgulas ou travessões. Além
disso, como tratamos aqui de escrita, principalmente no ensi-
no superior, é importante destacar o uso de parênteses para
inserir autor e ano em citações na elaboração de trabalhos
acadêmicos.
•• Exemplo de informações extras: “Cem milhões de bra-
sileiros (quase metade da população portanto) não têm
acesso à coleta de esgoto”.

Note que o exemplo é o mesmo utilizado para ilustrar o uso


de travessões.
•• Exemplo de uso em citação:
A tarefa do professor de redação começa a partir do
texto escrito pelo aluno e [...] essa tarefa é a orientação
da reescrita desse texto para ajudar seu autor a des-
cobrir o que ele queria dizer e a reescrever a primeira
versão para fazê-la dizer isso. (GUEDES, 2009, p. 13-14)

Tópicos de linguagem 17
Ponto de interrogação

?
Utilizado para fazer perguntas diretas.
•• Exemplo: “Quanto precisamos ler para ter repertó-
rio suficiente para escrever bem? Onde encontra-
mos as melhores informações sobre fala e escrita?”.

Ponto de exclamação

!
Utilizado em frases exclamativas para indicar sen-
timentos como surpresa, alegria ou espanto. Tudo isso
também pode ser revelado por meio do uso de frases
imperativas ou interjeições acompanhadas do ponto de
exclamação.
•• Exemplo: “Capaz que é possível escrever bem sem
fazer muita leitura!”.

Nesse caso, inclusive, a surpresa é reforçada pelo


emprego da palavra capaz, que faz a função de interjei-
ção – classe utilizada para indicar surpresa ou quebra
de expectativa.

Aspas

“”
Podem ser empregadas para indicar fala em
diálogos, citações diretas, mudança de sentido
em palavras ou expressões e nomes de obras.
•• Exemplo de diálogo:

“Quem saiu mais cedo ontem?”

“Eu saí para fazer as pesquisas do projeto.”

Note que o exemplo de diálogo empregado é


o mesmo utilizado para ilustrar o uso de traves-
são indicando essa ação.
•• Exemplo de citação: “É mais fácil quebrar
um átomo do que um preconceito” (Albert
Einstein).
•• Exemplo de mudança de sentido: “Na
aula seguinte, os estudantes foram ‘infor-
mados’ sobre os direitos e deveres”.
(Continua)
18 Leitura e escrita no ensino superior
Observe que o uso de aspas na palavra infor-
mados indica que deve ser feita uma interpreta-
ção diferente da usual. Pode ser, inclusive, que a
maneira como eles foram informados não tenha
sido a mais adequada (o uso das aspas permite
essa e outras interpretações). Trata-se, aqui, de
uma figura de linguagem (ironia), que consiste
em dizer exatamente o contrário do que a pala-
vra escolhida deveria indicar.
•• Exemplo de citação de obra: “Com a pu-
blicação de ‘Modernidade líquida’, o filó-
sofo polonês Zygmunt Bauman explica o
comportamento da população ocidental
contemporânea”.

Como é possível perceber com essa sequência de informações so-


bre os sinais de pontuação, eles podem ser empregados em diferentes
contextos e indicar diversas interpretações.

1.1.2 Concordância
Algumas relações entre as expressões dentro das frases são mais
evidentes em algumas línguas. Por exemplo, em português, as relações
de concordância e regência são muito produtivas e alteram o sentido
das mensagens faladas ou escritas. Vamos iniciar nossa exploração pe-
las relações de concordância.

Para começar, em uma afirmação como “Os trabalhos de conclu-


são de curso foram entregues no prazo”, as palavras em negrito estão
todas no plural por causa das regras de concordância verbal e nominal.

Podemos definir concordância como a relação entre uma palavra e Glossário


outra dentro de uma frase, que promove a influência entre elas para determinante: é o nome dado
que fiquem todas no singular ou no plural, no masculino ou no fe- a palavras que acompanham os
substantivos. Assim, ao lermos
minino. No caso dos verbos, a concordância de número e de pessoa ou falarmos o determinante em
surge no lugar do gênero. Nesses casos, há palavras específicas que uma frase (antes do substanti-
se relacionam entre si – por exemplo, em “os trabalhos”, o artigo os vo), já sabemos as informações
sobre singular ou plural e
(masculino plural) é chamado de determinante e acompanha a forma feminino ou masculino.
do substantivo trabalhos (masculino plural). Nas relações de concor-

Tópicos de linguagem 19
dância nominal, quem define o número e o gênero é o substantivo.
Na concordância verbal, é o verbo, como núcleo da frase, quem selecio-
na e define número e pessoa.

No caso da concordância verbal, a relação deve se estabelecer entre


o verbo e o sujeito a ele relacionado. Em “Os trabalhos foram entre-
gues”, é o substantivo trabalhos (plural) que determina a forma verbal
plural foram (terceira pessoa do plural). Até esse ponto, parece muito
simples e basta obedecer à lógica da língua para não cometer deslizes
de concordância. No entanto, existem algumas situações em que as
dúvidas podem ser mais difíceis de solucionar.

É possível, por exemplo, que você já tenha ficado em dúvida em


relação a uma frase como “faz/fazem dez anos que trabalho aqui” ou
ainda “haverá/haverão dias melhores”. Nos dois casos, a escolha ade-
quada é pela forma singular: “faz dez anos” e “haverá dias melhores”,
considerando que “dez anos” e “dias melhores” não são expressões que
se tornam sujeito das orações. Também é uma relação de lógica, como
nas outras situações de concordância, mas é preciso identificar a lógica
das orações sem sujeito e o uso de verbos impessoais, como ocorre
nesses dois casos.

Em outras situações como em “O grupo de mulheres foi/foram levado/


+ Saiba mais
levadas ao escritório”, o verbo precisa concordar com “o grupo” ou “mulhe-
Objeto direto é um res”? As duas formulações são aceitas, mas a mais comum é “O grupo de
complemento que se liga a
verbos transitivos diretos. É mulheres foi levado ao escritório.” Em outras situações, como quando se
assim denominado porque a emprega o verbo ter, o singular ou o plural de terceira pessoa é identifica-
ligação entre o verbo e esse do apenas por um acento: “A pesquisa tem chance de publicação” (terceira
complemento não é interme-
diada por preposição. Ex.: “Comi pessoa do singular) ou “As pesquisas têm chance de publicação” (terceira
arroz e feijão ontem” (não há pessoa do plural).
preposição entre a forma verbal
comi e o complemento arroz Como você já deve ter percebido, não estamos fazendo uma se-
e feijão). Já objeto indireto é quência de regras sobre os tópicos de que tratamos neste capítulo,
um complemento que se liga
mas abordando as principais dúvidas e exigências que podem apare-
a verbos transitivos indiretos.
É assim denominado porque cer pelo caminho, ao longo de sua experiência na graduação. Como os
a ligação entre o verbo e esse problemas e dúvidas em relação à concordância verbal são sempre em
complemento é intermediada
por preposição. Ex.: “Cheguei maior número e mais expressivos, a maioria de nossos exemplos aqui
ao consultório mais cedo” (há é sobre esse tipo de concordância. Você pode considerar os exemplos
preposição entre a forma verbal aqui empregados como pontos de partida para explicar e entender me-
cheguei e o complemento
consultório). lhor as relações de concordância que definem os usos do português
padrão na contemporaneidade.

20 Leitura e escrita no ensino superior


1.1.3 Regência
Você já percebeu que, em alguns casos, o à se escreve assim,
com acento grave? E será que existe diferença entre “Você assistiu
ao filme” e “Você assistiu os doentes”? As duas situações, tanto do
à quanto do uso do verbo assistir, são exemplos de regência, que
é uma espécie de relação de comando estabelecida entre nomes
(substantivos, adjetivos e advérbios) ou verbos e seus complemen-
tos (objetos diretos e indiretos).

Assim como no caso da concordância, os exemplos de regência de + Saiba mais


que vamos tratar aqui são os que mais geram dúvidas quando preci- Como as línguas mudam com o
tempo, quando há uma trans-
samos utilizá-los na fala ou na escrita. Por isso, não é necessário se as-
formação acontecendo (que
sustar com termos como objeto direto e indireto, ou outros que vamos passamos a perceber na fala ou
encontrar nos exemplos; basta entender, mais uma vez, que a língua na escrita), afirmamos que há
uma mudança em curso, ou seja,
não é um objeto ou um instrumento estático e que questões de regên-
que estamos presenciando uma
cia também estão em constante transformação. mudança acontecer em relação
à língua.
As duas perguntas sobre o verbo assistir que iniciam este tópico es-
tão relacionadas à diferença de sentido atribuída às ocorrências desse
verbo quando se afirma ter assistido a algo (em que alguém viu algo)
ou ter assistido algo (em que alguém ajudou). Caso você não perceba
mais essa diferença na fala ou mesmo encontre muitos textos escritos
sem que haja essa diferenciação de regência, fique tranquilo: você não
é o único, e o verbo assistir é nosso tema justamente por isso.

O que precisamos compreender é que há uma mudança em curso.


E o que isso quer dizer exatamente? Quer dizer que as regras gramati-
cais não controlam o uso da língua e, por isso, os falantes promovem
alterações que, às vezes, passam a ser incorporadas na escrita. Esse é
o caso, por exemplo, desse verbo. Com o passar do tempo, a diferença
entre assistir e assistir a vem sendo apagada pelos falantes, e a regên-
cia predominante, inclusive em textos escritos, tem sido a regência de
verbo transitivo direto (sem o a).

Isso quer dizer que, quando alguém afirma “Assisti o debate para
realizar a pesquisa”, não está se referindo a ter ajudado o debate a Glossário
acontecer, mas a ter visto o debate, mesmo não utilizando a preposi- norma-padrão: conjunto de
ção. Nesse ponto, você pode se perguntar: o que está certo e o que está regras prescritas para o uso da
língua falada e escrita em situa-
errado? Vamos lá: para estar em conformidade com a norma-padrão,
ções formais de comunicação.
ou seja, se você vai escrever um texto para submetê-lo a uma avaliação

Tópicos de linguagem 21
ou publicá-lo em algum lugar, é importante manter a diferença entre
as duas regências (com ou sem a), deixando claro, por exemplo, que
“Todos os alunos assistiram ao debate para realizar a pesquisa”.

Há vários outros verbos que passam pelo mesmo processo e apre-


sentam, inicialmente, sentidos diferentes devido à regência, como visar:
a. “A pesquisa visa a responder a uma questão muito importante”
(visar a = ter o objetivo de).
b. “O jogador visou o gol e chutou com efeito” (visar = mirar).

E aspirar:
a. “O pesquisador aspira a uma publicação acadêmica” (aspirar a =
desejar, querer, almejar).
b. “Depois de escrever o relatório, precisava aspirar o ar fresco da
manhã” (aspirar = cheirar, inalar).

O que é importante guardar e compreender quanto à regência em


geral é o que estamos explorando aqui: às vezes, há mudança de sen-
tido quando um verbo é empregado com objeto direto ou indireto. En-
fim, a melhor estratégia para saber qual é a regência adequada para
um verbo é ver como ele já foi utilizado em outros textos, em situações
e contextos parecidos com aquele em que você deseja empregá-lo.

No entanto, um caso de regência merece atenção especial. No come-


ço desta subseção, uma das questões que levantamos é sobre o a escrito
com acento grave. Nesse caso, o acento indica que houve a soma entre
dois a (o artigo e a preposição), ou seja, uma crase. É uma questão que
merece cuidado, principalmente porque, em um texto, uma crase em
local inapropriado fica bastante visível e pode sugerir falta de compreen-
são sobre os mecanismos que regem a organização da língua.

Vamos à compreensão do processo que gera a crase em português.


São sempre dois a somados. Mesmo quando temos pronomes como
àquela, àquele ou àquilo, o que se soma são os dois a. Isso quer dizer
que o ambiente linguístico precisa proporcionar essa ocorrência, ou
seja, é preciso que um verbo exija a preposição a, que será contraída
com o artigo a que antecede um substantivo feminino, nome de loca-
lidade ou expressão de modo ou circunstância (vamos tratar de cada
item a seu tempo). Assim, temos “Vou à escola hoje”, pois:

22 Leitura e escrita no ensino superior


a. Quem vai, vai a algum lugar (o verbo ir exige a preposição a para
se ligar a seu complemento, pois é transitivo indireto).
b. Escola é substantivo feminino, antecedido pelo artigo a.

Mas qual é a diferença entre as duas frases a seguir?


a. Precisamos chegar à configuração adequada para o programa
(chegar a + a configuração).
b. Precisamos chegar a configurações adequadas para o programa
(chegar a + configurações).

É preciso perceber, nesse caso, que o substantivo configuração está Site


Há vários materiais
no singular em (a) e no plural sem artigo precedendo-o em (b). Caso
on-line que indicam
houvesse esse artigo em (b), ele precisaria estar no plural e, então, te- os usos de pontuação,
concordância verbal e
ríamos ocorrência de crase. Como temos apenas a preposição, o acen-
nominal e regência em
to grave não deve ser colocado. português. Quando as
dúvidas surgirem, você
Há outros casos de ocorrência de crase que precisam ser observa- pode consultar qualquer
manual e utilizá-lo da
dos: ela ocorre em expressões adverbiais formadas a partir de substan-
melhor maneira possível!
tivos femininos, como à toa, à beira e à vista. Mas cuidado: por causa de Uma sugestão é o Manual
de Editoração da Embrapa,
expressões como à vista, é comum que as pessoas escrevam a prazo ou
que apresenta a explicação
a partir também com acento grave. O raciocínio pode parecer adequa- e alguns exemplos dos
usos dessas normas e está
do: se à vista tem acento grave, as outras expressões também teriam.
disponível para consulta.
No entanto, prazo é palavra masculina (que não pode ser antecedida
Disponível em: https://www.
pelo artigo feminino a) e partir é verbo. embrapa.br/manual-de-editoracao/
gramatica-e-ortografia/normas-
Nesse ponto, chegamos a mais uma descoberta: verbos e substanti- gramaticais. Acesso em: 20 jan. 2020.
vos masculinos não podem ser antecedidos por artigo feminino. Assim,
com relação à crase, procure sempre observar se:
a. a antecede um substantivo feminino;
b. a e o substantivo estão no singular ou no plural.

Se ainda ficar difícil identificar a ocorrência ou não de acento grave,


substitua a palavra depois do a por um substantivo masculino. Assim:
a. Vamos à escola hoje Caso você não saiba se deve colocar
acento grave ou não nesse caso, troque escola por colégio.
b. Vamos ao colégio hoje Como a estrutura ficou ao colégio,
significa que temos a preposição a (exigida pelo verbo ir) e o
artigo o (a + o = ao). Isso quer dizer que, no feminino, teremos
também a preposição a e o artigo a (a + a = à).

Tópicos de linguagem 23
Atividade 3 Outra sugestão: quando ficar difícil entender se uma estrutura de
Como a regência e a concordân- regência exige ou não acento grave indicando crase, releia as orienta-
cia ajudam a explicar o funcio-
namento da língua portuguesa? ções, organize um esquema de estudos para você do jeito que julgar
Justifique sua resposta. mais adequado e consulte-o sempre que necessário. O mais importan-
te é que você não se esqueça de que, com relação à língua falada ou
escrita, estamos sempre aprendendo e precisamos estar dispostos a
fazê-lo.

1.2 Estrutura de sentença


Vídeo Existe uma organização das frases na fala ou escrita? Quem determi-
na essa organização e como isso acontece? O professor Sírio ­Possenti
(1996) já comparou o funcionamento da língua com a astronomia, ex-
plicando que entender as regras de fala e escrita como sendo inventa-
das pelas gramáticas e impostas a quem fala e escreve é o mesmo que
imaginar os astrônomos definindo a órbita dos astros. Esse é um exem-
plo bastante visível de como podemos nos relacionar com a língua que
utilizamos para nos comunicar: ou aceitamos que ela faz parte de nos-
sa cultura e está sujeita a mudanças, ou ficamos restritos a uma sim-
ples classificação em certo e errado, de acordo com a norma-padrão.

Neste ponto de nossos estudos, quando já tratamos da pontuação


como marca importante da comunicação escrita e de segmentos me-
nores orientados pela regência e pela concordância, vamos dar mais
um passo no sentido da organização de nossa comunicação. Trata-se
da organização das palavras em uma frase ou sentença. Em português,
assim como em outras línguas que obedecem a uma organização sin-
tática, a ordem em que as palavras são colocadas é fundamental para
determinar o que é mais importante ou evitar duplo sentido.

Para que possamos ser entendidos quando falamos ou escrevemos,


precisamos organizar a mensagem que desejamos transmitir em uma
estrutura que seja reconhecida por falantes e leitores de nosso idioma
como uma informação interpretável.

É muito comum, quando se explica essa necessidade, a utilização


de exemplos como “Fechou porta João a” justamente para deixar claro
que se trata de uma sentença não reconhecível em língua portuguesa.
Entretanto, nenhum falante ou autor de texto elabora uma sentença

24 Leitura e escrita no ensino superior


assim, pois ela não faz parte das possibilidades de distorção de estrutu-
ra de frases em português. No entanto, observe as estruturas a seguir:
a. Acreditam que a relação dos gestores e professores, um diálogo
fará os estudantes entenderem.
b. Muitas pessoas atualmente estão sendo prejudicadas de tal
forma em que alergias estão bem comuns na nossa comunidade.

Com relação a esses dois exemplos, podemos, com algum esforço,


entender as informações mais importantes, porque as palavras-cha-
ves estão evidentes. Porém, a estrutura inadequada impede uma lei-
tura sem obstáculos ou margem para outras interpretações. Quando
isso acontece, um bom exercício é tentar elaborar uma reescrita apro-
priada que informe o leitor adequadamente. Para (a), por exemplo,
podemos propor: Livro
a1)Acredita-se que um diálogo dos gestores e professores fará
os estudantes entenderem.
a2) Acredita-se que, por meio de diálogo, gestores e professores
farão os alunos entenderem.

E para (b):
b1) Atualmente, muitas pessoas estão sofrendo com a ocorrência
de alergias em nossa comunidade.
b2) A ocorrência de alergias tem afetado muitas pessoas O livro Por que a esco-
la não ensina gramática
atualmente em nossa comunidade.
assim? se concentra em
explicar e promover dis-
Quando falamos, é mais fácil refazer o raciocínio, se necessário,
cussões sobre análises
para que as pessoas que nos ouvem compreendam nossa mensagem. linguísticas a partir de si-
tuações usuais no cotidia-
Mas, quando escrevemos, como saber se as sentenças que elaboramos
no. É uma importante lei-
estão de acordo com o que é necessário para que outros possam ler tura, principalmente para
conseguirmos comparar
e entender? Primeiro, procure sempre perceber se as frases que você
as maneiras como pode-
elaborou têm início, meio e fim (sujeito, verbo e objeto). Isso já ajuda mos entender a língua
portuguesa mais didati-
bastante. Outra ação importante é se perguntar: se não fosse você que
camente, com gêneros de
tivesse escrito a frase, conseguiria se sentir informado completamente texto, exemplos e outros
elementos que ajudam a
pelo que ela contém?
perceber a língua como
nossa interface com a
Quando escrevemos, fica nítida a necessidade de colocarmos uma
realidade.
frase após a outra. Essa sequência precisa ser encadeada de maneira
BORTONI-RICARDO, S. M. et al. São
adequada, e cada frase precisa ter uma relação evidente com o que
Paulo: Parábola, 2014.
veio antes e com o que ainda virá. Precisamos, então, cuidar da estrutu-

Tópicos de linguagem 25
Atenção ra de cada sentença internamente, e ela deve poder fazer parte de um
Fazendo uma reflexão sobre o todo maior que é o parágrafo.
texto deste capítulo que você
leu até aqui, observe que todas Se você já teve dúvida sobre o que era para fazer quando alguma
as frases, uma após a outra, proposta de escrita solicitava a elaboração de um texto em prosa, saiba
estabelecem relações de sentido
que você não é o único a se questionar sobre isso. Na verdade, essa
entre si e que, parágrafo após
parágrafo, o texto se constrói dúvida é mais comum do que pode parecer. Talvez isso se deva às pos-
procurando oferecer ao leitor sibilidades de entendimento da palavra prosa. No dicionário, entre os
um entendimento global sobre
significados encontrados para prosa, estão:
o tema tratado.
1. expressão natural da linguagem escrita ou falada, sem metrifi-
cação intencional e não sujeita a ritmos regulares.
2. aquilo que é material, cotidiano, sem poesia. Ex: a p. da realidade
3. conversa informal. Ex: tive dois dedos de p. com o compadre
(HOUAISS, 2009, grifos do original)

E o que se quer, de fato, ao indicar a elaboração de um texto em


prosa? Espera-se um texto em parágrafos, sem versos, composto de
uma frase após outra, escrito de uma margem à outra da página (exata-
mente como este texto que você está lendo agora). Em geral, entende-
mos que cada parágrafo de um texto deve encerrar em si um raciocínio
completo sobre o tema abordado no conjunto e se ligar aos demais
parágrafos por conectores específicos e pela visibilidade da progressão
de conteúdo.

Vamos utilizar um parágrafo de texto introdutório de divulgação de


uma pesquisa como exemplo:
A compreensão dos significados da arte como recurso tera-
pêutico para usuários de um Centro de Atenção Psicossocial
motivou a mestranda Patrícia Rodriguez Braz a desenvolver a
sua dissertação no Programa de Pós-Graduação em Enferma-
gem, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A acadê-
mica analisou a visão e os sentidos das pessoas nas oficinas
expressivas de arte, oferecidas no ambiente pesquisado. Sete
usuários participaram de uma entrevista qualitativa, que bus-
cou conhecer a relação deles com a arte. (PESQUISA, 2017)

a motivação para realizar a pesquisa


a pesquisadora,
a instituição à qual a pesquisadora está vinculada,
o tema da pesquisa
a metodologia da pesquisa resumida.

26 Leitura e escrita no ensino superior


Note que todas as frases têm relação de sentido entre si (todas Site
falam sobre a pesquisa de Patrícia Braz) e que a ordem em que Os jornais de maior circula-
ção nacional, como o Esta-
elas aparecem também tem motivo para garantir a progressão das dão e a Folha de S. Paulo,
informações (afinal, seria difícil entender o texto se ele começasse têm seus próprios manuais
de escrita e redação. Es-
pela última frase). ses materiais apresentam
prescrições quanto a diver-
O tamanho dos parágrafos é muito variável, mas, em geral, enten- sas normas gramaticais e
de-se que um parágrafo deve terminar quando um raciocínio sobre o ortográficas. O Manual de
redação do Estadão pode
tema em questão foi concluído. Às vezes, pode ser uma afirmação e ser consultado on-line e
uma justificativa, um exemplo, uma descrição de prova concreta; en- apresenta, inclusive, os
erros mais comuns e os
fim, são várias as possibilidades para se compor um parágrafo. Além mais graves cometidos em
disso, em textos com número fixo de caracteres – como jornais ou re- língua portuguesa.

vistas impressos –, o número de parágrafos acaba seguindo a necessi- Disponível em: https://www.
estadao.com.br/manualredacao/.
dade de preenchimento do espaço destinado ao texto. Acesso em: 20 jan. 2020.
Nosso contato com essas estratégias de organizar as sequências
de palavras e frases é constante, acontece quando lemos e também
quando escrevemos. As dúvidas são frequentes e nunca chegamos ao
ponto de saber tudo sobre a linguagem ou mesmo sobre uma parte
dela, como os sinais de pontuação. O importante é utilizar as dúvidas
como ponto de partida para melhorar nossa relação com a linguagem,
ter curiosidade e entender como as diferentes estratégias podem nos
ajudar a melhorar sempre nosso processo de comunicação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ponto da abordagem e da reflexão sobre os aspectos tratados
neste capítulo, é possível que muitas das ideias que você nutria a respeito
do quanto é fácil ou difícil, certo ou errado, simples ou complicado asso-
ciar oralidade e escrita estejam mais fortes ou tenham mudado, justa-
mente porque procuramos explicar alguns problemas que aparecem com
muita frequência em nosso uso cotidiano da língua.
Pontuação, concordância, regência, estrutura de sentenças e paragra-
fação são os principais tópicos que permitem chegarmos a um texto com-
pleto, que possibilite aos nossos interlocutores a leitura e a compreensão
adequadas. Essas e outras habilidades contribuem para que, nesta etapa
dos nossos estudos, possamos dar mais atenção ao processo de comu-
nicação formal falado e escrito que devemos estabelecer como ponto de
partida e também como meta em nosso percurso de formação intelectual.

Tópicos de linguagem 27
REFERÊNCIAS
BAKTHIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAUMAN, Z. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
FARACO, C. A.; TEZZA, C. Oficina de texto. Petrópolis: Vozes, 2003.
GUEDES, P. C. Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.
PINKER, S. Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância. São
Paulo: Contexto, 2016.
POSSENTI, S. Por que (não) estudar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras,
1996.
HOUAISS, A. Houaiss Eletrônico. Versão monousuário 3.0. São Paulo: Objetiva, 2009.
PESQUISA aborda importância da arte no cotidiano de usuários de um Centro de
Atenção Psicossocial. UFJF Notícias. 19 set. 2017. Disponível em: https://www2.ufjf.br/
noticias/2017/09/19/estudo-aborda-importancia-da-arte-no-cotidiano-de-usuarios-de-
um-centro-de-atencao-psicossocial/. Acesso em: 20 jan. 2020.

GABARITO
1. As diversas abordagens e análises sobre língua já elaboradas consideram a fala e a es-
crita como registros complementares. Isso pode ser comprovado, por exemplo, tanto
pela explicação feita por Bakhtin (2011) quanto por Faraco e Tezza (2003), que aponta
o surgimento da escrita como algo necessário para circunstâncias em que a fala já não
era suficiente. Pinker (2016) também explica a concepção não natural da habilidade da
escrita. Para compreendermos os registros de fala e escrita como complementares, é
preciso sempre refletir sobre as fronteiras de uso entre uma e outra e as situações em
que elas podem ser empregadas.

2. Ao contrário do que se possa imaginar às vezes, não é a escrita que determina como
se fala ou lê, mas é a entonação empregada na fala que determina a maneira como
precisamos escrever um texto e, consequentemente, utilizar os sinais de pontuação.

3. O português é uma língua sintática. Isso quer dizer que o significado do que se fala ou
escreve muda de acordo com a ordem das palavras e expressões empregadas. Nesse
contexto, a regência e a concordância ajudam a orientar o funcionamento de trechos
menores dentro de cada frase. A concordância nominal estabelece a relação entre
os artigos, numerais, pronomes e nomes, e a concordância verbal, entre os nomes
e verbos. Já a regência nominal estabelece uma relação de complementação entre
nomes e adjetivos, e a verbal, entre verbos e seus complementos. Ambas as regências
podem fazer com que o sentido do que se pretende informar mude completamente
de acordo com a forma com que as utilizamos.

28 Leitura e escrita no ensino superior


2

Registros da língua
portuguesa: diferenças
e semelhanças
Ter curiosidade sobre nossas origens e a língua que falamos é
um passo importante para nosso aprendizado como indivíduos e
sociedade. Afinal, o idioma utilizado por nós é fruto e componente
de nossa cultura. Mas qual é o tipo de curiosidade que geralmente
nutrimos com relação à língua a qual utilizamos para nos comu-
nicar? Quais são as estratégias de estudo para compreendermos
melhor como funciona a língua? Nos diversos ambientes e etapas
de estudo, ao longo da nossa vida escolar, falamos do mesmo jei-
to como falamos em casa? Há diferença entre a língua escrita e
a língua falada? Se sim, como saber quando empregar cada jeito
de falar? Por qual motivo existem tantas maneiras de escrever os
porquês se a pronúncia é a mesma? E por que colocamos um h
inicial em palavras como homem e horta se ele não tem valor algum
de pronúncia? Vale fazer piada com o jeito como os outros falam?
São mesmo muitas as perguntas possíveis de nos fazermos
quando procuramos entender a dinâmica da língua que usamos
para nos comunicar. E é por conta dessas e de outras questões
que refletiremos a respeito da língua ao longo deste capítulo, até
que, ao final, possamos confirmar ou rever várias interpretações
que nos acompanharam até agora.

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 29


2.1 Escrita no cotidiano
Vídeo Será que a nossa língua é um patrimônio? Observe o trecho a seguir.

Frame Art/Shutterstock
“Valorizar a diversidade da língua portuguesa,
celebrá-la como elemento fundamental e fun-
dador da cultura e aproximá-la dos falantes do
idioma em todo o mundo. Foi com esses objeti-
vos que nasceu o Museu da Língua Portuguesa”
(O MUSEU, 2020).

Podemos ler essa descrição de objetivos na página oficial do Museu


da Língua Portuguesa, o qual guarda informações importantes sobre
a história da nossa língua escrita e falada. Isso nos leva a considerar
que, se a língua pode ser colocada em um museu ou se há um museu
específico para preservar a língua como memória, então a resposta à
pergunta inicial é sim, ela é um patrimônio (imaterial).
Saiba mais

Wilfredor/Wikimedia Commons
No final de 2015, um incêndio
de grandes proporções atingiu
o Museu da Língua Portuguesa.
Desde então, o prédio tem
passado por um processo de
reconstrução, com previsão
de reabertura para visitação
pública em 2020. O museu conta
com um acervo permanente
de registros de língua falada
e escrita de diferentes lugares
do mundo, além de abrigar,
temporariamente, exposições
que homenageiam grandes
escritores de língua portuguesa,
como Clarice Lispector, Gilberto
Freyre, Oswald de Andrade e
Machado de Assis.

Localizado na cidade de São Paulo, no histórico edifício Estação da Luz, região central da cidade, o
Museu da Língua Portuguesa foi inaugurado no ano de 2006.

Mas o jeito como costumamos nos relacionar com o nosso idioma


não está em geral sob essa perspectiva; está mais próximo de querer-

30 Leitura e escrita no ensino superior


mos saber o que está certo e o que está errado. Sempre que vamos ver
ou rever análises de língua portuguesa, em qualquer tempo de nossa
vida como estudantes, fazermos perguntas como:

A gente escreve
do mesmo jeito
que fala?
seasoning_17/Shutterstock

É verdade que em tal


Está certo ou lugar se fala o melhor
errado? português do mundo?

A língua muda ou não


com o passar do tempo?

Nesse começo de discussão, você já percebeu que há mais pergun-


tas do que respostas. Mas não se aflija! As perguntas servem para nos
lembrar da maioria das dúvidas que temos a respeito do nosso idioma
e oferecer um caminho para procurarmos juntos estabelecer respostas
e compreender os fenômenos que unem ou separam a oralidade da
escrita, por exemplo.

Se refletimos aqui sobre a possibilidade de a língua ser objeto de Atividade 1


museu – não como objeto estático, mas como elemento a ser preser- O que significa afirmar que
a língua é objeto de museu?
vado –, isso significa que ela é um componente muito importante para
Discorra.
nossas relações sociais, as quais são feitas basicamente pela fala e pela
escrita, quanto à comunicação. Além disso, quando pretendemos olhar
Curiosidade
a língua como um código que pode ser empregado de diversas manei-
O Exame Nacional do Ensino
ras, precisamos estar atentos à sua história, à sua atualidade e à sua Médio (Enem) foi aplicado
constante transformação. pela primeira vez no Brasil em
1998. Ele é uma das etapas de
Neste momento, conseguimos escolher de que maneira abordar o avaliação do ensino previstas
tema: vamos buscar elementos etimológicos, ou seja, da origem das pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) que entrou
palavras ou vamos nos deter às regras prescritas em manuais que
em vigor em 1996. Em 2009, o
balizam o bom uso da língua escrita? Vamos buscar informação em Enem ganhou um novo formato
resultados de pesquisas sobre os diferentes falares em língua portu- e se tornou mais relevante:
passou a valer como processo
guesa? Na verdade, os pontos que podem originar um processo de
seletivo para diferentes univer-
ensino-aprendizagem sobre a nossa língua são variados e pretende- sidades brasileiras, fazendo com
mos aqui extrair o melhor deles. Vamos exemplificar, a seguir, nossa que se tornasse também mais
visado, inclusive no que se refere
proposição de raciocínio sobre o tipo de escrita valorizado pelas reda- à redação.
ções do Enem.

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 31


2.1.1 A língua usada no Enem
Dentre as tantas análises que a redação do Enem gera todos os
anos, destacamos a de Sérgio Rodrigues, escritor e jornalista. Ele fez
uma coluna para a Folha de São Paulo em 2019, discutindo as escolhas
de palavras feitas por estudantes na elaboração de seus textos para
responder às propostas de redação do Enem. Consideramos vários as-
pectos levantados pelo colunista para nossa reflexão sobre como es-
crevemos no final da educação básica (ensino médio), quando estamos
formalmente aptos a ingressar na universidade.
Glossário
A coluna se chama “No país do outrossim”. Por esse título, já é pos-
outrossim: do mesmo modo,
igualmente.
sível antecipar uma crítica às escolhas vocabulares presentes nos tex-
tos produzidos pelos estudantes, já que outrossim não faz parte de um
vocabulário adequado para o português do século XXI e não parece
1
fazer parte do repertório de estudantes que, em sua maioria, ainda não
Vamos guardar essa informação 1
sobre escolha de vocabulário chegaram aos 25 anos de idade .
e faixa etária para a seção em Alguns trechos, além do título do texto, são muito significativos para
que estudaremos a variação
linguística. acompanharmos o raciocínio proposto pelo autor e chegarmos a algu-
mas constatações. Vamos analisá-los juntos!
Zeloso de um prestígio fundado em parte em sua incompreen-
sibilidade pelos mortais comuns, o juridiquês nunca aceitou
bem o banho de soda cáustica que nossa norma culta tomou no
século 20.
Só que os estudantes premiados por suas bacharelices são can-
didatos a cursos variados, não só aos de direito.
E nasceram na virada do milênio, quando a lição textual dos mo-
dernistas já havia sido atualizada e multiplicada por várias gera-
ções de autores de bom texto. O que é isso? (RODRIGUES, 2019)

Ao afirmar que nossa norma culta “tomou um banho de soda cáus-


tica” no século XX, o autor nos leva a interpretar que houve uma pro-
funda transformação, na verdade, uma mudança radical entre o que
era aceito como norma culta e o que passou a ser incorporado por ela,
ainda que a escrita seja sempre mais conservadora em vista da fala. Ao
mencionar o “juridiquês”, ele engloba a noção de um uso excessivo de
termos técnicos relacionados ao âmbito jurídico. Na prática, isso signifi-
ca escolher um vocabulário que gera dificuldade de compreensão para
quem lê. No parágrafo seguinte, ao afirmar que estudantes candida-

32 Leitura e escrita no ensino superior


tos a cursos variados, não apenas a de direito, cometem “bacharelices”,
Rodrigues (2019) enfatiza a quantidade de palavras e expressões crista-
lizadas nas sentenças jurídicas pelo uso, mas que são reproduzidas por
estudantes na escrita dos textos produzidos como resposta à proposta
do Enem.

O que há de mais espantoso nisso tudo? De acordo com Rodrigues Saiba mais
(2019), no último parágrafo do trecho citado, são pessoas muito jovens A Semana de Arte Moderna foi
que fazem isso: nasceram depois do movimento modernista, ou seja, realizada em São Paulo em feve-
reiro de 1922. Ela foi um marco
temporalmente, deveriam inclusive estar mais acostumadas às trans-
do movimento modernista no
formações incorporadas pelo nosso idioma a partir da Semana de Arte Brasil, que pretendia representar
Moderna de 1922. o que o brasileiro é de fato
nas artes, sem copiar padrões
Em outro trecho da coluna, o autor faz outras constatações europeus. Ou seja, foi o primeiro
importantes: movimento artístico e cultural
que procurou dar um registro de
Trata-se de um sistema. Um sistema que confunde o registro identidade real à população e à
formal da língua com platitudes balofas e distantes da realidade cultura local.
dos estudantes – gerador, portanto, de dissociação entre lingua- Ao utilizar o modernismo como
gem e pensamento. referência para linguagem dos
Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2018, jovens que participam do Enem
ou de outros processos seletivos,
apenas 12% dos brasileiros de 15 a 64 anos são plenamente alfa-
Rodrigues (2019) faz uma
betizados. (RODRIGUES, 2019) ligação direta entre a renovação
pela qual passaram os registros
A primeira parte – de que existe uma confusão entre uso formal de língua a partir desse movi-
da língua e dissociação entre pensamento e linguagem – merece um mento e a não utilização dessa
cuidado especial. A densidade dessa afirmação remonta a uma tradi- renovação pelos jovens que,
inclusive, estudam modernismo
ção escolar com relação ao ensino e aos usos da língua portuguesa. A na escola.
própria escola ainda não reconhece integralmente que a norma culta é
apenas uma das tantas variantes do idioma. Além disso, não reconhe-
ce que as realizações da norma culta também são muito variadas em
escolha vocabular, estrutura sintática e estilo.

Aliás, a noção de estilo merece aqui um desdobramento a fim de


evitar afirmações de senso comum a seu respeito. Ao longo de nos-
sa vida, mesmo quando não estamos estudando algo relacionado à
linguagem, é possível que já tenhamos ouvido, ou ainda vamos ouvir,
que o emprego de uma palavra ou a maneira de escrever seja estilo
do autor ou licença poética. Sobre isso, é importante saber que não é
qualquer deslize de linguagem que pode se encaixar como estilo. No
caso da licença poética, é bem comum que isso aconteça em poemas
ou letras de canções, devido à manutenção da rima ou à versificação ou
mesmo para manter um registro informal ou regional da língua.

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 33


Estudo de caso
Em casos como nos versos da canção Sentado à beira do caminho, de Erasmo Carlos
e Roberto Carlos (1969) – “Meu olhar se perde na poeira dessa estrada triste/ Onde
a tristeza e a saudade de você ainda existe” –, a falta de concordância do verbo
existe com o sujeito composto a tristeza e a saudade se deve à relação de rima com a
palavra triste. Há várias versões dessa canção em que os intérpretes fazem a concor-
dância com existem, mas, no original e para manter a rima e a versificação, a forma
precisa ficar no singular. Em casos assim, temos uma licença poética, que é essa
liberação para transgredir a norma-padrão por um motivo específico.
Há outros casos clássicos e exemplos de estilo e licença poética, como a composição
Tiro ao Álvaro, de Osvaldo Molles e Adoniran Barbosa (1980), em que se leem versos
como “De tanto levar frechada do teu olhar [...]/ Tauba de tiro ao Álvaro”. Nesse
caso, as transgressões não são de concordância, mas de grafia, para representar
exatamente a maneira de falar essas palavras em um determinado grupo social.
No entanto, é preciso lembrar que os falantes de uma língua, mesmo quando
transgridem a norma, o fazem aplicando outras regras e regularidades que o idioma
permite. Por exemplo, ao falar frecha ou frechada, o falante faz uma combinação de
sons (fr) que o idioma permite e que existe em outras palavras. Ao falar tauba ou
táubua, também existe uma regularização pelo encontro de vogais au, assim como,
em vez de alvo, surge o nome Álvaro, que pode ser explicado inclusive pela maior
recorrência na língua que falamos.

Depois de analisarmos esses versos, você pode se perguntar: mas


por que isso ocorre? Vale tudo na língua escrita ou falada? Não vale
tudo. Como você pôde ver, as licenças poéticas acontecem para que
se registre, com alguma finalidade específica, formas de falar diversi-
ficadas, ocasionadas por outros componentes culturais além do que
permite a própria língua. Armazenar e fazer com que essas análises e
informações sejam transmitidas de geração em geração é cuidar, com
diligência, do patrimônio imaterial que a língua de um povo representa.

Isso nos leva a refletir também sobre a segunda constatação feita


por Rodrigues (2019) no trecho que mencionamos anteriormente.
Se apenas 12% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são considerados
plenamente alfabetizados, 88% estão em outros graus de alfabeti-
zação, o que implica diferentes domínios, contatos e usos da língua
para se comunicar, além de diferentes associações entre pensamen-
to e linguagem.

Quando começamos a identificar os enquadramentos diversos da


população em níveis também diversos de alfabetização, nos damos
conta de que existem muitos grupos caracterizados por índice de
alfabetização/escolarização, faixa etária, classe social, região do país e
até região ou bairro dentro de uma mesma metrópole. Isso quer dizer
que o uso da língua feito por esses diversos grupos é fruto da construção
de identidades linguísticas particulares e gera efeitos de compreensão

34 Leitura e escrita no ensino superior


ou marcas sociais singulares. Essas marcas estão intimamente ligadas
a maior aproximação ou distanciamento do uso da língua feito pelo
falante em relação à norma ou à variedade culta da língua.

E isso implica diferenças na maneira como as pessoas são tratadas


socialmente? Com certeza! Isso acontece de um jeito tão significativo
que o preconceito linguístico se tornou, inclusive, tópico de análise na
área de estudos da linguagem. Esse é o tema da nossa próxima seção,
porque é muito importante saber se, em algum momento, vivenciamos
ou presenciamos algum caso de discriminação ou exclusão em virtude
dos registros de língua utilizados por alguém.

2.2 Norma culta e preconceito linguístico


Vídeo Se a língua faz parte da cultura de um povo e, por isso mesmo, ajuda
a compor uma identidade nacional, então ela também está sujeita a
transformações, assim como ocorre com qualquer cultura, por elemen-
tos internos e externos ao idioma. Mas isso pode gerar preconceito?
Talvez a melhor pergunta não seja essa, mas aquela que coloca em evi-
dência as maneiras pelas quais a relação dos indivíduos com a língua
pode gerar preconceito linguístico.

Dá-se o nome de preconceito linguístico às formas de discriminação feitas contra um


indivíduo pela maneira como ele escreve ou fala. Assim, como em qualquer outra
forma de preconceito, para que aconteça, existe um parâmetro ou padrão de referên-
cia. No caso da língua, o distanciamento do indivíduo do conhecimento da norma
culta é o que acaba sendo determinante para o estabelecimento de juízos de valor
negativos. Geralmente, as ocorrências de preconceito linguístico estão também rela-
cionadas a fatores sociais e econômicos.

A norma culta é a variante de prestígio do idioma (falado ou escrito),


que gera parâmetros, no sentido negativo, para a existência e a reali-
zação de preconceito linguístico. Contudo, ela é um registro necessário
justamente para que haja um parâmetro (positivo) de comunicação,
com o qual as pessoas em qualquer lugar do país consigam se enten-
der sem maiores obstáculos. É ela que deve constar principalmente
nos registros escritos de documentos, nos livros didáticos e nas rela-
ções diplomáticas para que todos entendam. Ou seja, teoricamente,
trata-se da realização mais neutra do idioma, sem marcas de região,
faixa etária ou segmento social.

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 35


Saiba mais Até este ponto, parece que tudo pode funcionar muito bem quan-
Podemos caracterizar a do percebemos exatamente como proceder quanto à norma culta e
norma-padrão como a realização como descrevê-la: ela é o parâmetro de prestígio e de documentação,
da língua que segue as regras
prescritas (orientadas) grama- e é preciso tomar cuidado para não fazer com que seja geradora de
ticalmente. Já a norma culta, preconceito, por exemplo, com relação a pessoas menos escolarizadas.
que muitas vezes é empregada No entanto, é imprescindível fazer uma ressalva: na seção anterior, já
como sinônimo de norma-padrão,
é a realização mais próxima das ilustramos um pouco do que pode aparecer, principalmente como re-
prescrições gramaticais, mas com gistro falado, na língua e deixamos claro que descrever e analisar as
as características de determinado
transformações e ocorrências não se trata de dizer que vale tudo ou
tempo. Por isso, quando dizemos
norma culta contemporânea, essa que tudo está certo ou adequado.
expressão significa um uso que
Para podermos entender um pouco melhor essa ideia de que não é
segue as regras, mas que tem
características sintáticas e de porque estudamos as possibilidades de transformação e variação da
vocabulário diferentes daquelas do língua que vale tudo, vamos utilizar como exemplo uma questão da prova
século XIX, por exemplo. 2
de linguagens de uma das edições do Enem . Vamos analisá-la juntos.
2
Você vai observar que faremos Só há uma saída para a escola se ela quiser ser mais bem-sucedida: aceitar a mudança
menção a questões que aparecem da língua como um fato. Isso deve significar que a escola deve aceitar qualquer forma
em processos seletivos como o da língua em suas atividades escritas? Não deve mais corrigir? Não!
Enem ou o Enade. Fazemos essa
escolha justamente porque elas Há outra dimensão a ser considerada: de fato, no mundo real da escrita, não existe ape-
fazem com que o estudante tenha nas um português correto, que valeria para todas as ocasiões: o estilo dos contratos não
de mostrar que sabe reconhecer é o mesmo do dos manuais de instrução; o dos juízes do Supremo não é o mesmo do
e analisar os diferentes processos dos cordelistas; o dos editoriais dos jornais não é o mesmo do dos cadernos de cultura
de variação pelos quais a língua dos mesmos jornais. Ou do de seus colunistas.
pode passar.
POSSENTI, S. Gramática na cabeça. Língua Portuguesa, ano 5,
n. 67, maio 2011 (adaptado).
Sírio Possenti defende a tese de que não existe um único “português correto”. Assim
sendo, o domínio da língua portuguesa implica, entre outras coisas, saber
a) descartar as marcas de informalidade do texto.
b) reservar o emprego da norma-padrão aos textos de circulação ampla.
c) moldar a norma-padrão do português pela linguagem do discurso jornalístico.
d) adequar as formas da língua a diferentes tipos de texto e contexto.
e) desprezar as formas da língua previstas pelas gramáticas e manuais divulgados
pela escola.
Fonte: Brasil, 2014.

O comando solicita que o estudante selecione, dentre as alternati-


vas, aquela que é uma ação realizada por quem dispõe de domínio ou

36 Leitura e escrita no ensino superior


3
proficiência em língua portuguesa . A alternativa correta é a sublinha- 3
da (isto é, a letra d) pois as palavras texto e contexto compõem a esfera O uso da palavra domínio,
empregada no comando (enun-
de comunicação, elemento central do ponto de vista de Possenti. Ele
ciado), está nos Parâmetros
emprega vários exemplos de ocorrências em que se deve mobilizar as Curriculares Nacionais (PCNs)
normas gramaticais, a norma-padrão e a norma culta para atingir o pú- de Língua Portuguesa (BRASIL,
1997), embora alguns profes-
blico-alvo nas diferentes circunstâncias de comunicação. Isso promove
sores não aprovem a utilização
a reflexão de que é preciso conhecer a gramática ou a norma-padrão, desse conceito como sinônimo
inclusive para abrir mão de alguma regra. Todas as demais afirmações de proficiência, por exemplo.
vão de encontro ao que o texto-fonte da questão defende.

Ao ler o texto do professor e linguista Sírio Possenti, precisamos Livro


ficar atentos a alguns aspectos muito importantes: O livro Preconceito linguís-
tico: o que é, como se faz
passou a ser muito utili-
A escola precisa, e deve, ser a zado nas graduações dos
instituição responsável por ensinar Mesmo dentro do que cursos de Letras a partir
a língua em sua ocorrência de caracterizamos como norma-padrão dos anos 1990. Foi um
norma-padrão ou culta, o que não ou culta, há variações de estilo que marco para os estudos
de variação linguística e
significa que ela não deva ensinar o professor deve ilustrar por meio
ocorrências de precon-
os estudantes a se familiarizarem de exemplos de diferentes usos de
ceitos relacionados à
com outras variantes, bem comunicação no mundo real.
fala de pessoas menos
como analisá-las. escolarizadas e que
ocupam uma condição
social menos privilegiada.
Neste ponto da análise, é importante chegarmos à constatação de O livro didatiza a teoria
desse tipo de situação
que, se a língua varia, inclusive dentro do que se chama norma-padrão colocando exemplos bem
ou nas realizações de norma culta – que tem maior prestígio e deve ser concretos e fazendo com
que o leitor compreen-
empregada em situações formais de comunicação –, o fato de ela variar da os valores sociais e
em outras situações não deveria ser motivo para tratar os falantes de culturais implicados na
análise da situação. Vale
maneira depreciativa. a leitura para começar
a compreender ou para
Não estamos afirmando que as variações devem ser aceitas ou
aprofundar o entendi-
ignoradas em todas as situações. Vamos supor, por exemplo, que mento que temos de
como o pouco acesso à
alguém, em uma apresentação de trabalho acadêmico, tenha pronun-
escola ou a uma variante
ciando palavras como pobrema ou empregue constantemente, para de fala com maior prestí-
gio social são capazes de
ligar uma ideia à outra, a expressão tipo (“Tipo as engrenagens, tipo
gerar abismos.
como funcionam, tipo precisam ser verificadas, tipo uma vez por mês”).
BAGNO, M. 15. ed. São Paulo:
Existem meios cuidadosos de se dizer a essa pessoa que, em determi- Loyola, 2002.
nados ambientes, é melhor fazer outras escolhas para que a pronúncia
ou o vocabulário não causem incômodos. Repare que essas situações Atividade 2
acontecem em geral na fala, e por isso também é importante procurar- Que tipos de situação podem
mos o melhor jeito de dizer como a pessoa pode se comunicar melhor, levar ao preconceito linguístico?
Discorra.
sem desconfortos na produção e na recepção das informações.

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 37


Livro Assim como vimos que a escola não deve se abster de fazer seu
Quando a primeira edição trabalho, apresentando o registro formal da língua e orientando as
do livro A língua de Eulália:
novela sociolinguística foi pessoas a empregarem-no nas situações adequadas, nós também po-
publicada, no final dos demos orientar as pessoas a escolherem as palavras e o jeito de falar
anos 1990, houve uma
grande repercussão, adequados – mas com delicadeza. Isso quer dizer também que nin-
principalmente nos cursos guém pode rir de ninguém quanto ao uso da língua a qual falamos,
de graduação de Letras
e de Comunicação. Pela porque a variação está em todos os grupos de falantes.
primeira vez, uma obra
tratava com transparência Quando a variação já faz parte do nosso cotidiano, possivelmente
das relações preconcei- nem percebemos. Esse é o caso dos usos de infinitivo sem o r final na
tuosas que nutrimos por
séculos, pela maneira de pronúncia: em frases como “você pode me emprestar suas anotações?”,
nos relacionarmos com a pronúncia de emprestar possivelmente acontecerá como “emprestá”
a língua que falamos. Ao
tratar disso em um texto e isso não será visto como um problema, porque esse uso faz parte da
ficcional, em formato de fala de maior prestígio social, como a empregada nas apresentações
novela, Marcos Bagno dá
a leveza convidativa ne- de telejornal.
cessária para a fluidez da
leitura, ao mesmo tempo
Na próxima seção, vamos estudar um pouco melhor alguns pro-
que se ocupa de revelar cessos de variação, justamente porque, como estudamos, eles são
claramente as relações
nutridas pelo preconceito
diversos e frequentes, além de poderem provocar tratamentos discri-
linguístico. minatórios a algumas pessoas.
BAGNO, M. São Paulo: Contexto, 2004.

2.3 Variação linguística


Vídeo Na seção anterior, nosso raciocínio se estabeleceu com base em
como a norma culta é importante, mas também em como ela pode
gerar preconceito e alimentar barreiras sociais para todos quando sua
função é mal interpretada. Logo, se a norma é uma das formas de uti-
lizar a língua, as demais formas existem e são empregadas pelos fa-
lantes de diferentes grupos e em diversos meios. Como estudante de
curso superior, é muito importante conhecer e saber escolher e indicar
as palavras mais adequadas para os diferentes momentos de comuni-
cação. Isso ajuda a melhorar as relações entre as pessoas à sua volta.
Mas, para isso, também é essencial conhecermos um pouco melhor
como as diferentes variações podem se manifestar em nossas conver-
sas ou escritas. Vamos a elas?

As línguas mudam naturalmente com o tempo, por causa de fatores culturais e re-
gionais. Ao conjunto de fenômenos que fazem parte desse processo dá-se a defini-
ção de variação linguística.

38 Leitura e escrita no ensino superior


Os exemplos utilizados e estudados aqui nem sempre serão reco-
nhecidos por nós sem uma explicação, pois podem não fazer parte de
nosso repertório de linguagem. Mas não devemos nos afligir porque
isso não é um problema; é, ao contrário, uma ampliação de entendi-
mento sobre a língua que falamos e seu funcionamento.

Começaremos pela variação visível na língua com o passar do


tempo. Provavelmente, você fala ou escuta que alguma coisa não se
chama mais de um jeito, mas de outro. Se estivéssemos na metade
do século XX, por exemplo, alguém poderia dizer que não se usa mais
a palavra convescote, mas sim piquenique. Só de usar esse exemplo, já
podemos fazer duas constatações: algumas palavras vão tomando o
lugar de outras com o passar do tempo e as palavras de origem es-
trangeira podem sim ser incorporadas à nossa língua. Afinal de contas,
convescote era a palavra utilizada em português e piquenique é um
aportuguesamento da palavra original francesa pique-nique.

Isso pode acontecer também com as gírias, as quais podem mostrar


uma passagem de tempo, marcando também a faixa etária das pes-
soas. Como gírias são palavras ou expressões empregadas em sentido
figurado para dizer alguma coisa marcante em determinado momento
para um grupo específico de falantes, elas podem, por sua força, ser
incorporadas aos dicionários ou simplesmente desaparecer.

Estudo de caso
Uma expressão que se usava no Brasil, por exemplo, quando havia os orelhões e
se fazia ligação telefônica por fichas, era “um dia a ficha cai” ou “a ficha ainda não
caiu ou a ficha só me caiu agora”. A ação de cair a ficha era uma coisa que de fato
acontecia quando se estava falando ao telefone, pois, após determinado tempo da
ligação, ouvia-se o barulho da ficha, que havia sido depositada no aparelho, cair den-
tro dele. Com o tempo, ela se tornou uma expressão e passou a significar entender
alguma coisa ou ligar um ponto a outro e estabelecer um raciocínio. Com o desuso
dos orelhões, o ponto de partida ou referência dessa expressão ficou mais apagado
do uso popular, porque os mais jovens não estabelecem mais a conexão com o
objeto real que lhe deu origem. Mas, ainda assim, a frase pode aparecer inclusive na
fala de quem nem conhece um orelhão.

Mas será que isso acontece só com as gírias ou com palavras estran-
geiras que tomam o lugar de outras? Não. Na verdade, o processo de
transformação do uso das palavras de uma língua é constante. Vamos
analisar um registro feito por Carlos Drummond de Andrade, escritor
modernista que se ocupou de muitas explicações sobre como a língua
era usada no Brasil do início do século XX. Este excerto também foi
utilizado em uma questão de linguagens da prova do Enem de 2012:

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 39


TEXTO I
Antigamente
Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um se esquecia de
arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não
devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na
cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho,
aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua,
nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e
cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo
d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras
é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cau-
tela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de
topete, depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos
limpos, ele abria o arco.
ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983 (fragmento).

O Texto II pertence à mesma questão, acompanhe:

TEXTO II
Palavras do arco da velha

Expressão Significado
Cair nos braços de Morfeu Dormir
Debicar Zombar, ridicularizar
Tunda Surra
Mangar Escarnecer, caçoar
Tugir Murmurar
Liró Bem-vestido
Copo d’água Lanche oferecido pelos amigos
Convescote Piquenique
Bilontra Velhaco
Treteiro de topete Tratante atrevido
Abrir o arco Fugir

FIORIN, J. L. As línguas mudam. In: Revista Língua Portuguesa, n. 24, out.


2007 (adaptado).
Fonte: Brasil, 2012.

40 Leitura e escrita no ensino superior


Ao ler os dois textos e a combinação que estabelecem, é possível
identificar palavras e expressões equivalentes. Em um primeiro mo-
mento, lendo apenas o texto de Drummond (Texto I), nos damos conta
de que não conseguimos compreendê-lo devido ao número expressivo
de palavras que não conhecemos. Depois, quando vemos o quadro
(Texto II), somos informados de que se trata de um registro, feito por
Drummond, acerca da variação temporal de nossa língua.

A principal constatação a que chegamos, com base nessa leitura, é


de que o léxico do português, ou seja, o conjunto de palavras que te-
mos na nossa língua, tem como características: ser variável (mudar de
acordo com as circunstâncias de tempo, espaço e lugar) e diversificado
(oferecer muitas formas para se dizer a mesma coisa).

Mas aí você também pode se perguntar: a variação percebida nes-


se combinado entre os dois textos gera preconceito, conforme vimos
anteriormente? É importante perceber que os exemplos de variação
geradores de preconceito estão associados, em geral, à pouca es-
colaridade, ou à localização social e regional do falante. Usos assim,
como os que vimos no texto de Drummond, podem no máximo causar
dificuldade de entendimento entre gerações de falantes diferentes.

Agora que vimos alguns exemplos e maneiras de entender a variação


temporal em uma língua, vamos observar outro fenômeno que tem a ver
com a variação que considera o lugar e a relação do indivíduo com a es-
colaridade. Não se esqueça de que indicamos, ao longo da abordagem,
variação regional e social como elementos distintos, mas é bem impor-
tante que você repare, no texto a seguir, que essa junção entre o espaço
e o recorte social tornam a leitura da situação muito mais voltada a uma
abordagem poética, que convida o leitor a ver a afetividade que a plastici-
dade da linguagem pode acarretar. Veja o exemplo a seguir, que também
é um excerto utilizado em uma questão de linguagens do Enem de 2012:

Cabeludinho
Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele
foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição
deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está
fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas
todo mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação
um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de
amor. E pode ser instrumento de rir.
(Continua)

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 41


De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu
não disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa
quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas.
Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar.
Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas infor-
mam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai, morena, não me escreve
/ que eu não sei aler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão
do vaqueiro.
BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
Fonte: Brasil, 2012.

O texto nos traz uma reflexão profunda sobre como as relações e


a vida do indivíduo podem ser afetadas quando não há familiaridade
com as amplas possibilidades de realização de uma língua. Por exem-
plo, quando o narrador revela que percebia uma solidão ampliada nas
palavras do vaqueiro, naquele uso de a antes do verbo ler. A solidão
inicial existia porque o vaqueiro estava longe (ao que se entende no
texto) da “morena”, figura feminina que era destino de sua atenção e
de seu sentimento. Em seguida, ao dizer que não sabia ler dizendo aler,
é possível perceber o abismo que se cria entre ele e a figura feminina:
ela escreve e ele não tem alfabetização para ler as palavras dela; na
oralidade, ele não sabe reproduzir o verbo ler, o que o distancia ainda
mais dessa compreensão. É uma imagem singela, simbólica e triste de
como a falta de escolarização pode afastar as pessoas.

Já ao mostrar as palavras da avó, o narrador revela o bom humor


de quem percebe a diferença etária na produção de sentido atribuído
às palavras, fazendo uma analogia sobre como se ele tivesse voltado
“fantasiado” de alguma coisa por revelar-se ateu no retorno à casa da
avó. Isso mostra a força cultural que as palavras têm, inclusive a falta
de familiaridade que uma avó – guardados todos os estereótipos que
temos delas – do interior tem com a palavra ateu.

Ao dar luz à forma verbal disilimina, o narrador mostra a flexibili-


dade do idioma e a astúcia inventiva do falante. Vamos à explicação:
o verbo eliminar já significa tirar, excluir, deixar de fora (pelo que se lê
no texto, era isso que o companheiro de time queria de Cabeludinho,
queria que ele tirasse o oponente da jogada). No entanto, em portu-
guês, temos um processo muito frequente para mostrar a eliminação

42 Leitura e escrita no ensino superior


ou retirada de alguma coisa: a inserção do prefixo des-, por exem-
plo, deselegante, desmedido, descuidar, desinfetar etc. Logo, para
de fato eliminar da jogada, o autor da frase põe o prefixo antes do
verbo, como se eliminar já não tivesse essa carga semântica. Além
disso, o narrador aproveita para, inclusive, manter a pronúncia, que
não foi deselimina, mas disilimina.

Esse exemplo serve para consolidar a nossa percepção de que as


transgressões feitas pelos falantes em relação à norma não são alea-
tórias. Elas sempre encontram algum tipo de legitimidade, senão não
conseguiriam encontrar espaço para acontecer.
Livro
Já recorremos aqui ao exemplo de como o r de final de verbos no infi-
nitivo é apagado na fala, inclusive na comunicação de pessoas com maior
escolaridade. Esse tipo de situação já é compreendido como uma marca
da fala contemporânea do português brasileiro e podemos dizer que é um
distanciamento controlado ou licenciado da norma.

Observando o falar de alguns habitantes de algumas regiões do


Brasil, ainda no início do século XX, Oswald de Andrade, escritor mo-
dernista, transformou em poesia algumas informações importantes so-
bre essa fala. Ele observou que, para dizer milho, os falantes de certos
lugares diziam mio e, para dizer melhor, diziam mió. Por que O livro das
ignorãças é um excelente
Pois bem, e o que isso tem a ver com o apagamento do r final de ver- exemplo quando se trata
bos no infinitivo? Nossa reflexão aqui precisa ser conduzida no sentido de elaborar reflexões
sobre variação linguística
de entender que algumas variações, por serem realizadas em ambien- como formação da
tes de maior prestígio, não causam estranhamento, enquanto outras, identidade individual
e coletiva? Porque,
como a observada por Oswald, geram a identificação de um grupo além de trazer muitas
habitante ou originário de um espaço específico, além da percepção de características das
variações encontradas
que essa realização de fala não encontra espaço nos falares urbanos de no português falado
maior prestígio, por exemplo. no Brasil, o autor faz
isso com afeto pelas
Mas cuidado com o caminho que nosso raciocínio pode fazer: lembranças da infância
e das relações com as
não estamos aqui afirmando, como já vimos nas palavras do profes- pessoas mais próximas
sor Possenti, que a escola deve aceitar tudo ou que essa realização a ele. O gênero em que
ele escreve (poesia)
de fala deve entrar para as descrições daquilo que é considerado também ajuda a reforçar
padrão. Nossa reflexão segue no sentido de perceber as conclu- o emprego figurado de
muitas palavras. Vale a
sões a que se pode chegar sobre como uma realização ou outra são pena a leitura!
marcas de identidade dos falantes de uma língua. Nossa intenção, BARROS, M. de. Rio de Janeiro:
portanto, não é esgotar o tema nem fechar a discussão, mas gerar Alfaguara, 2016.

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 43


pontos de referência para que estudantes, que já passaram pela
educação básica e estão no ensino superior, possam compreender
um pouco mais sobre como nossa formação cultural está intima-
mente relacionada com a língua a qual falamos.

Atividade 3
Formule um quadro de acordo com o modelo a seguir, depois a preencha conforme a indicação da primeira
coluna.

Tipo de variação Exemplo 1 Exemplo 2


Temporal
Espacial
Social

CONSIDERAÇÕES FINAIS
E o que mais se pode afirmar a respeito de registros de língua, norma
culta, preconceito linguístico e variações? Depois de estudar esses tópi-
cos, como fizemos aqui ao longo deste capítulo, o importante é saber que
esses processos existem e são todos fenômenos que marcam a língua em
suas realizações (escrita e falada). Deve haver, sempre da parte de quem
conhece mais a língua, muito respeito e cuidado ao intervir na fala ou na
escrita de alguém para apontar inadequações. Além disso, a língua é dinâ-
mica, varia no tempo, no espaço e no lugar de onde falam as pessoas. Isso
enriquece nossa formação cultural e nossas estratégias de comunicação,
as quais devem ser sempre bem cuidadas. É preciso lembrar que a varia-
ção e a mudança não indicam deterioração, mas sim transformação que
requer adequação para os devidos usos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua
portuguesa. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Enem 2012. Brasília: INEP/MEC. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_
basica/enem/provas/2012/caderno_enem2012_dom_amarelo.pdf. Acesso em: 6 out. 2020.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira. Enem 2014. Brasília: INEP/MEC. Disponível em: http://download.inep.
gov.br/educacao_basica/enem/provas/2014/CAD_ENEM_2014_DIA_2_05_AMARELO.pdf.
Acesso em: 6 out. 2020.
O MUSEU. Museu da Língua Portuguesa. 2020. Disponível em: http://museudalinguaportuguesa.
org.br/o-museu/. Acesso em: 6 out. 2020.

44 Leitura e escrita no ensino superior


RODRIGUES. S. No país do outrossim. Folha de São Paulo. 22 ago. 2019. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-rodrigues/2019/08/no-pais-do-outrossim.
shtml. Acesso em: 26 maio 2020.
SENTADO à Beira do Caminho. Compositores: Erasmo Carlos e Roberto Carlos. Intérprete:
Erasmo Carlos. São Paulo: RGE, 1968. 1 LP (4 min.). Letra da música disponível em: https://
genius.com/Erasmo-carlos-sentado-a-beira-do-caminho-lyrics. Acesso em: 6 out. 2020.
TIRO ao Álvaro. Compositores: Osvaldo Molles e Adoniran Barbosa. Intérprete: Elis Regina
Brasil: Odeon, 1980. 1 CD (2 min.). Letra da música disponível em: https://genius.com/Elis-
regina-tiro-ao-alvaro-lyrics. Acesso em: 6 out. 2020.

GABARITO
1. A reflexão sobre a língua ser objeto de museu se dá no sentido de entender que ela é
patrimônio imaterial, formadora da identidade cultural de um povo. É importante sa-
lientar que isso não significa que ela deva ser preservada no sentido de ser inalterada,
mas deve ter suas diferentes realizações registradas e conservadas.

2. São situações em que os falantes utilizam registros desprestigiados socialmente, na


pronúncia ou na escolha de vocabulário. É importante destacar que, como vimos,
nem toda variação gera preconceito, principalmente quando consideramos o fato
de algumas escolhas serem licenciadas socialmente e empregadas em situações de
comunicação de maior prestígio. Então, uma constatação importante a se fazer é: o
preconceito está associado a questões sociais e de escolarização.

3. É importante destacar que podem ser aceitos aqui muitos exemplos, os quais estão
neste capítulo ou não. A resposta a seguir é apenas ilustrativa:

Tipo de variação Exemplo 1 Exemplo 2


Convescote – piquenique
(variação temporal com incor-
Temporal Vossa mercê (que originou você)
poração de palavra que era
originalmente estrangeirismo)
Careca, jacó, cacetinho e pão
Espacial Macaxeira, aipim e mandioca
francês
Social Trabaiá, em lugar de trabalhar Galfo, em lugar de garfo

Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 45


3
Estratégias para elaboração
de textos
Será que, depois de concluir o ensino médio, ainda temos de
aprender a escrever textos? Quais serão as possibilidades de co-
municar o que desejamos na escrita, mantendo a clareza e o estilo?
E quais são os gêneros textuais mais utilizados no ensino superior?
Pois é, quem lê o nome deste capítulo e pensa em alguns for-
matos, estruturas ou descrições que podem servir de modelo para
diferentes elaborações de texto não deixa de ter razão. Mas quem
pensa que seguir uma estrutura e colocar nela suas marcas de
autoria é uma estratégia inteligente também está certo. E quem
ainda está na dúvida sobre as perguntas feitas inicialmente tam-
bém tem razão de estar. Mas alertamos que são apenas perguntas
motivadoras e retóricas, porque todos nós temos de saber elabo-
rar textos (orais ou escritos, mais simples ou mais complexos), e
sim, existem muitas maneiras de comunicar a mesma informação,
desde o jeito mais brando, como “Nossa, como está calor nesta
sala!”, até o mais incisivo, como “Por que ninguém ligou o ar condi-
cionado ainda, posso saber?” O importante é encontrar a maneira
mais adequada de comunicar o que se quer.
Neste capítulo, queremos convidar você a conhecer, relembrar
e utilizar diferentes estratégias que permitam ampliar suas possibi-
lidades de se comunicar oralmente ou por escrito, principalmente
no universo acadêmico e do trabalho. Para chegar a esse objetivo,
não vamos começar pelas triviais definições do que é um texto,
mas pelas convergências necessárias para sua elaboração em de-
terminados contextos. Vamos descobrir juntos?

46 Leitura e escrita no ensino superior


3.1 Tipos e gêneros textuais
Vídeo É possível que, em muitos momentos de sua vida escolar até aqui,
você tenha se perguntado “para que serve?” ou “onde/quando vou
usar/precisar?” a respeito de muitos conhecimentos ou informações
que foram apresentados a você. Com a elaboração de textos escritos,
não deve ter sido diferente, e, em muitas situações, você provavelmen-
te não conseguiu conectar a motivação de escrever determinado texto
com sua funcionalidade no mundo.

Não é para menos. Ainda temos de reconhecer que existem muitas


distâncias entre o conhecimento construído e o aprendizado desejado.
Se essa é uma das suas aflições com a elaboração de textos (orais ou
escritos, embora a escrita pareça sempre mais desafiadora), trazemos
uma dica que pode ser alentadora: fazer um passo a passo bem cui-
dadoso de cada texto que for solicitado a você é uma maneira bem
prática e eficaz de resolver muitos dos problemas e conflitos que temos
quando estamos diante da folha em branco. Para que isso seja possí-
vel, vamos começar por um passo a passo que nos permite, inclusive,
transitar bem pelos diferentes tipos de manuais de produção de textos
que encontramos atualmente.

Em geral, os manuais de produção de textos, ou manuais de redação, definem e


orientam a produção de textos que têm características muito parecidas. Eles se ocu-
pam da descrição de tipos e gêneros textuais com base na análise linguística e nos
ambientes pelos quais devem circular esses textos. Além disso, costumam traçar pa-
ralelos entre os tipos e os gêneros, com a finalidade de esclarecer as diferenças e as
possibilidades de utilização de diversos recursos textuais.

Esse caminho que desejamos percorrer precisa passar pelo paralelo


ou pela comparação entre tipos e gêneros textuais. Mas, diferentemen-
te do que podemos encontrar em diversos manuais de escrita (como
aqui nossa finalidade é especialmente lançar mão de estratégias para
melhorar nossa leitura e produção de textos em ambiente acadêmi-
co), vamos aproveitar esse comparativo para exemplificar estruturas e
conteúdos de que você pode se valer em situações distintas. Primeiro,
vamos entender qual é a diferença entre tipos e gêneros textuais.

Estratégias para elaboração de textos 47


Tipos textuais Gêneros textuais

São classificações dadas a São realizações sociais


estruturas linguísticas que dos textos, atendendo
seguem um padrão para a características como
compor os textos e têm linguagem, esfera e suporte
quantidade definida. de circulação e público-alvo.
Não têm número definido.

Agora, observe o quadro a seguir para facilitar seu entendimento do


caminho entre tipos e gêneros textuais.

Quadro 1
Tipos e gêneros textuais

Em que gêneros
Tipo Descrição aparece

Gêneros que contam histórias,


Narrativo

Quando conta como crônica, conto, piada,


uma história. novela, romance, conto de
fadas, fábula.

Quando predominam as Gêneros em que predomine a


Descritivo

características, principalmente caracterização de pessoas, lugares,


representadas por adjetivos, situações etc., como guia de
para uma pessoa, um objeto, viagem, perfil virtual em rede social,
um lugar etc. anúncios em classificados.
o

Gêneros que defendem


Argumentativ

Quando apresenta um ponto de vista, como


justificativas para uma ou dissertação argumentativa,
mais afirmações. discursos orais ou escritos,
crítica, comentário opinativo.

Gêneros em que se expõe


Explicativo

Quando predomina a
expositivo

uma informação e/ou


apresentação de um conteúdo
ou

conhecimento, como aula


construído ao longo do tempo, por
expositiva, seminário,
exemplo, pela ciência em geral.
dicionário, livro didático.

Gêneros que empregam


Injuntivo ou
instrucional

Quando se deseja pedir, verbos no imperativo (faça,


solicitar ou ordenar a alguém misture, observe etc.), como
alguma ação. receitas culinárias, manuais
técnicos, propagandas.

Fonte: Elaborado pela autora.

48 Leitura e escrita no ensino superior


Para passarmos do “acho que estou entendendo” para o “entendi”,
é bem importante exercitar a identificação dos tipos e gêneros em nos-
sas leituras diárias. Sugerimos, por exemplo, que você tente descrever
conscientemente, ao longo de um mês, sua relação com alguns textos a
que esteja exposto. Por exemplo, que tal fazer um quadro como o que
segue, respondendo às perguntas fielmente? Assim, você consegue sa-
ber também se está abastecendo adequadamente seu repertório de
leitura e suas percepções sobre os textos.

Quadro 2
Exemplo de roteiro de leitura

Roteiro para a prática de leitura Semana 1 Semana 2 Semana 3 Semana 4


Leu textos publicados pela impren-
sa? O que predominava neles, infor-
mação ou argumentação?
Seguiu uma receita ou leu um ma-
nual de instruções de algum equipa-
mento? Prestou atenção em alguma
propaganda ou campanha de cons-
cientização? Como era?
Produziu quais textos para as disci-
plinas do seu curso? O que predomi-
nou nesses textos, oralidade ou es-
crita? Informação ou argumentação?
No trabalho ou em outras situações,
o que leu ou produziu? De que eram
compostas essas situações de comu-
nicação, mais descrição, explicação
ou argumentação?

Fonte: Elaborado pela autora.

A ideia é que, na coluna de cada semana, você seja capaz de descre-


ver o que leu ou produziu, conforme a indicação nas linhas. Lembre-se
de que não há resposta certa; trata-se de uma verificação de como se
deu seu contato com tipos e gêneros textuais. Fazer isso nos ajuda a
perceber, na prática, como os gêneros são a combinação dos tipos para
a realização dos processos de comunicação, cada um com sua função
social específica.

Essa visão geral, que você pode entender como uma revisão ou
como um primeiro contato com as diferenças e os usos de tipos e
gêneros textuais no cotidiano, é o embasamento para nosso próxi-
mo aprendizado. Vamos falar de exemplos e estratégias no ambiente
acadêmico?

Estratégias para elaboração de textos 49


3.1.1 Tipos e gêneros no ambiente acadêmico
Até aqui tratamos, de maneira mais geral, das diferenças e semelhan-
ças de textos que encontramos em nosso cotidiano. Mas, neste ponto da
reflexão, precisamos mobilizar nossos conhecimentos em usos especí-
ficos de norma-padrão e no reconhecimento e utilização de diferentes
fatores que promovem variações no idioma, para compreendermos com
mais adequação a discussão sobre tipos e gêneros de texto.

Um dos questionamentos que podem voltar a surgir, como já nos


referimos neste capítulo, é “para que estou estudando isso?”, e nossa
resposta imediata, para não deixar que você perca de vista essa per-
gunta, é: para que você consiga transitar com mais facilidade pelos
mais diversos textos oferecidos no ambiente acadêmico e seja capaz
de produzir textos cada vez melhores, em cada disciplina que requeira
de você diferentes manifestações de linguagem.

Já estabelecemos alguns pontos do nosso passo a passo (identificar


e compreender as características dos tipos e gêneros de texto); agora,
vamos avançar mais um pouco: vamos observar juntos um exemplo
de texto com o qual precisamos nos familiarizar na etapa de estudos
em que estamos. Trata-se de um resumo de artigo acadêmico. Procure
não se afligir caso não entenda todas as características desse gênero de
imediato. Lembre-se de que, assim como outros processos de apren-
dizagem, nosso contato com os diferentes tipos e gêneros de texto vai
acontecendo e se tornando mais familiar à medida que exercitamos esse
trabalho mais vezes. Além disso, sinta-se sempre convidado a exercitar
a curiosidade e a ler de novo o mesmo texto, abrindo diferentes campos
de interpretação.

Vamos ler o texto e a seguir responder com cuidado às questões que


conduzem a compreensão do que está apresentado no resumo.

Resumo
Introdução – Destaca a influência da internet no processo da comunicação cien-
tífica de pesquisadores da área de saúde pública do Brasil. Objetivo – Conhecer a
influência da internet nas atividades acadêmico-científicas dos docentes da área de
saúde pública e as alterações provocadas pela inserção das novas tecnologias da
informação no processo da comunicação científica. Métodos – A população foi
constituída por 372 pesquisadores vinculados aos Programas de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva das Instituições de Ensino Superior

(Continua)
50 Leitura e escrita no ensino superior
no Brasil, nos níveis Mestrado e Doutorado, cadastradas no sistema CAPES (Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), no ano de 2001. Para a obtenção
dos dados, optou-se pelo uso de questionário via internet. Para os que não responderam
o instrumento eletrônico, foram enviados questionários impressos. Resultados – A
taxa de retorno dos questionários eletrônicos e impressos foi de 64,8%. O uso da inter-
net foi apontado por 95,0% dessa comunidade, sendo o correio eletrônico (92,1%) e a
web (55,9%) os recursos mais utilizados, diariamente. A influência mais marcante da
internet foi na comunicação informal entre os docentes, principalmente para o desen-
volvimento de pesquisas, propiciando maior colaboração com colegas de instituições
brasileiras e de outros países. Quanto à divulgação de resultados de pesquisa, ainda há
predominância dos formatos impressos, sendo principalmente, em artigos de periódicos
de circulação nacional. Os docentes que declararam não utilizar a internet destacaram
a falta de tempo e a facilidade de conseguirem de seus colegas o que precisam. Con-
clusões – Os dados mostram que a internet influenciou no trabalho dos acadêmicos e
vem afetando o ciclo da comunicação científica, principalmente na rapidez com que a
informação pode ser recuperada, porém com forte tendência em eleger a comunicação
entre os pesquisadores como a etapa que mais passou por mudanças desde o advento
da internet no mundo acadêmico brasileiro.
Descritores: Programas de Pós-Graduação; Pesquisadores; Tecnologia da Informação;
Internet; Saúde Pública.
Fonte: FSP-USP, 2020, grifos do original.

Reflita sobre:
•• Que tipo de linguagem foi empregada no texto (formal/informal;
denotativa/conotativa)?
•• Qual é o tipo textual predominante no gênero apresentado como
exemplo?
•• Quais são as principais características que nos fazem identificar
esse texto como um resumo de artigo acadêmico?
1
É importante que você só siga a leitura após tirar suas próprias
Aqui você já percebe um
constatações sobre o resumo, porque vamos tecer considerações aqui
emprego muito importante do
– você pode complementá-las com seu raciocínio. que estudamos e revisamos
a respeito da adequação das
Trata-se de um texto acadêmico, assim, o que se espera e o que se diferentes variações da língua,
vê no texto em relação à linguagem é a formalidade no vocabulário considerando que a norma culta
e na estruturação sintática e o emprego denotativo das palavras, ou é a variação de maior prestígio e
deve ser empregada em textos
seja, não há linguagem figurada ou brincadeiras com o sentido do vo- como o que acabamos de ler.
1
cabulário .

Estratégias para elaboração de textos 51


A segunda questão nos coloca diante do que procuramos desen-
volver e exemplificar anteriormente no capítulo: a relação entre tipos
e gêneros textuais. Note que, como temos um resumo de texto acadê-
mico, o principal objetivo é informar, por meio da descrição das etapas,
a respeito do tema e do caminho percorrido pelo autor do artigo. Nesse
sentido, temos dois tipos textuais bem evidentes na composição desse
gênero: a descrição e a exposição.

Para além dessas características, que podem se fazer presentes em


outros textos, a terceira questão nos leva a procurar outras evidências
mais determinantes de que o texto atende aos pré-requisitos do resu-
mo. Na verdade, a característica que buscamos está destacada no texto
Atividade 1 e pode ser indicada pelo fato de haver introdução, objetivos, métodos,
resultados e conclusões, o que não deixa dúvida sobre o gênero de que
Explique, com suas palavras,
como um gênero de texto estamos tratando. É importante destacar aqui que essas partes indica-
acadêmico emprega diferentes das no resumo devem aparecer de maneira bem sucinta, pois elas vêm
tipos textuais para realizar seus
objetivos de comunicação.
detalhadas em geral no corpo do artigo. É como se o resumo fizesse a
função de sumário para o detalhamento dessas partes no texto maior.

Antes que você pergunte como é possível reconhecer um resumo


sem ter visto outros antes, já formulamos a resposta: o reconhecimen-
to imediato de um resumo de texto acadêmico, ou de qualquer outro
gênero, só é possível a partir do momento em que nos familiarizamos
com a leitura e produção desse texto em diferentes circunstâncias.

Familiarizar-se com os gêneros de texto é um dos percursos ou es-


tratégias possíveis para identificação da convergência entre tipos e gê-
Site neros que consolidam um texto, que tem função social, público-alvo e
Alguns sites de uni- esfera de circulação definidos.
versidades, como o da
Universidade de São Mas podemos pensar ainda em passos anteriores à elaboração do
Paulo (USP), oferecem texto, que estão no princípio de sua construção, antes mesmo da primei-
orientações e modelos
para a produção de tex- ra versão. Como podemos enxergá-los e realizá-los? Para a elaboração
tos acadêmicos com as de todo e qualquer texto, precisamos, antes de tudo, escolher tópicos e
mais diversas finalidades.
Vale a pena conferir! desenvolvê-los aos poucos, de modo a obedecer a determinadas carac-
Disponível em: http://www. terísticas, que resultarão na versão final do texto. Para compreender
biblioteca.fsp.usp.br. Acesso em: 24 um pouco melhor essas estratégias desde o começo, convidamos você
nov. 2020.
a estudar os fatores de textualidade, explicados a seguir.

52 Leitura e escrita no ensino superior


3.2 Fatores de textualidade
Vídeo “Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam
com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano,
molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois
enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na
pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para
secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar,
brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.” Graciliano Ramos (1948), em uma entrevista para
um jornal (apud SILVEIRA, 1998)

Livro Não são poucos os autores (ainda bem) que já se ocu-


param de explorar as características globais e específicas
Há mais de 30 anos, Luiz
Antonio de Assis Brasil envolvidas na elaboração de textos. Isso quer dizer que po-
criou o que é hoje a mais
demos escolher, para nossa orientação, aqueles que con-
antiga oficina de criação
literária em ambiente siderarmos mais didáticos ou que conduzem análises e
acadêmico. Essa proposta
detalhamentos para os textos com que desejamos ter con-
originou diversos cursos
acadêmicos, além da obra tato em dado momento.
Escrever ficção: um manual
de criação literária, que Em muitos manuais de escrita, encontramos textos li-
indicamos como leitura
terários como referência para o bom uso da língua, mas é
por fazer uma descrição
muito original de como importante destacar e guardar a seguinte informação: as-
as pessoas em geral têm,
sim como qualquer outra escolha de vocabulário ou orga-
ao mesmo tempo, muito
medo e muita curio- nização, o texto literário também é um recorte carregado
sidade em relação ao
de valores e informações culturais, sociais e subjetivas do
universo da escrita. Antes
que você diga que sua indivíduo. E o que isso quer dizer? Quer dizer que escrever
prioridade não é escrever
um bom texto, que comunique exatamente aquilo que se
ficção, destacamos que
as referências para ajudar pretende, é uma tarefa trabalhosa inclusive para quem vive
os estudantes a desen-
de escrever, como os autores literários.
volver textos ficcionais
são muito produtivas Esse aspecto é bem ilustrado pela analogia feita por
para qualquer tipo de
texto. São intertextos que Graciliano Ramos, na epígrafe escolhida para esta seção: ao
podem não só promover comparar as diferentes, repetidas e contínuas ações feitas pe-
um raciocínio diferente
sobre os mesmos temas, las lavadeiras de Alagoas ao processo de criação e elaboração
mas também uma am- de escrita, o autor oferece ao leitor um pouco da concretude
pliação sobre as interpre-
tações da realidade. do que é a experiência de escrever e reescrever um texto até
BRASIL, L. A. A. São Paulo: encontrar o melhor jeito de dizer alguma coisa.
Companhia das Letras, 2019.
Além disso, o texto que parece enfeitado não necessaria-
mente é o que melhor comunica; ao contrário: na maioria das
vezes, empregar palavras difíceis ou de pouco uso no português brasi-

Estratégias para elaboração de textos 53


leiro contemporâneo piora as possibilidades de comunicação. É o que
podemos depreender da constatação feita por Graciliano Ramos: pa-
lavra não é feita para enfeitar, mas para dizer. Se compreendermos
a força dessa afirmação e nos lembrarmos dela quando precisarmos
escrever, uma boa parte das possíveis barreiras que impedem a comu-
nicação produtiva já terá sido vencida.

Realizamos essa reflexão com você antes de trabalhar com o que


chamamos de fatores de textualidade, porque, para além
das simples definições desses fatores, não po-
demos perder de vista aquela pergunta que
Informatividade
pode nos assombrar quando não faze-
mos o caminho didático adequado:
“Para que serve ou quando/como vou
utilizar isso?”
Intertextualidade Situacionalidade Propomos, assim, mais uma
analogia, muito comum e produ-
Fatores da
textualidade tiva para quem se põe a escrever:
a colcha de Penélope. No Ociden-
te costumamos estabelecer como
início de nossos registros literários
dois poemas épicos: Ilíada e Odis-
Aceitabilidade Intencionalidade seia, ambos criados pelo autor grego
Homero. O primeiro conta o período fi-
nal da lendária guerra de Troia, exaltando
os feitos de seus principais personagens, Aqui-
les e Heitor. Já o segundo relata o retorno de Odisseu
(também chamado de Ulisses entre os latinos) à ilha de Ítaca, sua
casa, onde é esperado pela esposa Penélope.

Ao longo de dez anos, Penélope esperou pelo retorno do esposo,


mas como se tratava de uma mulher muito bonita e de posses, sempre
havia muitos pretendentes, e ela se sentia cada vez mais pressionada a
se decidir por algum dos cortejadores. Para manter a diplomacia e, ao
mesmo tempo, seguir firme em seu propósito de esperar por Odisseu,
Penélope começou a tecer uma colcha e informou a todos que, assim
que terminasse o artefato, escolheria o pretendente. O que Penélope
não disse é que todas as noites desmanchava quase tudo o que havia
tecido ao longo do dia, até que, ao final de dez anos, Odisseu retornou
como um estranho, para ver como a esposa o receberia caso fosse um

54 Leitura e escrita no ensino superior


novo pretendente. O plano não funcionou integralmente porque a cria-
da que lavou seus pés reconheceu uma cicatriz que ele tinha desde
antes de viajar (HOMERO, 2011).

Mas o que o relato dessa história tem a ver com fatores de textua- Livro
lidade e com nossa proposta de nos familiarizarmos mais com textos
acadêmicos? Saber encadear histórias, tal como Penélope encadeava
retalhos, é uma habilidade importantíssima e básica para entender que
as informações têm lugar específico em cada texto. Além disso, a ação
de Penélope pode ser facilmente comparada ao processo trabalhoso
de quem escreve: não são poucas as vezes em que escrevemos de dia
e apagamos à noite, em que não ficamos satisfeitos com o resultado ou
não temos certeza do caminho a ser trilhado pela escrita.
Leitura e produção de tex-
E este texto que você está lendo agora também é fruto desse pro- tos na universidade trata-
cesso da colcha de Penélope? Com certeza! Escolher as melhores pala- -se de uma obra bastante
didática que aborda, com
vras e os jeitos mais eficazes de comunicar não é uma tarefa fácil, e é outros exemplos, vários
preciso sempre pensar no público-alvo com respeito e benevolência, gêneros textuais exigidos
no ambiente acadêmico.
sem, contudo, deixar de obedecer aos propósitos discursivos do texto É sempre muito interes-
e às intenções ou informações necessárias. sante diversificar as vozes
pelas quais nos chegam
Considerando essas motivações, destacamos que os fatores que as análises sobre o que
estudamos. Com relação
vamos descrever, detalhar e exemplificar a seguir devem fazer parte
à produção de textos,
de todas as construções e análises de texto, em qualquer nível de es- isso permite que o leitor/
estudante chegue a suas
colarização. Mas aqui, para aproveitarmos bem nosso ponto de partida
próprias constatações
e nossos objetivos, vamos relacioná-los a exemplos e situações do uni- com base na ideia do que
seja se tornar um leitor
verso acadêmico.
competente.

COSTA, D.; SALCES C. D. Campinas:


3.2.1 Informatividade Alínea, 2013.

Vamos supor, para abordar esse assunto, que um texto comece do


seguinte modo: “O presente artigo tem como objetivo maior, mostrar
os impactos causados pelas novas tecnologias e pelas mudanças cau-
sadas na sociedade devido às redes sociais” (BARROS; CARMO; SILVA,
2012, p. 2).

Nesse trecho, temos um exemplo clássico de tentativa de uso da


pontuação para segmentar o período, mas é um uso de vírgula que não
se aplica, considerando a ordem das informações. Contudo, é preciso
destacar que o uso inadequado da vírgula não impede que o texto te-
nha a informatividade necessária e adequada ao que pretende: indicar

Estratégias para elaboração de textos 55


2 qual é o objetivo principal do artigo, a saber: “mostrar os impactos cau-
Destacamos que o encadeamen- sados pelas novas tecnologias e pelas mudanças causadas na socieda-
to adequado para apresentar o de devido às redes sociais” (BARROS; CARMO; SILVA, 2012, p. 2) .
2

objetivo de um texto é sempre


feito por um verbo, de preferên- É importante que você perceba que a informatividade está estrei-
cia na forma de infinitivo, como tamente ligada ao conteúdo do texto, e, para medir a quantidade e a
é o caso de mostrar.
qualidade das informações, podemos fazer algumas perguntas, como:
•• O tema indicado para a elaboração do texto foi mantido ao longo
da abordagem?
•• As informações estão relacionadas adequadamente ao tema?
•• Existe uma cronologia (ordem das informações) adequada ao
que é esperado/proposto?
•• Ao finalizar a leitura, na condição de interlocutor da mensagem,
consigo me sentir informado/contemplado em relação à aborda-
gem proposta?

Essas são questões que podem nortear a medição do grau de infor-


matividade de um texto, seja ele curto ou longo, com maior ou menor
grau de cientificidade, com a finalidade de informar ou convencer.

Para oferecer mais um exemplo de como a informatividade está re-


lacionada à possibilidade de apresentar bem um conteúdo, vamos ima-
ginar juntos uma situação: é possível que você se pergunte como pode,
por exemplo, um professor de determinada área do conhecimento se
sentir mais informado ao ler o texto de um aluno sobre um tema da
área. Aí o raciocínio a ser feito, em termos de quantidade e qualidade,
não é de que o professor busque informação no texto do aluno ao rea-
lizar a leitura, mas de que consiga perceber como o aluno é capaz de
mostrar que dispõe das informações adequadas em sua elaboração
das ideias e sabe organizá-las de modo a divulgar para o público-alvo
específico o que foi proposto.

Esse é apenas um dos tantos exemplos de raciocínios possíveis com


base nas noções de informatividade, que podem ser identificadas em
um texto e também embasar sua construção. O caminho para identi-
ficar a informatividade de um texto, ou como e quanto ele dispõe de
conteúdo sobre o tema de que trata, pode ser feito quando analisamos
outros exemplos, como a escrita de textos acadêmicos.

56 Leitura e escrita no ensino superior


Essa identificação pode ser feita também no exemplo a seguir, con-
siderando que nossa proposição aqui é utilizar a leitura e a produção de
textos acadêmicos como exemplos para os conceitos apresentados – os
quais direcionam a produção de textos, melhorando nossos processos
de comunicação. Assim, sugerimos as seguintes etapas para melhor en-
tendimento do ciclo de produção de um texto que pode ser publicado:
É o questionamento inicial, com a informatividade necessária, que permite
começar a discussão. É preciso escolher um problema ou uma situação
a ser discutida. Para utilizar como exemplo o texto caracterizado como
Criar/conceber objetivo de pesquisa que citamos no início desta seção, podemos elaborar
o problema assim: existem impactos causados pelas novas tecnologias e
pelas mudanças causadas na sociedade devido às redes sociais?

Depois da identificação do problema, deve-se organizar uma


sequência cronológica e metodológica amparada nas teorias e
experiências anteriores adequadas, a fim de construir algo novo Elaborar um
com base no que já existe, ainda que seja um relato de aplicação e projeto
entendimento do que já existe.

É preciso colocar a proposição em teste de acordo com a metodologia


indicada e escolhida, a fim de levantar os dados a respeito do problema.
Colocar em teste Deve-se conhecer as diferentes metodologias e ter em mente a mais
adequada ao propósito específico.

Colhidos os dados com base na metodologia adequada, é hora de


“separar o joio do trigo”: ver o que os dados têm de importante
para serem transformados em informação. É preciso entender
que os dados contam uma história a respeito do tema, por isso
insistimos em descobrir o que a Literatura tem a nos oferecer como Fazer
analogia em relação aos aprendizados, a nossas ações e à nossa análise
vida. Nunca se esqueça de que fazer análise de dados é mostrar
como um número pode ser lido em contexto e os desdobramentos
que ele pode gerar.

Identifica-se a responsabilidade que toda pesquisa tem em relação ao


meio social em que é realizada e as transformações que pode gerar.
Gerar cooperação e Considerando nosso exemplo, seria possível mudar para melhor o
colaboração comportamento das pessoas em relação ao uso das tecnologias e redes
sociais?

(Continua)

Estratégias para elaboração de textos 57


Os cuidados de textualização para trazer a público todo o ciclo
envolvido em uma pesquisa são fundamentais. Utilizar a linguagem
adequada, as estruturas textuais mais expressivas e saber informar a Tornar público o
respeito do tema são ações primordiais, não importando o meio de texto final
circulação.

Existem diversos meios na atualidade de fazermos chegar a mensagem que


produzimos, com todas as suas características e sua contingência, ao público-
Divulgar -alvo. Não basta tornar um texto público, é preciso saber informar a quem
para o público de fato interessa. Para manter o diálogo com nosso exemplo, se desejamos
interessado indicar como mudar comportamentos nas redes sociais, talvez estas sejam o
melhor meio de divulgação, porque atingem o público que de fato as utiliza.

Com essas etapas descritas, aproveitamos para explorar a informa-


tividade de um texto com base na organização da sequência de itens
exigida pela metodologia científica requerida para a realização do ciclo
completo de uma pesquisa. Além da informatividade, há outros fatores
bastante importantes a serem obedecidos na concepção adequada de
um texto em diferentes e possíveis contextos. Vamos tratar de um de-
les, a situacionalidade, a seguir.

3.2.2 Situacionalidade
Entre as características a que um conjunto de palavras deve obede-
cer para ser identificado como um texto, está a situacionalidade. Tra-
ta-se de uma condição básica para que se torne possível o processo de
comunicação. Observe e analise a efetivação do processo que estamos
fazendo aqui, no curso do aprendizado que continuamos construindo:
trata-se de uma atividade social que não acontece sem propósito, mas
faz parte de um processo sociocultural.

A situacionalidade pode ser identificada como o contexto em que


a comunicação de determinada informação acontece. Em nosso caso,
o contexto ou situação sociocultural é o momento de aprendizado, cujo
suporte é o livro. Isso nos leva a constatar que, todos os dias, realiza-
mos inúmeras ações de linguagem, que levam em conta o contexto e
têm diferentes objetivos, como informar, resumir, explicar, defender,
pedir, oferecer e brincar.

Para mantermos nosso diálogo com os exemplos de texto, vamos


fazer referência a um trecho do resumo que citamos na Seção 3.1:

58 Leitura e escrita no ensino superior


“Objetivo – Conhecer a influência da internet nas atividades acadêmi-
co-científicas dos docentes da área de saúde pública e as alterações pro-
vocadas pela inserção das novas tecnologias da informação no processo
da comunicação científica” (FSP-USP, 2020, grifo do original). Como ilus-
tração para a situacionalidade, trazemos apenas o objetivo, mas pode-
ríamos citar qualquer outro item que compõe o resumo. O contexto
em que a discussão da temática se dá é o ambiente acadêmico, em que Curiosidade
estão envolvidos docentes da área de saúde pública. Além disso, são A história de como surgiu a
abordadas quais são as relações estabelecidas pelos docentes com as palavra meme é curiosa, pois
quem inventou esse conceito
novas tecnologias de informação para a comunicação científica. (Richard Dawkins) o fez na
área de ciências biológicas, e a
Se esse exemplo nos parece complexo, podemos observar algo bem
princípio essa ideia nada tinha
mais trivial, como uma mensagem de texto enviada pelo celular, em a ver com a cultura digital. Em
que alguém deseja pedir ou informar alguma coisa a alguém ou, ainda, sua publicação O gene egoísta
(1976), Dawkins utiliza a ideia
fazer rir pelo envio dos inúmeros memes que fazem parte desse tipo de mímesis (imitação, em
de comunicação. Nesse caso, que é absolutamente informal, também grego), mas por uma espécie de
temos uma situacionalidade, em que ocorre o emprego da linguagem licença poética, que ele mesmo
relata no texto, sugere utilizar
com uma finalidade específica. meme para indicar imitação
e por parecer com a palavra
Para continuarmos nosso entendimento dos fatores que devem
gene. Na contemporaneidade,
aparecer em nossos processos de comunicação, vamos tratar de mais porém, a palavra meme ganhou
dois deles, os quais são uma via de mão dupla na relação entre os in- contornos de imitação divertida
e viral no mundo virtual.
terlocutores de uma mensagem: a intencionalidade e a aceitabilidade.

3.2.3 Intencionalidade e aceitabilidade


Quando lemos intencionalidade, em geral a primeira interpretação
que fazemos é de que o tópico poderá tratar de quais foram, ou são,
as intenções de quem elaborou um texto. Na verdade, precisamos reo-
rientar nosso olhar para a verdadeira característica que esse conceito
confere ao texto: entendemos por intencionalidade que a pessoa que
produz ou emite uma mensagem teve apenas, e tão somente, intenção
de comunicar algo coerente.

De outro lado, ao tratar do fator da aceitabilidade, entende-se que o


receptor (ouvinte ou leitor) do texto também tenha apenas, e tão somen-
te, a intenção simultânea de empregar todo o esforço necessário para
atribuir os sentidos e processar as intenções de quem elaborou o texto.

Nota-se que essas duas características só podem se completar e se


equilibrar quando os interlocutores envolvidos no processo de comuni-
cação atendem a uma ou outra das condições a seguir:

Estratégias para elaboração de textos 59


1. Ambos têm repertório sociocultural semelhante e compartilham das
mesmas informações a respeito de determinado assunto ou tema.
2. Aquele (emissor ou receptor) que não dispõe do mesmo repertório
sociocultural para produzir ou interpretar a mensagem se esforça
por alcançá-lo.

Essas características precisam caminhar juntas para que a leitura e


a produção de textos atinjam o patamar de comunicação ideal, inclusi-
ve no ambiente acadêmico e nas relações de trabalho. Para que isso se
consolide, um ponto que nunca podemos perder de vista é o enrique-
cimento de nosso repertório sociocultural por meio do aprendizado de
relações de intertextualidade, o que estudaremos a seguir.

3.2.4 Intertextualidade
A intertextualidade é a utilização de um texto já existente como
base para a criação ou sustentação de outro. É claro que, em textos
acadêmicos, o emprego de intertextualidade é um recurso recorrente
e necessário, considerando que estamos o tempo todo nos referindo a
pesquisadores, pensadores, conteúdos e definições ou pesquisas cien-
tíficas já consolidadas. Isso quer dizer que estamos, na maior parte do
tempo, criando autonomamente textos embasados na reflexão de ou-
tros textos já produzidos.

Ao longo de nossos estudos, você já deve ter percebido que nos


referimos inúmeras vezes, direta e indiretamente, a pensamentos, re-
ferências, fontes, ideias, pessoas, conceitos e pesquisas que antecede-
ram as reflexões que nos propusemos a formular e encaminhar. Isso
quer dizer que, de diferentes maneiras e com diversas intensidades,
temos estabelecido relações intertextuais recorrentes.

Por exemplo, quando citamos exatamente as palavras proferidas


por Graciliano Ramos, que comparou o processo de escrita ao de la-
var roupas, fizemos uma citação direta. Já quando relatamos a ação de
Penélope, fizemos uma citação indireta ou paráfrase.

Denominamos paráfrase a interpretação ou explicação de um texto que, reconhe-


cidamente, pertence a outra pessoa. Para fazer uma paráfrase, costumamos utilizar
nosso próprio repertório de vocabulário, e não usar as mesmas palavras ou a mesma
estrutura empregada por esse outro texto.

60 Leitura e escrita no ensino superior


Existem, inclusive, textos que se tornam clássicos e citam outros
clássicos; por exemplo, Machado de Assis, ao escrever o conto “A Car-
tomante” – uma história de amor, intriga, traição e morte, cujo cenário
é o Rio de Janeiro, mais precisamente Botafogo, no final do século XIX
3
–, não teve dúvida de que citar Shakespeare diretamente seria uma boa
As formas cousas e coisas coe-
ideia, e assim o faz: xistem no português brasileiro,
3
HAMLET observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra mas, ao longo do século XX,
do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava coisas foi ganhando espaço no
emprego preferencial em todos
a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de
os textos e contextos.
1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma
cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras. (ASSIS,
1994, p. 1, grifo nosso) Livro
Analisar textos pro-
A frase com que Machado inicia o conto foi dita pelo príncipe Hamlet
duzidos com diversas
a seu amigo Horácio em um momento de reflexão na peça Hamlet, um finalidades, considerando
características como
clássico do teatro universal, escrita por William Shakespeare. A peça
informatividade, coesão,
também trata de intrigas, traição, amor e morte. Ao começar com esse coerência e intertex-
tualidade, não é tarefa
intertexto, Machado já faz um prenúncio ao leitor do que está por vir.
fácil. No livro Análise de
Em termos de organização sintática, a citação é uma paráfrase do texto textos, Irandé Antunes
apresenta ao leitor as
original, em que o autor (Machado de Assis) relata com suas palavras o
possibilidades de partir
que Hamlet havia dito ao amigo Horácio no texto original. Caso Machado da leitura e análise global
de textos até chegar a
preferisse copiar a frase exatamente como está no texto original, ele de-
análises mais detalhadas.
veria citá-la entre aspas, assim: “Há mais coisas entre o céu e a terra, Isso faz com que seja
possível perceber as es-
Horácio, do que sonha tua filosofia” (SHAKESPEARE, 1997, p. 28).
tratégias empregadas em
E com relação a textos de divulgação científica que citam outras diferentes contextos de
produção de textos, além
pesquisas, podemos dizer que estabelecem uma relação de inter- de permitir a identificação
textualidade? Sim, sempre que fazemos referência a outras pesqui- do diálogo entre diferen-
tes produções.
sas, teorias ou pesquisadores, utilizamos para isso a habilidade da
ANTUNES, I. São Paulo: Parábola,
intertextualidade, que, como vimos, pode ser por citação direta ou 2010.
indireta (paráfrase). Isso pode também ajudar o produtor do texto a
estabelecer analogias e outros raciocínios para atingir seus objetivos
em relação ao leitor.

Além disso, para que as relações textuais, inclusive de intertex-


tualidade, possam ser bem empregadas e reconhecidas, caracterís-
ticas como coesão e coerência não podem escapar de nosso campo
de leitura e escrita.

Estratégias para elaboração de textos 61


3.3 Coesão e coerência
4
Vídeo Uma vez, ao se referir a como interpretamos tirinhas , Umberto Eco
(1990) formulou a ideia de que elas podem ser abertas ou fechadas. Ao
se referir a essa análise, o cartunista brasileiro Laerte Coutinho (2010)
estabeleceu uma analogia, afirmando que tiras são como esfihas: mais
abertas à medida que o emissor e o receptor da mensagem comparti-
4
lham de conhecimento de mundo e repertório sociocultural parecidos;
Trata-se de uma combinação de e mais fechadas à medida que o mundo do emissor não apresenta re-
linguagem verbal e não verbal.
lação direta ou significativa com o receptor.

Mas o que isso tem a ver com coesão e coerência de texto, princi-
palmente em textos acadêmicos? Primeiro, precisamos entender o que
Livro
é cada uma:
Os livros A coesão textual
e A coerência textual são
dois títulos da mesma au-
tora, Ingedore Koch, que Coesão Coerência
exploram as relações de
sentido conferidas pela Relação textual evidente entre as Atribuição de sentido que permite
coesão e pela coerência ideias do texto. interpretar um texto.
em diferentes textos do
cotidiano. Valem como
leitura de ponto de parti-
da para as diferentes re- Portanto, percebemos que a coesão e a coerência estão intimamen-
flexões e os diversos usos
que podem ser feitos nos te relacionadas com o universo que o produtor e o receptor da men-
textos que produzimos sagem compartilham. Mas como é possível identificar se essas duas
ao longo de nossa forma-
ção acadêmica. características estão bem empregadas em um texto? Vamos considerar
KOCH, I. São Paulo: Contexto, 1989. juntos, com análises e exemplos específicos, as características de coe-
KOCH, I. São Paulo: Contexto, 1990. são e coerência a seguir.

3.3.1 Tipos de coesão


Esta subseção também poderia ser chamada de referências a ele-
mentos já citados em um texto ou como empregar palavras e expressões
que ligam ideias e conferem diferentes sentidos a elas, porque é desse tipo
de relação entre ideias em contexto que a coesão mais deve se ocupar.
Para exemplificar essas afirmações, vamos tomar como base dois tre-
chos do resumo que citamos na Seção 3.1:
Para a obtenção dos dados, optou-se pelo uso de questionário
via internet. Para os que não responderam o instrumento eletrô-
nico, foram enviados questionários impressos.
[...]

62 Leitura e escrita no ensino superior


Os dados mostram que a internet influenciou no trabalho dos
acadêmicos e vem afetando o ciclo da comunicação científica,
principalmente na rapidez com que a informação pode ser re-
cuperada, porém com forte tendência em eleger a comunicação
entre os pesquisadores como a etapa que mais passou por mu-
danças desde o advento da internet no mundo acadêmico brasi-
leiro. (FSP-USP, 2020, grifos nossos)

Agora, vamos analisar cada uma das partes destacadas do resumo,


que são os conectores no texto.

Quadro 3
Conectores e suas funções

Indica finalidade e pode ser substituído por a fim de. Observe que no caso do resumo
Para utilizado como exemplo poderíamos ter a construção “a fim de obter os dados” sem
que houvesse alteração de sentido.

A palavra que é muito versátil em português e pode ser empregada em diversas situa-
ções de ligação entre ideias. Nesse caso, a construção os que pode ser substituída por
Os que aqueles que, sendo que pronome relativo. Por que classificamos que como pronome?
Justamente porque ele tem outros usos, como o que segue.

Aqui, que é uma conjunção integrante e liga uma oração a outra (a principal a seu objeto
direto) – mostram exige objeto direto e é a segunda oração, introduzida por que, que
Que desempenha essa função. Exploramos algumas nomenclaturas para que você possa re-
visar e revisitar as diferentes funções que podem ser exercidas por diferentes palavras
e expressões que ligam informações em contexto.

Assim como os demais advérbios de modo (terminados em -mente e formados a partir de um


adjetivo, nesse caso principal principalmente), pode ser empregado para dar destaque,
Principalmente tecer alguma consideração ou juízo de valor (como infelizmente, beneficamente). Na estrutura
em questão, o advérbio principalmente destaca uma informação das demais.

Assim como outros conectores de mesma natureza (como mas, contudo, todavia, entre-
Porém tanto e no entanto), estabelece uma relação de oposição entre a informação anterior e a
que se segue a ele.

Estabelece uma relação de percurso entre um ponto e outro, que pode ser temporal ou
Desde espacial, e organiza as informações em anterioridade e posterioridade.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os conjuntos de palavras e expressões empregados para correla-


cionar informações são diversos, de acordo com outras características
do texto, como o objetivo (informar, argumentar, explicar, relatar etc.).
Por isso, estabelecemos aqui apenas um quadro informativo e exem-
plificador de como esses elementos são importantes e devem ser bem
escolhidos antes de darmos um texto por finalizado.

Estratégias para elaboração de textos 63


Livro Não vamos alongar a discussão com listas de conectores, porque elas
É possível compreender podem ser encontradas em abundância em manuais de usos da norma-
mais funções de palavras
em seus contextos -padrão, como gramáticas ou sites. Porém, destacamos que a melhor
estudando obras que maneira de aprender a ler e utilizar elementos coesivos é destacando-os
abordam a descrição ou
a orientação de usos da e procurando atribuir sentidos a eles em todos os textos que lemos. Isso
língua portuguesa, como possibilita também a organização e orientação de uma lista própria e
o livro Aprender e praticar
gramática, de Mauro autoral. Pense nisso e coloque em prática! Você vai perceber como seu
Ferreira. repertório de palavras aumenta e a sua precisão de utilização melhora.
FERREIRA, M. 4. ed. São Paulo:
FTD, 2019. Atividade 2
Leia o resumo a seguir e analise quais são as relações de coesão e os tipos textuais empregados nesse texto.
Autismo é uma complexa desordem do neurodesenvolvimento, caracterizado por um comprometi-
mento em três áreas dominantes: interação social e da comunicação e um repertório muito restrito
de repertório e interesse. O presente trabalho apresenta considerações resultantes de uma pesquisa
sobre o uso da dança como intervenção pedagógica para crianças e adolescentes autistas na cidade
de Pelotas, Rio Grande do Sul. Essa pesquisa é originária de uma parceria entre os cursos de medi-
cina, educação física e dança. A dança foi utilizada como intervenção pedagógica tendo em vista o
aprimoramento das relações interpessoais entre indivíduos do espectro autista e seu círculo social.
(SILVA et al., 2013)

A coerência precisa ser entendida com uma característica que não


pode ser identificada em apenas uma palavra ou frase, mas no enten-
dimento global do texto, pelo que ele apresenta em si e pelo sentido
que faz ao se relacionar com o mundo. Quando falamos em coerência
interna, estamos avaliando a progressão das informações contidas em
um texto, e quando falamos em coerência externa, referimo-nos ao
fato de esse texto fazer sentido no mundo.
Atividade 3
Tomando novamente como exemplo o resumo da Seção 3.1, vemos
Elabore um raciocínio autô-
que se trata de um texto internamente coerente, porque obedece a
nomo que mostre como você
sugere identificar a existência uma sequência, como de causa e consequência, entre as partes que
de coerência interna e externa compõem o resumo. Também é um texto coerente externamente, por-
nos textos.
que dialoga adequadamente com uma situação ou problema discutido
sem distorcê-lo. Esses dois itens podem ser empregados sempre que
desejarmos avaliar se um texto – não importa o grau de complexidade
– é coerente ou não.

64 Leitura e escrita no ensino superior


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Recapitulando algumas das referências com que trabalhamos ao lon-
go das reflexões deste capítulo, passando pela colcha de Penélope, pe-
las lavadeiras de Alagoas, pelo intertexto shakespeariano em Machado
de Assis e pelas esfihas exemplificadas por Laerte com base no conceito
de Umberto Eco, consideramos prudente, ao final, fazer mais uma rela-
ção que pode ser entendida como uma pausa lúdica, mas que se associa
integralmente ao percurso escolhido: a linha tênue entre a leveza que o
aprendizado proporciona e o peso da construção do caminho.

Essas analogias, inclusive do contraponto entre a leveza e o peso,


estão presentes desde a Antiguidade Clássica, mas nem é preciso se
estender tanto no tempo para encontrar uma proposição que susten-
te essas constatações. Publicado pela primeira vez em 1984, o livro A
insustentável leveza do ser, de Milan Kundera, apresenta vários pontos
oponentes, como: luz e sombra, quente e frio. Essa análise pode suge-
rir que estar pronto para interpretar o mundo entre essas oposições e
atuar sobre elas depende do quanto queremos nos envolver com o que
estamos fazendo ou nos propomos a fazer, tanto em aprendizado quan-
to em ações cotidianas.

Assim, com essa consideração, que é composta de retomada e ao


mesmo tempo metalinguagem, desejamos que, com base nos assuntos
aqui discutidos e nas reflexões que possamos fazer a respeito dos usos
contextuais, sua leitura e produção de textos melhore sempre, ao per-
ceber que o texto não precisa (e nem deve) ser um elemento artificial da
comunicação, mas um conjunto carregado de sentidos, valores, formação
sociocultural e singularidade autoral.

REFERÊNCIAS
ASSIS, M. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II. Disponível em: http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000257.pdf. Acesso em: 24 nov. 2020.
BARROS, A. A.; CARMO, M. F. A.; SILVA, R. L. A influência das redes sociais e seu papel na
sociedade. Anais do Congresso Nacional Universidade, EAD e Software Livre, Belo Horizonte,
v. 1, n. 3, 2012. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/
article/view/3031. Acesso em: 24 nov. 2020.
ECO, U. Apocalípticos e integrados. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1990.
FSP-USP. Resumos. 2020. Disponível em: http://www.biblioteca.fsp.usp.br/~biblioteca/
guia/a_cap_05.htm. Acesso em: 24 nov. 2020.
HOMERO. Odisseia. São Paulo: Penguin, 2011.

Estratégias para elaboração de textos 65


LAERTE. Sobre o entendimento, ainda. Manual do Minotauro, 4 ago. 2010. Disponível em:
http://verbeat.org/laerte/perguntas-muito-perguntadas/. Acesso em: 24 nov. 2020.
SHAKESPEARE, W. Hamlet. Porto Alegre: L&PM, 1997.
SILVA, A. L. M. et al. A dança como intervenção pedagógica em crianças e adolescentes
autistas: ensaio clínico. RAM – Revista Acadêmica de Medicina, Pelotas, v. 7, n. 1, 2013.
Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/RAM/article/view/3059.
Acesso em: 24 nov. 2020.
SILVEIRA, J. Na fogueira: memórias. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

GABARITO
1. Podemos tomar como referência o resumo de texto acadêmico (que é um gênero).
Para ser elaborado, ele utiliza como mecanismos diferentes tipos, como a descrição e
a exposição. Precisamos considerar que os tipos são modelos estabelecidos pelo em-
prego de estruturas linguísticas que lhes são características, enquanto os gêneros são
a realização social que circula em esferas específicas, valendo-se dos tipos.

2. Podem ser identificadas várias relações de coesão. Seguem algumas:

• para: finalidade.
• essa: pronome que retoma o trabalho já citado no resumo.
• seu: pronome que relaciona o círculo social aos indivíduos referidos anteriormen-
te, com noção de pertencimento.
Tipos textuais empregados: o resumo é composto pelos tipos informativo e descritivo.

3. Qualquer texto em que seja possível identificar coerência interna e externa é uma
elaboração que apresenta relações lógicas entre as partes que o compõem e entre
seu conteúdo e o mundo. Outras respostas que indiquem a necessidade de as partes
do texto fazerem sentido entre si e de o conteúdo elaborado ter sentido com o mundo
podem ser aceitas.

66 Leitura e escrita no ensino superior


4
Argumentação oral e escrita
“Você não é todo mundo!”. Talvez essa frase remeta muitos de
nós à nossa infância e à nossa adolescência. Ou alguém nos disse
essa recomendação, ou ficamos sabendo de alguém que a rece-
beu, em geral, de algum adulto da família. Quando utilizada, essa
frase tem a intenção de desfazer uma generalização e encerrar
com vitória uma discussão ou negociação, que pode ser facilmen-
te preenchida com um diálogo anterior iniciado por alguém que
pede consentimento para fazer alguma coisa. A conversa segue
e, antes dessa última frase, ouve-se um “mas todo mundo vai/faz”,
que pretende, por sua vez, convencer a outra parte sobre a norma-
lidade ou banalidade daquele pedido. Ao desfazer a generalização
pretendida, esse interlocutor indica que é preciso encontrar outro
caminho para a negociação ou que a discussão está encerrada.
E por que estamos revisitando essas memórias em uma intro-
dução de capítulo que pretende discutir argumentação oral e es-
crita na formação acadêmica e no mundo do trabalho? Justamente
para não sermos tomados pelo susto ou pela distorção inicial que
poderia nos levar a imaginar que o tema a ser tratado seja algo
que só fazemos no mundo acadêmico ou do trabalho. Pelo con-
trário! Levamos nossas estratégias de argumentação e negociação
para todas as esferas da vida e em todas as idades, com as devidas
adaptações. Então, movido pela nostalgia ou pela surpresa, seja
bem-vindo, sinta-se em casa e convidado a refletir sobre a argu-
mentação oral e escrita!

Argumentação oral e escrita 67


4.1 O que é argumentação?
Vídeo
“Afinal, eu criei juízo, agora olho para os homens e digo: ‘Esse é um bom homem, aquele é mau’. Não interessa
se é búlgaro ou grego, para mim dá no mesmo.” (KAZANTZÁKIS, 2017, p. 40)

O título desta seção está sugerido aqui com base no “perguntar não
ofende”, principalmente porque muitas vezes não paramos para refle-
tir sobre as respostas que podemos dar a perguntas simples e bem
iniciais como essa. Será que já paramos, em algum momento de nos-
sas vidas, para pensar ou elaborar uma resposta sobre o que significa
argumentar?

É muito provável que a essa altura de seus estudos você já tenha


sido chamado a escrever um texto dissertativo-argumentativo, mas é
bem possível também que você nunca tenha observado suficientemen-
te a diferença entre expor e defender ideias.

O termo dissertativo-argumentativo é empregado para definir textos que expõem um


ponto de vista e o defendem pelo emprego de diferentes justificativas (estratégias ar-
gumentativas), como exemplos, vozes de autoridade, dados científicos ou históricos e
outros. Embora seja mais utilizado para definir textos escritos, esse tipo de elaboração
também pode ser feito para textos orais. Trata-se sempre de expor um ponto de vista ou
fazer uma afirmação sobre determinado tema e, em seguida, apresentar as razões para
que essa afirmação ou defesa possa ser feita. Aí chegamos ao ponto em que se pode
falar em elaboração de argumentação.

Os caminhos feitos pela argumentação, ou a arte de defender


ideias, são múltiplos e podem ser trilhados de diversos pontos de vista.
Um exemplo é a epígrafe que abre esta seção: trata-se de um trecho
do romance Vida e proezas de Aléxis Zorbás, escrito pelo autor grego
Nikos Kazantzákis, em 1943. A narrativa ilustra o choque de dois per-
fis completamente diferentes de homens naquele cenário: um deles é
urbano, letrado, burocrata e sedento por saber como se faz para apro-
veitar melhor a vida; o outro é um camponês rude, com a face marcada
por expressões do tempo, cheio de histórias e experiências e que sabe
dançar. Na troca promovida pelo encontro casual de ambos, o que pre-
domina no final é quanto vale o aprendizado com uma amizade e como
é possível dançar (inclusive metaforicamente), ainda que o momento
seja de perda (KAZANTZÁKIS, 2017).

68 Leitura e escrita no ensino superior


E por que esse pequeno relato dessa narrativa pode nos ajudar a Livro
entender melhor os processos de argumentação? Por alguns motivos:

Ao contrário do que podemos ser levados a pensar pelas


afirmações de senso comum, nem sempre a força da palavra

1
escrita é a que promove maior ensinamento. No confronto
entre o conhecimento dos livros trazido pelo homem urbano e a
sabedoria do homem rústico, é a palavra falada que mostra a força
da experiência e se torna capaz de convencer quando ambos se
encontram e travam uma sequência de diálogos.

Esse romance põe em questão variadas justificativas para a


tomada de decisão, que pode ser de qualquer natureza ou sobre Vida e proezas de Aléxis
qualquer escolha importante na vida. Todas elas têm relação Zorbás trata-se de um
com as estratégias escolhidas, como comparações, constatações, relato escrito em primeira

2
inferências, induções e outros raciocínios possíveis com base em pessoa, cujo protagonista
é um intelectual frustrado
pistas oferecidas pela argumentação. Isso fica evidente quando
com a vida restrita a um
o relato em primeira pessoa mostra os questionamentos
mundo urbano e que
provocativos feitos pelo homem rude ao homem urbano e como
decide ir a Creta explorar
isso implica uma mudança de comportamento e destino para uma mina. É nesse
ambos. percurso que conhece
Zorbás, um homem
bruto, mas que tem o
A última consideração tem relação direta com a observação do
talento de se expressar
protagonista que abre esta seção, descrita como “criar juízo”. Essa
com música e dança
expressão pode ser interpretada de diversas maneiras, inclusive quando lhe faltam as
como tomar ciência de uma situação e andar pelo caminho palavras. É no encontro
certo ou de construir, com base no filtro que utilizamos para as entre as narrativas de
informações e experiências, uma escolha, um posicionamento, vida do homem urbano e

3
uma opinião, ou seja, um juízo sobre alguém ou alguma coisa. O do camponês que a argu-
trecho do texto parece mais voltado a essa última interpretação, mentação se estabelece,
considerando que, em seguida, o protagonista afirma delinear uma torna-se questionadora
fronteira entre homens bons e maus, estabelecendo seu juízo de e frutifica como uma
reflexão necessária às
valor sobre eles. É importante destacar que a tomada de decisão,
transformações que a
o estabelecimento de juízo de valor e a consequente formulação
maturidade exige.
de opiniões são ações possíveis com base na interpretação de
estratégias argumentativas, pois o convencimento individual ou KAZANTZÁKIS, N. São Paulo: Grua
coletivo depende disso. Livros, 2011.

Além desse exemplo, vamos conversar sobre mais um caso clássi-


co de argumentação e de como as palavras interpretadas literalmente
podem se transformar em armadilhas, mesmo para quem julga estar
Glossário
protegido por elas. Você seria capaz de dar uma libra da própria carne
libra: unidade de massa que
como garantia por um empréstimo em uma negociação? Pois é, a ex-
corresponde a aproximadamente
pressão “tirar uma libra de carne” de alguém é uma metáfora entendi- 450 g.
da como o ato de explorar uma pessoa.

Mas essa frase tem notoriedade no clássico O Mercador de Veneza


(1596-1598), de William Shakespeare, em que um homem empenha

Argumentação oral e escrita 69


como garantia a um agiota o peso de exatamente uma libra de sua
própria carne, a ser extraída o mais próximo possível do coração,
caso ele não pagasse a dívida. É importante ressaltar que, naquela
época, os papéis de homens e mulheres eram bastante diferentes
do que temos hoje, e as mulheres não podiam sequer representar
personagens no teatro. Daí a ousadia do enredo da peça: o homem
que empenhou a libra de carne, tendo perdido toda sua riqueza
em navios que naufragaram no mar, só foi salvo da morte porque
a moça com quem pretendia se casar, travestindo-se de homem às
escondidas, defendeu-o no tribunal, argumentando que o contrato
deixava explícito que o pagamento deveria ser exclusivamente de
uma libra de carne, mas que nenhuma gota de sangue poderia ser
derramada sob pena de a punição se voltar ao cobrador da dívida
(SHAKESPEARE, 2001).

O que esse embate de palavras dentro da peça shakespeariana


pode nos ensinar sobre argumentação? Quanto mais exatas forem as
palavras escolhidas, menos risco corremos de ser mal interpretados
Glossário ou de abrir precedente para outras leituras que não estejam no
campo denotativo: emprego campo denotativo das palavras. Além disso, outro ensinamento
literal da linguagem, em
é o fato de qualquer gênero textual ou tipo de expressão de
oposição ao campo conotativo
(que abre possibilidades de usos linguagem poder conter parte significativa de argumentação – como
figurados da linguagem). diálogos principais de uma peça teatral. Por isso (e outras razões),
Shakespeare se tornou uma referência densa para todo e qualquer
1 processo de comunicação .
1

É possível arriscar afirmar que


todos os exemplos de relações
Com base nessas referências como ponto de partida, você pode
humanas que demandam ampliar sua percepção acerca das manifestações de linguagem em
manifestação de linguagem que se concentra a argumentação. Podemos mencionar, para ilustrar
foram registrados na obra desse
escritor. outras ocorrências, campanhas de conscientização e peças publicitá-
rias. Quando o Ministério da Saúde divulga uma campanha de com-
bate à dengue com a frase “Só tem um jeito de acabar com a dengue:
jogar fora a água parada toda semana!”, ele quer conscientizar e con-
Atividade 1
vencer cada cidadão atingido pela campanha a fazer sua parte para
Explique, com suas palavras, o
o benefício coletivo, evitando a possibilidade de proliferação do mos-
que significa argumentar.
quito. Quando uma marca de automóvel apresenta um novo modelo
afirmando que ele é melhor que os demais de sua categoria, tam-

70 Leitura e escrita no ensino superior


bém está fazendo isso por meio de uma estratégia argumentativa: a Livro
comparação. O livro Argumentação
apresenta um amplo
Os exemplos citados aqui também têm uma função argumentativa: panorama sobre o
assunto, desde os gregos
a de nos mostrar o quanto e como as estratégias argumentativas mais até os dias atuais. Sua
diversas estão presentes em nosso cotidiano, com maior ou menor in- abordagem nos ensina
e promove uma revisão
tensidade. Mas um dos desdobramentos possíveis é o seguinte ques- sobre diferentes estilos
tionamento: há diferença entre argumentação oral e escrita? Caso a de argumentar, reinter-
pretados com o passar
resposta seja sim, como utilizar da melhor maneira possível as estraté- do tempo.
gias de cada uma? Nas seções seguintes, convidamos você a conhecer, FIORIN, J. L. São Paulo: Contexto,
comparar e refletir a respeito dessas estratégias. 2015.

4.2 Textos argumentativos orais


Vídeo
“Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente
só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir
tive um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em
profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo.”
(LISPECTOR, 1978, p. 64)

Vamos cercar e esgotar detalhadamente todas as possibilidades de


formulação de argumentação oral? Nem pensar! Não é essa a nossa
intenção. Na verdade, ao dividirmos aqui as seções entre oralidade e
escrita, queremos especificar um pouco do que cada uma dessas ha-
bilidades pode representar em nossos usos de linguagem no dia a dia.

Vamos começar refletindo sobre a epígrafe desta seção. Será que


falar consigo mesmo e relatar isso em primeira pessoa, como faz Clarice
Lispector, pode ser considerado uma estratégia de argumentação?

Vamos começar pelo final: “A solidão é um luxo”. Essa é


uma frase de constatação elaborada pela narradora, após re-
Glossário
fletir sobre a própria condição. O leitor é levado, pelas pistas
inferência: processo de anteriores, assim como em uma narrativa de detetive, a che-
constatação ou conclusão a que
o leitor ou ouvinte do texto pode
gar a essa inferência por indução. Como isso acontece? Em
chegar com base no que ouviu alguns momentos, no trecho do texto, podemos pensar que
ou leu (informações explícitas), a tendência seja fazer uma constatação triste, negativa, pelo
complementadas pela boa lei-
tura de entrelinhas (informações fato de ser domingo e a narradora estar sozinha, ou pelo fato
implícitas), que vai depender do de ela ter se sentido assombrada e mergulhado em profunde-
repertório sociocultural de que zas obscuras. No entanto, quando ela destaca o pensamento
ele dispõe.

Argumentação oral e escrita 71


livre ou sua saída para uma luz de ouro, o leitor é levado a antever
que a constatação será benéfica, e que ela, por estar bem consigo
mesma, consegue estabelecer um juízo de valor positivo para a soli-
dão. Esse raciocínio todo, feito assim, com cuidado e integralmente,
não é tarefa simples.

Esse processo de ler as pistas do texto e completar as lacunas com


a relação lógica entre uma informação e outra é uma habilidade muito
utilizada em narrativas de detetive. Vamos ver um exemplo?

Meu caro Sherlock Holmes, algo horrível aconteceu às três da manhã no Jardim Lauris-
ton. Nosso homem que estava na vigia viu uma luz às duas da manhã saindo de uma
casa vazia. Quando se aproximou, encontrou a porta aberta e, na sala da frente, o corpo
Série de um cavalheiro bem vestido. Os cartões que estavam em seu bolso tinham o nome
de Enoch J. Drebber, Cleveland, Ohio, EUA. Não houve assalto
e nosso homem não conseguiu encontrar algo que indicasse
como ele morreu. Não havia marcas de sangue, nem feridas
nele. Não sabemos como ele entrou na casa vazia. Na

OOO
OOOOO
verdade, todo assunto é um quebra--cabeça

OO OOO
OOOO O
sem fim. Se puder vir até a casa, seria ótimo,

OOOOO
se não, eu lhe conto os detalhes e gostaria

OOOOOOOO
muito de saber sua opinião. Atenciosamente,

OOO
Tobias Gregson. (DOYLE, 2017, p. 8)

O ponto de partida
da série Lúcifer é o Como gênero de texto, é possível reconhecer rapidamente que
tédio enfrentado por seu
protagonista, o próprio
é uma correspondência, uma carta enviada por Tobias Gregson ao
diabo, que decide tirar renomado detetive Sherlock, depois de aparentemente ter acontecido
férias em Los Angeles,
onde se envolve com o
um crime. Note que, em determinado momento do texto, Gregson
departamento de polícia afirma que “não houve assalto”. Para chegar a essa constatação, ele
e colabora com a inves-
tigação e resolução de
revelou ao leitor uma pista: os cartões da vítima não foram levados.
crimes. Trata-se de uma Esse processo de argumentação por relação lógica entre informações é
comédia dramática com
todos os clichês afetivos
descrito e muito explorado desde os gregos na Antiguidade Clássica, o
de um clássico romance que nos leva a crer que é um processo muito produtivo.
urbano, mas o que nos
interessa aqui é o mesmo Mas se estamos na seção que trata de argumentação em textos
processo de inferências
com base nas pistas,
orais, você pode se perguntar o que uma carta está fazendo aqui
como nos clássicos de como exemplo. Vamos explicar: ao final da carta, temos um prenúncio
detetive.
de conversa, com a frase “eu lhe conto os detalhes e gostaria muito
Direção: Alonquel Uchôa; Gerard
de saber sua opinião”. Observe que nas entrelinhas desse texto
Jones. EUA: Jerry Bruckheimer
Television; DC Entertainment; temos uma previsão do que é possível fazer por escrito e do que é
Warner Bros. Television, 2016-.
melhor fazer conversando: contar os detalhes. Nessa informação de

72 Leitura e escrita no ensino superior


“contar os detalhes”, é possível pressupor que haverá impostação de Livro
voz, olhar, movimentação corporal e outras características que só a Há vários e muito bons
livros sobre linguagem
oralidade permite. corporal e como se pode
ler melhor as pessoas por
Neste ponto de nossa conversa, você pode ter se perguntado tam- aquilo que elas vestem
bém sobre as sustentações orais feitas por advogados e promotores e por seus gestos. Mas
aqui parece interessante
nos tribunais. Certamente, todos nós nos lembramos de alguma cena referir e conhecer com
de filme que mostra o quanto a oralidade com a impostação de voz mais cuidado a linguagem
das emoções. O livro A
adequada, aliada a expressões faciais, gestos e outros meios de ma- linguagem das emoções
nifestar linguagem corporal, pode ser capaz de convencer uma plateia traz uma sequência de
reflexões e exercícios
ou um júri. sobre como podemos
entender melhor as
Porém, para que esse formato e essa embalagem do conteúdo nossas emoções,
possam ajudar a surtir o efeito desejado no público, é preciso que o lidar com elas e, por
conseguinte, entender
conteúdo do texto a ser dito tenha uma relação lógica muito eviden- melhor as emoções de
te e convincente, que as palavras sejam as melhores e mais precisas quem está à nossa volta,
observando gestos e
possíveis e que atinjam o público-alvo, fazendo-o reconhecer a expla- expressões faciais.
nação como algo que não é passível de contestação ou que sobrevive a
EKMAN, P. Amadora: Lua de Papel,
qualquer contestação. Para que isso seja possível, alguns tipos de ela- 2011.
boração de raciocínio devem ser mobilizados em ocasiões específicas.
Vamos estudar como isso acontece? Livro
Sugerimos tanto o livro
Argumento por indução Assassinato no Expresso
do Oriente, escrito por
Quando os detetives Sherlock ou Poirot chegarem à cena do cri- Agatha Christie e publi-
me, fizerem suas análises e desvendarem o enigma, o narrador mos- cado pela primeira vez
em 1934, quanto o filme
trará ao leitor a sequência de dados e informações que levaram os homônimo nas versões
investigadores a determinadas conclusões. Como isso é feito? Pela de 1974, 2001 e 2017.
O enredo clássico de
revelação de pistas mais ou menos visíveis até que se chegue, passo romance policial faz com
a passo, a uma generalização. Por isso, podemos perceber o movi- que o leitor/espectador
seja levado a desconfiar
mento de induzir o leitor ou ouvinte a um raciocínio. dos envolvidos ou inocen-
tar todos eles na trama
Esse tipo de raciocínio é o contrário da dedução e é bastante que traz um assassinato
empregado, por exemplo, para relatar uma pesquisa científica, pois cometido num trem,
já que todos tinham
permite estabelecer teorias que recobrem fatos bastante diversifi- tanto algum motivo para
cados. Logo, podemos concluir que a dedução faz o caminho con- querer matar a vítima
quanto um bom álibi para
trário: vale-se de uma generalização para chegar a uma constatação apresentar ao detetive
particular; por exemplo: todos os dias da semana têm 24 horas, Hercule Poirot.

logo o sábado também tem 24 horas. CHRISTIE, A. Rio de Janeiro:


HarperCollins, 2020.

Argumentação oral e escrita 73


Argumento por comparação ou analogia

Esse tipo de estratégia faz com que o público-alvo se sinta mais


esclarecido sobre algum tema ou raciocínio. É uma utilização mui-
to adequada para a apresentação de trabalhos acadêmicos que
demandam a explicação da escolha de uma metodologia, como
seminários.

Como funciona? Para facilitar a compreensão, utilizamos um


exemplo familiar ao público e estabelecemos, com base nele, uma
comparação com a situação específica que queremos apontar ou
com o tema tratado no trabalho. As analogias ou comparações po-
dem ser feitas dentro das frases ou com o conteúdo mais extenso
do texto. Vejamos um exemplo a seguir.

Um vídeo do astrônomo Carl Sagan em seu programa dos anos 1980, Cosmos,
conta a história de Eratóstenes, demonstrando como os gregos antigos já haviam
descoberto que a Terra é uma esfera (geoide). Para fazer isso, Eratóstenes observou
a sombra de duas colunas no solstício de verão; uma coluna foi colocada em Ale-
xandria e outra em Siena (atualmente Assuan), ambas no Egito. Ele notou que em
Siena, ao meio dia, o Sol ficava em seu ponto mais alto e a coluna lá instalada pro-
jetava uma sombra com ângulo diferente daquela projetada em Alexandria. Sagan
explica então que, se a Terra fosse plana, ambas as estruturas produziriam sombras
iguais, mas como o planeta é esférico, o sombreamento varia. (CARL..., 2017)

Note que o texto mostra uma explicação que pode ser conside-
rada, em sua leitura global, como uma estratégia de indução. Mas,
para que isso aconteça, no meio da descrição das ações, o públi-
co é convidado a fazer uma comparação entre os tipos de sombra
projetados pela incidência da luz solar sobre as colunas, para que
chegue à constatação de que os ângulos são diferentes (resultado
da comparação) e, portanto, a Terra não pode ser plana (inferência
ou conclusão).

74 Leitura e escrita no ensino superior


Filme
Argumento por causa e consequência

Alguns estudiosos afirmam que a humanidade, em seu processo


civilizatório, voltou-se a compreender as relações entre causa e
consequência ou o ordenamento do que é origem de uma situação
e do que é efeito dela. E essa perspectiva não é recente; já existia
um pensamento entre os latinos para definir essa visão de causa e
consequência: post hoc ergo propter hoc (depois disso, portanto, por
causa disso).

Vamos tomar como exemplo um trecho do mesmo pensamento O filme Philadélfia se


exposto na explicação anterior: “Sagan explica então que, se a Terra tornou um clássico
do cinema. Na tela,
fosse plana, ambas as estruturas produziriam sombras iguais, mas Tom Hanks faz um
como o planeta é esférico, o sombreamento varia” (CARL..., 2017). advogado que tem um
relacionamento com
Vejamos duas informações presentes nesse trecho: 1) o planeta é o personagem vivido
esférico; e 2) o sombreamento varia. Qual é a relação de causa e por Antonio Banderas
e é dispensado de um
consequência estabelecida entre elas? Quem vem antes ou quem grande escritório por
dá origem à situação? Repare que o fato de o planeta ser esférico ter contraído Aids. Cabe
a Denzel Washington,
(causa) faz com que a sombra seja variável (consequência). depois de muita
relutância, defendê-lo nos
tribunais. Para além dos
Existem várias outras estratégias de argumentação e sustentação
estereótipos – muito bem
de discurso que podem ser consultadas em manuais que se ocupam formulados, por sinal –,
o filme é uma aula de
exclusiva e extensamente de trabalhar com esse tipo de uso da lingua-
argumentação não só nas
gem. Nosso propósito aqui foi de apresentar algumas delas, principal- cenas de tribunal, como
era de se esperar, mas
mente as que você pode utilizar em seu cotidiano, nos estudos e no
nas conversas cotidianas.
trabalho. Agora convidamos você a analisar mais alguns itens especí-
Direção: Jonathan Demme. EUA:
ficos sobre a formulação de textos argumentativos. Será que o texto Clinica Estetico, 1993.
falado tem parágrafo? Vamos ver isso juntos!

4.2.1 A “paragrafação” em textos argumentativos orais


O uso de aspas no início desta subseção tem um valor muito signifi-
cativo: elas indicam que paragrafação é uma palavra que teoricamente
não se utiliza em texto orais, pois é uma marcação empregada para
separar fragmentos de textos escritos. No entanto, o parágrafo pode
fazer sentido para organização, clareza, estilo e elegância, que não de-
vem ser desprezados em textos orais.

O parágrafo é uma unidade dentro do texto, composta por um ou


mais períodos, com uma ideia central a ser desenvolvida, em torno da

Argumentação oral e escrita 75


qual se estabelecem outras informações, com relação lógica. Definido
dessa forma, o parágrafo pode parecer um componente fácil de se re-

?
solver dentro do texto, mas não é assim que acontece. Para elaborar
um bom parágrafo, é preciso se fazer algumas perguntas:
Qual é a afirmação ou Além da informação
informação principal que principal, o que desejo
desejo transmitir? informar sobre ela ou
relacionar a ela nesse
ponto específico do texto?

Que relações de sentido


Qual é a relação desse
existem entre essas
parágrafo com os demais
informações secundárias
do texto?
e a principal?

Com a popularização do acesso a computadores, tablets e


smartphones, as produções de conteúdo na internet também
aumentaram significativamente. Um dos exemplos é a produção e
postagem de entrevistas, conversas entre pessoas tratando dos mais
diversos temas e de falas para plateias, como palestras, conferências
e seminários.
Filme
Essa produção de conteúdo oral para plataformas virtuais precisa
ter unidades de informação muito bem elaboradas para que os
espectadores se sintam de fato convidados a permanecer atentos
até o fim do raciocínio. Então, estabelecer bons parágrafos ou boas
unidades de texto para isolar e, ao mesmo tempo, integrar e ajustar
convenientemente o que se está dizendo é uma estratégia muito
inteligente para manter a atenção de quem nos vê e ouve.

Quando ouvimos uma aula ou um vídeo que pretende informar ou


No filme Obrigado por estabelecer um raciocínio completo sobre algum tema, é muito comum
fumar, um lobista da e bastante didático que o emissor da mensagem faça um pequeno su-
indústria do cigarro se vê
em conflito quando seu mário no início, para informar exatamente os itens que serão tratados,
filho pequeno começa a enunciando também claramente o tema. Em seguida, ele passa a tratar
se interessar por sua pro-
fissão. Os dilemas éticos de cada um dos itens até chegar a uma conclusão específica ou um
e outras questões contra- fechamento para o raciocínio.
ditórias são ilustrados em
diálogos interessantes Vamos supor, por exemplo, que estejamos assistindo a uma aula
embasados em relações
de negociação e/ou argu- básica de introdução à argumentação e vamos dividi-la no que seriam
mentação. os parágrafos do texto. Espera-se que o professor, em um primeiro
Direção: Jason Reitman. EUA: Room parágrafo, apresente o recorte sobre argumentação que será tratado
9 Entertainment; ContentFilm, 2006.
nessa aula específica e indique quais são os tipos de argumentos ou

76 Leitura e escrita no ensino superior


informações que serão trabalhados. Além disso, ele deve apontar quais
são as constatações a que se pode chegar com base nessa abordagem.
Depois, cada um dos itens virará um parágrafo novo e deverá ser
explicado com clareza e organização de raciocínio. Em seguida, no
último parágrafo, a conclusão ou as constatações estabelecidas podem
aparecer com mais fluidez, considerando que as informações e relações
textuais anteriores foram feitas com assertividade e coerência. Tudo
isso nos apresenta a possibilidade de relacionar textos argumentativos
orais e escritos, com o objetivo de perceber que há uma organização
em blocos coerentes que, na escrita, podem ser identificados em
parágrafos.

O parágrafo que você acabou de ler pode funcionar como uma re-
ceita básica para textos orais que pretendem expor com clareza um
raciocínio completo e convencer a plateia de que esse discurso é váli-
do. Você também pode adotar essa estratégia em suas apresentações
orais de trabalhos ou quando precisar explicar algum tema na sua vida
profissional.

4.2.2 Uso de primeira ou terceira pessoa


Uma das questões mais frequentes e que pode, inclusive, tornar-se
um tabu para o uso adequado da linguagem em diversas situações é
a indicação de uso de primeira ou terceira pessoa para apresentar um
texto oral ou escrito.

Antes de estabelecer algumas reflexões, vamos considerar que a


primeira pessoa deve ser reservada a explanações sobre temas de que
o emissor da mensagem de fato participa (ou participou) e a terceira, 2
para casos em que ele apenas relata uma situação, com distanciamen- Por exemplo, ao escrever um
to. Essa diferenciação pode parecer, a princípio, bem simples, mas não relatório, você é capaz de formu-
são raras as vezes em que estudantes ou profissionais têm dúvida ou lar a frase “Entrei no laboratório
e observei os equipamentos
reproduzem sem pensar o que já ouviram sobre o uso desse artifício dispostos sobre a mesa” ou
2
na linguagem . “Entrando no laboratório,
observam-se os equipamentos
Em alguns casos, o próprio professor que orienta o trabalho suge- dispostos sobre a mesa”. Repare
re ou exige que seja escolhida uma pessoa do discurso, mas é muito que não há problema algum
com nenhuma das frases, mas
importante que você guarde a informação de que não há incorreção
há uma escolha por primeira ou
ou prejuízo de conteúdo quando se escolhe uma ou outra forma de terceira pessoa.
apresentar o texto.

Argumentação oral e escrita 77


Livro Além disso, existem situações de inserção de quem fala ou escre-
A conjuração de Catilina ve um texto em um discurso coletivo, como na frase “A Constituição
é um dos discursos
mais célebres da Roma Cidadã foi promulgada em 1988 no Brasil. Ela prevê nossos direitos e
Antiga. Nele, o orador deveres”. Note que o uso de primeira pessoa do plural aqui evidencia a
Cícero desconstrói, pelo
discurso, as intenções de participação de quem escreve no grupo da população brasileira (ampa-
Catilina, que tramava um rada pelo texto constitucional em questão).
golpe para tomar o poder.
O texto é denso, mas os No fim das contas, o que escolher? Você escolhe obedecer à solici-
ensinamentos sobre argu-
mentação são singulares.
tação feita no comando do texto que deve ser produzido, elaborando-o
Também é uma situação em primeira ou terceira pessoa, conforme orientação. Caso não haja
em que a argumentação
é oralizada, já que Cícero
essa indicação, pergunte-se se você participou diretamente da situação
falou em público para ou se faz parte do grupo envolvido nela. Caso a resposta seja positiva,
desmascarar Catilina,
mas usou um discurso
use a primeira pessoa. Isso vale tanto para textos orais quanto escritos.
previamente escrito. E, por falar nisso, vamos trabalhar um pouco mais com a argumenta-
SALÚSTIO. São Paulo: Hedra, 2018. ção em textos escritos?

4.3 Textos argumentativos escritos


Vídeo “Produção de texto pressupõe leitores que vão dialogar com o texto produzido: concordar e aprofundar ou
discordar e argumentar, tomando o texto como matéria-prima para seu trabalho.” (GUEDES, 2009)

É verdade que, da mesma maneira que devemos agir com os textos


apresentados oralmente, precisamos ficar atentos na escrita ao meio
de circulação e a outros elementos, como a intenção do autor, a lingua-
gem e o público a que o texto se destina.

A maioria dos exemplos aos quais já recorremos neste capítulo faz


parte do repertório sociocultural de textos produzidos e publicados por
escrito – o que nos leva a referi-los imediatamente como fazendo parte
dos diálogos que mantemos, como leitores, estudantes ou pertencentes
ao mundo do trabalho, com o conhecimento já construído até nossos
dias. Isso se dá também com a argumentação, que é nosso tema de
destaque neste capítulo.

A argumentação precisa ter uma estrutura mais ou menos definida,


em textos orais ou escritos. Podemos exemplificá-la da seguinte manei-
ra, como apresentado no quadro a seguir.

78 Leitura e escrita no ensino superior


Quadro 1
Estrutura da argumentação

Descrição Exemplo
Apresentação do tema e dos itens que embasarão O verdadeiro conhecimento somente pode ser atingido por
a discussão e reforçarão o posicionamento a meio do racionalismo e da lógica [1]. Essa é a concepção ra-
respeito do assunto ou que permitirão estabelecer cionalista do filósofo francês René Descartes, o qual enca-
um caminho para chegar ao objetivo pretendido. rava a matemática como única fonte fiel de conhecimento,
Lembre-se aqui das narrativas de detetive: funciona diferenciando-se dos sentidos que nos induzem ao erro [2].
do mesmo jeito em textos argumentativos. Vamos Analogamente, a educação financeira é a única que permite
ver um exemplo considerando a introdução de um ao indivíduo autonomia econômica, enquanto é constan-
texto que pretendesse abordar educação financeira temente ludibriado pelo consumismo contemporâneo [3].
no Brasil e as dificuldades de sua implantação? Desse modo, cabe analisar a inclusão da educação financeira
Note que em [1] e [2] o texto apresenta uma rela- nas escolas brasileiras sob viés do esclarecimento e promo-
ção geral de abordagem sobre o conhecimento, algo ção de cidadania [4].
que poderia ser abertura de muitos outros textos. É
a partir do emprego de analogamente em [3] que o
texto começa a apresentar o motivo e a atualidade
da discussão. Depois, na Frase 4, temos as pistas que
nos indicam o suporte da discussão ou os itens que
irão justificar a argumentação do texto.
No coração do texto fica o desenvolvimento dos Primeiramente, vale destacar que o ensino dessa disciplina
itens apresentados inicialmente. É o espaço reserva- possui uma enorme potencialidade de melhorar a relação do
do para empregar definições, exemplos, analogias, brasileiro com as finanças. Segundo dados da pesquisa feita
relações de causa e efeito e outras estratégias que pelo Serviço de Proteção ao Crédito, 58% dos entrevistados
ajudam o emissor a estabelecer a relação entre suas admitem que não dedicam tempo a atividades de controle
afirmações iniciais e, basicamente, o que já existe so- da vida financeira. Tal comportamento está diretamente re-
bre o tema. Que tal seguirmos observando essa abor- lacionado com a falta de acesso à educação financeira. Desse
dagem no exemplo ao lado? modo, o bombardeamento constante de propagandas esti-
mulando o consumo vitimiza grande parte da população que
não sabe como administrar as próprias economias. Assim, ins-
taura-se um ciclo vicioso de empréstimos e endividamentos, o
que compromete economicamente o cidadão brasileiro. Logo,
faz-se necessário uma adoção maior do ensino financeiro
para reverter essa problemática.
Para concluir o texto, é preciso elaborar constata- Diante do exposto, conclui-se que a inclusão da educação
ções, projeções ou apontar soluções, dependendo do financeira no currículo escolar é extremamente importante.
tipo e do teor da discussão estabelecida. Por exem- Portanto, cabe ao Ministério da Educação, em conjunto com
plo, se for uma discussão mais abstrata, uma refle- as secretarias estaduais respectivas, propiciar um maior en-
xão final já fica de bom tamanho; se for um problema foque das aulas de Matemática a aplicações práticas. Para
sobre, o qual é preciso intervir, descrever uma ação isso, elas devem elucidar sobre formas de poupar, categorias
plausível é um bom e coerente caminho. Vamos ob- de investimentos, riscos do endividamento, entre outras in-
servar novamente o exemplo. formações fundamentais contemporaneamente. Além disso,
cabe a tal órgão promover a capacitação dos professores –
por meio de cursos – para que estes sejam capazes de trans-
mitir o conhecimento necessário para a formação do aluno.
Somente assim, será possível que a matemática nos guie não
só ao verdadeiro conhecimento, conforme preconizado por
Descartes, mas para a construção de uma sociedade mais
justa e igualitária.

Fonte: Elaborado pela autora.

Argumentação oral e escrita 79


Livro Uma sugestão para você praticar essa análise das partes e da se-
quência de textos argumentativos é passar a lê-los ou ouvi-los aplican-
do mais ou menos essas três partes descritas. Isso pode facilitar seu
uso quando você precisar elaborar um texto com essas características.
Além disso, não podemos nos esquecer de que um texto é sempre di-
vidido em unidades menores. Então, que tal tratarmos um pouco do
parágrafo, agora em textos escritos?

O livro Escrever e
4.3.1 A paragrafação em textos argumentativos
argumentar apresenta
diferentes estratégias
escritos
textuais e exercícios Nos textos escritos, tratar de paragrafação não requer uma
relacionados à
elaboração e à leitura de abstração como a que foi proposta quando falamos dos textos orais.
textos argumentativos As relações entre as ideias apresentadas ficam mais visíveis e podem
da atualidade, como
publicação de campanhas ser observadas com mais detalhamento. Vamos analisar alguns textos
publicitárias e textos da com base em descobertas científicas, os quais precisam fazer parte de
mídia impressa em geral.
Além disso, põe o leitor nossas leituras para formação intelectual e para resolver as situações
em contato com escolhas cotidianas.
de linguagem diferentes
para cada situação. Vamos começar lendo o trecho de texto a seguir.
KOCH, I. V; ELIAS, V. M. São Paulo:
Contexto, 2016.
Óbitos por cepas de bactérias resistentes a antibióticos vêm crescendo. Um estudo do
governo britânico estima que, em escala global, os óbitos por cepas resistentes já che-
guem a 700 mil por ano. E as coisas têm piorado. Além das bactérias, já estão surgindo
fungos resistentes, como a Candida auris. Qualquer solução passa por um esforço mul-
tinacional de ações coordenadas. O crescente número de governos isolacionistas e até
antidarwinistas não dá razões para otimismo. Há urgência. O estudo britânico calcula
que, se nada for feito, em 2050, as mortes por infecções resistentes chegarão a 10 mi-
lhões ao ano. (SCHWARTSMAN, 2019)

Esse parágrafo abre uma coluna escrita em um jornal e é um bom


exemplo de texto argumentativo. Ela se baseia em fatos para fazer
constatações; note que a afirmação feita inicialmente vem comprovada
na sequência. Isso serve como informação elementar para a elabora-
ção de seus textos: não comece afirmando ideias como “O número de
mortes no trânsito vem crescendo...” ou “Desde o início da civilização
brasileira...” se não dispuser, no primeiro caso, de números que com-
provam esse aumento e, no segundo, de um bom livro de história que
afirme a situação que você deseja evidenciar.

80 Leitura e escrita no ensino superior


Outro ponto a ser observado é quando o autor afirma “E as coisas
têm piorado”. Note que, para estabelecer essa gradação de raciocínio,
ele traz outra informação que comprova esse pensamento: não são
apenas as bactérias, agora os fungos também estão mais resistentes.
Além disso, a constatação apresentada por ele, na forma de projeção, é
uma citação da observação feita pelo estudo científico em que apoiou
sua elaboração de parágrafo.
Note também que o autor fez uso de terceira pessoa, distanciando-
-se da produção das informações, mas estabelecendo relação de senti-
do entre elas e escolhendo o caminho para as constatações desejadas.

Vamos observar juntos outro exemplo de texto argumentativo?

Há tempos atrás uma deputada brasileira criou projeto de lei que propunha que o cida-
dão que presenciasse um pai batendo no próprio filho teria o direito de denunciá-lo. Este
pai, por sua vez, poderia vir a ser condenado caso se comprovasse a “agressão”. Curioso,
pensei. E perigoso também. Antes de tudo, é preciso diferenciar agressão, espancamen-
to e outras barbaridades com o direito – legítimo, penso eu – de pais e mães aplicarem
bons “corretivos” nos seus petizes, apesar de isso parecer cada vez mais antiquado neste
campo de correções políticas e farta hipocrisia. (BALEIRO, 2011)

Repare que o autor começa por revelar a informação de que houve


Atividade 2
a criação de um projeto de lei e, algo muito importante, ele relata cla-
ramente o conteúdo do projeto para seu leitor, pois é com base nisso Vários raciocínios estabelecidos
ao longo do capítulo foram
que deseja estabelecer e expor seu raciocínio. Esta é uma prática muito
feitos com base em trechos de
importante: sempre ofereça a informação completa a seu leitor, nunca livros, porque essas narrativas
pressuponha que ele já leu sobre o assunto ou conhece o conteúdo. podem servir de exemplo para
que se estabeleçam conceitos
Em seguida, ao qualificar, de acordo com seu ponto de vista, algu- e entendimentos acerca da
mas ações sobre o tema, o autor conduz o leitor a se colocar diante da argumentação. Agora é sua
vez: escolha, dentre as leituras
comparação feita por ele: o que é agressão ou outras barbaridades e
já feitas por você, um trecho
o que é direito de aplicar corretivo. Em seguida, ele se posiciona por de livro que possa ser utilizado
intermédio da constatação assumida a respeito do tema. como referência para diferentes
exemplos de argumentação.
Note que aqui o autor utiliza a primeira pessoa do singular, pois a Em seguida, explique com suas
opinião e as constatações apresentadas sobre o tema são de responsa- palavras como você relaciona
esses textos à elaboração de
bilidade dele; é ele quem está se posicionando a respeito, adjetivando
justificativas ou argumentos.
algumas ações inclusive como antiquadas e farta hipocrisia.

Argumentação oral e escrita 81


4.4 Principais problemas de argumentação
Vídeo “Já em 1580, Montaigne afirmava que não existia honra na emoção que chamava tristesse. (Usava esta palavra
embora soubesse que ele próprio era um melancólico; anos mais tarde, Flaubert, objeto do mesmo diagnóstico,
faria o mesmo.) Montaigne via a tristesse como inimiga do racionalismo e do individualismo autoconfiante. A
tristesse, a seu ver, não merecia ser inscrita com inicial maiúscula ao lado das grandes virtudes, a Sabedoria, a
Virtude e a Consciência; ele aprovava a associação italiana da tristezza a todos os tipos de loucura e prejuízo, a
fonte de males incontáveis.” (PAMUK, 2007)

A epígrafe que empregamos nesta seção merece uma interpreta-


ção cuidadosa para ser associada ao tema abordado. Afinal, o que
tem a ver a escolha de um pensador por uma palavra, pelo emprego
ou não de inicial maiúscula, com problemas de argumentação? A res-
posta é: tudo! Escolher a palavra tristesse no lugar de melancolia, ela-
borar uma análise que permita afirmar não haver orgulho em senti-la
e justificar o motivo de não a iniciar com maiúscula são decisões que
carecem de justificativas.

Pensar em justificativas é trilhar estratégias argumentativas. Por exem-


plo, a estratégia empregada para justificar a não colocação de maiúscula
no início da palavra é a de comparação com outras palavras fortes, iden-
tificadas como virtudes. Já que a tristesse não seria, segundo o autor, uma
virtude, não há motivo para alçá-la ao patamar de ser iniciada com maiús-
cula. Note que se trata aí de um raciocínio muito delicado, ao mesmo tem-
po bastante profundo e indiscutivelmente argumentativo; trata-se de um
argumento ou uma justificativa que funciona principalmente porque faz o
interlocutor se sentir localizado quanto à comparação.

Se podemos ficar maravilhados com a perspicácia do ensaísta


Montaigne sobre a tristesse, devemos também considerar que nem
sempre essas estratégias funcionam. Trabalhamos ao longo deste
capítulo com diferentes possibilidades de elaboração adequada de
argumentos, mas possivelmente nossas lembranças mais expressivas
ainda sejam sobre quando o texto não funcionou como deveria, quando
os argumentos pareceram válidos, mas não eram. Em linguagem mais
informal, essas situações podem ser chamadas de argumentações
furadas; em classificação técnica, são as chamadas falácias.

Se você perceber que já cometeu algum desses equívocos, não se


sinta único: todos nós já passamos até mesmo sem perceber por essas
situações. O mais importante é aprender com elas, já que não é de hoje
que acontecem e são registradas em inúmeras publicações a respeito

82 Leitura e escrita no ensino superior


do tema. Vamos juntos analisar alguns casos e entender como não cair
na armadilha das falácias?

4.4.1 Argumento ad hominem


Como você pode ver no título, esse tipo de falácia ou argumento
equivocado encontra registro e voz ainda entre os latinos, por isso é
identificado como ad hominem (ou em português, contra a pessoa). É
aquele tipo de argumento que surge quando as discussões ficam mais
acaloradas e alguém ou todos os envolvidos se enfurecem. Trata-se do
tipo de tentativa que não faz o debate fluir, mas procura constranger
o oponente. Provavelmente, lendo com atenção até aqui, você já iden-
tificou que atualmente nas redes sociais estamos vivendo tempos em
que as pessoas fazem muito esse tipo de raciocínio: não posso vencer a
justificativa ou a voz do outro, então vou tentar desqualificá-lo. Observe
o exemplo a seguir:

Madame Rosa suspirou.


— O senhor sabe muito bem por que tenho medo, doutor.
O dr. Katz ficou vermelho de tão zangado.
— Cale-se, Madame Rosa. A senhora é completamente inculta. Não entende nada
dessas coisas e sabe Deus sei lá o quê. São superstições de outra época. Já repeti mil
vezes e peço que se cale.
Fonte: Gary, 2019, p. 50.

Esse exemplo é muito encontrado nos diálogos entre personagens,


como é o caso do trecho citado aqui. Na conversa entre o médico e
Madame Rosa, percebe-se que, em vez de contra-argumentar os medos
da senhora, o doutor tenta desqualificá-la a fim de que se cale.

E como resolver ou impedir no mundo real um diálogo agressivo


como esse, que tenta desqualificar o outro em vez de responder ao que
de fato está em questão? Não se deve atacar as características da pessoa
(sua formação, seu suposto caráter ou sua autoridade com relação ao
tema discutido). No caso do diálogo entre o médico e a Madame Rosa,
se ele respondesse explicando a ela os motivos pelos quais ela não
precisaria ter medo ou alimentar superstições (cientificamente), não
teria incorrido em uma falácia de argumento ad hominem.

Argumentação oral e escrita 83


4.4.2 Apelo à autoridade
Você já ouviu alguém dizendo “Mas se até fulano fez, então...” como
uma forma de licenciar um comportamento? Essa frase é muito utilizada
para os mais diversos tipos de licença. O problema é que, para haver
uma licença, a pessoa citada precisa ser uma autoridade no assunto – o
que não acontece quando surge uma falácia do tipo apelo à autoridade.
Vamos a um exemplo prático?

A frase que ilustrou o início desta subseção pode ser completada


de muitas maneiras, por exemplo: quando atores famosos fazem
campanha eleitoral direta ou indireta para políticos. Isso já rendeu
muitas críticas e muitos arrependimentos porque, quando alguém usa
seu poder de influência e formação de opinião por ser uma pessoa
famosa (e, em tempos de redes sociais, seguida por milhares de
pessoas), tem uma grande responsabilidade por seus posicionamentos.

E como não correr esse risco? Para não cometer um engano de apelo
à autoridade, é preciso perguntar que conhecimento tem essa pessoa
no tema sobre o qual ela está opinando. Lembre-se de que o fato de
uma pessoa ser famosa e ter um discurso simpático ou convincente
não quer dizer que ela tenha conhecimento que lhe confere autoridade
em economia, política ou outras áreas. Observando esses aspectos com
cuidado, temos mais segurança de que, quando fizermos referência a
alguém como autoridade, essa pessoa de fato tem conhecimento e
experiência que lhe conferem status desse tipo de argumento.

4.4.3 Generalização inadequada


A generalização é uma das constatações mais interessantes
possibilitadas por pesquisas bem feitas, que podem gerar afirmações
aplicáveis a um grande número de situações, daí seu poder de
convencimento. Existe uma história contada em diversas culturas, com
adaptações, como nos mostra o historiador italiano Carlo Ginzburg.

Sinais
Por milênios o homem foi caçador. Durante inúmeras perseguições, ele aprendeu a re-
construir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos
quebrados, bolotas de esterco, tufos de pelos, plumas emaranhadas, odores estagnados.

(Continua)

84 Leitura e escrita no ensino superior


Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de
barba. Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no in-
terior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas.
Gerações e gerações de caçadores enriqueceram e transmitiram esse patrimônio cog-
noscitivo. Na falta de uma documentação verbal para se pôr ao lado das pinturas rupes-
tres e dos artefatos, podemos recorrer às narrativas de fábulas, que do saber daqueles
remotos caçadores transmitem-nos às vezes um eco, mesmo que tardio e deformado.
Três irmãos (narra uma fábula oriental, difundida entre os quirguizes, tártaros, hebreus,
turcos...) encontram um homem que perdeu um camelo – ou, em outras variantes,
um cavalo. Sem hesitar, descrevem- -no para ele: é branco, cego de um olho, tem dois
odres nas costas, um cheio de vinho, o outro cheio de óleo. Portanto, viram-no? Não, não
o viram. Então são acusados de roubo e submetidos a julgamento. É, para os irmãos,
o triunfo: num instante demonstram como, através de indícios mínimos, puderam re-
construir o aspecto de um animal que nunca viram.
Os três irmãos são evidentemente depositários de um saber de tipo venatório (mesmo
que não sejam descritos como caçadores). O que caracteriza esse saber é a capacida-
de de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade
complexa não experienciável diretamente. Pode-se acrescentar que esses dados são
sempre dispostos pelo observador de modo tal a dar lugar a uma sequência narrativa,
cuja formulação mais simples poderia ser “alguém passou por lá”. Talvez a própria ideia
de narração (distinta do sortilégio, do esconjuro ou da invocação) tenha nascido pela
primeira vez numa sociedade de caçadores, a partir da experiência da decifração das
pistas. O fato de que as figuras retóricas sobre as quais ainda hoje se funda a linguagem
da decifração venatória – a parte pelo todo, o efeito pela causa – são reconduzíveis ao
eixo narrativo da metonímia, com rigorosa exclusão da metáfora, reforçaria essa hipóte-
se – obviamente indemonstrável. O caçador teria sido o primeiro a “narrar uma história”
porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela
presa, uma série coerente de eventos.
Fonte: Ginzburg, 2007, p. 151-152.

Por que a história retratada nesse texto é um exemplo de generaliza-


ção apressada? Porque, sem provas, os irmãos foram presos. Na verdade,
não eram ladrões ou estavam mal-intencionados, mas tinham a habilida-
de de detectar e interpretar pistas e indícios para organizar um conjunto
de informações e transformá-las na narrativa que explica um fato.

Além de a história contada nos mostrar e lembrar como as narra-


tivas nos ensinam a ler o mundo através do tempo, é um exemplo de
como a generalização apressada está presente em nosso cotidiano. E
como fazer para não cair nessa falácia? Devemos evitar que a visão
negativa que temos sobre alguma ação ou algum comportamento in-

Argumentação oral e escrita 85


fluencie nossa avaliação sem que haja provas. Além disso, é bom fazer
perguntas para não dar margem a estereótipos: o exemplo em questão
pode ser estendido para todas as situações? Ou a formulação de um
estereótipo está nos impedindo de dar crédito a outras constatações?

4.4.4 Círculo vicioso


A ideia de situações cíclicas em que não se sabe mais exatamente
qual é o lugar da causa e qual é o da consequência não é nova. Nesses
casos, acontece o que se chama de círculo vicioso.

Há alguns anos, no Brasil, foi muito famosa uma propaganda de


biscoitos que dizia “Biscoito X é mais fresquinho porque vende mais
ou vende mais porque é mais fresquinho?”. Trata-se de um exemplo
que ilustra bem a ideia de um ciclo de palavras ou informações em que
não se consegue identificar o que é causa e o que é consequência. É
verdade que o ciclo apresentado na chamada publicitária utilizada aqui
como exemplo fez uma brincadeira com essa possibilidade de confu-
são entre causa e consequência, mas esse tipo de situação não é bem
vista quando se quer defender um ponto de vista em uma situação
formal, por exemplo.

Como não correr esse risco? É preciso observar bem as afirmações


que levam a uma conclusão sem que se escreva ou diga a mesma coisa
nos dois itens. Isso é possível quando cuidamos bem da progressão
temática dos textos, ou seja, quando cuidamos de mostrar, em cada
afirmação, um novo conteúdo.

4.4.5 Comparação inadequada ou falsa analogia


Conforme mostra o título desta subseção, comparação e analogia
nomeiam a mesma ação e ocorrem quando colocamos dois ou mais
elementos em contraste para encontrar semelhanças e diferenças, ou
para fazer constatações sobre o que é superior, inferior ou igual. Mas,
para que a comparação funcione de fato como um argumento, precisa
ser válida ou fazer sentido.

Um exemplo prático que ilustra bem a ideia de comparação inválida


e que ouvimos bastante é a ideia de relacionar governos e empresas,
afirmando-se que, para funcionar, um governo precisa agir como uma
empresa. Precisamos ter um cuidado muito especial com isso: a finali-

86 Leitura e escrita no ensino superior


dade de uma empresa é ter lucro e de um governo, não. Por isso é uma
comparação falaciosa.

Como evitar isso e utilizar comparações que, de fato, ilustrem o que


se quer demonstrar ao público? Observe o exemplo a seguir: “Obama:
Excluir mulheres da política é como jogar futebol com metade do time”
(UOL NOTÍCIAS, 2020).

Essa foi a manchete de uma notícia que divulgava a participação


do ex-presidente norte-americano Barack Obama em um programa de
entrevistas no Brasil. A analogia feita pelo líder mundial foi motivada
por seu posicionamento em relação à eleição de Kamala Harris como
primeira mulher a ocupar o posto de vice-presidente na história dos
Estados Unidos, em 2020.

Essa comparação, ao contrário daquela que se configura como fa-


laciosa, é muito didática e bem direcionada ao público. Considerando
que a entrevista foi concedida a um veículo do Brasil, dirigida à popula-
ção brasileira, e que somos um país muito identificado com o futebol,
a exemplificação se torna muito concreta e inteligível para promover a
reflexão dos espectadores quanto à importância de incluir as mulheres
no cenário político.

4.4.6 Emprego de palavras vagas ou imprecisas


Existem ao menos duas maneiras bem perceptíveis de se empregar
palavras que não traduzem o sentido que deveriam: quando não
conhecemos exatamente a palavra que queremos utilizar e nos
Desafio
valemos de outra parecida ou quando utilizamos uma palavra genérica
para significar algo específico. Que tal tomar um cuidado
especial e colocar o significado
Por exemplo, se dissermos que um motorista infligiu a lei, come- para algumas dessas palavras
temos uma falácia porque empregamos uma palavra parecida com a parecidas no quadro a seguir, a
fim de evitar equívocos?
que de fato deveríamos empregar: infringiu. A frase adequada seria
“um motorista infringiu a lei e por isso a autoridade lhe infligiu (impôs/ retificar
aplicou) uma multa”. ratificar
sessão
Outra situação de uso de palavras vagas ou imprecisas ocorre quan-
seção
do utilizamos generalizadamente uma palavra com diversos sentidos.
cessão
Algumas palavras como coisa acabam, no dia a dia, funcionando de um
comprimento
jeito muito abrangente: “Vou arrumar aquelas coisas no cartório”; “Me
cumprimento
alcança aquela coisa em cima da mesa, por favor?”; “Deixa eu coisear a

Argumentação oral e escrita 87


Glossário sala, depois você coloca o tapete”. Os usos de coisa ou do neologismo
neologismo: palavra nova, coisear não são bem-vindos na comunicação formal falada ou escrita.
inventada com base em outra. Para essas ocasiões, é importante escolher as palavras adequadas e
exatas, por exemplo: “Vou arrumar aqueles documentos no cartório”;
“Me alcança aquela bandeja em cima da mesa, por favor?”; “Deixa-me
arrumar a sala, depois você coloca o tapete”.

Esses são apenas alguns exemplos; poderíamos listar outros tantos,


principalmente em relação a palavras parecidas. Por isso, é bem im-
portante consultarmos o dicionário quando tivermos dúvida a respeito.

4.4.7 Falso dilema


A palavra dilema, em sua definição, prevê caminho duplo, duas
Leitura opções, e até aí não temos nada de falso. O problema acontece quando

O texto O amor é uma falácia, de


estamos diante de um caminho duplo falso.
Max Shulman, pode ser usado Por exemplo, suponha que você está buscando uma maneira de re-
como exemplo dos tipos mais
comuns de falácia e como po- solver uma situação (o desperdício de alimentos): “O desperdício de ali-
dem ser vistas ou interpretadas mentos, no Brasil, tem duas chances de resolução: as pessoas precisam
no comportamento das pessoas.
comprar melhor os alimentos no supermercado e os produtores preci-
Um toque de sarcasmo para que
você entenda que nem todos sam acondicionar melhor os produtos para que durem mais”. Trata-se
respondem da mesma maneira de um falso dilema porque estamos esquecendo ao menos um item: o
aos mesmos questionamentos.
desperdício durante o transporte dos alimentos.
É uma leitura interessante e
informativa escondida atrás do E como evitar esse tipo de falácia? Conferindo sempre se só existem
que parece ser um simples perde
e ganha argumentativo. mesmo duas saídas ou se elas são apenas as duas que você deseja es-
colher como argumento, mas existem outras.

Nesta seção, a ideia foi explorar um pouco os principais problemas


Atividade 3 que podemos encontrar quanto à elaboração de argumentos, com le-
Identifique o tipo de falácia veza e alguns raciocínios que podemos empregar no dia a dia. Mas vale
contida nas informações a
lembrar que nossa intenção nunca é esgotar a discussão; ao contrário:
seguir, que encerra uma crônica
de Antonio Prata (2015): “Todo a proposta é mover sua curiosidade e fazer com que você se sinta con-
abacate é verde. O Incrível Hulk vidado a elaborar seus próprios exemplos e singularizar sua experiên-
é verde. O Incrível Hulk é um
abacate”.
cia de discurso. Assim, corremos o risco – o excelente risco – de nos
comunicarmos melhor.

88 Leitura e escrita no ensino superior


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, compartilhamos a diversidade de possibilidades
que nos impossibilita fazer apenas uma – ou várias – consideração que
possa ser chamada de final a respeito de um tema tão amplo como a
argumentação. Reiteramos que as estratégias empregadas para defender
e comprovar um ponto de vista são múltiplas e não se esgotam, podendo
ser reinterpretadas e atualizadas à luz de novas problemáticas ou novas
situações vividas pela humanidade.
Os latinos tinham uma frase que serve de analogia aqui, para ficar no
campo das estratégias argumentativas: ne nuntium necare. Essa frase é
uma orientação para precaução dos imperadores que recebiam recados
por mensageiros: não mate o mensageiro. O texto é sempre nosso men-
sageiro e não deve, em situação alguma, ser posto em perigo.
Pela escolha do vocabulário mais adequado e das estratégias mais
expressivas, podemos expor nosso conhecimento, nosso ponto de vista,
nossas considerações e nossas dúvidas e inquietações a respeito de uma
ideia, sem agressividade ou perigo, e, mais importante, sabendo ouvir o
mensageiro que traz as vozes de outras pessoas e respeitando-as.

REFERÊNCIAS
BALEIRO, Z. A moral do cascudo. ISTOÉ, 25 mar. 2011. Disponível em: https://istoe.com.
br/130038_A+MORAL+DO+CASCUDO/. Acesso em: 16 dez. 2020.
CARL Sagan mostra como gregos antigos já sabiam que a Terra era redonda. Galileu, 27
mar. 2017. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2017/03/carl-
sagan-mostra-como-gregos-antigos-ja-sabiam-que-terra-era-redonda.html. Acesso em:
16 dez. 2020.
DOYLE, A. C. Um estudo em vermelho. Cotia: Pé de Letra, 2017.
GARY, R. A vida pela frente. São Paulo: Todavia, 2019.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
GUEDES, P. C. Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola, 2009.
KAZANTZÁKIS, N. A vida e as proezas de Aléxis Zorbás. Porto Alegre: TAG, 2017.
LISPECTOR, C. Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1978.
PAMUK, O. Istambul. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
PAMUK, Orhan. A mulher ruiva. São Paulo: Grua, 2020.
PRATA, A. Terrorismo Lógico. Folha de São Paulo, 11 jan. 2015. Disponível em: https://m.
folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2015/01/1573334-terrorismo-logico.shtml. Acesso
em: 16 dez. 2020.
SCHWARTSMAN, H. Mortes anunciadas. Folha de São Paulo, 14 abr. 2019. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2019/04/mortes-anunciadas.
shtml. Acesso em: 16 dez. 2020.
SHAKESPEARE, W. O Mercador de Veneza. 2001. Disponível em: http://www.dominiopublico.
gov.br/download/texto/cv000094.pdf. Acesso em: 16 dez. 2020.
UOL NOTÍCIAS. Obama: Excluir mulheres da política é como jogar futebol com metade do
time. Uol, 16 nov. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/2020/11/16/obama-mulheres-politica.htm. Acesso em: 16 nov. 2020.

Argumentação oral e escrita 89


GABARITO
1. Podem ser aceitas todas as respostas que explicarem que a ação de argumentar está
relacionada à elaboração de justificativas ou de estratégias textuais que possam ser
empregadas para validar um ponto de vista.

2. A resposta e a escolha são pessoais, mas segue uma sugestão de elaboração, consi-
derando as partes que o texto de resposta deve conter: “Eu queria ser escritor. Mas
depois dos acontecimentos que passarei a narrar, estudei geologia e me tornei em-
preiteiro. Mas os leitores não devem concluir, pelo fato de eu contar a minha história,
que agora tudo é coisa do passado, que deixei tudo para trás. Quanto mais penso
nela, mais fundo mergulho. Talvez vocês também sigam esse caminho, seduzidos pelo
enigma de pais e filhos (PAMUK, 2020, p. 11)”. O trecho do livro adverte os leitores para
não fazerem uma generalização apressada, pensando que se o autor conta sua histó-
ria, é porque tudo está no passado. Essa é uma ressalva muito importante quando se
trata de ler algum texto e dele extrair constatações. Não se deve agir apressadamente;
é preciso antes observar as pistas e os sinais.

3. Uma generalização apressada, porque associar a cor do abacate em comparação ao


personagem Hulk para constatar que ele é um abacate é não levar em consideração
todas as outras características que diferenciam os dois elementos em questão.

90 Leitura e escrita no ensino superior


5
Gêneros de escrita acadêmica
Como o próprio título deste capítulo evidencia, é hora de dar-
mos atenção mais específica a alguns pontos que escolhemos para
compartilhar sobre escrita acadêmica. Certamente esta não será
a única vez que, ao longo de sua formação, você irá se deparar
com recortes e orientações sobre como ler, elaborar e interpretar
textos acadêmicos. Nosso objetivo é fazer com que você se sinta
convidado a começar, ou a retomar do ponto em que está, a inte-
ração com diferentes produções e divulgações desse tipo de texto.
E, por certo, toda vez que tratamos da produção de conteúdo
encapsulada (guardada) em formatos de textos específicos que
requerem nosso cuidado com objetivos, público-alvo e linguagem,
temos algumas características a observar. Isso tudo fica mais fácil
quando escolhemos um recorte de leitura e produção para esses
diferentes textos. É o que faremos juntos nas próximas seções!

5.1 Tópicos de escrita acadêmica


Vídeo “Eu viajo quase todos os dias de avião. Se o piloto está na porta do avião, a primeira coisa que eu pergunto é:
‘Você tem medo de avião?’ Se ele disser que tem, eu viajo totalmente sossegado. Por que, se ele tem medo, o
que faz? Prepara, organiza, estrutura, vê mapa, faz o melhor.” (CORTELLA, 2017, p. 42)

O filósofo e professor Mário Sergio Cortella escreve em várias oca-


siões ter sido definitivamente influenciado por um professor ao longo
da etapa de estudos que equivale hoje ao ensino médio. Isso porque
o professor havia dito a ele que, se desejasse escrever bem, deveria
escrever como Machado de Assis. Uma afirmação como essa pode ser
interpretada ao menos de duas maneiras.

Talvez a mais simples e superficial seja a que afasta a possibilidade


de alguém como nós (quando não pretendemos ser escritores, mas
apenas e tão somente escrever para nos comunicar) atingir um nível
de uso da linguagem em sua excelência, como fazia Machado de Assis.

Gêneros de escrita acadêmica 91


No entanto, a segunda interpretação, que é aquela oferecida por
Cortella, parece mais justa e afiançável para quem estuda e aprende a
ousar nos mais diversos tipos de comunicação: cada um de nós pode
escrever como Machado de Assis, não no sentido de imitá-lo, mas de
fazer o que ele fez, ser ele mesmo. Como assim? Isso parece confuso,
mas se torna mais didático e aplicável quando entendemos que o con-
selho sobre escrever como Machado de Assis significa assumir a nossa
própria identidade em relação à linguagem, escolhendo o vocabulário,
o jeito de construir as frases e o modo de comunicar.

Essa explicação inicial, quando se trata de explorar tópicos de escri-


ta acadêmica, tem razão de ser porque a ideia aqui não é apenas listar
maneiras de elaborar diferentes textos, mas que você faça um exercí-
cio de ponto de partida e, com base em um pequeno roteiro, estabele-
ça o que já sabe e o que ainda precisa ser identificado e aprendido de
modo a melhorar seu conhecimento e sua fundamentação para elabo-
rar textos acadêmicos. Nesse sentido, você pode começar seguindo o
roteiro do quadro a seguir.
Quadro 1
Roteiro para escrita acadêmica

Pergunta motivadora Detalhamento/Reflexão Resposta/Elaboração das suas percepções


Sem dúvida, é um texto que
depende de dados, em geral
O que vem à sua cabeça ao
numéricos, para ser elabo-
ouvir a palavra relatório?
rado. Mas é só isso? Uma se-
quência de números?
Talvez haja vários caminhos
para dar esse primeiro passo,
Se um professor ou um co-
mas uma indicação válida é
mando de prova solicitar a
apropriar-se do tema de que
você a elaboração de uma
trata o texto ou objeto a ser
resenha, qual é o primeiro
resenhado: é preciso revelar o
passo?
conteúdo e emitir uma análise
sobre o quê?
Em geral, o resumo faz parte
da resenha. É ele que concen-
tra as principais informações
Você saberia apontar uma de um texto sem distorcê-las,
diferença básica entre re- fazendo com que, com base
sumo e resenha? nelas, se possa estabelecer
relações com outros textos e
fazer análises, transformando
o conjunto em uma resenha.
(Continua)

92 Leitura e escrita no ensino superior


Pergunta motivadora Detalhamento/Reflexão Resposta/Elaboração das suas percepções

Não precisa decorar esse tipo


de informação, mas é, sem dú-
Você se lembra ou estima vida, bem importante lembrar-
quantas e quais são -se de que deve haver resumo,
as partes de um artigo palavras-chave, introdução,
acadêmico? desenvolvimento, conclusão/
considerações finais e referên-
cias bibliográficas.

Essa é sempre uma grande


questão. Há quem afirme que
não gosta de usar ou não se
sente à vontade para empre-
Você usaria primeira ou
gar a primeira pessoa do dis-
terceira pessoa do discurso
curso em textos acadêmicos.
para elaborar textos acadê-
No entanto, é bem comum
micos?
encontrarmos textos que apre-
sentam esse uso e o fazem de
maneira a envolver o leitor, sem
prejuízo algum de conteúdo.

Fonte: Elaborado pela autora.

Depois de preencher adequadamente esse pequeno roteiro, você


pode se perguntar: qual é a minha obra? Ou ainda, como fazer para
que minhas leituras e escritas estejam inseridas no ciclo de construção
de conhecimento do qual faço parte? Essas reflexões são bem impor-
tantes para que cada um possa se colocar como um sujeito autônomo
de seu processo de aprendizado. Por isso, a analogia sobre escrever
como Machado de Assis é tão bem-vinda: ninguém consegue se apro-
priar de fato de um processo que envolve conhecimento se não o fizer
com base em suas perspectivas, sua identidade, sua linguagem e sua
vontade de compreender melhor o mundo.

Por essas razões, vamos começar com um primeiro gênero que


mescla informação e opinião, ou juízo de valor, na seção a seguir. Não
deixe de considerar o exercício que você fez (preenchendo o quadro
anterior) para, a partir daí, observar com atenção cada novo elemento
discutido neste capítulo. Isso retoma a nossa epígrafe: manter o medo
do avião mesmo quando já somos pilotos. Já sabemos escrever, mas o
respeito pelo planejamento, pela organização e pela orientação ofere-
cida pelos mapas nunca deve ser negligenciado.

Gêneros de escrita acadêmica 93


5.2 Resenha
1
“It takes two to tango” .
Vídeo
Começamos nossa abordagem de textos acadêmicos com a rese-
nha, porque ela concentra a possibilidade de relacionar a leitura, a
compreensão, a descrição, a enumeração, o comentário e a análise de
um objeto específico (o qual pode ser um filme, uma peça, uma partida
1 esportiva, uma entrevista, um programa de rádio ou TV, um álbum, um
Ditado popular americano que livro, um artigo ou qualquer outro tipo de produção artística, acadêmi-
significa “é preciso dois para ca ou científica). Observe que isso significa afirmar que o ponto de par-
dançar tango”.
tida para a elaboração de resenhas pode ser um item muito variável,
dependendo da área de conhecimento que vamos explorar.

Em seu livro Guia de Escrita, Pinker (2016, p. 93) descreve a seguinte


situação:
A melhor maneira de lembrar os perigos das abreviações pes-
soais consiste em recorrer à piada do homem que entra numa
2 2
estância das montanhas Catskills pela primeira vez e vê um
As montanhas Catskills são uma grupo de humoristas judeus aposentados contando piadas aos
região turística do estado de colegas em volta de uma mesa. Um deles grita “quarenta e sete!”,
Nova York que recebe esportistas e os outros riem ruidosamente. Outro grita “cento e vinte!”, e
de inverno e interessados
de novo os outros se dobram de rir. O recém-chegado não tem
em eventos culturais. Abriga
também antigos hotéis onde como imaginar o que está acontecendo, e pede a um dos velhos
trabalharam humoristas famosos que explique. O homem diz “esses caras andam juntos há tanto
de origem judaica, que criaram tempo que todos conhecem as mesmas piadas. Então, para pou-
o estilo chamado Borsch Belt par tempo, deram a elas um número, e tudo o que precisam
comics.
fazer é gritar o número”. O sujeito diz “é brilhante! Deixem-me
experimentar”. Levanta-se e grita “vinte e um!”. Segue-se um si-
lêncio tumular. Tenta novamente: “setenta e dois!”. Todos olham
para ele e ninguém ri. Ele afunda no assento e sussurra para o
informante: “o que fiz de errado? Por que ninguém riu?”, ao que o
homem responde: “ah, tudo depende do jeito de contar”.

Em seu livro, Pinker elabora diferentes percepções sobre como é


preciso considerar muito bem o conhecimento que o produtor de um
texto tem e o conhecimento de quem lê ou ouve esse mesmo texto para
que a comunicação se estabeleça da melhor maneira. Utilizamos esse
exemplo porque, apesar de ser uma história que pode parecer mesmo
uma piada, é bem simbólica quanto a como funciona uma mensagem
que transita de pessoa para pessoa ou é de conhecimento geral em um
grupo, mas completamente desconhecida para outro.

94 Leitura e escrita no ensino superior


E como isso tudo está relacionado com a resenha? Um bom texto
de resenha apresenta um resumo eficiente do objeto resenhado, rela-
ciona-o com outros objetos ou temas semelhantes e convida o leitor a
conhecê-lo. Por isso, podemos empregar o exemplo relatado por Pin-
ker (2016) como comparativo. O objeto, nesse caso, é o conhecimen-
to das piadas, mas não é apenas isso; o tempo de convivência que os
envolvidos compartilham é muito relevante e isso faz toda a diferença
na hora de interagirem com o conteúdo. Portanto, trata-se também de
uma questão de afinidade. Por exemplo, todo o movimento de inter-
compreensão e frustração ao fazer uma propaganda entusiasmada so-
bre um filme e mesmo assim seus amigos ou familiares não gostarem
(ou o contrário, eles estarem entusiasmados e você não) faz parte do
processo de composição e entendimento de textos como a resenha.

Para além da análise de uma situação que é mais importante pelas


afinidades do que pelo conteúdo, como a expressa no texto de Pinker
(2016), vamos observar juntos e estudar mais um exemplo? Sigamos
juntos lendo um trecho do texto da jornalista Cláudia Laitano.

Solo
It takes two to tango (“é preciso dois para dançar tango”), dizem os americanos. O di-
tado, que costuma valer para o amor e seus contrários, talvez não se aplique bem ao
próprio tango – como qualquer um que já assistiu ao solo de um bailarino nas ruas
de Buenos Aires é capaz de atestar. Tradicionalmente um jogo em duplas, o xadrez há
décadas também dispensa interações: qualquer enxadrista misantropo tem horas de
diversão garantida com apenas um computador e uma boa conexão diante de si.
Fonte: Laitano, 2020, p. 3, grifo do original.

É assim que começa a coluna de Laitano, que faz uma análise da


série O Gambito da Rainha, popular desde outubro de 2020 na Netflix.
Nessa coluna, o texto elaborado é uma resenha da série. Mas por que
podemos afirmar isso? Porque uma resenha, para assim ser caracteri-
zada, precisa conter:
•• Um breve resumo do objeto a ser resenhado; podemos perceber
que, nesse trecho do texto, essa parte ainda não apareceu. Como
o objeto resenhado aqui é a série O Gambito da Rainha, sugeri-
mos uma possibilidade como exemplo: O Gambito da Rainha é
uma série da Netflix, exibida a partir de outubro de 2020, cuja

Gêneros de escrita acadêmica 95


personagem central é uma órfã que tem habilidades muito acima
da média para o jogo de xadrez.
•• Uma relação entre o conteúdo, o tema, ou um item de destaque
do objeto a ser resenhado e outras situações no mundo; observe
o comparativo inicial com o tango e a ampliação para um conhe-
cimento geral, de senso comum, na sequência, quando a autora
mobiliza a experiência do leitor com o jogo ou ferramentas do
cotidiano, como o computador.
•• Um tom de convite, mesmo sem ser escrito, para que o leitor,
com base na curiosidade despertada, sinta-se convidado a inte-
ragir de alguma maneira com o objeto resenhado.

Uma boa resenha, em geral, pode ser assim caracterizada com base
principalmente no repertório sociocultural que o autor do texto tem.
No exemplo de Laitano (2020), repare que ela relaciona o tango com o
movimento do jogo de xadrez; essa relação amplia o alcance do texto,
pode despertar curiosidade e não é algo previsível.

Aproveitamos para lembrar que, ao longo de seus estudos, serão


solicitadas a você resenhas de filmes e livros na maioria das vezes. Ago-
ra, antes de seguir com outros tópicos de escrita acadêmica, que tal
fazer um exercício e ver como se sai quanto à elaboração de uma re-
senha sobre algo escolhido por você? O quadro a seguir vai lhe ajudar
a produzir sua resenha; ele também pode ser usado no futuro como
consulta na hora de produzir outros textos desse tipo.
Quadro 2
Roteiro para produção de resenha

Descreva o objeto a ser resenhado


(livro, filme etc.).

Resuma de maneira bem organizada, cui-


dando para que o leitor compreenda suas
ideias, o conteúdo do objeto que deseja
resenhar.

Liste possíveis fatos, ideias, enredos de


livros, filmes ou situações que você já
presenciou ou viveu para fazer a relação
com o que você vê de interessante no tema
do item que é objeto de sua resenha.

(Continua)

96 Leitura e escrita no ensino superior


Estabeleça associações de comparação,
por exemplo, por igualdade, superioridade
ou inferioridade.
A frase “o ditado, que costuma valer para o
amor e seus contrários, talvez não se apli-
que bem ao próprio tango” que vimos no
texto de Laitano (2020) é um bom exemplo
para isso. Existe aí uma percepção da
autora sobre a aplicabilidade do ditado ao
tema e ao objeto resenhado.
Para finalizar o texto, sempre procure ofe-
recer ao leitor uma percepção extra e um
reforço daquilo que você pretendeu expor
na resenha.
Tomamos mais uma vez um trecho da colu-
na de Laitano (2020): “no xadrez, como na
vida, não é apenas um rei, ou uma rainha
quem decide o rumo da partida”. Observe
que é uma frase final que retoma, confirma
e finaliza aspectos essenciais que a autora
utilizou na elaboração do texto.

Fonte: Elaborado pela autora.

Percebemos que a resenha precisa combinar nossa destreza em Atividade 1


resumir as principais informações, de um jeito convidativo, com o Elabore uma resenha para uma
que selecionamos de melhor do nosso repertório de leituras e vivên- série ou filme assistido por você,
considerando que deve tentar
cias. Depois desse exercício, essencial para perceber o que temos
convencer outras pessoas a
e o que nos falta em relação à composição desse gênero, vamos assistirem essa produção.
trabalhar com um texto que requer mais cuidado técnico em sua
elaboração: o relatório.

5.3 Relatório
Vídeo “No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as ‘gestas dos reis’. Hoje, é claro,
não é mais assim. Cada vez mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixado de
lado ou simplesmente ignorado. ‘Quem construiu Tebas das sete portas?’ – perguntava o ‘leitor operário’ de
Brecht. As fontes não nos contam nada daqueles pedreiros anônimos, mas a pergunta conserva todo seu peso.”
(GINZBURG, 2006)

O trecho que escolhemos para utilizar como epígrafe pode parecer


muito distante do que pretendemos aprender com o estudo e o enten-
dimento de relatórios. Porém, aqui fica bem interessante fazermos um
pequeno raciocínio de argumentação lógica: muito do que conhecemos
hoje, em todas as áreas e ciências, deve-se à documentação. O relatório
é um documento. Logo, fazer bons relatórios – legíveis e com escolha
adequada de conteúdo – é uma maneira de dar suporte à ciência.

Gêneros de escrita acadêmica 97


Em geral, essa tarefa é de quem não se sente menos importante por
ser, como diz o texto de Ginzburg (2006), um “pedreiro anônimo”. E o
que desejamos exatamente dizer com isso? Que todos nós, na condi-
ção de coadjuvantes da construção do conhecimento, somos capazes
de contribuir para a elaboração de textos que podem se transformar
3 em documentos imprescindíveis. Isso é possível principalmente quan-
Isso não é uma ameaça, mas do não tratamos um texto técnico (como o relatório) como se fosse
uma inspiração sobre o quanto um simples preenchimento de fórmula sem outra função. Lembre-se
é bom poder se tornar fonte de sempre: seu relatório ficará arquivado em algum lugar e poderá ser
pesquisa ou citação para alguém
que vem depois de nós. acessado a qualquer hora; por isso, aja sempre como o pedreiro ou
3
artífice anônimo que não teme a desimportância .

O relatório é, de fato, um texto mais técnico, considerando que a


ideia encerrada por ele é relatar em ordem cronológica eventos relacio-
nados a uma situação ou um fato observado, além de poder ser feito
com base em ações desenvolvidas para impactar algum cenário e alte-
rá-lo beneficamente.

Vamos observar a seguir algumas características do relatório, lendo


parte de um documento publicado pelo Ministério da Saúde a respeito da
Saiba mais
vacinação contra a rubéola no Brasil. Com base no exemplo, vamos com-
Observe alguns cadernos sobre
preender como podemos utilizar esse formato em nossas elaborações.
ciência de diversos jornais do
país indicados a seguir. Podemos Figura 1
notar que há uma reocupação Exemplo de relatório
convergente entre os principais
e mais antigos jornais do país, já
que, como podemos ver, todos Í N D I C E
têm uma seção de ciência em Apresentação 11
suas publicações. Nela são di- Agradecimentos 13
vulgadas descobertas e análises
científicas, mas com linguagem 1. Introdução 15
que permite ao público leigo 1.1 Brasil: o país e sua diversidade 15
acessar essas informações e 1.2 A rubéola e a SRC como problema de saúde pública 19
compreendê-las.
1.3 Eliminação da rubéola nas Américas 20
• https://www1.folha.uol. 1.4 Situação epidemiológica da rubéola e SRC no Brasil 21
com.br/ciencia/
2. A realização da Campanha de Vacinação para Eliminação da Rubéola no
• https://oglobo.globo. Brasil 28
com/sociedade/ciencia/
2.1 Objetivos 28
• https://ciencia.estadao.
2.2 Meta e população-alvo 29
com.br/
2.3 Estratégias e etapas da campanha 31
• https://gauchazh.clicrbs.
com.br/ultimas-noticias/ 2.4 Organização e planejamento 33
tag/ciencia/ 2.5 Capacitação 35
Acessos em: 28 dez. 2020. 2.6 Microprogramação 38

(Continua)

98 Leitura e escrita no ensino superior


2.7 Imunobiológicos, outros insumos e logística 38
2.8 Vacinação em área de fronteira 40
2.9 Vacinação segura 41
2.10 Sistema de informação 45
2.11 Supervisão 47
2.12 Monitoramento e avaliação 49
2.13 Dinâmica da campanha no Brasil 52
2.14 Aspectos facilitadores e limitações 55
2.15 Custos da campanha 73
3. Comunicação social 74
3.1 Ações do Ministério da Saúde 74
3.2 Ações de comunicação nos estados 132
4. Resultados da campanha 161
4.1 Cumprimento da meta de cobertura 161
4.2 Homogeneidade dos resultados 164
4.3 Resultados da campanha por UF 165
5. Lições aprendidas 171
Referências 172
Anexo – Divulgação da campanha em sites parceiros 175

Fonte: Brasil, 2009.

Podemos seguir um modelo como o índice do documento, com sete


partes, para a confecção de um relatório, independentemente de seu
tema. A ideia aqui é utilizar como exemplo um cenário de saúde, jus-
tamente porque ela é fundamental para qualquer âmbito de nossas
vidas, seja qual for a nossa área de atuação. Porém isso vale para todas
as áreas. Vamos às partes do documento.

1. Introdução

Essa parte do relatório precisa apresentar o tema em que se


inscreve a situação observada e relatada no documento. No índice
em questão, vemos que há um recorte relacionado à formação do
Brasil como país. Por que isso é importante? Porque os dados que
serão apresentados no relatório dizem respeito à imunização da
população brasileira em relação à rubéola. Para falar dos dados, é
preciso situá-los. Guarde bem essa informação, pois isso é repre-
sentativo para começar a relatar uma situação observada que, em
geral, envolve números, por isso se faz em formato de relatório.

Gêneros de escrita acadêmica 99


2. O fato a ser relatado

Em nosso exemplo, temos um relatório sobre como foram ob-


tidos e quais são os dados de que o Ministério da Saúde dispõe a
respeito da vacinação contra a rubéola no Brasil. Há vários passos
que devem ser observados nesse ponto do documento, porque ele
é o coração do texto. É o espaço para inserir os objetivos (sempre
iniciando com verbos no infinitivo, como “promover a imunização da
população [...]”) e descrever as etapas, o método utilizado, como os
envolvidos no processo trabalharam etc. Também é a parte em que
se deve inserir os dados e relacioná-los entre si.

3. As ações que podem alterar o cenário

O item do índice que trata da comunicação social deve ser


observado com atenção. Como nosso exemplo está diretamen-
te relacionado ao Ministério da Saúde, a indicação de ações está
creditada a essa pasta governamental. Um segundo tópico traz
ideias para ações mais localizadas, que devem ser tomadas pelos
estados. Esse é apenas um exemplo, mas qualquer relatório, não
importa o tema, pode apresentar a necessidade de ações mais
amplas e outras mais restritas e específicas. Por isso é tão impor-
tante observar os dados obtidos em uma situação a ser relatada
desde a origem até as consequências.

4. Resultados obtidos ou esperados

Essa parte da descrição do relatório deve ser observada com


cuidado. Caso tenha sido feito o relato de uma pesquisa que levou
em consideração algum método, devem ser descritos os resulta-
dos alcançados, inclusive com números para comprovar as afir-
mações. Caso a pesquisa esteja em curso e o que se tem seja um
relatório parcial, com perspectiva de conclusão da pesquisa ou de
aplicação de outras edições, o que se deve elaborar são hipóteses
com base nos números e indicativos já obtidos.

100 Leitura e escrita no ensino superior


5. Aprendizados/balanço/conclusão

Todo fato observado gera possibilidades de constatação e


aprendizado. No exemplo que utilizamos, o acesso aos números
promove constatações sobre o alcance que já foi obtido pelas
ações de imunização, o que implica a previsão de ações que pos-
sam melhorar esse alcance de acordo com as características dos
participantes. Além disso, apresenta projeções de cenário, consi-
derando o desenrolar das ações. Isso quer dizer que é preciso rea-
lizar ações que promovam o aumento da cobertura de vacinação
e, consequentemente, melhorem a percepção de imunização.

6. Referências

Trata-se do espaço destinado a inserir as informações sobre


fontes de pesquisa, como livros, revistas, sites, publicações acadê-
micas etc., tudo de acordo com as normas do periódico em que o
artigo será publicado.

7. Anexos

A quantidade e o tipo de anexos dependem muito do que foi


objeto do relatório. Aqui podem entrar fotografias, ilustrações, Saiba mais
mapas, certidões, declarações e outros itens que tenham sido mo- Como não vamos tratar
bilizados para a confecção do documento. aqui da apresentação e dos
agradecimentos, que podem ou
não aparecer no texto relatório,
Neste ponto da análise do texto de relatório, você pode se pergun- aproveitamos para sugerir que,
tar: e a apresentação e os agradecimentos que apareceram no começo quando tiver dificuldades ou
dúvidas para elaborar deter-
do índice? Destacamos que essas partes não necessariamente apa- minadas partes de um texto
recem em um texto de relatório, por isso é sempre bom se certificar, acadêmico, sempre consulte
quando receber a tarefa de elaborar um texto assim, se a solicitação documentos que nos ajudam a
acalmar nossas inquietações e
engloba o emprego desses dois itens. encontrar um caminho, como as
indicações e os exemplos pre-
Depois de trabalhar com o exemplo, que tal mais um exercício que
sentes no site da Universidade
nos ajuda a comprovar o que foi apresentado e a perceber quais são de São Paulo (USP), disponível
nossas dúvidas e dificuldades para elaborar um documento que pode em: https://usp.br/sddarquivos/
arquivos/abnt14724.pdf. Acesso
servir como base de pesquisa para outras pessoas? Vejamos então um
em: 28 dez. 2020.
passo a passo para elaboração do relatório a seguir.

Gêneros de escrita acadêmica 101


Quadro 3
Roteiro para produção de relatório

Escolha um fato a ser observado. Pode ser


uma situação do dia a dia ou algo que seja
fruto de uma pesquisa. Você pode, por
exemplo, contar quantas pessoas atraves-
sam uma rua e como elas fazem isso. Pode
parecer ingênuo, mas é um exercício de ob-
servação importante para entender como
organizar um relatório sobre um fato mais
complexo.
Na segunda etapa, depois de contextuali-
zar a situação e os elementos que a com-
põem, veja se você anotou exatamente as
quantidades, como elas devem e podem
ser relacionadas. Descreva exatamente os
elementos envolvidos no processo, na si-
tuação, imaginando que seus leitores não
conhecem o fato.
Depois, caso seja apenas uma observação,
como a sugestão sobre a quantidade de
pessoas ou veículos que atravessam uma
rua em determinado período, você pode
pensar em sugestões para melhorar o flu-
xo, se necessário.
Em seguida, estabeleça constatações pos-
síveis e aprendizados compartilháveis. Por
exemplo: como a sugestão de intervenção
para a situação observada por você pode ser
estendida para outros casos semelhantes?

Insira as referências

Insira os anexos, ou cite quais seriam em-


pregados neste exemplo.

Fonte: Elaborado pela autora.


Depois do exercício realizado com a observação, contextualização
e descrição da situação, podemos dizer que as condições para ler e
elaborar um relatório foram cumpridas. No entanto, destacamos que
há elementos que podem ou não aparecer nesse formato e que algu-
mas características apresentam flexibilidade para sua elaboração. Por
isso, sempre é muito importante verificar qual é a expectativa quando
se recebe a solicitação de elaboração de um relatório, que pode ser,
inclusive, de estágio.

102 Leitura e escrita no ensino superior


Depois disso, convidamos você a seguir outra parte do aprendi- Atividade 2
zado sobre textos acadêmicos: o resumo. Na próxima seção, vamos Elabore a apresentação para um
possível relatório feito por você.
exercitar um pouco as habilidades necessárias à elaboração de textos
Escolha o tema e a situação a
curtos que sintetizam as ideias principais a serem observadas em ou- ser observada e tome o devido
tros mais longos. cuidado para ser didático mesmo
para quem não conhece o tema
Atividade 3 nem é especialista na área do
conhecimento.
Leia o seguinte trecho do livro Estranhos à nossa porta, de Zygmunt Bauman, sobre o processo migratório
observado no mundo, principalmente de pessoas se deslocando para a costa da Europa pelo mar nas primeiras
décadas do século XXI.
A migração em massa não é de forma alguma um fenômeno recente. Ele tem acompanhado a
era moderna desde seus primórdios (embora com frequência mudando e por vezes revertendo
a direção) –, já que nosso ‘modo de vida moderno’ inclui a produção de ‘pessoas redundantes’
(localmente ‘inúteis’, excessivas ou não empregáveis, em razão do progresso econômico;
ou localmente intoleráveis, rejeitadas por agitações, conflitos e dissensões causados por
transformações sociais/políticas e subsequentes lutas por poder). Além de tudo isso, contudo,
hoje suportamos as consequências da profunda e aparentemente insolúvel desestabilização do
Oriente Médio, na esteira das políticas e aventuras militares das potências ocidentais, estupida-
mente míopes e reconhecidamente fracassadas. (BAUMAN, 2017, p. 12)
Considerando que esse trecho pudesse fazer parte de um relatório a respeito dos movimentos migratórios, identifi-
que a qual parte do texto ele poderia pertencer, justificando sua resposta com base em elementos de composição
presentes no texto.

5.4 Resumo
“— Onde estamos? — pergunto em voz alta. Estas duas palavras, que costumamos pronunciar quando,
Vídeo viajando no estrangeiro, chegamos a algum lugar, são uma espécie de fórmula mágica que tem o dom de
nos acordar para a realidade, livrando-nos dessa perigosa dormência ou agitação turística que nos embota
os sentidos, levando-nos a aceitar com demasiada naturalidade ou indiferença, e sem verdadeiro proveito
e encanto, o fato de estarmos em exóticas geografias dantes tão sonhadas e desejadas. Muitas vezes só
depois de voltar a nossa casa no Brasil é que, numa surpresa retrospectiva, nos maravilhamos de ter estado
no palácio do rei Minos, na ilha de Creta, no Grande Bazar de Istambul ou no Barrio Gótico de Barcelona.“
(VERISSIMO, 2002, p. 26)

Observe que a epígrafe empregada aqui nos apresenta alguns de-


safios para que a leitura seja feita adequadamente: o autor relata uma
experiência em primeira pessoa (singular e plural) e faz com que nosso
entendimento caminhe no sentido de compreendermos que a pergun-
ta inicial “onde estou/estamos?” pode ser feita por qualquer um de nós,
quando temos experiências de deslocamento espacial e que envolvem
mudança de habitação ou de horário. Essa estratégia de perguntas nor-
teadoras para a nossa localização em relação a uma referência pode
ser feita para compreendermos melhor os passos necessários à elabo-
ração de um resumo.

Gêneros de escrita acadêmica 103


Ler um novo texto sempre envolve uma sensação de fronteira entre
o que já se conhece e a percepção de estar em terra estrangeira. As-
sim como o movimento e a sensação descritos por Erico Verissimo na
epígrafe – a percepção de onde estivemos só vem mais tarde, depois
de voltarmos para casa –, nossa percepção sobre os textos que precisa-
mos resumir também pode ser experimentada dessa maneira, em um
movimento de aproximação e distanciamento, para guardar apenas o
que é essencial e nos impressiona de fato.

Desse modo, o que é e como funciona necessariamente o resu-


mo de um texto acadêmico? Trata-se de uma redução muito signifi-

Atenção cativa da quantidade de palavras para informar a mesma mensagem


e do estabelecimento de relações específicas entre elas. O resumo
É possível que, ao longo de seus
estudos, você seja chamado a não pode distorcer as informações apresentadas no texto-base e não
elaborar o que muitos chamam deve conter ideias subjetivas.
de resumo crítico. Caso haja
essa orientação, lembre-se de Para perceber um pouco mais como funcionam as habilidades exi-
que o resumo crítico pode ser gidas ao resumir um texto, leia o trecho a seguir, que foi retirado de
encaixado nas características de
uma notícia sobre a descoberta do desenho de um gato gigante de 37
uma resenha.
metros no deserto de Nazca (Peru).

O desenho de um gato gigante em posição de descanso foi descoberto no deserto de


Nazca, no Peru. A região, chamada de Linhas de Nazca e considerada como um patri-
mônio da humanidade pela Unesco, é conhecida por abrigar vários geoglifos (grandes
desenhos feitos no solo) com mais de dois mil anos de idade.
Como um gato gigante passou tanto tempo escondido? É porque não havia de onde
enxergá-lo. A imagem veio ao conhecimento do público por conta da construção de
uma plataforma de observação na região, concedendo o ângulo necessário para que se
observe a imagem.
Fonte: Desenho..., 2020.

Esse trecho trata-se de um texto informativo, cuja função de lingua-


gem predominante é a referencial, o que quer dizer que não há figu-
ras de linguagem ou vocabulário empregado com a intenção de gerar
duplas interpretações, humor ou qualquer outro sentido ligado à co-
notação da linguagem. É uma descoberta relatada em um caderno de
divulgação científica de um jornal de circulação diária. Portanto, as es-
colhas de palavras não podem ser técnicas; precisam ser mais diretas e
próximas ao vocabulário do leitor cotidiano.

104 Leitura e escrita no ensino superior


Observadas essas características, para fazer um resumo simples 4
4
apenas desse trecho do texto, vamos começar pelas perguntas :
Para conferir a notícia na íntegra
•• Onde o texto foi publicado ou qual é a fonte? O texto foi publi- e responder às perguntas,
acesse: https://noticias.
cado no site de notícias UOL em 19 de outubro de 2020.
uol.com.br/internacional/
•• Qual é o tema ou a informação principal do texto? A desco- ultimas-noticias/2020/10/19/
desenho-de-gato-com-37-me-
berta do desenho de um gato gigante em posição de descanso no
tros-e-2-mil-anos-e-descober-
deserto de Nazca, no Peru. to-em-deserto-no-peru.htm.
•• Quais são os elementos ou as informações paralelas à princi- Acesso em: 29 dez. 2020.
pal e que são relevantes para o entendimento da situação? A
informação paralela mais importante é de que a imagem do gato
não era vista anteriormente, porque não havia distanciamento e
ângulo apropriados para observação, porém foi encontrada gra-
ças à construção de uma plataforma. Além disso, a região é consi-
derada patrimônio da humanidade pela Unesco e já é conhecida
por conter outros geoglifos.

Vamos elaborar a informação resumida?

No dia 19/10/2020, o site de notícias UOL divulgou a descoberta de uma imagem de


um gato gigante, encontrada no deserto de Naszca (Peru), já conhecida pela existência
de outros geoglifos e considerada patrimônio da humanidade pela Unesco. A observa-
ção foi possível graças à construção de uma plataforma de observação naquela região.

Esse é um exemplo de como podemos resumir sem distorcer ou Curiosidade

acrescentar informações a textos que lemos no dia a dia. Lembre-se de Telefone sem fio é o nome de
uma brincadeira feita em um
que, no resumo, não se pode fazer telefone sem fio.
grupo razoavelmente grande de
Como pudemos observar, o resumo de um texto informativo obe- pessoas. A primeira pessoa fala
uma frase ao ouvido da pessoa
dece a alguns itens básicos, que são verificados também nos resumos imediatamente mais próxima e
de outros textos, como nos artigos acadêmicos, mas de maneira mais assim sucessivamente. Em geral,
complexa. Vamos juntos analisar um exemplo? a frase que chega até a última
pessoa é muito diferente da-
quela que foi dita pelo primeiro
participante.
ANÁLISE COMPARATIVA DOS CONCEITOS ESPORTE EDUCACIONAL E ESPORTE
DA ESCOLA
Quéfren Weld Cardozo Nogueira, João Paulo de Jesus Mendonça
Resumo
Este trabalho executa uma análise comparativa dos termos “esporte educacional”e “esporte
da escola” [1]. De modo geral, ambos os conceitos podem ser tomados como equivalentes,
(Continua)

Gêneros de escrita acadêmica 105


todavia, enquanto o conceito de esporte educacional é usado em documentos legais
como a Política Nacional de Esporte, o conceito de esporte da escola tem sido funda-
mental para intervenções pedagógicas pautadas em perspectivas críticas da Educação
Física [2]. O texto busca distinguir conceitos e suas ligações com a prática pedagógica e
intervenções políticas no esporte [3].
Palavras-chave: esporte, educação física, conceito.
Fonte: Nogueira e Mendonça, 2015, grifos do original.

Observamos na leitura desse resumo a indicação do que devemos


esperar encontrar ao longo do texto do artigo. Em [1] temos a contex-
tualização do tema: a abordagem que diferencia esporte educacional
e esporte da escola. Em [2] temos a problematização: por que é im-
portante e necessário fazer essa discussão? O resumo nos mostra que
são conceitos diferentes, embora sejam tomados como sinônimos e
essa discussão será a centralidade do artigo. Já em [3], temos a indica-
ção dos objetivos que o texto do artigo pretende atingir: distinguir os
dois conceitos e estabelecer sua ligação com a prática pedagógica.

É verdade que, dependendo da complexidade do texto a ser sinteti-


zado, o resumo apresenta outras partes, como podemos ver no próxi-
mo exemplo, que é o resumo de uma dissertação de mestrado.

Resumo
A viola caipira é um instrumento com forte identificação com a cultura caipira e com sua
sonoridade. As músicas caipiras tocadas com viola são conhecidas como modas de violas.
O interior do estado de São Paulo (Brasil) possui ligação histórica com a cultura caipira,
fruto da integração de variadas culturas em contato com a população nativa Tupi. Uma
cultura relacionada a modos de vida no campo, com um dialeto característico e uma
sonoridade musical própria. Ao longo do século XX, com as transformações da vida e do
trabalho no campo e com a urbanização do estado de São Paulo, imaginou-se a crise das
bases da cultura caipira frente à cidade [1]. Ao mesmo tempo, com o desenvolvimento
da indústria fonográfica e do rádio a partir do início daquele século, as modas de viola e
o gênero de música caipira se tornaram muito populares por todo o país. Em um cenário
hoje em que o estado é quase todo urbanizado, com as transformações da vida no campo
e com os fluxos globais de comunicação via smartphones, há a continuidade da cultura
caipira como referência aos sujeitos e seus processos de subjetivação [2].

(Continua)

106 Leitura e escrita no ensino superior


Para pensar esses processos, neste trabalho abordo as emoções e imaginários mobili-
zados nas modas de viola entoadas pelo Grupo de Viola Morena da Fronteira, da cidade
de Socorro, SP, com quem tive contato entre 2018 e 2020 – explicitando a materialida-
de da cultura caipira na relação criada entre violas, violeiros e suas modas [3].
Palavras-chave: caipira; cultura caipira; globalização; modas de viola; música brasileira;
viola caipira.
Fonte: Salgado, 2020, grifos do original.

A pesquisa realizada foi apresentada em três partes diferentes


nesse resumo. Em [1] percebemos a ambientação do tema: a viola cai-
pira, seu surgimento, consolidação e representatividade identitária em
um grupo social. Em [2] apresenta-se a problematização da pesquisa:
como a viola caipira encontra e mantém seu lugar no processo de urba-
nização e de mudanças da indústria fonográfica? Por fim, em [3] há as
indicações do grupo pesquisado pelo autor da dissertação, do período
compreendido pela pesquisa e da explicitação das constatações. Além
de ser mais longo que o primeiro, o segundo exemplo apresenta mais
informações relacionadas à complexidade da pesquisa.

Ainda uma observação importantíssima sobre o uso de primeira


ou terceira pessoa em textos acadêmicos: no exemplo do primeiro
resumo, temos a impessoalidade, isto é, não há manifestação ou apa-
recimento dos pesquisadores; já no segundo exemplo, é possível iden-
tificar que o pesquisador empregou a primeira pessoa do singular. Em
razão da explicitação desses dois exemplos, reiteramos que a escolha
da pessoa depende da participação ou observação do pesquisador e da
negociação entre orientador e orientando no processo de desenvolvi-
mento da pesquisa e do relato.

Que tal um exercício para compreender a elaboração das partes de


um resumo, dependendo do grau de complexidade do texto a ser sin-
tetizado? Uma sugestão é abrir um artigo de pesquisa publicado em
um periódico de divulgação on-line. Depois de lê-lo, tente elaborar um
resumo para o texto. Em seguida, compare a sua elaboração com o
resumo oficial e veja se ficou parecido. Se quiser ou precisar fazer um
exercício que leve menos tempo, leia um texto mais curto. Para isso,

Gêneros de escrita acadêmica 107


6 que tal acessar uma divulgação de descoberta científica, como aquela
Textos assim podem ser encon- que empregamos como exemplo no início desta seção, sobre o gato
trados em cadernos específicos 6
gigante localizado no deserto do Peru? Esse exercício é bem impor-
de jornais, como Folha de São
Paulo, revista Galileu, jornal Zero tante para que você perceba as habilidades que está desenvolvendo
Hora, entre outros. em leitura ao não distorça os fatos observados.

Depois de tratarmos da síntese que pode expressar os conteúdos


de um texto maior, vamos abordar algumas características que são es-
senciais para que você leia e interaja melhor com artigos de divulgação
científica ou acadêmicos. Na próxima seção, convidamos você a obser-
var as características mais gerais e mais específicas desse gênero de
texto, bem como seu ambiente de circulação.

5.5 Artigo
“Quando eu refletia sobre meus futuros romances, sempre gostava de andar pelo quarto, de um lado para outro.
Vídeo Aliás, para mim, sempre foi mais agradável pensar em minhas obras e sonhar sobre como eu as escrevia, do que
escrevê-las de fato e, palavra, não era por preguiça. Mas, então, por que seria?” (DOSTOIÉVSKI, 2003, p. 26)

No trecho utilizado como epígrafe, o narrador do livro se coloca uma


questão que frequentemente enfrentamos quando se trata de produ-
zir conteúdo: a diferença entre como imaginamos algo que produzimos
e como o resultado realmente sai. Não é incomum que, ao longo de
seus estudos, isso aconteça com alguma frequência. Mas não desani-
me e não perca a curiosidade e o entusiasmo pelo conhecimento.

Para além disso, o título desta seção restringe-se apenas ao nome


artigo, sem especificações. Isso porque o artigo pode ser de opinião,
acadêmico ou de divulgação científica. Na verdade, essas especifica-
ções dizem mais respeito ao ambiente de circulação desse gênero de
texto do que propriamente ao seu formato ou maneira de composição.
Por isso, sempre é importante manter a informação geral de que existe
um conteúdo a ser tratado; o autor escolhe um ponto de vista sobre
esse conteúdo e passa a trabalhar considerando esse aspecto.

O trecho a seguir pode nos ajudar a identificar partes importan-


tes de um artigo e como transformar conteúdos utilizados em dife-
rentes abordagens, por pesquisadores e linhas de trabalho também
diversas, em texto próprio, autoral e acessível à leitura. Vamos ana-
lisá-lo juntos?

108 Leitura e escrita no ensino superior


A humanidade vive um momento crítico: Os próximos 10 anos serão decisivos para
evitar que o planeta se aqueça além do “ponto de não retorno”. Grande parte da huma-
nidade ainda vive na pobreza e a perda dramática da biodiversidade, a contaminação
das águas, do ar e das terras agricultáveis põem em xeque a capacidade da natureza
de continuar fornecendo materiais e serviços dos quais a humanidade depende. A Co-
vid-19 fez um milhão de vítimas no mundo em poucos meses, e seu surgimento está
diretamente relacionado à relação deturpada que temos com a natureza. É difícil pensar
em um assunto que seja de maior urgência existencial para a humanidade do que a
emergência ambiental.
Por outro lado, a hostilidade em relação à ciência em geral, e à ciência ambiental em
particular, coloca em evidência a necessidade de formar cidadãs e cidadãos conscien-
tes das suas responsabilidades individuais e coletivas. Esse desafio somente pode ser
encarado com o devido rigor através de pesquisa científica interdisciplinar e de ponta.
Fonte: Garraffoni et al., 2020.

No primeiro parágrafo, temos o que poderia ser a abertura de qual-


quer artigo científico o qual coloque em questão as relações estabe-
lecidas entre homem e natureza, as consequências advindas dessa
interação e a constatação de que a Covid-19 é uma consequência da
relação distorcida resultante desse contato. Isso quer dizer que há um
cenário identificado, especificado e descrito nesse início de texto, com
o cuidado de empregar conhecimento sobre temas de maneira a indi-
car o viés de trabalho que será dado ao texto na sequência.

No segundo parágrafo, para além da identificação das relações des- Curiosidade


critas no primeiro, bem como a indicação de suas consequências, surge A Revista Lancet é uma revista
a abordagem de quais são os obstáculos e caminhos para a modifi- com publicações semanais sobre
saúde, mais precisamente sobre
cação do cenário. Note que esses parágrafos poderiam aparecer em medicina, fundada no Reino
diferentes artigos os quais se referissem a estudos da relação humani- Unido em 1823. Trata-se de uma
dade-natureza, perpassada pela ciência e pela educação. das revistas mais antigas do
mundo nessa área de publicação.
Esse exemplo é de um artigo que mobiliza a opinião fundamentada,
ou o ponto de vista justificado de alguém sobre um tema específico.
No entanto, ao longo de sua formação acadêmica, além de um bom
leitor de textos publicados em diferentes locais, muitas vezes você será
chamado a ler e produzir artigos científicos. Por isso, a seguir, vamos
detalhar alguns aspectos importantes para a leitura e a elaboração des-
se gênero de texto acadêmico.

Gêneros de escrita acadêmica 109


5.5.1 Artigo científico
Na primeira parte, esse gênero apresenta o título, o resumo e as
palavras-chaves. O número de palavras-chaves varia em geral entre
três e cinco, e o número de palavras determinadas para a elaboração
do resumo também precisa ser verificado de acordo com o local de
publicação ou a determinação de quem estabelece as regras para sua
elaboração. Sobre a versão do resumo para outras línguas, também é
uma questão a ser verificada considerando o local de publicação. Em
geral, para artigos a serem produzidos em disciplinas de curso supe-
rior, exige-se apenas o resumo em língua portuguesa.

A introdução pode apresentar uma epígrafe; não é algo obriga-


tório, mas, se for bem empregada, é um trecho de texto que dialoga
bem com a proposição do problema elaborada a seguir. Depois, ela
apresenta detalhes da problematização proposta no resumo e situa o
leitor com relação ao recorte escolhido. Em seguida, é feita uma funda-
mentação teórica do assunto tratado no artigo, na qual o autor deve
apresentar brevemente alguns conceitos da área que serão usados no
seu artigo, empregando outras pesquisas a respeito do tema, fazendo
citações e relações entre conteúdos semelhantes ou diferentes. Essa
parte pode aparecer dentro da introdução ou em uma nova seção do
artigo, dependendo das regras do local de publicação.

Na próxima parte do artigo entra a metodologia, na qual aparecem


os suportes teóricos escolhidos para explicar a problematização e in-
dicar as possibilidades de entendimento do tema. Por exemplo, uma
pesquisa pode ser voltada à revisão bibliográfica, comparando as defi-
nições e as aplicações dos conceitos em estudos da área. Por ser uma
técnica bastante conhecida, não é preciso fazer muitas explicações so-
bre o que é uma revisão bibliográfica, mas caso fosse uma metodologia
diferente ou pouco conhecida, deveria haver um espaço para explicá-la.

Após a metodologia, são descritos os resultados encontrados com


base nos dados e informações coletados. Além disso, pode ser feita
uma seção de discussão, na qual as conclusões da pesquisa são com-
paradas às informações e aos resultados de outros estudos, por se-
melhança ou diferença. Nessa parte, costumam aparecer citações de
outros textos para que haja uma conversa entre as pesquisas. Observe
que quando são feitas referências a outros autores por citação direta

110 Leitura e escrita no ensino superior


ou indireta, há sempre uma relação com o restante do texto, uma expli- Saiba mais
cação, uma análise, ou uma continuidade de raciocínio. Quando há citação direta de um
trecho de mais de quatro linhas,
Então, chegamos às considerações finais, que é reservada para se ela é feita com uma formatação
fazer um balanço do que foi apresentado no corpo do artigo, mostrar diferenciada: a fonte é menor e
há um distanciamento maior da
possibilidades de novas aplicações para a mesma discussão, ou ain-
margem esquerda.
da apontamentos sobre o que pode acontecer com base no que já foi
discutido. As referências consultadas costumam aparecer no final do 7
7
artigo, em ordem alfabética por autor . Em geral, quando há mais de
Você pode verificar isso nas
uma obra citada do mesmo autor, elas são apresentadas em ordem referências no final de cada
cronológica. capítulo deste livro.

Agora, vamos observar um esquema que resume a estrutura do ar-


tigo científico, com a indicação do que deve haver em cada parte.

Quadro 4
Estrutura do artigo científico

Título Deve conter uma síntese que oriente o leitor sobre qual é o tema tratado no texto.
É o espaço reservado para sintetizar o tema, a base teórica, o problema, a meto-
dologia, os objetivos e os resultados. É preciso obedecer às orientações sobre o
Resumo
número de palavras. Após o resumo, devem ser colocadas de três a cinco pala-
vras-chaves.
A introdução apresenta detalhes da problematização proposta e situa o leitor. Na
fundamentação teórica, o autor deve apresentar brevemente alguns conceitos
Introdução e da área que serão usados no se artigo. Algumas publicações pedem que o autor
fundamentação teórica separe a fundamentação da introdução e apresente ambas em seções diferentes,
mas isso não é uma regra, variando de acordo com o local onde o artigo será
publicado.
Trata-se do jeito como foi realizado o processo de pesquisa. É nesse ponto do tex-
Metodologia to que se deve descrever a amostra, os participantes, o campo em que a pesquisa
se inscreve e como foi feita a coleta e a análise de dados.
Para elaborar bem essa parte do texto, é importante considerar o que foi encon-
trado com base nos dados, o que esses resultados representam e as possíveis
Resultados e discussão
análises de cenário com base neles. Na discussão, os resultados são comparados
com outros estudos semelhantes que tratam do mesmo assunto.
Na parte conclusiva do texto, é importante retomar o problema, os objetivos,
a metodologia e os resultados, destacando a contribuição do estudo realizado
Considerações finais para a área de pesquisa. É o momento também de levantar os pontos fortes e
fracos da realização do trabalho e de levantar temas para a continuidade, em
estudos posteriores.
É preciso manter o padrão, confirmando datas e nomes, além de verificar se tudo
Referências o que foi citado no texto aparece nas referências e se tudo o que está nas refe-
rências foi, de alguma maneira, utilizado no texto.

Fonte: Elaborado pela autora.

Gêneros de escrita acadêmica 111


Saiba mais Com base no que vimos nesta seção, podemos constatar que existe
É muito bom se habituar a ler um formato geral para elaborar artigos, mas existem formatos especí-
publicações como Galileu e
ficos solicitados pelos diferentes periódicos em que podemos publicar
National Geografic Brasil para ver
como são publicadas descobertas esses textos. Além disso, caso seja solicitada a elaboração de um artigo
científicas, qual metodologia é para alguma disciplina, certifique-se sempre a respeito de quais são as
empregada e quais são as falas
expectativas e busque os intertextos e contextos mais didáticos para
de especialistas. É um jeito de
notar como temas técnicos fazê-lo. É um caminho de ampliação do conhecimento que a interação
são apresentados de maneira com artigos pode nos proporcionar continuamente.
didática para o grande público.

Atividade 4
Os trechos a seguir são exemplos de textos que foram estudados neste capítulo. Complete a tabela conforme a solicitação.

Gênero ao qual o texto pode Características que identifi-


Trecho de texto
pertencer cam o gênero do texto
“Dia da Consciência
Zumbi dos Palmares não lutava para ter
vantagens pessoais, conquistar territórios e
explorar minas de ouro. Queria a libertação
de todos irmãos e irmãs. Inclusão social,
respeito, dignidade” (MONJA COEN, 2020) .
“Para analisar essa questão, a pesquisa tem
como objetivo mapear os atores sociais
envolvidos, conhecer os espaços políticos
relevantes e compreender as articulações
e estratégias entre os entes no campo
político que permitem direcionamentos
voltados para o modelo da abstinência”
(BARROSO, 2020).
“Muitas foram as lições aprendidas com
a experiência de ter alcançado, com a
vacinação contra rubéola, mais de 67
milhões de homens e mulheres no espaço
de 20 semanas de trabalho, destacando-se:
a enorme capacidade do SUS, por meio de
seus gestores e das equipes técnicas, de
se organizar e dar conta dessa gigantesca
empreitada, mesmo em condições adversas:
período concomitante às eleições munici-
pais; pouco tempo para planejar e executar a
campanha; recursos humanos insuficientes;
resistência dos homens em serem vacinados;
grande extensão territorial; diversidade
sociocultural; dentre outras questões”
(BRASIL, 2009).

112 Leitura e escrita no ensino superior


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, direta e objetivamente, fizemos escolhas que nos
orientam a elaborar textos acadêmicos, como resenhas, relatórios, resu-
mos e artigos. É importante ter em mente que conhecer bem esses textos
desenvolve em nós melhores habilidades de leitura e escrita, que não ser-
virão apenas para o universo acadêmico, mas também para o mundo do
trabalho e, em maior abrangência, para nos comunicarmos melhor. Man-
tenha sempre em mente que, conforme destacamos ao longo de toda a
abordagem deste capítulo, apesar de existirem variações de orientação
para elaborar todos os tipos de texto solicitados no mundo acadêmico,
são as características gerais que identificam o gênero.

REFERÊNCIAS
BARROSO, P. F. Comunidades terapêuticas como política de estado: uma análise sobre a
inclusão deste modelo de cuidado nas políticas sobre drogas no Rio Grande do Sul. 2020.
Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: https://lume.
ufrgs.br/bitstream/handle/10183/213011/001115874.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Acesso em: 29 dez. 2020.
BAUMAN, Z. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil livre da rubéola: campanha nacional de vacinação para
eliminação da rubéola, Brasil, 2008. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_livre_rubeola_relatorio.pdf. Acesso em:
29 dez. 2020.
CORTELLA, M. S. Qual é a tua obra? Petrópolis: Vozes, 2017.
DESENHO de gato com 37 metros e 2 mil anos é descoberto em deserto no Peru. UOL
Notícias, 19 out. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/2020/10/19/desenho-de-gato-com-37-metros-e-2-mil-anos-e-descoberto-em-
deserto-no-peru.htm. Acesso em: 28 dez. 2020.
DOSTOIÉVSKI, F. Humilhados e ofendidos. São Paulo: Nova Alexandria, 2003.
GARRAFFONI, A. R. S. et al. Formação profissional para atuar em ciência, tecnologia e
manejo ambiental no Antropoceno – a contribuição da Unicamp. Jornal da Unicamp, 4 nov.
2020. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/ambiente-e-sociedade/
formacao-profissional-para-atuar-em-ciencia-tecnologia-e-manejo. Acesso em: 29 dez. 2020.
GINZBURG. C. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
LAITANO, C. Solo. Zero Hora, ano 57, n. 19.869, 16 nov. 2020.
MONJA COEN. Dia da Consciência. GaúchaZH, 19 nov. 2020. Disponível em: https://
gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/monja-coen/noticia/2020/11/dia-da-consciencia-
ckhnkam7y003t016gtbs51ht3.html. Acesso em: 3 dez. 2020.
NOGUEIRA, Q. W.; MENDONÇA, J. P. de J. Análise comparativa dos conceitos esporte
educacional e esporte da escola. Cadernos Brasileiros de Educação Física, Esporte e Lazer,
Pelotas, v. 1, n. 1, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/
CEFEL/article/view/4266. Acesso em: 29 dez. 2020.

Gêneros de escrita acadêmica 113


PINKER, S. Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância. São
Paulo: Contexto, 2016.
VERISSIMO, É. Israel em abril. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
SALGADO, L. R. A viola e o caipira no século XXI: o instrumento musical e sua relação nos
processos de subjetivação caipira. 2020. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/213055/001116918.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 29 dez. 2020.

GABARITO
1. Para elaborar uma resenha adequada, considere que você precisa resumir as ideias
principais do objeto a ser resenhado, relacioná-las com outras ideias e objetos pareci-
dos no mundo e estender sua análise para convencer seu interlocutor de que a série
ou o filme escolhido “vale o ingresso”, ou seja, vale o tempo dedicado a assistir.

2. Podem ser aceitas todas as respostas que se baseiem, por exemplo, na estrutura
apresentada na seção específica de elaboração para relatório.

3. O texto faz parte de uma etapa introdutória do relatório, pois apresenta o problema
ou a situação, com trechos como “A migração em massa não é de forma alguma um
fenômeno recente”. Isso faz com que se possa localizar a problematização que deu
origem ao texto: existe um processo migratório, ele não é novo e representa alguma
preocupação evidente para os nossos dias. Ademais, o trecho apresenta um ponto de
vista sob o qual o problema será tratado e os números serão apresentados: “Além de
tudo isso, contudo, hoje suportamos as consequências da profunda e aparentemente
insolúvel desestabilização do Oriente Médio, na esteira das políticas e aventuras mili-
tares das potências ocidentais, estupidamente míopes e reconhecidamente fracassa-
das”. Isso fica evidente nesse último período do texto, em que as políticas de migração
são caracterizadas como míopes.

4.

Gênero a que o texto


Características que identificam o gênero do texto
pode pertencer
É um trecho geral de apresentação de texto, mas
que já identifica o tema. Por isso, pode fazer par-
Pode ser resenha ou artigo
te de uma resenha ou de um artigo de opinião ou
acadêmico.
Essa estrutura de texto indica os objetivos do texto,
Resumo
algo que deve estar explícito em resumos.
Essa é a parte das lições aprendidas com base na
Relatório
descrição da situação ou pesquisa observada.

114 Leitura e escrita no ensino superior


Leitura e escrita no ensino superior
Cleuza Cecato

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6565-3

59065 9 788538 765653

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