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Licenciatura em Pedagogia | 1º semestre | 2022

EDA0224 - Cultura e Educação Afro-brasileira e Indígena


Prof. Dr. Rosenilton Oliveira
Plano de aula

“Foram 25 anos pra eu me achar lindo


Sempre tive o mesmo rosto
A moda que mudou de gosto
E agora querem que eu entenda
Seu afeto repentino
Eu só tô tentando achar
A autoestima que roubaram de mim
Que roubaram de mim
Que roubaram de mim (...)”
(Baco Exu do Blues – Autoestima)

I. Público alvo
O presente plano de aula foi pensado para crianças de Educação Infantil,
especificamente crianças pequenininhas (2-3 anos) de uma creche pública
municipal da periferia da grande São Paulo.

II. Contexto
Consideramos que a sequência pode acontecer em diversos momentos da rotina
das crianças, porém, por considerar o momento da roda de conversa muito fértil
e propício para a contação e discussão de histórias, ela deverá acontecer nesse
tempo. As crianças sentarão em roda, algumas questões norteadoras serão
levantadas, escutaremos e acolheremos as falas das crianças e, após a
contação das histórias, abriremos espaço para os apontamentos que os
pequenos se sentirem à vontade para fazer.

III. Tema
Representatividade e literatura negra para crianças.

IV. Objetivo e justificativa


Entendendo que a participação de bebês e crianças na creche é, além de um
direito da primeira infância, uma necessidade da contemporaneidade e das
diferentes configurações familiares, sobretudo nos espaços periféricos da
cidade, onde a escola torna-se, também, uma rede de apoio par aas famílias.

Na creche as crianças passam a ter contato com os demais adultos e com seus
pares, constroem cultura, relacionamentos, concepções de mundo. Um dos
eixos norteadores do currículo paulista para a Educação Infantil são as relações
e o conhecimento de si e do mundo, percebendo o outro, a si mesmo e as
relações existentes. Essas percepções interferem diretamente na relação que
tecem e tecerão futuramente com a sociedade, consigo mesmas e com os
outros.

Rosa (2020) aponta que os espaços e ambientes das creches é, também, um


espaço de disputa de poder e identidade, onde as escolhas éticas atravessam
afetivamente bebês e crianças pequeninhas na construção de sua identidade. O
espaço escolar é, historicamente, um espaço de prestígio e homogeneização da
branquitude, onde referências europeias são valorizadas em detrimento de
referências negras.

É preciso nos questionarmos quais referências as crianças negras, que são


maioria das creches públicas, constroem durante a primeira infância. Quais os
personagens negros presentes nos livros que lemos para elas? Eles existem?
Quais posições ocupam? De que forma isso contribui para a construção de uma
auto imagem positiva nas crianças? Elas se enxergam nesses livros? Há
representatividade?

Dias (2022) chama a atenção para a importância de educadores e educadoras


trazerem pra si a responsabilidade de formar crianças negras com referências
positivas nos mais diversos âmbitos, ressaltando a importância da literatura e
sua contribuição para a formação de uma representatividade e autoestima entre
as crianças. Crianças que sonhem e se enxerguem no herói, na heroína,
astronauta, princesa, explorador, médico, médica, sem os limites que o racismo
impõe, onde essas personagens são representadas tão somente por brancos.

Sabemos que crianças pequenas constroem e pensam sua identidade a partir


dos referencias que nós, adultos, apresentamos a elas. Esses referenciais
podem ser entendidos como os brinquedos, os personagens de desenho
animado e as histórias infantis. Há duas formas de as crianças entrarem em
contato com estas histórias: uma, é através da oralidade e a outra através dos
livros. Tanto em uma como em outra a criança vai deparar com os personagens
principais, os heróis, as mocinhas, os animaizinhos, os príncipes e as princesas,
as fadas, dentre outros. O que encontramos nestas histórias são personagens
de origem europeia, mocinhas brancas e frágeis esperando por príncipes,
também brancos, que irão salvá-las.

As crianças crescem com a impressão de que as definições do belo e do bom


são aqueles com os quais se depararam nos livros infantis, atravessados pela
questão racial e pela posição que os personagens ocupam a partir da cor da
pele. Dessa forma, crianças brancas vão se identificar e pensar serem superiores
às demais, pensando estar em posição privilegiada em relação às outras etnias.
As crianças negras alimentarão a imagem de que são inferiores e inadequadas.
Crescerão com essa ideia de branqueamento introjetada, achando que só serão
aceitas se aproximarem-se dos referenciais estabelecidos pelos brancos.
Rejeitando tudo aquilo que as assemelhe com o universo do negro.

A literatura infantil é essencial no processo de aprendizagem de crianças,


especialmente da leitura da escrita. De acordo com Silva (2010), “o ato de ler e
ouvir histórias possibilita à criança expandir seu campo de conhecimento, tanto
na língua escrita, quanto na oralidade”

Atualmente, muitos livros infantis buscam romper com as representações que


inferiorizam os negros e sua cultura. As obras os retratam em situações comuns
do cotidiano, enfrentando preconceitos, resgatando sua identidade e valorizando
suas tradições religiosas, mitológicas e a oralidade africana.

A literatura infantil pode influenciar de forma definitiva no processo de construção


de identidades das crianças. A literatura serve, muitas vezes, como fonte de
significados existenciais que poderão ser aplicados ao mundo real. Então,
conforme Abramovich, (1989) para que o indivíduo possa formar a sua própria
identidade, ele precisa recriar a realidade e imaginá-la. E nisto a leitura de contos
infantis tem contribuição fundamental.
Para Mariosa (2011) torna-se fundamental a implementação de um currículo que
contemple todas as tradições, culturas e referenciais simbólicos que constituem
a cultura brasileira, com destaque para um diálogo com as africanidades.
Portanto, justifica-se a importância da construção de um currículo que valorize a
cultura afro-brasileira, potencialize e empodere bebês e crianças negras,
formando indivíduos fortes, com autoestima e representados positivamente.

V. Recursos
Livro “Amoras” escrito por Emicida e publicado pela Editora Companhia Das
Letrinhas e o livro “Cadê?” escrito por Graça Lima e publicado pela editora Nova
Fronteira. A contação de histórias poderá ocorrer no parque da escola ou em
sala, sendo no lugar onde as crianças se sintam confortáveis. Também será
necessário giz de cera em tons de pele e papel.

VI. Metodologia
Num primeiro momento, sentaremos com as crianças em roda e dispararemos
perguntas norteadoras como: qual sua história favorita? Qual seu desenho
favorito? Existem crianças nele/nela? Esse personagem tem a cor da sua pele?
Qual é a cor da sua pele?

E a partir disso apresentaremos os livros para as crianças e perguntaremos o


que tem na capa e sobre o que acham que é a história. Os livros serão contados
com toda a ludicidade que a faixa etária exige, chamando a atenção das crianças
e encantando-as. Após a contação, deixaremos as crianças explorarem os livros
e as ilustrações.

Após esse momento, faremos uma roda de fechamento, perguntando se as


crianças gostaram, quem eram os personagens, chamando a atenção para o
lugar de destaque e positividade que ocupam e acolhendo as falas que as
crianças possam ter.

Em um fechamento, convidaremos as crianças a ilustrarem elas mesmas alguma


história com elas e os personagens dos livros lidos. Deixaremos á disposição
deles giz de cera em tons de pele, onde elas podem se identificar e identificar a
cor dos personagens, estimulando a auto percepção. Os desenhos poderão ser
expostos na sala, em um varal, ao lado da foto de cada criança.

VII. Avaliação
A avalição será feita de forma contínua e processual, onde não existe “certo e
errado” ou então “satisfatório e não satisfatório”. Acreditamos que o que será
observado são as falas das crianças, suas percepções sobre as histórias e o que
elas trazem, como essas percepções vão de encontro com as suas vivências e
experiências.

VIII. Expectativa
Esperemos que contribua para uma percepção positiva das crianças acerca de
si mesmas e um confronto com aquilo que é socialmente afirmado. Sabemos
que a sociedade destaca a branquitude como aquilo que é bom, certo. Pessoas
brancas e crianças brancas crescem com segurança, se acham bonitas, não
desejam ter outra pele, não acham que sua pele é feia. É preciso empoderar e
quebrar com essa visão que, infelizmente, ainda é passada para as crianças
negras, onde seus corpos ocupam lugares secundários ou sequer aparecem.
É preciso que crianças negras cresçam se sentindo bonitas, empoderadas,
representadas positivamente e percebem que sim, devemos ocupar lugares e
posições de destaque pois é nosso direito. Como mulher negra, filha de um
homem negro com uma mulher japonesa, diversas vezes pensei durante a
infância que deveria ter a pele clara de minha mãe, o cabelo liso. Achava meus
olhos puxados deslocados na minha pele escura. Não tive livros com referências
negras, minhas princesas e heroínas eram brancas e loiras. Conforme fui
crescendo que tive recursos para desconstruir essa imagem e construir
referências negras positivas.

Baco Exu do Blues em “Autoestima” afirma que foram duas décadas para ele se
achar lindo. É preciso ir contra essa corrente. As nossas crianças precisam se
acharam lindas desde sempre. Lindas, fortes, potentes e capazes.

IX. Referências

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:


Scipione, 1989.

DIAS, Lucimar Rosa. Educação e relações étnico-raciais para e com bebês e


crianças pequenas. Debates em Educação, v. 14, p. 468-491, 2022.

MARIOSA, Gilmara Santos; DOS REIS, Maria da Glória. A influência da literatura


infantil afro-brasileira na construção das identidades das crianças. Estação
Literária, v. 8, n. 1Supl., p. 42-53, 2011.

ROSA, Aretusa Santos. Identidade negra em bebês e crianças pequenas: as


contribuições do espaço da creche. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 12,
p. 99583-99595, 2020.

SILVA, Jerusa Paulino. A construção da identidade da criança negra: a literatura


afro como possibilidade reflexiva. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso
de Pedagogia) - Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.

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