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Cristiane Lasmar Pacheco

Como montar
uma bela biblioteca
para seus filhos
(de um a seis anos):

GUIA PRÁTICO E CONCEITUAL


Como Montar Uma Bela Biblioteca Para Seus Filhos
(de um a seis anos): Guia Prático e Conceitual
Copyright © 2019 por Cristiane Lasmar Pacheco

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ser reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma ou
por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros métodos
eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito
do editor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões
críticas e alguns outros usos não-comerciais permitidos pela lei de
direitos autorais.

Ilustrações de domínio público


Jessie Willcox Smith
Filadélfia, EUA | 1863 - 1935

https://infanciabemcuidada.com/
Sumário

1. Em que consiste este guia? 4

2. Por que ler boas histórias para as crianças? 8

3. Manejando o clássico e o contemporâneo 12

4. Os clássicos incontornáveis 14

4.1. As Narrativas Bíblicas 14

4.2. Os Contos de Fadas 15

4.3. As Fábulas 18

4.4. Clássicos Infantis Brasileiros 19

5. A classificação dos livros e como usá-la 22

6. As fases da formação literária da criança 26

6.1 Tempo de aprender a ouvir histórias 26

Lista de sugestões: dezoito meses a três anos 32

6.2 Tempo de ampliar o imaginário e organizar os afetos 33

Lista de sugestões: quatro a seis anos 37

7. Alguns cuidados e atenções gerais 40

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1. Em que consiste este guia?

T er acesso à boa literatura desde a mais tenra


infância é fundamental para a estruturação do
pensamento, o desenvolvimento da linguagem compreensiva
e expressiva, a formação do imaginário, e a organização dos

afetos.

Acontece, porém, que a vida é corrida. Somos


diariamente atropelados por diversos afazeres, e o projeto
de montar uma boa biblioteca para crianças envolve um
considerável esforço de reflexão, pesquisa e seleção. Foi
por isso, precisamente, que resolvi escrever este guia. Para
ajudar você.

Minha intenção não é de modo algum decidir o que


seu filho vai ler e quando. Essa decisão precisa estar baseada
em um conhecimento pessoal sobre a criança, uma atenção
às suas necessidades e particularidades, e por isso não é
a mim que ela cabe. Mas, ainda assim, posso dar uma boa
ajuda, uma ajuda realmente substancial, que lhe transmitirá
a segurança necessária para tomar as suas próprias decisões.

E como vou lhe ajudar? Com instrumentos conceituais


e práticos. Em primeiro lugar, vou conversar com você
sobre a forma como a literatura influencia a formação
afetiva, cognitiva e cultural da criança e sobre os pontos
que necessitam de mais atenção. Ao final da leitura deste
guia, você terá uma percepção clara do que significa uma
boa educação literária nos primeiros seis anos de vida e
poderá assumir a importante tarefa de conduzir seu filho no

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universo dos livros.

Porém, além de conversar, vou também entregar a


você uma seleção de mais de sessenta livros, classificados
por faixa etária e grau de dificuldade; títulos que se destacam
pela qualidade do conteúdo e da ilustração. Isso fará com
que você economize tempo de pesquisa e possa arregaçar
logo as mangas para executar o seu projeto.

Não se trata de uma lista exaustiva, mas ela é segura


e suficientemente representativa do que há de melhor para
crianças pequenas dentro da tradição literária ocidental.
Alguns itens que certamente apareceriam em uma seleção de
bons títulos para crianças pequenas tiveram que ser deixados
de fora devido à sua indisponibilidade no momento. Os livros
que aparecem na lista estavam disponíveis no mercado no
mês de dezembro de 2019, alguns deles apenas em sebos
físicos e virtuais 1 . Infelizmente, não é possível garantir que
todos os itens da lista continuem disponíveis por muito
tempo. Mas este é um risco que precisamos correr.

E por que a tradição literária ocidental? Simplesmente


porque este guia é direcionado para famílias brasileiras, e,
independente de origem étnica, essa é a nossa tradição de
berço. Se queremos compreender quem somos, precisamos
conhecer os símbolos e referências da cultura milenar que
deu forma ao mundo em que vivemos. Por isso, é sobretudo
a tradição ocidental que virá representada aqui. Após os
sete anos de idade, estando já sedimentadas no imaginário

1 Veja, por exemplo, o site da Estante Virtual (www.estantevirtual.


com.br), tomando o cuidado de jamais deixar de ler a descrição do livro
para verificar o estado em que se encontra. Não compre livros sujos,
rasgados ou com muitas rasuras e grifos.

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da criança as raízes simbólicas arquetípicas de sua matriz
cultural, ela poderá então ter acesso a outras tradições
literárias, para que a sua imaginação seja enriquecida com
uma perspectiva antropológica mais abrangente.

Porém, se a sua família está conectada, por origem, a


alguma tradição cultural não-ocidental (indígena, africana,
oriental, por exemplo) e essa conexão é significativa para
você, sugiro que já sejam incluídas na biblioteca de seu
filho, desde cedo, histórias que lhe permitam uma primeira
aproximação. Isso vale também para descendentes de
imigrantes europeus e de outros países da América. É
interessante selecionar alguns títulos específicos que tragam
para o universo imaginativo da criança referências a tradições
locais específicas que sejam relevantes para a família.

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2. Por que ler boas histórias
para as crianças?

A literatura é, como sabemos, uma via privilegiada


para descobrirmos quem somos. Mas não só. De
uma maneira geral, a leitura de boas histórias nos fornece
ferramentas psicológicas para lidar com todos os aspectos da
nossa existência. Ela nos torna mais inteligentes, sensíveis, e
capazes de lidar com problemas ou circunstâncias adversas
de maneira mais lúcida. Estou me referindo, obviamente, à
literatura de qualidade.

As narrativas contidas em bons livros nos transportam


para outros tempos e lugares. Elas nos dão oportunidade de
vivenciar outras situações de vida e outras subjetividades.
Conhecemos formas de agir e sentir que muitas vezes nem
suspeitávamos, expandindo a nossa imaginação afetiva
e os nossos horizontes existenciais. Isso nos torna mais
autoconscientes e também mais capazes de compreender
os outros. Em suma, a literatura pode nos tornar pessoas
melhores, mais bem preparadas para os relacionamentos
humanos.

As crianças adoram ouvir histórias, pois a sua


capacidade de se deixar envolver e levar por outras
possibilidades existenciais é praticamente ilimitada. Nessa
fase de extrema abertura imaginativa e mimética, é muito
importante que os adultos lhes apresentem narrativas e
personagens que possam, ao mesmo tempo, dar asas à sua
imaginação e ampliar o seu conhecimento do mundo. Em
suma, devemos ler boas histórias para as crianças para que

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elas formem um imaginário rico e abrangente. Mas por que
é tão importante formar um imaginário rico e abrangente?

A sensibilidade e a inteligência estão estreitamente


atreladas à imaginação. E embora o nosso imaginário possa
se expandir e se qualificar ao longo do tempo, é na infância
que se forma a base. Nós reagimos às situações que a vida nos
apresenta de acordo com os recursos imaginativos de que
dispomos. Um adulto pouco imaginativo tem dificuldade para
interpretar textos, projetar cenários, avaliar possibilidades,
tomar decisões que requeiram algum tipo de reflexão. A falta
de imaginação, ou uma imaginação muito estreita, também
limita a compreensão e a expressão dos sentimentos, dos
nossos e dos alheios. Por tudo isso, podemos dizer que uma
imaginação rica e treinada para altos voos sempre pode
nos levar mais longe. Ao passo que uma imaginação pobre
e pouco exercitada não nos leva além do quintal da nossa
casa.

Mas, quando falo de um imaginário rico e abrangente,


não me refiro somente à quantidade e à variedade das
imagens mentais a que a criança terá acesso. É preciso
prestar atenção à sua qualidade ética e estética. Devemos
apresentar à criança imagens belas e virtuosas. E isso porque
o imaginário não está relacionado somente à inteligência e à
sensibilidade. Ele também participa diretamente da formação
do gosto e dos valores. Em outras palavras, o imaginário é
um fator de peso na construção de um caráter virtuoso.

Educar uma criança consiste em ajudá-la a elevar-se


aos mais altos patamares de sua própria pessoa, em contribuir
para que ela se torne a melhor versão de si mesma. Nesse
sentido, ao longo da infância, e sobretudo até os sete anos

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de idade, devemos nos preocupar com o que a literatura
vai propiciar aos nossos filhos em termos de imaginação
moral. A educação literária deve estar inequivocamente
comprometida com o desenvolvimento do caráter e da
virtude e é precisamente por isso que os clássicos são tão
importantes.

Tudo o que você vai ler aqui – desde os conceitos


e dicas, até as listas de sugestões de leituras – deve ser
entendido à luz dessa perspectiva.

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3. Manejando o clássico
e o contemporâneo

A boa literatura infantil não se resume, obviamente,


às histórias que já se tornaram clássicas. Há ótimos
títulos contemporâneos no mercado editorial, e vou indicar
aqui uma boa quantidade deles, que considero excelentes.
Mas devemos garantir que as crianças tenham contato com
a maior quantidade possível de clássicos já consagrados,
enquanto, paralelamente, selecionamos, dentre os autores
contemporâneos, aqueles que merecem ocupar o seu tempo
e o seu imaginário, bem como atender às suas curiosidades
e interesses específicos.

E por que privilegiar os clássicos? Primeiro porque as


obras de literatura clássica resistiram à ação das mudanças
sociais e atravessaram gerações mantendo o seu poder de
atração, seja por milênios, séculos ou décadas. A literatura
clássica é aquela que não sai de moda e nunca nos parece
datada. E ela permanece relevante porque, ao captar, fixar
e revelar algo de essencial acerca da natureza humana,
transcende a sua própria época e as circunstâncias pessoais
de seus autores.

O segundo motivo que torna a literatura clássica


incontornável para uma boa educação é que ela transmite
às novas gerações o repertório cultural preservado pela
tradição. Ali está condensado todo um esforço de observação
e compreensão da vida humana por parte de pessoas de rara
sensibilidade e capacidade de expressão. Por isso, como
disse o escritor italiano Ítalo Calvino, “um clássico constitui

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uma riqueza para quem o lê.” E essa riqueza reside no fato
das histórias clássicas nos colocarem em contato com as
referências simbólicas e conceituais mais elevadas de nossa
própria cultura, ajudando-nos a compreender o que nos
levou a ser do jeito que somos.

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4. Os clássicos incontornáveis

O mundo da literatura clássica infantil não é tão


vasto quanto o da literatura clássica para adultos,
mas ele é vasto o suficiente para que precisemos nos deter
um pouco aqui. No que se refere à tradição ocidental, que
é aquela com a qual estamos lidando neste guia, há três
gêneros incontornáveis, que devem fazer parte da experiência
literária de nossas crianças a partir dos quatro anos de idade:
as narrativas bíblicas, as fábulas e os contos de fadas. Esses
gêneros condensam e expressam uma sabedoria coletiva
milenar comprometida com os nossos mais altos valores
morais.

A eles, vou acrescentar uma quarta vertente de


literatura: aquela produzida por grandes escritores brasileiros
tendo em vista o público infantil.

4.1. As Narrativas Bíblicas

A Bíblia é o livro que melhor expressa e representa


os valores e referências morais da tradição judaico-cristã,
que está na base da nossa cultura. A nossa visão de mundo,
hoje, é profundamente influenciada pelos valores contidos
na Bíblia, principalmente no Evangelho, e isso também vale
para quem não é religioso. Por isso, as histórias bíblicas
não podem deixar de fazer parte do repertório cultural e
imaginativo das crianças.

As narrativas bíblicas possuem, obviamente, um


sentido de transcendência que não está presente nos dois

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outros gêneros de que falaremos na sequência. As famílias
religiosas se encarregarão naturalmente de dar à leitura dos
textos bíblicos a expressão de Verdade revelada, e saberão
buscar a orientação necessária para tanto. Porém, mesmo
que você não seja religioso, não deixe de aproximar o seu
filho dessa fonte inesgotável de sabedoria e valores, desse
precioso manancial de imaginação moral.

Existem algumas adaptações da Bíblia para crianças,


em que as narrativas são apresentadas em uma linguagem
mais acessível. Infelizmente, porém, na maioria das edições
disponíveis no mercado editorial brasileiro, a ilustração é
um tanto quanto simplificada, deixando um pouco a desejar.
Selecionei aquelas que melhor equilibram a qualidade do
texto e da ilustração.

Do ponto de vista puramente literário, até os seis anos


de idade os livros sugeridos são suficientes para um primeiro
conhecimento a respeito do conteúdo das histórias bíblicas.
Mas esse conhecimento pode, sim, ser cotejado com a
leitura da Bíblia em si, sempre que você perceber interesse e
maturidade por parte da criança.

4.2. Os Contos de Fadas

Os contos de fadas de que falaremos aqui têm origem


no folclore medieval europeu. Ambientados em castelos,
florestas ou pequenas aldeias, são povoados por fadas boas
e bruxas más, aristocratas e plebeus, animais falantes e
outros seres fantásticos que se relacionam com os humanos

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e contribuem, por meio de estratagemas ou encantamentos,
para transformar o seu destino.

As narrativas orais dos camponeses medievais


começaram a ser transpostas para a forma escrita a partir
do século XII, mas foi com autores modernos, como Charles
Perrault (século XVII) e os irmãos Grimm (séculos XVIII/
XIX), que elas adquiriram a feição que conhecemos hoje. As
histórias originais, contadas e recontadas na tradição oral,
eram mais violentas e trágicas do que as que foram fixadas
na forma escrita. Mesmo assim, ainda vemos uma diferença
significativa entre os diversos autores acima citados, que
hoje são considerados clássicos. Ao longo dos séculos,
certos aspectos dos enredos e dos personagens foram sendo
suavizados para se adaptar à sensibilidade urbana do leitor
moderno.

Vou dar um exemplo. Em um dos livros que indico


neste Guia para a faixa etária de quatro a seis anos, e que
reúne os principais contos de fadas dos compiladores mais
importantes, há duas versões da história de Chapeuzinho
Vermelho. Na narrativa de Charles Perrault, escrita no século
XVII, Chapeuzinho é definitivamente comida pelo lobo. Já na
versão dos irmãos Grimm (século XIX), ela é engolida pelo
lobo, para ser em seguida restituída à vida exterior por um
caçador que por acaso ali passava e decide abrir a barriga
da fera.

De todo modo, a despeito dessas variações, o sentido


das histórias continua muito atual, remetendo a temas
centrais da experiência humana, como a relação entre
obediência e proteção, a angustiosa transição da infância
para a vida adulta, o ciúme entre irmãos, a inveja da beleza,

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da riqueza e do sucesso, etc. Na maioria dos contos, o
núcleo da narrativa é um conflito existencial: o herói ou a
heroína buscam algum tipo de realização pessoal, mas no
caminho se deparam com obstáculos terríveis. Assim, as
histórias permitem à criança organizar suas percepções e
sentimentos, ao mesmo tempo em que ela é apresentada a
arquétipos importantes da tradição ocidental, que a ajudam
a compreender simbolicamente a sua própria experiência
como ser humano.

Além de darem oportunidade à criança de formar uma


compreensão acerca de seus próprios dramas existenciais,
os contos de fadas cumprem ainda a importante função
de acalmar a ansiedade infantil em relação à existência do
perigo e do mal no mundo. O Bem e o Mal são apresentados
de forma dicotômica, absoluta e explícita, permitindo
à criança trabalhar sua angústia de forma construtiva e
otimista – porque nessas histórias, o Bem quase sempre
vence. E, mesmo quando ele não vence de fato, a história
dá alguma pista acerca do modo mais prudente de evitar
e combater o Mal, apontando com clareza o erro cometido
pelo protagonista bom. Ou seja, essas narrativas são um
antídoto a qualquer tipo de niilismo.

É importante ter sempre em mente que as crianças


pequenas não possuem maturidade e experiência de vida
suficiente para compreender os matizes da condição humana.
Até os sete anos de idade, aproximadamente, elas não são
capazes de entender que um personagem de índole boa
pode ser levado a praticar o mal por força das circunstâncias.
Nessa fase de construção do discernimento moral, esse tipo
de complexidade pode tornar a criança confusa. Por isso,

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a moralidade das histórias que lhes apresentamos deve ser
linear e inequívoca: virtude e vício distinguidos de maneira
explícita.

4.3. As Fábulas

As fábulas são portadoras de uma tradição ainda mais


longa do que a dos contos de fadas. Com elas, recuamos
ao tempo da Grécia Antiga e ao mundo pré-cristão. Trata-
se de pequenas composições literárias protagonizadas na
maioria dos casos por animais, e cujo desfecho contém um
ensinamento sobre a vida, o comportamento humano e a
realidade do mundo. Quem não conhece a história da cigarra
que passou o verão cantando e no inverno teve que pedir
abrigo à formiga trabalhadeira, que havia juntado provisões
para o inverno e se recusava a dar um pouco do que tinha?
Ou a da lebre presunçosa que, achando que a corrida estava
ganha, foi tirar um cochilo e, quando acordou, havia sido
ultrapassada pela lenta, porém obstinada, tartaruga?

Pois bem, em sua origem ocidental, as fábulas são


histórias atribuídas a Esopo, escravo grego que teria vivido
no século VI AC. Elas eram tão conhecidas e valorizadas na
Grécia, que sua função educativa chegou a ser citada por
Platão e Aristóteles. E o mais incrível é que, assim como
ocorre com os contos de fadas, o conteúdo das fábulas
continua absolutamente atual. No século I da Era Cristã, as
fábulas de Esopo foram transcritas para o latim por Fedro,
escravo liberto do imperador Augusto. No século XVII,
foram apresentadas em verso pelo escritor francês Jean de
La Fontaine. Esses autores recontaram fábulas de Esopo e

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compuseram fábulas de sua própria autoria.

Embora sejam em sua maioria animais, os personagens


dessas histórias apresentam qualidades e defeitos tipicamente
humanos. Por isso, La Fontaine dizia que a fábula “é uma
pintura em que cada um de nós pode encontrar seu próprio
retrato.” Sua leitura enriquece o imaginário e a compreensão
da criança sobre as circunstâncias de sua vida, sobre ela
mesma e sobre as pessoas que a cercam.

Porém, ao expor as fábulas às crianças, é preciso tomar


alguns cuidados, para que o seu imenso potencial educativo
não seja desperdiçado. Se comparadas aos contos de fadas,
as versões originais das fábulas (Fedro e La Fontaine) exigem
um pouco mais de maturidade cognitiva e linguística. Por
isso, indicaremos a leitura de adaptações. Outro ponto
importante é que, qualquer que seja a idade da criança, até
aproximadamente os sete anos de idade, será necessária a
atuação mediadora do adulto, para que a moral da fábula
seja bem assimilada.

4.4. Clássicos Brasileiros

É muito importante que nossas crianças também


tenham acesso a obras literárias escritas em sua própria
língua, em português excelente. E isso se resolve com a
leitura dos clássicos brasileiros que vamos indicar aqui.

As crianças precisam conhecer esses clássicos porque,


além de conterem uma imensa riqueza imaginativa, eles
fazem parte de nosso patrimônio cultural. O mais importante
é Monteiro Lobato (1882-1948), cujas histórias arrebatam a

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atenção dos pequenos há muitas décadas. O livro Reinações
de Narizinho, publicado em 1931, serve de marco inicial
para a série “Sítio do Pica-Pau Amarelo“, composta por 23
volumes. As histórias do “Sítio” agregam elementos do nosso
próprio folclore ao imaginário fantástico de animais falantes
e fadas madrinhas. Ou seja, elas enriquecem a imaginação
infantil com um toque de brasilidade.

Monteiro Lobato é interessante e incontornável por si


só, mas, além da qualidade intrínseca da obra, sua leitura
estimula as crianças a empreenderem outras aventuras
literárias mais tarde. Por exemplo, Peter Pan e Dom
Quixote, que intitulam volumes do Sítio, podem despertar
a curiosidade dos pequenos para a leitura das obras
originais ou de adaptações para o público infanto-juvenil.
O mesmo ocorre com O Minotauro e Os Doze Trabalhos
de Hércules, que podem motivar a introdução da mitologia
grega no repertório de clássicos da criança. Na minha lista
de sugestões, indico somente os dois primeiros volumes
do Sítio. Mas fica a seu critério dar continuidade à série ou
esperar mais um pouco. É possível encontrar com facilidade
na internet a lista com todos os títulos.

Outro clássico brasileiro é Figueiredo Pimentel, autor


de uma série de coletâneas de contos publicadas a partir do
final do século XIX, como Contos da Carochinha e Histórias
da Avozinha. Além de adaptar e traduzir contos de fadas
europeus, tarefa na qual ele foi pioneiro no Brasil, Figueiredo
Pimentel também registrava contos populares recolhidos
em nosso país. Não obstante o fato dos livros desse autor
estarem se tornando raros no mercado, julguei importante
colocá-lo na lista.

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Por fim, é preciso lembrar que muitos escritores
brasileiros de renome, e notabilizados por suas obras voltadas
ao público adulto, também escreveram literatura infantil.
Vou indicar obras de Cecília Meireles, Clarice Lispector,
Jorge Amado, Raquel de Queiroz. E vale lembrar também que
não foram poucos os poetas brasileiros que se dedicaram a
escrever para crianças. Aliás, é muito importante apresentar
a poesia desde muito cedo para os pequenos. Falarei mais
sobre isso daqui a pouco. Mas já adianto que vou indicar
obras de Mário Quintana, Manuel Bandeira, Olavo Bilac...

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5. A classificação dos livros
e como usá-la

A classificação dos livros é feita por faixa etária. Mas


o que significa dizer, por exemplo, que um livro
é indicado para a faixa etária de quatro a seis anos? Que
ele não pode ser lido para uma criança de três ou de sete
anos? De modo algum. Significa somente que o mais seguro
é que o livro seja apresentado à criança dentro dessa faixa.
Em outras palavras, significa dizer que a maioria das crianças
está preparada para interessar-se por ele, compreendê-lo e
assimilá-lo de maneira abrangente, entre os quatro e os seis
anos de idade.

Sabemos que as crianças gostam de escutar a mesma


história várias vezes, e que, a cada leitura, elas vão se
tornando capazes de extrair coisas novas e diferentes.
Portanto, na medida em que a criança avança em idade,
todos os livros indicados para as faixas etárias anteriores
podem ser continuamente relidos, de acordo com o seu
interesse. Você terá oportunidade de perceber que o seu
filho vai gostar mais de algumas histórias do que de outras.
E é importante que ele possa retornar livremente aos livros
que, embora já domine, ainda o interessam e deleitam.

A ideia, porém, é que, na medida em que a criança


cresça, ela seja continuamente conduzida para a frente, no
sentido de ser estimulada pelo contato com narrativas cada
vez mais longas e complexas. Isso não significa apresentar
a ela histórias que estejam além de sua compreensão
no momento. Na fase com a qual estamos lidando aqui,

22
a leitura deve ser sempre prazerosa e plena de sentido,
demandando no máximo uma ou outra explicação ou ajuda
com o vocabulário. Aumentamos o nível de complexidade da
história à medida em que entendemos que a criança já está
preparada.

No que diz respeito à literatura, qualquer estímulo ao


esforço intelectual como um valor em si mesmo deve ser
reservado para a fase escolar, quando a criança já passou
pela estruturação cognitiva e afetiva dos primeiros anos,
adquiriu um certo conhecimento do mundo e de si mesma,
e avançou no desenvolvimento do autocontrole. Aí sim, ela
pode e deve ser gradualmente levada a testar os seus limites
linguísticos e cognitivos.

Nas famílias com crianças de idades muito próximas,


contudo, será praticamente inevitável que as menores
sejam apresentadas a livros mais adiantados. Isso não é de
modo algum um problema, desde que esse contato seja
contingencial e a criança também tenha oportunidade de
ouvir histórias adequadas ao seu nível de desenvolvimento.

Porém, mesmo levando em conta todos esses cuidados


e observações, entenda a minha classificação dos livros
apenas como um parâmetro. Ela toma por base uma mediana
traçada a partir da minha experiência com um grande
número de crianças e, por isso, é bastante segura. Mas não
deve representar um constrangimento ou obstáculo caso
você perceba que o seu filho está preparado para ouvir uma
história indicada para a faixa etária posterior à dele. Afinal,
quem conhece mais a sua criança?

Trabalharemos aqui com duas faixas etárias: um a três

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anos e quatro a seis anos. Vou fazer todos os esclarecimentos
necessários a respeito dos cuidados e atenções específicos
que devemos ter em cada uma delas, e de como estes
últimos se relacionam com a etapa de desenvolvimento em
que a criança se encontra. Ao lado de cada título, anoto as
seguintes informações: nome do autor, edição indicada,
e nível relativo de complexidade, dentro da faixa etária. A
indicação da editora estará, na maioria das vezes, ligada à
qualidade da ilustração e do projeto gráfico.

A notação do nível de complexidade (de 1 a 3) servirá


para lhe ajudar a organizar a sequência das leituras. Observe
que, dentro de um mesmo nível, os títulos podem ser lidos
em qualquer ordem. Meus critérios para definir o nível de
complexidade basearam-se na observação de diversos
aspectos: o tema da história e a maturidade requerida
para lidar com ele, o vocabulário, a forma como o texto é
construído, o destaque dado (ou não) à ilustração, a extensão
da narrativa. Os livros de poesia não têm classificação de
nível, apenas de faixa etária. Ou seja, não há nenhuma
indicação de sequência de leitura. Leia como lhe parecer
mais interessante.

Finalmente, agora que já falamos sobre o que é


incontornável e sobre os cuidados para que a biblioteca
de seu filho seja bem aproveitada, vamos passar então
à descrição das diversas fases da formação literária e às
respectivas listas de sugestões para cada fase.

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6. As fases da formação literária
da criança e os títulos indicados

6.1 Tempo de aprender a ouvir histórias: um a três anos

A imaturidade linguística e cognitiva da criança


pequena não é justificativa para nos descuidarmos
da qualidade dos livros que lhe apresentamos. Uma boa
educação literária requer, desde o início, atenção à ilustração,
à correção do texto, à força da narrativa, e à adequação da
faixa etária.

Até os três anos de idade, aproximadamente, a ilustração


exerce um papel preponderante como fator de atração. Sua
presença deve ser marcante, ocupando toda ou quase toda a
página. É importante também que ela represente os objetos
do mundo sem distorções exageradas de forma ou proporção.
Por isso, devem ser evitadas as ilustrações que se afastem
muito do naturalismo, seja em estilo psicodélico, cubista,
ou excessivamente esquemático. Esse tipo de ilustração
confunde e cansa as crianças pequenas, estimulando-as
com formas difíceis de compreender e muitas vezes, aliás,
destituídas de qualquer beleza. Procure sempre oferecer
ilustrações coerentes e belas, relativamente próximas do
objeto real.

Como vimos, um dos principais objetivos da educação


literária é contribuir para a formação do imaginário
infantil. Se a criança nunca viu um galo, e queremos que
ela conheça esse animal, de que vale mostrar-lhe um
desenho que não representa bem um galo, ou, ainda, como

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ocorre frequentemente hoje em dia, que distorce e enfeia
(propositalmente) a imagem do galo real?

Quanto ao texto, deve ser claro e correto, sem gírias


ou palavreado vulgar. E isso vale para todas as faixas etárias.
Tenha sempre em mente o seguinte. Se o seu filho se
interessar pelo livro, ao final, muito provavelmente, pedirá
que você o releia, até o ponto de memorizar o conteúdo.
E você não vai querer que ele memorize um texto ruim,
grosseiro e incorreto, certo?

As crianças pequenas gostam de desfrutar a mesma


história duas, três, dezenas, centenas de vezes. A repetição
permite que elas absorvam a narrativa em seu próprio ritmo,
dando-lhes tempo, também, para elaborar os sentimentos
despertados durante a leitura. Além disso, elas apreciam a
expectativa de rever as imagens já conhecidas e de antecipar
mentalmente o que será dito em seguida. Essa experiência
de previsibilidade auxilia a criança na construção do seu
senso de ordem.

Os livros do bebê

A partir de um ano, a criança já pode começar a ter


contato sistemático com os livros. A maioria dos livros
indicados para essa idade tem por objetivo a ampliação
do vocabulário, com imagens do cotidiano e da natureza:
plantas, animais, objetos, lugares e cores. Muitos deles
possuem botões que produzem sons, abas e texturas, e o
texto traz apenas o nome do objeto ilustrado ou repete o
mesmo tipo de frase, a cada página fazendo referência a
novos objetos. Por exemplo, “veja a árvore”, “veja a nuvem”,

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“veja a estrela”.

Mesmo que ainda não fale, aos doze meses a criança


já é capaz de compreender razoavelmente a língua materna,
e está apta a aprender palavras novas a cada dia. Você
pode enriquecer a leitura com comentários sobre a beleza
das imagens, sobre a presença dos objetos retratados em
situações cotidianas, etc.

Nessa faixa etária, a biblioteca não precisa ser muito


extensa, pois, como eu já disse, o mesmo livro será lido
inúmeras vezes. Adquira meia dúzia de livros do tipo que eu
descrevi, acartonados (para que o bebê consiga segurar), e
com belas ilustrações. Não vou apresentar aqui sugestões,
por dois motivos. O primeiro é que, para essa faixa etária, os
livros não costumam permanecer muito tempo no mercado.
O segundo é que, assegurada a qualidade da ilustração, eles
são relativamente equivalentes, uma vez que, em geral, não
apresentam uma história propriamente dita. Para o bebê
de um ano, não há livros que possam ser considerados
exatamente “clássicos”. E os contemporâneos, infelizmente,
não são objeto de muitas reedições, mesmo os de qualidade.

Por fim, é importante lembrar, também, que o bebê


ainda não possui recursos psíquicos para lidar com uma
variedade grande de estímulos, e pode ficar agitado ou
cansado. Por isso os livros devem ser apresentados – lidos e
relidos – um de cada vez.

Dos dezoito meses aos três anos

Com dezoito meses completos a criança já deve

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começar a ser treinada para prestar atenção em livros
que apresentem descrições de situações cotidianas ou
histórias simples, curtas, sem grandes rodeios, com poucos
personagens. É bom que, inicialmente, o texto seja estruturado
pela repetição, e ligeiramente musical, no sentido de possuir
um ritmo sonoro previsível a cada leitura. Este é o caso dos
primeiros livros da nossa lista de sugestões, categorizados
no Nível 1.

A partir dos dois anos, embora o texto ainda possa


ser estruturado por repetições, já devem ser introduzidas
algumas histórias mais extensas e lineares, preparando a
criança para a próxima etapa da educação literária, em que
a narrativa escrita ganhará mais relevância. Também não
devemos nos esquecer da poesia, que deve estar sempre
presente no repertório literário infantil. A exposição à
poesia desde a mais tenra infância aguça a sensibilidade da
criança para ritmos e sons, pavimentando o caminho para
desenvolvimentos estéticos e cognitivos posteriores. E isso
independentemente do fato de ela ter compreendido ou não
o sentido pleno dos versos. Se você conseguir implementar o
hábito de ler, pelo menos, um poema por dia para o seu filho,
estará elevando exponencialmente o seu patamar estético e
criando condições para que a poesia faça parte de sua vida
para sempre.

Além de apresentar ilustração e texto de qualidade


gramatical e sonora, um bom livro para a tenra infância deve
respeitar a criança como um ser vulnerável e em formação,
que precisa acreditar na existência da beleza, da justiça e
da ordem. Estamos aqui falando de crianças pequenas, e
não há nada mais importante nessa fase do que fazê-las se

29
sentirem seguras. Por isso, por mais que a narrativa possa
conter surpresas e gerar expectativas, no final é importante
que tudo esteja em seu devido lugar.

Uma ótima forma de trabalhar o senso de ordem é


introduzir no repertório da criança a leitura de contos de
fadas. Porém, nessa faixa etária, os contos de fadas, assim
como as fábulas, devem ser apresentados em forma de
adaptações. Não se preocupe: ao ler uma boa adaptação para
o seu filho você não está subestimando a sua inteligência.
Ao contrário, está levando a sério a capacidade da criança
de integrar simbolicamente o conteúdo da narrativa ao
seu momento cognitivo e afetivo. Os mais antigos sempre
fizeram isso pelas crianças, quando lhes contavam histórias
narradas de memória, de maneira pessoal e ponderada.

Por fim, algumas palavras sobre o que devemos evitar.


Não é nada demais que a criança tenha um ou outro livro cujos
protagonistas sejam personagens de filmes ou animações.
Os personagens da moda, que a criança eventualmente já
aprecie, podem funcionar como atrativos para aproximá-la
dos livros. Mas o objetivo da literatura é ampliar o universo
linguístico e existencial da criança, formando uma rica
e abrangente coleção de imagens mentais. Por isso, a
popularidade do personagem não deve ser um critério de
escolha.

Em geral, os livros que trazem personagens de filmes


e desenhos animados são produzidos sem nenhuma atenção
genuína às necessidades do desenvolvimento infantil. Eles
possuem um caráter mais comercial, e deixam muito a
desejar em termos de qualidade literária. Além disso, se a
criança já conhece o personagem, você estará oferecendo a

30
ela “mais do mesmo”. Esses livros não farão mal ao seu filho,
você não precisa ficar preocupado caso de vez em quando
eles se tornem os seus preferidos. Mas esteja atento para que
a subliteratura não tome o lugar da literatura de qualidade.

Outra dica. Evite os livros que têm por objetivo


imediato estimular algum tipo de comportamento rotineiro.
Por exemplo, ensinar a usar o troninho, a escovar os dentes,
e outras coisas do tipo. Assuma, corajosa e pessoalmente, a
tarefa de criar bons hábitos em seu filho. Esse papel é seu.
Deixe a literatura encantar o dia-a-dia, alimentar o imaginário
e aumentar o repertório moral e cultural da criança.

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Lista de sugestões de livros: dezoito meses a três anos
Título Autor Editora indicada Nível

1 Boa Noite, Lua Margaret Wise Brown Martins Fontes 1


2 A Boca do Sapo Mary e Eliardo França Ática ou Global 1
3 Dia e Noite Mary e Eliardo França Ática ou Global 1
4 Chuva Mary e Eliardo França Ática ou Global 1
5 O Trem Mary e Eliardo França Ática ou Global 1
6 Na Roça Mary e Eliardo França Ática ou Global 1
7 Hora de Dormir Mary e Eliardo França Global 1
8 Dorme, Menino, Dorme Laura Herrera Livros da Matriz 2
9 Menino Poti Ana Maria Machado Salamandra 2
10 Nestor Quentin Greban Brinque Book 2
11 O Urso Rabugento Nick Bland Brinque Book 2
12 Adivinha o Quanto Eu Te Amo Sam Mac Bratney Martins Fontes WMF 2
13 Não Quero Ir Para a Cama Julie Sykes Martins Fontes 2
14 Macaco Danado Julia Donaldson Brinque Book 2
15 O Sapo e a Lagarta Dani Grinberg Cortez 3
16 Lucia Já Vou Indo Maria Heloísa Penteado Ática 3
17 O Urso e a Árvore Stephen Michael King Brinque Book 3
18 A Arca de Noé Ruth Rocha Salamandra 3
Meu Primeiro Livro Mary Hoffman Companhia das Letrinhas 3
19 de Contos de Fadas

20 Minhas Fábulas de Esopo Michel Morpurgo Companhia das Letrinhas 3

21 Contos Para Crianças: Pinóquio Vários (adapt.) Edições Usborne 3


e Outras Histórias Infantis
Natha Caputo 3
22 Historinhas de Contar Companhia das Letrinhas
e Sara Cone Bryant
23 A Arca de Noé Vinícius de Moraes Ática Poesia
24 Jardim de Versos J. L. Stevenson FTD Poesia
25 Pra Brincar Manuel Bandeira Global Poesia
26 O Batalhão das Letras Mário Quintana Companhia das Letrinhas Poesia
27 Ou Isto Ou Aquilo Cecília Meireles Global Poesia

32
6.2 Tempo de ampliar o imaginário e organizar os
afetos: quatro a seis anos

Aos quatro anos, as crianças já desenvolveram uma


série de habilidades que lhes permitem prestar atenção e
compreender narrativas um pouco mais complexas. As
histórias podem conter uma quantidade um pouco maior
de personagens, e não precisam mais ser estruturadas pela
repetição de uma mesma fórmula linguística.

Nas fases iniciais (Nível 1), a ilustração ainda é muito


importante, mas já não precisa ocupar toda a página, pois
o texto vai se tornando cada vez mais preponderante como
fator de atração. O ideal é que, aos poucos, a ilustração se
torne apenas um suporte para a criança. A tendência é que,
ao longo dessa faixa etária, ela comece a prestar atenção às
palavras escritas na página.

Ouvir boas histórias certamente fará com que a criança


amplie as suas referências cognitivas para além de seu
pequeno universo, mas alguns desenvolvimentos ainda são
necessários para que ela seja capaz de voos mais altos. Por
isso, embora o objetivo, aqui, seja a expansão do repertório
linguístico e imaginativo para além das situações do dia
a dia, o texto ainda não deve ser nem muito longo, nem
excessivamente complexo do ponto de vista da sintaxe ou
do vocabulário.

É claro que a leitura de uma nova história é uma


excelente oportunidade para a criança ampliar seu
vocabulário, estruturar o pensamento e aprofundar o
conhecimento da língua. Porém, como eu já disse, não é
conveniente apresentar à criança textos que ela ainda não

33
é capaz de compreender, que tornem necessária, a cada
frase, uma explicação ou uma definição lexical por parte
do adulto. Uma certa fluidez na leitura é importante para
garantir a continuidade de sua atenção, de seu interesse.
Caso contrário, ela não se deixará conduzir pela narrativa.

Além disso, nessa fase, a literatura também cumpre o


importante papel de ajudar a criança a organizar a própria
afetividade. Para tanto, as histórias devem ser repletas de
situações e personagens virtuosos. Devem permitir que
a criança se identifique e reconheça os seus próprios
sentimentos e inclinações (boas ou más), auxiliando-a na
construção de seu autoconhecimento e discernimento
moral. Até os seis anos, o cultivo do imaginário ainda deve
estar prioritariamente comprometido com a estruturação
básica da vida afetiva, que se efetua principalmente pelo
desenvolvimento da capacidade de reconhecer, distinguir
e nomear emoções, e de se colocar no lugar dos outros.
Um bom caminho para alcançar esse objetivo é apresentar
à criança, agora com mais profundidade do que na fase
anterior, os símbolos, conceitos e valores presentes nas
tradições dos contos de fadas, das fábulas e das histórias
bíblicas.

Na lista que se segue, sugiro adaptações da Bíblia e


das fábulas. Quanto aos contos de fadas, a partir dos cinco
anos, a maioria das crianças já está preparada para absorver
o conteúdo simbólico dessas histórias em suas versões
originais. Isso tanto do ponto de vista linguístico, quanto no
que diz respeito à organização afetiva. Nessa fase, também já
podemos contar com um fator muito relevante: as crianças
vão se tornando capazes de entender a diferença entre

34
fantasia e realidade.

Isso não significa que a leitura dos contos de fadas não


vá lhes despertar medo ou ansiedade. O ponto importante
é que, com essa idade, além de terem a sua afetividade
relativamente mais organizada, as crianças já possuem
recursos intelectuais para compreender o que é uma criação
literária, para entender que os eventos e personagens das
histórias que elas ouvem não são, necessariamente, dados
do mundo real. E, também, já possuem recursos expressivos
para comunicar aos adultos os seus sentimentos. Esperar até
os cinco anos, aproximadamente, para introduzir a leitura
das versões originais dos contos de fadas originais é dar
à criança a oportunidade de apreciar a riqueza existencial
contida nas histórias sem grandes sobressaltos emocionais.

Além disso, por volta dos cinco anos, a maioria das


crianças também já adquiriu um grau de maturidade cognitiva
e linguística que lhe permite apreciar melhor o conteúdo e
a qualidade literária dos textos originais. Porém, mais uma
vez eu digo: é você quem conduz. Leia as histórias e decida
o momento apropriado para narrá-las a seu filho. Cada caso
é um caso.

Outra observação importante: estou indicando na


tabela uma coletânea contendo as mais famosas histórias
dos autores célebres de contos de fadas, organizada pela
escritora Ana Maria Machado. Até os seis anos de idade, essa
leitura é suficiente. Porém, para quem quiser ir mais além,
indico também outros três volumes, cada um deles reunindo
os originais respectivos dos mais importantes compiladores
e escritores - Perrault, Andersen e Grimm. Se a leitura de
contos de fadas estiver indo de vento em popa, prossiga.

35
Mas não se preocupe em adquirir todos esses volumes de
imediato. Essas coletâneas certamente também estariam
presentes em uma lista de sugestões para a faixa etária de
sete a nove anos.

A variável que permanece relevante aqui e representa


efetivamente um fator limitante é a extensão da narrativa.
Antes dos sete, oito anos, a maioria das crianças ainda tem
dificuldades para fixar sua atenção em uma história muito
longa, que precisa ser contada no curso de semanas. Sempre
podemos, e devemos, utilizar o recurso de retomar os
acontecimentos anteriores. Este é, inclusive, um bom treino.
Mas se a criança perde o fio da meada, corre o risco de não
formar uma noção do todo e se desinteressar. Histórias muito
longas, com mais de 100 páginas, devem ser reservadas para
um pouco mais tarde. A partir dos sete, oito anos, esse tipo
de experiência será melhor aproveitada.

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Lista de sugestões de livros: quatro a seis anos

Título Autor Editora indicada Nível

O Livro das Virtudes


1 W. J. Bennet Disponível na Internet 1
para Crianças
2 A História de Pedro Coelho Beatrix Potter Barbatana 1
3 A História de Jemima Beatrix Potter Barbatana 1
Pata-Choca
4 O Grúfalo Julia Donaldson Brinque Book 1
5 Pedro e o Lobo Sergei Prokofiev WMF Martins Fontes/Ática 1
6 Meu Reino Por Um Cavalo Ana Maria Machado Global 1
7 O Pote Vazio Demi Martins Fontes 1
8 O Touro Ferdinando Munro Leaf Intrínseca 1
9 Sam e Outros Contos Animais Noah Gordon Rocco 1
10 Bíblia Infantil - Ciranda Cultural 1
11 A Floresta Claire Nivola Martins Fontes 2
12 Petúnia Roger Duvoisin Caramelo 2
13 A História de Babar Jean de Brunhoff Companhia das Letrinhas 2
14 A Viagem de Babar Jean de Brunhoff Companhia das Letrinhas 2
15 O Rei Babar Jean de Brunhoff Companhia das Letrinhas 2
16 Se Você Quiser Ver Uma Baleia Julie Fogliano Pequena Zahar 2
17 A Árvore Generosa Shel Silverstein Companhia das Letrinhas 2
18 A Parte que Falta Shel Silverstein Companhia das Letrinhas 2
19 Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas 2

37
Lista de sugestões de livros: quatro a seis anos

Título Autor Editora indicada Nível

20 Vida de Jesus para Crianças Jane Carruth Edições Paulinas 2

21 O Ursinho Pooh John Milne Martins Fontes 2

22 Contos de Fadas, de Perrault, Ana Maria Machado Clássicos Zahar 2


Grimm, Andersen e outros (org.)

23 Contos da Mamãe Gansa C. Perrault Sesi 3

24 O Patinho Feio H. C. Andersen Editora 34 3


e Outras Histórias

25 Contos Maravilhosos Infantis 3


J. e W. Grimm Editora 34
e Domésticos

26 Mitologia Grega: Uma 3


Heather Alexandre Panda Books
Introdução para Crianças

27 A Bíblia em 365 Histórias Mary Batchelor Paulinas 3

28 A Vida Íntima de Laura Clarice Lispector Rocco 3

29 A Bola e o Goleiro Jorge Amado Companhia das Letrinhas 3

30 Andira Raquel de Queiroz José Olympio 3

31 O Coelho de Veludo Margerie Williams Poetisa 3

32 Contos da Carochinha Figueiredo Pimentel Villa Rica 3

33 Reinações de Narizinho Monteiro Lobato Globo 3

34 Caçadas de Pedrinho Monteiro Lobato Globo 3

35 O Carrossel Rainier Maria Rilke Berlendis e Vertecchia Poesia

36 As Estações Olavo Bilac Studio Nobel Poesia

37 Pé de Pilão Mário Quintana Ática Poesia

38 T. S. Eliot Os Gatos Companhia das Letrinhas Poesia

38
39
7. Alguns cuidados
e atenções gerais

É preciso conhecer intimamente uma criança para


compor para ela uma biblioteca de caráter pessoal
e decidir o tempo certo de contar uma história. O propósito
deste guia - insisto - não é dizer o que você deve fazer, e
sim oferecer subsídios para que você possa tomar as suas
decisões com segurança. Portanto, preste atenção às minhas
orientações, que se baseiam em muitos anos de observação,
pesquisa e reflexão, mas não deixe de confiar na sua própria
intuição.

Muitas vezes, uma história clássica pode ser adequada


à faixa etária de seu filho, e ainda assim conter elementos
estranhos à sensibilidade da criança de hoje em dia - e
também à nossa. Podemos nos deparar com passagens que
provocam desconforto e nos deixam inseguros em relação
aos efeitos que a leitura produzirá na compreensão de mundo
e na estabilidade emocional da criança. Nesse caso, você
tem duas opções: conversar com o seu filho sobre esses
trechos mais incômodos, mostrando, por exemplo, que eles
também causam um impacto sobre você, ou simplesmente
suavizá-los durante a leitura e seguir adiante.

Um outro ponto que quero salientar aqui diz respeito


à leitura em voz alta. Até a fase da alfabetização, essa será
obviamente a única alternativa possível. Uma vez alfabetizada,
é importante que sejam colocados à disposição da criança
alguns livros que ela possa ler sozinha, para exercitar a
fluência na leitura, de máxima preferência livros escritos

40
em excelente português. Durante um bom tempo, esses livros
estarão contidos, necessariamente, nas listas das faixas etárias
anteriores.

Porém, esteja atento para não cometer um erro muito


frequente. Uma vez que a criança se torna capaz de ler
sozinha, é comum que os pais comecem a abandonar o
hábito da leitura em voz alta. Quando isso acontece, a leitura
pode se tornar menos empolgante. A criança ainda não será
capaz de ler sozinha os livros que os pais costumavam ler
para ela, e corre o risco de perder o interesse. É importante
que continue ouvindo histórias adequadas à sua faixa etária
e ao mesmo tempo tenha oportunidade de treinar a leitura
com narrativas mais simples. Quando estiver pronta para ler
sozinha os livros mais avançados, ela própria, provavelmente,
tomará a iniciativa.

Famílias com crianças de várias idades enfrentam o


desafio de propiciar a leitura em voz alta a todas elas. Mas, com
planejamento e criatividade, é perfeitamente possível conciliar
as diversas fases e necessidades. Por exemplo, irmãos mais
velhos, já alfabetizados, podem treinar a fluência em leitura
lendo histórias curtas para os mais novinhos. Ou a leitura em
voz alta pode ser distribuída em vários momentos do dia, cada
um deles dedicado a uma faixa etária. Uma ótima alternativa
para manejar as necessidades de várias faixas etárias é recorrer
a audiobooks. E existem também muitas opções de áudios com
histórias clássicas, como a Coleção Disquinho, e a Coleção
Conte Outra Vez, ambas disponíveis no Youtube.

Por fim, é preciso sempre ter em mente que a formação


literária da criança deve ser pensada de forma a respeitar
as suas inclinações pessoais. Caso, depois de lidas algumas

41
páginas, seu filho manifeste resistência ou falta de interesse por
uma história, não insista, não force. Avalie a possibilidade de
reservar o livro para outro momento. Você pode perfeitamente
reapresentar a história para ele em outra oportunidade.

Muitos pais ficam ansiosos para que as crianças ouçam


o maior número possível de histórias, e administram a
leitura em voz alta como se fosse uma lista de itens que
eles precisam “ticar ”. Não conduza a educação literária de
seu filho com esse tipo de ansiedade e rigidez. Ao contrário,
observe as recusas da criança de modo a transformá-las em
conhecimento a respeito de sua individualidade. As pessoas
são diferentes, algumas são mais específicas que outras, e
isso se nota muito cedo.

Seu filho não precisa ouvir todas as histórias boas


que existem. Aliás, isso nem seria possível. Não se apresse
em sair comprando todos os títulos da lista. Vá adquirindo
os livros aos poucos, na medida em que o ritmo de leituras
se estabelece e o seu conhecimento sobre a criança se
desenvolve. É sempre importante lembrar que, durante a
infância, leitura não é currículo, e sim experiência de vida.
Mais vale que a criança ouça uma mesma história várias
vezes, extraindo tudo o que ela puder oferecer, do que várias
histórias sem envolvimento e atenção. Charlotte Mason dizia,
referindo-se à educação em geral, que devemos oferecer à
criança um banquete de ideias. E, como ocorre com qualquer
convidado de um banquete, alguns itens do cardápio serão
mais apreciados do que outros.

É normal que a criança tenha mais interesse por um tipo de


personagem, gênero ou enredo, do que por outros. Dê atenção
às preferências de seu filho. Desse modo, você poderá fazê-

42
lo avançar alimentando o seu imaginário com o material
adequado. Com a criança, acontece o mesmo que acontece
conosco: só conseguimos prestar atenção genuína e
duradoura àquilo que de fato toca a nossa alma.

Por fim, uma vez que você comece a perceber algumas


predileções e interesses temáticos da parte de seu filho,
adquira também livros que lhes correspondam. Há no
mercado uma enorme gama de livros infanto-juvenis de
divulgação científica (por exemplo, sobre corpo humano,
astronomia, dinossauros, máquinas, vida animal, natureza
em geral) ou relacionados ao estudo da arte (obras e museus
famosos, biografias de artistas). Livros assim devem ser
adicionados à minha lista de sugestões, para dar um toque
pessoal à biblioteca de seu filho.

Você pode estar se perguntando por que, ao longo de


todo este guia, eu me referi “ao seu filho”, no singular, quando
é muito provável que você tenha ou queira ter mais de um.
A resposta é simples. Todos os meus escritos seguem esta
mesma linha, porque, como eu costumo dizer, só acredito
em educação se ela for personalizada. Assim, quando falo “o
seu filho”, minha intenção é inspirar-lhe a pensar em cada
um dos seus filhos de maneira particular.

Mesmo que você tenha muitos filhos e uma só estante


de livros na sua casa, e mesmo que eles compartilhem o
gosto por muitas das obras ali dispostas, é importante que,
na hora de selecionar os livros, você contemple os interesses,
preferências e inclinações de cada um deles, de modo que
todos tenham a oportunidade de uma iniciação literária
única e verdadeiramente pessoal.

Boas leituras!

43
www.infanciabemcuidada.com

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