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Peter Bringe
Copyright © 2012 de Peter Bringe
Publicado originalmente em inglês sob o título
The Christian Philosophy of Food,
nos Estados Unidos da América.
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Todos os direitos em língua portuguesa reservados por EDITORA MONERGISMO
Brasília, DF, Brasil
Sítio: www.editoramonergismo.com.br 1a edição, 2014
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PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Alimentação vegetal
No princípio, Deus concedeu plantas para o consumo de Adão e Eva.
Disse Deus: “Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e
produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão
de alimento para vocês” (Gn 1.29).
No princípio, só as plantas serviam de alimentos, tanto para os
animais quanto para o homem. Mesmo depois da Queda, a humanidade
permaneceu ingerindo apenas alimentos de origem vegetal até o Dilúvio.
Assim, os alimentos vegetais consistem na alimentação fundamental para a
humanidade. É como se você tivesse um programa de computador e
conseguisse uma atualização do programa. O programa é o básico,
enquanto as atualizações são bônus que podem ser muito bons para o
programa, mas não funcionam por si mesmos. Algumas pessoas
respondem de forma negativa à menção de alimentação vegetal e querem
evitar qualquer conexão com os “temidos” vegetarianos. Para lhes
tranquilizar a mente, não estou dizendo que a Bíblia ordena a ingestão
apenas de alimentos vegetais. Digo, no entanto, que a Bíblia ensina a
centralidade e a importância dos vegetais. Esse princípio não está em
desacordo com o restante da Escritura. Por exemplo, nos quarenta anos no
deserto, Deus deu aos israelitas o maná (uma substância semelhante ao
pão) e codornizes. O maná era a comida básica, e os israelitas foram
punidos com uma praga pela ânsia egoísta por carne (Nm 11.32-34). Em
Provérbios 23.20, a Bíblia também adverte contra “os que se empanturram
de carne”. Daniel agrupa a carne com o vinho como as iguarias de que ele
se absteve enquanto lamentava (Dn 10.3). Parece que nossa cultura
moderna, com suas refeições “centradas na carne”, está em desacordo com
o conceito bíblico da carne.
Alguns objetarão por causa da necessidade de carne para obter
proteína o suficiente para desenvolver músculos. Entretanto, plantas, em
especial vegetais, legumes e castanhas, têm mais proteína do que as pessoas
pensam, e suas proteínas têm menos calorias e mais nutrientes específicos.
Por exemplo, os brócolis contêm mais proteína por caloria que a carne de
vaca. Quase metade da matéria seca do espinafre é proteína. Observe
macacos e gorilas e me diga se a carne é necessária para desenvolver
músculos. Talvez o que sua mãe lhe tenha dito para comer brócolis esteja
certo.
Uma dieta com predominância vegetal é uma defesa contra o
argumento de que não podemos produzir comida suficiente para a
população crescente e que, como consequência, não deveríamos obedecer à
ordem de Deus: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a
terra!” (Gn 1.28). A comida de origem vegetal é a fonte mais eficiente de
alimentação em muitas regiões. Como as nações ocidentais e as
influenciadas pelo Ocidente (como a China moderna) comem
primariamente carne acompanhada de vegetais, a agricultura não alcança a
produção potencial. Um acre de terra usado para o gado poderia suprir por
77 dias as necessidades de proteína de um adulto; porém, se o mesmo acre
fosse usado para o plantio de soja, poderia suprir as necessidades de um
adulto por 2.224 dias.[2] Em um estudo, calcula-se que “o uso de terra para
produção de frutas e feijão é […] cerca de 5 e 3 vezes, respectivamente,
mais eficiente que o uso de terra para a produção animal”.[3] Ao dirigir em
lugares como Illinois ou Iowa, onde o “mar” de milho e soja parece não ter
fim, surge a questão: “Para onde vai tudo isso?”. Uma grande porcentagem
vai para a alimentação animal. Assim, comemos os animais e recebemos
apenas uma fração dos nutrientes que as plantas poderiam ter fornecido. Se
reduzíssemos o espaço de milho, soja e água para os animais e, em vez
disso, cultivássemos milho doce e outros vegetais para a alimentação,
aumentaríamos muito o suprimento de comida e água. Ao comermos mais
vegetais, obtemos um domínio melhor e mais eficiente da terra.
Carne
Embora os alimentos vegetais sejam os mais básicos para a dieta,
Deus também nos concedeu a ingestão de carne: “Tudo o que vive e se
move servirá de alimento para vocês. Assim como lhes dei os vegetais,
agora lhes dou todas as coisas. Mas não comam carne com sangue, que é
vida. A todo aquele que derramar sangue, tanto homem como animal,
pedirei contas; a cada um pedirei contas da vida do seu próximo. Quem
derramar sangue do homem, pelo homem seu sangue será derramado;
porque à imagem de Deus foi o homem criado” (Gn 9.3-6).
O primeiro detalhe evidente é a importância de não comer sangue.
Algumas pessoas explicam isso como uma lei cerimonial que foi cumprida
em Cristo. Mas, se a não ingestão for cerimonial, então por que Deus, no
mesmo fôlego, proclama a santidade da vida e a punição capital como
fundamentos do governo civil? Elas são cerimoniais também? Creio que
não. Mesmo no Novo Testamento, o concílio de Jerusalém chegou a esta
conclusão: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não impor a vocês nada
além das seguintes exigências necessárias: Que se abstenham de comida
sacrificada aos ídolos, do sangue, da carne de animais estrangulados e da
imoralidade sexual. Vocês farão bem em evitar essas coisas. ‘Que tudo
lhes vá bem’” (At 15.28,29).
Como cristãos, mesmo que matemos animais e os comamos, ainda
assim valorizamos a vida e não bebemos o sangue deles como os pagãos.
É interessante notar que, após o Dilúvio, todo ser vivo que se move
foi dado como alimento (Gn 9.3), mesmo já havendo a distinção entre
animais puros e impuros em sentido ritual (para os sacrifícios).
Depois Noé construiu um altar dedicado ao SENHOR e,
tomando alguns animais e aves puros, ofereceu-os como
holocausto, queimando-os sobre o altar (Gn 8.20).
Isso mudaria com a distinção entre animais impuros e puros feita
na Lei entregue a Moisés.
Animais “puros”
“Disse o SENHOR a Moisés e a Arão: ‘Digam aos israelitas: De todos
os animais que vivem na terra, estes são os que vocês poderão
comer: qualquer animal que tem casco fendido e dividido em duas
unhas, e que rumina. […] De todas as criaturas que vivem nas águas
do mar e dos rios, vocês poderão comer todas as que possuem
barbatanas e escamas. Mas todas as criaturas que vivem nos mares
ou nos rios, que não possuem barbatanas e escamas, quer dentre
todas as pequenas criaturas que povoam as águas, quer dentre todos
os outros animais das águas, serão proibidas para vocês. […] Estas
são as aves que vocês considerarão impuras, das quais não poderão
comer porque são proibidas: a águia, o urubu, a águia-marinha, o
milhafre, o falcão, qualquer espécie de corvo, a coruja-de-chifre, a
coruja-de-orelha-pequena, a coruja-orelhuda, qualquer espécie de
gavião, o mocho, a coruja-pescadora e o corujão, a coruja-branca, a
coruja-do-deserto, o abutre, a cegonha, qualquer tipo de garça, a
poupa e o morcego. Todas as pequenas criaturas que enxameiam,
que têm asas mas que se movem pelo chão, serão proibidas para
vocês. Dentre estas, porém, vocês poderão comer aquelas que têm
pernas articuladas para saltar no chão. […] Todo animal de casco
não dividido em duas unhas ou que não rumina é impuro para
vocês; quem tocar qualquer um deles ficará impuro. Todos os
animais de quatro pés, que andam sobre a planta dos pés, são
impuros para vocês; todo o que tocar os seus cadáveres ficará
impuro até a tarde. […] Dos animais que se movem rente ao chão,
estes vocês considerarão impuros: a doninha, o rato, qualquer
espécie de lagarto grande, a lagartixa, o lagarto-pintado, o lagarto, o
lagarto da areia e o camaleão. De todos os que se movem rente ao
chão, esses vocês considerarão impuros. Quem neles tocar depois
de mortos estará impuro até a tarde. […] Vocês não poderão comer
animal algum que se move rente ao chão, quer se arraste sobre o
ventre quer ande de quatro ou com o auxílio de muitos pés; são
proibidos a vocês. […] Pois eu sou o SENHOR, o Deus de vocês;
consagrem-se e sejam santos, porque eu sou santo. Não se tornem
impuros com qualquer animal que se move rente ao chão. Eu sou o
SENHOR que os tirou da terra do Egito para ser o seu Deus; por isso,
sejam santos, porque eu sou santo’” (Lv 11.1-3,9,10,13-
21,26,27,29-31,42,44,45).
Antes de desconsiderarmos de maneira apressada a aplicabilidade
dessa lei a nós, vamos nos lembrar de que toda a Escritura é proveitosa
(2Tm 3.16). Chegaremos ao momento em que Jesus declara puras todas as
comidas, mas primeiro vamos observar as principais instruções divinas
sobre a alimentação.
Em sua sabedoria de Criador do mundo, Deus separou como
alimento alguns animais do restante. Na maioria, a lista dos animais que
servem como alimento e os que não é bastante óbvia. Entre os animais
impuros, encontramos predadores, carniceiros e filtradores, como ursos,
abutres e mariscos. Eles têm sistemas digestivos menos eficientes e
acumularão no próprio corpo mais toxinas dos animais consumidos
(alguns, como a ostra, são projetados para limpar o meio ambiente
acumulando toxinas e produtos químicos). Com mais frequência, os
animais puros são herbívoros, têm sistemas fisiológicos melhores para
remover toxinas e não raro são comidos por outros animais. Há poucos
estudos comparando alimentos puros e impuros, mas esses estudos
apontam para a sabedoria da instrução divina. A pesquisa mais completa
foi realizada em 1953 pelo dr. David Macht da Universidade Johns
Hopkins, e relatou os efeitos tóxicos da carne animal. Sem exceção, todos
os animais puros estudados foram classificados como não tóxicos, ao
passo que todos os animais impuros foram classificados como tóxicos.[4]
Ainda que não possamos entender sempre a razão de certos animais serem
considerados impuros, devemos ter fé na Palavra de Deus e levar a sério
suas diretrizes sobre o que comer.
Animais “impuros”
“Não há nada fora do homem que, nele entrando, possa torná-lo
‘impuro’. Ao contrário, o que sai do homem é que o torna ‘impuro’. Se
alguém tem ouvidos para ouvir, ouça!” Depois de deixar a multidão e
entrar em casa, os discípulos lhe pediram explicação da parábola. Será
que vocês também não conseguem entender?, perguntou-lhes Jesus.
Não percebem que nada que entre no homem pode torná-lo ‘impuro’?
Porque não entra em seu coração, mas em seu estômago, sendo depois
eliminado.’ Ao dizer isso, Jesus declarou ‘puros’ todos os alimentos”
(Mc 7.15-19).
“[Pedro]
Viu o céu aberto e algo semelhante a um grande lençol que
descia à terra, preso pelas quatro pontas, contendo toda espécie de
quadrúpedes, bem como de répteis da terra e aves do céu. Então uma voz
lhe disse: ‘Levante-se, Pedro; mate e coma’. Mas Pedro respondeu: ‘De
modo nenhum, Senhor! Jamais comi algo impuro ou imundo!’ A voz lhe
falou segunda vez: ‘Não chame impuro ao que Deus purificou’. Isso
aconteceu três vezes, e em seguida o lençol foi recolhido ao céu” (At 10.11-16).
E, por fim, o terceiro grupo alimentar é o dos alimentos impuros
(ou anteriormente impuros). O propósito principal das regulações de puro
e impuro era a santidade e a prevenção da contaminação (Lv 11.44,45).
Elas deveriam separar o povo do Deus santo como povo justo e puro.
Embora já sejamos santos (separados para a retidão) pelo sangue de Cristo,
também estamos sendo santificados (feitos santos) pelo Espírito Santo. Em
Marcos 7.15-19 (acima), Jesus mostra a importância de ser santo e
incontaminado no coração. As obras externas são importantes apenas na
medida em que apresentam o fruto da fé interna. Nesse contexto Jesus
declara todos os alimentos puros. Comer alimentos impuros já não nos
contamina em sentido espiritual, mas os pensamentos malignos, sim (como
sempre). Como os três versículos seguintes dizem: “Pois do interior do coração
dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os
adultérios, as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a
insensatez. Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem ‘impuro’” (Mc 7.21-23) Note
que de dentro vêm os homicídios (isto é, desrespeito pela vida), a
devassidão, a arrogância e a insensatez — capazes de nos conduzir à
alimentação insalubre. Isso não quer dizer que podemos comer o que
quisermos, só pelo fato de todas as comidas serem puras. Como cristãos do
Novo Testamento, recebemos um derramamento maior do Espírito Santo
e, assim, temos maturidade ampliada. Em vez de precisarmos de muitas
leis específicas a respeito de todas as situações possíveis, deveríamos ser
capazes de aplicar as leis de Deus à nossa situação com sabedoria.
Também devemos comer com sabedoria, e a antiga distinção entre puro e
impuro ainda é útil.[5] Mas a atitude na maneira como comemos pode nos
contaminar, não comidas específicas.
Devemos nos regozijar por Deus nos ter concedido tamanha
variedade de alimentos para comer. A expansão de escolhas alimentares
para “tudo o que vive e se move” (Gn 9.3) nos beneficia de várias
maneiras. Ela nos ajuda a dominar a terra. Se você vai explorar a
Amazônia, terá satisfação em saber que, caso seja necessário, você pode
comer caramujos e vermes. Como Atos 10 ilustra, isso significa a
expansão do Evangelho para todos os povos e culturas. Portanto, quando
você for à casa dos vizinhos e eles lhe servirem carne de porco, você pode
comê-la em vez de ofender o anfitrião. Isso nos ajuda a recordar que,
embora a comida seja importante, ela não é a substância da nossa fé: “Pois
o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no
Espírito Santo” (Rm 14.17).
Mas lembre-se, como João Calvino declarou: “Liberdade é uma
coisa — seu uso é outra”.[6]
Quando ouvimos o que Deus nos ordenou e seguimos suas
instruções, elas são uma bênção! Na Roma antiga, os pagãos invejavam a
proteção dos cristãos primitivos e judeus contra epidemias. Na Idade
Média, quando a peste negra varreu a Europa, os judeus foram muito
menos afetados por ela por ainda seguirem as instruções divinas sobre
alimentação e pureza.[7] Se tivermos fé para obedecer a Deus, seremos
abençoados por ele. Deus é bom, e sua orientação na vida por meio da lei é
uma bênção. Deus disse em Êxodo 15.26: “Se vocês derem atenção ao SENHOR, o seu
Deus, e fizerem o que ele aprova, se derem ouvidos aos seus mandamentos e obedecerem a todos os
seus decretos, não trarei sobre vocês nenhuma das doenças que eu trouxe sobre os egípcios, pois eu
sou o SENHOR que os cura”.
Embora neste livro haja outras observações sobre saúde (como as
relacionadas ao domínio próprio ou o conceito da criação), as instruções
básicas encontradas na Bíblia sobre o que deveríamos comer são as
seguintes: 1. Como povo santo de Deus, devemos ser saudáveis e puros, e
devemos cuidar do nosso corpo redimido.
2. Nossa alimentação primária deve se basear em vegetais, uma vez que
eles foram dados como alimento no princípio.
3. Embora os animais tenham sido dados como comida, devemos mostrar
respeito pela vida ao não ingerir sangue.
4. A alimentação animal primária deve ser formada pelos animais “puros”,
especificados por Deus.
5. Recebemos “tudo o que vive e se move” (Gn 9.3) como alimento, logo,
devemos nos alegrar na nossa liberdade. Entretanto, devemos lembrar de
que “‘Tudo é permitido’, mas nem tudo convém. ‘Tudo é permitido’, mas
nem tudo edifica” (1Co 10.23).
Dentro desses princípios há espaço para a individualidade, não para
a anarquia.
3. Alimentação e cultura
“Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito
debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e
tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar,
tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir,
tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de
ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e
tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar
e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e
tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz” (Ec 3.1-8).
A comida serve só para a saúde? Certamente não! Existem muitos
livros sobre saúde por aí considerados “livros sobre alimentação”, mas, na
verdade, tratam apenas de nutrição científica. A comida é parte da cultura.
A cultura diz respeito ao que pensamos, sentimos e fazemos. Ela está
bastante entrelaçada à nossa vida. E lida com nossas emoções e
personalidades, nossa história e nossas situações. Nossa alimentação tem
significado. Nossa comida não está isolada do contexto. Neste capítulo,
apresentarei alguns exemplos bíblicos sobre a forma da utilização dos
alimentos na cultura e na vida.
[…]
No cenário e nas ocupações da vida no campo a mente é mais tranquila, sóbria e
desanuviada. Na atmosfera assim se pode discernir de maneira mais clara o
relacionamento das coisas, e olhar além dos acontecimentos do dia… Em síntese,
esse grande empreendimento, o cultivo da terra, repousa, mais do que se pode dizer
de qualquer outro ramo da indústria humana, sobre o fundamento de tudo o que é
importante e valioso na sociedade civil.[21]
É possível falar muito sobre a agricultura a partir da perspectiva
bíblica. Alguns dos tópicos devem esperar pelo próximo capítulo, onde
discutirei nossa visão da criação de Deus em geral, mas umas poucas coisas
devem ser salientadas aqui.
Visto que “do SENHOR é a terra” (Sl 24.1), devemos seguir as
orientações de Deus quando se trata de usá-la. Em Levítico 19.9, 10, somos
informados: “Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até as
extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita.
Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem
caído. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro”.
O plano divino de caridade inclui certa ineficiência no campo. Dessa
forma, os pobres ainda têm de trabalhar para conseguir comida, coletando
as sobras, mas elas ainda são fornecidas pelos fazendeiros da comunidade
local. Com o passar do tempo, os pobres conseguiriam algo melhor para
trabalhar e seriam capazes de se reerguerem sozinhos.
Simples panfletos produzidos pelo Estado impessoal não substituem
esse tipo de caridade. Outra importante lei que se deve destacar é o
descanso da terra no ano sabático (Êx 23.10,11; Lv 25.1-7). Nele, a terra é
deixada em paz sem plantação, poda ou colheita. Lembra quando falamos
sobre a necessidade humana de descanso? A terra também precisa
descansar, se quisermos que ela seja fértil e saudável. O descanso no ano
sabático exige que o fazendeiro pense além do tempo presente para
planejar-se. Além disso, para ser verdadeiro descanso, o fazendeiro deve ter
fé na provisão divina. O mesmo se pode dizer sobre o repouso semanal no
dia do Senhor e o descanso noturno na cama. O terceiro ponto de destaque,
muito importante na agricultura e economia em geral, é a defesa bíblica da
propriedade privada como proteção da liberdade familiar. Na Bíblia, não há
imposto sobre a terra, e ninguém pode roubá-la, incluindo o governo (1Rs
21). Há muitas leis para a proteção da propriedade e da herança da terra,
que contribuem para a força e estabilidade da economia familiar (Êx
20.15,17; Lv 25.13,23,24; Pv 13.22). Há outras diretrizes na Bíblia sobre a
agricultura (Lv 19.23-25; Dt 25.4; 2Tm 2.6 etc.), mas essas são algumas das
principais, das quais nos esquecemos e devemos praticar se quisermos
cultivar a terra para a glória de Deus.
Quando a pessoa é redimida, isso não a afeta de modo isolado; ela
também é santificada no relacionamento com outras pessoas e com o
mundo ao redor. Quando a pessoa ama Deus, vive mais e mais de acordo
com a lei divina, e essa lei atua como bênção nos relacionamentos pessoais,
na sociedade e no meio ambiente. Como o pecado de Adão resultou na
maldição da terra, da mesma forma, a redenção de Cristo resulta na
renovação da terra, culminando no novo céu e na nova terra completamente
restaurados no retorno de Cristo. Jesus se encontra no processo de “fazer
novas todas as coisas” (Ap 21.5), e somos parte disso quando dominamos a
criação com responsabilidade.
Porém, isso não quer dizer que todos devemos ser fazendeiros. Há
outras formas de trabalhar e dominar. Mas significa dizer que, em uma
comunidade bíblica, a agricultura será bem mais difundida e generalizada
na sociedade que no sistema centralizado de elite (como temos agora), em
que apenas 1 por cento da população cultiva a terra. Mesmo que a fonte
principal de renda não seja agrícola, o trabalho de jardinagem para
complementar a alimentação, ou mesmo pelo prazer de aprender como a
criação de Deus funciona, será importante. Quanto mais uma família sabe
sobre a origem da comida, mais responsabilidade e incentivo a favor da
qualidade serão evidentes na agricultura. Quando as pessoas cultivam a
horta com fé em Deus e amam quem comerá os alimentos, enquanto
trabalham para a glória divina, a terra será abençoada com trabalhadores
esforçados que produzirão boa comida, nutrida pela boa providência divina.
Culinária
Da mesma forma que a agricultura não consiste apenas na produção de
vegetais, a culinária não envolve só a preparação de alimentos. Preparar
alimentos é o processo em que alimentos crus são transformados em obras
de arte que serão comidas por pessoas que amamos, pessoas feitas à
imagem de Deus. Isso é especialmente válido quando feito em uma
comunidade relacional como a família. Como cristãos, a preparação ideal
de alimentos não deveria consistir em comida feita às pressas, mas, por sua
beleza, deve refletir a natureza e a glória de Deus.
Deus é belo. Ele ama a beleza e a define de verdade. A beleza é
parte de sua natureza. “Ah! Como serão belos! Como serão formosos” (Zc
9.17a, v. tb. Sl 27.4, 50.2). O que constitui a beleza é assunto de muita
discussão ao longo dos anos, mas mesmo os filósofos humanistas
perceberam certos padrões na criação mais agradáveis que outros. A beleza
pode ser descrita como a composição de elementos dispostos entre si em
proporção correta. O modo comum de descrever a beleza se parece com a
antiga definição da Escola Romana: “diversidade na unidade”.[22] O
filósofo iluminista Francis Hutcheson observou: “As figuras que em nós
despertam o conceito de beleza são aparentemente aquelas em que há
uniformidade em meio à variedade.”[23]
Embora as expressões que descrevem a beleza variem dependendo
do aspecto da vida sob exame, há diferentes termos para os mesmos valores
últimos encontrados na própria definição de beleza — o Deus triúno. Deus
é um Ser que subsiste em três pessoas (Deus Pai, Deus Filho e Deus
Espírito Santo).
“No ser de Deus, não há pessoas individuais que não se relacionam
com perfeição com o único Deus; e não há nada no ser completo de Deus
que não esteja plenamente expresso nas três pessoas distintas”.[24]
No ser de Deus, nem o único Deus, nem as múltiplas Pessoas são
mais importantes ou últimas, mas em seu ser o um e o particular são
igualmente Deus. Deus fez sua criação para refletir como ele é (Rm
1.19,20). Assim, a beleza em Deus e na criação é o equilíbrio entre os
valores últimos de unidade e diversidade. De forma alguma são ideias
opostas. São valores complementares, que não podem ter sentido sem o
outro. Sem reconhecer a diversidade na realidade, o universal torna-se
uniformidade sem sentido, e sem reconhecer unidade na realidade, as
particularidades perdem sentido e relação. A primeira é estática; a outra é
caótica. Ao referir-me à arte, considero os termos ordem e zelo os melhores
para mostrar as partes distintas, mas não separadas, da beleza. A culinária,
como a música, dança, poesia e as outras formas de arte, envolve as duas.
A unidade da ordem A música ensina a ordem unificada por meio
de ritmo, escalas e intervalos organizados e matemáticos. Na dança, há
passos em harmonia com a ordem da música, e os dançarinos devem se
harmonizar com os outros dançarinos. Às vezes existem músicas e passos
complexos, mas eles devem se encaixar com a ordem. Parecemos, por
natureza, caóticos, irregulares e aleatórios. Por exemplo, as pessoas não
caminham em ritmo de forma natural. As refeições não nascem como
refeições. Para a refeição ser bela, a comida precisa ser colhida, lavada,
reunida, processada e, muitas vezes, aquecida. Devemos trabalhar para
produzir a comida organizada, limpa e composta de ingredientes em
unidade e proporção correta. A arte ordenada ensina a organização e
regularidade à nossa natureza. Ela ensina autocontrole e autodisciplina que
submete o corpo, os pensamentos, as ações e a vida à paz e harmonia de
Deus. Como 1 Coríntios 14.33 diz: “Deus não é Deus de desordem, mas de
paz”. E como 1 Coríntios 14.40 ensina: “Mas tudo deve ser feito com
decência e ordem”. Temos domínio e cultivamos a criação de Deus apenas
quando a moldamos de acordo com a ordenação divina. Quando
aprendemos a agir de acordo com a ordem e a paz, agimos de maneira
concorde com a natureza divina.
Comida pop
Usando a comparação de culinária e comida, é possível perceber como a
alimentação moderna se parece muito com a música moderna. Ela tem a
mesma substância — uma característica deficiente, comercializada e
sempre “nova e melhorada”. Muito da nossa comida é “comida pop”. Como
a música pop, trata-se de um produto que mistura romantismo (com ênfase
nas emoções à custa de regras e ordem), industrialismo (com destaque nos
interesses comerciais e o apelo massificado) e modernismo (que ressalta o
novo e o diferente).[25] Quanto mais as pessoas são fisgadas pela arte pop,
por sua natureza, mais são arrastadas pela espiral de exigir uma grande
empolgação para estimulá-las mais que a anterior. Na realidade, isso
corrompe o sabor e a percepção do que é bom. Depois de nos
acostumarmos com a música pop, ouvir Bach parece entediante, difícil e
desagradável, como comer vegetais. Para muitas pessoas, parece que
comidas saudáveis sempre têm gosto ruim. Agora que estamos acostumados
com alimentos sobrecarregados de açúcar e sal, voltar para a dieta mais
delicada e equilibrada de plantas, aromatizada com ervas e especiarias,
parece ouvir Händel depois de ter escutado rap por toda a vida. Comidas
saudáveis têm sim sabor agradável! Nosso paladar foi corrompido na busca
irrestrita de estímulo. Demora um pouco, mas quando você começa a comer
com regularidade, e de maneira saudável, a apreciação pela rica diversidade
dos sabores cresce e se torna um prazer. Não só isso, mas comer comida
pop se torna tão repulsivo quanto se você fosse um musicista clássico
ouvindo heavy metal. Outra consideração relacionada é que um rapper
também não irá tocar “O Messias” de Händel na primeira vez. Quando uma
pessoa ou uma cultura não está acostumada a utilizar vegetais, é preciso
alguma prática até aprender a comê-los com correção (isto é, não cozinhá-
los demais até virarem uma papa).
Por fim, não apenas a comida deve ser bela, mas toda a atmosfera da
refeição deve ser de amor e ordem de uma família piedosa. Embora, na
realidade, a vida nem sempre permita a oportunidade de uma refeição
familiar calma e amorosa, este deve ser o objetivo pelo que lutaremos. No
mundo perfeito, a comida seria preparada com amor pela família, para a
família e, talvez, para outras famílias. Como a comida seria feita no local e
para pessoas que se relacionam, deveria haver mais responsabilidade no
processo. Deveria haver características locais e atenção especial na
alimentação, que, de outra forma, seria engolida pela administração
corporativa. A família deveria desfrutar de uma pausa no dia de trabalho e
ter agradável comunhão ao redor da mesa, discutindo as lições e os desafios
do dia. A comida inspiraria a atmosfera de ordem e amor familiar que
cresceria e se desenvolveria no restante da vida. Quanto mais bela a
refeição, mais bela será a experiência de comunhão. Quanto mais bela a
refeição, de modo mais pleno podemos dar glória a Deus e desfrutar dele e
de sua perfeita beleza.
5. Alimentação e criação
Como escrevi na introdução, a comida é parte da criação divina, e nossa
visão da criação afetará nosso exame da alimentação. Visto que Deus criou
o mundo (Gn 1; 2), observamos o mundo nos termos dos propósitos e da
ordem de Deus. Quando Deus criou o homem, ele o fez como alguém que
exerce domínio.
“Este não é um tema periférico ao ser do homem: é essencial à sua
natureza. O homem exercerá o domínio piedoso ou o domínio maligno e
humanista”.[26]
Embora o homem não seja um robô que simplesmente produz e não
faz outra coisa, esse aspecto da natureza humana não pode ser ignorado. O
homem é uma criatura; ele é parte da criação de Deus e não pode escapar de
sua parte nela. Quando distorcemos o conceito da criação e da nossa parcela
de responsabilidade nela, nosso relacionamento com ela e com seus
produtos será distorcido e prejudicial para a vida.
O homem autônomo e rebelde quer escapar do Deus que julga.
Como a criação é de Deus, ele está em um ambiente hostil e, assim,
considera a natureza um tipo de inimigo. Como ele se orgulha de suas
capacidades, pensa que a ciência e a razão humanas o salvarão, e que a
criação pode ser compreendida e refeita à perfeição. Há, no entanto, outros
homens ímpios que reagem com violência contra essa posição de razão e
ciência, tomando, por sua vez, o caminho do primitivismo natural.
No século XIX, os românticos tiveram exatamente esse tipo de
reação aos filósofos iluministas. No iluminismo, os filósofos elevaram o
conhecimento humano por meio do racionalismo (conhecimento por meio
da razão) e do empirismo (conhecimento por meio dos sentidos). Eles
reduziram a vida à ciência e aos processos naturais. Os românticos reagiram
a isso elevando os sentimentos, os instintos, a irracionalidade e a emoção. À
custa do caráter último do conhecimento e da ordem humanos, eles
destacaram a importância da natureza e do caos. Pelo fato de
racionalistas/empiristas e românticos se desviarem do entendimento correto
a respeito do soberano Deus triúno, eles oscilaram de um “extremo” ao
outro, sem que nenhum deles fosse definido de acordo com a Bíblia.
Na atualidade, temos visto uma reação contra os cientistas
humanistas, iniciada pelos hippies e que continua hoje por meio de grupos
afins. Muitos liberais reconhecem a futilidade do industrialismo e
naturalismo científico; como consequência, eles concluem: sendo a
humanidade incapaz de entender e controlar de modo pleno os processos da
vida, ela não pode conhecer nada e deveria retornar à irracionalidade
primitiva. Eles negam a ordem da criação, ou pelo menos, a capacidade do
homem de entendê-la, alegando que qualquer tentativa humana de
aprimorar a natureza está fadada a corrompê-la. Quanto mais orgânico,
natural e intocado pela mão do homem, melhor. Essa reação parece boa à
primeira vista por reconhecer o problema com correção. Eles tomam uma
direção que parece semelhante à que os cristãos deveriam tomar. Todavia,
como os liberais negam Deus, são incapazes de reconhecer a natureza
limitada do mistério e da ciência sob Deus.[27]
Em oposição aos ímpios, os cristãos adoram o Deus triúno. Somos
os únicos que podem equilibrar de forma correta o conceito certo sobre a
criação, pois servimos ao Criador. Entendemos que Deus é o Deus de
ordem, e que fomos criados à sua imagem; logo, somos capazes de entender
alguns padrões da natureza que se originam na natureza organizada de
Deus. Isso dá significado aos particulares da razão e ciência. Além disso,
também entendemos que o homem é um ser finito e criado, sem mencionar
sua corrupção pelo pecado. Embora existam coisas que possamos saber por
meio das revelações geral e especial (a criação executada por Deus e suas
Escrituras), somos limitados. Há coisas misteriosas para nós. Quando nos
aproximamos de Deus e da criação, devemos fazê-lo com temor e
humildade. Em vez de confiar na ciência para refazer a criação de acordo
com a utopia humana, devemos usá-la para descobrir o valor do que existe
na criação, trabalhando como seus mordomos para subjugar e aprimorar a
criação a fim de que ela reflita a natureza e o poder santificador de Deus.
Em vez de enxergamos a criação divina como inimigo ou deus, que a
enxerguemos como o jardim de Deus que devemos cultivar com cuidado e
torná-lo belo e sobrejante.
Um aspecto de considerar a criação como o jardim de Deus é
reconhecer a marca da natureza e do caráter de Deus na criação. Devido à
sua natureza pecaminosa, o homem suprime a revelação natural de Deus
mediante a criação, tornando-se incapaz de interpretá-la. Entretanto, como
cristãos que conhecem e amam o Criador, e que estudam sua Palavra,
podemos observar a verdade divina ilustrada na criação. Um exemplo disso
é a permissão divina para que o sol se levante e a chuva caia sobre maus e
bons, justos e injustos. Deve ficar claro nesse aspecto da criação divina que
devemos também amar os inimigos e orar por quem nos persegue (Mt
5.44,45). Pratos deliciosos e nutritivos são benefícios do sol e da chuva
disponíveis a todos. Isso não significa que todos os apreciem e se alegrem
neles como um plano miraculoso para seu benefício. Quando as pessoas se
afastam de Deus, perdem o respeito pela sabedoria divina na criação e
acabam pervertendo-a. Essa apostasia se torna explícita para nós quando
vemos nações se afastando de Deus, tornando-se obesas e sofrendo de
doenças associadas. Populações saudáveis do passado que não tinham
acesso a vários alimentos calóricos e de baixo valor nutritivo (por exemplo,
os moradores da ilha de Okinawa) servem como exemplo das bênçãos
comuns que Deus provê às pessoas nos alimentos encontrados na criação.
Deus criou de modo a possibilitar aos ímpios a ingestão de alimentos
saudáveis. Entretanto, os ímpios têm motivações erradas e não dão glória a
Deus em suas escolhas. Como filhos de Deus, é uma bênção incrível
reconhecer a criação divina pelo que ela é — uma dádiva preciosa projetada
com infinita sabedoria e poder para nosso benefício. Portanto, glorificamos
e amamos a Deus quando somos bons mordomos dos nutrientes fornecidos
por ele na comida, pelo modo que aprendemos a prepará-la, servi-la e nos
alegrarmos nela com os outros, no amor de Cristo.
Aprendemos, por meio da experiência, que os componentes doces e
amargos da comida foram gloriosamente criados para nosso benefício.
Ainda que as pessoas desejem remover os componentes amargos e
adstringentes para tornar a comida mais atraente, esses componentes são
muito valiosos para o corpo, adicionando até mesmo riqueza ao sabor. Eles
podem nos lembrar do juízo divino, que pode parecer amargo e severo.
Mas, quando reconhecemos a soberania e a bondade de Deus, podemos
perceber que mesmo seu julgamento é bom. Sem ele, perderíamos a
ilustração de seu santo poder e das riquezas de sua glória para nós (Rm
9.22,23). Da mesma forma que a comida sem os componentes
“desagradáveis” produz um prato atraente, porém deficiente, da mesma
forma o Evangelho sem a soberania e a santidade de Deus “atrai o
incrédulo”, mas é lamentavelmente fraco e falho.
Quanto mais estudamos sobre a alimentação, mais aprendemos que
todas as comidas têm valor especial para as pessoas. Alimentos diferentes
são boas fontes de proteínas, minerais, vitaminas, fibras, gorduras,
flavonoides, sabores, cores etc. Os alimentos não são homogêneos; cada um
tem uma especialidade e importância que o diferenciam do resto. Para
comer uma dieta saudável, não se pode confiar em apenas um alimento,
mas se deve valorizar a variedade alimentar para que trabalhe junta, cada
tipo de alimento suprindo os demais. Essa é uma grande figura do corpo de
crentes. Cada membro do corpo tem papel próprio a desempenhar na
unidade: “Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos
membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um só corpo,
assim também com respeito a Cristo. […] De fato, Deus dispôs cada um dos
membros no corpo, segundo a sua vontade. Se todos fossem um só membro,
onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo.” (1Co
12.12,18-20). Embora tenhamos importância igual, temos diferentes
posições e responsabilidades. Esse plano na alimentação é o grande
exemplo da ordem social e do planejamento de Deus para a comunidade. A
partir do exemplo dos alimentos criados por Deus, podemos ter confiança
de que o Senhor também faz cada um de nós para um propósito que lhe
renda glória.
Se você já trabalhou na criação de animais para a alimentação ou na
plantação de um jardim, sabe que não demora muito para aprender a
necessidade de muito esforço para tornar o empreendimento produtivo. Há
uma diferença entre criar ratos e vacas, ou entre cultivar abrolhos e tomates.
Essas observações da criação ilustram o ensino da Palavra de Deus quanto
ao resultado do pecado de Adão no jardim do Éden: E ao homem declarou: “Visto
que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual eu lhe ordenara que não
comesse, maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua
vida. Ela lhe dará espinhos e ervas daninhas, e você terá que alimentar-se das plantas do campo. Com
o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque
você é pó, e ao pó voltará” (Gn 3.17-19).
Por nossas interações com a outrora perfeita criação de Deus, somos
constantemente lembrados de todas as amplas consequências do pecado.
Somos lembrados de que tornamos a bênção de Deus dolorosa.
Deus criou alimentos para crescerem melhor em diferentes
localidades; considere o salmão, o robalo, o café, o cacau, as folhas de chá,
o coco, o abacaxi, o mirtilo, o pêssego, a noz pecã, a couve, o feijão, a uvas
e o figo. Esse plano nos ajuda a apreciar que Deus sabia desde o princípio
que o mundo teria diferentes climas. Assim, ele designou que o potencial
genético se adaptasse a eles. As mudanças dramáticas no mundo à época do
Dilúvio não foram uma surpresa. A dispersão de diferentes alimentos reflete
a dispersão da raça humana após a torre de Babel. Ela dá a cada tribo,
língua e nação comidas típicas próprias, que servem para personalizar a
comunidade relacional local. Essa diferença também evita que cada povo se
glorie em sua comida em vez de apreciar também outras culturas. Deus é
soberano e, por seu desígnio, ele guarda os povos de ser tão arrogantes
quanto podem. “Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a
glória para sempre! Amém” (Rm 11.36).
Como disse antes, há ordem e diversidade e, assim, beleza, na
comida que reflete o caráter divino. Ninguém pode escapar desse fato óbvio
quando examina a disposição dos alimentos em uma feira de produtos
agrícolas ou estuda os detalhes de cada alimento. A ordem e a diversidade
nunca terminam quando examinamos a estrutura visível, microscópica,
molecular e atômica da comida. O projeto dos alimentos é inegavelmente
incrível. Cuidado com quem não trabalha humildemente com a comida e a
simplifica demais. É fácil isolar um componente da comida e declarar que
isso é tudo que você precisa e que, assim, deveria consumi-lo como
suplemento e esquecer o resto dos alimentos. Da mesma forma, também é
fácil isolar um componente de um alimento e declará-lo ruim para você, e
que por isso deveria evitar essa fonte alimentar. As diferentes moléculas e
os componentes da comida trabalham juntos de forma difícil de avaliar. As
partes boas em si mesmas são normalmente ainda melhores quando
combinadas com outras partes, e as que normalmente podem ser ruins em si
mesmas, conseguem interagir em baixos níveis com outras partes para
produzir um bom efeito. Com o tempo, muitos componentes ou atributos
dos alimentos originariamente considerados prejudiciais não foram
confirmados; descobriu-se até que alguns são saudáveis (por exemplo,
inibidores da protease). Enxergamos vaga e imperfeitamente as coisas, em
especial quando estudamos a criação divina sem reconhecer que Deus
existe e tem poder e sabedoria infinitos.
Em Romanos 1.20 aprendemos que “os atributos invisíveis de Deus,
seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo
compreendidos por meio das coisas criadas”. Um benefício do estudo dos
alimentos criados por Deus é a alegria de descobrir os atributos divinos. A
soberania e a criatividade infinita de Deus são vistas no notável projeto da
criação, que considera muitas coisas de uma vez. Apenas pense, Deus
planejou que cada planta precisasse crescer e sobreviver sob diversos
climas e condições de pestes, doenças, solos e polinizadores. Ele também
decidiu os nutrientes que cada tipo de comida deveria nos fornecer. Projetou
como os componentes da comida reagiriam no preparo para criar um sabor
agradável ou aprimorar sua utilidade para o corpo. Delineou como os
alimentos complementares podem ter um bom sabor quando combinados ou
consumidos juntos em uma refeição. Arquitetou como esses nutrientes são
transportados e transformados em diferentes estruturas no estômago, no
trato intestinal, na corrente sanguínea, nos órgãos e nas células, projetando
como as estruturas resultantes interagem com receptores, enzimas e outras
moléculas para beneficiar o corpo. Mesmo dentro de um tipo de semente há
um potencial genético planejado por Deus para uma grande diversidade de
variedades que podem ser selecionadas para diferentes tempos e
necessidades — que ele sabia serem valiosas para as pessoas desde o
princípio dos tempos. Quando a necessidade de abundância maior de
comida aumentou, Deus forneceu ao homem a vontade e a capacidade de
selecionar plantas que rendem mais alimentação. É incrível ver como,
década após década, os produtores aumentam o rendimento das plantações
com um potencial aparentemente infinito para rendimentos ainda maiores.
Dê graças a Deus por fornecer esse potencial na criação. Todas essas coisas
ele considerou de acordo com as necessidades de cada época na história.
Oh, quão infinito e eterno é o poder divino! Ele é Deus; não nós. Ele
é digno de louvor, honra e glória para sempre. O homem, em sua sabedoria
autônoma, produz apenas o que leva à morte e destruição. Louve a Deus
pelos exemplos que vemos na futilidade dos caminhos destrutivos do
homem, para que possamos perceber ainda mais a dependência de Deus e o
privilégio de sermos seus filhos por meio da obra de Cristo na cruz. Que
nos arrependamos, nos dispamos do velho homem e sejamos
progressivamente transformados para sermos mais semelhantes a ele em
amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
mansidão e domínio próprio.
Conclusão
Ao chegar ao final do livro, sinto que há muito mais para escrever sobre os
diversos aspectos da alimentação. Porém, enquanto escrevia, também
percebi quão interconectados eles estão, e como seria difícil lidar em
separado com esses diferentes aspectos. A maneira como trabalhamos a
comida influenciará sua salubridade. A forma que vemos a criação
influenciará como trabalhamos com a comida. A qualidade e a nutrição dos
alimentos influenciarão o contexto e a cultura geral da refeição. A forma de
preparo da comida influencia sua expressão e qualidade. Nossa cultura
alimentar influenciará o quanto valorizamos a alimentação. Assim, quando
você observa a existência de um capítulo sobre diferentes aspectos da
alimentação, perceberá que esse mesmo aspecto surgirá pelo restante do
livro. Essa é a razão para construir a cosmovisão cristã para tudo na vida. A
vida é uma rede conectada de assuntos relacionados e, quando uma parte
está errada, ela influencia o resto da vida.
“Vocês não sabem que um pouco de fermento faz toda a massa
ficar fermentada? Livrem-se do fermento velho, para que
sejam massa nova e sem fermento, como realmente são” (1Co
5.6b,7a).
Este livro é uma tentativa de abordar a comida como elemento da
vida não muito tratado pelos cristãos como, digamos, a política.
Infelizmente, os cristãos conservadores do “cinturão bíblico”[28] são
conhecidos pela alimentação gordurosa e tóxica, para nossa vergonha. É
hora de acordarmos do marasmo do conforto e, pela graça de Deus,
começarmos a comer de uma maneira bíblica, que reflita bem sobre a honra
do cristianismo, permitindo-nos cumprir o restante da nossa vida de
maneira bela e saudável. Não é uma questão fácil. Devemos orar pedindo
que exibamos o fruto do Espírito por meio do domínio próprio em nossa
vida e dieta, que amemos a beleza que reflete a natureza de Deus, que
recebamos um desejo de trabalhar em amor por Deus e pelo homem, e que
utilizemos e desfrutemos com cuidado do mundo de Deus apenas para a
glória dele. Isso não é algo que podemos fazer por nós mesmos, mas virá
apenas da operação de Deus para nossa santificação.
Quando se tem a visão adequada da comida, ela nos ajuda a ter o
conceito correto sobre Deus. Como Jesus disse em Mateus 4.4: “Nem só de
pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”.
Como a comida nos sustenta o corpo e nos dá vida, da mesma forma, em
última análise, recebemos vida eterna por meio da “palavra da vida” (Fp
2.16). E, em João 6.35: “Então Jesus declarou: ‘Eu sou o pão da vida.
Aquele que vem a mim nunca terá fome; aquele que crê em mim nunca terá
sede’ ”.
Em Jesus estamos satisfeitos, e nele não temos falta de nada. Como
a boa refeição lhe dará satisfação por um tempo e trará prazer e gratidão,
Jesus o satisfaz pela eternidade, e nele encontramos prazer e gratidão
plenos. Deus também é chamado de água purificadora, renovadora e fonte
de vida (Is 44.2-5; Jr 17.13; Jo 4.10 etc.). Quando a comida é bela e
nutritiva, ela nos ajuda a lembrar melhor de que temos um grande e todo-
poderoso Deus.
A conclusão do assunto é esta: Deus é todo-poderoso e bom. Ele nos
proveu com ótimos alimentos para serem explorados e aproveitados, e ele
nos deu a maneira de desfrutá-lo. Oh, povos da terra, “provem, e vejam
como o SENHOR é bom” (Sl 34.8). Atribuamos glória e honra a Deus por
quem ele é e pelas maravilhosas obras com que ele tem nos abençoado, e
sejamos sempre gratos por suas bênçãos. Que o amemos e comamos à sua
maneira, por seu poder, e para sua glória.
“Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa,
façam tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31).
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[1] Amy Wilson Carmichael (1867-1951) nasceu na Irlanda no Norte e foi missionária protestante
em Tamil Nadu (Índia). Ali ela abriu um orfanato e fundou uma missão para cuidar de meninas
obrigadas a se prostituírem. Amy permaneceu na Índia durante 55 anos até a morte. [N. do R.]
[2] Jethro Kloss, Back to Eden, (Loma Linda, CA: Back to Eden Books Publishing, 1992), p. 601.
[3] Gidon Eshel & Pamela A Martin, “Geophysics and nutritional science: toward a novel, unified
paradigm”, The American Journal of Clinical Nutrition 89 (suppl) (2009): 1714S.
[4] Rex Russell, M.D., What the Bible Says about Healthy Living (Grand Rapids, MI: Fleming H.
Revell, 1999), p. 76.
[5] Há um elemento cerimonial e um elemento físico (em que o cerimonial se baseia) nessa distinção,
como existe nas lavagens do Antigo Testamento (Êx 30.17-21, Lv 11.25); elas não são exigidas
cerimonialmente (Hb 9.10), mas ainda são benéficas ao corpo (lavar os pés ainda é uma boa ideia; Jo
13.1-17, 1Tm 5.10).
[6] Commentary on Corinthians, http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom39.xiii.iii.html (acessado
em 2/12/2011).
[7] Russell, What the Bible Says about Healthy Living, p. 42.
[8] Livro IV, cap. XII, 15. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2. ed., 2006.
[9] Russell, What the Bible Says about Healthy Living, p. 43-50.
[10] Prato tradicional (datado do século XVI) e consiste em vísceras de carneiro (pulmões, coração e
fígado) moídas e misturadas com farinha de aveia, temperos. A mistura é cozida no estômago do
animal (ou bucho). [N. do R.]
[11] Prato preparado com peixe branco (normalmente bacalhau) e soda cáustica. O processo de
preparação é longo e dura vários dias. Quando pronto, o peixe fica com consistência gelatinosa. [N.
do R.]
[12] Thomas Manton, “Mr. Thomas Manton’s Epistle to the Reader” in Westminster Confession of
Faith (Glasgow: Free Presbyterian Publications, 1994), p. 9.
[13] Rousas John Rushdoony, Systematic Theology (Vallecito, CA: Ross House Books, 1994), vol. 2,
p. 1020.
[14] Seriado de televisão que retratava a vida de uma família no ambiente rural da Virgínia, dona de
uma serralheria no período da Grande Depressão e mais tarde na Segunda Guerra Mundial. [N. do T.]
[15] George Grant & Karen Grant, Lost Causes. Nashville, TN: Cumberland House Publishing,
1999, p. 36.
[16] Chicago and London: University of Chicago Press, 1984, p. 73-4. Publicado no Brasil como As
ideias têm consequências (São Paulo: É Realizações, 2007).
[17] Para mais instrução sobre economia familiar, Generations with Vision tem alguns ótimos
recursos sobre esse assunto em http://generationswithvision.com/Store.
[18] Jenny Gustavsson, et al. “Global Food Losses and Food Waste” (Food and Agriculture
Organization of the United Nations, 2011), 5,
http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/ags/publications/GFL_web.pdf.
[19] Ibid.
[20] “Agriculture,” acessado em 2/11/2011, http://www.1828-
dictionary.com/d/search/word,agriculture
[21] Uxbridge, MA: American Presbyterian Press, 1980, p. 11ss., apud Joseph Morecraft III,
Authentic Christianity (Powder Springs, GA: Minkoff Family Publishing & American Vision 2009),
p. 616-7.
[22] Webster’s Revised Unabridged Dictionary 1913., s.v. “Beauty”, acessado em 2/12/2011,
http://1913.mshaffer.com/d/word/beauty.
[23] “SECTION II: Of Original or Absolute Beauty. Part III” em An Inquiry into the Original of Our
Ideas of Beauty and Virtue in Two Treatises, ed. Wolfgang Leidhold (Indianapolis: Liberty Fund,
2004), acessado em 2/12/2011, http://oll.libertyfund.org/?
option=com_staticxt&staticfile=show.php%3Ftitle=858&chapter=65974&layout=html#a_1607960.
[24] Joseph Morecraft III, Authentic Christianity (Powder Springs, GA: Minkoff Family Publishing
& American Vision, 2009), p. 387.
[25] Kenneth A. Myers, All God’s Children and Blue Suede Shoes (Wheaton, IL: Crossway Books,
1989), p. 139-40.
[26] Rushdoony, Systematic Theology, p. 961.
[27] Foi assim que o misticismo oriental tornou-se parte do movimento de alimentação natural.
[28] Cinturão bíblico, ou bible belt, é uma região no sudeste dos EUA em que denominações
evangélicas e posições tradicionais têm presença mais forte, tornando-se parte da cultura local. [N. do
T.]