CCR: DISCURSO, IDENTIDADE E FORMAÇÃO DOS PROFESSORES PROFESSORA: DRA ANGELA DERLISE STÜBE MESTRANDA: MARIELI ZANOTTO
Resenha:
TAVARES, C. N. V. Identidade itine(r)rante: o (des)contínuo (des)apropriar-se da posição
de professor de língua estrangeira. Tese (doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP: 2010. Disponível em: < http://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/770827?guid=1686529591211&returnUrl=%2fre sultado%2flistar%3fguid%3d1686529591211%26quantidadePaginas%3d1%26codigoRegistr o%3d770827%23770827&i=1>. Acesso em: 11 jun. 2023
A tese intitulada Identidade itine(r)rante: o (des)contínuo (des)apropriar-se da posição
de professor de língua estrangeira foi defendida em 2010 por Carla Nunes Vieira Tavares, e desenvolvida sob orientação da professora Drª Maria José Rodrigues Faria Coracini. O trabalho tem por objetivo discutir os possíveis deslocamentos na constituição identitária do professor de língua estrangeira, especialmente de inglês, da educação básica, durante um processo de formação contínua. A hipótese apresentada é de que os deslocamentos são resultado de uma possível instauração de uma relação entre sujeitos de linguagem, e não necessariamente do processo de conscientização e reflexão promovido durante a formação. Tavares é graduada em Letras, licenciatura em inglês e literaturas de língua inglesa pela Universidade Federal de Uberlândia, possui mestrado em estudos linguísticos pela mesma universidade e doutorado em regime de co-tutela pelas universidades UNICAMP e Université de Franche-Comté (FR). Atua como professora no curso de Letras da Universidade Federal de Uberlândia, com trabalhos que conjugam ensino, pesquisa e extensão sobre o ensino- aprendizagem de línguas estrangeiras, formação de professores, com interesse especial nos seguintes temas: linguagem e subjetividade, identidade, relação sujeito-língua. A brilhante trajetória profissional de Tavares, já é um indicativo do exímio trabalho que realizou na presente tese, que lhe garantiu dois títulos de doutoramento, em Linguística Aplicada pela UNICAMP e em Ciências da Linguagem pela Université de Franche-Comté. Com esta pesquisa, Tavares pretende contribuir com as reflexões empreendidas na Linguística Aplicada sobre a formação de professores de línguas; problematizar o alcance dos resultados propagados pelos programas de formação contínua e apontar para a relevância de uma teoria da subjetividade que assuma o sujeito como dividido nas discussões empreendidas no campo de formação de professores. De acordo com a autora, o trabalho visa a investigar a constituição identitária do professor de língua estrangeira da educação básica em contextos de formação contínua, analisar em torno de quais traços essa constituição se constrói, que deslocamentos ela pode sofrer como resultado da dinâmica entre sujeitos que pode se instaurar em um curso de formação contínua, para quais direções tais deslocamentos apontam e que fatores os propiciam. Para dar conta de tais objetivos o texto organiza-se em duas partes, a primeira parte, intitulada “Parte I - A Incursão ao Campo”, contendo cinco capítulos, dedica-se a apresentação dos pressupostos teóricos que dão sustentação a pesquisa e, a segunda parte, intitulada “Parte II - A Itine(r)rância das Identificações na (Des)apropriação da Posição de Professor de Língua Estrangeira”, com quatro capítulos, é dedicada a discussão dos resultados da análise do corpus. Três questões centrais nortearam o trabalho: a primeira interroga as representações de si, de ensino-aprendizagem de língua estrangeira e dessa língua que os professores constroem antes e depois do período em que observei o curso; a segunda discute a possibilidade de os processos de identificação a outras discursividades serem instaurados e em torno de que traços eles se dão e a terceira indaga em que medida as intervenções no curso promovem o ensejo de um laço social e sob que lógica discursiva ele se dá preponderantemente. Na tentativa de compreender os efeitos do processo de formação, a pesquisadora observou um programa de formação contínua, oferecido aos professores de inglês da rede pública do Estado e do Município de São Paulo, promovido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada de uma instituição de ensino superior (IES) e um instituto de idiomas, pelo período de um ano. Durante o período de observação, ela procedeu com uma coleta de dados, visando sustentar a discussão sobre os efeitos de tal programa na constituição identitária do professor de língua estrangeira da educação básica, que resultou no corpus de pesquisa. Tal corpus é composto pelas respostas de questionário investigativo, proposto pela IES, reflexões escritas solicitadas pelo curso e pela pesquisadora, por uma autobiografia, pela transcrição da gravação de treze depoimentos e entrevistas baseados em um roteiro de entrevista semiestruturado, além das anotações de campo feitas por Tavares. O gesto de interpretação do corpus consistiu, inicialmente, no cotejamento das representações de professor, de ensino-aprendizagem e de língua estrangeira, e, em um segundo momento, focou-se nas notas de campo. Situada na vertente da Linguística Aplicada, em uma linha de pesquisa intitulada “Subjetividade e Identidade, Desconstrução e Psicanálise”, a pesquisa ancora-se nos estudos discursivos e trabalha com uma noção de subjetividade da Psicanálise. Desse modo, adota a noção de sujeito dividido, fragmentado, heterogêneo, constituído pela e na linguagem. Já a noção de linguagem adotada é a de linguagem como sendo opaca, marcada pela equivocidade, insuficiente para representar o mundo, uma estrutura marcada pelo histórico e pelo social. O percurso teórico-analítico desenvolvido pela professora se deu no sentido de enfocar a formação de professores de língua estrangeira como um processo que envolve uma relação entre sujeitos de linguagem e entre sujeitos e um objeto de saber. Ao analisar o corpus bastante diversificado que possuía, a autora constatou a presença de formações discursivas de diversos campos discursivos, inclusive o do senso comum, que apontam para a imagem de um professor de língua estrangeira “de verdade”. Esse professor “de verdade”, segundo ela, seria aquele toma o aluno como centro da relação pedagógica, ameniza a hierarquia professor-aluno, faz uso recursos lúdicos, teatrais e didáticos em suas aulas, busca gerar prazer com o ensino-aprendizagem de língua estrangeira, além de possuir “um certo domínio” da língua que ensina. Desse modo, o “bom” professor, segundo as análises, seria aquele que mais se aproxima dessa imagem ideal. No entanto, Tavares aponta para o outro lado dessa imagem de professor de língua estrangeira “de verdade”, que é permeada por um discurso da falta, constituindo o que ela designa como sendo a imagem de professor de língua estrangeira “de mentirinha”. De acordo com a pesquisadora, a grande maioria dos recortes discursivos aponta também para o sentido de falta, ou seja, de uma imagem atrás da qual o professor se esconde e se desresponsabiliza pela posição que ocupa, atribuindo a um outro a solução. Tavares conclui que há uma tendência em conceber a formação como um processo linear, cumulativo, evolutivo, e desse modo o sujeito é considerado como um embrião de professor. Com isso, a tomada da posição de sujeito professor ficará adiada para quando a forma(ta)ção terminar, no entanto como isso nunca vai acontecer, uma vez que o processo de formação é continuo, alguns professores permanecem acreditando em suas verdades particulares, “assumindo” assim o significante professor “de mentirinha”. A autora complementa afirmando que a constituição identitária do professor é construída nesse movimento itine(r)rante: as discrepâncias entre a imagem e a contingência da prática são representadas como “erro” de percurso, na busca pela aproximação a um ideal. Dessa forma, a a hipótese norteadora da investigação se confirmou, visto que, apesar de mínimos e contraditórios, os deslocamentos ocorreram. A tese desenvolvida e defendida por Tavares trata-se de um extenso e cuidadoso trabalho, considerando-se o longo período de observação realizado, o que resultou em um corpus igualmente extenso e complexo. A ordenação do texto é um aspecto que merece destaque, pois a organização em duas partes descomplica o percurso de leitura, merecendo especial ênfase a primeira por consistir em uma exposição detalhada dos pressupostos teóricos que sustentam a pesquisa, possibilitando uma melhor compreensão das noções e conceitos mobilizados. Ademais, a pesquisa aborda um assunto de distinta relevância, uma vez que compreender como se constituem as representações de professor, por eles mesmos, aponta para aspectos importantes do processo de formação do qual fazem parte. Com isso, a tese de Tavares revela-se uma leitura produtiva para pensarmos constituição identitária do professor e as coisas que envolvem/afetam esse processo.
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