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Universidade do Estado do Pará

Universidade Aberta do Brasil


Centro de Ciências Sociais e Educação
Curso de Letras

Organização:

Prof. Dr. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva

Revisão:

Profa. Dr. Elisa Maria Pinheiro de Souza

Belém-Pará
2019
Universidade Aberta do Brasil – UAB

Material organizado para desenvolvimento da disciplina LINGUÍSTICA I, no Curso de


Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa, resultado da parceria firmada entre o
Ministério da Educação – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
MEC/CAPES e a Universidade do Estado do Pará – UEPA.

Universidade do Estado do Pará

Reitor
Rubens Cardoso da Silva

Vice-Reitor
Clay Anderson Nunes Chagas

Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD)


Ana da Conceição Oliveira

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESP)


Renato da Costa Teixeira

Pró-Reitoria de Gestão e Planejamento (PROGESP)


Carlos José Capela Bispo

Pró-Reitoria de Extensão (PROEX)


Alba Lúcia Ribeiro Raithy Pereira

Diretor do Centro de Ciências Sociais e Educação


Anderson Maia

Coordenador Geral da UAB-UEPA


Ruth Souza da Costa

Coordenador do Curso de Letras


Marco Antônio da Costa Camelo

Coordenador do Curso de Letras - UAB


Elisa Maria Pinheiro de Souza
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 4

UNIDADE I – EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS LÍNGUÍSTICOS


1.1 A LINGUÍSTICA DO SÉCULO ATUAL
1.2 TENDÊNCIAS RECENTES EM LINGUÍSTICA GERAL
1.3 A DIVERSIDADE TEÓRICA NA LINGUÍSTICA
1.4 FORMALISMO X FUNCIONALISMO

UNIDADE II – SISTEMA, NORMA E FALA.


2.1 CONTRIBUIÇÃO DE FERDINAND SAUSSURE
2.2 A CRÍTICA DE COSERIU
2.3 DICOTOMIA LANGUE / PAROLE
2.4 DICOTOMIA SINCRONIA/DIACRONIA

UNIDADE III – NATUREZA DO SIGNO LINGUÍSTICO


3.1 CONCEITOS SAUSSUREANOS
3.2 PRINCÍPIOS: ARBITRARIEDADE E LINEARIDADE
3.3 AS RELAÇÕES SINTAGMÁTICAS E PARADIGMÁTICAS

UNIDADE IV – DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM: PRELIMINARES


4.1 CONCEITOS: DUPLA ARTICULAÇÃO
4

Apresentação

Prezado (a) aluno (a).

A disciplina Linguística I é integrante de uma das grandes áreas do Curso de


Letras, a “Área de língua portuguesa e linguística”, cujo objetivo nesse Curso, é dar
continuidade aos conteúdos desenvolvidos na disciplina Introdução à Linguística,
estudando, portanto, aspectos relativos aos estudos lingüísticos, desta vez: noções de
sistema, norma e fala; natureza do signo linguístico e, de forma preliminar, a dupla
articulação da linguagem.
Você, com certeza, a partir das disciplinas cursadas, já iniciou um processo de
educação linguística, bem como percebeu que o mesmo é diferente do vivenciado no
cotidiano escolar brasileiro focado na questão gramatical.
O ensino e a aprendizagem da língua portuguesa se constituem como centro de
referência do Curso de Letras. Os estudos específicos têm nela origem e destino, e deverão
permitir que você possa analisar, descrever e explicar, diacrônica e sincronicamente, a
estrutura e o funcionamento de uma língua, denominada ‘portuguesa’, com tudo o que este
rótulo possa representar desde o Brasil colônia, com o extermínio de índios e negros.
Como parte das leituras básicas desta disciplina, você está recebendo um conjunto
de textos que serão trabalhados de acordo com o conteúdo programático, cujo objetivo é
instrumentalizá-lo (a). Para tanto, desde já, apresentamos uma orientação básica:
leia, atentamente, todo este material e sempre que necessário e possível
recorra a Dicionários específicos da área de Letras. O objetivo dessa leitura é o de
familiarizá-lo (a), o mais possível, com palavras e expressões próprias da disciplina.
Para dar conta desta disciplina, organizamos este material, conforme segue.
Esta apresentação, que é uma espécie de SUMÁRIO detalhado, permite a você
conhecer os objetivos; identificar o conteúdo programático, dando-lhe uma visão geral
dos temas a serem abordados e, ainda, compreender e avaliar a relevância desta disciplina
na sua formação como profissional na área de línguas. Quanto às Unidades, estão divididas
em quatro (4), são elas:
UNIDADE I – Evolução dos estudos linguísticos.
UNIDADE II – Sistema, norma e fala.
UNIDADE III – Natureza do signo lingüístico.
UNIDADE IV – Dupla articulação da linguagem: preliminares.
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Estas unidades, divididas em subitens, objetivam apresentar a você a ‘evolução’


dos estudos lingüísticos: a contribuição dos estudos de Ferdinand de Saussure no âmbito da
Lingüística Moderna, partindo da discussão da forma racional proposta por esse lingüista a
respeito do estudo lingüístico; a dicotomia langue/parole e a crítica de Coseriu, com a
inclusão do conceito de norma e da dicotomia sincronia/diacronia; o signo lingüístico, o
conceito saussureano e os princípios da arbitrariedade e da linearidade; as relações
sintagmáticas e correlatas paradigmáticas; e a dupla articulação da linguagem: conceitos de
morfemas e fonemas.
Conhecer e dominar esses itens, a partir de um dado contexto sócio, político,
econômico e cultural, no qual os sujeitos desse processo estão inseridos, constituem,
também, alguns dos saberes do professor.
O desenvolvimento dos conteúdos integrantes de cada unidade (detalhamento dos
assuntos) tem por objetivo, por um lado, potencializar você com saberes técnicos e
científicos que lhe sirvam de suporte para o exercício do magistério – saberes do professor
– e, ao mesmo tempo, lhes possibilitem o desenvolvimento de práticas que mediam a
apropriação do conhecimento pelo aluno – saberes para o professor.
Assim, as Unidades constituem, sobretudo, um conjunto de saberes que permitirá
a você, graduando, outras rupturas, as quais, talvez, sejam as mais urgentes para diminuir o
atraso acadêmico a que estamos submetidos nesta Região do Brasil, e, ao mesmo tempo,
não permitirá que se continue a formar pseudo professores.
As atividades visam exercitar e avaliar a aprendizagem dos conteúdos, portanto,
devem ser respondidos pelos alunos, a distância ou não. As referências, incluindo, entre
outros, livros e figuras, são as fontes consultadas para a elaboração deste material. Elas
têm a função de orientar você, tanto que, identifica e recomenda o maior número de leituras
pertinentes e possíveis, para que você acesse, domine, amplie, construa e reconstrua, a
partir delas, outros saberes. Afora isso, como todo profissional, o professor tem, nos livros
didáticos e técnicos (os últimos de consulta permanente), seu instrumento de trabalho, a
exemplo do pedreiro, a pá. Então, entre as Referências, evidentemente, há dois livros que
cobrem o percurso necessário a todo estudante de Letras, seja ele de graduação ou pós-
graduação.
A primeira sugestão é dar continuidade à leitura, mesmo ‘árdua’, já sugerida em
outra disciplina, de uma obra considerada a ‘Bíblia do Curso de Letras’, o Curso de
Linguística Geral, único livro de Ferdinand Saussure, mestre genebriano, considerado o pai
da lingüística moderna, publicado em 1916 e reeditado até os dias atuais pela editora
Cultrix. Recomendamos também o Dicionário de lingüística, organizado por Jean Dubois
et alli, também da editora Cultrix, tanto como material de consulta permanente, como
instrumento necessário à leitura da obra de Saussure e das citadas nesta disciplina.
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Qualquer dúvida, seja de terminologia, seja de campo da pesquisa lingüística, pode ser
resolvida, em parte, com uma adequada consulta a essa obra.
E, para esta disciplina, especificamente, recomendamos, ainda, a leitura das obras
de BAGNO, Marcos (Org.). Linguística da norma. São Pulo, Loyola, 2004 e CÂMARA JR.
Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis, Vozes, 1989.
Por fim, a tônica desta disciplina incide numa análise da função da Lingüística na
construção de um ensino de línguas mais condizente com os dias atuais, a partir de uma
reflexão de como as suas teorias em ebulição contribuem para o aperfeiçoamento do perfil
do profissional de Letras do século XXI, que exige, cada vez mais, a militância necessária
ao desabrochar de um ensino crítico.
Fundamentar teoricamente a prática da análise linguística, deste profissional, é o
desafio!

Boa leitura!
Profª. Dr. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva
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PLANO DE ENSINO

I – IDENTIFICAÇÃO
Curso: Letras Disciplina: Linguística I

II – EMENTA

Evolução dos estudos lingüísticos: a contribuição dos estudos de Ferdinand de Saussure


no âmbito da Lingüística Moderna, partindo da discussão da forma racional proposta por
esse lingüista a respeito do estudo lingüístico. Dicotomia langue/parole e a crítica de
Coseriu, com a inclusão do conceito de norma e da dicotomia sincronia/diacronia. O signo
lingüístico, seu conceito saussureano e os princípios da arbitrariedade e da linearidade. As
relações sintagmáticas e correlatas paradigmáticas. A dupla articulação da linguagem:
conceitos de morfemas e fonemas.

III – OBJETIVOS E CONTEÚDOS

UNIDADE I: EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS LINGÜÍSTICOS


OBJETIVOS
• reconhecer as diferentes perspectivas que a abordagem sobre a língua recebeu ao
longo da história da linguística;
• compreender as diversas concepções contemporâneas sobre a linguagem de modo a
possibilitar uma visão crítica das reais possibilidades e limites de um diálogo com outras
áreas do conhecimento;
• discutir as questões básicas relacionadas ao desenvolvimento dos estudos linguísticos;
• compreender a importância da contribuição de Saussure à linguística moderna.

CONTEÚDO
1.5 A linguística do século atual
1.6 Tendências recentes em linguística geral
1.7 A diversidade teórica na linguística
1.8 Formalismo X funcionalismo
1.9 A contribuição de Ferdinand de Saussure

UNIDADE II – SISTEMA, NORMA E FALA


OBJETIVOS
• correlacionar a noção de norma às dicotomias langue/parole e sincronia e diacronia.

CONTEÚDO
2.1 A crítica de Coseriu
2.2 Dicotomia langue/parole
2.3 Dicotomia sincronia/diacronia

UNIDADE III – NATUREZA DO SIGNO LINGUÍSTICO


OBJETIVOS
• suscitar reflexões e/ou debates sobre a natureza do signo linguístico;
• identificar o signo linguístico e suas propriedades, bem como distinguir relações
sintagmáticas e paradigmáticas.
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CONTEÚDO
3.1 Conceito saussureano
3.2 Princípios da arbitrariedade e da linearidade
3.3 As relações sintagmáticas e correlatas paradigmáticas

UNIDADE IV – DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM: PRELIMINARES


OBJETIVOS
• conceituar, de norma introdutória, o princípio da dupla articulação da linguagem;
• relacionar a dupla articulação da linguagem com os componentes da língua: as unidades
fonológicas e morfológicas;
• identificar as unidades fonológicas e morfológicas da língua.

CONTEÚDO
4.1 Conceitos: primeira e segunda articulação.

V – METODOLOGIA
Os conteúdos da disciplina serão desenvolvidos por meio de estratégias didático-
pedagógicas diferenciadas, com a inclusão de orientações on line, exposições, fóruns,
slides, atividades práticas e leituras

VI – AVALIAÇÃO
O processo avaliativo ocorrerá de acordo com as regras preestabelecidas pela
instituição e pelo sistema de educação a distância, considerando também a participação, a
presença, o desenvolvimento, o desempenho e o interesse do discente nas atividades
propostas.

VII – REFERÊNCIAS
BÁSICAS
BAGNO, Marcos (Org.). Linguística da norma. São Pulo, Loyola, 2004.
CÂMARA JR. Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis, Vozes, 1989.
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro, Presença, 1991.
COSERIU, E. Sincronia, diacronia e história. Rio de Janeiro/São Paulo, Presença/EDUSP,
1979.
______.Teoria da linguagem e linguística geral. Rio de Janeiro/São Paulo,
Presença/EDUSP, 1979.
DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de lingüística. São Paulo, Cultrix, 1998.
FIORIN, J. L. (Org.) Introdução à linguística-objetos teóricos. São Paulo, Contexto, 2002.
MUSSALIM, F.; BENTES, A C. Introdução à lingüística. São Paulo, Cortez, 2001.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. São Paulo, Cultrix, 1995.
SILVA, Maria Cecília Pérez de Souza; KOCH, Ingedore G. Villaça. Linguística aplicada ao
português: morfologia. São Paulo, Cortez, 1991.

COMPLEMENTARES
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. Campinas, SP, Pontes, 1995.
BIDERMAN, Maria Tereza C. Teoria linguística. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
BORGES NETO, José. Ensaios de filosofia da linguística. São Paulo, Parábola Editorial,
2004.
LOPES, Edward. Fundamentos da lingüística contemporânea. São Paulo, Cultrix, 1995.
ROBINS, R.H. Pequena história da linguística. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1983.
UNIDADE I
1.1 A LINGUÍSTICA DO SÉCULO ATUAL
[...] Lidamos com a linguagem, que é o
maior empreendimento coletivo de
socialização e produção de conhecimento
da humanidade, e nossa formação
intelectual deveria ser de sensibilidade
para as manifestações lingüísticas
em todas as suas extensões:
artística, estética, científica, filosófica
etc. [...]
(Marcuschi, 2004, p.13).

Debruçar-se sobre a análise apreciativa do papel da Lingüística e,


consequentemente, do profissional de Letras junto aos desafios do século XXI traz à tona,
entre outros, o diálogo muitas vezes inoperante, e por que não dizer inexistente, entre a
pesquisa acadêmica na área lingüística e o ensino a ser vivenciado nas diversas instâncias
educativas, sobretudo na Educação Básica.
Uma grande queixa dos licenciandos em Letras é a dissociação entre o que eles
vivenciam nos bancos universitários e aquilo que irão vivenciar nas salas de aula dos
Ensinos Fundamental e Médio. É, como dito acima, a ineficácia ou, de forma mais
contundente, a falta de diálogo entre os diferentes níveis de ensino, uma das grandes
responsáveis pela prática diferenciada (qualitativa e quantitativamente falando) dos
profissionais da área.
Felizmente, assiste-se, no cenário dos programas de pós-graduação, a uma
investida crescente na pesquisa em linguagem e esta tem se mostrado, cada vez com mais
notoriedade, preocupada em expor seus resultados aos alunos de graduação, não só para
que estes tenham acesso ao que ora está sendo desenvolvido, mas também para colocar
em evidência sua importância para uma pedagogia crítica do ensino de línguas (materna e
estrangeira).
Como se sabe, a Lingüística dialoga com outros campos disciplinares, contribuindo
significativamente para a formação em linguagem dos profissionais que, de alguma forma,
estão ligados à Educação.
Vale assinalar que, em qualquer área em que atue, é imprescindível que o
professor possua bases sólidas no que diz respeito à linguagem, devendo então
instrumentalizar-se atual e adequadamente com relação às questões afetas à produção e
percepção lingüísticas, à aquisição da linguagem e à aprendizagem da leitura e da escrita.
Alguns conceitos lingüísticos são, pois, de suma importância e constituem a base para
qualquer trabalho de um professor com relação à linguagem oral e escrita.
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Sem sombra de dúvidas, as pesquisas de natureza lingüística têm apontado


aspectos inerentes à fala e à escrita, imensamente importantes a diferentes áreas que se
preocupam com a linguagem. Lembramos que aspectos ligados ao processamento oral
espontâneo das línguas (como as pausas, as hesitações, os gaguejos, as repetições, as
estruturas interrompidas etc, muitas vezes imperceptíveis aos não muito afeitos às teorias
linguísticas, são entendidos pelos lingüistas não apenas como “naturais e exclusivos à
modalidade falada das línguas, como também motivados por razões vinculadas ao grau de
funcionalidade que possam imprimir na comunicação. Para ilustrar, assinalamos que nem
sempre hesitação e gaguejo representam distúrbios linguísticos ou pouca fluência, antes
podem ter um propósito bem definido, trazendo uma maior comunicabilidade ao discurso
proferido.
Igualmente, do ponto de vista da escrita, é inconteste a contribuição da Lingüística,
mormente no que tange às pesquisas que têm efetuado em torno do processo de
alfabetização/letramento, com as devidas implicações cognitivas que lhes são subjacentes.
Posto que o escritor competente deve ser capaz de apropriar-se dos mecanismos de coesão
e coerência textuais para alcançar o significado e intencionalidade do texto. Da mesma
forma, algumas trocas de letras efetuadas pelos alunos podem revelar (e quase sempre
revelam!) o contato insuficiente que estes mantêm com a escrita ou, ainda, despertar
reflexões sobre o estágio de desenvolvimento em que se encontram.
Poder-se-ia citar, aqui, ‘como’ as inúmeras áreas da Lingüística (como a
Sociolingüística, a Psicolingüística, a Pragmática e outras) têm servido à formação dos
profissionais em Educação, mas o propósito não reside no esmiuçar dessas questões.
Assim como a Lingüística trava diálogos com outros saberes, o profissional de
Letras reúne uma fauna de perspectivas, desde as diversas literaturas, passando pela
língua portuguesa, as línguas estrangeiras, a lingüística e uma multidão de ramificações,
sem esquecer a formação política, social e cultural. Diante dessa característica, ao tentar
definir a expressão “intelectual de Letras”, assinala-se ser inverdade que o
estudante/profissional de Letras venha a ser generalista, dada a atual exigência crescente
de especialização. Grosso modo, a formação intelectual do estudante de Letras, antes de
ser uma questão de ordem conteudística, é uma questão ligada à criticidade do profissional,
de sua sensibilidade para a autonomia e para a reflexão.
A formação intelectual do aluno de Letras não é edição de uma enciclopédia
monumental que começa a envelhecer no dia seguinte à sua colação de grau e sim a
formação de um cidadão capaz de agir na construção do conhecimento para atuar junto à
sociedade. A formação intelectual é a formação para a competência e não para a simples
competição no mercado. Ser competente significa tanto estar apto do ponto de vista dos
conhecimentos necessários como estar maduro do ponto de vista da ação sócio-política.
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Essa competência confere ao profissional da área de Letras a responsabilidade de


superar dualismo, de forma a contribuir para o panorama civilizatório que se espera do
século XXI. Ora, como dito antes, a competência do profissional de Letras implica divisões
e especializações as mais diversas, como exemplo, pode-se citar a existência de linguistas
e teóricos da literatura, com suas respectivas áreas de interesse.
A propósito, o conjunto das teorias lingüísticas tem gerado uma constante
renovação nas práticas pedagógicas, muitas vezes sob o aval das próprias políticas de
ensino via documentos ou programas do Governo.Como exemplo, podemos citar os
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (Língua Portuguesa e Língua Estrangeira
Moderna, 1998 e 2002), e as Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio –
OCNEM (2004).
Sobre esses documentos, destacamos o fato de que, em geral, apresentam uma
linguagem muito técnica, uma estrutura textual problemática e, muitas vezes, conceitos
mesclados de linhas teóricas distintas. O que dificulta a leitura dos textos pelos próprios
professores, que são tidos como leitores privilegiados.
Seja como for, na atualidade, com o avanço das pesquisas de natureza linguística,
reconhece-se a necessidade de renovação dos métodos de ensino de língua que se
sacralizaram ao longo dos anos. É preciso considerar, também, que alguns profissionais
sentem necessidade de mudança, têm conhecimento das teorias lingüísticas em ebulição,
mas continuam com suas práticas anacrônicas.
Em geral, é preciso que o profissional de Letras não perca de vista:
a discussão e o aprofundamento de questões relativas aos fundamentos
teórico-metodológicos do processo de ensino e de aprendizagem da língua (materna ou
estrangeira);
o repensar do processo e do ensino da língua (materna e estrangeira) a partir
das contribuições de estudos lingüísticos e de campos auxiliares;
o conhecimento de diferentes concepções de alfabetização e métodos que
orientem sua prática pedagógica;
a compreensão do ensino de língua (materna e estrangeira) em dois eixos:
escuta/fala/leitura/escritura, percorridos pela reflexão sobre a língua (análise linguística),
para uma prática de ensino articulada (atitudes, atividades, conteúdos, procedimentos);
a discussão da problemática do ensino da língua materna e da alfabetização,
buscando alternativas que possibilitem a formação de sujeitos leitores/produtores nos
espaços pedagógicos e fora dele.
A função da lingüística no ensino de língua diz respeito a questões ligadas às
diversas teorias linguísticas que precisam integrar o repertório de conhecimento do
professor, a fim de que este possa contribuir para a melhoria ou mudança da face do ensino.
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Entre essas questões, convém realçar:


a distinção entre os aspectos fonéticos e os fonológicos. Como se sabe, a
Fonética se preocupa com os sons da fala (nas mais variadas situações); já a Fonologia
preocupa-se com os sons da língua, os fonemas (como traços distintivos);
a consideração do nível sintático-semântico, ou seja, aquele que reporta ao
fato de uma unidade de expressão associar-se a uma unidade de conteúdo;
no nível textual, devem ser analisados todos os constituintes da mensagem
(sua articulação, seus significados) e não apenas aspectos semântico-literários; e
o conhecimento das variedades dialetais que nossos alunos apresentam,
sejam elas históricas, geográficas, sociais e/ou estilísticas, pois o profissional de Letras
precisa saber lidar com as variações como parte integrante do seu fazer pedagógico.
Isso porque, ao conduzir seus alunos ao conhecimento das variações lingüísticas,
contribuirá para que eles compreendam seus mundos e os alheios e se dêem conta de que
a cultura (e/ou sabedoria) não é privilégio de quem fala a norma ‘eleita’ padrão, segundo a
gramática normativa vigente.
Em geral, os estudiosos da Lingüística têm insistido na ideia de que é preciso
selecionar com cuidado os conteúdos lingüísticos a serem trabalhados na prática de sala de
aula. Defende-se, sobremaneira, uma comunhão equilibrada entre a modalidade oral e a
escrita da língua. Melhor dizendo, enfatiza-se a importância em considerar a oralidade e o
letramento como práticas sociais e em promover um estudo crítico sobre a linguagem.
Estudar criticamente a linguagem pode revelar como esta mantém ou muda as
relações de poder na sociedade. Sob este prisma, o linguista pode auxiliar o ser humano a
tomar consciência do modo como a linguagem contribui para o domínio social.
Os estudos linguísticos desenvolvidos na atualidade, além de operarem com
conhecimentos de outras ciências, formularam seus modelos teóricos e passaram a
focalizar a linguagem no âmbito dos procedimentos de interpretação e produção linguística
que determinavam a interação oral e escrita.
Nos últimos anos, a Linguística passou a priorizar questões como:
a noção de conscientização linguística;
o “modo” de aprendizagem de línguas;
a aprendizagem via interações dialógicas;
os padrões de interação professor-aluno;
a aprendizagem centrada no contexto e o professor como pesquisador.
É possível afirmar, inclusive, que o termo “crítica” assume uma importância crucial
para o profissional de Letras. Enfatiza-se a idéia de uma conscientização “crítica”, o
proceder de uma análise “crítica” do discurso, de uma avaliação “crítica”, de uma pedagogia
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“crítica”, por assim dizer. É nesse contexto de criticidade que se inscrevem os


direcionamentos pedagógicos necessários ao profissional do século XXI.
Mas, o que vem a ser uma pedagogia “crítica”? Quais as perspectivas que dela
emergem? O que se espera do professor neste novo século? Quando se fala em pedagogia
“crítica”, investe-se na perspectiva de um ensino crítico, que vise transformar a sala de aula
num microcosmo de um mundo cultural e social maior. Um microcosmo que, além de
reflexão, consiga contribuir para mudar o mundo.
Nesse sentido, instaura-se uma perspectiva que intima o professor a buscar com
equilíbrio a valorização do conhecimento que o aluno já traz para a sala de aula e o desafio
de lhes apresentar o “novo”. Urge, pois, prestar atenção nos alunos mais uma vez,
percebendo suas necessidades e, principalmente, dando sentido às suas histórias. O ponto
de equilíbrio, então, não representa o escanteamento de uma proposta; antes disso, é
preciso dela aproveitar apenas o lado bom e deixar de lado o que não surte efeito positivo.
É claro que os desafios de se trabalhar as questões de linguagem são muitos.
Afinal, em sendo considerada dinâmica, e não linear, é também complexa, envolvendo
problemas atrelados a níveis distintos de análise.
Para dar conta dessa complexidade, deve haver uma instrumentalização maior. Tal
instrumentalização não se resume apenas na participação dos professores em cursos de
capacitação oferecidos pelas instituições de ensino regularmente, pois, na maioria das
vezes, os docentes que participam desses encontros não alteram suas práticas em sala de
aula.
A escola continua sendo, então, o lugar que se limita a dirigir e avaliar via
memorização. Outras questões poderiam, evidentemente, terem sido ressaltadas, mas, as
que foram aqui reportadas já evidenciam a ideia de que é preciso que o profissional de
Letras desperte para a necessidade de pensar na melhor forma de contribuir para um ensino
crítico, com a quantidade de “recomeços” que a realidade exigir.
Considerando o que foi apresentado, vale reafirmar o óbvio: o profissional de Letras
precisa ser visto a partir dos interesses políticos e ideológicos que fundamentam seus
discursos e valores, mais ainda, das relações sociais que legitimam seus programas
conteudísticos. Assim, trabalhamos para que este profissional observe as muitas
alternativas metodológicas disponíveis e possa, dentre estas, selecionar o que é relevante
para a realidade atual, que exige o perfil de um professor militante, responsável por
desenvolver uma perspectiva crítica do ensino.
Eis o grande desafio que a Linguística deverá enfrentar no século XXI!
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1.2 TENDÊNCIAS RECENTES EM LINGUÍSTICA GERAL

Minha pátria é a língua portuguesa... porque a


ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida...
(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)

A linguística, atualmente, tem função fundamental no ensino de língua, mas


infelizmente esta disciplina ainda é vista como estritamente científica que só interessa aos
profissionais de Letras e áreas afins. Por outro lado, se considerarmos seu abrangente
estudo, podemos perceber que ela direciona e sugere novas propostas para o ensino no
campo da linguagem e as maneiras de abordar a gramática de forma proveitosa e dinâmica.
Este texto pretende nos colocar em contato com algumas contribuições desta ciência no
campo do conhecimento, a partir de reflexões propostas com o objetivo de pensar uma nova
forma de abordarmos a linguagem de vários pontos de vista e não apenas à luz da
gramática tradicional, facilitando assim a aprendizagem nas escolas e evitando até mesmo o
preconceito e a marginalização das pessoas que não a seguem por meio do entendimento
do funcionamento da língua que a linguística proporciona como um todo.
O ensino de Língua Portuguesa atualmente é baseado restritamente na gramática
tradicional ou normativa, isto é, nas normas escritas que, em geral, são impostas,
indiscutivelmente, para serem seguidas, gerando assim uma maior dificuldade de
aprendizagem e até mesmo preconceituosas por parte daqueles que aindacompartilham a
concepção da noção de “CERTO” ou “ERRADO”, em se tratando da língua em uso.
De início, é importante ressaltar que não é preocupação da Linguística propor
orientações metodológicas voltadas para o ensino, mas é por meio dela que podemos ter
uma visão mais global da linguagem e assim aplicarmos conhecimentos pertencentes a esta
ciência no melhoramento do ensino. Esse conhecimento pode ser apresentado como base
para a explicação do funcionamento da língua, mostrando-a de forma viva e em constante
transformação. Muitas vezes, os professores preocupam-se tanto com este padrão que
mudam o foco principal do ensino da linguagem, que a nosso ver é leitura e produção de
texto de maneira íntegra e ampla, possibilitando, assim, a aprendizagem de maneira
dinâmica, partindo do todo para as partes.
Como sabemos, a linguística não centra seu estudo apenas no uso da norma
considerada ‘padrão’, mas em todas as formas de linguagem. Os estudos linguísticos
propiciam aos alunos contato com todos os tipos de variações da língua, desde gírias até
regionalismos. Portanto, uma das propostas é mostrar ao aluno o leque de opções que a
língua possibilita e explicar de modo não tão decisivo o padrão ‘culto’ à luz da lingüística,
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tentando não usar o termo “ERRO”, e sim diferenças, mostrando adequações para
determinados ambientes e situações.
Devemos ter em mente que a língua não compreende apenas o português ‘culto’,
seu conceito é muito mais abrangente,reúne peculiaridades inerentes às variações
lingüísticas que encontramos em todo país. Essas diferenciações devem ser estudadas e
respeitadas, não tratando a norma ‘culta’ como lei absoluta, descartando as demais e
considerando-as inferior. Enfim, a língua deve ser vista como algo real, dinâmico, mutável.
O ensino deve ser baseado na leitura e produção textual para que se amplie o
discurso e a escrita dos alunos, possibilitando, assim, a assimilação pela prática, não pela
imposição de normas analisadas em frases descontextualizadas. Relacionado a este
aspecto,é função da escola desenvolver habilidades de domínio da língua, e da escrita dela,
posto ser fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem
se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou
constrói visões de mundo, produz conhecimento, e assim pode exercer plenamente sua
cidadania.
A função da linguística é estudar a língua em seu pleno funcionamento e
desenvolvimento e seus fenômenos ao longo do tempo e do espaço. É visível que a falta de
reflexão acerca da linguagem acarreta defasagem no ensino e na aprendizagem. Para tanto,
é preciso inovar, baseando-se em um estudo crítico e científico da língua e, o mais
importante, colocá-lo em prática. Se limitarmos o ensino a meras adequações a regras
gramaticais, correremos o risco de termos alunos de aprendizados robóticos e limitados.
Não devemos descartar os usos que os jovens fazem da língua, mas fazer deles
um ponto de partida para a assimilação de outras variedades linguísticas, entre essas a
expressa pela norma ‘padrão’, conscientizando o professor a não tratá-la de forma única e
decisiva como trata a Gramática Tradicional. É muito relevante para o professor ter
conhecimento de outras gramáticas como a Gramática Gerativa Transformacional, a
Gramática Descritiva, a Gramática dos Constituintes Imediatos, dentre outras.
Não obstante, um pressuposto a se destacar nos faz considerar o porquê de se dar
aulas de língua materna para seus falantes nativos. Nesse contexto, às nossas dúvidas
podem ser dadas quatro respostas condizentes:
a primeira, desenvolver a comunicação dos alunos/falantes, quer dizer,
possibilitar os usos da língua adequadamente nas mais variadas situações comunicativas;
a segunda, explicar aos alunos/falantes, de forma honesta, a razão pela qual
precisam dominar a norma ‘padrão’ da língua e, consequentemente, ensiná-los a variedade
da escrita da língua;
a terceira, expor o aluno/falante ao conhecimento linguístico;
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e a quarta, e não menos importante, conscientizar e dar liberdade ao


aluno/falante de pensar, de raciocinar.
Sem mais delongas, é preciso incentivar os professores a resgatar e desencadear
um estado e/ou uma condição de que o aluno/falante deve estar atento para as mais
variadas situações de práticas linguísticas que as diversas comunidades os impõem pela
leitura e pela escrita (esta última seja ela verbal ou não-verbal). Tudo isto porque o ensino
de língua ainda é feito com base em dogmas, em normas que aterrorizam cada vez mais os
nossos alunos.
Se o professor anexar o conhecimento de como a língua funciona e as condições
de seus usos, haverá um maior entendimento com relação a variações como regionalismos
e gírias, por exemplo. Com o trabalho na linguagem enfatizando nesses aspectos até
mesmo conceitos como os que geram o preconceito quanto a pessoas sem instrução, o
posicionamento quanto ao conceito de “certo e errado” e a comunicação mudarão. Isto
porque, para o linguista, o que a gramática tradicional chama de ‘erro’ é um fenômeno que
merece ser investigado cientificamente.Dessa maneira, isso irá proporcionar uma maior
abrangência do conhecimento, e fará com que o aluno compreenda que a língua não é
estática e deve se adaptar aos falantes e não o contrário.
Sabemos que tudo que é novo causa um forte impacto, uma repulsa ao tradicional,
com a linguística não é diferente. Diante dos modelos arcaicos e tradicionalistas das
metodologias escolares, esta ciência não foi bem aceita em alguns aspectos, o que, muitas
vezes, cria empecilhos para a ação de inserção desse estudo científico que tem por objeto a
língua.
Alguns autores de livros didáticos, sem conhecimentos aprofundados acerca desse
campo de estudo – a Linguística – acabam usando termos linguísticos de forma equivocada
para promover seus livros ou os inserir nos padrões da modernidade.
Apesar de não ser uma ciência nova, alguns professores de Língua Portuguesa que
não receberam o conhecimento dessa área de estudoem sua formação
acadêmica/profissional, pelo simples fato dela ter sido inserida há poucas décadas, ainda
não se sentem à vontade e nem sabem como lidar com a mesma, ou até mesmo as
pessoas que tiveram o seu conhecimento não conseguem colocá-lo em prática.
Não entendendo esse assunto, por ser muito complexo, vale inferir que ainda hoje
as escolas têm “programas” didáticos a seguir, o que na prática exclui este conhecimento
científico da linguagem, visto que os livros também não tratam da Linguística. É nesse
sentido que deveria haver uma mudança nessas metodologias impostas pelas escolas,
assim melhoraria conseqüente e significativamente o ensino de Língua Portuguesa.
Nessa perspectiva podemos observar uma gama de conhecimentos concretos que
são possíveis de serem inseridos no ensino para que haja um melhoramento e a
17

desmistificação de muitos conceitos gramaticais que servem, apenas, de segregação, de


“ditadura” do falar ‘bem’ e do não falar.
Enfim, vimos que o que se deve ser feito é uma mudança de postura com relação a
esta ciência, e inserindo-a e até mesmo comparando-a à gramática normativa vigente,
poderemos desenvolver nos nossos alunos conhecimentos amplos e concretos a respeito
de nossa língua em sua totalidade.

1.3 A DIVERSIDADE TEÓRICA NA LINGUÍSTICA

Este item pretende apontar perspectivas diferentes sobre uma ciência, e, mais
profundamente, disponibilizar e apresentar aos futuros profissionais de Letras aspectos
desta ciência, ou seja, popularizar e fazer notada uma ciência, mais especificamente, a
Linguística.
Pretende-se,com este texto, apontar diferentes visões que se pode ter sobre um
mesmo objeto – a heterogeneidade. Não objetivamos, certamente, mostrar qual delas é
certa, ou verdadeira. Não é nenhum crime determinar a linguística como ciência dos estudos
da linguagem, nem tão pouco fazer uma crítica de como ela deveria estar se
desenvolvendo, mas sim evidenciar, por meio do resumo do que se apresenta em algumas
discussões, como podemos tomar caminhos diferentes dentro da cientificidade da
linguística. Outra coisa que podemos observar é a linguagem utilizada dependendo da
abordagem adotada. Essa diferença de linguagem e de abordagem do conteúdo do objeto é
que torna qualquer estudo linguístico diversificado, mostrando quanto dessa ciência
encontra-se da mesma forma: diversificado.
Realizando o trabalho de um investigador, percebemos diferenças e semelhanças
de idéias e abordagens, facilidade e dificuldade em organizar colocações, diferença de
linguagem utilizada (fato observado e justificado como uma atitude extremamente
compreensível e válida para um investigador “apaixonado pela linguagem”).
O que é linguística? De Erni Orlandi (1986), a autora faz um breve relato da história
dos estudos lingüísticos e aponta alguns conceitos oportunos para um primeiro
entendimento dessa ciência na atualidade.
Outra característica nem um pouco surpreendente, mas de suma importância a ser
destacada, é que alguns lingüistas conseguem enriquecer seus argumentos e suas
definições com referência a muitos teóricos e, em algumas entrevistas, podemos ter como
referenciados outros entrevistados.
A linguagem é única, isto é, cada um a utiliza de maneira própria. Alguns
conseguem expor seus pensamentos mais clara e didaticamente que outros e isso também
18

acontece nas apresentações de resultados de estudos e pesquisas de um mesmo linguista;


respostas que parecem ter sido elaboradas com prévias leituras e preparação antecipada de
argumentos; outras parecem deixar alguns lingüistas de “saia justa”, não que devam ser
vistos como incompetentes ou desinformados, mas que traçaram caminhos diferentes no
campo vasto da lingüística, como, por exemplo, quanto se percebe como resposta “não
sei!”. É nesse vai e vem de diálogos – uns mais formais e outros um tanto quanto coloquiais
– que se configura a beleza e diversidade dos estudos linguísticos.
Os linguistas, atualmente, não pretendem oferecer uma conclusão, mas
compreender as diferentes faces da lingüística. Este é o desafio de todos os interessados
nos estudos da linguagem, que realizemos a tarefa, não de desvendar ou encontrar uma
verdade absoluta, mas sim de conhecer a existência de verdades relativas de um aparente
‘caos’, como gostam os gramáticos.

1.4 FORMALISMO X FUNCIONALISMO

O formalismo e o funcionalismo são dois paradigmas (modelos) que orientaram


os estudos linguísticos nas últimas décadas. Segue o Quadro 1, de natureza comparativa,
que sumariza pontos chave das duas perspectivas e nos facilita a compreensão de como
ambas as formas de conceber a linguagem marcaram as teorias linguísticas
contemporâneas.
Quadro 1 – formalismo X funcionalismo

O paradigma funcionalista baseia-se em dois pressupostos:


o de que a linguagem tem funções externas a si, e
o de que essas funções influenciam a sua organização interna.
19

No ensino funcionalista, a linguagem deve ser estudada a partir dessa interação


com os seus elementos extrínsecos. Isso significa que o funcionalismo tem por objetivo
descrever a interface entre os aspectos exteriores que circundam a linguagem e o sistema
interno desta, sendo, portanto, um modelo dialético e abrangente de estudos, pois investiga
como a forma atua no significado e como as funções externas do sistema linguístico
influenciam na forma.
Nesse caso, a identidade e o papel social dos usuários de uma língua são levados
em conta ao se analisar um texto, pois, de acordo com o Funcionalismo, ambos interferem
na maneira como os próprios usuários lidam com a linguagem.
O funcionamento em questão é notório ao analisarmos os vários mecanismos de
utilização da linguagem no nosso cotidiano. Um deles, por exemplo, é a marcação da
polidez numa conversa. O uso de formas verbais que constroem o grau de polidez é
regulado pela relação que os interlocutores mantêm entre si: um indivíduo, na interação com
quem mantém relação hierárquica (filho em relação ao pai, aluno em relação ao professor),
marca comumente sua fala com elementos que representam polidez (verbos no modo
hipotético, ou subjuntivo "eu “gostaria"” para não demonstrar autoridade; tratamentos
honoríficos, como "senhor", "doutor", a fim de não gerar intimidade; etc.). Esses e outros
exemplos prosaicos revelam a interferência constante das condições externas da linguagem
na seleção e organização formal dos textos.
Isso quer dizer que se constitui funcionalista qualquer teoria da linguagem que
descreve um texto associando as categorias que o compõem internamente - elementos
referenciais, lexicais, icônicos, etc. - a aspectos do entorno de sua produção e consumo -
cognição social, cultura dos interlocutores, etc.
Resumindo, formalismo e funcionalismo são correntes teóricas da Linguística do
século XX,por meio das quais os estudiosos da Língua buscam explicar os fenômenos
lingüísticos. Embora estas correntes se ocupem do mesmo objeto de estudo e possuam
entre si pontos convergentes, apresentam divergências quanto à forma de abordagem dos
referidos fenômenos.

REFERÊNCIAS
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2001.
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ensino médio. Brasília, MEC/SEF, 2004.
20

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CUNHA, Maria Angélica Furtado da; MARIANGELA, Rios de Oliveira; MARTELOTTA, Mário
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2003.
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23/24/25.
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e discurso escrito. In: L. C. MOLL (Org.). Vigotsky e a educação: implicações pedagógicas
da psicologia sócio histórica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.
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MOLLICA, M. Cecília (Org.). Formação em letras e pesquisa em linguagem. Rio de
Janeiro, Faculdade Letras UFRJ, 2004.
MOLLICA, M. Cecília. Sobre alguns conhecimentos indispensáveis para a formação em
linguagem. In: Formação em letras e pesquisa em linguagem. Rio de Janeiro, Faculdade
Letras UFRJ, 2004.
MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Christina. Introdução à lingüística: domínios e
fronteiras. 2ª Ed. São Paulo, Cortez, 2001.
NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. São Paulo, Martins Fontes, 1977.
OLIVEIRA, V.M. Kamel. Ensino médio: algumas reflexões em torno dos parâmetros
curriculares nacionais para a elaboração de um novo currículo. (Texto no prelo, a ser
publicado no próximo exemplar da Revista do Grupo de Estudos Lingüísticos do Nordeste).
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é lingüística?Ed. Brasiliense, São Paulo, 1986.
PAVEAU, Marie-Anne; SARFATI, Georges-Elia. As grandes teorias da lingüística: da
gramática comparada à pragmática. São Carlos, Clara Luz, 2006. (Cap. 6 a 8).
RAJAGOPALAN, K. Por uma lingüística crítica: linguagem, identidade e a questão ética.
São Paulo, Parábola, 2003.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. Petrópolis, Vozes, 2002.
STEFFEN, Elemar Augusto; LAGO, Osvaldo Dal. A gramática gerativo-transformacional
e o ensino da língua portuguesa. Santa Maria, Edições UFMS, 1987.
WEEDWOOD, Bárbara. A lingüística no século XX. In: História concisa da lingüística.
(Tradução de Marcos Bagno) São Paulo, Parábola Editorial, 2002.
21

UNIDADE II
2.1 A CONTRIBUIÇÃO DE FERDINAND DE SAUSSURE

Os estudos linguísticos nunca mais foram os mesmos após as contribuições de


Ferdinand de Sausurre e a publicação de seu célebre CLG Curso de Lingüística Geral (CLG,
1916), afinal de contas após essa publicação a linguística ganha um objeto de estudo e,
mais que isso, repercussão mundial.
Saussure afirma que a língua era um sistema de signos e regras – um tesouro
depositado na mente do falante – um código único e homogêneo, convencional e
compartilhado por todos os falantes. Segundo Sausurre (2002, p. 27): “Existe na
coletividade sob a forma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um
dicionário, cujos exemplares todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos”. Tais
teorias foram consideradas inovadores já que apresentavam a língua na condição de bem
comum, trazendo consigo toda a experiência histórica acumulada por um povo durante sua
existência, além de suas particularidades. Seus estudos fundamentavam-se em 2
dicotomias “básicas”: langue (sistema lingüístico) e parole (comportamento lingüístico); e
forma que chamou de: essência, estrutura e língua e, a substância denominada por
Saussure de modo ou maneira expressa – fala.
Além dessas, há outras dicotomias conhecidas como as famosas “dicotomias
sausurreanas” como: significante e significado; sintagma e paradigma e a diacronia e
sincronia. Para o autor, o estudo da língua deveria ocorrer em duas etapas – a 1ª
corresponderia ao estudo Diacrônico, isto é, estudo da língua através do tempo; e o estudo
Sincrônico que consiste no estudo da língua em um dado momento (época), essa análise
por sua vez, necessita de um “recorte” na linha do tempo a fim de dar conta das mudanças
ocorridas no sistema lingüístico. A sincronia é o eixo das simultaneidades, no qual devem
ser estudadas as relações entre os fatos existentes ao mesmo tempo num determinado
momento do sistema linguístico, que pode ser tanto no presente quanto no passado. Em
outras palavras, sincronia é sinônimo de descrição, de estudo do funcionamento da língua.
Por outro lado, no eixo das sucessividades ou diacronia, o lingüista tem por objeto de estudo
a relação entre um determinado fato e outros anteriores ou posteriores, que o precederam
ou lhe sucederam.
Em outras palavras, o funcionamento sincrônico da língua pode conviver
harmoniosamente com seus condicionamentos diacrônicos. Acrescente-se ainda que a
diacronia divide-se em história externa (estudo das relações existentes entre os fatores
socioculturais e a evolução linguística) e história interna (trata da evolução estrutural –
fonológica e morfossintática – da língua). Saussure considera prioritário o estudo sincrônico,
22

porque o falante nativo não tem consciência da sucessão dos fatos da língua no tempo.
Para o indivíduo que usa a língua como veículo de comunicação e interação social, essa
sucessão não existe. A única e verdadeira realidade palpável que se lhe apresenta de forma
imediata é a do estado sincrônico da língua.
Atualmente, a maioria das pesquisas linguísticas utiliza-se do estudo sincrônico, ou
seja, a necessidade de o estudo da língua ser prioritariamente sincrônico é um fato. Um
exemplo que pode ilustrar esse caráter sincrônico é o emprego de determinadas palavras no
correr do tempo e a modificação que o mesmo sofre no decorrer dos anos. O substantivo
romaria significava, originalmente, “peregrinação a Roma para ver o Papa”. Hoje, no
entanto, é usado para designar “peregrinação religiosa em geral”, como as em direção a
Aparecida do Norte, no Estado de São Paulo.
A vitalidade do pensamento saussuriano, com o passar do tempo, só tem feito
renovar sua atualidade. Nos últimos anos, tem se multiplicado a bibliografia sobre sua
doutrina, difundida a partir da publicação do livro clássico Curso de Lingüística Geral (CLG).
As repercussões de suas idéias motrizes, assim como as escolas delas decorrentes, criaram
uma metodologia prática e funcional de abordagem dos fatos lingüísticos. Tal metodologia
pode ser aplicada com sucesso ao estudo e ao ensino de português, como demonstra o livro
Para compreender Saussure, hoje na 12ª edição, contendo os fundamentos e uma visão
crítica das iluminadas idéias do genial fundador da Lingüística moderna, além de exercícios
com questões relativas à língua portuguesa.
Neste item, apresentaremos uma síntese de suas célebres dicotomias:
semiologia/lingüística, signo: significado/significante, arbitrariedade/linearidade, linguagem:
língua/fala (norma), sincronia/diacronia, sintagma/paradigma e o corolário de tudo isso: a
noção de valor.
A visão saussuriana da língua como um sistema de valores está intimamente
associada à sua célebre frase: “na língua só existem diferenças”, ou seja, ela funciona
sincronicamente e com base em relações opositivas (paradigmáticas) no sistema e
contrastivas (sintagmáticas) no discurso. Tendo como ponto de partida as idéias motrizes
contidas no Curso de Lingüística Geral, formaram-se várias escolas estruturalistas
(fonológica de Praga, estilística de Genebra, funcionalista de Paris, glossemática de
Copenhague), que deram conseqüência e continuidade ao pensamento infelizmente
inacabado do genial fundador da Lingüística moderna. A visão da língua como um sistema
semiológico, a teoria do signo, com seus dois princípios fundamentais:
arbitrariedade/linearidade, a diferença entre sincronia (funcionamento) e diacronia
(evolução), a distinção fonética/fonologia, fone/fonema, a dupla articulação da linguagem (1ª
= plano do conteúdo ou morfossintaxe; 2ª = plano da expressão ou fonologia), as noções de
morfema e gramema, a tricotomia língua/fala/norma são categorias lingüísticas
23

extremamente férteis, todas decorrentes do pensamento de Saussure e hoje definitivamente


incorporadas às ciências da linguagem.
O estruturalismo vai mais além, dividindo didaticamente a língua em pedaços
menores ou monemas que são constituintes de unidades ainda menores, os fonemas,
formando assim o conceito de dupla articulação das línguas. Os monemas podem ser
agrupados de formas diferentes, mas a combinação de fonemas é determinada pela língua.
São justamente estas combinações de monemas que permitem essa multiplicidade de
posições válidas: o número de enunciados possíveis em cada língua é teoricamente infinito,
por ilimitado o número de fonemas sucessivos que um enunciado pode comportar.

2.2 A CRÍTICA DE COSERIU

O conceito de norma é uma contribuição do linguista romeno Eugenio Coseriu, que


propôs um acréscimo à dicotomia saussuriana. Sua tricotomia vai do mais concreto (fala,
uso individual da norma) ao mais abstrato (língua, sistema funcional), passando por um grau
intermediário: a norma (uso coletivo da língua). Em outras palavras, há realizações
consagradas pelo uso e que, portanto, são normais em determinadas circunstâncias
lingüísticas, previstas pelo sistema funcional. É à norma que nos prendemos de forma
imediata, conforme o grupo social de que fazemos parte e a região onde vivemos. A norma
seria assim um primeiro grau de abstração da fala. Considerando-se a língua (o sistema) um
conjunto de possibilidades abstratas, a norma seria então um conjunto de realizações
concretas e de caráter coletivo da língua.
A norma são modelos abstratos não manifestações concretas e representam
obrigações impostas numa dada comunidade sócio-lingüístico-cultural. Inclui elementos não
relevantes, mas normais na fala dessa comunidade. Dessa forma, se constitui como
realização coletiva, tradição, repetição de modelos anteriores, estabelecendo códigos e sub-
códigos para diferentes grupos de uma mesma sociedade. Apesar de a norma ser
convencional e opcional, torna-se uma opção dentro de um grupo a que pertence o falante.
Preserva seus aspectos comuns e elimina tudo o que, na fala, é inédito, individual.
Nos processos de ensino/aprendizagem de língua materna, é mister propiciar ao
aluno o conhecimento das diversas normas coexistentes na sua comunidade sócio-
lingüístico-cultural. Pode-se distinguir, inclusive, em: espaço geográfico (dialetos, falares,
etc...); classes sociais; faixa etária; grupos sociais (jargões, gírias etc...); discurso (os
universos do discurso, tais como o jurídico, o pedagógico, etc...); sexo; modalidade
(oral/escrito); registro (formal/informal), etc.
24

Dessa forma, a imposição da chamada norma ‘culta’ em detrimento de outras


normas, configura a perda da identidade de um determinado segmento social. Com isso,
não se consegue uma compreensão mais completa dos fatos lingüísticos permitidos pelo
sistema lingüístico. Ao mesmo tempo, deixar de ministrá-la impede-se o acesso do aluno a
um estrato social considerado de maior prestígio e impede, também, seu acesso à tradição
cultural escrita. Num caso e no outro, há prejuízo no desenvolvimento da competência
comunicativa. Portanto, é imperativo que o aluno compreenda o maior número possível de
normas a fim de alcançar sua plena integração na comunidade sócio-lingüístico-cultural em
que está inserido.Vejamos alguns exemplos da oposição norma/sistema no português do
Brasil.
O conhecido [š], fricativa pós-vocálica, variante de [s], é norma no Rio de Janeiro
em todas as classes sociais: gás [‘gaš], mês [‘meš], basta [‘bašta]. Já no Sul, a pronúncia
sancionada pelo uso (ou norma) é marcadamente alveolar: [‘basta], [‘mês], [‘gás]. No campo
da Morfologia, o sistema dispõe dos sufixos -ada e -edo, ambos com o sentido de coleção.
Enquanto, para designar grande quantidade de bichos, a norma culta prefere o primeiro
(bicharada), a norma geral no falar gaúcho consagrou o segundo: bicharedo. O mesmo
acontece com os sufixos diminutivos -inho e -ito, ambos disponíveis no sistema funcional: a
norma fora do Rio Grande do Sul é dizer-se salaminho; já em terras gaúchas o uso
sancionou salamito.
No plano sintático, a língua (sistema) portuguesa dispõe dos advérbios já e mais,
que, quando usados numa frase negativa, indicam a cessação de um fato ou de uma ação.
A norma brasileira preferiu o segundo: “Eu não vou mais”; “Não chove mais”. A portuguesa
optou pelo primeiro: “Eu já não vou”; “Já não chove”. O português do Brasil prefere
descrever um fato em progressão dizendo: “Estou estudando” (aux. + gerúndio); já em
Portugal, a norma é usar-se aux. + infinitivo: “Estou a estudar”. Ainda com relação à norma
brasileira, não podemos deixar de mencionar o uso consagrado do verbo ter no lugar de
haver, com o sentido de “existir”, uso inclusive já referendado por vários autores brasileiros
de peso, como Carlos Drummond de Andrade (“No meio do caminho tinha uma pedra”) e
Manuel Bandeira (“Em Pasárgada tem tudo”), dentre outros.
Nesse sentido, cabe ressaltar que certos deslocamentos da norma, constantes e
repetidos, podem, com o tempo, fazer evoluir (mudar) a língua. É o que vem ocorrendo, por
exemplo, com a pronúncia do adjetivo “ruim”. A norma gramatical em vigor recomenda
pronunciá-lo como hiato: ruím. Entretanto, o que vemos é a silabada, no português do Brasil,
quando esse é pronunciado como ditongo: rúim. É possível que, no futuro, seja esta a única
pronúncia em vigor, tanto no sistema (língua) quanto na norma (uso).
Quanto aos Tipos de Norma, as variantes coletivas (ou subcódigos) dentro de um
mesmo domínio lingüístico dividem-se em dois tipos principais: diatópicas (variantes ou
25

normas regionais) e diastráticas (variantes culturais ou registros). As variantes diatópicas


caracterizam as diversas normas regionais existentes dentro de um mesmo país e até
dentro de um mesmo estado, como o falar gaúcho, o falar mineiro, etc. Por exemplo, “cair
um tombo”, no Rio Grande do Sul; “levar um tombo”, no Rio de Janeiro. As variantes
diastráticas, intimamente ligadas à estratificação social, evidenciam a variedade de
diferenças culturais dentro de uma comunidade e podem subdividir-se em norma
‘culta’/padrão (ou nacional), norma ‘coloquial’ (tensa ou distensa) e norma ‘popular’ (também
chamada de vulgar).
A norma ‘culta’ é a modalidade escrita empregada na escola, nos textos oficiais,
científicos e literários. Baseada na tradição gramatical, é a variante de maior prestígio
sociocultural. Ex.: Há muito tempo não o vejo. Vendem-se carros. Havia dez alunos em sala.
A norma ‘coloquial’ é aquela empregada oralmente pelas classes médias escolarizadas.
Viva e espontânea, seu grau de desvio em relação à norma ‘culta’ pode variar conforme as
circunstâncias de uso. Ex.: Tem muito tempo que não lhe vejo/não vejo ele. Vende-se
carros. Tinha dez alunos em sala. A norma ‘popular’ caracteriza a fala das classes populares
semi-escolarizadas ou não-escolarizadas. Nessa modalidade, o desvio em relação à norma
gramatical é maior, caracterizando o chamado “erro”. Ex.: A gente fomos na praia. Dois
cachorro-quente custa três real. Há também as variantes diafásicas, que dizem respeito aos
diversos tipos de modalidade expressiva (familiar, estilística, de faixa etária, etc.).
Dessa forma, Coseriu define o sistema como conjunto de liberdades e de
possibilidades que se abrem para um falar compreensível numa comunidade, colocando
como secundário o caráter de imposição: (...) mais que impor-se ao indivíduo, o sistema se
lhe oferece (...). (p. 74). A norma, por sua vez, como conjunto de realizações obrigatórias,
consagradas e compartilhadas dentro dessa mesma comunidade de falantes, assumiria um
papel de tirano, de restrição. O sistema é sistema de possibilidades, de coordenadas que
indicam os caminhos abertos e os caminhos fechados de um falar compreensível numa
comunidade; a norma, em troca, é um sistema de realizações obrigatórias, consagradas
social e culturalmente: não corresponde ao que se pode dizer, mas ao que já se disse e
tradicionalmente se diz na comunidade considerada. O sistema abrange as formas ideais de
realização duma língua (...) a norma, em troca, corresponde à fixação da língua em moldes
tradicionais; e neste sentido, precisamente, a norma representa a todo o momento o
equilíbrio sincrônico (externo e interno) do sistema (...) (p. 50).

2.3 DICOTOMIA LANGUE/PAROLE


Esta é sua dicotomia básica e, juntamente com o par sincronia/diacronia, constitui
uma das mais fecundas. Fundamentada na oposição social/individual, revelou-se com o
26

tempo extremamente profícuo. O que é fato da língua (langue) está no campo social; o que
é ato da fala ou discurso (parole) situa-se na esfera do individual. Repousando sua
dicotomia na Sociologia, ciência nascente e já de grande prestígio então, Saussure (p. 16)
afirma e adverte ao mesmo tempo: “A linguagem tem um lado individual e um lado social,
sendo impossível conceber um sem o outro”. Vale lembrar que, para Saussure, a linguagem
é a faculdade natural de usar uma língua, “ao passo que a língua constitui algo adquirido e
convencional” (p. 17). Do exame exaustivo do Curso, depreendemos três concepções para
língua: acervo lingüístico, instituição social e realidade sistemática e funcional. Analisemo-
las à luz do CLG.
A língua, como acervo lingüístico, é “o conjunto dos hábitos lingüísticos que
permitem a uma pessoa compreender e fazer-se compreender” (p. 92). A língua é “uma
soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos
exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos” (p. 27). E, com todo o
respeito a Saussure, acrescentaríamos nós: um dicionário e uma gramática, cuja extensão
será proporcional ao conhecimento e à percepção lingüística do falante.
Na condição de acervo, a língua guarda toda a experiência histórica acumulada por
um povo durante a sua existência. Disso nos dá testemunho o latim, símbolo permanente da
cultura e das instituições romanas. Também o português, nos seus oito séculos de
existência, acumulou um rico e notável acervo lingüístico e literário. Importante língua de
cultura, constitui tesouro comum dos povos irmanados pela lusofonia.
Como instituição social, a língua “não está completa em nenhum [indivíduo], e só na
massa ela existe de modo completo” (p. 21), por isso, ela é, simultaneamente, realidade
psíquica e instituição social. Para Saussure, a língua “é, ao mesmo tempo, um produto
social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo
corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (p. 17); é “a parte
social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem
modificá-la; ela não existe senão em virtude de uma espécie de contrato estabelecido entre
os membros da comunidade” (p. 22).
A visão da língua como realidade sistemática e funcional é o conteúdo mais
importante da concepção saussuriana. Para o mestre de Genebra, a língua é, antes de tudo,
“um sistema de signos distintos correspondentes a idéias distintas” (p. 18); é um código, um
sistema onde, “de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica” (p. 23).
Saussure vê a língua como um objeto de “natureza homogênea” (p. 23) e que, portanto, se
enquadra perfeitamente na sua definição basilar: “a língua é um sistema de signos que
exprimem idéias” (p. 24). Essa concepção da língua como sistema funcional está imbricada
com a noção de valor (v. conclusão).
27

A fala, ao contrário da língua, por se constituir de atos individuais, torna-se múltipla,


imprevisível, irredutível a uma pauta sistemática. Os atos lingüísticos individuais são
ilimitados, não formam um sistema. Os fatos lingüísticos sociais, bem diferentemente,
formam um sistema, pela sua própria natureza homogênea. Vale ressaltar, no entanto, que
tanto o funcionamento quanto a exploração da faculdade da linguagem estão intimamente
ligados às implicações mútuas existentes entre os elementos língua (virtualidade) e fala
(realidade).
Constatamos assim a pertinência da divisão tripartida de Coseriu. Todos os
exemplos citados, quer caracterizando o falar de uma região, quer identificando o próprio
português do Brasil, mostram a propriedade e a conveniência do fator intermediário norma
entre a fala e a língua, fator este que tem por princípio realizar e dinamizar o sistema
funcional (língua). Ressalve-se, contudo, que a concepção saussuriana da língua como
instituição social se aproxima, de certo modo, da teoria da norma de Coseriu.

2.4 DICOTOMIA SINCRONIA/DIACRONIA

A sincronia é o eixo das simultaneidades, no qual devem ser estudadas as relações


entre os fatos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema
lingüístico, que pode ser tanto no presente quanto no passado. Em outras palavras,
sincronia é sinônimo de descrição, de estudo do funcionamento da língua. Por outro lado, no
eixo das sucessividades ou diacronia, o lingüista tem por objeto de estudo a relação entre
um determinado fato e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe
sucederam. E Saussure adverte que tais fatos (diacrônicos) “não têm relação alguma com
os sistemas, apesar de os condicionarem” (p. 101). Em outras palavras, o funcionamento
sincrônico da língua pode conviver harmoniosamente com seus condicionamentos
diacrônicos. Acrescente-se ainda que a diacronia divide-se em história externa (estudo das
relações existentes entre os fatores socioculturais e a evolução lingüística) e história interna
(trata da evolução estrutural – fonológica e morfossintática – da língua).
Saussure considera prioritário o estudo sincrônico porque o falante nativo não tem
consciência da sucessão dos fatos da língua no tempo. Para o indivíduo que usa a língua
como veículo de comunicação e interação social, essa sucessão não existe. A única e
verdadeira realidade tangível que se lhe apresenta de forma imediata é a do estado
sincrônico da língua. Além disso, como a relação entre o significante e o significado é
arbitrária, estará continuamente sendo afetada pelo tempo, daí a necessidade de o estudo
da língua ser prioritariamente sincrônico. Sirva de exemplo o substantivo romaria, que
significava originalmente “peregrinação a Roma para ver o Papa”. Hoje, no entanto, é usado
28

unicamente para designar “peregrinação religiosa em geral”. Entre nós, por exemplo, são
muito comuns as romarias a Aparecida do Norte, em São Paulo.
Advirta-se, contudo, o seguinte: Saussure postula a prioridade da sincronia e,
convém lembrar, prioridade não significa exclusividade. De nossa parte, entendemos a
distinção sincronia/diacronia unicamente como procedimentos metodológicos de análise
lingüística. A esse respeito, ouçamos as ponderações, até certo ponto premonitórias, do
próprio Saussure (p. 16): a cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema
estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição atual e um produto do
passado.
A língua, portanto, será sempre sincronia e diacronia, em qualquer momento de sua
existência. O ponto de vista da ciência lingüística é que poderá ser OU sincrônico OU
diacrônico, dependendo do fim que se pretende atingir. E há determinados casos, por
exemplo, em que a descrição sincrônica pode perfeitamente ser conjugada com a
explicação diacrônica, enriquecendo-se, desse modo, a análise feita pelo lingüista. Por
exemplo, podemos descrever o verbo pôr como pertencente à segunda conjugação,
apelando para as formas sincrônicas atuais pões, põe, puseste, etc., além dos adjetivos
poente e poedeira, nos quais o -e- medial aí existente (ou remanescente) funciona
estruturalmente como vogal temática. Ao mesmo tempo, podemos enriquecer a descrição
sincrônica, complementando-a com a explicação diacrônica: o atual verbo pôr já foi
representado pelo infinitivo arcaico poer, que, por sua vez, se vincula ao latim vulgar ponere,
com a seguinte cadeia evolutiva: poněre > ponēre > poner > põer > poer > pôr.

Encarados sob essa perspectiva, o A pluralidade semântica que permeia os


ponto de vista sincrônico e o diacrônico não estudos da língua é, na verdade, evidenciada por
são excludentes, ao contrário, são esses estudos – sejam eles sincrônicos ou
complementares. Seja como for, vale diacrônicos – uma vez que é por meio deles que a
registrar que Saussure, deixando de se língua se realiza. A exemplo disso, temos o vocábulo
preocupar com o processo pelo qual as “xaveco”, que segundo Ximenes (1999) significa em
línguas se modificam, para tentar saber o primeira instância: “... barco pequeno e mal
modo como elas funcionam, deu, construído”; entretanto segundo o autor, aqui no
coerentemente, primazia ao estudo Brasil têm-se várias acepções para a mesma palavra,
sincrônico, ponto de partida para a pois ela pode significar uma pessoa ou coisa sem
Lingüística Geral e o chamado método importância, uma gíria que expressa patifaria,
estruturalista de análise da língua. velhacaria. Além desses significados propostos por
Ximenes (1999), acredita-se que tal palavra também
é associada ao contexto da paquera, logo “xavecar”
significaria paquerar, azarar, conquistar, cantar
alguém do sexo oposto com objetivo de iniciar um
namoro ou relação passageira ou duradoura.
29

UM EXEMPLO DE ESTUDO DIACRÔNICO:


A PALAVRA XAVECO

* * 1990 1999 200 2007 200


6 8

Árabe vulgar xabbak: (Xaveco+ar) Bras


Paquerar, azarar,
barco para pesca gír vint: Praticar
conquistar,cantar “Comportamento vil”, Mixaria, insignificância, (QSA) Xaveco:
com rede, xavecagem; XAVECO:cantada, alguémdo praticado por pessoas nulidade, sacanagem, namorar, ficar,
embarcação utilizada trapacear, paquera. sexooposto. patifaria. aproximar.
imprestáveis”.
por piratas. chantagear.
Patifes, malandros e
vagabundos xavecam.
30

É importante ressaltar que o estudo eminente faz uso da linha de tempo, no


entanto deve-se lembrar que não é possível precisar todas as datas das mudanças
que ocorrem com a s palavras, em especial com o vocábulo “xaveco”, objeto de
estudo da pesquisa em questão. Por essa razão, Saussure tinha razão ao afirmar que
o estudo da língua perpassa essa dicotomia imprescindível à compreensão de todo e
qualquer fenômeno lingüístico.
Outra contribuição essencial aos estudos lingüísticos foi o conceito de signo
postulado por Saussure, tal conceito está vinculado ao conceito de significado. Desde
o final do século XIX até ao fim do século XX, o conceito de signo sofreu a influência
da evolução.
Saussure (1916) definiu signo como a “união entre o significante (imagem
acústica) e significado (sentido)”. Não há palavra sem sentido, nem sentido sem
palavra. No caso da palavra “bola”, o significante é a bola e o sentido, ou seja, o
significado é o que a bola significa, como se fossem duas faces de uma mesma
moeda. Saussure, determinou ainda que o signo é social e, portanto, arbitrário e
imutável (que não pode ser mudado). O signo é social porque as palavras de uma
língua pertencem a uma comunidade linguística e não cabe a um único indivíduo
tentar modificar a sua estrutura sonora (significante) ou o seu conteúdo (significado).
Visto que os signos são aceitos e utilizados por uma comunidade linguística, compete
ao indivíduo apreendê-los e usá-los com o seu sentido (significado), pré-estabelecido
pelo meio social, e com a sua estrutura sonora correspondente (significante).
O conceito (ou idéia) aqui expressoé a representação mental de um objeto ou
da realidade social em que nos situamos, representação essa condicionada pela
formação sócio-cultural que nos cerca desde o berço. Em outras palavras, para
Saussure, conceito é sinônimo de significado (plano das idéias/conteúdos), algo
como o lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em oposição ao
significante (plano da expressão), que é sua parte sensível. Por outro lado, a imagem
acústica não é o som material, coisa puramente física, mas aimpressão psíquica
desse som. Segundo Saussure (1916, p. 81): “... a imagem acústica é o significante”.
Com isso, temos que o signo lingüístico é “... uma entidade psíquica de duas faces (...)
estão intimamente unidos e um reclama o outro”.

Fonte: Saussure (1916)


31

Em suma, O signo lingüístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces,


que pode ser representada pela figura acima.
Por essa razão essa estreita ligação entre significante e significado remete as
propriedades do signo lingüístico, isto é: arbitrário, convencional e linear. Para
Saussure o significante é imotivado, já que não há nada no significante que remeta ao
significado, logo ele é arbitrário em relação ao significado, com o qual não possui
qualquer laço natural na realidade. Entretanto, é válido ressaltar que a palavra
arbitrário requer também uma observação. Não deve dar a idéia de que o significado
dependa da livre escolha do que fala, logo, não está ao alcance do indivíduo trocar
coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo lingüístico, eis ai
o caráter convencional do signo, ou seja, os signos lingüísticos são frutos de uma
convenção social – de um acordo. Por isso, o falante não pode atribuir qualquer
significante a uma significado; ele tem de usar somente as relações aceitas pela
comunidade à qual se dirige sob pena de não ser compreendido.
Essa relação de “dependência” convencional reafirma os pressupostos
suscitados sobre a diacronia e a sincronia, uma vez que a atribuição de significados
não se dá de forma aleatória – na verdade – o contexto será aqui um fator primordial
para essa relação de significação, pois atualmente a atribuição de significado não se
dá de forma isolada e estanque. Afinal de contas, atualmente, não se pode pensar os
estudos da linguagem sem a intervenção de fatores extralingüísticos como: faixa
etária, sexo, profissão, que vez por outra, condicionam essas relações.
A exemplo disso temos o vocábulo “xaveco” – fonte de nosso estudo – que
dependendo do contexto e, sobretudo, do falante; podendo assumir diferentes
significados até então desconhecidos em situações específicas de comunicação.
Dependendo do contexto ele pode significar algo positivo ou negativo; e pode
ser associado por alguns falantes à uma prática ruim, agressiva ou ainda, de fato
assumir o significado de conquista, um artifício utilizado para requerer uma primeira
aproximação, para agradar, satisfazer e por que não persuadir o outro.

REFERÊNCIAS
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática da língua portuguesa, Rio de Janeiro,
Editora Lucerna, 1999, p. 37-44.
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12ª ed. Petrópolis, Vozes,
2003.
COSERIU, E. Sincronia, diacronia e história. Rio de Janeiro/São Paulo,
Presença/EDUSP, 1979.
32

______.Teoria da linguagem e linguística geral. Rio de Janeiro/São Paulo,


Presença/EDUSP, 1979.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Trad de A. Chelini, José P.
Paes e I. Blikstein. São Paulo, Cultrix/USP, 1969.
33

UNIDADE III
3.1 CONCEITO SAUSSUREANO

Um signo, num sentido mais amplo, designa um elemento X que pode


representar outro elemento Y ou servir-lhe de substituto. Assim sendo, este
entendimento de signo tende a apresentar ou não, uma intenção de comunicação. A
partir desta distinção, podemos partir para uma análise inicial dos signos.
Olhando o céu de nossa região, podemos claramente, nos meses de janeiro a
junho, observar as nuvens cinzentas, como se diz, “carregadas”. Este céu cinzento,
para nós indica o nosso “inverno”, as chuvas, os ventos mais fortes, portanto, é índice
de chuva, de ventos, mas este céu não tem nenhuma intenção de comunicar este fato
aos meteorologistas. É “um facto imediatamente perceptível que nos dá a conhecer
qualquer coisa a propósito de um outro que não é imediatamente
perceptível”(PRIETO, s/d). O mecanismo de indicação está presente no índice, assim
sendo, o índice fornece uma indicação. Basta lembrar o dito popular: “onde há fumaça
há fogo.”
Se o céu “carregado” não tem intenção de comunicar mau tempo a ninguém,
entretanto, cada vez que o observamos assim, tomamos logo o cuidado de procurar
um guarda-chuva se vamos sair. Se estivermos numa praia, vamos ver o guarda-vidas
içar uma bandeira vermelha que é sinal de ondas maiores em função do vento e,
portanto, de perigo. O sinal é um índice artificial produzido com intenção de comunicar.
A intenção de comunicar mostra a diferença entre índice e sinal. O sinal pertence ao
ramo de estudos da semiologia e não da lingüística. O sinal é “facto produzido para
servir de índice” (PRIETO, idem).
A chuva e os ventos estragaram a praia — bandeira vermelha — as ondas
estão perigosas, então vamos embora. Na viagem de regresso, vemos
constantemente pelas margens da estrada algumas placas, ora vermelhas, ora
amarelas. Estas placas de sinalização proporcionam uma relação analógica, em nossa
cultura, com o elemento que quer significar. Assim sendo, uma placa portadora de um
S não está a chamar atenção sobre esta letra, mas a indicar uma curva mais adiante
com a forma daquele elemento, ou seja, uma curva em forma de S. Esta correlação de
formas com intenção de comunicar é um símbolo.
No cinema, no teatro, já vimos tinta vermelha ou alguma outra mistura para
representar sangue, são os ícones. “Os ícones são os signos que estão numa relação
de semelhança com a realidade exterior e que apresentam a mesma propriedade que
o objeto denotado.”(DUBOIS, 1989). Um outro exemplo do signo icônico pode ser um
34

mapa da nossa cidade em função de representar a parte que expressa o conteúdo e o


conteúdo expressado.
O ícone, o símbolo, o sinal e o índice são signos. Não são, entretanto, signos
lingüísticos, embora sejam unidades de línguas humanas.
Pode não haver, também, nenhuma relação natural entre os elementos
representados ou que se queira representar. Do mesmo modo que não há essa
relação natural entre a bandeira vermelha e o perigo, ou a “amassadeira” de açaí,
também não há uma relação natural entre o animal que se quer designar quando
ouvimos [‘patu] ou escrevemos a palavra pato. Nesse momento ocorre uma
combinação indissolúvel, dentro de nossa mente, entre uma imagem acústica
perceptível e um conceito que só é perceptível através da imagem acústica. A partir
daí estaremos diante do signo lingüístico.
Conforme nos ensina Ferdinand de Saussure, o signo lingüístico é uma
entidade psíquica de duas faces, resultado da união entre um conteúdo semântico —
o significado — e de uma expressão fônica — o significante, isto é, “união de um
conceito e uma imagem acústica.” SAUSSURE, s/d. Significante e significado só têm
existência pela sua associação no signo, “fora dele, apenas constituem uma ‘nebulosa’
uma ‘massa amorfa’.”
Seja, por exemplo, a palavra árvore. A representação do SIGNIFICADO (o
conceito, o conteúdo semântico) pode ser feito pela palavra “árvore” ou por um
desenho. O SIGNIFICANTE (a imagem acústica, a expressão fônica) pode ser
representado pela transcrição1 “/’ahvuɾı /”, como a seguir:
árvore
_________ ___________
/‘ahvuɾı/ /‘ahvuɾı/
Para haver comunicação, a condição de inteligibilidade lingüística é
proporcionada pela conformidade de escolhas feitas no plano da expressão a outras
escolhas feitas no plano de conteúdo. Qualquer falante do português, ao ouvir a
palavra “casa”, recebe a impressão psíquica que lhe é transmitida pela imagem
acústica ou significante /’kazʌ/, graças à qual se manifesta fonicamente, através dessa
seqüência de sons, diferente de qualquer outra, o signo casa. Essa imagem acústica,
de imediato, lembra-lhe psiquicamente a idéia de abrigo, lugar construído pelo homem
para viver, morada, lugar para descansar, estudar, etc.
O signo lingüístico, essencialmente psíquico, não é abstrato. É uma entidade
dupla, produto de uma união de dois elementos, ambos psíquicos e unidos pelo laço

1.Transcrição fonética: símbolos do Alfabeto Fonético entre colchetes [sons da fala], entre barras /sons da
língua/.
35

de associação. O próprio Saussure teve o cuidado de chamar atenção para o perigo


de se supor que o signo une um objeto a um nome, “o signo lingüistico une, não uma
coisa a um nome, mas um conceito a uma imagem acústica”. Para Saussure, a
imagem acústica “não é um som material, coisa puramente física, mas a impressão
psíquica deste som”.
O signo lingüístico assim definido por Saussure apresenta duas
características essenciais:
1. o signo lingüístico é ARBITRÁRIO, ou seja, é convencional e não existe
qualquer vínculo interno entre o conceito representado, por exemplo, por pato e a
seqüência de sons que o representa: [p]+[a]+[t]+[u]. Para se comprovar tal afirmativa
basta verificar a quantidade de denominações que de língua para língua se utilizam
para uma mesma significação: fran. canard; ingl. duck; ita. anatra; esp. pato.
Entretanto “... não deve dar a idéia de que o significado dependa da livre escolha do
que fala, não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma do signo, uma vez
esteja ele estabelecido num grupo lingüístico; queremos dizer que o significante é
imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum
laço natural na realidade” (SAUSSURE, s/d).
“O signo lingüístico é arbitrário e, portanto, cultural, dessa forma Saussure
quer dizer que o signo lingüístico não é motivado e não há nenhuma relação
necessária entre o som e o sentido, que não há nada no significante que lembre o
significado” (FIORIM, 2003).
2. o signo lingüístico é LINEAR ao nível de sua manifestação material, isto é,
enquanto unidade da cadeia falada, só pode realizar-se no tempo e os seus elementos
só podem surgir sucessivamente, nunca simultaneamente, ou seja, duas unidades
nunca podem encontrar-se no mesmo ponto da cadeia falada, falando fisicamente:
dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. É perceptível a linearidade
apenas no significante já que o significado é como um bloco, um todo. “... os
significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo; seus elementos se
apresentam um após outro; formam uma cadeia. Esse caráter aparece imediatamente
quando os representamos e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos
signos gráficos ”(SAUSSURE, s/d).
O signo lingüístico tem no seu significante, em relação à idéia que representa,
a livre escolha, porém, em relação ao grupo lingüístico que o usa, ele não é livre, ele é
imposto. Assim sendo, a língua sempre aparece como uma herança, como uma
convenção aceita pela comunidade lingüística e é repassada para gerações que se
seguem. Esta característica do signo lingüístico é a IMUTABILIDADE, isto é, os signos
36

do código têm de ser comuns a uma grande parte de emissores e receptores, aceitos,
compreendidos e mantidos por todos os integrantes da comunidade lingüística.
O tempo, que garante a continuidade da língua, segundo Saussure, também
opera outro efeito sobre o signo lingüístico, é a MUTABILIDADE. Embora contraditória
em aparência, a mutabilidade pode proporcionar alterações no signo lingüístico. Os
fatores de alteração são sempre exteriores à língua e podem ser fonéticos,
morfológicos, sintáticos e lexicais. Assim é que temos várias palavras que chegaram
em nossa língua pelo deslocamento da relação significante/significado, por exemplo:
mácula em latim significava mancha, deu, também origem à mágoa em português.
O signo lingüístico é diferencial e funciona pela sua presença ou pela sua
ausência. O signo [kaʌ significa “caixa” e não “mais ou menos caixa”, funciona
como um signo, antes de tudo o mais por oposição a outros signos. Esse caráter
diferencial dos signos é muito importante, visto que o signo lingüístico pertence ao
sistema constituinte da língua na qual cada signo só tem valor por oposição aos outros
signos. A diferença acústica entre torto e morto é sentida nos segmentos iniciais [t] e
[m], uma diferença opositiva que é suficiente para distinguir os dois significantes e, por
conseguinte, estabelecer oposição entre os dois significados.
O signo lingüístico enquanto sistema se organiza em dois eixos: EIXO
SINTAGMÁTICO, que é o plano da relação linear entre os signos, o plano das
combinações, das relações perceptíveis. “as relações sintagmáticas ocorrem dentro do
enunciado e são diretamente observáveis (relações in presentia). Tais relações
decorrem do caráter linear e temporal da linguagem humana” (KOCH, 2000).
O EIXO PARADIGMÁTICO é a relação que ocorre no eixo vertical, o eixo das
escolhas. São s relações entre unidades com capacidade de figurar num mesmo
contexto, ou seja, um elemento pode figurar em lugar do outro, mão não
simultaneamente. O paradigma, ou modelo, ocorre com os elementos que não estão
presentes no discurso (relação in absentia).

3.2 PRINCÍPIOS DA ARBITRARIEDADE E DA LINEARIDADE

Saussure define o signo como a união do sentido e da imagem acústica. O


que ele chama de “sentido” é a mesma coisa que conceito ou idéia, isto é, a
representação mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos,
representação essa condicionada pela formação sociocultural que nos cerca desde o
berço. Em outras palavras, para Saussure, conceito é sinônimo de significado (plano
das idéias), algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em
37

oposição ao significante (plano da expressão), que é sua parte sensível. Por outro
lado, a imagem acústica “não é o som material, coisa puramente física, mas a
impressão psíquica desse som” (CLG, p. 80). Melhor dizendo, a imagem acústica é o
significante. Com isso, temos que o signo lingüístico é “uma entidade psíquica de duas
faces” (p. 80), semelhante a uma moeda.
Mais tarde, Jakobson e a Escola Fonológica de Praga irão estabelecer
definitivamente a distinção entre som material e imagem acústica. Ao primeiro
chamaram de fone, objeto de estudo da Fonética. À imagem acústica denominaram de
fonema, conceito amplamente aceito e consagrado pela Fonologia.
Os dois elementos – significante e significado – constituem o signo “estão
intimamente unidos e um reclama o outro” (p. 80). São interdependentes e
inseparáveis, pois sem significante não há significado e sem significado não existe
significante. Exemplificando, diríamos que quando um falante de português recebe a
impressão psíquica que lhe é transmitida pela imagem acústica ou significante /kaza/,
graças à qual se manifesta fonicamente o signo casa, essa imagem acústica, de
imediato, evoca-lhe psiquicamente a idéia de abrigo, de lugar para viver, estudar, fazer
suas refeições, descansar, etc. Figurativamente, diríamos que o falante associa o
significante /kaza/ ao significado domus (tomando-se o termo latino como ponto de
referência para o conceito).
Quanto ao princípio da arbitrariedade, Saussure (p. 83) esclarece que
arbitrário não deve dar a idéia de que o significado dependa da livre escolha do que
fala, [porque] não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma
vez esteja ele estabelecido num grupo lingüístico; queremos dizer que o significante é
imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum
laço natural na realidade.
Desse modo, compreendemos por que Saussure afirma que a idéia (ou
conceito ou significado) de mar não tem nenhuma relação necessária e “interior” com
a seqüência de sons, ou imagem acústica ou significante/mar. Em outras palavras, o
significado mar poderia ser representado perfeitamente por qualquer outro significante.
E Saussure argumenta, para provar seu ponto de vista, com as diferenças entre as
línguas. Tanto assim que a idéia de “mar” é representada em inglês pelo significante
“sea” /si/ e, em francês, por “mer” /mér/. Um exemplo bastante representativo da
ausência de vínculo natural entre o significante e o significado é o dos verbos
depoentes latinos. Nestes, a forma é passiva, entretanto, o sentido é ativo: sequor
“sigo” (e não “sou seguido”), utor “uso” (e não “sou usado”). Nestes signos, o grau de
arbitrariedade é extremo, não havendo sequer coerência morfossemântica entre o
significante e o significado. Na verdade, existem dois sentidos para arbitrário:
38

a) o significante em relação ao significado:


livro, book, livre, Buch, liber, biblion, etc. (significantes diferentes para um mesmo significado);
b) o significado como parcela semântica (em oposição à totalidade de um
campo semântico):
ingl. teacher/professor - port. Professor ingl. sheep/mutton - port.
carneiro
Mesmo havendo postulado que o signo lingüístico é, em sua origem,
arbitrário, Saussure não deixa de reconhecer a possibilidade de existência de certos
graus de motivação entre significante e significado. Em coerência com seu ponto de
vista dicotômico, propõe a existência de um “arbitrário absoluto” e de um “arbitrário
relativo”. Como exemplo de arbitrário absoluto, o mestre de Genebra cita os números
dez e nove, tomados individualmente, e nos quais a relação entre o significante e o
significado seria totalmente arbitrária, isto é, essa relação não é necessária, é
imotivada. Já na combinação de dez com nove para formar um terceiro signo, a
dezena dezenove, Saussure acha que a arbitrariedade absoluta original dos dois
numerais se apresenta relativamente atenuada, dando lugar àquilo que ele classificou
como arbitrariedade relativa, pois do conhecimento da significação das partes pode-se
chegar à significação do todo.
O mesmo acontece no par pera/pereira, em que pera, como palavra primitiva,
serviria como exemplo de arbitrário absoluto (signo imotivado). Por sua vez, pereira,
forma derivada de pera, seria um caso de arbitrário relativo (signo motivado), devido à
relação sintagmática pera (morfema lexical) + -eira (morfema sufixal, com a noção de
“árvore”) e à relação paradigmática estabelecida a partir da associação de pereira a
laranjeira, bananeira, etc., uma vez que é conhecida a significação dos elementos
formadores.
A respeito da linearidade, este é um princípio que se aplica às unidades do
plano da expressão (fonemas, sílabas, palavras), por serem estas emitidas em ordem
linear ou sucessiva na cadeia da fala. Esse princípio é a base das relações
sintagmáticas, assunto que abordaremos mais adiante.

3.3 AS RELAÇÕES SINTAGMÁTICAS E PARADIGMÁTICAS

Para Saussure, tudo na sincronia se prende a dois eixos: o associativo (=


paradigmático) e o sintagmático. As relações sintagmáticas baseiam-se no caráter
linear do signo lingüístico, “que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao
mesmo tempo” (p. 142). A língua é formada de elementos que se sucedem um após
outro linearmente, isto é, “na cadeia da fala” (p. 142). À relação entre esses elementos
39

Saussure (p. 142) chama de sintagma. O sintagma se compõe sempre de duas ou


mais unidades consecutivas: re-ler, contra todos, a vida humana, Deus é bom, se fizer
bom tempo, sairemos, etc.
Colocado na cadeia sintagmática, um termo passa a ter valor em virtude do
contraste que estabelece com aquele que o precede ou lhe sucede, “ou a ambos”,
visto que um termo não pode aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu
caráter linear. Em “Hoje fez calor”, por exemplo, não podemos pronunciar a sílaba je
antes da sílaba ho, nem ho ao mesmo tempo que je; lor antes de ca, ou ca
simultaneamente com lor é impossível. É essa cadeia fônica que faz com que se
estabeleçam relações sintagmáticas entre os elementos que a compõem. Como a
relação sintagmática se estabelece em função da presença dos termos precedente e
subseqüente no discurso, Saussure a chama também de relação in præsentia.
Por outro lado, fora do discurso, isto é, fora do plano sintagmático, se, em
“Hoje fez calor”, dizemos hoje pensando opô-lo a outro advérbio, ontem, por exemplo,
ou fez em oposição a faz, e calor a frio, estabelecemos uma relação paradigmática
associativa ou in absentia, porque os termos ontem, faz e frio não estão presentes no
discurso. São elementos que se encontram na nossa memória de falante “numa série
mnemônica virtual”, conforme esclarece Saussure (p. 143 do CLG).
O paradigma é assim uma espécie de “banco de reservas” da língua, um
conjunto de unidades suscetíveis de aparecer num mesmo contexto. Desse modo, as
unidades do paradigma se opõem, pois uma exclui a outra: se uma está presente, as
outras estão ausentes. É a chamada oposição distintiva, que estabelece a diferença
entre signos como gado e gato ou entre formas verbais como estudava e estudara,
formados respectivamente a partir da oposição sonoridade/não-sonoridade e pretérito
imperfeito/mais-que-perfeito. A noção de paradigma suscita, pois, a idéia de relação
entre unidades alternativas. É uma espécie de reserva virtual da língua.
Define-se o sintagma como “a combinação de formas mínimas numa unidade
lingüística superior”. Trata-se, portanto, de relações (relação = dependência, função)
em que o que existe, em essência, é a reciprocidade, a coexistência ou solidariedade
entre os elementos presentes na cadeia da fala. Essas relações sintagmáticas ou de
reciprocidade existem, a nosso ver, em todos os planos da língua: fônico, mórfico e
sintático, ao contrário do que deixa entrever a definição do próprio Saussure, que nos
induz a conceber o sintagma apenas nos planos mórfico e sintático. Sendo assim, o
sintagma, em sentido lato, é toda e qualquer combinação de unidades lingüísticas na
seqüência de sons da fala, a serviço da rede de relações da língua. Por exemplo, no
plano fônico, a relação entre uma vogal e uma semivogal para formar o ditongo
(ai/ay/); no nível mórfico, a própria palavra, com seus constituintes imediatos, é um
40

sintagma lexical (am + a + va + s); sintaticamente, a relação sujeito + predicado


caracteriza o sintagma oracional (Pedro/estudou a lição.).
Uma visão estilística
No plano da expressão, as relações paradigmáticas operam com base na
similaridade de sons. É o caso das rimas (“Mas que dizer do poeta/numa prova
escolar?/Que ele é meio pateta/e não sabe rimar?”, Carlos Drummond de Andrade),
aliterações (“Vozes veladas, veludosas vozes”, Cruz e Sousa), assonâncias (“Tíbios
flautins finíssimos gritavam”, Olavo Bilac), homoteleutos [ou homeoteleutos] (“Rita não
tem cultura, mas tem finura”, Machado de Assis).
No plano do conteúdo, as relações paradigmáticas baseiam-se na
similaridade de sentido, na associação entre o termo presente na frase e a simbologia
que ele desperta em nossa mente. É o caso da metáfora: “O pavão é um arco-íris de
plumas.” (Rubem Braga), ou seja, arco-íris = semicírculo ou arco multicor. Embora
presente no texto em prosa, a metáfora é mais usual na poesia.
Já a metonímia, mais comum na prosa, por basear-se numa relação de
contigüidade de sentido, atua no eixo sintagmático. Ex.: O autor pela obra: “Gosto de
ler Machado de Assis”; a parte pelo todo: “Os desabrigados ficaram sem teto” (= casa);
o continente pelo conteúdo: “Tomei um copo de vinho” (o vinho contido no copo), etc.

REFERÊNCIAS

BAYLON, Christian; FABRE, Paul. Iniciação à lingüística. Coimbra, Almedina, 1979.


CABRAL, Leonor S. Introdução à lingüística. Rio de Janeiro, Globo, 1990.
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12ª ed. Petrópolis, Vozes,
2003.
DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. São Paulo, Cultrix, 1989.
FIORIM, José L.(Org.) Introdução à lingüística. São Paulo, Contexto, 2003.
KOCH, Ingedore V.; SILVA, Maria Cecília. Lingüística aplicada ao português:
morfologia. São Paulo, Cortez, 2002.
LOPES, Edward. Fundamentos da lingüística contemporânea. São Paulo, Cultrix,
1995.
PRIETO, Luis J.(s/d). Mensagens e sinais. São Paulo, USP.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Trad. de A. Chelini, José P.
Paes e I. Blikstein. São Paulo, Cultrix/USP, 1969.
41

UNIDADE IV – DUPLA ARTICULAÇÃO: PRELIMINARES


4.1 CONCEITOS: DUPLA ARTICULAÇÃO

A dupla articulação da linguagem é um dos dois princípios básicos da


gramática para os funcionalistas (além da pertinência comunicativa). De acordo com
este conceito, qualquer enunciado lingüístico pode ser dividido em unidades
significativas mínimas, que são os monemas. Essa é a primeira articulação. Tais
unidades, por sua vez, segundo André Martinet (1978, p. 11), constam de uma forma
vocal (significante) e de um sentido (significado). O sentido dificilmente pode ser
analisado em unidades menores. A forma vocal ou significante, no entanto, consta de
unidades distintivas mínimas, que são os fonemas. Essa é a segunda articulação.
Surgem, então, as unidades lingüísticas essenciais para os funcionalistas: os
monemas, cuja função é significar, e os fonemas, cuja função é distinguir. Os
monemas fazem parte da primeira articulação e os fonemas, da segunda.
O princípio da pertinência baseia-se na afirmação de André Martinet de que
toda descrição de um objeto deve apoiar-se em um ponto de vista:
Qualquer descrição supõe uma seleção: por muito simples que à
primeira vista pareça, qualquer objeto é susceptível de se revelar
infinitamente complexo. Ora, a descrição é necessariamente finita, o
que significa que só poderão apresentar-se alguns traços do objeto a
descrever, traços que têm largas possibilidades de não ser os
mesmos em duas descrições de duas pessoas (Martinet, 1978, p.
30).

Os traços pertinentes, em lingüística, são aqueles que contribuem para o


sucesso da comunicação e, os não pertinentes são aqueles que não contribuem.

Martiner, Saussure, Hjelmslev e a dupla articulação da linguagem


André Martinet, em “Elementos de lingüística geral”, mostra que todas as
línguas são compostas por duas articulações principais, – a primeira ligada ao
monema, e a segunda ao fonema – além de outros processos à margem destas, que
também influenciam na comunicação humana. Este conceito de dupla articulação está,
em grande parte, envolto na teoria de Saussure a respeito das dicotomias da língua,
que deram as bases para a ciência da linguagem verbal, adquirindo novas relações
posteriores, como a teoria de Hjelmslev sobre os planos de conteúdo e expressão.
Assim, para compreendermos a teoria de Martinet, faz-se necessário uma sucinta
introdução aos conceitos elaborados por estes primeiros estudiosos.

Saussure e Hjelmslev: uma introdução a Martinet


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Saussure, ao definir o conceito de signo, discerne que este é a união do


sentido e da imagem, sendo que “sentido” para Saussure defini-se como ideia,
conceito (significado) ou representação mental de um objeto da realidade. Castelar
(2009, p.30) afirma que "em outras palavras, para Saussure, conceito é sinônimo de
significado, algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em
oposição ao significante, que é sua parte sensível.
Entretanto, a imagem (significante), não é o som material, mas é a imagem
acústica. Em outras palavras, o significante não é apenas som fonético ou fone, mas
sim imagem acústica, a qual seria entendida pelos constituintes da escola de praga
como os fonemas da fonologia. Sendo assim, Saussure estipula ser o signo lingüístico
uma entidade de dupla face: o significado e o significante.
Hjelmslev reinterpreta essas duas articulações, formulando os chamados
plano de expressão e plano de conteúdo. Sobre o primeiro, Hjelmslev o relaciona com
a ideia de significado, e o segundo com a ideia do significante, sendo que a análise de
ambos os planos dividi-se em “forma” e “substância”. Sobre isso, Castelar (2009,
p.154) afirma que "Saussure definiu o signo lingüístico como uma “entidade psíquica
de duas faces”: significado e significante. Hjelmslev (1971: 73), igualmente, postula,
dois planos para a língua: o plano do conteúdo e o da expressão."

Metáfora da folha de papel


A definição de língua para Saussure é forma e não conteúdo. O autor vale-se
da metáfora da folha de papel para explicar esse caráter estrutural da língua. Segundo
o genebriano, a língua equipara-se a uma folha de papel, pois se divide em dois
versos; o primeiro, o anverso, correspondente ao pensamento, enquanto que o
verso corresponde aos sons, sendo impossível o estudo específico de apenas um
plano, pois, na verdade, eles estão intrínsecos um ao outro. Saussure (p.131), citado
por Castelar (2009, p. 121), afirma que: o pensamento é o anverso e o som o verso;
não se pode cortar um, sem cortar, ao mesmo tempo, o outro; assim tampouco, na
língua, se poderia isolar o som do pensamento, ou o pensamento do som; só se
chegaria a isso por uma abstração, cujo resultado seria fazer psicologia pura ou
Fonologia pura.
Sendo assim, vemos o caráter articulatório entre pensamento e ideia, mas
ainda não sabemos o que os faz serem articulados. Saussure nos afirma que a própria
língua possui o papel articulatório e associativo entre a dupla face dela mesma. Ao
contrário do que pensamos, a língua não é apenas um meio sonoro expressivo do
pensamento, mas é onde se articula pensamento e som, significado e significante.
Como afirma Saussure (p.131), "O papel característico da língua frente ao
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pensamento não é criar um meio fônico material para a expressão das ideias, mas
servir de intermediário entre o pensamento e o som".
A partir dessa hipótese, Castelar afirma que Saussure “lança fundamentos
para o que hoje é conhecido como a tese da dupla articulação da linguagem”
(Castelar, 2009, p.131), que foi desenvolvida por Martinet. Segundo Saussure (p.131),
"poder-se-ia chamar à língua o domínio das articulações: cada termo lingüístico é um
pequeno membro, um “articulus”, em que uma ideia se fixa num som e em que um
som se torna o signo de uma ideia."

Planos: conteúdo e expressão


Em sua tese da glossemática, Hjelmslev admite, assim como Saussure e
Martinet, a dupla face da língua. Entretanto, Hjelmslev interpreta ao seu modo essas
articulações, criando dois planos para a língua: o plano da expressão e o plano do
conteúdo, sendo estes ainda subdivididos em forma e substância. A forma do
conteúdo “diz respeito às relações entre as unidades sêmicas, é a própria estruturação
das ideias” (Castelar, 2009, p.155), ou seja, é a forma pela qual a língua materializa a
comunicação lingüística, enquanto a substância refere-se ao pensamento ainda
abstrato na psique do falante. “A substância do conteúdo é a projeção mental da
realidade extralinguística” (Castelar, 2009,p.155). A nível comparativo, o plano do
conteúdo pode ser entendido como o significado saussuriano, embora dividido em
uma forma e um conteúdo específicos.
Entretanto, o plano da expressão diz respeito aos sons (fones) da língua, “É a
massa sonora ou visual, desprovida de valor funcional ou linguístico” (Castelar, 2009,
p.156). Os fones, por exemplo, quando transcritos um a um, tornam-se perceptíveis
material e fisicamente, ou seja, em sua substância fonética (sonora), sendo a forma da
expressão “as relações estruturais entre os sons” (Castelar, 2009, p.156),
simbolizando o valor funcional e distintivo dos fonemas.
Nesses dois planos, coligados às ideias de Saussure sobre a dupla
articulação da língua, o significante e o significado, podemos perceber claramente a
ligação entre plano do conteúdo e significado, pois se referem ao pensamento, aquilo
que ainda não foi concretizado por meio de fones e fonemas. O plano da expressão
liga-se ao significante, ou seja, aos sons da língua, os fones materializados pelo
sistema fonético do falante e os fonemas distintivos existindo em relações opositivas e
valorativas dentro da estrutura da língua.

Martinet e a dupla articulação da linguagem


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Segundo André Martinet, em “Elementos de lingüística geral”, todas as


línguas são compostas por duas articulações principais, além de outros processos à
margem destas, que também influenciam na comunicação humana. A primeira
articulação está relacionada à conexão sintática existente em cada língua. A conexão
seria a relação de dependência entre dois termos; a subordinação existente entre
estes, onde um é o determinante e o outro é o determinado. A conexão, nos dizeres
na autora, é uma certa energia que imanta das palavras e que faz com que estas se
relacionem. “Usamos as palavras energia e imantar, pouco usuais em um contexto
gramatical, para salientar o caráter abstrato das relações sintáticas, que é algo que se
instala independentemente de concretizações de qualquer natureza”.
A primeira articulação, então, está diretamente relacionada a esse
mecanismo de conexão sintática, já que aquela “é o modo por que se ordena a
experiência comum a todos os membros de determinada comunidade lingüística”. A
experiência pessoal, incomunicável na sua unicidade, analisa-se “numa sucessão de
unidades pouco específicas e conhecidas de todos os membros do grupo”. Essas
unidades, pertencentes à primeira articulação, nos permitem comunicar, quando
combinadas, muito mais do que se nós dispuséssemos de vários milhões de sons
desarticulados para expressar cada sensação diferente.
Assim, quando dizemos “Estou com fome”, por exemplo, só nos fazemos
entender, ainda que superficialmente, pelo fato do grupo ao qual estamos inseridos ter
a noção do conceito das unidades “estou”, “com” e “fome” e, ainda, por estas unidades
estarem articuladas segundo as normas estruturais do português. Se alguém disser
“fome com estou”, conseguiremos entender a mensagem, ainda que não estruturada
sintaticamente, pelo fato da frase ter tamanho reduzido. Entretanto, isto não seria
possível se a mesma fosse de extensão considerável.
Para, além disto, Martinet mostra que o sentido das unidades da primeira
articulação não poderá ser analisado por partes, digamos, sílaba por sílaba. Não
podemos compreender “fome” como a união do significado de “fo” mais o significado
de “me”. “É o conjunto cabeça que significa “cabeça”, e não a soma de eventuais
sentidos de cada um dos segmentos em que podemos dividi-lo – ca-, be- e ça-, por
exemplo”. Entretanto, as unidades menores que compõe “cabeça”, ou “fome”, podem
ser analisadas separadamente, já que todo signo lingüístico também faz parte da
segunda articulação da linguagem, que é a combinação de um número restrito de
unidades fônicas para formar os elementos da primeira articulação, de número
consideravelmente maior.
Assim, podemos analisar os elementos “f”, “o”, “m” e “e” foneticamente,
percebendo a posição da língua, dentes e lábios na produção do fonema (bilabial,
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linguodental, alveolar, retroflexa, palatal, etc.), a abertura e o fechamento da glote e,


consequentemente, a vibração ou não das cordas vocais (surdo ou sonoro), a
passagem de ar pela boca (oclusiva ou fricativa), a nasalidade, a altura das vogais
(alta, média, baixa), etc.
Essas particularidades são denominadas traços distintivos e, por provocarem
diferença muito sutil na produção das unidades da primeira articulação, dependendo
principalmente do contexto para que possamos diferenciá-las, a lingüística moderna as
denomina de unidades discretas.
Como já foi dito, analisar isoladamente as unidades discretas, da segunda
articulação, não influenciará no entendimento das unidades da primeira articulação.
Não obstante, essas duas articulações, quando combinadas, possibilitam que o
homem se comunique de forma satisfatória e “econômica”, nos dizeres de Martinet. A
segunda articulação propicia que a forma do significante seja independente do valor
do significado, de forma que se o “m” de “mar” sofrer modificações, também o “m” de
“meu” mudará.
Graças à segunda articulação, podem as línguas contentar-se com algumas
dezenas de produtos fônicos distintos uns dos outros, que se combinam para se obter
a forma vocal das unidades de primeira articulação: assim em cabeça aparece duas
vezes a unidade que representamos por a – a mesma que reencontramos em mesa,
nos artigos a e uma, etc.
A partir do estruturalismo europeu com Saussure, passa-se a estudar a língua
de uma perspectiva sincrônica. Paralelo à vertente européia surge o estruturalismo
norte-americano com Edward Sapir e Leonard Bloomfield. Os lingüistas dessa época
passaram a descrever línguas indígenas e assim chegaram ao conceito de
MORFEMA.
A escola é assim chamada, pois se baseava no elemento (ITEM) e na sua
distribuição na língua (ARRANJO).
Segundo (Rocha 1998), a visão estruturalista desenvolveu com bastante rigor
as técnicas de depreensão dos morfemas. Em síntese, diz ele, o estruturalismo se
preocupou basicamente com duas coisas:
a) fazer a segmentação dos morfemas;
b) proceder à classificação dos morfemas.
A morfologia estruturalista se aproxima bastante da morfologia da Gramática
normativa. Como já foi citado, é uma parte da gramática que trata da estrutura interna
das palavras, que – complementado – descreve sua formação e estrutura.

Síntese
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Estruturando suas ideias junto à teoria Saussuriana da dupla face da língua,


Martinet baseia-se nos “dois planos interdependentes (o das ideias e o dos planos)”
(Castelar, 2009, p. 138). Devido a isso, Martinet afirma que, aos planos das ideias e
dos significados, corresponde à 1ª articulação da linguagem, sendo formada por
mínimas constituintes significativas chamadas de monemas, no campo lexical, e
morfemas, na esfera gramatical. Entretanto, ao estudar morfologicamente a palavra
“pata”, por exemplo, separando o lexema (radical) “pat” do morfema que indica o
gênero feminino “a”, não deixamos de, automaticamente, analisar a palavra segundo a
forma do plano da expressão, formulado por Hjelmslev, pois esta forma representa-se
pela relação entre o lexema “pato” + o morfema indicador do gênero feminino ”a”.
Para Hjelmslev, a forma corresponde à ideia saussuriana de relação
intrínseca entre os elementos constituintes da estrutura da língua. Portanto, a forma da
expressão entre os monemas da palavra “pata” se realiza por meio da relação entre
lexema “pat” e o morfema “a”, enquanto que o plano do conteúdo se faz presente na
ideia (pensamento) que formamos ao ouvirmos o significante da palavra pata, ou seja,
o próprio significado.
A 2ª articulação de Martinet corresponderia aos “planos dos sons ou dos
significantes” (Castelar, 2009, p. 138). Nessa articulação, as unidades mínimas são
os fonemas, fazendo com que sua relação seja muito mais com a fonologia do que
com a fonética. Sendo assim, analogamente à glossemática, a 2ª articulação se
relaciona exclusivamente com o plano da expressão, mais especificamente à forma
deste plano, como exemplo, novamente a palavra “pata”, segundo a forma do plano da
expressão teríamos quatro fonemas: /p/ /a/ /t/ /a/.
Outra dicotomia Saussuriana importante de se ressaltar é a relação
sintagma/paradigma. O eixo sintagmático pode ser vinculado à primeira articulação de
Martinet, já que aquele representa a linearidade existente na linguagem verbal,
cerceada pela linha do tempo, que impossibilita a pronúncia simultânea de vocábulos
diferentes. A linearidade, por sua vez, está relacionada ao conceito de ordem, que é o
arranjo das unidades da primeira articulação dentro da linearidade. Explica Carone
que “a ordem das palavras no sintagma, ou a dos sintagmas na oração, não é
arbitrária; pelo contrário, obedece a certos padrões de colocação, que contribuem para
estabelecer as diferenças entre as línguas” (CARONE, p. 56-57). Na primeira
articulação, analisamos a experiência a ser comunicada, que só poderá ser transmitida
se seguirmos os padrões organizacionais de nossa língua.
Em contrapartida, o eixo paradigmático pode ser relacionado à segunda
articulação da linguagem, já que aquele representa as escolhas que o falante possui
dentro de determinado sistema lingüístico. Na segunda articulação percebemos os
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fonemas sucessivos que compõem o significante, e que influenciarão, dependendo do


caso, na construção de significados diferentes. A análise das unidades discretas, por
oposição dos traços distintivos, pode esclarecer possíveis ambigüidades.

REFERÊNCIAS
CABRAL, Leonor S. Introdução à lingüística. Rio de Janeiro, Globo, 1990.
KOCH, Ingedore V.; SILVA, Maria Cecília. Lingüística aplicada ao português:
morfologia. São Paulo, Cortez, 2002.

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