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É POSSÍVEL ALFABETIZAR LETRANDO?

INTRODUÇÃO

“Ensinar e aprender, com significado, implica interação, aceitação,


caminhos diversos, percepção das diferenças, busca constante de todos os
envolvidos na ação de conhecer. A aprendizagem significativa segue um
caminho que não é linear, mas uma trama de relações cognitivas e afetivas,
estabelecidas pelos diferentes atores que dela participam.”

Vivemos num tipo de sociedade em que a escrita está presente em


todos os espaços, a todo momento, cumprindo diferentes funções. Em uma
sociedade letrada como a nossa, que se utiliza da linguagem escrita para tudo,
os sujeitos têm que ser leitores competentes de vários textos e também,
escritores competentes, produzindo textos com diferentes finalidades. Nessa
perspectiva, estar alfabetizado é algo muito importante na vida dos indivíduos.

É por meio da linguagem escrita que o homem entra em contato com a


maior parte dos conhecimentos produzidos pela humanidade. Ela amplia
horizontes, desenvolve a imaginação, o raciocínio crítico, a compreensão, e
nos liga a outros mundos, ampliando a capacidade de comunicação.

Destaca-se, no entanto, que uma condição básica para a leitura e


escrita autônoma é a apropriação do sistema de escrita com suas
aprendizagens específicas: conhecer o alfabeto, o nome e a grafia das letras,
distinguir letras de outras formas gráficas, dominar as convenções gráficas
(processo de alfabetização). E, concomitante a esse aprendizado do sistema,
desenvolver os saberes sobre a linguagem escrita, com a crescente
participação nas práticas que envolvem a língua escrita (processo de
letramento).

Alfabetizar-se portanto, pode ser definido como a ação de se apropriar do


alfabeto, da ortografia da língua que se fala. °

Uma boa educação começa nas séries iniciais com uma alfabetização de
qualidade. Porém, o processo de alfabetização inicial, na maioria das escolas
brasileiras, tem tido como resultado o insucesso. De modo geral, os alunos mal
conseguem ler e escrever e não sabem interpretar e produzir pequenos textos.
São analfabetos funcionais. E as taxas de analfabetismo funcional apresentam
um índice muito alto em todos os estados brasileiros.

1- Conceituação

Em 1958, a Unesco constatou que conhecer o alfabeto e saber


codificar e decodificar palavras já é insuficiente para as lides urbanas
modernas. Em suas recomendações para a estandardização das estatísticas
educacionais, a entidade propõe que seja considerada alfabetizada a pessoa
capaz de “ler e escrever com compreensão um enunciado curto de sua vida
cotidiana” (UNESCO, 1958 apud Ribeiro, 19997, p. 155). Isso ocorre porque a
leitura e compreensão de instruções simples escritas, passaram a ser
requeridas pelas situações de trabalho na indústria e na vida das cidades. Em
1978, 20 anos depois, ela reformula esta definição, qualificando como
funcionalmente alfabetizada a pessoa capaz de engajar em todas as atividades
nas quais a alfabetização é requerida para o efetivo funcionamento do grupo e
da comunidade. E também para capacitá-la a continuar a usar leitura, escrita e
cálculo para seu próprio desenvolvimento e o da comunidade. (UNESCO, 1978
apud RIBEIRO, 1997, p. 155).

Em 1980, para reconhecer esta variedade e diversidade de práticas, a


reflexão teórica assinalou o conceito de ​letramento​, usado pela primeira vez no
Brasil, como uma tradução para a palavra inglesa ​literacy​, no livro de Mary
Kato de 1986, ​No mundo da escrita​. O termo busca definir os usos e práticas
sociais de linguagem que envolvem a escrita.

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* São Paulo, Secretaria Municipal de Educação. Orientações Curriculares e


Proposições de Expectativas de Aprendizagem - Ensino Fundamental 1.
SMED/2007.

* A definição de alfabetização de Paulo Freire, é muito mais ampla e hoje


aproxima mais do conceito de letramento.

Sabemos que um grafema é uma letra, ou seja, um grafismo que


representa um som da fala, um fonema. Sabemos também que há muitas
diferenças entre o método fônico e o silábico (o velho ¨bê-a-bá¨): embora
ambos sejam métodos sintéticos, um se baseia na consciência do fonema e o
outo, na sílaba. Portanto, dentre os métodos sintéticos, os que vão da parte
para o todo, um – o método silábico – cabe melhor a línguas silábicas, como do
Brasil e o outro – o método fônico - , cabe melhor a línguas não silábicas,
como o inglês e as anglo-saxônicas. Há vários métodos analíticos de
alfabetizar. Os que vão do todo para a parte – ou do texto para as unidades
menores como a palavra, a sílaba e a letra. E estes em seu percurso,
combinam-se com os métodos sintéticos.

A leitura e práticas letradas se fazem sobre textos e não sobre


fonemas. Logo, não basta alfabetizar pelo método fônico, ou qualquer outro,
para alcançar melhores resultados em leitura. Na verdade o problema está na
distinção entre alfabetizar e letrar.

O que temos no Brasil é um problema com os letramentos dos alunos


e não com sua alfabetização. E nenhum método de alfabetização – fônico ou
global – irá resolver. Mas eventos escolares de letramento que provoquem a
inserção dos alunos em práticas letradas e, com isso, desenvolvam as
competências e capacidades de leitura e escrita requeridas na atualidade.

Os indicadores da insuficiência dos letramentos escolares se devem,


em boa parte, ao acesso à educação pública pelas camadas populares. Elas
trouxeram para as salas de aula práticas de letramento que nem sempre a
escola valoriza. A questão está nas práticas de letramento (letramentos
múltiplos) e nas capacidades de leitura e escrita que o envolvimento nessas
práticas acarreta (níveis de alfabetismo), com os quais , a escola não está
conseguindo se confrontar. Ela tem que cumprir seu papel de formar alunos
capazes de ler e escrever textos escritos e mesmo de fazer uso adequado e
eficiente da oralidade.

Assim, o sujeito alfabetizado e letrado deve dominar a escrita para


resolver questões práticas, ter acesso às informações e às formas superiores
de pensamento e é aquele que valoriza a virtude do literário, aproximando-se
da linguagem dos livros.

O processo de alfabetização e letramento, no entanto, não se concluem


ao final o 1° ano letivo, devendo ser enfatizados nos três primeiros anos e ser
flexível para favorecer a evolução do aluno dentro de seu próprio ritmo.

A alfabetização e o letramento devem ser entendidos como


responsabilidade da escola, que deve contribuir para o desenvolvimento do
processo de leitura e escrita durante toda a escolaridade. Formar leitores e
escritores é uma tarefa dos gestores e professores, de todos os anos e
disciplinas. Leitura e escrita são práticas centrais da escola e tem também a
função de incorporar a criança à cultura do grupo em que vive.

2 - ALFABETIZAR LETRANDO

O processo de alfabetização tem passado por muitas transformações


nas últimas décadas. Só a aquisição do sistema alfabético não dá conta da
exigência crescente de participação dos alunos nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita. Portanto, tanto os saberes sobre o sistema
alfabético como aqueles relacionados à linguagem escrita, devem ser
trabalhados concomitantemente. O processo de alfabetização deve acontecer
dentro do letramento, utilizando-se textos para aprender o sistema. O ambiente
da sala de aula deve ser propício à alfabetização porque se vivencia em sala
práticas sociais de leitura e escrita. Dessa forma o alfabetizando vai se
constituindo como alguém letrado.

Telma Weisz diz:

“(...) o que move as crianças é o esforço para acreditar que atrás das
coisas que elas têm de aprender existe uma lógica. De certa maneira, aprender
é, para elas, ter de reconstruir suas ideias lógicas a partir do confronto com a
realidade. E é exatamente porque nem tudo o que elas têm de aprender é
lógico – ou tem uma lógica que esteja ao seu alcance imediato – que
constroem ideias aparentemente absurdas, mas que soa importantes no
processo de aprendizagem (...)” (WEIZ, 2000: p. 42).

A alfabetização deixa de ser considerada mero processo de codificação


e de decodificação de sinais gráficos no ensino da leitura/escrita; a
compreensão da função da escrita assume o papel de eixo estruturador da
alfabetização e o aluno passa a ser sujeito de seu aprendizado e, no processo,
atribui significados à escrita além de compreender o contexto em que a escrita
se insere, processos de interlocução real que fazem uso da leitura e da escrita
para a comunicação.

Uma condição básica para a leitura e a escrita autônoma é a


apropriação do sistema de escrita com suas aprendizagens específicas:
conhecer o alfabeto, o nome e grafia das letras, distinguir letras de outras
formas gráficas, dominar as convenções gráficas (processo de alfabetização).
E, concomitantemente a esse aprendizado do sistema, desenvolver os saberes
sobre a linguagem escrita, com a crescente participação nas práticas que
envolvem a língua escrita (processo de letramento).

Assim, o sujeito alfabetizado e letrado deve dominar a escrita para


resolver questões práticas, ter acesso às informações e às formas superiores
de pensamento e é aquele que valoriza a virtude do literário, aproximando-se
da linguagem dos livros: parafrasear, reescrever, corrigir, citar, traduzir, são
algumas atividades importantes à compreensão e ao aprimoramento dos textos
e desenvolvimento do pensamento.

3 – O SISTEMA ALFABÉTICO DE ESCRITA

Conhecer as características do sistema de escrita – alfabético –


direciona o ensino para determinadas formas de aprendizagem. Os estudos
têm esclarecido a profunda relação de interdependência entre a oralidade e a
escrita no sistema da língua portuguesa. Na alfabetização, as relações entre
sons e letras (fonemas e grafemas) representam um momento de percepção
fundamental para que a criança compreenda parte das relações entre o que se
fala e o que se escreve. É parte da consciência fonológica.

“Estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos que se


criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um
falante para falar de certa forma em determinada situação concreta de
interação. ( GERALDI, 1997: p. 42)

Sob essa perspectiva, podemos dizer que participar de diferentes


situações de comunicação pressupõe a mobilização de diferentes
conhecimentos. São esses conhecimentos que, nas situações de ensino,
devem ser tomados como objeto de estudo, na perspectiva da aprendizagem,
do desenvolvimento da proficiência em leitura, escrita e comunicação oral.

Além de estabelecer relações de aproximação ou de distinção entre a


língua falada e a língua escrita, é essencial que a criança desenvolva outras
percepções para a aquisição da consciência fonológica: relações
oralidade-escrita, equivalências fonemas-grafemas ou, mais simplesmente,
sons-letras e reconhecimento de palavras escritas.

As hipóteses sobre a escrita elaboradas pelas crianças não são iguais


na mesma faixa etária, mas dependerão do grau de letramento, do ambiente
social que estão inseridas, das práticas sociais de leitura, de fala, de escuta e
de escrita que têm a chance de vivenciar em seu cotidiano. A alfabetização
passa a ser encarada como um processo que não depende apenas da etapa
do desenvolvimento da criança e deve respeitar o processo de simbolização na
escrita: a criança deve percebê-lo na medida do desenvolvimento da
alfabetização. Esse desenvolvimento estará em íntima relação com o grau de
letramento em que essa criança se encontra. A expectativa é que a escola não
perca a dimensão de que é necessário alfabetizar “letrando”.

4 – A APROPRIAÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA

Para compreender as regras que orientam a leitura e a escrita, os alunos


precisam desenvolver conhecimentos e capacidades diversas, relativas à
natureza e ao funcionamento do sistema alfabético e da ortografia da língua
portuguesa, mas também relativas ao uso geral da escrita. Nesses momentos,
é possível e produtivo aliar alfabetização e letramento, propondo observações
e reflexões sobre as convenções do sistema de escrita a partir do exame e da
produção de textos escritos.

O alinhamento e a direção da escrita, bem como a função de


segmentação dos espaços em branco, são conhecimentos básicos
indispensáveis, que muitos aprendizes iniciantes podem não ter tido
oportunidade de observar e identificar como convenções a serem seguidas.
Por isso, esses conhecimentos precisam ser abordados sistematicamente na
escola.

Outra capacidade inicial imprescindível é conhecer e compreender o


alfabeto. Apropriar-se do sistema de escrita depende fundamentalmente de
compreender o princípio básico de que as “letras” representam “sons”, ou, em
termos técnicos mais apropriados, os grafemas representam fonemas.

Conquistado o princípio alfabético, é preciso que o aluno aprenda as


regras de correspondência entre grafema e fonema na ortografia da língua
portuguesa. Essas regras de correspondência são variadas, ocorrendo
relações mais simples e regulares e outras mais complexas. A superação das
dificuldades que os alunos podem apresentar deve advir de situações didáticas
que permitam aos alunos enxergar as regularidades que há por trás das
complicações.

No processo de aprendizagem, a compreensão das relações alfabéticas


e ortográficas pode se beneficiar da exploração de relações semânticas e
contextuais significativas para as crianças. Elementos do texto, de seu suporte
e de sua esfera de circulação podem ser usados pelos alunos como pistas para
inferir palavras que devem ser lidas ou grafias que devem ser escritas.

Diante da complexidade do objeto de aprendizagem, é de se esperar


que algumas dificuldades ortográficas permaneçam ao longo dos primeiros
anos escolares e tenham que ser retomadas. É importante que o professor
procure estudar e ter clareza sobre as particularidades de cada tipo de
problema, para poder conduzir adequadamente seu trabalho e dimensionar
com equilíbrio suas expectativas.
5 – PRÁTICA DE ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA E A
LINGUAGEM

Os saberes sobre o sistema de escrita e sobre a linguagem escrita


devem ser ensinados e sistematizados. É preciso planejar situações que
favoreçam a aprendizagem da linguagem escrita (organização textual, recursos
estilísticos, emprego das palavras e dos padrões da escrita: ortografia,
concordância, pontuação).

Esse aprendizado é favorecido quando se adota procedimentos


didáticos de análise e reflexão sobre a língua e a linguagem que possibilitam a
exposição frequente a formas linguísticas que precisam conhecer para se
tornarem usuários competentes da língua escrita.

As situações mais adequadas para que os alunos reflitam sobre a língua


são as de produção e de análise de textos. O foco de trabalho deve ser as
criações dos alunos, nas quais o professor identifica os pontos que necessitam
de maior investimento. Momentos de revisão de texto dos alunos (coletivos,
individuais ou em pequenos grupos), bem como a análise de bons textos, são
excelentes situações de aprendizagem, com focos bem definidos para a
análise e reflexão dos aspectos discursivos e gramaticais do texto.

A linguagem, nessa perspectiva, passa a ser tratada como objeto de


reflexão, de modo explícito e organizado, favorecendo a construção gradativa
de categorias explicativas de seu funcionamento, permitindo aos alunos a
construção de uma competência para ler e escrever nas diversas situações
comunicativas.

6 - A FORMAÇÃO DO LEITOR PROFICIENTE

Atualmente as relações de comunicação são caracterizadas pela


circulação de grande e diversificado volume de informações de várias
naturezas. Nesse contexto, a capacidade de ler e interpretar textos em
variadas linguagens - orais e escritas, verbal e não verbal - é imprescindível ,
pois, sem ela, torna-se mais difícil compreender e aproveitar as informações.
A proficiência em leitura é uma das chaves para o desenvolvimento cognitivo
do indivíduo: fundamental para a apropriação e produção de saberes
organizados na sociedade letrada.

O trabalho para a leitura, o estudo e a interpretação dos textos deve se


organizar em torno de procedimentos ou estratégias* que evidenciam as
possibilidades de sistematização desse processo. Esses procedimentos são
tratados como níveis de a rodagem do texto ou níveis que o leitor deve atingir.
Nessa perspectiva, a leitura em sala de aula é vista como conteúdo de ensino,
portanto objeto de sistematização.

* “Se consideramos que as estratégias de leitura são procedimentos de ordem


elevada que envolve o cognitivo e o metacognitivo no ensino, elas não podem
ser tratadas como técnicas precisas, receitas infalíveis ou habilidades
específicas. O que caracteriza a mentalidade estratégica é sua capacidade
de representar analisar os problemas e a flexibilidade para encontrar
soluções.” Solé, 1998, p.70.

7 - GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA

O estudo do gênero textual na escola passa necessariamente por um processo


de didatização da leitura. Nesse processo o aluno precisa organizar
paulatinamente, um conhecimento sobre a estrutura e os elementos que
constituem os gêneros do discurso. Isso contribuirá para o desenvolvimento da
leitura e da produção de texto dos alunos.*

* “Quando um gênero textual entra na escola, produz-se um desdobramento:


ele passa a ser, ao mesmo tempo, um instrumento de comunicação e um
objeto de aprendizagem. (...) Desse ponto de vista, os gêneros escolares
podem ser considerados variantes dos gêneros de referência, que visam ser
acessíveis ao aluno. De fato, a iniciação aos gêneros textuais complexos, como
os gêneros orais públicos, não pode ser feita sem que se levem em conta as
possibilidades dos aprendizes. (...) ele (o gênero) não é mais o mesmo, pois
corresponde a um outro contexto comunicativo; somente funcionalmente ele
continua o mesmo, por assim dizer, sendo a escola , de um certo ponto de
vista, um lugar onde se finge, o que é, uma eficiente maneira de aprender.
Para controlar os o melhor possível essa transformação necessária necessária
gênero quando este se torna objeto a ser ensinado, dele construímos um
modelo didático que evidencia suas dimensões ensináveis.”

Schneuwly; Dolz et al, 2004,p.


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