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APAGAMENTO DO RÓTICO EM

PRODUÇÕES ESCRITAS DA EDUCAÇÃO


DE JOVENS E ADULTOS
Amanda Stanislawski Reche1, Susiele Machry da Silva2
1
Mestranda em Letras, UTFPR, amanda-sreche@hotmail.com
2
Doutora em Letras, PUCRS, susiele.machry@gmail.com

Resumo: Este estudo investiga a ocorrência do apagamento do rótico (/R/) em


processo de apócope (ao fim de palavras), nas produções escritas de estudantes
da Educação de Jovens e Adultos, em Pato Branco – PR. O apagamento ou
apócope do /R/ é frequente na fala, especialmente nos infinitivos verbais, no futuro
do subjuntivo, nos substantivos, adjetivos e advérbios (SILVA; CUNHA, 2019).
Parte-se, assim, da hipótese de que este fenômeno deve estar também pres ente
na escrita dos aprendizes da EJA por influência da fala. Os resultados, em
concordância com essa hipótese, indicam que o fenômeno se destacou nas
produções, especialmente no uso de verbos no infinitivo.
Palavras-chave: Sociolinguística, apagamento do rótico, EJA.

1. Introdução

Este estudo insere-se na área de Sociolinguística (LABOV, 2008 [1972]) e tem


por finalidade investigar o apagamento do fonema /R/ em palavras, a exemplo do que
ocorre em verbos (denunciar – denuncia), substantivos (amor – amo) e adjetivos
(melhor – melho), por estudantes do contexto da Educação de Jovens e Adultos, em
Pato Branco, Paraná, conhecido como CEEBJA. A análise considerou trechos de
produção escrita com apagamento do rótico em coda silábica (ao fim das palavras),
considerando também a classe gramatical, escolaridade e a faixa etária dos
informantes. Partiu-se da hipótese de que o apagamento é mais recorrente ao final de
vocábulos, sendo mais produtivo no uso dos verbos no infinitivo (planta para plantar,
por exemplo).
A escolha por trabalhar com o contexto da Educação de Jovens e Adultos deve-
se ao fato de muitos dos alunos participantes serem ou não completamente
alfabetizados, ou terem se ausentado da escola por longos períodos. No total, seis

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alunos participaram da pesquisa, sendo dois do sexo feminino e quatro do sexo
masculino. Esses alunos, pelas características da EJA, são de diferentes faixas
etárias (entre 15 e 50 anos) e são provenientes de diversas localidades. O corpus para
a realização do estudo foi constituído por uma redação, do tipo textual dissertativo-
argumentativo, sobre o tema bullying. Dessa forma, para embasar a produção textual,
além de leituras, houve uma conversa entre os alunos e a pesquisadora sobre a
questão do bullying, a partir de questões como “o que é bullying?” e “você já vivenciou
alguma situação de bullying?”, as quais nortearam a discussão.

2 Desenvolvimento

2.1 O fenômeno

O fenômeno sociolinguístico observado neste trabalhado é popularmente


conhecido como apagamento do fonema /R/, também referido como apagamento do
rótico em coda silábica (consoante ou semivogal presente após a vogal nuclear dentro
de uma sílaba). Ademais, o apagamento de um fonema ao fim da palavra é o processo
chamado de apócope, o qual ocorre especialmente nos infinitivos verbais, no futuro
do subjuntivo, nos substantivos, adjetivos e advérbios (SILVA; CUNHA, 2019).
De acordo com Callou e Lopes (2003), o apagamento do /R/ em final de palavra
no Português brasileiro é fenômeno recorrente e, apesar de inicialmente ter sido
estritamente associado à estratificação social e racial, hoje se estendeu a
praticamente toda a sociedade. Isso é reafirmado por Linares (2008, p. 7), visto que

É um fato existente na língua o predomínio do apagamento da consoante final


nos infinitivos verbais e essa tendência é observada não apenas no dialeto
carioca, mas em quase a totalidade do dialeto brasileiro, devido à
dinamicidade que a sociedade requer para a comunicação e à vivacidade que
a língua falada possui.

É importante compreender que, em um estágio inicial de alfabetização, o


aprendiz busca reproduzir, na escrita, os sons da fala. Por isso, é comum que a grafia
das palavras corresponda ao som que se produz na fala, embora nem sempre isso
corresponda à ortografia correta. Consequentemente,

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Há momentos em que o aprendiz suprime ou acrescenta letras ao escrever,
porque o faz apoiando-se completamente na fala. Como na sua fala ele deixa
de pronunciar determinados sons, na escrita o som suprimido não será
contemplado com uma letra para representa-lo, cometendo, portanto, sob o
ponto de vista ortográfico, o desvio de omissão de letras (PINHEIRO, 2014,
p. 3).

Ou seja, “quando acontece, na escrita, o apagamento do /R/ no final em verbos


no infinitivo, isso acontece porque o falante, na língua oral – a fala, já não o realiza”
(SILVA; CUNHA, 2019, p. 179).
Para Simões (2006), isso ocorre pois há uma vogal seguida de consoante, o
que promove um abafamento do som vocálico, de modo a complicar a pronúncia.
Desse modo, o indivíduo que realiza a pronúncia com apagamento, para facilitar a
realização do fonema, tende a fazer o mesmo no processo de escrita.

2.2 Análise das produções

Ao total, como referido na introdução, foram coletadas seis produções escritas


de estudantes de Língua Portuguesa da Educação de Jovens e Adultos na cidade de
Pato Branco, Paraná. Dessas, duas não apresentaram nenhuma ocorrência de
apagamento do rótico em coda silábica em processo de apócope: uma produzida por
um sujeito do sexo masculino, o qual estava cursando o Ensino Médio e possuía 27
anos (ele também apresentava necessidades especiais de aprendizagem); e outra
produzida por uma aluna do sexo feminino (a qual tinha 18 anos e estava frequentando
o Ensino Médio). Todas as demais produções apresentaram ao menos uma situação
de apagamento do rótico.
Apesar de recorrente na produção observada, o apagamento do /R/ em
processo de apócope não ocorreu somente em verbos. A exemplo, verifica-se a
produção de: “o luga que é mais praticado”, com o apagamento do rótico em coda
silábica ao fim do substantivo “lugar”, assim como no substantivo “agressor” em
“chamando os agreço”. Ademais, houve a ocorrência de apagamento também em um
adjetivo, na frase o “melho jeito”.

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Outro fato observado foi que todos os verbos que sofreram apagamento do
fonema /R/ possuem a terminação –AR no modo infinitivo, processo de maior
recorrência também nas demais produções obtidas. Por fim, pode-se perceber que,
ao longo das produções, foram encontrados 83 casos de rótico com ocorrência de
apócope. Dentre eles, 23 apresentaram apagamento do fonema /R/ ao fim da palavra.

Gráfico 1 – Recorrência do apagamento


80
60
40
20
0
A N

A: apagamento / N: não ocorreu apagamento

É importante observar que, dentre essas 23 recorrências de apagamento do


rótico em final de palavra, a grande maioria (21) ocorreu em verbos no infinitivo,
enquanto duas ocorreram em substantivos e apenas uma em adjetivo, como mostra
o gráfico abaixo:

Gráfico 2 – Classes de palavras em que houve ocorrências

25

20

15

10

0
A S V

A: adjetivo / S: substantivo / V: verbo

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Também foi possível observar maior recorrência do fenômeno de apagamento
do rótico em processo de apócope nas produções de estudantes mais jovens, o que
evidencia a transmissão desse fenômeno entre as gerações.

Gráfico 3 – Aplicação por faixa etária


25

20

15

10

0
15 anos 19 anos 50 anos

Ademais, a maioria dos apagamentos ocorreu nas produções de alunos que


estavam cursando o Ensino Fundamental (EF) e não o Ensino Médio (EM), o que pode
indicar que há influência do nível de escolaridade na ocorrência do fenômeno (houve
maior recorrência em estudantes com um nível escolar inferior).

Gráfico 4 – Aplicação por escolaridade


25

20

15

10

0
EF EM

3 Considerações finais
Neste estudo, buscou-se analisar o fenômeno de apagamento do fonema /R/
em coda silábica em processo de apócope. Para tanto, partiu-se dos trabalhos de
Callou; Lopes (2003), Linares (2008), Pinheiro (2014), Silva; Cunha (2019) e Simões

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(2006) para descrever e conhecer o fenômeno. Para a coleta de dados, uma redação
do tipo dissertativo-argumentativo foi aplicada em uma turma de Língua Portuguesa,
multisseriada, do CEEBJA de Pato Branco, Paraná.
Nos textos coletados, foi possível perceber que quase todos possuíam ao
menos uma ocorrência de apagamento do rótico ao fim de palavras (de seis produções,
apenas duas não apresentaram nenhum acontecimento desse fenômeno),
comprovando a hipótese de que este é um fenômeno bastante recorrente ao final dos
vocábulos. Observa-se também que há um papel da idade, sendo mais recorrente
entre os mais jovens; e da escolaridade, sendo mais frequente nos estudantes que
frequentaram somente o Ensino Fundamental.

4. Referências

CALLOU, D.; LOPES, C. Contribuições da Sociolinguística para o ensino e a pesquisa:


a questão da variação e mudança linguística. Revista do Gelne – Grupo de Estudos
Linguísticos do Nordeste. Ano 5, nºs 1 e 2 – Fortaleza: UFC/GELNE, 2003.
LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
LINARES, A. B. de. B,; PEIXOTO, C. R.; MOREIRA, T. Apagamento do /r/ em final de
palavras: um estudo comparativo entre falantes do nível culto e do nível popular. In:
ENCONTRO DO CÍRCULO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS DO SUL, VIII, 2008, Porto
Alegre, Anais...
PINHEIRO, M. B. O apagamento do –R em formas verbais infinitivas: diferenças e
semelhanças entre a escrita em meio virtual e a impressa. In: CONGRESSO
INTERNACIONAL ASOCIACIÓN DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGÍA DE AMÉRICA
LATINA – ALFAL, XVIII, 2014, João Pessoa.
SILVA, R. A. L. da; CUNHA, G. W. Variação linguística: ocorrência de apagamento do
fonema /R/ em final de sílaba. Revista Letras, Curitiba, v. 21, n. 32, p. 179-191, mar.
2019.
SIMÕES, D. Considerações sobre a fala e a escrita: fonologia em nova chave. São
Paulo: Parábola Editorial, 2006.

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