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FACULDADE DE LETRAS
CURSO DE LETRAS – LÍNGUA E LITERATURA JAPONESA
MANAUS/AM
2023
DE ALUNO PARA PROFESSOR – OBSERVAÇÕES SOBRE O PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS
1. Introdução
Aprender línguas estrangeiras é uma prática que faz parte da rotina de muitas pessoas
e, às vezes, é tida como hobby por dada parcela desses indivíduos. Estima-se que mais da
metade de sete bilhões das pessoas do planeta, comunicam-se em mais do que um idioma
(bilíngue/trilíngue /poliglotas) e cerca de 25% das nações do mundo têm duas línguas oficiais
(UCEDA SCHOOL, 2019).
Logo, o presente trabalho tem como objetivo concatenar minha experiência aos
conceitos das metodologias utilizadas no ensino de línguas estrangeiras. Visto que aprender
uma língua estrangeira não é tarefa fácil, porque exige dedicação, disciplina e estudo intenso
(FIGUEREDO, 2021), no capítulo Memorial e Reflexão, conjuntamente à narrativa, se
explana os meios pelos quais cada abordagem era transposta.
Em momento posterior, no capítulo Caminho Docente, estabelece-se ainda reflexões
acerca do caráter lecionador que desejo adotar enquanto professor de Japonês, considerando a
ponderação desenvolvida a priori. Nesse segundo ponto, o debate se abrange aos materiais
selecionados para o ensino de Japonês, na medida em que:
Uma vez que as elucidações deste trabalho inciam-se a partir das definições de Língua
Materna e Língua Estrangeira, se torna viável que neste momento seja explicitada também a
concepção de Língua. Para realizar devida incumbência, utilizemos a explicação estabelecida
por Bechara (2001) e desenvolvida em Nassi (2007, p.3):
Por outro lado, se partirmos do pressuposto de Leffa (2016. p. 22) tem-se o método
envolto em regras para a seleção, ordenação e apresentação dos itens linguísticos, bem como
normas de avaliação para a elaboração de um determinado curso. Além disso, é exequível
verificar que fatores históricos entrelaçados às nomenclaturas aqui discutidas trazem à tona
um caráter ainda mais heterogêneo dessa dialética:
Temos o estudo de uma segunda língua no caso em que a língua estudada é usada
fora da sala de aula da comunidade em que vive o aluno (exemplo: situação do aluno
brasileiro que foi estudar francês na França). Temos língua estrangeira quando a
comunidade não usa língua estudada na sala de aula (exemplo: situação do aluno
que estuda inglês no Brasil).
Dessa forma, é possível verificar que, dentro de específicos arquétipos sociais, a
Língua Estrangeira está interligada a dinâmicas formais de aprendizagem, tornando-se
necessário que haja uma lógica metódica e disciplinar no processo de estudo. “Esse estudo,
por sua vez, é dividido em conteúdos que são aprendidos aos poucos e se complementam de
forma gradual” (FIGUEREDO, 2021).
Logo, as experiências descritas no presente trabalho encontram alicerce nas
supracitadas enunciações sobre Língua Estrangeira, a qual, seguindo os preceitos de Leffa
(2016, p. 23), aqui também é chamada de L2.
3. Memorial e Reflexão
Apesar de segundo Figueredo (2021) a L2 não ter aprendizado estabelecido por meio
das práticas sociais e culturais na vivência do dia a dia, inicio este capítulo me debruçando
sobre o primeiro momento em que tive contato com línguas diferentes da minha língua
materna – Português do Brasil: através de propagandas e músicas.
Por volta do início dos anos 2000, enquanto assistia às novelas da Globo junto de
minha mãe, não era incomum me deparar com comerciais de cursos de idiomas que,
majoritariamente, prometiam fluência no inglês em pouquíssimo tempo. Obviamente, eu
ficava deslumbrado ao ver os atores dos anúncios falando inglês de modo “perfeito” 1 e
viajando para os Estados Unidos única e exclusivamente porque, de acordo com o locutor,
dominavam o idioma.
Na minha cabeça de criança, por sinal já dominada pela voracidade do American
Dream2, não havia outra coisa mais legal no mundo do que aprender inglês para morar na
terra do Tio Sam. Seria “pague um leve dois”. Foi aí que então insisti para que minha mãe me
matriculasse em um cursinho de língua inglesa: Fisk, CCAA ou Yázigi. No entanto, não havia
dinheiro. Para aprender, seria necessário recorrer a outras fontes.
Todos os dias, assim que minhas irmãs mais velhas chegavam em casa no fim da tarde,
eu ficava à espreita das mochilas para surrupiar os livros de inglês que elas usavam no
colégio. Passávamos horas e mais horas decorando algumas palavras e tentando decifrar
outras que estavam sem tradução no glossário da última página. Vale lembrar que eu ainda
1 O termo “perfeito” é utilizado nessa narrativa para exemplificar a perspectiva que se tem acerca do inglês
padrão difundido e aceito por instituições como a forma “correta” (Wiesen, 2023, tradução nossa).
2 “A ideia do American Dream (sonho americano) está ligada a tudo desde liberdade religiosa até casas no
subúrbio, e isso inspirou emoções variando de satisfação profunda à fúria” (Hochschild, 1995, p.15, tradução
nossa).
nem conseguia ler 100% em português, mas me consideravam “craque” para alguém da
minha idade.
Por isso, os conhecimentos da língua materna me eram de grande utilidade na aventura
anglófona. Pronúncias eram inventadas de acordo com os sons que eu assimilava. Table
virava táblê, one era ôni, pants se transformava em pântis. Aliás, a audição só era praticada
através das músicas da Alanis Morissette que tocavam na telenovela Malhação.
Cabe apontar que, apesar de não haver rotina, regra ou cronograma de estudo
dedicados a um método voltado à prática da L2, minha tentativa na infância de ser autodidata,
termo definido mais adiante no presente trabalho, pode ser classificada como um “esboço” de
aprendizagem, uma vez que:
Os três passos essenciais para a aprendizagem da língua são: (a) memorização prévia
de uma lista de palavras, (b) conhecimento das regras necessárias para juntar essas
palavras em frases e (c) exercícios de tradução e versão (tema). É uma abordagem
dedutiva, partindo sempre da regra para o exemplo.
No entanto, Virgínia não embasava nossas aulas apenas na AGT. Dentre as predileções
da professora, havia incentivo para que as conversas na classe fossem realizadas em inglês,
com o intuito de tornar corriqueira a prática de listening3 e speaking4. Ao considerarmos que
nos artifícios de ensino da AGT pouca ou nenhuma atenção é dada aos aspectos de pronúncia
3 Listening: é a prática do idioma que permite ao aluno exercitar a escuta para compreender integralmente –
após etapas (THEODO, 2019).
4 Além de ser o meio pelo qual podemos nos comunicar com outras pessoas pela fala, o speaking é a
habilidade linguística mais utilizada frequentemente (TORKY, 2006, p. 13, tradução nossa).
e de entonação, uma vez que a ênfase se encontra na forma escrita da língua (LEFFA, 2016, p.
24), é a possível verificar que “traços” de utilização de metodologia contrastante à AGT
poderiam ser encontrados na rotina de estudo. Antes de se esmiuçar ademais conceitos, dita
antagonista pode, a priori, ser compreendida como Abordagem Direta ou Método Direto
(AD):
O princípio fundamental da AD é de que a L2 se aprende através da L2; a língua
materna nunca deve ser usada na sala de aula. A transmissão do significado dá-se
através de gestos e gravuras, sem jamais recorrer à tradução. O aluno deve aprender
a “pensar na língua”. A ênfase está na língua oral, mas a escrita pode ser introduzida
já nas primeiras aulas (LEFFA, 2016, p. 25).
5 Bloomfield, considerado por Joaquim Mattoso Camara Jr. o maior teórico americano depois de Edward Sapir,
era um lingüista que via a língua como um conjunto de estruturas gramaticais.
Em contraponto às técnicas promulgadas pela AL, a Abordagem Audiolingual busca
realçar a língua oral no processo de ensino. Como observado, citada característica também
está interligada ao Método Direto. No entanto, de acordo com Larsen-Freeman (2000, p. 45)
na AL pressupõe-se que a aprendizagem da língua depende da formação de hábitos, por isso
há o uso extensivo de drills (exercícios repetitivos) para treinar as estruturas gramaticais
corretas da língua (apud SATELES & ALMEIDA FILHO, 2010).
Aliás, dentro da AL se tinha como espinha dorsal, desde o princípio, a ideia de que o
estudante deve aprender a L2 assim como aprendeu a língua materna: primeiro desenvolvendo
audição e fala, depois exercitando leitura e escrita (LEFFA, 2016, p. 30). Essa premissa foi
influenciada pela necessidade de aprendizagem de línguas, de maneira rápida, ocasionada
pelos desastres da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Acerca de tal fato, Oliveira (2007,
p.62) disserta:
A Segunda Guerra Mundial revelou novos tipos de horrores que um conflito bélico
pode proporcionar, mas também mostrou ao mundo uma necessidade interessante: a
de se aprenderem línguas estrangeiras. Os funcionários do governo e das forças
armadas americanas, principalmente o pessoal das secretarias de inteligência,
precisavam urgentemente aprender a se comunicar nas línguas dos países envolvidos
no conflito […] Diante de uma necessidade lingüística tão premente, o governo
americano criou o Programa de Treinamento Especializado do Exército (Army
Specialized Training Program) com o objetivo de se elaborar um método de ensino
de línguas estrangeiras.
Destarte, após passar alguns anos utilizando em caráter esporádico uma mistura das
metodologias definidas anteriormente, eu construí um cronograma de estudos que se
adequasse a minha rotina de calouro na universidade. Pela manhã estudava jornalismo e, por
conta própria, gastava as tardes praticando Língua Inglesa, dessa vez com apoio não só de
livros de gramática, mas também de outros materiais especializados que podiam ser
consultados na biblioteca da faculdade.
A respeito dessa descrição, cabe ressaltar que o cronograma narrado segue o esquema
de aprendizagem utilizado geralmente por estudantes praticantes do autodidatismo. Acerca do
“ser autodidata” Hollins (2018, p. 13) discute:
[…] um autodidata é o principal responsável pela sua própria educação, pois ele
mesmo é dono do método escolhido para os estudos. Além disso, ele tem total
controle sobre as ferramentas de aprendizado a serem usadas, como livros, vídeos,
cursos online, etc. (apud OLIVEIRA e SILVA, 2022, p. 83).
6 Por cultura entende-se aqui o conceito estabelecido por Trotsky (1981, p. 91-92): “Cultura é tudo aquilo que
foi criado, construído, apreendido, conquistado pelo homem no curso de toda a sua História, em
contraposição ao que a natureza lhe deu, compreendida aí a história natural do homem como espécie
animal”.
7 Expressando e descobrindo informações factuais; Expressando e descobrindo atitudes intelectuais;
Expressando e descobrindo atitudes emocionais; Expressando e descobrindo atitudes morais; Suasão;
Socialização.
consideração minha experiência enquanto estudante de língua estrangeira e as metodologias
as quais fui exposto. Tal discussão é desenvolvida no capítulo a seguir.
4. Caminho Docente
Alguns dos papéis que o professor de língua estrangeira tem assumido ao longo da
história são o de modelo ideal, detentor do saber, agente motivador da
aprendizagem, conscientizador da aprendizagem, facilitador da aprendizagem,
pesquisador. Destas características, algumas que perduraram por um longo tempo e
que talvez ainda não estejam extintas totalmente são a de modelo ideal e detentor do
saber […] Porém nenhum dos estudiosos citados por Maza (Sweet,
Jespersen,Palmer, Fries, Lado, Widdowson, Prabhu, Krashen, Richards) apresentam
o professor de língua estrangeira em nenhum momento como agente promotor de
uma reflexão crítica nos alunos a respeito dos conhecimentos estudados e
adquiridos.
Dessa forma, em contraponto aos teóricos apresentados por Maza (1997), é de suma
importância entender que a formação do professor de língua estrangeira tem viés crítico, já
que, além de estudar as regras da língua em questão, esse também se debruça sobre outros
aspectos pedagógicos. Aqui se pode citar, a título de exemplo, a disciplina “Psicologia Da
Educação I” presente na matriz curricular do curso de Licenciatura em Letras – Língua e
Literatura Japonesa da Universidade Federal do Amazonas (2022).
A partir disso, a fim de adentrar em minhas reflexões, elaboro então um paralelo entre
os conhecimentos que o educador de língua estrangeira recebe durante a graduação da qual
fez parte, e as práticas de ensino que por ele são adotadas para ensinar L2: ambos espectros
estão associados às influências que as experiências do professor exercem acerca de seu papel
enquanto profissional. Nesse sentido, apesar de ser direcionada ao ensino de Língua Inglesa, a
explicitação de Kudiess (2005) é fundamental para entender as asserções discorridas:
Por conseguinte, desejo então ensinar Japonês não somente como idioma facilitador de
comunicação entre aqueles que o dominam, mas também compreendendo-o a partir de uma
perspectiva crítica na qual a língua pode ser utilizada como artifício de transformação. O ideal
é entender de que forma os conhecimentos de Língua Japonesa podem servir para mudar
atitudes, visões de mundo, possibilitando ao aluno tornar-se um cidadão ativo no destino de
sua comunidade e que age para o bem-estar de todos e para sua melhor qualidade de vida
(MOTTA, 2008, p. 9). Ensino “robótico” não é meu foco, evitá-lo-ei ao máximo.
Com “robótico” descrevo o cerne de minhas convicções a respeito de métodos que
evitam considerar os aspectos histórico-culturais tanto da sociedade japonesa quanto do
próprio idioma, e concentram-se em ensinar apenas as estruturas gramaticais dessa, tal qual a
AGT. Do meu ponto de vista, ignorar conjunturas sociais entrelaçadas à cultura do Japão
significa desconhecer a língua, visto que esses arquétipos estão estritamente interligados de
acordo com preceitos da Linguística Cultural8:
8 “Pela Linguística Cultural entendemos, portanto, um ramo da Linguística Cognitiva que se dedica ao estudo
do modo como as línguas naturais reflectem e ‘corporizam’ as culturas que veiculam” (BATORÉO, 2015, p.
105).
Ao estabelecer ponderação no que se refere a esse cenário, em minhas futuras aulas de
Japonês pretendo majoritariamente fazer uso da Abordagem Comunicativa. Isto é, trarei foco
para situações que se aproximem do real, com ênfase na comunicação. “O uso de linguagem
apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desempenhado pelos
participantes, é uma grande preocupação na Abordagem Comunicativa” (LEFFA, 2016, p.
37).
Entretanto, faz-se esclarecedor destacar que na atual época da educação, chamada de
era pós-método (VILAÇA, 2008), as peculiaridades das metodologias utilizadas para o ensino
de L2 tendem a concatenarem-se em algo tido por ecletismo. Isso provoca uma nova
adequação acerca de tais métodos, dessa vez buscando flexibilidade sobre a rigidez impostas
anteriormente na aprendizagem:
[…] o ecletismo visa a possibilitar que o professor faça escolhas metodológicas que
sejam mais coerentes e necessárias, tendo em vista o contexto de ensino
aprendizagem onde cada professor desempenha a sua atividade docente. Isto
representa, em outros termos, um rompimento com procedimentos metodológicos
que, na maioria das vezes, foram planejados para salas de aula padronizadas e
idealizadas, desconsiderando diferenças contextuais e individuais de naturezas
variadas (VILAÇA, 2008, p.82).
Por isso, com o intuito de valorizar o ecletismo e trazer devida atenção às necessidades
individuais de cada aluno a respeito do aprendizado de Japonês, optarei por não me utilizar do
livro Minna no Nihongo, sempre que possível. Tal resistência surge do fato de, em dados
momentos, considerá-lo “inadequado” para o ensino de Japonês se tivermos a abordagem
comunicativa como enfoque na matriz curricular. Em referência à pesquisa de Mukai e
Yoshikawa (2009) quanto ao uso do Minna no Nihongo, Morato (2011) conclui:
Logo, como alternativa ao Minna no Nihongo, pretendo contar com o auxílio do livro
Marugoto (The Japan Foundation) para galgar minhas explicações em sala de aula, uma vez
que o modo como esse material didático foi estruturado permite maior flexibilidade para
conectar as aulas à Abordagem Comunicativa. Segundo o site do Marugoto:
Não obstante a isso, vale elucidar que me ponho ciente dos desafios presentes na
utilização de qualquer material didático ou paradidático para ensino de L2. No caso do
Japonês há ainda outro obstáculo, atenuado pela carência de livros didáticos de Língua
Japonesa que se adéquem à realidade dos estudantes brasileiros e que tenham um caráter
condizente às suas necessidades e interesse pela língua, em consonância com a Abordagem
Comunicativa de ensino (Morato, 2011). Por isso, faz-se necessária não só a reflexão, mas
também a análise constante dos tópicos propostos neste trabalho até o presente momento.
5. Conclusão
6. Referências Bibliográficas