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Prática Interdisciplinar: Variação Linguística


O amplo ensino de todas as variantes do português na sala de aula

Acadêmico: Eduardo Brunes

Tutor Externo: Ginete Cavalcante Nunes

1. INTRODUÇÃO

Começo este trabalho com uma afirmação: o Brasil é um país peculiar, linguisticamente
falando. Vivemos em um país que recebeu influência linguística de diferentes modos: do povo
africano, vindo escravizado de sua terra natal pelos colonizadores do velho continente; estes
próprios, que primeiro chegaram aqui em 1500 para impor a língua portuguesa à força nos nativos
que residiam na Terra de Pindorama; e, por fim, estes nativos, que em um país de dimensões
continentais como o nosso, marcaram a variante da língua portuguesa que viria a ser conhecida
como Português Brasileiro (PB).
Isto posto, chegamos aos tempos atuais com uma língua carregada por variantes, variações,
dialetos e compreensões. A dificuldade, no entanto, do trabalho escolar no que concerne ao ensino
da língua portuguesa como língua materna, está na competência atribuída ao professor para o ensino
de uma variante prestigiada, tanto na modalidade oral quanto na escrita. Sabemos que a habilidade e
o domínio da gramática tradicional e suas classificações e categorizações, não dão a autonomia
necessária que o educando precisa para se expressar, a ponto de ser reconhecido como um usuário
hábil da língua, ao menos quando falamos dos grupos sociais mais prestigiados.
Portanto, o ambiente escolar mostra-se uma terra fértil para o cultivo de um assunto que
prioriza e muito a convivência social para o aluno enquanto usuário da língua portuguesa. A
importância desta investigação em sala de aula é clara, uma vez que visa a diminuição do
preconceito e da exclusão que a variação linguística, muitas vezes, pode proporcionar.
Língua e sociedade são indissolúveis. A espécie humana habita em um mundo onde as
pessoas se organizam em comunidades sociais, em que apenas uma forma de comunicação oral é
imposta a todos: a língua. Este fenômeno linguístico é estudado e investigado pela Sociolinguística,
que visa justamente entender a relação entre a língua, a sociedade e a cultura.
Alkmim (2008) expõe que o objeto da sociolinguística é o estudo da língua falada, escrita,
observada e analisada dentro de um contexto social e em suas situações de uso, e que cada
comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes formas de se comunicar. Este autor coloca
ainda que, a partir destas questões, surgiu o termo do que hoje chamamos de variação linguística.
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A problemática que cai no colo do docente de língua portuguesa é a seguinte: partindo do


princípio que a língua sofre modificações com o passar do tempo, e que cada indivíduo possui
métodos específicos para se comunicar, como ensinar a gramática normativa considerando essas
variações que existem na língua e que carregam enorme pretensão de preconceito e exclusão social?
Ao tentar justificar esta frequente problematização nas escolas, Camacho (2008) nos diz que
esta questão vem de uma tradição pedagógica que prioriza o ensino da norma padrão, ignorando,
inclusive, a variante que o aluno já domina. Assim, a norma padrão ganha alcunha e patamar de
“língua correta”, falada pelas classes com maior prestígio na sociedade ou por aqueles que detêm
maior conhecimento da gramática normativa. Isso acaba por criar um contraste perigoso com a
variante periférica, falada pelos indivíduos de classes inferiores e mais abastadas da sociedade,
criando uma falsa comparação da norma culta com estas variantes marginalizadas.
Portanto, cabe ao docente a responsabilidade de ensinar a variação linguística da língua
materna dos educandos, levando em consideração também a norma culta, que se mostra uma
variante desta língua. Nem mais correta, nem menos importante.
O olhar crítico do docente é importante neste procedimento: não há de se menosprezar
qualquer variação. Camacho (2008) explica uma possível solução para a problemática abordada
anteriormente: é preciso conscientizar o aluno de que existe uma norma padrão, mas o que é
importante é saber adequar sua fala às situações e circunstâncias do processo de comunicação.
Assim, pretende-se ensinar ao aluno os vários tipos de discursos que ele pode usar para se
comunicar, a depender de quem e o do contexto em que se destina a sua fala. A norma padrão é
importante em alguns momentos, como em situações formais; enquanto a forma coloquial pode ser
utilizada quando a situação dispensar formalidades.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O tradicionalismo no qual o ensino da língua portuguesa está embrenhado prostra-se em um


viés corretivo e preconceituoso em relação à língua que falamos e escrevemos. Infelizmente, até os
dias de hoje esta metodologia ineficaz encontra-se presente na sala de aula, priorizando uma forma
“correta” de falar e escrever em detrimento da própria variante que o professor e os educandos
utilizam para se comunicar.
Neste sentido, o papel do professor é de extrema relevância, uma vez que ele se torna
responsável pela formação do senso crítico do aluno no que se refere às diversas formas que a
língua se apresentará ao longo da sua vida, mesmo (e principalmente) quando ele sair da escola.
Santos e Mesquita (2011) propuseram uma postura pouco pretensiosa, e referem-se a Silva
(2002) para corroborar essa ideia:
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[...] o professor de gramática terá de deixar de lado a pretensão de


determinar como deve ser a língua. Para ampliar o conhecimento linguístico do
aluno sem corroê-lo com preconceito contra outras variedades, nem,
principalmente, contra a sua própria. (SILVA, 2002 apud SANTOS;
MESQUITA, 2011, p.5).
Para enfatizar todo esse tratamento em relação ao ensino da língua portuguesa, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) incitam que o melhor método de tratar este assunto de
forma metodológica, sem deixar de lado o ensino da gramática normativa, é respeitar a variação e o
conhecimento de língua que o aluno já traz consigo: “A questão não é falar certo ou errado, mas
saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou
seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas” (BRASIL, 2000, p. 26).
A obra Letramento Literário de Cosson (2011) traz algumas estratégias para o ensino de
literatura no âmbito do letramento literário, que podem igualmente serem utilizadas para o ensino
de língua portuguesa, uma vez que o objetivo principal é formar leitores críticos e capazes de
compreender e aplicar os objetos da leitura. As sequências didáticas exploradas por este autor
também permitem auxiliar o docente na elaboração de aulas mais atrativas e produtivas, tanto para o
ensino fundamental como para o médio. Assim, esclarece a perspectiva do docente enquanto agente
transformador no ensino, fazendo a diferença no processo de ensino-aprendizagem.
A variação linguística trata da heterogeneidade da língua. Trata das modificações que
ocorrem ao longo do tempo e da particularidade que cada comunidade resguarda em relação à
forma de se comunicar oralmente. Estas particularidades podem ser percebidas e reconhecidas nos
aspectos regionais, escolares, econômicos e outros.
O autor Rodrigues (2011) destaca que a variedade da língua precisa ser trabalhada em sala
de aula. Ele afirma que a variação linguística pode auxiliar o professor a entender melhor o dialeto
único de cada aluno, valorizando a língua em sua forma oral, e utiliza a obra de Bagno (1999) para
compor sua teoria.
É preciso garantir, sim, a todos os brasileiros o reconhecimento da
variação linguística, porque o mero domínio da norma culta não é uma fórmula
mágica que, de um momento para outro, vai resolver todos os problemas de um
indivíduo carente (BAGNO, 1999 apud RODRIGUES, 2011, p.70-71).
Como vimos anteriormente, a sociedade impõe prioridade ao emprego da língua em sua
versão culta e forma, proveniente das classes mais privilegiadas. Por isso, o ensino da variação pode
encontrar resistência no ambiente escolar.

3. METODOLOGIA
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A partir dos estudos aplicados anteriormente, cheguei à conclusão de que o ensino da


variação linguística é uma importante vertente da docência do português em sala de aula. Portanto,
podemos partir daqui para o objetivo deste trabalho: os métodos vislumbrados nos Livros Didáticos
de Português (LDP) para abranger o ensino da variação linguística em sala de aula.
Para tal, foram analisados os conteúdos de três livros didáticos distribuídos pela Editora
Moderna e destinados ao ensino da Língua Portuguesa nos 6º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental
II.
No que concerne à apresentação da variação linguística no PB, o conteúdo dos livros seguiu
as recomendações de habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino de
português em sala de aula, reconhecendo as variações da língua falada e ajudando o estudante a
identificar o que é e como não praticar o preconceito linguístico.
O primeiro LDP analisado, obra de Julio e Bertoletti, é destinado às turmas do 6º ano e
busca trazer um contraste da norma-padrão levada ao extremo em frases do dia a dia, para fazer o
educando refletir sobre quando e como utilizar esta variante para se comunicar na língua falada. Já
o segundo LDP, também de Julio e Bertoletti, é destinado às turmas do 8º ano e aprofunda a
discussão iniciada anteriormente, esticando-a à reflexão sobre o preconceito linguístico. Por fim, o
último livro é uma obra de Ormundo e Siniscalchi para o ensino de português em turmas do 9º ano.
Neste, a discussão sobre a variação linguística é um dos primeiros temas abordados, e utiliza uma
linguagem mais moderna para evidenciar a variação da língua no mundo real e virtual para os
alunos.
Desta forma, a partir da análise dos livros didáticos, pude visualizar quais são os meios
utilizados pelos materiais didáticos para ensinar os estudantes sobre as variações que o PB
apresenta, e obter uma relação prática de como combater o preconceito linguístico na sala de aula.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os LDPs analisados trazem o teor da variação linguística em suas primeiras unidades, de


maneira bem destacada, e sempre como assuntos principais. Não menosprezam qualquer variante;
pelo contrário: tentam demonstrar o quão rica é a língua portuguesa quando falamos de dialetos.
Neste quesito, os LDs atendem à visão de Bagno (1999), que sugere a apresentação da língua em
todas as suas variantes em sala de aula, sem que uma receba mais prestígio do que outra.
O Livro Didático direcionado ao 6º ano, obra de Julio e Bertoletti, mostrou-se ineficaz em
demonstrar a pluralidade da língua portuguesa, mantendo-se na análise superficial da mudança
histórica da língua, mas sem exemplificar variantes atuais. Já no LD do 8º ano, nota-se uma
evolução neste sentido, exemplificando principalmente a variante formal da língua utilizada por
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médicos e como isso dificulta a comunicação com pessoas que não dominam este dialeto mais
formal. Por fim, no livro do 9º ano, de Ormundo e Siniscalchi, a variação linguística é
ostensivamente estudada, com ampla exemplificação de diversas variantes encontradas no PB.
No que concerne à limitação das variantes rurais e regionais da língua, o único LD que se
destaca é o destinado ao 9º ano, que trata este assunto de forma mais delicada ao abranger também
variantes sociais e periféricas como forma de combater o preconceito linguístico, como bem propôs
o linguista Marcos Bagno (1999) em seus estudos sobre o tema.
Este também é um destaque quando o assunto é as variantes mais prestigiadas da nossa
língua. O LD do 9º ano traz em seu escopo exemplos de palavras estrangeiras que, quando
abrasileiradas, dificultaram a pronúncia para alguns falantes menos prestigiados pela sociedade, o
que também pode ser um estopim para o preconceito linguístico. Palavras como playground, self-
service e selfie são alguns dos exemplos utilizados pelos autores para se referir à importação de
termos e estrangeirismos na língua.
Os livros do 6º e 8º ano não aprofundam a discussão social da variação linguística, mas o
LD do 9º ano traz a reflexão para o aluno ao não ponderar a norma-padrão como a variante correta a
se utilizar, mas sim uma variante a se considerar, como todas as outras apresentadas.
Como visto anteriormente, o fenômeno gramatical é tratado efetivamente apenas no livro do
9º ano, que traz, inclusive, exemplos de palavras e propõe atividade extraclasse de entrevista a
pessoas migrantes ou de regiões diferentes, instigando o aluno a perceber as diferenças mais sutis
nas palavras que ele já conhece.
Nenhum dos livros analisados tratam a variante formal da língua como certa ou como
exemplo a ser seguido. Todavia, apenas o livro do 9º ano especifica que não há separação do que é
certo e errado nas variantes da língua. Desta forma, está compatível com a visão de Bagno:
[As pesquisas] comprovam e recomprovam que as práticas tradicionais de
ensino da língua, sobretudo o chamado “ensino de gramática”, não têm mais
razão de ser, se é que um dia tiveram! (BAGNO, 2015, p. 270).
O livro do 8º ano evidencia a variação linguística no campo da oralidade, e os LDs do 6º e 9º
anos não diferem língua escrita de língua falada ao se mencionar a variação de dialetos.
Talvez o tema mais abordado em todos os três livros seja a variação histórica da língua. Nas
turmas do 9º ano, por exemplo, o LD propõe exemplos de gírias e palavras que entraram e saíram
de moda, como o adjetivo supimpa, que qualifica algo muito bom ou extraordinário, mas que hoje
em dia é pouco utilizado. Nos livros do 8º e 6º ano a explicação é mais superficial e não deixa
exemplos para os alunos.
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Não há, em nenhum dos materiais didáticos analisados, afirmação alguma sobre qual das
variantes apresentadas é correta e tampouco há supervalorização da norma-padrão. O que se
percebe é que todas as variantes são bem apresentadas nos LDs, e, cada qual com sua maneira ou
com intensidades diferentes, ensinam os alunos a tratar respeitosamente outras pessoas que,
porventura, utilizem variantes diferentes do PB.

REFERÊNCIAS

ALKMIM, T. M. Sociolinguística. In: Introdução à linguística: Domínios e fronteiras, v. 1 /


Fernanda Mussalim, Anna Christina Bentes (orgs.) – 8. Ed – São Paulo: Cortez, 2008. p. 21- 47

BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 52ª ed. São Paulo: Loyola, 1999.

BAGNO, M. Preconceito linguístico. 56ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Parábola Editorial,
2015.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2. Ed., 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2011.

CAMACHO, J.G. Sociolinguística. In: Introdução à linguística: Domínios e fronteiras, v. 1 /


Fernanda Mussalim, Anna Christina Bentes (orgs.) – 8. Ed – São Paulo: Cortez, 2008. p. 49- 75.

RODRIGUES, Roseli Hilsdorf Dias. “No meio do caminho tinha uma pedra”- ensino de
gramática: reflexão através do paralelo entre as diretrizes oficiais e a prática em sala de aula na
rede pública de ensino do estado de São Paulo. Tese de doutoramento em Língua Portuguesa.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011,
278f.

SANTOS, C. S; MESQUITA, O. P. A variação linguística no ensino de língua materna: o que o


professor deve fazer na sala de aula? Anagrama. São Paulo. Ano 4, ed. 4, p. 1- 10, junho-agosto.
2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretária da Educação Media e Tecnológica. Parâmetros


Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Linguagens, Códigos e suas Tecnologias)-
Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 2000.

JULIO, S. R; BERTOLETTI, M. L. SuperAÇÃO! Português: 8º ano: manual do professor. São


Paulo: Moderna, 2022. Disponível em:
https://pnld.moderna.com.br/wp-content/uploads/2023/05/EDIT-Supera%C3%A7%C3%A3o-
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JULIO, S. R; BERTOLETTI, M. L. SuperAÇÃO! Português: 6º ano: manual do professor. São


Paulo: Moderna, 2022. Disponível em:
https://pnld.moderna.com.br/wp-content/uploads/2023/05/EDIT-Supera%C3%A7%C3%A3o-
Portugu%C3%AAs-6-ano.pdf. Acesso em 05/06/2023.
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ORMUNDO, W; SINISCALCHI, C. Se liga na língua leitura, produção de texto e linguagem: 9º


ano: manual do professor. São Paulo: Moderna, 2022. Disponível em:
https://pnld.moderna.com.br/wp-content/uploads/2023/05/EDIT-Se-liga-na-Lingua-Portugues-9-
ano.pdf. Acesso em 05/06/2023.

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