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PROMOVENDO A EXPRESSÃO VERBAL, ATRAVÉS DO

TEATRO ESPONTÂNEO EM UMA TURMA DE PRÉ-


ESCOLARES1

Sueli Farah Alves2


Prof. Dr. Antônio Santos Andrade3

Na graduação em fonoaudiologia ensina-se que uma pessoa só pode dominar a


linguagem escrita se a linguagem oral que a precede estiver dentro dos padrões
normais.
As crianças ao entrarem no primeiro grau, aos sete anos, iniciam uma nova
etapa a aquisição e domínio da linguagem escrita, desta forma devem apresentar as
prontidões necessárias para a alfabetização. As crianças de classe social média ou alta
que apresentam problemas na aquisição e domínio da linguagem verbal são submetidas
aos atendimentos fonoaudiológicos em clínicas particulares. Desta forma solucionam as
“dificuldades” que poderiam causar problemas durante a alfabetização. As crianças de
classe social baixa, quando apresentam algum problema desta natureza, têm opção de
atendimento em órgãos do governo, município, ou ainda da APAE. Estes locais
atendem um número grande de pessoas, no setor de Fonoaudiologia, normalmente os
atendimentos são realizados uma vez por semana com duração de trinta minutos,
período pequeno e freqüência baixa para resolver dificuldades que necessitam de
acompanhamentos mais intensivos. Para as crianças que não tem recursos financeiros,
um trabalho preventivo na pré-escola é o caminho mais eficiente para atender esta
população.
Desta forma, o presente trabalho foi desenvolvido com uma turma de pré-
escolares de um Centro Infantil Municipal – creche - da cidade de Campinas, com o
objetivo realizar uma intervenção para promover a expressão verbal das mesmas.
Com a pesquisadora no papel de fonoaudióloga, pretendeu-se uma atuação na
pré-escola de forma que não fosse diagnosticar e atender individualmente os alunos,
mas buscar uma maneira de, junto com a professora e a monitora, desenvolverem um
trabalho para favorecer a expressividade. Para alcançar tal objetivo, realizou-se o
trabalho em duas etapas que serão descritas a seguir.

1
Publicado em: ALVES, S.F.; ANDRADE, A. S. (1996) "Promovendo a expressão verbal através do
teatro espontâneo em uma turma de pré-escolares". Em: Goyos, A.C., Almeida, M.A. e Souza, D. (Orgs.)
Temas em Educação Especial III, p.: 312-318. São Carlos, SP: Ed. da UFSCar.
2
Pós Graduada em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.
3
Professor Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. E-mail: antandra@ffclrp.usp.br ;
home-page: http://gepsed.ffclrp.usp.br/ .
METODOLOGIA

Este trabalho foi realizado em duas fases, são elas a EXPLORATÓRIA e a de


INTERVENÇÃO.
Na fase EXPLORATÓRIA utilizou-se a observação participante, técnica
bastante utilizada nas pesquisas antropológicas, para a coleta de dados. Os dados
colhidos nesta fase possibilitaram conhecer o funcionamento da creche, o trabalho com
das monitoras com as crianças, o espaço físico que as crianças ocupam, a escolaridade
das pessoas que trabalham com as crianças, a carga horária, as circunstâncias que início
do trabalho da creche, entre outros dados.
Após a caracterização da creche e o conhecimento das turmas, optou-se por
trabalhar com o pré A, composto por crianças de faixa etária entre 04 à 06 anos,
iniciando-se a segunda fase, a INTERVENÇÃO. Decidiu-se pelo uso de atividades
derivadas do teatro para o favorecimento da expressão corporal e verbal. O material
que subsidiou esta fase foi obtido da literatura sobre brincadeiras, jogos infantis, jogos
dramáticos e o teatro espontâneo proposto por Jacob Levy Moreno (1984).
Tinha-se por objetivo durante esta fase conseguir melhorias na qualidade e
quantidade das expressões das crianças, utilizando como instrumento as brincadeiras
infantis, atividades “globais de expressão” e teatro espontâneo.
A intervenção teve duração de seis meses e foi realizada na sala do pré, salão
ou parque. A professora, as crianças, a monitora e a pesquisadora se reuniam todas as
segundas-feiras durante o período da manhã.
Dividiu-se o processo de intervenção em três momentos, segundo o tipo de
atividade que nele predominava: “atividades globais de expressão”, representação de
estórias infantis e teatro espontâneo.
Em “atividades globais de expressão” realizavam-se atividades com a turma
para favorecer a expressão corporal e verbal, inspiradas no trabalho de Reverbel (1989).
Dividiam-se o grupo em dois, trabalhando com uma média de dez crianças em cada
um. Em seguida, desenvolviam-se brincadeiras que a pesquisadora trazia, previamente
programadas. Ao final de cada atividade, sentava-se em círculo para que cada um
pudesse falar sobre suas impressões. Por ex.: “Representar Através de Mímicas as
Situações do Dia-a-dia”: em duplas ou trios, as crianças saíam par fora da sala de aula,
combinavam a mímica de uma situação vivenciada por elas no dia-a-dia, como:
escovar os dentes, acordar, entre outras. Ao representarem a mímica aos colegas, estes
deveriam através de perguntas, descobrirem o que a dupla estava representando.

A Representação de Estórias Infantis foi o período intermediário entre uma


programação mais diretiva assumida na realização de atividades previamente
planejadas, próprios do período anterior, e a possibilidade de deixar que o grupo
escolhesse a atividade que mais lhe interessasse. Iniciou-se neste período as
representações de estórias infantis, na qual contava-se uma “estorinha”, a partir de
livros trazidos pelas crianças ou pelos adultos, em seguida, dividia-se o grupo em dois
e distribuíam-se os papéis. Um grupo representava e o outro assistia, depois se
invertiam os papéis e as posições. Por ex.: “Representação da Estória da D. Galinha”:
neste dia, uma das crianças havia trazido um livro, que pediu para ser lido; após todos
se sentarem em círculo e a criança contar a estória, distribuíram-se os papéis e
realizaram-se as representações. Todos da atividade e, ao final, as crianças deram
continuidade à estória do livro, utilizando-se de sua criatividade.
O Teatro Espontâneo foi o terceiro momento da intervenção. Aqui se vivenciou
o trabalho inspirado na proposta de Moreno (1984), que defende entre outros aspectos
de sua teoria, a revolução criadora, que é a quebra das conservas culturais e o
desenvolvimento da espontaneidade. Basicamente realizavam-se atividades que
interessasse as crianças, a partir de temas trazidos por elas. Brincando com o grupo, a
professora, a monitora e a pesquisadora podiam perceber os momentos em que as
crianças se soltavam de maneira mais espontânea. Por ex.: “Representação Espontânea
de um Circo”: a partir de uma brincadeira que surgiu no grupo, evoluiu-se para a
representação de um circo, com a participação espontânea de todas as crianças.
Observou-se que as crianças se agruparam espontaneamente para representar os
diversos personagens desta realidade. Aqui observou-se a representação sem roteiro,
tal como o definido por uma estória tirada de livro, com isto as crianças puderam
utilizar-se de sua criatividade.

RESULTADOS:

Os dados coletados na fase exploratória, a primeira desta pesquisa, resultaram


nas três sessões da dissertação para obtenção do título de mestre da pesquisadora, que
basicamente: descrevem o espaço físico, caracterizam os profissionais e as crianças que
freqüentam diariamente a creche, e relatam o dia-a-dia do trabalho com as crianças.
Observou-se que o espaço físico atende basicamente às necessidades das
crianças e dos profissionais da creche, sendo o local arejado e limpo; com suas paredes
decoradas com motivos infantis.
Dos trinta e um profissionais que freqüentam a creche, a maioria 64% têm o
primeiro grau completo e incompleto, 13% o segundo grau completo e incompleto e
23% o terceiro grau completo e incompleto. Todos, exceto os professores, trabalham
40 horas semanais.
Observando o dia-a-dia das turmas constata-se uma preocupação das monitoras
no cuidado básico; a saber: cuidados com a higiene, saúde e alimentação. As
monitoras não se dão conta de seu papel educacional com as crianças. Não se
preocupam com elas enquanto falante, desta forma, pouco conversam ou brincam
com as mesmas. Não existe uma proposta de trabalho elaborada para atender as
crianças. Se o professor falta, desenvolve-se com as crianças qualquer atividade,
buscando apenas mantê-las ocupadas. Parece não haver uma programação de
atividades de forma coerente, respeitando um cronograma, organizado de acordo com
o ritmo de desenvolvimento das turmas.

Os resultados obtidos na segunda fase - a intervenção - foram coletados pela


pesquisadora e também pela professora e monitora, que os registravam em seus
“diários”.
A professora, após a observação e participação no período de intervenção
descobriu a possibilidade de incluir em sua prática algumas mudanças importantes
como: valorizar o trabalho junto com as crianças, durante as atividades, valorizando o
processo, e não, como fazia anteriormente, dando maior importância ao resultado, ao
produto. Durante as “rodas de conversa”, ela pôde perceber que é importante, além de
proporcionar um espaço para as crianças falarem suas novidades, permitir que este
momento seja um espaço onde as crianças possam, em primeiro lugar, sentirem-se bem
ao falarem, saberem que suas manifestações mais simples têm o mesmo valor que
qualquer outra colocação de seus colegas. Além disto, a professora relatou que
anteriormente, quando propunha uma vivência com teatro, o fazia procurando
valorizar o produto, ou seja, a beleza das fantasias, cuidando para que o papel a ser
representado pela criança estivesse muito bem ensaiado. Com o presente trabalho ela
começou, segundo seu relato, a valorizar o processo das crianças se envolverem na
escolha dos papéis, das roupas, das pinturas e maquilagem, enfim de viverem o seu
próprio processo criativo.
A monitora desenvolveu, em paralelo com as observações em sala, durante toda
a intervenção, uma banda, cuja idéia havia surgido no grupo e que proporcionou a
monitora e às crianças uma maior aproximação entre elas, além do desenvolvimento de
um trabalho grupal, com a apresentação de seus resultados. Foi possível ainda durante
a intervenção, perceber melhor as características pessoais das crianças com as quais se
estava trabalhando, surgindo assim, a possibilidade de sugerir à elas idéias para
brincadeiras no dia-a-dia que lhe fossem mais apropriadas e com isto se auxiliar o
grupo a se organizar, durante as brincadeiras. Percebeu-se que era interessante inovar,
descobrir junto com as crianças novas possibilidades de brincadeiras, e atividades. Para
a monitora, que poucas vezes havia experimentado propor atividades às crianças
durante as tardes que passavam juntas, “a banda” foi, segundo seu relato, uma
experiência que fortaleceu a relação entre eles, que despertou nela a possibilidade
de ver que é viável desenvolver um trabalho novo com as crianças. A partir dessas
experiências a monitora começou a propor atividades mais criativas despertando em
si, e nas crianças, maior interesse por estes momentos.
A pesquisadora, participou de todo o trabalho sempre procurando despertar em
cada um, em cada papel, a possibilidade de ser mais espontâneo, mais participativo e
criativo.

CONCLUSÕES:

Os resultados obtidos com este trabalho permitiram algumas conclusões, tais


como:
- que existem outras formas de um fonoaudiólogo atuar dentro de uma pré-
escola, sem ter que trazer para o grupo o conteúdo pronto, ou mesmo um curso
apostilado por exemplo;

- que as profissionais da turma, a professora e a monitora, podem trabalhar


juntas com a fonoaudióloga, sendo importante que elas consigam descobrir e entender
as modificações necessárias para cada turma e, em parceria, procurarem realizar tais
mudanças. Nesta relação em grupo, deve-se ter respeito inclusive pelo limite do
outro, seja ele professor, monitor ou aluno, respeitando o que a outra pessoa está
podendo oferecer naquele momento;
- que o teatro espontâneo parece ser um instrumento rico para trabalhar a
expressão verbal, pois cria a possibilidade das crianças experimentarem diferentes
formas de expressão;

- que durante a realização deste tipo de intervenção, parece importante que as


crianças experimentem a possibilidade de opinarem sobre o andamento do trabalho.
Tenham oportunidade dentro do grupo para falarem sobre seus sentimentos, para
escolherem os papéis que queriam representar nas diversas situações, tornando-se
atuantes durante todo o processo;

- que nestas intervenções não se direcione o trabalho visando o aspecto estético


da fala, mas se proporcione às crianças a possibilidade de se expressarem, de buscarem
dentro de cada uma delas a sua maneira de expressarem-se espontaneamente. Além
disto, favorecer a expressão parece contemplar o aumento de vocabulário solicitado
pela professora e também permitir, em alguns momentos, um desabrochar genuíno da
expressão verbal nas crianças;

- que o trabalho preventivo deve iniciar dentro da creche com o berçário,


crianças com idade de 3 meses a 1 ½ ano, pois neste período do desenvolvimento
infantil é aconselhável que as pessoas mais próximas dos bebês os estimulem
verbalmente, brincando e conversando com eles, nas mais diferentes situações;

- que é necessário ter uma proposta mais bem elaborada de trabalho com as
crianças na creche. É importante que os profissionais conheçam um pouco mais sobre
desenvolvimento infantil, sobre suas crianças e que desenvolvam em suas práticas,
intervenções mais precisas e acertadas no sentido de proporcionar às crianças melhores
condições para o seu desenvolvimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRÉ e LÜDKE, M.: Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:


E.P.U., 1986.
FERREIRA, A.P.O Fonoaudiólogo na Escola. São Paulo, Summus Editorial, 132p.,
1991.
MIRANDA,M.G.de Do cotidiano da escola: observações preliminares para uma
proposta de intervenção no ensino público. São Carlos (Dissertação de Mestrado),
1983.
MORENO,J.L. Fundamentos do Psicodrama (Trad.: Maria S. Mourão Neto), São
Paulo: Summus, 1983.
------------------,Psicodrama (Trad.: Alvaro Cabral), São Paulo: Cultrix, 1987.
------------------ O teatro da espontaneidade (Trad.: Maria S. Mourão Neto). São Paulo,
Summus Editorial, 2° ed., 150p. 1984.
REVERBEL, O. Jogos teatrais na escola: atividades globais de expressão, São Paulo,
Editora Scipione, 159p., 1989.
ROMANA,M.A. Psicodrama Pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 1987.
--------------------Construção coletiva do conhecimento através do Psicodrama.
Campinas, SP: Papirus, 1992.
THIOLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação, 5° ed., São Paulo, Editora Cortez,
1992.

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