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RESUMO
O Sociodrama Educacional apresenta-se aqui como uma linha de pesquisa-ação, e
que se propõe ao estudo das relações humanas em contextos educacionais. O objetivo geral
deste estudo foi investigar os efeitos da participação de estudantes de Medicina em grupo
reflexivo sociodramático, sobre as dificuldades iniciais da formação médica. O estudo foi
dividido em: 1) fase de pré-inquérito (seleção dos participantes); 2) entrevistas de grupos
focais (N=24 do 1o ao 3o ano); 3) grupo reflexivo sociodramático (N=10), 4) entrevista
final de avaliação. Os resultados referentes aos grupos focais indicam que as
representações dos estudantes de Medicina no início de sua formação estão ancoradas por
idéias altruístas que podem se modificar, ocasionando conflitos durante o desenvolvimento
desse papel. Quanto ao grupo reflexivo, uma análise do processo grupal está sendo
desenvolvida, no entanto, a criação de um espaço vivencial através dessa atividade
proposta foi avaliada positivamente pelos alunos como uma estratégia na minimização dos
conflitos.
ABSTRACT
I - INTRODUÇÃO
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Artigo publicado em: COLARES, M. F. A.; ANDRADE, A. S. (2004) “Reflexões e vivências de estudantes
de medicina do ciclo básico através do sociodrama educacional”. IN: BIASOLI-ALVES, Z. M. M. (Coord.)
Livro de Artigos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (ISBN 85-87238-17-6), Ribeirão Preto, SP:
Légis Suma, pp: 447-458.
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Professor Assistente Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da FFCLRP/USP. E-mail:
antandras@servmail.ffclrp.usp.br Home-page: http://gepsed.ffclrp.usp.br
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campo da saúde. Muitos são os estudos que abordam a questão dos estereótipos
universitários do curso médico desenvolvem acerca dessa profissão, como o seu papel
peculiares ao curso pode acarretar períodos de conflito ao longo dessa formação, aliados
médico. (Cianflone & Figueiredo, 1993; Cianflone & Fernandez, 1993; Cianflone, 1996;
sua formação, as discussões oriundas acerca de sua escolha profissional, pois diante das
Dessa forma, durante a formação médica torna-se muitas vezes necessário recorrer
aos serviços de apoio ao universitário que possuem a função de auxiliar o aluno nesta fase.
estudos e projetos voltados para esse fim. (Millan & Rossi & Marco, 1995; Millan e cols,
1999; Colares e cols, 2000; Cianflone & Figueiredo & Colares, 2002))
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institucional, que se propõe ao estudo das relações humanas nesse contexto. Utiliza
cotidiano das instituições, enfocadas a partir das representações de papéis segundo os quais
2001b).
médica, Kaufman (1992) aborda as vantagens do método nos vários contextos acadêmicos,
medicina, através das técnicas de role playing, no intuito de tratar profilaticamente dos
como os estudantes poderiam ser auxiliados nos primeiros anos do curso, quanto ao
médica. Neste aspecto, a autora salienta a importância de espaços para reflexões, pois no
início do curso médico, o relacionamento com os professores é a relação vivida com mais
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intensidade entre os alunos, já que em fases precoces do curso, os mesmos não têm contato
com os pacientes.
mesmo, quando as angústias manifestadas pelos estudantes têm a ver com o conflito de
papéis existentes, de um lado, por parte do indivíduo, que já traz consigo uma história de
crenças, atitudes e valores e, do outro, um contexto institucional, com suas tradições, sua
história, suas características peculiares; e por fim, com as expectativas sociais que o papel
melhoria dos vínculos nas relações interpessoais e facilitar uma visão mais realista, mais
compreensão do papel de aluno que pertence a um contexto institucional com uma história
e culturas próprias.
Objetivo geral:
Objetivos específicos:
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II-METODOLOGIA
interior do estado de São Paulo. Desta forma, foi desenvolvido em sala de aula,
dos alunos e de seus pais; nível de satisfação dos estudantes frente a algumas situações
participarem das entrevistas em grupos focais foram aqueles que se identificaram ao final
entramos em contato com todos os alunos do 1o, 2o e 3o ano, por telefone, agendando o dia
do início dos grupos focais. Os alunos foram devidamente informados em relação aos
medicina do 1º ao 3º ano, divididos em 4 grupos: grupo I (1º ano n=7); grupo II (1º ano
n=6); grupo III (2º ano n=5) e grupo IV (3º ano n=6). Todas as reuniões de grupos focais
foram gravadas e transcritas. Em cada grupo foram realizadas 3 reuniões focais com os
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reflexivo.
importante salientar que, como a atividade reflexiva foi desenvolvida no ano posterior às
entrevistas de grupos focais, os alunos que eram do 1 o ano passaram a ser do 2o ano e assim
Conforme descrito na Tabela 1, dos 10 alunos que fizeram parte do grupo reflexivo, a
maioria eram estudantes do 2o e 4o ano (que na ocasião das entrevistas de grupos focais
com a interpretação lúdica de papéis (role playing), cujo tema escolhido pelo grupo para a
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dramatização foi o ingresso no curso médico. Um resumo geral das atividades ocorridas
Quadro 1: Sumário das reuniões desenvolvidas juntos aos alunos de medicina (N=10) através do
grupo reflexivo sociodramático.
REUNIÃO PARTICIPANTES OBJETIVOS ATIVIDADE DESENVOLVIDA
1a Reunião A1, A3, A4, A9, A6 Promover a integração e o Aquecimento: Falar sobre as
conhecimento entre os qualidade e manias de cada um.
participantes
2a Reunião A2, A5, A3, A4, A9, Promover a integração entre Aquecimento: Falar de suas
A10 os membros do grupo. preferências de CARRO, MÚSICA
E ESPORTE
3a reunião A1, A2, A3, A4, A5, A6, Promover reflexão sobre o Dinâmica utilizada: A dinâmica dos
A7, A8, A9 papel dos rótulos e rótulos. Os alunos simularam uma
estereótipos que são discussão de um caso clínico, dando
formados nas relações suas opiniões mediante os rótulos
interpessoais que cada um possuía pregado na
testa.
4a Reunião A2, A1, A8, A3, A4, A5, Promover a integração grupal Aquecimento: foi utilizado bexigas e
A7, A6 e iniciar a discussão sobre o dentro delas frases rótulos sobre os
curso médico anos da graduação, para que os
alunos pudessem depois verbalizar
frente a isso.
5a Reunião A9, A2, A1, A5, A3, A4, Promover integração e auto Dinâmica: utilização de músicas de
A6 conhecimento entre os ritmos diferentes para aquecimento e
integrantes do grupo trabalho com duplas de alunos:
associar o “ser médico” a símbolos:
alimento, animal, esporte, lazer, etc
6a Reunião A1, A2, A3, A4, a6, A7, Iniciar o processo reflexivo Aquecimento: foi realizada uma
A8, A9. atividade de “uma viagem
imaginária a um planeta perfeito
para o médico”, desenvolvida com
música, propondo aos alunos que se
imaginassem nesse planeta e depois
aquece-los para discussões sobre o
tema.
7a Reunião A9, A2, A1, A10 Desenvolver o processo Atividade livre: não foi proposta
reflexivo já iniciado. nenhuma atividade dirigida para o
grupo falar livremente sobre os
temas levantados na reunião
anterior.
8a Reunião A2, A1, A3, A4, A5, A7, Provocar a reflexão sobre o Ocorreu nessa reunião a
A6, A9 papel do estudante de interpretação lúdica de papéis (role
medicina no plano dramático playing) cujo tema escolhido pelo
grupo para a dramatização foi “o
ingresso no curso médico”.
9a Reunião A1, a2, A3, A4, A6, A8, Promover o processamento Atividade livre: não foi proposta
A7, A9, A10 sobre a reunião anterior, a nenhuma atividade dirigida, foi
reflexão sobre o role playing pedido aos alunos que retomassem a
reunião anterior e que falassem de
seus sentimentos a respeito.
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término do grupo. Foi escolhida como estratégia de avaliação a entrevista de grupo focal.
1) Avaliação cognitiva: o que foi o grupo reflexivo para cada um dos participantes, como
positiva, negativa, o que faltou nas atividades e sugestões para futuros trabalhos.
Destacamos as propostas de Minayo, (1994, 1999); Spink,( 2000, 2001) Lefévre (2000,
centrais), propostas pelo sistema de análise de Lefévre (2000, 2003) como uma forma
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IV- RESULTADOS
que os alunos de medicina possuem frente a três dos temas abordados nesse estudo: a
grupo reflexivo sociodramático, uma análise do processo grupal, segundo modelo proposto
desenvolvida.
Quadro 2: Exemplos de algumas categorias empíricas obtidas através das entrevistas de grupos focais com
os estudantes de medicina do 1o ao 3o ano (N=24)
TEMA ANO CATEGORIAS EMPÍRICAS LEVANTADAS
3o Ano -O altruísmo
-Interesse pelo corpo humano
-A autonomia da profissão
-O prestígio e status social
-O interesse pela pesquisa
2- As dificuldades vivenciadas 1o Ano -A relação professor-aluno / A didática em sala de aula
até o momento -O distanciamento com as atividades do ciclo básico e a prática médica
-Dificuldades em lidar com lazer e vida acadêmica
-Dificuldades com a carga horária e quantidade de disciplinas
-A mudança do estilo de ensino-aprendizado
2o Ano -A didática dos professores
-O culto ao negativismo ao ciclo básico pelos veteranos
-A “evasão” de conhecimentos nos primeiros anos
-Os primeiros contatos com a morte e o sofrimento (Anatomia)
-Falta de atividades médicas no início da formação
-Mudança do estilo de vida
-Problemas com o trote e com veteranos
3o Ano -Relacionamento com os professores do ciclo básico
-Falta de motivação nas disciplinas do básico
-Falta de atividades da prática médica no ciclo básico
-Novos métodos de estudo na universidade
-Dificuldades no relacionamento interpessoal e competitividade
-O questionamento quanto ao “brilho” da profissão médica
3- As expectativas quanto ao 1o Ano -A Medicina traz status e prestígio social
papel de médico -O bom médico deve ser flexível com o paciente e competente
-O bom médico deve ser responsável e ter atitudes éticas
-O médico deve aprender a lidar com os aspectos ansiogênicos da profissão
-O médico precisa aprender a lidar com os limites de sua atuação
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atuação na área, foi possível desenvolver o estudo de forma que o mesmo pudesse fornecer
médico nos primeiros anos, permitindo com isso o reconhecimento e identificação das
A escolha pela medicina enquanto profissão está ancorada por idéias altruístas no
início dessa formação. O altruísmo, o ajudar o próximo, curar as pessoas, salvar a vida das
pessoas estão associados às razões mais comumente destacadas que levaram os alunos a
optarem pela profissão médica. Também são destacadas as seguintes motivações para essa
todos os anos estudados tendem a apresentar razões congruentes e similares frente a esse
aspecto. No entanto, é importante destacar que, para os alunos do 3 o ano, as razões que os
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médico, parecem não ser vivenciadas mais com a mesma idealização contida naquela
ocasião.
Outro aspecto abordado nas entrevistas de grupos focais foi que os alunos
Algumas opiniões foram unânimes em todos os anos estudados como a carga horária e a
conciliar sua vida acadêmica com as atividades de lazer, do qual sentem necessidade de
Deve-se considerar que a maioria dos alunos entrevistados vem de outras cidades, e
precisa, de certa forma, aprender a lidar com o “novo”, a lidar com a autonomia
entrevistados, sugerindo com isso uma tendência bem próxima aquela que aparece na
literatura, que coloca os primeiros anos do curso médico como um período de grande
levantam o aspecto do “lidar com a morte”. Deve-se considerar que, nesse momento da
formação, eles começam a ter contato com autópsias e, muitas vezes, isso acaba
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vividas durante o “trote” e salientam o quanto isso dificultou suas integrações e adaptações
no novo contexto.
estudo originados dos grupos focais. Oportunamente, uma análise do processo grupal será
membros, sendo avaliado por todos, portanto, como uma iniciativa positiva de reflexão
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Millan, L.R.; Rossi, E.; Marco, O.L.N. (1995) A procura espontânea de assistência
psicológica pelo estudante de Medicina. Rev. ABP – APAL, v.17, n.1, p. 11-16.
Millan, L.R.; De Marco, O.L.N.; Rossi, E.; Arruda, P.C.V. (1999) O universo
psicológico do futuro médico. São Paulo, Casa do Psicólogo.
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Spink, M.J. (2001) O autor responde. Caderno de Saúde Pública, v.17, n.6, Rio de
Janeiro, nov/dez.
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