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DE MEDICAÇÕES À MEDIAÇÕES: AVALIAÇÃO-INTERVENÇÃO DO

PSICÓLOGO EM QUEIXAS ESCOLARES DE DIFICULDADE NA


ATENÇÃO VOLUNTÁRIA E NO CONTROLE DA CONDUTA (TDAH)
Orientanda de Doutorado: Sabrina Gasparetti Braga
Orientadora: Prof. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza
Apoio: CNPq
A presente pesquisa originou-se da preocupação com a culpabilização de estudantes
pelas dificuldades encontradas no processo de escolarização por meio da atribuição a
eles de rótulos diagnósticos. Historicamente, profissionais das mais diversas áreas da
saúde e educação explicam dificuldades escolares, as quais denominamos neste
trabalho de queixa escolar1, como problemas centrados na criança mesma, que
resultariam de um mal funcionamento de seu substrato biológico. O psicólogo muitas
vezes atua neste processo que individualiza a causa das queixas escolares. Tendo
como base teórico-filosófica o Materialismo Histórico-Dialético formulado por Karl
Marx a Psicologia Escolar Crítica defende a necessidade de ir além da aparência dos
fenômenos, em especial os escolares, em uma análise social e histórica que considere
o nível de determinação que o modo de produção capitalista impõe na formação de
subjetividades e nos processos educativos, com a necessidade de conhecer a realidade
social onde se instituiu determinada interpretação sobre dificuldades encontradas no
processo de escolarização. Um dos principais referenciais teórico-metodológicos da
Psicologia Escolar Crítica2 é a Psicologia Histórico-Cultural cujos princípios
desenvolvidos por Vigotski e seus colaboradores serão basilares na presente tese. O
nosso objeto de estudo é a avaliação-intervenção de/em caso de queixa escolar com a
especificidade de um conteúdo principal que é a dificuldade no desenvolvimento da
função psicológica superior atenção voluntária e do controle da conduta. Foi
realizado um processo de avaliação-intervenção com uma criança em fase de
alfabetização, diagnosticada como portadora do transtorno deficit de atenção com
hiperatividade, configurando-se este trabalho em um estudo de caso. A avaliação-
intervenção aconteceu por meio de observação participante e entrevistas interventivas
com os pais, com a criança, com a psicóloga que o atendia, com a coordenadora
pedagógica e com a professora do ano letivo em vigência. Com a professora do ano
anterior e neurologista foram realizadas somente entrevistas. O processo avaliativo-
interventivo foi controlado seguindo a hipótese de que existiam mediações necessárias
e possíveis de serem realizadas, tanto em âmbito familiar quanto escolar, para que a
função psicológica da atenção voluntária e o controle da conduta se desenvolvessem e
não fossem apenas considerados como deficitários e passíveis de resolução
médica/medicamentosa. Esta hipótese foi criada a partir lei da Psicologia Histórico-
Cultural segundo a qual a qualidade do desenvolvimento das funções psicológicas
superiores (FPS), dentre elas a da atenção voluntária, está intrinsecamente relacionada
à qualidade das mediações psicológicas vivenciadas pelo sujeito ao longo de sua
história de vida. Para realizar esta avaliação-intervenção a apropriação do princípio da
dialética singular-particular-universal para compreensão da queixa em sua
1
De acordo com Souza (2010, p.29) “a queixa escolar é constituída pelo conjunto de relações e de práticas
individuais, sociais, institucionais que, ao se entrelaçarem na trama da vida diária escolar, produzem uma série de
obstáculos, das mais variadas naturezas, e que culminam com a impossibilidade da escola cumprir suas finalidades.
Para nos aproximarmos da complexidade da produção dessa queixa, precisamos construir uma série de
instrumentos, procedimentos, formas de aproximação com os diversos segmentos da escola e formas de
aproximação com relações de cunho pedagógico, interpessoal, familiar nela instituídas.”
2
A Psicologia Escolar Crítica tem outras vertentes. A teoria crítica da Escola de Frankfurt de T. Adorno e M.
Horkheimer, as análises dialéticas acerca da constituição da personalidade humana desenvolvidas por L. Sève e A.
Merani e a Psicologia Social da Libertação de Martin-Baró, são alguns exemplos.
multideterminação é condição que assegura sua transformação. Tendo em mente que
nosso objeto é a avaliação-intervenção do psicólogo diante de queixas escolares,
nosso objetivo geral relaciona-se com os conteúdos teóricos que medeiam esta ação
buscando, portanto, propor mediações teóricas para avaliação-intervenção do
psicólogo em casos de queixa escolar que assegurem a compreensão da queixa em
sua multideterminação e sua consequente transformação. Dessa forma, acreditamos
que o psicólogo para atuar diante das queixas escolares visando sua transformação e
superação de condições alienantes deve se engajar num processo de avaliação que é
interventiva, exercendo um papel de mediador, e ao mesmo tempo deve lançar mão de
um conjunto de conceitos teóricos, que por sua vez serão os mediadores na/para sua
atuação. Buscamos explicar a multideterminação das queixas-escolares e ao mesmo
tempo quais recursos teóricos são necessários para transformá-las. E assim,
anunciamos nossa tese que assume os pressupostos da psicologia histórico-crítica, da
pedagogia histórico-crítica e a relação dialética singular-particular-universal (SPU)
como mediadores necessários para a avaliação-intervenção do psicólogo com vistas
à apreensão da totalidade e à transformação da realidade onde incidem as queixas
escolares, especificamente aquelas de dificuldade no desenvolvimento da atenção
voluntária e controle da conduta. Para a defesa desta tese nos colocamos algumas
perguntas iniciais sobre o objeto, quais sejam: como identificar, avaliar e intervir
sobre as multideterminações das queixas-escolares e ao mesmo tempo quais recursos
teóricos necessários para transformá-la? Sob quais características particulares atuais
as queixas escolares de dificuldade no desenvolvimento da atenção voluntária e
autodomínio da conduta são produzidas? Do ponto de vista teórico-prático da
psicologia qual atuação em relação às queixas escolares de dificuldade no
desenvolvimento da atenção voluntária e controle da conduta pode ser proposta no
lugar do processo de medicalização? E para responder às questões anteriores
necessitamos também responder: qual é a história de vida da criança e sua relação
com os objetos culturais, sociais e pedagógicos? Como se deu e como se dá a relação
com os professores e com o conteúdo escolar do qual se cobra atenção? Como se deu
e como se dá a relação com pais e familiares e com o conteúdo diário do qual se cobra
atenção? Qual é o sentido pessoal atribuído à sua vida escolar e a outras atividades
diárias que exigem o uso das FPS dentre elas a atenção? Abaixo uma representação
visual da tese por nós defendida que busca aproximação a uma abstração universal.
Destacamos que os conteúdos que defenderemos como mediadores da prática serão
modificados até o final da análise dos dados. Somente no momento da síntese com o
retorno ao concreto como concreto pensado saberemos a partir de uma realidade não
mais aparente quais são/foram os conteúdos mediadores do processo de avaliação-
intervenção.

Dezembro, 2016

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