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INSTITUTO SINGULARIDADES

PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA: AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO EM


PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

FERNANDA MARIA DE SOUZA

A NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA E CONSTANTE


REVISÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO AMBIENTE INSTITUCIONAL

SÃO PAULO/SP

2022
RESUMO
Este artigo procura analisar um estudo de caso realizado com alunos de 3º ano do Ensino
Fundamental de uma escola pública da Prefeitura de São Paulo. Utilizando-se dos
conhecimentos acerca da psicopedagogia institucional, propõem-se aqui analisar as avaliações
diagnósticas efetivamente executadas pelo psicopedagogo responsável pelo caso e pensar
possíveis estratégias de avaliação e intervenção psicopedagógicas que caberiam ser realizadas.
Em paralelo, reflete sobre a necessidade constante de revisar as práticas pedagógicas escolares
a fim de minimizar as dificuldades de aprendizagens e tornar o ensino um processo mais
inclusivo, leve e autônomo. Para tanto, o artigo dialoga com grandes nomes da
psicopedagogia com a intenção de corroborar os conceitos teóricos como fundamentais à
experiência prática.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO _________________________________________________03
2. CAMPO CONCEITUAL _________________________________________05
3. METODOLOGIA________________________________________________12
4. RESULTADOS _________________________________________________14
5. ANÁLISE DE DADOS____________________________________________17
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS_______________________________________22
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS _______________________________24
8. ANEXOS _______________________________________________________26

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INTRODUÇÃO

Muitos são os desafios da educação brasileira. Nosso baixo orçamento destinado à pasta, a
pouca estrutura do ensino público e a falta de alinhamento pedagógico estão, com certeza,
entre os principais. Um dos objetivos da psicopedagogia é procurar minimizar esses danos na
medida em que busca uma melhor inclusão de alunos, facilitando o processo de ensino-
aprendizagem na escola.

É fato que, ao se deparar com problemas de aprendizagem, a responsabilidade geralmente cai


em cima dos jovens aprendizes, como se apenas a condição do aluno fosse relevante no
processo de aprendizagem. Contudo, a Psicopedagogia procura entender este processo com
uma visão ampla, levando em consideração também o Projeto Político Pedagógico, a estrutura
da instituição, os profissionais envolvidos, as características da família do aprendente, seu
ambiente de estudo, a relação entre professor e o sujeito e a relação entre o sujeito e seus
pares. Ou seja, a dificuldade de aprendizagem necessita de uma avaliação ampla e eficiente
que busque não apenas minimizar aquele problema pontual, mas também atuar de forma
preventiva.

Sabendo disso, esse trabalho visa analisar, do ponto de vista psicopedagógico, um estudo de
caso (Anexo 1) realizado com alunos de 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública
da Prefeitura de São Paulo, oriundos de um bairro de periferia, com dificuldades na
alfabetização e na aprendizagem como um todo.

A expectativa do trabalho é utilizar-se desse caso para reafirmar a necessidade de avaliação


do grupo (sala de aula), da instituição e do indivíduo em suas particularidades antes de
qualquer análise prematura, bem como propor um plano de intervenção para o caso
específico, com o desejo de exemplificar e inspirar possíveis tomadas de decisões para casos
semelhantes.

No estudo de caso investigado, temos acesso à queixa e ao histórico geral dos alunos. Com
esse material podemos perceber que a queixa relacionada às dificuldades de aprendizagem se
refere unicamente aos alunos. Estes, colocados como um bloco de aprendizes, são logo
caracterizados por serem “lentos, dispersos, sem limites”. Lendo o relato, percebemos
também que os alunos foram colocados nessa instituição sem uma prévia análise de critérios
pedagógicos: a saber, que, no início do ano anterior, esses 60 alunos foram mandados para

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essa escola com o intuito de serem alfabetizados no 2º ano. Sendo assim, a instituição
automaticamente dividiu esses alunos em duas salas diferentes e procurou cumprir com o que
lhe era solicitado.

Contudo, algumas considerações parecem ter deixado de serem observadas, como: o nível
socioeconômico dos alunos ingressantes que se chocava com o dos alunos daquela instituição,
a falta de entrosamento entre estes alunos e os outros (já que formaram duas classes apenas
com os mesmos, separando-os dos demais), o conhecimento a respeito das particularidades de
cada aprendente, a inclusão da família no ambiente escolar desde o começo das atividades e,
principalmente, a busca pela compreensão da condição socioemocional daqueles alunos nesse
novo ambiente.

Ao final do ano, a escola considerou os resultados obtidos como satisfatórios, já que ao menos
87% dos alunos conseguiram se alfabetizar, afinal, essa era a meta imposta pela Prefeitura e
aceita pela escola no projeto de “Inserção de reforço”, proposto pela própria unidade de
ensino. Entretanto, podemos perceber que os alunos “bem-sucedidos”, agora no 3º ano, são
vistos ainda pela escola como insuficientes para o estágio que ocupam e continuam
segregados em uma sala que é considerada repleta de crianças “que têm dificuldades de
aprender, são lentas, dispersas e sem limites”, demonstrando que o processo de inclusão não
foi realmente bem desenvolvido. Sobre os 13% de alunos retidos, esses foram considerados
“com problemas neurológicos, motores e/ou afetivos”, não foram encaminhados para um
atendimento especializado e permaneceram no 2º ano.

É sobre o processo de inclusão nesse caso que o trabalho visa se debruçar. Qual, afinal, seria
um caminho mais apropriado psicopedagogicamente a se percorrer para uma real inclusão
desses alunos? Não se propõe aqui criticar a escola, sabe-se que, infelizmente, existe uma
enorme falta estrutura e meios para desenvolver os projetos pedagógicos de cada instituição e
que, na maioria das vezes, a instituição é levada a improvisar métodos para ser capaz de
suportar uma demanda imposta e não analisada antecipadamente. Mas podemos,
humildemente, propor medidas que visem avaliar a situação e repensar processos, pensando
sempre no desenvolvimento do aluno frente às quatro dimensões do seu conhecimento
(orgânica, cognitiva, emocional e de mediação) propostas pela doutora em psicologia e
psicopedagoga Nádia Bossa.

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Para desenvolver a proposta de possíveis metodologias para este caso, essa pesquisa se propõe
a estabelecer ligações do material fornecido no Anexo 1 (estudo de caso) com conceituadas
teorias da psicopedagogia, compreendendo os processos de aprendizagem e a fase de
desenvolvimento em que esses alunos se encontram; o papel e a importância das práticas
preventivas na gestão educacional; e os principais critérios para análise, avaliação e
intervenção no processo de ensino-aprendizagem, procurando relacionar a teoria com a
avaliação psicopedagógica efetivamente realizada e possíveis estratégias de intervenção.

CAMPO CONCEITUAL

Uma tarefa primordial no diagnóstico é resgatar o amor. Em geral, os terapeutas


tendem a carregar nas tintas sobre o desamor, sobre o que falta, e poucas vezes se
evidencia o que se tem e onde o amor é resgatável. Sem dúvida, isto é o que nos
importa no caminho da cura. (PAÍN, 1989, p. 35).

É através das palavras afetuosas de Sara Paín que deseja-se iniciar o pensamento teórico a
respeito do estudo de caso proposto, para que assim não nos esqueçamos do enfoque
principal: chegar em uma metodologia que funcione como plano de intervenção ao estudo de
caso, mas sempre orientados pelos pensamentos ideológicos que vieram antes de nós e
cercados pelo sentimento de fazer a diferença social para essas crianças. Para isso,
precisaremos nos aparelhar de grandes nomes da teoria da psicopedagogia, dialogando com
esses, principalmente, a respeito dos fundamentos da mesma, das fases de desenvolvimento e
características das crianças que nosso caso sugere, e dos procedimentos adequados para a
realização de diagnósticos e intervenções.

De início, precisamos nos debruçar no objetivo da Psicopedagogia, que nada mais é do que
procurar examinar o aprendente dentro de suas especificidades. Ao contrário do que muitos
imaginam, o psicopedagogo não tem como foco as dificuldades do aluno ou os distúrbios
apresentados pelo mesmo, olhamos sim, primeiramente, para o ser que apresenta essas
características. Ou seja, o foco do psicopedagogo é o ser cognoscente em todas as suas
múltiplas dimensões e não o seu objeto de conhecimento. Os sintomas demonstrados pelo
aprendentes nos dão caminhos para compreender esse ser, mas, ainda assim, esses caminhos
são apenas uma parte do aluno, que deve ser investigado em sua plenitude, compreendido
dentro das suas três dimensões: dimensão racional (relacionada à cognição e explorada na
psicogênese de Jean Piaget), dimensão afetiva (diz respeito ao desejo do ser cognoscente e
explicada pela psicanálise de Sigmund Freud e pela Teoria da Afetividade de Henri Wallon) e

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a dimensão relacional (que percebe o sujeito inserido em um contexto social, de interação
entre os sujeitos, trabalhada tanto por Lev Vygostsky como por Pichon Rivière). Apenas com
esse olhar amplo a cada um dos sujeitos, poderemos direcionar a instituição de ensino como
um todo, repensando e desengessando modelos prévios de ensino-aprendizagem.

O psicopedagogo institucional precisa operar com dois enfoques: o preventivo e o terapêutico.


Ou seja, precisa se preocupar em analisar o ser cognoscente frente às suas características de
aprender, e as etapas de desenvolvimento, indo além da aprendizagem escolar (enfoque
preventivo) ao mesmo tempo em que procura analisar terapeuticamente os objetos de
conhecimento a fim de elaborar estratégias e metodologias para diagnosticar e tratar possíveis
dificuldades de aprendizagem que já são visíveis na instituição ou que podem vir a aparecer
(GOLBERT, 1985, p. 13). Desta forma, o psicopedagogo pode ir além de resolver um
problema pontual de dificuldade de aprendizagem ou mesmo diagnosticar, encaminhar e tratar
algum sintoma. Ele atua criando estratégias para que tanto aprendente quanto instituição
escolar possam explorar seus níveis de conhecimento, criando, assim, estratégias próprias e
que funcionam, tanto no individual quanto no coletivo.

Lembrando sempre que todo o processo diagnóstico não deve acabar na intervenção em si, ou
seja, necessita sempre de revisões e novas adequações. Em nosso estudo de caso, por
exemplo, seria inadequado apenas considerarmos o problema, ou seja, a dificuldade da
alfabetização dos alunos. Precisamos entender todo o contexto dos aprendentes, suas
individualidades, a forma e o conteúdo que a escola adotou, a relação entre os profissionais
envolvidos e os alunos, a relação da comunidade escolar com a família, e o quanto o aluno se
percebeu parte daquela comunidade. Assim poderíamos traçar um princípio de intervenção
terapêutica.

Ainda sobre isso, Fernández (1991, p. 44) nos orienta que “todo processo terapêutico é
também diagnóstico” e “reciprocamente, consideramos o momento chamado diagnóstico de
grande relevância terapêutica”, ou seja, ao nos dedicarmos a conhecer o sujeito, explorando
sua forma de buscar conhecimento, avaliando-o, já estamos intervindo terapeuticamente.

O processo de inclusão dos aprendentes em uma instituição de ensino, tarefa base de um


psicopedagogo, não se trata de colocá-lo em situação de aprendizagem apenas. É necessário
que a forma e o conteúdo daquela instituição estejam condizentes com a forma de aprender do
aluno, a fim de atendê-lo em suas particularidades, procurando entender como o sujeito

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constrói seu raciocínio, como suas ideias são encadeadas e qual vínculo afetivo tem com o
objeto de conhecimento, antes de indicar a “resposta correta” de uma resolução de problema.
Para que o aluno aprenda, antes de tudo é necessário que esteja claro para ele o motivo de
aprender, cabe aqui citar a célebre frase de Freire (1978, p. 70) “não basta saber ler
mecanicamente que ‘Eva viu a uva’” é preciso entender qual o contexto dela ter visto e o que
isso afeta o ser que lê essa informação. O que quero dizer é que todo o universo de uma
comunidade escolar deve ser articulado pelo bom desenvolvimento de seus aprendentes.

Para isso, ao ingressar em uma escola, é importante que o profissional de Psicopedagogia


trabalhe também com os profissionais daquela instituição, que ofereça assistência à
coordenação e aos professores, buscando fortalecer a identidade institucional, ao mesmo
tempo em que amplia e fortifica o olhar dos profissionais da mesma para identificar o ser
humano por trás de suas carteiras, entender seu vínculo afetivo com o objeto de conhecimento
e como se constroem e se estabelecem suas relações sociais, para além do cognitivo.
Conforme Nádia Bossa sintetiza:

Para o psicopedagogo, aprender é um processo que implica pôr em ação diferentes


sistemas que intervêm em todo o sujeito: a rede de relações e códigos culturais e de
linguagem que, desde antes do nascimento, têm lugar em cada ser humano à medida
que ele se incorpora a sociedade.(BOSSA, 1994, p. 51)

E é sobre esse ser humano, suas características e fase de desenvolvimento que agora
precisamos nos atentar. De acordo com o material que nos foi apresentado (estudo de caso –
Anexo 1), estamos diante de alunos do 3º ano do Ensino Fundamental, ou seja, crianças com
faixa etária média entre 7 e 8 anos, oriundos de um bairro de classe social baixa. Faz-se
necessário nesse momento criar este recorte na pesquisa levando em consideração essa faixa
etária e as condições socioculturais informadas a respeito dos alunos, para que, assim, a
mesma se torne mais objetiva e clara.

A respeito da faixa etária orientada, podemos tomar como ponto de partida o livro de Vera
Barros de Oliveira e Nádia Bossa (2019) “Avaliação psicopedagógica da criança de sete a
onze anos”, pois nele as autoras retratam bem as características das crianças nessa idade,
dizem que um dos pontos mais importantes na aprendizagem escolar das mesmas situa-se na
capacidade e na necessidade de interação (tanto com seus pares,  quanto com o corpo docente
e com o ambiente) e precisam disso para se adaptar. Além disso, as autoras deixam claro que:

Nas séries iniciais a criança constrói a base do repertório científico que irá sustentar
toda a sua vida acadêmica. Ainda nas séries iniciais a criança inaugura uma relação
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positiva ou não com a escola. A qualidade dessa relação, bem como a solidez dessa
base, depende não só dos recursos internos da criança, mas principalmente das
condições e de formação do adulto que faz essa mediação. (OLIVEIRA; BOSSA,
2019, p. 8)

Sendo assim, é uma faixa etária privilegiada para que a educação seja construída de forma
dinâmica e investigativa, facilitando inclusive a avaliação do psicopedagogo e o olhar atento
do professor, já que a criança também consegue se expressar melhor através de suas
produções artísticas ou até mesmo jogos e textos. Contudo, quando a educação não leva em
consideração ou não respeita as singularidades do aluno, poderá resultar em muitas
dificuldades por toda a vida acadêmica do mesmo. Podemos dizer então que se trata de um
período decisivo e de fundamental importância no processo pedagógico dos aprendentes.

Ainda sobre a fase de desenvolvimento das crianças citadas no estudo de caso, não podemos
deixar de averiguar como Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon enxergam esta faixa
etária quanto às suas possibilidades de aprendizagens, pois são nomes fundamentais no estudo
da psicopedagogia. Novamente, pensando no recorte necessário à pesquisa, serão citadas
apenas algumas características de cada uma das teorias dos autores. Portanto, optou-se pelas
ideias que fazem alusão direta ao estudo de caso.  

Para Piaget (1982), a faixa etária dos 7 aos 11 anos é intitulada como “período operatório
concreto”. Nela, a criança conquista o pensamento lógico e racional, ao mesmo tempo em que
amplia sua capacidade de descriminar objetos, tendo uma visão mais concreta do mundo que a
cerca e das diferenças envolvidas nele e nas suas relações. Outro ponto importante de
destacarmos da teoria piagetiana está no conceito do juízo moral que, segundo Piaget, é
desenvolvido também em etapas. Na faixa etária que estudou-se para essa pesquisa, as
crianças encontram-se no começo da conquista da autonomia, em um estágio que Piaget
chamou de “cooperação nascente”, caracterizada pela necessidade de ganhar as disputas e
jogos, e com sua própria versão das regras impostas. Diferente da fase anterior (heteronomia)
onde o sujeito segue regras por temer uma punição e não as questiona, aqui eles começam a
entender que as regras fazem parte de um combinado geral, ou seja, podemos dizer que é
nesse momento que os conceitos de senso de coletivo se iniciam, fato importante para
entendermos posteriormente as relações dessas crianças com as diferentes realidades que
habitam seu cotidiano nas questões de relações sociais (PIAGET, 1994).

Também falando sobre as relações sociais nessa idade, Lev Vygostsky (apud SANADA;
DAU, 2020) contribui com a pesquisa no sentido de entender o ser humano, de qualquer
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idade, a partir da sua relação com o meio social que habita e, além disso, ser interativo nessa
relação, conforme esclarece Martins, Castanho e Angelini (2013 apud SANADA; DAU, 2020,
p. 19) “a criança se constitui a partir de uma atividade em relação ao meio físico e social no
qual ela está inserida. Ela experiencia a natureza de forma mediada tanto por suas próprias
experiências, como por seus parceiros, adultos ou crianças.”. Teoria muito interessante se
levarmos em consideração a potência existente no fato das crianças de condição social mais
desfavorável terem sido colocadas em uma escola com melhores condições. Podemos
imaginar que essa diferença cultural poderia ter sido muito bem aproveitada se houvesse uma
troca e uma inclusão bem realizada desde o início.

Já com Henri Wallon, escolheu-se relatar duas características importantes de sua teoria, uma
em relação à idade sugerida pela pesquisa e outra do ponto de vista geral. Para Wallon (2007),
a faixa etária dos 6 aos 11 anos é caracterizada como “categorial”. Nela, as crianças começam
a entender e categorizar o “eu” e o “outro”, e juntamente a isso explorar a perceber diferenças
entre formas, objetos, lugares, valores e ideias. Nesse contexto, a mediação social é de grande
importância para seu desenvolvimento e é na qualidade dessa mediação que surge a outra - e
sumariamente importante - característica da teoria de Wallon: a Teoria da Afetividade. Nela, o
autor explica que todo ser humano é capaz de se afetar, tanto positivamente quanto
negativamente, com as circunstâncias internas e externa. A partir disso, vai propor que as três
dimensões psíquicas da criança (motora, afetiva e cognitiva) se integrem e sejam ativas em
relação ao meio em que vivem. Assim, coloca em questionamento o ensino tradicional,na
medida em que este acaba por cercear seus alunos do pensamento crítico e questionador,
passivos perante a sua realidade. Para Wallon, ao contrário, a escola, como meio social,
deveria formar “indivíduos autônomos, pensantes, ativos, capazes de participar da construção
de uma sociedade contextualizada”. (LAKOMY, 2003 p.60).

A partir do momento que os aprendentes do nosso estudo de caso se deparam com realidades
socioculturais tão diferentes, na escola e em casa, e a mediação disso não é realizada de forma
a levar em consideração essas particularidades como se espera de um processo de inclusão,
essas duas realidades se chocam e trazem dificuldades para que o aluno consiga se enxergar
nesses ambientes, criando barreiras também para seu processo de aprendizagem. Conforme
sintetiza Resende (2004, p. 104):

A criança, ao ingressar na escola, depara, tal como todo um conjunto de valores,


comportamento e atitudes de um grupo social diferente do seu. É uma situação
difícil de enfrentar: durante parte do dia (no horário escolar) tenta-se fazer da
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criança um membro da cultura x (o da escola) enquanto que durante o resto do
tempo ela é membro integrante da cultura y (a do seu pai, irmão, parente, vizinhos e
amigos). É uma situação de conflito, uma situação que tem o potencial de gerar
insegurança, de criar uma sensação de perda de referência.

Afinal, para compreendermos o processo de aprendizagem dos indivíduos temos que analisá-
los perante três vertentes: cognitiva, afetiva e social. Não é a toa que, ao criar o conceito de
Epistemologia Convergente, Jorge Visca (1987) recorreu a três teorias que, na união,
buscavam essas abordagens, a saber: a Psicogenética (de Jean Piaget, que percebe a ligação
entre a estrutura biológica dos seres em diálogo com seu potencial cognitivo), a Psicanalítica
(de Freud, que se refere aos desejos, impulsos e ao oculto que o ser cognoscente manifesta, ou
seja, diretamente ligado ao emocional e a afetividade) e a Psicologia Social de (Pichon
Rivière, que se ocupa em trabalhar a questão dos grupos operativos, fundamentando-se no
vínculo social).

É comum observar como os sujeitos que têm alcançado um mesmo nível intelectual
e fazem uso semelhante de sua afetividade, por pertencerem a diferentes culturas,
meios sociais ou grupos familiares, apresentam tematizações significativamente
distintas. Isto deriva simplesmente do fato de cada contexto oferece diferentes
crenças, conhecimentos, atitudes e habilidades (VISCA apud SAMPAIO, 2009, p.
27).

Levando, então, em consideração os fundamentos e foco da Psicopedagogia em conjunto à


faixa etária e as características socioculturais das crianças envolvidas no estudo de caso, a
grande questão é: como podemos avaliar e intervir no processo de ensino-aprendizagem do
referido estudo de caso? Para isso, temos que, antes de qualquer coisa, compreender quais são
os procedimentos gerais habituais para essas avaliações.

Cabe lembrar que a avaliação psicopedagógica, tanto no âmbito clínico quanto institucional,
trata-se de uma investigação (do seu cognitivo, das suas relações, da família, da mediação do
professor, etc.) e como tal não tem uma “receita” que deve ser seguida com rigor, mas existem
caminhos que podem ser direcionados. Destes caminhos surgem hipóteses (que no decorrer do
processo podem se confirmar ou não), e dessas hipóteses são geradas as propostas de
intervenção. Do resultante da intervenção, por sua vez, surgem novos diagnósticos e novas
hipóteses, formando-se um ciclo investigativo nada limitante ou linear.

Há, contudo, algumas perguntas-chave que o psicopedagogo poder ter em mente para
começar a traçar sua investigação a respeito da aprendizagem de um aluno em específico.
Conforme sugere Alícia Fernandez:

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(...) Um diagnóstico psicopedagógico de uma criança ou adolescente busca
responder a interrogações particulares, tais como:
1) Com que recursos conta para aprender?
2) O que significa o conhecimento e o aprender no imaginário do sujeito e sua
família?
3) Que papel foi-lhe designado por seus pais em relação ao aprender?
4) Qual é a sua modalidade de aprendizagem?
5) Qual é a posição do sujeito frente ao não dito, ao oculto, ao secreto?
6) Que função tem o não aprender para ele e para seu grupo familiar?
7) Qual é o significado da operação particular que constitui o sintoma?
8) Como aprende e como não aprende?
9) O não aprender responde a um sintoma, ou é uma resposta reativa ao meio sócio
educativo? (FERNÁNDEZ, 1991, p. 37 e 38).

Podemos perceber que as questões centralizam-se primeiramente na forma de ver e sentir o


aprendizado pelo ser cognoscente. Através da escuta e da observação desses fatores, o
psicopedagogo é capaz de perceber questões ocultas importantes no processo de
aprendizagem. Importante mencionar que, do ponto de vista do diagnóstico do aluno, essa
avaliação também não deve se fortalecer apenas nas questões subjetivas do aprendente, o
desafio está, por outro lado, em conciliar as questões objetivas de dificuldades cognitivas com
esse olhar subjetivo do ver, pensar e sentir do aluno.

Como já mencionado, as avaliações psicopedagógicas podem partir do âmbito clinico ou


institucional (divergindo tanto na estrutura da avaliação quanto nas suas formas
procedimentais). E, assim como a pesquisa necessitou de um recorte para falarmos sobre as
fases e características de desenvolvimento das crianças relacionadas à faixa etária e condição
social de nosso estudo de caso, agora também cabe nos atermos aos processos de avaliação
dentro de uma instituição, seguindo também o roteiro de nosso caso.

Sobre uma avaliação psicopedagógica institucional, é importante entendermos algumas


características, tais como: ela não será direcionada apenas ao aluno (enquanto psicopedagogos
temos que nos dedicar a compreender e avaliar toda a comunidade escolar envolvida no
processo de ensino-aprendizagem, a saber: a gestão escolar, professores, alunos, família e
demais funcionários); geralmente será o professor que encaminhará a queixa a respeito do
aluno (ou ao grupo de alunos); a intervenção ocorrerá no interior da escola (então é
importante compreender as características daquela unidade escolar); deve-se levar em
consideração questões além da compreensão de conteúdo (como relacionamento, organização
e enfoque pedagógico); a avaliação tentará aproximar a família da escola estabelecendo uma
comunicação funcional e, por fim, será um agente de mudança em toda a organização escolar
repensando modelos e estratégias de ensino (VERRI, 2021, p. 9-12).

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Ainda no âmbito institucional, a avaliação e as intervenções podem ser direcionadas a um
aluno específico, a um grupo de alunos (como sugere nosso estudo de caso) ou ainda à equipe
gestora/docente. Contudo, o formato de investigação poderá sempre seguir uma mesma
ordem, a saber: entrevistas (com os professores, alunos, família e demais funcionários),
observações do psicopedagogo (realizadas em sala de aula ou em outros ambientes da escola),
testes padronizados ou dinâmicas para averiguação individualizada, e, por fim, análise das
informações encontradas, relacionando-as com as queixas apresentadas.

De uma forma geral, esses são os procedimentos básicos para uma avaliação institucional.
Contudo, a pesquisa se aprofundará nesse tema nos próximos tópicos, onde se propõe a
sugerir um perfil de avaliação e posterior intervenção ao estudo de caso de referência.

METOLOGIA
A árvore que não dá fruto
É xingada de estéril. 
Quem examina o solo? 
O galho que quebra 
É xingado de podre, mas 
Não haveria neve sobre ele? 
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito do rio que a contém 
Ninguém chama de violento. 
(BRECHT, 2000, p. 140-141). 

Como já mencionado nos tópicos anteriores, essa pesquisa procura demonstrar a urgência que
se tem em investigar as causas do fracasso escolar, procurando meios de intervenção, ao
mesmo tempo em que retira do aluno a única responsabilidade por este “insucesso”. Ao
contrário disso, enxerga o processo de ensino-aprendizagem dentro de um universo operativo
que conta com uma gama de fatores, como a organização da gestão escolar, o Projeto
Pedagógico da instituição, as relações afetivas entre professor e aluno, a relação que a família
estabelece com a aprendizagem, etc…Este tema, do fracasso escolar, é de grande urgência em
nossa sociedade e atinge níveis que ultrapassam as salas de aula. Segundo Garcia (1997, p.
51) “a escola antecipa o fracasso escolar através da seleção, rotulação, discriminação e
exclusão, apesar do seu discurso democratizante. O fracasso escolar vem sendo o primeiro
degrau, na escalada para o fracasso social e para a manutenção do statuos quo”.

Portanto, a metodologia deste artigo pretende utilizar-se do estudo de caso para aprofundar e
contextualizar estes temas. O intuito é abranger temas como: a importância da constante
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avaliação no meio institucional,  a necessidade de revisão dos vínculos entre professor e aluno
e, por fim, identificar como a afetividade pode interferir no processo de ensino aprendizagem.
Baseando-se nos enfoques preventivos e terapêuticos da psicopedagogia, propõe-se sugerir
algumas propostas de avaliações e intervenções para o estudo de caso.

A princípio, deveríamos encarar esse estudo de caso levando em consideração dois públicos
diferentes: os alunos que foram retidos no 2º ano por não atingirem os resultados de
alfabetização necessários e os alunos que seguiram com a transição comum, ocupando o 3º
ano. Isso é importante, pois teremos um olhar diferenciado para cada um dos casos,
oferecendo possibilidades e estratégias de avaliação e prevenção que levem em consideração
as particularidades de seus alunos. Contudo, essas articulações serão apenas mencionadas, já
que, segundo o material que possuímos, o psicopedagogo responsável optou por
primeiramente focar nos alunos de 3º ano apenas.

Sendo assim, a título de curiosidade, poderíamos propor ao primeiro grupo de alunos, do 2º


ano, que o psicopedagogo tivesse um olhar com o enfoque da avaliação curativa/terapêutica.
Aplicando metodologias que visariam compreender, tratar e minimizar os problemas de
aprendizagem já instaurados, avaliando o currículo com os professores, a realidade
institucional e os modelos de aprendizagem dos alunos, verificando as capacidades de
raciocínio e construção de conhecimento dos alunos (seu cognitivo), e qual o vínculo que
essas crianças possuem com a aprendizagem (por sua vez, direcionado ao afetivo).

Já com o grupo de 3º ano, e seguindo o que nos sugere os anexos 2 e 3 desse artigo, vamos
nos dedicar a observá-los sob o ponto de vista preventivo da Psicopedagogia, para isso,
precisaremos investigar a relação de afeto envolvida na relação de ensino-aprendizagem,
avaliar as características psicomotoras dessas crianças, perceber como elas se relacionam com
seus pares na comunidade escolar e a interferência que a família pode ter nesse processo. Para
tanto, poderemos observar que o psicopedagogo responsável pelo caso escolheu duas
estratégias de avaliação: Entrevista com a professora de sala (Anexo 2) e observação da sala
de aula (Anexo 3). Essas duas formas de avaliação trarão para a pesquisa uma gama de
informações acerca do envolvimento desses alunos com a escola. Contudo, na
psicopedagogia, podemos lançar mão de vários outros instrumentos para avaliar mais
particularmente esses alunos e com isso conseguirmos executar uma intervenção mais
abrangente.

13
Entre tantas possibilidades, procurou-se averiguar quais seriam as mais prudentes para serem
utilizadas de acordo com as duas turmas de alunos do nosso estudo de caso. Sendo assim,
para os alunos do 2º ano propõem-se três outros métodos de avaliação psicopedagógica:
averiguação das modalidades de aprendizagem dos alunos (realizado através de observação
durante as atividades apenas, com o propósito de identificar o esquema de operação desses
alunos em relação à aprendizagem), aplicação do TDE II Teste de Desempenho Escolar II
(teste padronizado, centrado em mapear os potenciais de aprendizagem específicos do ponto
de vista cognitivo) e encontros particulares com o psicopedagogo para que execute, com os
oito alunos, duas Técnicas Projetivas (método criado por Jorge Visca para identificar o nível
de afetividade e vínculo do sujeito com a aprendizagem). A respeito das técnicas projetivas,
podemos utilizar tanto a técnica “Par Educativo” (em que se solicita para que o aprendente
desenhe duas pessoas em situação de aprendizagem, onde uma ensina e outra aprende),
quanto a técnica “Família Educativa” (o psicopedagogo pede para que o aluno desenhe sua
família com cada um fazendo aquilo que sabe fazer, o que mais gosta). Lembrando sempre
que tão importante quanto a ação da técnica em si é a conversa com o aluno para compreender
o que o mesmo tentou expressar, questionando-o acerca da relação de ensino aprendizagem
desenhado nas duas situações, principalmente entender como ele acredita que ensinam a ele
aquilo que sabem.

Após a aplicação desses instrumentos avaliativos, cabe ao psicopedagogo agrupar, em ordem


cronológica, todas as informações obtidas, juntamente com as primeiras percepções lançadas
na ficha de encaminhamento, entrevista com o professor e observação da sala de aula, para
obter uma análise terapêutica. Essa análise deve ser compartilhada com o professor e, junto a
ele, traçar planos de intervenção para esses alunos.

A respeito da avaliação e intervenção dos alunos do 3º ano que foram realmente utilizadas
pelo psicopedagogo responsável, bem como outras sugestões que optou-se por abordar nesse
artigo, serão mencionadas e detalhadas nos próximos tópicos.

RESULTADOS

Continuando nossa busca por identificar as melhores práticas psicopedagógicas para o estudo
de caso escolhido, esse tópico focará na analise da metodologia utilizada pelo psicopedagogo

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responsável e indicará possíveis intervenções a partir dos dados coletados. A saber, como já
mencionado, o profissional optou por dar preferência às dificuldades de aprendizagens
encontradas pelos alunos do 3º ano e para avaliação utilizou de duas estratégias: Entrevista
com a professora e Observação da sala de aula. Podemos encontrar esse material na integra
nos Anexos 2 e 3 desse artigo.

No material que disponibilizou-se, “Entrevista com a professora”, podemos obter algumas


informações importantes para começar o processo de análise das dificuldades de
aprendizagem encontradas na turma. Uma informação importante a se observar é que a
professora responsável pela turma, Lenora, não recebeu informações detalhadas sobre cada
aluno de sua turma antes do início do ano letivo, nem sobre o perfil sócio-econômico dos
alunos, nem sobre as características pessoais e emocionais dos mesmos, além disso, também
não houve uma “passagem” de turma de uma professora para outra, alertando sobre as
dificuldades cognitivas de cada aluno e a respeito da turma. Ela, por sua vez, percebeu
sozinha as dificuldades que os alunos possuíam e, dentro de suas possibilidades, repensou
suas estratégias de ensino. Ainda assim, a professora percebe que os alunos possuem
dificuldades em praticamente todas as áreas pedagógicas (“escrita, na leitura, interpretação,
raciocínio lógico, matemático, oralidade e na parte emocional também”, conforme descrito
por ela no Anexo 2).

Além disso, a professora relata que os alunos são muito carentes no que diz respeito também
às condições de saúde, expondo que os alunos necessitam de alguns cuidados básicos que são
negligenciados pelas suas famílias, como no trecho seguinte: “Percebo crianças que não
tomam banho todos os dias (cheiram mal), não cortam as unhas e, de 30 alunos, mais da
metade da classe está com piolho. (Anexo 2)”. Também por isso, retrata a triste situação dos
alunos sofrerem rejeição dos outros alunos da escola, indicando também que os próprios pais
dos outros alunos aconselham seus filhos a permanecerem distantes dos alunos desse 3º ano, e
que os alunos percebem a discriminação que sofrem pelos outros, além de também serem
conscientes de suas defasagens de ensino.

Por fim, podemos perceber no relato que os pais são, em sua maioria, totalmente distantes do
restante da comunidade escolar. Não auxiliam os filhos em seus trabalhos escolares, pouco
participam das reuniões e quando são orientados a procurar outras orientações ou
profissionais para os filhos (como um atendimento oftamológico, por exemplo), por carência
ou outro motivo, não o fazem.
15
Todas essas condições, segundo a professora, torna o trabalho da mesma insustentável, pois
percebe a defasagem dos alunos, procura realizar atividades que os auxiliam, ao mesmo
tempo que tenta abrir a escuta para os problemas pessoais deles, mas sente-se preocupada com
a condição física, emocional e principalmente de aprendizagem da turma. E todas essas
preocupações também constituem um peso ao seu próprio emocional.

Analisando o segundo material de observação (Anexo 3) poderemos ter acesso a Observação


da sala de aula pelo psicopedagogo. O relato do mesmo começa um pouco mais otimista,
revelando uma sala que também é disciplinada e interessada. Mas por serem muito agitados,
algumas atividades sugeridas pela professora não são completadas da maneira esperada, como
por exemplo, a atividade de ler uma história em silêncio e depois compartilhar com toda a
turma, pois enquanto um relata sua leitura, os outros começam a perder o interesse e, no
decorrer da atividade, a sala toda acaba se dispersando.

O psicopedagogo também descreve a professora como sendo alguém atenciosa com os alunos
e disposta a escutá-los. Na tentativa de auxiliar os alunos que possuem maiores dificuldades
de alfabetização, a professora acaba por deixar os outros alunos sem atividades, o que resulta
em conversa e confusão na sala. A preocupação da professora em cumprir o currículo
sugerido pela escola também se choca com a vontade da mesma de procurar estratégias
pedagógicas diferentes para sua ensinagem, uma vez que o currículo não foi adaptado para
essa sala em específico.

Por fim, ao analisar o material utilizado pela professora nas atividades, o psicopedago
avaliou-o em muitos critérios como de difícil compreensão pelos alunos, percebendo algumas
atividades com poluição visual, ou com espaços não condizentes para o preenchimento das
respostas, ou ainda relatou que alguns materiais escritos possuíam uma letra de difícil leitura.
Tudo isso somado a falta de organização da sala enquanto espaço físico e enquanto disciplina
proposta pela professora (“às vezes, os alunos tudo podem; às vezes, não podem nada.”,
reflexão do psicopedagogo ao observar a sala – Anexo 3) .

Podemos intuir, a partir dessas duas estratégias de avaliação realizadas pelo psicopedagogo
responsável que grande parte do problema de aprendizagem desses alunos do 3º ano encontra-
se na:

16
1. Falta de adequação do currículo e de estratégias de ensino eficazes com esses alunos
em específico.
2. Não inclusão desses alunos (e de seus familiares) na comunidade escolar;
3. Falta de conhecimento sobre as particularidades de cada aluno (como pensa, o que
gosta, quais suas ambições, o que tem dificuldade e principalmente como aprende)

Esses serão, portanto, os principais pontos a serem questionados na proposta de intervenção


sugerida nesse artigo.

ANÁLISE DE DADOS

A respeito da avaliação psicopedagógica, é necessário entender que ela é o início e faz parte
da intervenção, pois é da avaliação que pensamos hipóteses e destas que surgem as propostas
para intervir psicopedagogicamente. Da intervenção, por sua vez, surgirão outras avaliações e
outras hipóteses, portanto elas se correlacionam o tempo todo e são dependentes uma da
outra. Como no tópico anterior descrevemos as estratégias de avaliação utilizadas pelo
psicopedagogo institucional do caso, agora cabe analisá-las do ponto de vista conceitual e
entendermos como dessa avaliação podemos pensar estratégias de intervenção.

Pudemos perceber que a primeira ação do psicopedagogo foi estabelecer uma relação de
cumplicidade e escuta para com a professora responsável pela turma que o estudo de caso é
direcionado. Afinal, é nesse primeiro contato que a queixa será formalizada, ao mesmo tempo
em que é possibilitado ao psicopedagogo ter uma dimensão de como aquele docente pensa,
sente e age perante a situação envolvida. Conforme, tão bem, sintetiza Fernandez (1991, p.
32) “Também o docente pode ser vítima de um sistema que o usa como algoz. Dar a palavra
ao docente, escutá-lo, pode às vezes possibilitar a abertura de um espaço e de uma atividade
que poderá ser adiante mais facilmente levada ao vínculo professor-aluno.”

O psicopedagogo do caso, optou por iniciar a avaliação através da “Entrevista com o


professor”, que estabelece um diálogo com a profissional ao mesmo tempo que disponibiliza
alguns dados de escolaridade dos alunos e já demanda da professora uma reflexão a respeito
dos mesmos. Isso auxilia o psicopedagogo a verificar as prioridades do caso bem como intuir
as primeiras hipóteses sobre a relação de professor-aluno. A entrevista ajuda, inclusive, os

17
professores a refletirem sobre a problemática envolvida e mostrar o comprometimento do
profissional da psicopedagogia com o caso.

Na prática da entrevista é muito importante que o psicopedagogo entenda todo o processo de


adaptação das crianças à escola, como se dão as relações entre os alunos da sala (e com os
outros alunos da escola), registrar algumas características do processo cognitivo dos mesmos,
entender a relação professor/família estabelecida e questionar quais atitudes o professor já
tomou perante às dificuldades de aprendizagens e quais os resultados das mesmas (VERRI,
2021, p. 24-25), além de entender como o professor se sente perante toda a situação. Por fim,
algo que deve sempre ser levado em consideração é, na conversa com o professor, procurar
identificar os pontos positivos dos alunos e as potencialidades de aprendizagem. Corre-se o
risco de, nesse primeiro momento, o professor se deixar levar pela queixa em si e se focar
naquilo que não foi conquistado ainda, portanto, é preciso orientá-lo no sentido de observar as
evoluções dos casos e nutri-lo com expectativas positivas.

Logo após a entrevista com o professor e de anotar todas as observações e primeiras hipóteses
sobre o estudo de caso, o psicopedagogo deve agendar com o professor uma “Observação da
sala de aula”, como a estratégia de avaliação utilizada pelo psicopedagogo do caso e que pode
ser lida na íntegra no Anexo 3.

Na observação da sala de aula, podemos seguir o seguinte padrão de conduta: o professor


apresenta o psicopedagogo (não precisa dar muitos detalhes das motivações dessa presença,
apenas que irá ficar junto ao grupo na sala, observando), o psicopedagogo senta-se em um
lugar que consiga ter uma visão da sala inteira e anota (em narração) todos os detalhes que
chamarem a atenção. Sobre as anotações, elas podem partir de questões mais práticas, como
qual o momento foi escolhido para essa intervenção (se estão em meio a uma atividade, se é
uma atividade especial que está sendo desenvolvida, se eles acabaram de chegar à escola, se
voltaram do intervalo...), as características do espaço da sala de aula e a organização dos
alunos; até questões mais particulares, incluindo, entre outras, como o professor propõe as
atividades e intervém quando necessário, qual a dinâmica da sala de aula (com suas regras e
combinados), como os alunos desenvolvem a tarefa proposta (com que grau de envolvimento
e animação), como se dá a relação entre o grupo de alunos, se existe alguma interação deles
com o psicopedagogo e qual o grau de vinculo estabelecido entre o professor e os alunos.

18
Além do ambiente da sala de aula, é muito relevante ao psicopedagogo tomar nota de como
esses alunos se relacionam também em outros ambientes e situações escolares, como no pátio
durante o intervalo ou na hora de entrada e saída desses alunos, verificando a relação deles
com outros alunos e funcionários da escola.

A partir da avaliação conquistada pelo psicopedagogo e analisando as dificuldades de


aprendizagens observadas, podemos então começar o planejamento da intervenção, sempre
com o objetivo de conquistar a autonomia (da instituição, da professora e dos alunos),
queremos, enquanto psicopedagogos, provocar mudanças coerentes e que tragam confiança
tanto aos profissionais envolvidos como aos próprios alunos, tornando-os protagonistas de sua
trajetória pedagógica.

Segundo descreveu em seu site pessoal 1, a psicopedagoga Nádia Bossa (2019), sugere
alguns passos ao se planejar uma intervenção:
 Analisa-se com mais atenção e cautela os erros dos alunos;
 Elabora-se a reformulação e adequação das práticas docentes, para que elas
se aproximem da necessidade dos alunos e atenda as dificuldades que o mesmo
apresenta;
 Recomenda-se que o professor em conjunto com a escola e o psicopedagogo,
reflita sobre a estrutura curricular e sua compatibilidade com a estrutura cognitiva,
afetiva e social do aluno com déficit de atenção, afinal para nós psicopedagogos a
aprendizagem baseia-se no equilíbrio dessas estruturas.
 Avalia-se o enfoque psicopedagógico da dificuldade de aprendizagem em
crianças com déficit de atenção, os processos de desenvolvimento e os caminhos da
aprendizagem, entendendo o aluno de forma individual e interdisciplinar, buscando
apoio em diversas áreas do conhecimento, analisando a aprendizagem no contexto
escolar, familiar e no aspecto afetivo, cognitivo e biológico.

Sendo assim, a primeira preocupação da intervenção deve ser ajustar os conteúdos e as


estratégias pedagógicas de ensinagem, respeitando as características dos alunos.

Segundo Coll (1987, p. 30) “uma proposta curricular comporta sempre um projeto social,
uma visão do tipo de sociedade e pessoas que se pretende promover com a escola. A educação
escolar é antes de mais nada e sobretudo uma atividade de natureza social, com uma função
basicamente socializadora” e nesse caso, essa visão construtivista da educação vem a calhar
para que consigamos desenvolver uma proposta de intervenção que inclua efetivamente esses
alunos na instituição, e para tanto, se faz necessário uma adequação escolar. Nela o

1
BOSSA, Nádia. O que é intervenção psicopedagógica. Disponível em:
https://nadiabossa.com.br/web/o-que-e-intervencao-psicopedagogica/. Texto
disponibilizado no dia 30 de maio 2019 na coluna “Blog”.

19
psicopedagogo aliado ao professor irá, a partir da demanda/situação de dificuldade de
aprendizagem, determinar quais serão os objetivos a serem alcançados e os conteúdos a serem
abordados (caso tenha mais de uma situação que o sujeito ou a sala esteja com dificuldade, os
profissionais deverão elencá-los por ordem de prioridade). Logo depois irão verificar quais
metodologias e atividades serão aplicadas a fim de facilitar a aprendizagem dos sujeitos, nesse
ponto é sempre importante que o profissional de Psicopedagogia conheça muito bem a
metodologia aplicada naquela instituição, qual o perfil das atividades que são geralmente
realizadas e qual o estilo de ensinagem do professor. Por fim, eles deverão avaliar se a
intervenção utilizada foi favorável e quais pontos devem ser revistos para um novo estágio
possível de intervenção, essa avaliação deve ser contínua e formativa.

Esse modelo proposto por César Coll (1987) é muito favorável para auxiliar o psicopedagogo
no trabalho institucional, pois ao refletirmos a respeito dele poderemos perceber que ele
amplia a visão do psicopedagogo a respeito das metodologias já utilizadas pela instituição
(além, é claro, de trazer outras vertentes a serem sugeridas pelo profissional, adequando a
metodologia aplicada à queixa relatada), respeita a individualidade do professor adequando as
atividades às habilidades do professor, promove a autonomia do aluno, pois, a educação parte
daquilo que lhe é fácil de ser executado para então enfrentar as questões que tem dificuldades,
além de ser um método que traz clareza a intervenção e é possível de ser mensurado ao final
dela.

O profissional de Psicopedagogia que trabalha dentro de uma instituição também deve,


quando necessário, propor adequações curriculares que perpassam: o projeto político
pedagógico e o currículo como um todo e no nível individual (incluindo a família e a
comunidade escolar). Dessa forma, o trabalho do psicopedagogo vai além de tratar questões
terapêuticas pontuais, ele pode agir de forma preventiva considerando os diversos elementos
que compõem o trabalho institucional.

Após compreender a necessidade de repensar o currículo e metodologias escolares para a


inclusão desses alunos, um ponto tão importante quanto é procurar dar voz a esses alunos.
Analisar como os mesmos pensam, agem e sentem é fundamental para criarmos um vínculo
com esses alunos e assim tornar a ensinagem mais eficaz. Uma proposta bem interessante é
que o psicopedagogo responsável realize com a turma alguns jogos e dinâmicas. Além de
entender melhor o que cada aluno gosta, estaremos analisando também as características

20
psicomotoras dos mesmos. Tratando-se assim, de um recurso rico para compreender não
apenas características gerais do grupo como características pessoais e subjetivas dos alunos.

Faz-se necessário que o Psicopedagogo sempre analise as situações lúdicas em que a


criança está inserida, como possibilidade para ela superar a condição atual e avançar.
Estas situações lúdicas também são fontes de informações sobre as áreas
sócioafetiva, cognitiva, linguística, moral e psicomotora da criança.
(INÁCIO;SOUZA, 2016, p. 557).

Os jogos tratam-se de ferramentas fundamentais na psicopedagogia tanto para avaliação


quanto para intervenções, a criança durante o jogo se desenvolve no cognitivo, no emocional
e em suas funções executivas

O psicopedagogo deve traçar metas na elaboração de jogos: precisa estabelecer quais são os
objetivos a serem trabalhados e qual jogo é o recomendado, deve refletir no nível de
dificuldade do jogo (precisa ser desafiante e possível, a criança deve estar motivada para
jogar), e por fim deve moldar as regras de acordo com a necessidade psicopedagógica.
Quando bem aplicado, o jogo auxilia na construção de repertório linguístico, trabalha a
autonomia das crianças, possibilita vivências que serão fundamentais para adaptar-se ao
ambiente social, auxilia no desenvolvimento cognitivo, motor e socioemocional, propicia
melhor diálogo da sala e melhora a relação professor e aluno (quando o professor é também o
mediador do jogo ou participa junto aos alunos). Além disso,

a utilização dos jogos como instrumento de intervenção psicopedagógica


proporcionará ao sujeito o hábito de planejar, executar e avaliar o que fez, como
também a possibilidade de refazer a jogada, o que permitirá ao sujeito lidar com
seus erros e buscar novas soluções tanto para questões escolares como cotidianas.
(MOTA, 2021)

Além de planejar e organizar as atividades de jogos e brincadeiras, o psicopedagogo deve


refletir sobre a sua postura e sobre a sua ludicidade, deve assumir uma posição mediadora e
questionadora durante os jogos, além de ser o responsável por tornar atrativo o jogo às
crianças. O jogo, como ferramenta psicopedagógica, aproxima o psicopedagogo dos alunos,
possobilitando melhor diálogo entre eles e, consequentemente, a intervenção torna-se mais
rica e potente.

Para finalizar essa etapa de análise de dados e de propostas de intervenções acredita-se que
um ponto bem importante seria que a escola procurasse aproximar os familiares dessas
crianças no ambiente escolar. De acordo com o estudo de caso que temos, percebe-se que os
alunos moram em um bairro distante e de nível sociocultural diferente dos outros alunos dessa

21
comunidade escolar, talvez por esse motivo os pais e responsáveis parecem ausentes no
processo de ensino-aprendizagem, contudo esse vínculo família/escola é extremamente
importante para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social dos aprendentes. Segundo
Porto (2007, p. 28)
a estruturação escolar não poderá ser pensada apartada da família. Em verdade, são
elas as duas instituições responsáveis pelo que se denomina educação em um sentido
amplo, só que o processo educacional depende da articulação desses dois âmbitos
institucionais que não se justapõem. Antes, são duas dimensões que, na melhor das
hipóteses, complementam-se e articulam-se.

Sendo assim, o psicopedagogo pode organizar, junto à escola, atividades que aproximem a
família da instituição, sempre mostrando o quanto aqueles familiares são bem vindos à
unidade escolar. Eles devem ser convidados a comparecerem na instituição em situações
como eventos ou atividades coletivas, não apenas para reunião de pais. Contudo, para que os
pais e responsáveis se envolvam com a instituição, é necessário que os alunos sintam e
percebam esse vínculo afetivo com a mesma.

De acordo com a pesquisa que se estabeleceu nesse artigo, podemos traçar então um primeiro
caminho de uma possível intervenção, primeiramente adequando conteúdos com a realidade
dos aprendentes, planejando jogos e brincadeiras que sejam condizentes com as expectativas
psicopedagógicas e aproximando os familiares dos alunos ao restante da comunidade escolar.
Importante mencionar que o psicopedagogo deve realizar tudo isso em total consonância com
a escola e desejando proporcionar a autonomia da coordenação, professora e alunos. O
trabalho do psicopedagogo é auxiliar no processo de ensino-aprendizagem criando estratégias
para tornar, por consequência, a comunidade escolar independente do trabalho
psicopedagógico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo reforça a importância de avaliar e intervir nas dificuldades de


aprendizagens dos alunos levando em considerações todas as esferas formais e informais da
sua educação. É necessário desrotular alunos e enxergá-los além de suas dificuldades,
encaminhar o processo de ensino-aprendizagem a partir de suas potencialidades e levando em
consideração sua trajetória educacional.

22
Pode-se observar nesse artigo, através dos materiais trazidos pelo estudo de caso em paralelo
com o campo conceitual teórico, que a reflexão e organização para a recepção de alunos em
uma nova unidade de ensino não deve ser feita de forma abrupta e ignorando algumas etapas e
conhecimentos essenciais para a inclusão dos mesmos. Com o foco apenas na alfabetização
dos alunos, no estudo de caso escolhido, negligenciou-se processos fundamentais para a
efetiva inclusão desses aprendentes, podendo comprometer todo o processo pedagógico deles,
caso nada fosse realizado.

Essa é a função da Psicopedagogia Institucional: trabalhar em função dos aprendentes,


diagnosticando e intervindo em suas dificuldades de aprendizagens sempre em consonância
com toda a comunidade escolar e, em alguns casos, com outros profissionais, criando
estratégias com foco na conquista da autonomia, para que não mais se dependa do
encaminhamento psicopedagógico.

Sabendo que o psicopedagogo não tem (e não deveria mesmo ter) uma fórmula pronta para
solucionar questões de aprendizagens e que, assim como aqui foram pensadas algumas
estratégias de avaliação e intervenção, algumas outras poderiam ser elaboradas e até mesmo
expandidas para outras turmas, podemos perceber o quão abrangente é o universo da
psicopedagogia e como se faz necessário aprofundar as pesquisas relacionadas ao tema, pois a
realidade aqui apresentada é muito comum, infelizmente, em todo o nosso país.

Deseja-se que essa pesquisa junte-se a tantas outras e seja relevante para repensarmos cada
vez mais os rumos da educação do nosso país, entendendo o desenvolvimento do aprendente
nas dimensões orgânica, cognitiva, emocional e de mediação, promovendo uma educação
verdadeiramente inclusiva e afetiva.

23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Laura Monte Serrat. A Psicopedagogia e o momento de aprender. São José


dos Campos: Pulso, 2006

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Lev Vygostsky na prática psicopedagógica com crianças. Material do Módulo 2 do Curso
de Pós Graduação do Instituto Singularidades: Psicopedagogia - avaliação e intervenção em
processos de aprendizagem. 2020.

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https://nadiabossa.com.br/web/o-que-e-intervencao-psicopedagogica/. Texto
disponibilizado no dia 30 de maio 2019 na coluna “Blog”.

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FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Artmed, 1991

FREIRE, Paulo. A alfabetização de adultos: é ela um quefazer neutro? Educação &


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GARCIA, Regina. A Educação numa Plataforma de Economia Solidária. Proposta. Rio de


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GOLBERT, Clarissa S. Considerações sobre as atividades dos profissionais em


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24
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Material do Módulo 12 do Curso de Pós Graduação do Instituto Singularidades:
Psicopedagogia - avaliação e intervenção em processos de aprendizagem. 2021.

OLIVEIRA, Vera Barros; BOSSA, Nadia A. (Orgs). . 20 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 201

PAIN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. 3ªed. Porto


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PIAGET, Jean (1982). O Nascimento da Inteligência na criança. (4ª ed.). Rio de Janeiro:
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PORTO, Olívia. Psicopedagogia Institucional: teoria, prática e assessoramento


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GOMES, Maria de F. C; SENA, Marias das G. de C. Dificuldades de Aprendizagem na
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VISCA, J. Clínica Psicopedagógica: Epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1987.

WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

25
ANEXO 1

26
ANEXO 2

ENTREVISTA COM A PROFESSORA DA CLASSE DO 3º ANO D. - Prof.ª LEONORA.

Psicopedagogo: Ao receber a classe deste ano, o que lhe foi dito sobre ela?

Professora: Quando peguei a classe, já havia iniciado o ano letivo. Me disseram, apenas, que os
alunos haviam sido alfabetizados no ano passado.

Psicopedagogo: O conteúdo trabalhado em classe é o mesmo que o dos outros 3os anos?

Professora: Não me disseram nada sobre o conteúdo. Deduzi que deveria dar o mesmo que as
outras professoras. Não fui orientada a fazer nada de diferente. É claro que, com as dificuldades que
eles apresentam, eu procuro dar estratégias diferentes; percebo que as outras professoras são mais
tradicionais.

Psicopedagogo: Os pais foram informados das dificuldades e defasagens de seus filhos?

Professora: Dificilmente os pais vêm em reuniões. São famílias dotadas de inúmeros problemas
(saúde, financeiro...). Quando falo com as mães, elas concordam, mas nada se modifica. São pais
muito ausentes porque trabalham muito e as crianças ficam abandonadas.

Psicopedagogo: E as crianças? Sabem que estão em uma classe mais fraca que as demais?

Professora: É claro que elas percebem que são diferentes. Somente elas vêm no ônibus da
prefeitura, ganharam o material da APM* (Associação de Pais e Mestres). Elas, inclusive,
conversam com as crianças das outras classes e percebem que as outras sabem mais do que elas.
Quando alguma professora falta, as crianças são divididas e colocadas nas outras classes e aí, elas
constatam, realmente, que têm dificuldades e que são, inclusive, discriminadas pelas outras –
moradoras no bairro. As próprias mães alertam seus filhos para não se aproximarem muito dos meus
alunos. São comentários que nós, professoras, escutamos...

* A APM é uma entidade jurídica de direito privado, com a finalidade de colaborar para o
aperfeiçoamento do processo educacional, bem como a assistência ao escolar e a integração
escola-comunidade.

Psicopedagogo: Qual a posição da direção e coordenação frente às dificuldades apresentadas por


esta classe?
27
Professora: Elas dizem que não seria possível desmembrar a classe, pois todos chegam e saem
no mesmo horário, devido ao transporte.

Psicopedagogo: E você? Como se posiciona diante de tantas dificuldades cognitivas e


emocionais?

Professora: Eu tento fazer atividades diferenciadas, mais dinâmicas e prazerosas, para que os
alunos possam aprender, mas confesso que às vezes fico desanimada com a falta de dedicação e
ajuda da família. Lição de casa, nem posso mandar, porque eles não fazem mesmo.

Psicopedagogo: O que mais a preocupa neste momento, em relação às dificuldades da classe?

Professora: Eles têm dificuldades na escrita, na leitura, interpretação, raciocínio lógico,


matemático, oralidade e na parte emocional também.

Psicopedagogo: Percebe ou percebeu progressos?

Professora: Sim. Tenho atividades como ditados do início do ano e de agora e percebo que estão
melhorando, mesmo que lentamente.

Psicopedagogo: Como você percebe as crianças, de modo geral?

Professora: Elas são apáticas, carentes, não muito saudáveis, são bondosas e solidárias. Às
vezes, percebo que necessitam ir ao oftalmologista, mas os pais não as levam, pois trabalham e
são muito carentes. Percebo crianças que não tomam banho todos os dias (cheiram mal), não
cortam as unhas e, de 30 alunos, mais da metade da classe está com piolho. A carência é tanta,
que os alunos, conforme já disse, receberam, no início do ano, material da APM. A maioria deles
não soube cuidar do material que recebeu – perdeu, jogou fora... – e, hoje, parte desse material,
já nem existe mais. Fica clara a falta de orientação e, até mesmo de exemplo, por parte dos pais.

Psicopedagogo: Como você se sente, emocionalmente, com esses problemas?

Professora: Eu faço reposição hormonal e tive um período de tensão pré-menstrual muito


intenso. Confesso que andei sem paciência, mas pedi desculpas para eles. Agora, eu estou
melhor, mas confesso que nem sempre consigo parar tudo para ouvir os problemas familiares
(horríveis) que eles trazem para a escola e querem contar. Na maioria das vezes, procuro ouvir e
dar atenção, pois sei que, de certa forma, estou ajudando-os. Confesso que não é fácil lidar com
ANEXO 3
tantos problemas emocionais e me preocupo, também, com a aprendizagem deles.

28
ANEXO 3

OBSERVAÇÃO DO TRABALHO DESENVOLVIDO EM SALA DE AULA - 3º ANO D

Observando os alunos, em sala de aula, percebemos que a maioria deles é disciplinada e


participativa. Sua participação, embora tumultuada – muitos falam ao mesmo tempo, causando
certo tumulto na classe, às vezes, difícil de ser controlado – não deixa de ser sadia, já que revela
interesse dos alunos em realizar as atividades.

Leonora relatou que as crianças são “apáticas quando se trata de um trabalho de


oralidade”. Elas também apresentam um vocabulário bastante restrito, segundo nos informa a
professora.   

A professora procura estimular os alunos a participarem das propostas e organiza,


adequadamente, os passos, para obter um melhor entendimento por parte deles. Porém, pelo que
pudemos notar, há falhas quanto à apresentação das atividades. Em um trabalho individual, em
que os alunos deveriam preencher frases incompletas, por exemplo, notamos que a professora
optou por colocar todas as frases em uma única folha, para que as crianças as completassem em
outra folha. 

Na tentativa de perceber progressos quanto à leitura dos alunos, Leonora estabelece que, em um
dia da semana, após as aulas de Educação Física, os alunos terão meia hora para fazer a leitura
silenciosa de um livro que cada qual escolhe na biblioteca da classe. Depois desse tempo, cada
aluno é chamado para contar, à classe, o que leu. 

Durante o resumo das histórias, muitas das crianças se dispersam e ficam conversando
paralelamente. No final da atividade, somente a professora acompanhou os relatos. A maioria das
crianças já se encontra fazendo outras coisas – principalmente, conversando com outros colegas,
rindo e mexendo com os demais – e poucos são os que tentam continuar a leitura do livro que
escolheram para ler.     

A relação que a professora estabelece com seus alunos considera aspectos afetivos. As crianças
parecem gostar de falar com Leonora e, sempre que podem, procuram aproximar-se dela, que as
recebe com carinho, dedicando-lhes a atenção possível para o momento.

A professora parece preocupar-se mais com os alunos que ainda encontram problemas quanto à
alfabetização. Muitas vezes, na tentativa de ajudá-los, acaba por abandonar o restante da classe à
própria sorte e, assim, a maior parte da turma, começa a conversar, aguardando o retorno da
professora, o que acaba gerando uma certa confusão e muito barulho na sala de aula.

Em outros momentos da observação em classe, percebemos que a professora se perde um pouco


em suas propostas diárias. 

Uma vez que o conteúdo não foi adaptado para sua classe, existe, é claro, uma preocupação em
cumpri-lo. Como se isso não bastasse, Leonora necessita criar diferentes estratégias para que os
alunos aprendam de forma mais concreta e dinâmica.

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Também foi observado que as atividades pela professora elaborada apresentam:

 poluição visual nas folhas de atividade, pouco espaço (tanto na folha quanto de tempo) para
a resolução dos exercícios, 
 letra inadequada, na proposta das atividades, dificultando a compreensão, por parte dos
alunos, da tarefa a ser executada;
 aproveitamento de uma única folha, para a consecução de duas ou três atividades
diferenciadas;
 perguntas em uma folha, para que os alunos respondam em outra folha;
 atividades com tempo excessivo para serem executadas ou, ao contrário, com tempo escasso;
 falta de organização da sala de aula, das carteiras, dos livros de leitura, dos jogos, do
material da própria professora (que não acha algumas coisas quando as procuras...);
 momentos de oscilação: às vezes, os alunos tudo podem; às vezes, não podem nada. 

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