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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

CURSO DE GRADUAÇÃO – EAD


Educação de Jovens e Adultos – Profª Ms. Ana Maria Tassinari e Profª Ms. Maria
Cecília Nogueira Garcia Pupin.

Olá! Meu nome é Ana Maria Tassinari. Sou graduada em Pedagogia


com habilitação em Educação Especial, especialista em
Psicopedagogia Clínica e mestre em Serviço Social pela Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – Unesp – Franca.
Sou professora efetiva da rede estadual e, ainda, professora dos
cursos de Pedagogia, Filosofia e Computação na modalidade EAD
do Claretiano - Centro Universitário, unidade de Batatais (SP). Atuo,
também, em meu consultório de Psicopedagogia. Minha formação
e experiência profissionais sempre estiveram ligadas à educação.
e-mail: anatass@claretiano.edu.br

Eu sou Maria Cecília Nogueira Garcia Pupin, mestre em


Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão
Preto – SP (2008), especialista em Educação Infantil e
Alfabetização pelo Claretiano - Centro Universitário (2004),
licenciada em Pedagogia, também pelo Claretiano (2002), e
técnica em Administração de Empresas pela Escola Técnica
Estadual “Antônio de Pádua Cardoso” (1999). Também cursei o
Magistério em nível de Ensino Médio (1999). Fui professora em
escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental.
e-mail: mariacecilia@claretiano.edu.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Ana Maria Tassinari
Maria Cecília Nogueira Garcia Pupin

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Batatais
Claretiano
2015
© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)
Versão: jun./2015

374 T213e

Tassinari, Ana Maria


Educação de Jovens e Adultos / Ana Maria Tassinari, Maria Cecília Nogueira Garcia
Pupin – Batatais, SP : Claretiano, 2015.
208 p.

ISBN: 978-85-8377-390-0

1. Educação de Jovens e Adultos no Brasil. 2. Procedimentos didáticos na e para a ação docente


para a Educação de Jovens e Adultos. 3. A andragogia e a aprendizagem do adulto. 4. Reflexões
sobre o mercado de trabalho. 5. Educação Básica e suas contribuições para a Educação de Jovens
e Adultos e a formação de professores. I. Pupin, Maria Cecília Nogueira Garcia. II. Educação
de Jovens e Adultos.

CDD 374

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
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Camila Maria Nardi Matos Eduardo Henrique Marinheiro
Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
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Dandara Louise Vieira Matavelli Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Elaine Aparecida de Lima Moraes Rafael Antonio Morotti
Josiane Marchiori Martins Rodrigo Ferreira Daverni
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Luciana A. Mani Adami Vanessa Vergani Machado
Luciana dos Santos Sançana de Melo
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Raquel Baptista Meneses Frata Eduardo de Oliveira Azevedo
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO........................................................................... 11

Unidade 1 – BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


NO BRASIL
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 29
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 29
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 30
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 30
5 EDUCAÇÃO E CIDADANIA................................................................................. 31
6 UMA REFLEXÃO CRÍTICA.................................................................................. 36
7 PONTUANDO HISTORICAMENTE A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS...... 37
8 TEXTOS COMPLEMENTARES ............................................................................ 51
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 58
10 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 60
11 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................. 61
12 R EFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA........................................................................... 62

Unidade 2 – CARACTERIZAÇÃO DO ALUNADO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS


E ADULTOS EM FACE DAS DETERMINANTES PEDAGÓGICAS E
SOCIAIS
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 63
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 64
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 64
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 64
5 EDUCANDOS JOVENS E ADULTOS E ESCOLA................................................... 66
6 CONHECIMENTOS JÁ ADQUIRIDOS................................................................. 70
7 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)........................................................ 71
8 EDUCADOR DE JOVENS E ADULTOS................................................................. 73
9 ASPECTOS SOCIOAFETIVOS.............................................................................. 78
10 T EXTOS COMPLEMENTARES............................................................................. 79
11 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 87
12 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 88
13 E-REFERÊNCIA ................................................................................................... 88
14 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 88
Unidade 3 – PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS NA AÇÃO DOCENTE PARA A
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 91
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 91
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 92
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 93
5 FRANK CHARLES LAUBACH............................................................................... 94
6 PAULO FREIRE: PENSAMENTO, POLÍTICA E EDUCAÇÃO................................ 96
7 UM RECORTE SOBRE O MÉTODO PAULO FREIRE DE ALFABETIZAÇÃO E
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS................................................................. 101
8 TEXTO COMPLEMENTAR................................................................................... 107
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 120
10 C ONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 121
11 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................. 122
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 122

Unidade 4 – PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E AS


FERRAMENTAS ESSENCIAIS À SUA AÇÃO METODOLÓGICA
(OBSERVAÇÃO, REGISTRO E AVALIAÇÃO)
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 125
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 126
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 126
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 126
5 FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
(EJA)................................................................................................................... 127
6 SALA DE AULA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.................................. 129
7 SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM........................................................................ 132
8 ROTINA DE TRABALHO...................................................................................... 133
9 A OBSERVAÇÃO E O REGISTRO......................................................................... 135
10 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)............................. 142
11 C OMO AVALIAR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)...................... 143
12 T EXTOS COMPLEMENTARES............................................................................. 145
13 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 156
14 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 157
15 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 158
16 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 158
Unidade 5 – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES SOBRE O
MERCADO DE TRABALHO
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 161
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 161
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 162
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 162
5 DISTÂNCIA ENTRE SABER E FAZER................................................................... 165
6 POSSIBILIDADES DE AVANÇOS POR MEIO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS............................................................................................................ 170
7 EDUCAÇÃO BÁSICA PARA O TRABALHO ......................................................... 176
8 TEXTO COMPLEMENTAR................................................................................... 185
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 187
10 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 188
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 190
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 190

Unidade 6 – ANDRAGOGIA E APRENDIZAGEM DOS ADULTOS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 193
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 194
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 194
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 195
5 ANDRAGOGIA.................................................................................................... 195
6 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ANDRAGOGIA.......................................................... 196
7 PILARES DA ANDRAGOGIA............................................................................... 197
8 ABORDAGEM FILOSÓFICA A RESPEITO DA APRENDIZAGEM DOS
ADULTOS............................................................................................................ 198
9 PSICOLOGIA DO ADULTO.................................................................................. 198
10 E DUCAÇÃO DO ADULTO................................................................................... 199
11 D IFICULDADES DE APRENDIZAGEM DO ADULTO .......................................... 199
12 R ELAÇÃO DA PEDAGOGIA X ANDRAGOGIA COM A EDUCAÇÃO................... 200
13 C ARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM ADULTA ........................................... 201
14 A NDRAGOGIA: NOVAS POSSIBILIDADES......................................................... 202
15 A NDRAGOGIA NAS EMPRESAS........................................................................ 203
16 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 206
17 C ONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 207
18 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................. 207
19 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 208
Claretiano - Centro Universitário
EAD
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Conteúdo––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Educação de Jovens e Adultos: breve histórico da Educação de Jovens e Adultos
no Brasil. Caracterização do alunado diante de determinantes pedagógicas e so-
ciais. Os procedimentos didáticos na ação docente para a Educação de Jovens e
Adultos. A andragogia e a aprendizagem do adulto. Educação de Jovens e Adul-
tos: reflexões sobre o mercado de trabalho. As divisões, as divergências, a dis-
tância existente entre "saber" e "fazer", refletindo sobre elas. Possibilidades de
avanços, de melhores condições de trabalho e de vida, por meio da Educação de
Jovens e Adultos. Reflexões sobre a Educação Básica e as suas contribuições
para o aluno da Educação de Jovens e Adultos. Os educandos da Educação de
Jovens e Adultos e a escola. Formação dos profissionais da Educação de Jovens
e Adultos. O papel dos profissionais da Educação de Jovens e Adultos, bem
como a organização da sala de aula, considerando situações de aprendizagem e
rotina de trabalho e o processo de avaliação dos alunos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Desejamos, com este estudo, possibilitar a você o contato
com as principais ideias sobre a Educação de Jovens e Adultos
(EJA), procurando auxiliá-lo em sua futura prática docente.
10 © Educação de Jovens e Adultos

No artigo 37, parágrafos 1º e 2º, seção V, da Lei de Diretrizes


e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), está estabelecido
que:
A Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não
tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamen-
tal e médio na idade própria. Os sistemas de ensino assegurarão
gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderam efetuar os
estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,
consideradas as características do alunado, seus interesses, condi-
ções de vida e trabalho, mediante cursos e exames. O Poder Público
viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador
na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

Na perspectiva da construção da cidadania, a escola deve as-


sumir e valorizar a cultura de sua própria comunidade e permitir
ao aluno, vindo de diferentes grupos sociais, o acesso aos saberes
elaborados socialmente.
Como profissionais da educação, em nossa luta social contra
o analfabetismo, acreditamos ser nosso dever, assim como o de
toda sociedade brasileira, contribuir para que pessoas que nunca
frequentaram a escola e/ou pessoas que dela estão afastadas há
muito tempo, ao desejarem retornar, obtenham ao longo do pro-
cesso muito sucesso.
No decorrer das unidades, apresentaremos inicialmente um
breve histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, em se-
guida, vamos caracterizar o alunado dessa modalidade educativa
em face das determinantes pedagógicas e sociais. Veremos, tam-
bém, os procedimentos didáticos na ação docente para a EJA e,
para finalizar, compreenderemos as características da aprendiza-
gem adulta.
Nosso objetivo é que você faça uma reflexão crítica sobre o
fato de que toda pessoa lê a si mesma, o outro, o cotidiano, a natu-
reza, a sociedade, o mundo e a vida. Pretendemos, ainda, oferecer
para você, futuro educador, conhecimentos básicos indispensáveis
a um cidadão adulto, para que possa vir a se desenvolver plena-
mente.
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

Após essa introdução aos conceitos principais, apresentare-


mos, a seguir, no Tópico Orientações para Estudo, algumas orienta-
ções de caráter motivacional, dicas e estratégias de aprendizagem
que poderão facilitar o seu estudo.

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Profª Ms. Ana Maria Tassinari

Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu-


dado nesta obra. Aqui, você entrará em contato com os assuntos
principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportuni-
dade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. No
entanto, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento
básico necessário a partir do qual você possa construir um referen-
cial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no
futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência
cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos começar nossa
aventura pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que
fundamentam esta obra.
No Brasil, ainda hoje, muitas pessoas compõem as porcen-
tagens estatísticas referentes ao analfabetismo, seja ele funcional
ou total, configurando um quadro de "exclusão escolar". Pessoas
que nunca tiveram a oportunidade de frequentar uma escola por
vários motivos. Dentre estes, podemos destacar:
• Necessidade de que a criança muito cedo comece a traba-
lhar para ajudar no sustento da família.
• Falta de infraestrutura social para que todos sejam incluí-
dos.
• Diferenças étnico-raciais, culturais.
A história da educação básica para jovens e adultos em nos-
so país começa a se delinear desde a década de 1930, assinalada

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12 © Educação de Jovens e Adultos

por uma necessidade urgente para atender às transformações que


estavam ocorrendo na sociedade.
Apenas em 1947, a educação de adultos define sua iden-
tidade tomando a forma de uma campanha nacional de massa,
a Campanha de Educação de Adultos, a qual atingiu em diversas
regiões do país significativos resultados.
Assim acontece:
A difusão do método Laubach (método de ensino de leitura para
adultos) e a confiança na capacidade de aprendizagem destes im-
pulsionou o Ministério da Educação, a produzir um material didá-
tico específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos
(disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/
tcc_avaliacao2.pdf>. Acesso em: 17 set. 2010).

Entretanto, no início da década de 1960, surge um novo pa-


radigma pedagógico sobre o problema do analfabetismo para a
educação de adultos, para a qual o educador Paulo Freire foi a
principal referência.
Nesta época, sua proposta para a alfabetização de adultos e
seu pensamento pedagógico difundiram os principais programas
de educação e alfabetização popular.
Os ideais pedagógicos e o forte componente ético deste
comprometido educador com seus educandos reconheciam como
produtivos homens e mulheres possuidores de uma cultura.
Assim, propôs uma ação educativa dialógica ao educando
como sujeito de sua aprendizagem.
Em 1964, após o Golpe Militar, houve repressão aos gru-
pos com atuação na alfabetização de adultos e, então,-a partir de
1967, com o lançamento do Movimento Brasileiro de Alfabetiza-
ção, MOBRAL), passou-se a controlar essas iniciativas.
Este movimento foi expandido, a partir de 1970, por todo o
país. No entanto, em 1985, sem a credibilidade dos sistemas edu-
cacionais e políticos, foi extinto.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

Com a Constituição Federal de 1988, a Educação de Jovens


e Adultos passou a ser um direito de todos aqueles que ainda não
tinham completado os estudos em idade hábil, integrando à edu-
cação fundamental.
A Educação de Jovens e Adultos chega à década de 1990,
abrangendo todo ensino fundamental, com a consolidação de re-
formulações pedagógicas.
Consolida-se, assim, o Movimento de Alfabetização (MOVA),
buscando envolver o Poder Público e as iniciativas privadas da so-
ciedade civil, difundindo-se como um movimento de administra-
ção popular, promovendo uma formação de cunho educacional e
político.
Promulgada em 20 de dezembro de 1996, a nova Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, defende
a oferta da Educação de Jovens, como modalidade específica da
Educação Básica.
Direito de todos os cidadãos e dever do Estado encontra-se a
educação de qualidade, que visa garantir o exercício desse direito,
impondo inovadoras decisões.
Iniciamos o século 21 com esperanças de um mundo me-
lhor. A todo instante, surgem novos avanços científicos, tecnoló-
gicos e culturais, que acontecem num curto espaço de tempo e
em grande espaço geográfico, que, muitas vezes, transformam a
sociedade.
Decorrentes da globalização e da tecnologia, as transformações
sociais mudaram o perfil da formação de recursos humanos. Cada vez
mais exigente e seletivo, o mercado de trabalho requer profissionais
críticos que saibam transferir conhecimentos e, também, trabalhar
em equipe.Portanto, torna-se difícil a inserção de pessoas com pouca
ou nenhuma escolarização no mercado formal de trabalho.
Em países como o Brasil, no qual grande parte da população
é excluída por não ter acesso à escola e, consequentemente, ao

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14 © Educação de Jovens e Adultos

mercado de trabalho, essas mudanças tendem a aumentar o cres-


cimento das desigualdades e da injustiça social.
Geralmente, as propostas para Educação de Jovens e Adul-
tos ainda não levam em consideração a especificidade dessa clien-
tela quanto à faixa etária, experiências profissionais e cotidianas,
além das formas de aprendizagem.
Essa modalidade de educação merece tratamento diferen-
ciado e necessita de uma metodologia específica.
A motivação no ensino de adultos torna-se imprescindível e
fundamental para seu êxito, uma vez que o adulto não é obrigado
a estudar.
Desse modo, a dificuldade para o aprendizado, muitas vezes,
está associada à falta de motivação do aluno em virtude da falta de
tempo dedicado ao estudo, da indiferença de professores quanto
a seus problemas pessoais e da falta de clareza e objetividade dos
docentes em apresentar os conteúdos na sala de aula.
Concebendo o conhecimento historicamente construído, a
escola, instituição mediadora entre alunos e conhecimento, busca
cada vez mais conciliar os conhecimentos adquiridos pelos alunos
em seu cotidiano escolar, nos meios sociais ou no mundo do tra-
balho.
Torna-se essencial para o educador, nesta perspectiva, com-
preender a sala de aula como espaço privilegiado para a existência
de interações, emergindo a produção e/ou construção do conhe-
cimento.
A disposição de encarar dificuldades como desafios estimulantes, a
confiança na capacidade de todos em aprender e ensinar e a capa-
cidade de solidarizar-se com os alunos são algumas das qualidades
essenciais ao educador de jovens e adultos. Coerentemente com
essa postura, é fundamental que ele procure conhecer seus edu-
candos, suas expectativas, sua cultura, as características e proble-
mas de seu entorno próximo, suas necessidades de aprendizagem
(disponível em: <http://cantinhodesugestoesparaeja.blogspot.
com/2010/03/educador-de-jovens-e-adultos.html>. Acesso em: 16
set. 2010).
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Favorecer a autonomia dos educandos, avaliando constante-


mente seu progresso e suas carências, é especialmente relevante
no trabalho com jovens e adultos. Somente dessa forma os edu-
candos poderão compreender seu próprio processo de aprendiza-
gem e/ou auxiliar outras pessoas a aprender, uma vez que muitos
deles já desempenham o papel de educadores na família, no tra-
balho e na comunidade.
Os educadores devem estar atentos, pautando-se no prin-
cípio de que o processo educativo não se encerra no espaço e no
período da aula propriamente dita. Isso significa que o convívio em
uma escola ou em outro tipo de centro educativo, para além da
assistência às aulas, pode ser uma importante fonte de desenvol-
vimento social e cultural.
Em sua proposta metodológica de alfabetização de jovens e
adultos, Paulo Freire compreendia que as experiências de vida de-
veriam ser consideradas no cotidiano escolar, uma vez que, nesse
ambiente, professor e aluno se situavam no mesmo patamar, isto
é, como aprendizes e com experiências de vida que não podiam
deixar de ser valorizadas.
Torna-se indispensável que o professor da EJA utilize as expe-
riências e situações vivenciadas pelos alunos adultos, a fim de pro-
vocar o raciocínio e alimentar o interesse pela sua aprendizagem.
Retomando nossa conversa, no cenário educacional, o edu-
cador Paulo Freire foi uma das pessoas que mais contribuiu para
que a Educação de Jovens e Adultos fosse um direito daqueles que
não tiveram direito a ela em idade própria e, também, para que ela
tivesse qualidade necessária para desenvolver suas habilidades,
especificidades, e formá-los para o mercado de trabalho.
Apesar de ter nascido em uma família de classe média, Paulo
Freire preocupava-se profundamente com a situação de exclusão
em que viviam os jovens e adultos analfabetos que, em seu en-
tendimento, deveriam ser reconhecidos como homens e mulheres
produtivos, que possuíam uma cultura.

Claretiano - Centro Universitário


16 © Educação de Jovens e Adultos

A proposta de alfabetização de adultos elaborada por Paulo


Freire tinha como princípio básico: A Leitura do Mundo Precede a
Leitura da Palavra.
Assim, desenvolveu um conjunto de procedimentos pedagógi-
cos, que ficou mundialmente conhecido como, método Paulo Freire.
Este método previa:
uma etapa preparatória, quando o alfabetizador deveria fazer uma
pesquisa sobre a realidade existencial do grupo junto ao qual iria
atuar. Concomitantemente, faria um levantamento de seu universo
vocabular, ou seja, das palavras utilizadas pelo grupo para expres-
sar essa realidade. Desse universo, o alfabetizador deveria selecio-
nar as palavras com maior densidade de sentido, que expressassem
as situações existenciais mais importantes. Depois, seria necessário
selecionar um conjunto que tivesse os diversos padrões silábicos da
língua e organizá-lo segundo o grau de complexidade. Estas seriam
as palavras geradoras, a partir das quais se realizaria tanto o estudo
da escrita e leitura como o da realidade (disponível em: <http://
www.acaoeducativa.org.br/downloads/parte1.pdf>. Acesso em:
16 set. 2010).

Paulo Freire propunha, antes deste estudo sobre palavras


geradoras, um diálogo pautado na cultura. Sua preocupação inicial
não era o aprendizado da escrita, e, sim, que o aluno compreen-
desse e assumisse, como ser capaz e responsável, sujeito de sua
própria aprendizagem.
Assim, Freire afirmava que:
com um elenco de 10 a 20 palavras geradoras, acreditava-se con-
seguir alfabetizar um educando em 3 meses, ainda que num nível
rudimentar. Depois, as palavras geradoras seriam substituídas por
temas geradores, a partir dos quais os alfabetizandos aprofunda-
riam a análise de seus problemas, preferencialmente já se enga-
jando em atividades comunitárias ou associativas (disponível em:
<http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/parte1.pdf>. Aces-
so em: 16 set. 2010).

Foram várias as discussões sobre a nomenclatura dada às


recomendações de Paulo Freire, sendo apontadas como: Método,
Teoria, Proposta, Sistema, entre outras. Sobre isto, em 14 de abril
de 1993, em entrevista à Nilcéa Lemos Pelandré, Paulo Freire relata:
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Eu preferia dizer que não tenho método. O que eu tinha, quando


muito jovem, há 30 anos ou 40 anos, não importa o tempo, era
a curiosidade de um lado e o compromisso político do outro, em
face dos renegados, dos negados, dos proibidos de ler a palavra,
relendo o mundo. O que eu tentei fazer e continuo hoje, foi ter
uma compreensão que eu chamaria de crítica ou de dialética da
prática educativa, dentro da qual, necessariamente, há uma certa
metodologia, um certo método, que eu prefiro dizer que é método
de conhecer e não um método de ensinar.

Como referência de "concepção democrática, radical e pro-


gressista de prática educativa", a expressão "Método Paulo Freire"
foi universalizada e cristalizada mundialmente.
Mesmo sendo a Educação de Jovens e Adultos uma ativida-
de especializada e com características próprias, são poucos os cur-
sos de formação de professores que oferecem formação específica
aos educadores que queiram atuar nessa modalidade de ensino.
Mas como exigir que os professores da EJA garantam tais
práticas educativas se não lhes é dada uma formação adequada,
voltada à essa modalidade?
Primeiro, é preciso que os professores que atuam nessa mo-
dalidade de ensino tenham claro para si a compreensão da distân-
cia entre crianças, adolescentes e adultos. Na EJA, essa distância é
caracterizada pela própria experiência de vida que o adulto possui
em comparação às outras fases de desenvolvimento.
A realidade de trabalhar com adultos não faz parte da forma-
ção inicial. Nesse sentido, a formação em serviço, ou continuada, é
de grande importância. Conforme Cavaco apud Nóvoa (1992, p. 161):
a partir da organização de um corpo docente nuclear, empenhado
e dialogante que consegue aglutinar grupos de professores para
projetos comuns, pode gerar um ambiente de acolhimento e parti-
cipação que estimule a formação interveniente de todos.

A trajetória profissional propõe experiências que estão liga-


das à convivência com colegas de trabalho, formando laços afeti-
vos, pessoais e profissionais, os quais interferem em nossas op-
ções pedagógicas e profissionais.

Claretiano - Centro Universitário


18 © Educação de Jovens e Adultos

O professor na EJA assume o papel de mediador de sua pró-


pria aprendizagem, pois, diante do aluno, o professor, por meio da
ação dialógica e da fala argumentativa, constitui-se como o sujeito
que aprende.
Em uma sala de aula de EJA, a diferença de idade dos alunos
e a diversidade de valores, gêneros e crenças podem, inicialmente,
constituir obstáculos à formação do grupo. Mas, à medida que as
pessoas constituintes do grupo vão se conhecendo melhor, essa
situação começa a se modificar, e o sentimento de pertencer ao
grupo nasce e se fortalece.
Segundo Brasil (2006, p. 21), "é experimentando participar
de um grupo que os alunos descobrem que juntos sempre é possí-
vel aprender melhor".
Para que a sala de aula se torne um espaço de trocas e
aprendizagens, o professor deve ter uma postura adequada, pois
é ele quem facilita e provoca o diálogo, a produção e a expressão
individual, auxiliando na resolução dos conflitos e favorecendo a
troca e a ajuda mútua.
Quando os alunos estão agindo mentalmente – escrevendo,
lendo, conversando, ouvindo um caso, ficando atentos a uma ex-
plicação – ou fisicamente, eles estão em atividade na sala de aula.
Se a atividade que o aluno realiza foi planejada pelo profes-
sor com o objetivo de intervir na aprendizagem de determinado
conteúdo, essa atividade é, então, denominada de situação de
aprendizagem.
Conforme Anastaciou (2005, p. 17), qualquer situação de
aprendizagem exige:
[...] uma rotina pedagógica, pois não ocorrerá de forma esponta-
neísta ou mágica". Além disso, exige, em virtude da intencionali-
dade e da busca do êxito da ensinagem, a escolha e a execução de
uma metodologia que se operacionaliza nas estratégias seleciona-
das, adequadas aos objetivos, aos conteúdos do objeto de ensino
e, especialmente, aos alunos.
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

Um trabalho bem estruturado na rotina de uma sala de aula


proporciona autonomia aos jovens e aos adultos, que encontram
um "norte" para direcionar seus esforços.
A observação e o registro são ferramentas metodológicas
essenciais do(a) professor(a), pelos quais ele(a) toma ciência da
aprendizagem dos alunos, como também da qualidade dos rela-
cionamentos em sala de aula.
Portanto, a observação e o registro são:
Importante instrumento de aperfeiçoamento de seu trabalho pe-
dagógico é o registro de sua prática. Isso porque, ao registrar, o
professor relata sua experiência por meio de palavras, que podem
ser lidas, revisadas e analisadas concretamente (disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja_caderno3.pdf>
Acesso em: 16 set. 2010).

Apresentando uma diversidade de funções, o registro está a


serviço de diferentes objetivos, quais sejam: refletir, documentar,
organizar, rever, comunicar. E, os registros escritos deixam transpa-
recer esses objetivos, obrigando-nos a questionamentos, a levan-
tar hipóteses, tecendo a história de nossos alunos.
Os registros oportunizam ao professor construir a memória
do processo vivenciado em sala de aula, propiciando uma visão
geral das dificuldades e sucessos de seus alunos.
Diante dos grandes desafios presentes no processo de ensi-
no e aprendizagem, um tema bastante discutido pelos especialis-
tas e pelos profissionais da área da educação é a avaliação.
A fim de favorecer a aprendizagem, a avaliação na perspec-
tiva inclusiva da Educação de Jovens e Adultos vai além das ava-
liações: classificatória, recriminatória, excludente e competitiva,
uma vez que requer práticas formativas e reflexivas.
A avaliação formativa justifica-se por ser contínua e pro-
cessual: o momento investigativo de diagnóstico é tão importan-
te quanto o momento de aferição de resultados. Realizada com
participação, diálogo e negociação entre educadores e educandos,

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20 © Educação de Jovens e Adultos

fornece aos agentes educativos elementos de análise e julgamen-


to que permitem planejar e rever, continuamente, as decisões re-
lativas ao processo de construção do conhecimento.
Até aqui discutimos dados significativos e relevantes sobre a
Educação de Jovens e Adultos. A partir de agora, traremos à tona
uma nova discussão, tendo como foco o mercado de trabalho e a
Educação de Jovens e Adultos numa relação em que saber é po-
der. Vale lembrar que os empresários proporcionam a capacitação
do trabalhador com o objetivo de obter lucro.
Na corrida pelo poder e pelo acúmulo cada vez maior do
lucro, com o avanço da tecnologia e dos investimentos em ma-
quinários modernos, cresce, também, a necessidade de mão de
obra mais bem qualificada para operar os novos equipamentos de
produção que chegam ao mercado para minimizar as possibilida-
des de erros e desperdícios de matéria-prima. Essa qualificação,
geralmente, é justificada pela apresentação de títulos, certificados
e diplomas obtidos, dentro ou fora da empresa.
Passar pelos bancos escolares tornou-se imperativo! Possuir
títulos, certificados ou diplomas que atestem o saber é, pratica-
mente, condição sine qua non para fazer parte do mercado de tra-
balho, assim como conhecer e dominar a tecnologia.
Considerando a educação oferecida aos jovens e aos adul-
tos que não tiveram acesso à escola regular em idade própria e
as disposições legais do Parecer CNE/CEB nº 1/2000, que definiu
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos, constatamos que tal oferta de educação abrange funções
mais amplas e específicas do que as abordadas até agora. São elas:
função reparadora, função equalizadora e função permanente
(qualificadora).
Com relação à questão da qualidade da educação que é ofe-
recida aos jovens e aos adultos, precisaremos delimitar o que, na
atualidade, melhor define essa questão. Considerando o contexto
capitalista, empresarial, como plano de fundo dessa formação pro-
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

fissional, surge, em meio às discussões sobre o tema, uma palavra


que abrange grande parte do tema. A palavra é: "competência".
Contudo, a competência, característica necessária ao perfil
do trabalhador, não é uma exigência que surge em nossos dias. Há
algum tempo, empresários, intelectuais e governo procuram, por
meio de políticas públicas educacionais, uma maneira de possibi-
litar e, consequentemente, de garantir que o educando, em todos
os níveis de ensino, tenha as habilidades e as competências neces-
sárias para desempenhar diferentes tarefas, como, por exemplo,
trabalhar em equipe, colaborar com os colegas, resolver proble-
mas que venham a surgir, ter iniciativa e autonomia, envolvendo-
-se e participando nas mais diferentes situações de trabalho a fim
de produzir melhor e com coeficiente elevado de qualidade.
Considerando que vivemos em uma sociedade politicamente
democrática, as escolas precisam oferecer possibilidades reais para
a construção de conhecimentos que propiciem aos uma formação
científico-tecnológica, ao mesmo tempo em que garantam a apren-
dizagem necessária para as atividades diretivas na sociedade, funda-
mentadas em valores e em conformidade com a consciência crítica.
Dando continuidade aos nossos estudos, vamos compreen-
der que, inicialmente visando à educação de adultos, a andragogia
surge como um modelo de aplicabilidade universal e atual.
Você saberia responder o que a andragogia estuda?
A andragogia estuda o adulto por completo, sua vida, seu trabalho,
seus sentimentos, suas habilidades, seus conceitos, seus gostos,
seu comportamento, enfim, tudo que está relacionado com o seu
ser (disponível em: <http://www.horacio.pro.br/ejaunisul/PEDA-
GOGIA%20OU%20ANDRAGOGIA%20NA%20EDUCA%C7%C3O%20
DE%20JOVENS%20E%20ADULTOS.doc>. Acesso em: 16 set. 2010).

Para o adulto que decide aprender e que participa ativa-


mente de seu próprio processo, esse modelo andragógico opor-
tuniza a realização e evolução de atividades educativas, em con-
dições de igualdade com seus companheiros, participantes e com
seu professor.

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22 © Educação de Jovens e Adultos

As experiências de vida, na aprendizagem dos adultos, de-


vem ser consideradas, pois, ao longo de suas vidas, saberes foram
construídos. Portanto, esse aprendizado deve ser participatório e
contínuo, auxiliando o aluno a significar suas experiências.
É importante que você saiba que o modelo educacional con-
temporâneo não respeita as diversidades culturais.
Os preconceitos sociais contra os adultos os deixam inibidos
por não conseguirem atuar na sociedade como um ser integral.
Para eles, tudo é mais difícil.
É preciso dar a essas pessoas oportunidade para aprende-
rem, uma vez que o fato de não terem diplomas não significa não
terem experiência, e que não podem fazer nada de novo.
Portanto, é necessário que o formador seja um incentivador
da aprendizagem. Ele precisa saber como o trabalhador semiqua-
lificado e o qualificado aprendem para estabelecer a orientação
adequada dos conhecimentos e das metodologias de aprendiza-
gem. Dessa forma, ele pode dirigir os desenvolvimentos de capaci-
dades que necessitam ser potencializados e melhorados.
Teóricos, professores, filósofos e empresários de todos os
segmentos reconhecem a necessidade de tratar o ser humano
como ser que cresce e tem habilidades, ideias, individualidades e
vontades.
Acreditamos que seja prioritário repensar a educação de
adultos e alertar os diversos setores do nosso país compromissa-
dos com a educação de jovens e adultos, a fim de incluir, de fato,
esse cidadão que merece respeito e oportunidade.
Ressalto que é imprescindível, como educadores, tomarmos
consciência de que aprender com as diferenças oportuniza que a
EJA estabeleça na escola, por meio da valorização do modo de ser
e de aprender de cada aluno, um ambiente harmonioso e criativo.
Desejo que você, formador, participe efetiva e ativamente
desta obra, valorizando e permitindo aos diferentes grupos sociais
o acesso aos saberes elaborados socialmente. E, citando Paulo
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

Freire (1993, p. 91.) lembre-se: "Ninguém educa ninguém, como


tão pouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam
em comunhão mediatizados pelo mundo".

Glossário de Conceitos
Com o Glossário de Conceitos, você poderá realizar uma
consulta rápida e precisa das definições conceituais trabalhadas
nesta obra. Certamente, essas definições muito contribuirão para
a compreensão e para o domínio dos termos técnico-científicos
utilizados na área de conhecimento dos temas tratados em Educa-
ção de Jovens e Adultos (EJA).
Veja, a seguir, a definição de tais conceitos:
1) Andragogia: educação e aprendizagem de adultos, os
quais já possuem conhecimentos e experiências, não sen-
do mais permitido que eles sejam tratados como crianças.
2) Cidadania: capacidade de o indivíduo reconhecer e sa-
ber exigir seus direitos, bem como cumprir os seus de-
veres e as suas obrigações.
3) Educação de Jovens e Adultos: modalidade de ensino
destinada às pessoas que não tiveram acesso ou conti-
nuidade de estudos nos Ensinos Fundamental e Médio
na idade adequada.
4) Educador: pessoa que tem a função de educar, com ob-
jetivo de desenvolver o educando como ser, pessoa.
5) Prática educativa: ação voltada para o ato educativo,
exigindo planejamento, interação, avaliação, reflexão
crítica e (re)planejamento dessas ações.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais impor-
tantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Esquema
dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você mesmo faça o
seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental.
Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento,
ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções.

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24 © Educação de Jovens e Adultos

É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos


Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre
os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com-
plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or-
denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem esco-
lar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em
Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia
fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que estabelece que
a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de pro-
posições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e infor-
mações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa apenas rea-
lizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preciso, sobretudo,
estabelecer modificações para que ela se configure como uma apren-
dizagem significativa. Para isso, é importante considerar as entradas de
conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além
disso, as novas ideias e os novos conceitos devem ser potencialmente
significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas
já existentes estruturas cognitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando oseu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Nesta disciplina, você tomará consciência de que a EJA deve aprender


com as diferenças para que se estabeleça na escola um ambiente
harmonioso e criativo, por meio da valorização do modo de ser e de
aprender de cada discente.

OBJETIVO COMPETÊNCIAS,
HABILIDADE E ATITUDES

Realizar reflexões sobre a HISTÓRIA DA EJA


Sólida base teórica para
consolidação da Educação de
fundamentar criticamente sua
Jovens e Adultos, como
prática
modalidade educativa. EDUCAÇÃO E CIDADANIA PROGRAMAS DE educacional/profissional.
EDUCAÇÃO POPULAR 

Repensar e identificar o papel do O alunado da EJA apresenta características e Possibilidades de avanços e


educador atuante das classes de especificidades que não podem ser, de forma alguma, conquistar melhores
Educação de Jovens e Adultos sobre a desconsideradas no cenário educacional. condições de trabalho e de
prática pedagógica, especialmente  vida, por meio da Educação
como formador de cidadãos
de Jovens e Adultos.
conscientes de seu papel na
sociedade.

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave de Educação de Jovens e Adultos.


Ferramentas essenciais à ação Nível Básico
metodológica: E
observação
© Caderno de Referência de Conteúdo

registro Nível Tecnológico


avaliação APRENDIZAGEM

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dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como

portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre


25
26 © Educação de Jovens e Adultos

um e outro conceito e descobrir o caminho para construir seu pro-


cesso de ensino-aprendizagem.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente
virtual por meio de suas ferramentas interativas, bem como àque-
les relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas pre-
sencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EAD, deve
valer-se de sua autonomia na construção de seu próprio conheci-
mento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha ou abertas com respostas objetivas ou dis-
sertativas. Vale ressaltar que se entendem as respostas objetivas
como as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles
que exigem uma resposta determinada, inalterada.
Responder a essas questões, discuti-las, comentá-las e rela-
cioná-las com a prática do ensino de Educação de Jovens e Adultos
pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim,
mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado,
você estará se preparando para a avaliação final, que será disser-
tativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar
seus conhecimentos e de adquirir uma formação sólida para sua
prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabarito
para conferir suas respostas (de múltipla escolha e abertas objetivas).

As questões dissertativas obtêm por resposta uma interpretação


pessoal sobre o tema tratado. Por isso, não há nada relacionado a
elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o
seu tutor ou com seus colegas de turma.
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos da obra, pois relacionar aquilo que está no campo visual
com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo desta obra convida você a olhar, de forma mais apu-
rada, a Educação como processo de emancipação do ser humano. É
importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e cien-
tíficas que estão presentes nos meios de comunicação, bem como
partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar
com outras pessoas aquilo que você observa, pode descobrir algo
desconhecido, aprendendo a ver o que não havia sido visto antes.
Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos Curso de Graduação na modalidade
EAD e futuro profissional da educação, necessita de uma formação
conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda
do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação
com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem seu tempo e
realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote suas reflexões em seu
caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas poderão
ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de suas produ-
ções científicas.

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28 © Educação de Jovens e Adultos

Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie


seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para seu amadureci-
mento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
esta obra, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para
ajudar você.
EAD
Breve Histórico
da Educação de
Jovens e Adultos
no Brasil 1
Nada mais significativo e importante para a construção da cida-
dania do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a
socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na ver-
dade, o grande artesão dos tecidos da história (CNE/CEB/98).

1. OBJETIVOS
• Compreender e caracterizar o processo de construção e
consolidação da Educação de Jovens e Adultos no Brasil.
• Refletir e demonstrar criticamente que a intenção política
permeia a Educação de Jovens e Adultos.
• Conhecer e identificar as leis que garantem a oferta de
Educação de Jovens e Adultos no país.

2. CONTEÚDOS
• Educação e cidadania.
• Reflexão crítica sobre a oferta de Educação para Jovens e
Adultos
30 © Educação de Jovens e Adultos

• Pontuação histórica sobre a Educação de Jovens e Adultos


• Leis que garantem a oferta de Educação de Jovens e Adultos

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Com o objetivo de aprofundar seus conhecimentos so-
bre Educação e ter um melhor aproveitamento de seus
estudos nesta unidade, sugerimos a seguinte leitura:
BRANDÃO, C. R. O que é educação. 33 ed. São Paulo: Bra-
siliense, 1995. v. 20. (Coleção Primeiros Passos).
2) Um dos pontos positivos para o bom entendimento dos
conteúdos abordados nesta unidade é que você conhe-
ça o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), voltado para a
alfabetização de jovens, adultos e idosos, que o MEC im-
plementou em 2003. Para conhecê-lo, acesse o site dispo-
nível em: <portal.mec.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2010.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Para iniciar nossos estudos sobre a Educação de Jovens e
Adultos, julgamos ser necessário traçar um breve histórico sobre
essa etapa educacional e, com isso, entender como ela foi se cons-
tituindo e consolidando no Brasil.
Em princípio, a Educação de Jovens e Adultos pode parecer
algo distante, mas, se você parar para pensar, lembrará de várias
pessoas que estão fora da idade regular, ideal para a Educação Bá-
sica, voltaram a frequentar a escola e recebem uma educação vol-
tada para sua alfabetização e para a formação democrática-cidadã.
No Brasil, ainda hoje, muitas pessoas compõem as porcen-
tagens estatísticas referentes ao analfabetismo, seja ele funcional
ou total, configurando um quadro de "exclusão" escolar. Essas pes-
soas nunca tiveram a oportunidade de frequentar uma escola por
vários motivos. Entre eles, podemos citar:
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 31

• Necessidade de que a criança, muito cedo, comece a tra-


balhar para ajudar no sustento da família.
• Falta de infraestrutura social para que todos sejam incluí-
dos – oferta de transporte gratuito, de materiais escolares.
• Diferenças étnico-raciais, culturais.
Diante disso, muito está sendo feito para que todos tenham
direito de acesso e permanência na escola, a fim de que possam
receber uma educação de qualidade, que lhes proporcione um de-
senvolvimento integral, de acordo com suas habilidades e especi-
ficidades, que lhes ofereça os subsídios necessários para ocupar
um lugar no mercado de trabalho, e para uma efetiva participação
na sociedade.

5. EDUCAÇÃO E CIDADANIA
A respeito da educação, Fuck (1994, p. 14-15) diz:
Que a educação seja o processo através do qual o indivíduo
toma a história em suas próprias mãos, a fim de mudar o rumo
da mesma. Como? Acreditando no educando, na sua capacidade
de aprender, descobrir, criar soluções desafiar, enfrentar, propor,
escolher e assumir as consequências de sua escolha. Mas isso não
será possível se continuarmos bitolando os alfabetizandos com de-
senhos pré-formulados para colorir, com textos criados por outros
para copiarem, com caminhos pontilhados para seguir, com histó-
rias que alienam, com métodos que não levam em conta a lógica
de quem aprende.

A educação pode contribuir significativamente, em vários


aspectos, para o desenvolvimento político, econômico e social de
uma sociedade. Entre esses, ressaltamos o da cidadania, que, para
o estudo de nossa obra, influi diretamente.
Você conhece o conceito de cidadania? Pois bem, cidadania
é a participação individual na vida pública em prol da seguridade
dos direitos individuais e coletivos da sociedade e na fiscalização
dos órgãos públicos e cargos eletivos.

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32 © Educação de Jovens e Adultos

De forma geral, cidadania é a capacidade de o indivíduo re-


conhecer e saber exigir seus direitos e cumprir com seus deveres e
obrigações. Somente com o exercício da cidadania é que o sujeito
pode desempenhar seu papel de integrante efetivo de seu país.
Portanto, o exercício da cidadania vai além do cumprimento de de-
veres que todo cidadão possui e, para tanto, necessita reconhecer
que também é sujeito de direitos.
Reconhecendo seus direitos, o indivíduo pode cobrar a alte-
ração de sua condição de vida e lutar contra possíveis injustiças,
fazendo valer o que está previsto nas leis, propondo a alteração de
códigos e concepções ultrapassadas nos modelos de gestão eleito-
ral, fiscal, jurídica e estatal.
Sabemos muito bem que as leis nem sempre são cumpridas. [...]
O direito do cidadão é inseparável da luta pelos seus direitos. O
cidadão é o indivíduo que luta pelo reconhecimento de seus direi-
tos, para fazer valer esses direitos quando eles não são respeitados
(VIEIRA; BREDARIOL, 1998, p. 38).

Para ilustrar o que dissemos até o presente momento, apre-


sentamos a música Cidadão, de Lúcio Barbosa e interpretada por
Zé Ramalho (2010):

Cidadão–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
e me diz desconfiado, tu tá aí admirado
ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
eu nem posso olhar pro prédio
que eu ajudei a fazer
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 33

Tá vendo aquele colégio moço?


Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
aqui não pode estudar
Esta dor doeu mais forte
por que que eu deixei o norte
eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava
tinha direito a colher
Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
e o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
e na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Fui eu quem criou a terra
enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
e na maioria das casas
Eu também não posso entrar
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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34 © Educação de Jovens e Adultos

E, para você, qual seria o melhor caminho para se desenvol-


ver um cidadão? Não há como negarmos que esse caminho é a
educação.
Conforme Brandão (1988, p. 73-74):
a educação é uma prática social (como a saúde pública, a comu-
nicação social, o serviço militar), cujo fim é o desenvolvimento do
que na pessoa humana pode ser aprendido entre os tipos de saber
existentes em uma cultura, para a formação de tipos de sujeitos, de
acordo com as necessidades e exigências de sua sociedade, em um
momento da história de seu próprio desenvolvimento.

Esse autor ainda complementa que:


Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na es-
cola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da
vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar.
Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias mis-
turamos a vida com a educação. Com uma ou várias: educação?
Educações. [...] Não há uma forma única nem um único modelo
de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece e
talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática,
e o professor profissional não é seu único praticante (BRANDÃO,
1988, p.­­­ 7-9).

Conforme Ferreira (2004):


cidadania é a qualidade ou estado do cidadão” e entende-se por
cidadão “o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um
estado, ou no desempenho de seus deveres para com este.

Relacionando a educação a todo um contexto de opressão e


ausência de democracia, a prática freiriana reconhece a educação
para além da sala de aula. Nessa prática, o trabalho pedagógico
de Paulo Freire direciona-se para o indivíduo excluído das ações
políticas, julgado, pelos poderosos, como incapaz.
Em sua concepção, Paulo Freire aponta caminhos para que
a pessoa se torne um cidadão pleno de cidadania por meio da
educação e da política. Assim, incentivou analfabetos, homens e
mulheres, a almejar direitos e voz a partir da conscientização das
aprendizagens, da palavra, da leitura e da escrita, como forma de
libertação.
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 35

A alfabetização é o primeiro passo para a capacitação do in-


divíduo em seu acesso ao conjunto de leis de seu país, pois o con-
vívio social das escolas desperta nos educandos a necessidade da
vida em sociedade, no cumprimento de suas regras e normas.
Transformado em cidadão, a participação integral deste na
vida democrática de sua sociedade somente ocorrerá por meio da
educação com o desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) n. 9.394/96, o principal objetivo a ser atingido pela escola
deve ser a formação da cidadania; desenvolver no aluno a autoes-
tima e o respeito mútuo necessário para que possa estar apto a se
constituir em um cidadão solidário.
A sociedade evolui e se apresenta como uma força viva em
constante movimento. Assim, a educação serve de instrumento
para ajudar o homem a tornar-se outro; colabora para que a vida
se torne outra; e desta maneira contribui para que, cada vez mais,
todos nós expressemos, de maneiras múltiplas e diferentes, a nos-
sa felicidade. A educação, sem dúvida, tem um sentido social, ético
e político, que, através da vivência de experiências diferentes, do
indivíduo e da sociedade, faz nascer, inventa, cria, a cada instante
uma nova sociedade, um novo homem, uma nova vida.
Por tudo que dissemos até o presente momento, a Educação
de Jovens e Adultos (EJA) deve ser uma educação multicultural,
que desenvolva o conhecimento e a integração na diversidade cul-
tural e, segundo Gadotti (1979, p. 72),
uma educação para a compreensão mútua, contra a exclusão por
motivos de raça, sexo, cultura ou outras formas de discriminação e,
para isso, o educador deve conhecer bem o próprio meio do edu-
cando, pois somente conhecendo a realidade desses jovens e adul-
tos é que haverá uma educação de qualidade.

Vamos conferir como foi constituída em nosso país a oferta


de Educação para Jovens e Adultos?

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6. UMA REFLEXÃO CRÍTICA


A Educação de Jovens e Adultos no Brasil configura-se, em
muitos casos, como um instrumento de reparação social, predi-
cado atribuído pelo fato de que essa modalidade educativa tem
como finalidade incluir no meio educativo as pessoas que não
tiveram oportunidade de frequentar uma escola na idade ideal,
ou mesmo aquelas que foram excluídas ao longo desse processo.
No entanto, precisamos lembrar que a educação é um ato
político, carregado de valores e ideologias que vão ao encontro
dos interesses da elite governante com a finalidade de promovê-
-los, ou mantê-los.
Dessa maneira, a relação de poder que existe entre a classe
alta e as camadas populares faz da educação um meio de perpe-
tuação da condição de dominante, produzindo recursos de con-
tensão e de controle social.
Segundo Adriana Oliveira Lima (1991, p. 136), a escola é um
competente organismo de reprodução social, pois:
jamais falhou em seu papel de expulsar da escola as crianças pro-
venientes das classes oprimidas, tão logo nela ingressam (evasão e
repetência). Competente ainda porque ludibriou as questões polí-
ticas no invólucro teórico da discussão dos currículos e métodos.
Competente porque tem feito a manutenção do analfabetismo de
maneira sistemática. Enfim, competente porque tem respondido
historicamente aos interesses das classes dominantes.

Assim, podemos perceber que é meio contraditória a ideia


de uma educação para todos, que desenvolva habilidades e espe-
cificidades, que prepare para a vida e para a inserção no mercado
de trabalho e que, ao mesmo tempo, tenha, também, o intuito de
alienação, omissão e opressão.
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7. PONTUANDO HISTORICAMENTE A EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS

Década de 1930
A história da Educação Básica para jovens e adultos em nos-
so país começou a se delinear desde a década de 1930, assinalada
como uma necessidade urgente para atender às transformações
que estavam ocorrendo na sociedade, em particular no setor in-
dustrial.
Primeiro, pela grande quantidade de indústrias que se ins-
talavam no país; segundo, pelo êxodo rural, uma vez que as pes-
soas saíam do campo e vinham para as cidades buscar melhores
condições de sobrevivência, um lugar no mercado de trabalho, a
ilusão de que encontrariam, certamente, um emprego digno com
um salário condizente.
Nesse período, o Brasil foi marcado por um golpe de Estado
liderado por Getúlio Vargas, chefe civil, que deu início à Revolução
de 1930. Foi o fim da política do “café com leite” –que se carac-
terizava pelo revezamento de poder entre o Estado de São Paulo,
que detinha grande poder econômico, sendo o maior produtor de
café do país, e o de Minas Gerais, detentor do maior polo eleitoral
nacional e grande produtor de leite – eis o início de uma nova era
urbana, industrial e capitalista.
Dessa forma, todos os segmentos da sociedade sofreram in-
fluência do novo sistema político, inclusive o educacional. O país
tinha de crescer; por isso, novas demandas eram colocadas, uma
vez que a necessidade da mão de obra para a indústria exigia um
novo perfil de trabalhadores. A força do trabalho exigia a habili-
tação do indivíduo para usar recursos de tal forma a atingir o fim
proposto, ou seja, o da maior produtividade.
Diante desse contexto, o sistema de educação começou a
se caracterizar como um sistema público de educação elementar,

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38 © Educação de Jovens e Adultos

que tinha como objetivo formar a mão de obra necessária para a


manutenção do mercado de trabalho.
Além disso, a década de 1930 foi marcada, também, por
diversas manifestações culturais, que ganhavam força com o sur-
gimento da indústria de lazer, que já atingia todas as camadas
sociais, com a difusão do rádio, do cinema e, especialmente, da
música popular. Estava aberta a Era da cultura de massas.
Em 1934, com o advento de uma nova Constituição Nacio-
nal, a educação foi reconhecida pela primeira vez como um direito
de todos, cabendo a responsabilidade à família e ao poder público,
conforme diz o Artigo 149. No Artigo 150, fica explícita na referên-
cia ao Plano Nacional de Educação a obrigatoriedade do ensino
primário integral, gratuito e de frequência obrigatória, extensivo
aos adultos (§ único, alínea a).
Assim, a Constituição de 1934 estabeleceu o ensino primá-
rio extensivo aos adultos como componente da educação e como
dever do Estado e direito do cidadão, o que demonstra claramente
a força dos movimentos sociais da época em favor da escola como
espaço integrante de um projeto de sociedade democrática.

Décadas de 1940 e 1950


Na década de 1940, com o emergente crescimento do capi-
talismo e da industrialização, era interesse de todos os que deti-
nham o poder econômico no país que a educação elementar fosse
oferecida nacionalmente, abrangendo, também, aquelas pessoas
que estavam excluídas do sistema educacional. Foi então que a
educação de adultos tomou a forma de Campanha Nacional de
Massa.
Pouco tempo depois, com o término da ditadura de Vargas
em 1945, no auge da luta pela redemocratização do país e o fim da
Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU)
ganhou forças não apenas para promover a necessidade de uma
educação que contribuísse para o desenvolvimento do cidadão,
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 39

mas também para lutar por ela, a fim de que todos no mundo pu-
dessem viver em paz, democraticamente.
O governo brasileiro não relutou em aceitar as colocações
feitas pela ONU, pois essa oferta de educação tinha como inte-
resse formar uma população que dominasse o código linguístico
para assumir a condição de eleitores. Portanto, a intenção era que
essa mão de obra estivesse mais bem qualificada para atender às
demandas da crescente industrialização.
Entre a população que detinha o poder e o conhecimento,
surgiram várias críticas sobre a população de analfabetos do país,
uma vez que eles eram considerados como os grandes responsá-
veis pelas crises econômicas culturais e sociais vividas. Eles eram
vistos como pessoas que estavam à margem da sociedade, nor-
malmente reconhecidas como incapazes, tanto do ponto de vista
psicológico como social, geralmente comparadas a crianças, im-
próprias e ineficazes no ato de constituir uma família.
No ano de 1947, foi desenvolvida uma campanha nacional
de educação de massa, conhecida como Campanha de Educação
de Adultos, que pretendia alfabetizá-los, levá-los a concluir o curso
primário e, por fim, oferecer-lhes uma capacitação profissional e
instruções para a vida em comunidade.
De acordo com Vera Maria Masagão Ribeiro (2007):
Nos primeiros anos, sob a direção do professor Lourenço Filho, a
campanha conseguiu resultados significativos, articulando e am-
pliando os serviços já existentes e estendendo-os às diversas re-
giões do país. Num curto período de tempo, foram criadas várias
escolas supletivas, mobilizando esforços das diversas esferas admi-
nistrativas, de profissionais e voluntários.

Com o progresso da campanha, as concepções sobre a popu-


lação de analfabetos foram aos poucos se modificando socialmen-
te, os estigmas foram descaracterizados e as pessoas começaram
a ser vistas como capazes de raciocinar e de resolver problemas e,
também, como muito produtivas. Diante dessa trepidação social e
sobreposição de valores, o Ministério da Educação viu a necessida-

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de urgente de adotar um método de alfabetização que atendesse


às necessidades desses adultos.
Contudo, na década de 1950, esse movimento social a favor
da Educação de Jovens e Adultos começou a perder seu brilho,
e extinguiu-se antes do final da década. Muitas barreiras foram
encontradas pelo caminho, como, por exemplo, os trabalhos reali-
zados na zona rural que não atingiam os objetivos propostos, pois
apresentavam déficits em suas orientações pedagógicas. Além
disso, outros fatores decisivos estavam relacionados a problemas
administrativos e financeiros, culminando para que os trabalhos
realizados pela campanha fossem finalizados.
Dessa forma, as críticas encaminhavam-se tanto ao plano
administrativo e financeiro quanto à orientação pedagógica, resis-
tindo apenas as redes de escolas supletivas, que eram de respon-
sabilidade dos estados e municípios.

Décadas de 1960 e 1970


Nos anos de 1960, a pedagogia defendida e aplicada por Paulo
Freire para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) ganhou notorieda-
de, inspirando os principais programas de alfabetização do país.
O Movimento de Educação de Base (MEB), por exemplo, foi
um dos programas desenvolvidos por intelectuais, pesquisadores,
com a contribuição de grupos populares e de novas diretrizes com
a incumbência de promover integralmente a formação de jovens e
adultos, de maneira humana e cristã.
Grupos não governamentais como esse aplicavam pressão
ao Governo, para que iniciativas fossem criadas e coordenadas no
sentido de realizar melhorias pedagógicas e orçamentais a favor
da educação de adultos.
Com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional, n. 4.024/61, a educação foi reconhecida como direito de
todos, e, em seu Artigo 27, Título VI, capítulo II, ao tratar do ensino
primário, é mencionado o seguinte:
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O ensino primário é obrigatório a partir dos 7 anos e só será mi-


nistrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa
idade poderão ser formadas classes especiais ou cursos supletivos
correspondentes ao seu nível de desenvolvimento.

Após alguns anos de lutas e por meio da força encontrada


na organização de movimentos sociais no início do ano de 1964, o
Governo Federal aprovou o Plano Nacional de Alfabetização em
caráter nacional, orientado pelas propostas de Paulo Freire e sub-
sidiado por estudantes, sindicalistas e diversos grupos sociais.
Não demorou muito e esse plano foi vetado pelo Golpe Mi-
litar de 1964, quando o até então presidente, João Belchior Mar-
ques Goulart, popularmente conhecido como Jango, teve o seu
governo democrático interrompido e o Brasil foi submetido a uma
ditadura militar.
Nesse veto, foram muito criticados os conteúdos que com-
punham os materiais didáticos usados pelo programa – pois tra-
tavam diretamente da realidade em que viviam os adultos, ofere-
cendo subsídios necessários para uma formação crítico-reflexiva
e de libertação perante a situação de oprimidos em que se en-
contravam. Considerados subversivos e ameaçadores da ordem
social, seus promotores, educadores e até mesmo simpatizantes
foram arduamente reprimidos. Nesse período, os programas que
continuaram a oferecer esse tipo de educação tinham um caráter
conservador e assistencialista.
Ainda assim, em 15 de dezembro de 1967, implementado
pela Lei n. 5.379, de 15 de dezembro de 1967, o Governo assumiu
o controle das atividades realizadas em tais instituições e implan-
tou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), que en-
trou em pleno funcionamento em 1970, na modalidade não for-
mal, com o objetivo de formar cidadãos alfabetizados funcionais,
que, mesmo após anos frequentando as aulas, não atingiam um
nível aceitável de alfabetização.

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42 © Educação de Jovens e Adultos

O Mobral almejava levar o ser humano a desenvolver uma


consciência linguística, por meio da leitura, da escrita e do uso de
cálculos para integrá-lo na sociedade, oportunizando melhores
condições de vida. Ele, ainda, deveria combater ou erradicar defi-
nitivamente o analfabetismo adulto do país.
Contudo, ficava subentendido que a função ocupada pelo
Mobral era de controle social e político das populações perifé-
ricas, competindo com os movimentos de educação popular ou
substituindo-os.
Segundo Lewin (1986, p. 279), no Mobral:
parte integrante da ideologia vigente concebe-se dentro dos pres-
supostos da teoria do capital humano que, na promessa de erradi-
car o analfabetismo em 10 anos, reveste o seu discurso da conota-
ção otimista da década de 70, do milagre econômico brasileiro – o
otimismo do capital, principalmente das corporações multinacio-
nais. Ao lado desse otimismo criado pela tecnocracia brasileira de
que, muito em breve, o país alcançaria o status de grande potência
mundial, o sistema político autoritário se cristalizava por meio da
repressão do Estado sobre a sociedade civil, cujas organizações de
bases ou foram suprimidas ou estavam sob intervenção.

Esse Estado, totalmente autoritário e antidemocrático, rom-


peu com todas as entidades da sociedade civil e se autodenomi-
nou capaz de planejar a expansão do crescimento econômico.
Dessa forma, as políticas sociais foram programadas para remover
os obstáculos que pudessem prejudicar o desenvolvimento econô-
mico ou emperrar o seu avanço.
De acordo com José Luiz de Paiva Bello (1993):
apesar dos textos oficiais negarem, sabemos que a primordial preo-
cupação do Mobral era tão somente fazer com que os seus alunos
aprendessem a ler e a escrever, sem uma preocupação maior com
a formação do homem.

Nessa época, entre os anos de 1960 e 1970, o privilégio re-


ferente à saúde, habitação e educação era para a elite dominante;
em segundo plano, encontravam-se as classes médias urbanas e,
depois, as populações de baixas rendas.
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Assim, era preciso informar a população e diminuir os altos


índices de analfabetismo no país; porém, formar cidadãos críticos,
reflexivos e participativos não era a intenção do governo vigente.
Como fruto desse programa de Alfabetização, destacou-se
o Programa de Educação Integrada (PEI), que oferecia uma for-
mação similar ao antigo curso primário, sendo uma oportunidade
oferecida aos recém-alfabetizados de continuarem seus estudos.
Nesse período, grupos de oposição à ditadura, comunidades
religiosas e pessoas de movimentos sindicais organizavam-se para
oferecer programas de alfabetização e educação segundo os apon-
tamentos de Paulo Freire, que, exilado, continuava desenvolvendo
seus projetos para o ensino de adultos no Chile e, posteriormente,
em países da África.
Tais programas intensificaram-se com a reabertura política
que ocorreu na década de 1980, integralizaram-se e formaram
uma "teia" para a troca de experiências, reflexões, novas articula-
ções, oferta de cursos pós-alfabetização.

Década de 1980
A década de 1980 iniciou-se no Brasil com uma grave crise
econômica e social que repercutia em toda a América Latina. Ha-
via uma grande recessão no sistema produtivo, elevados índices
de desemprego, altas taxas de inflação e grande endividamento
externo.
Com isso, as perdas de poder aquisitivo da sociedade eram
notáveis, o que nos leva a crer que o crescimento conseguido pela
sociedade industrial teve um custo social exacerbado. A população
empobreceu consideravelmente em virtude da grande concentra-
ção de renda nas mãos de poucos.
Nesse período, o Mobral não conseguiu baixar os níveis do
analfabetismo adulto, e as crianças de 7 a 14 anos avolumavam-se
fora das escolas por não serem absorvidas pelo sistema regular de
ensino.
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Para Lewin (1986, p. 282):


[...] ao avanço da ciência e da tecnologia contrapõem-se as precá-
rias condições de higiene e salubridade em centros urbanos de alta
densidade demográfica; ao uso intensivo e extensivo de tecnolo-
gia agrícola correspondeu ao alento dos "bóias-frias” e dos “sem-
-terras”. Assim, paralelamente à crise econômica existe uma outra
crise, a da legitimidade política do governo em não ter cumprido/
alcançado o padrão da sociedade afluente, como previam as esti-
mativas do estado autoritário.

Desacreditado pelas políticas educacionais, o Mobral foi ex-


tinto em 1985, ano em que foi constituída a Fundação Educar. Tal
fundação era subordinada ao Ministério da Educação e tinha como
função firmar convênios com os governos estaduais, municipais,
entidades da sociedade civil e grandes empresas. Exercia, ainda,
a supervisão e o acompanhamento nas instituições e secretarias
que implementavam os programas de alfabetização.
Em meados do ano de 1988, na Constituição Federal, a Edu-
cação de Jovens e Adultos (EJA) passou a ser um direito de todos
aqueles que ainda não tinham completado seus estudos em idade
hábil, passando a fazer parte da educação fundamental.
Mesmo com o amparo legal, após um processo de descen-
tralização das responsabilidades para com a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), que foram passadas para os estados e municípios no
ano de 1990, a Fundação Educar chegou ao seu fim, não havendo
outra oferta de educação que assumisse seu lugar.

Década de 1990 e a primeira década do século 21


Mesmo a oferta não sendo condizente com as demandas, al-
guns estados, municípios e organizações da sociedade civil passa-
ram a assumir a responsabilidade de oferecer programas na área,
embora sejam necessárias e urgentes grandes reformulações pe-
dagógicas que, também, vêm se mostrando necessárias em todo o
Ensino Fundamental.
Ainda no ano de 1990, foi consolidado o Movimento de Al-
fabetização (MOVA), procurando envolver o Poder Público e as ini-
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ciativas privadas da sociedade civil, difundindo-se como um movi-


mento de administração popular, promovendo uma formação de
cunho educacional e político.
Organismos incisivos nas decisões das políticas públicas na-
cionais, como o Banco Mundial, por exemplo, caracterizam a EJA
como uma formação educacional secundária, pois defendem a
necessidade de investimentos maciços na educação de crianças e
jovens, com o pretexto de que o problema de analfabetismo será
sanado com a universalização do ensino oferecido adequadamen-
te e em idade apropriada.
Em dezembro de 1996, foi aprovada a nova Lei de Diretrizes
e Bases n. 9.394/96, que defende a oferta da Educação de Jovens
e Adultos inscrevendo:
Da Educação de Jovens e Adultos
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que
não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino funda-
mental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e
aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as caracte-
rísticas do alunado, seus interesses, condições de vida e de traba-
lho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a perma-
nência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e com-
plementares entre si.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supleti-
vos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, ha-
bilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores
de quinze anos;
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de
dezoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos
por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exa-
mes.

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46 © Educação de Jovens e Adultos

Como vimos, a função reparadora observada na Educação


de Jovens e Adultos caracteriza-se não somente pela consolidação
dos direitos civis, mas também pelo reparo de um direito nega-
do, pois muitas pessoas que compõem essa classe de ensino não
receberam uma educação de qualidade e não tiveram o reconhe-
cimento da igualdade cabível a todo e qualquer ser humano, resul-
tando na perda do acesso a um bem real, social e simbolicamente
importante. Por isso, não devemos associar a função reparadora
com a de suprimento.
Segundo dados da Declaração Mundial sobre Educação para
Todos (2010):
[...] mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao
conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias que
poderiam melhorar a qualidade da vida e ajudá-los a perceber e
a adaptar-se às mudanças sociais e culturais. Para que a educação
básica se torne eqüitativa, é mister oferecer a todas as crianças,
jovens e adultos a oportunidade de alcançar um padrão mínimo de
qualidade de aprendizagem.

É importante que fique claro que, quando citamos a neces-


sidade da oferta de uma educação de qualidade para todos, os
jovens e adultos também estão incluídos nesse "todos". Não pode-
mos deixar que um equívoco na interpretação da Declaração nos
leve a pensar nessa forma de educação como uma oferta apenas
para as crianças, os indígenas, os pobres, os afrodescendentes, os
estrangeiros, os homossexuais etc.
Precisamos nos lembrar de que essa educação escolar públi-
ca é dever do Estado e será efetivada mediante a garantia de:
oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com
características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as
condições de acesso e permanência na escola (Lei n. 9.394, de 20
de dezembro de 1996) (disponível em: <http://www.pge.sp.gov.
br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/cullei9394.
htm>. Acesso em: 25 fev. 2007).

A Constituição Federal, em seu Artigo 214, também é clara


sobre a oferta de Educação de Jovens e Adultos:
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 47

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plu-


rianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em
seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que
conduzam à:
I – erradicação do analfabetismo,
II – universalização do atendimento escolar.

Como você pode perceber, o direito à educação aos jovens


e adultos é assegurado tanto pela Lei de Diretrizes e Bases quan-
to pela Constituição Federal. Contudo, para que essa modalidade
educacional aconteça de maneira eficaz, é de responsabilidade,
também, das instituições formadoras oferecer os subsídios neces-
sários à profissionalização e qualificação docente.
Sabemos que a educação em si não pode ser responsabili-
zada pelos problemas da vida pública; em contrapartida, ela não
pode ficar isenta de colaborar com a melhoria da realidade social.
Isso significa que a educação não pode ser responsabilizada sozi-
nha pelas dificuldades vividas na sociedade, mas fica claro que ela
contribuiu para isso.
Para maior fundamentação de seus conhecimentos adquiri-
dos nesta unidade, apresentamos, a seguir, a Resolução CNE/CEB
n. 1, de 5 de julho de 2000, a qual estabelece as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.

RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 1, DE 5 DE JULHO DE 2000––––––

Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e


Adultos.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educa-
ção, de conformidade com o disposto no Art. 9º, § 1º, alínea “c”, da Lei n. 4.024,
de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei 9.131, de 25 de
novembro de 1995, e tendo em vista o Parecer CNE/CEB 11/2000, homologado
pelo Senhor Ministro da Educação em 7 de junho de 2000, RESOLVE:
Art. 1º Esta Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação de Jovens e Adultos a serem obrigatoriamente observadas na oferta e
na estrutura dos componentes curriculares de ensino fundamental e médio dos
cursos que se desenvolvem, predominantemente, por meio do ensino, em insti-
tuições próprias e integrantes da organização da educação nacional nos diversos
sistemas de ensino, à luz do caráter próprio desta modalidade de educação.

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48 © Educação de Jovens e Adultos

Art. 2º A presente Resolução abrange os processos formativos da Educação de


Jovens e Adultos como modalidade da Educação Básica nas etapas dos ensinos
fundamental e médio, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, em especial dos seus artigos 4º, 5º, 37, 38 e 87 e, no que couber, da
Educação Profissional.
§ 1º Estas Diretrizes servem como referência opcional para as iniciativas autô-
nomas que se desenvolvem sob a forma de processos formativos extraescolares
na sociedade civil.
§ 2º Estas Diretrizes se estendem à oferta dos exames supletivos para efeito de
certificados de conclusão das etapas do ensino fundamental e do ensino médio
da Educação de Jovens e Adultos.
Art. 3º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental estabeleci-
das e vigentes na Resolução CNE/CEB 2/98 se estendem para a modalidade da
Educação de Jovens e Adultos no ensino fundamental.
Art. 4º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, estabelecidas e
vigentes na Resolução CNE/CEB 3/98, se estendem para a modalidade de Edu-
cação de Jovens e Adultos no ensino médio.
Art. 5º Os componentes curriculares conseqüentes ao modelo pedagógico pró-
prio da educação de jovens e adultos e expressos nas propostas pedagógicas
das unidades educacionais obedecerão aos princípios, aos objetivos e às diretri-
zes curriculares tais como formulados no Parecer CNE/CEB 11/2000, que acom-
panha a presente Resolução, nos pareceres CNE/CEB 4/98, CNE/CEB 15/98
e CNE/CEB 16/99, suas respectivas resoluções e as orientações próprias dos
sistemas de ensino.
Parágrafo único. Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identi-
dade própria da Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os per-
fis dos estudantes, as faixas etárias e se pautará pelos princípios de eqüidade,
diferença e proporcionalidade na apropriação e contextualização das diretrizes
curriculares nacionais e na proposição de um modelo pedagógico próprio, de
modo a assegurar:
I – quanto à eqüidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a
fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualda-
de de direitos e de oportunidades face ao direito à educação;
II – quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria
e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valori-
zação do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos
e valores;
III – quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos com-
ponentes curriculares face às necessidades próprias da Educação de Jovens
e Adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegu-
rem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participan-
tes da escolarização básica.
Art. 6º Cabe a cada sistema de ensino definir a estrutura e a duração dos cursos
da Educação de Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares nacio-
nais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de colaboração
entre os entes federativos.
Art. 7º Obedecidos o disposto no Art. 4º, I e VII da LDB e a regra da prioridade
para o atendimento da escolarização universal obrigatória, será considerada ida-
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de mínima para a inscrição e realização de exames supletivos de conclusão do


ensino fundamental a de 15 anos completos.
Parágrafo único. Fica vedada, em cursos de Educação de Jovens e Adultos,
a matrícula e a assistência de crianças e de adolescentes da faixa etária com-
preendida na escolaridade universal obrigatória, ou seja, de sete a quatorze anos
completos.
Art. 8º Observado o disposto no Art. 4º, VII da LDB, a idade mínima para a ins-
crição e realização de exames supletivos de conclusão do ensino médio é a de
18 anos completos.
§ 1º O direito dos menores emancipados para os atos da vida civil não se aplica
para o da prestação de exames supletivos.
§ 2º Semelhantemente ao disposto no parágrafo único do Art. 7º, os cursos de
Educação de Jovens e Adultos de nível médio deverão ser voltados especifica-
mente para alunos de faixa etária superior à própria para a conclusão deste nível
de ensino, ou seja, 17 anos completos.
Art. 9º Cabe aos sistemas de ensino regulamentar, além dos cursos, os procedi-
mentos para a estrutura e a organização dos exames supletivos, em regime de
colaboração e de acordo com suas competências.
Parágrafo único. As instituições ofertantes informarão aos interessados, antes
de cada início de curso, os programas e demais componentes curriculares, sua
duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos didáticos disponíveis
e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições.
Art. 10. No caso de cursos semi-presenciais e a distância, os alunos só poderão
ser avaliados, para fins de certificados de conclusão, em exames supletivos pre-
senciais oferecidos por instituições especificamente autorizadas, credenciadas
e avaliadas pelo poder público, dentro das competências dos respectivos siste-
mas, conforme a norma própria sobre o assunto e sob o princípio do regime de
colaboração.
Art. 11. No caso de circulação entre as diferentes modalidades de ensino, a ma-
trícula em qualquer ano das etapas do curso ou do ensino está subordinada às
normas do respectivo sistema e de cada modalidade.
Art. 12. Os estudos de Educação de Jovens e Adultos realizados em instituições
estrangeiras poderão ser aproveitados junto às instituições nacionais, mediante
a avaliação dos estudos e reclassificação dos alunos jovens e adultos, de acordo
com as normas vigentes, respeitados os requisitos diplomáticos de acordos cul-
turais e as competências próprias da autonomia dos sistemas.
Art. 13. Os certificados de conclusão dos cursos a distância de alunos jovens
e adultos emitidos por instituições estrangeiras, mesmo quando realizados em
cooperação com instituições sediadas no Brasil, deverão ser revalidados para
gerarem efeitos legais, de acordo com as normas vigentes para o ensino presen-
cial, respeitados os requisitos diplomáticos de acordos culturais.
Art. 14. A competência para a validação de cursos com avaliação no processo e
a realização de exames supletivos fora do território nacional é privativa da União,
ouvido o Conselho Nacional de Educação.
Art. 15. Os sistemas de ensino, nas respectivas áreas de competência, são co-
-responsáveis pelos cursos e pelas formas de exames supletivos por eles regu-
lados e autorizados.
Parágrafo único. Cabe aos poderes públicos, de acordo com o princípio de pu-
blicidade:

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50 © Educação de Jovens e Adultos

a) divulgar a relação dos cursos e dos estabelecimentos autorizados à aplicação


de exames supletivos, bem como das datas de validade dos seus respectivos
atos autorizadores.
b) acompanhar, controlar e fiscalizar os estabelecimentos que ofertarem esta
modalidade de educação básica, bem como no caso de exames supletivos.
Art. 16. As unidades ofertantes desta modalidade de educação, quando da auto-
rização dos seus cursos, apresentarão aos órgãos responsáveis dos sistemas o
regimento escolar para efeito de análise e avaliação.
Parágrafo único. A proposta pedagógica deve ser apresentada para efeito de
registro e arquivo histórico.
Art. 17 – A formação inicial e continuada de profissionais para a Educação de
Jovens e Adultos terá como referência as diretrizes curriculares nacionais para o
ensino fundamental e para o ensino médio e as diretrizes curriculares nacionais
para a formação de professores, apoiada em:
I – ambiente institucional com organização adequada à proposta pedagógica;
II – investigação dos problemas desta modalidade de educação, buscando ofere-
cer soluções teoricamente fundamentadas e socialmente contextuadas;
III – desenvolvimento de práticas educativas que correlacionem teoria e prática;
IV – utilização de métodos e técnicas que contemplem códigos e linguagens
apropriados às situações específicas de aprendizagem.
Art. 18. Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens
e Adultos que se destinam ao ensino fundamental deverão obedecer em seus
componentes curriculares aos Art. 26, 27, 28 e 32 da LDB e às diretrizes curricu-
lares nacionais para o ensino fundamental.
Parágrafo único. Na organização curricular, competência dos sistemas, a língua
estrangeira é de oferta obrigatória nos anos finais do ensino fundamental.
Art. 19. Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens
e Adultos que se destinam ao ensino médio deverão obedecer em seus compo-
nentes curriculares aos Art. 26, 27, 28, 35 e 36 da LDB e às diretrizes curriculares
nacionais para o ensino médio.
Art. 20. Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão
do ensino fundamental, quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos
sistemas de ensino, deverão seguir o Art. 26 da LDB e as diretrizes curriculares
nacionais para o ensino fundamental.
§ 1º A explicitação desses componentes curriculares nos exames será definida pelos
respectivos sistemas, respeitadas as especificidades da educação de jovens e adultos.
§ 2º A Língua Estrangeira, nesta etapa do ensino, é de oferta obrigatória e de
prestação facultativa por parte do aluno.
§ 3º Os sistemas deverão prever exames supletivos que considerem as peculia-
ridades dos portadores de necessidades especiais.
Art. 21. Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão do
ensino médio, quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos sistemas
de ensino, deverão observar os Art. 26 e 36 da LDB e as diretrizes curriculares
nacionais do ensino médio.
§ 1º Os conteúdos e as competências assinalados nas áreas definidas nas dire-
trizes curriculares nacionais do ensino médio serão explicitados pelos respecti-
vos sistemas, observadas as especificidades da educação de jovens e adultos.
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 51

§ 2º A língua estrangeira é componente obrigatório na oferta e prestação de exa-


mes supletivos.
§ 3º Os sistemas deverão prever exames supletivos que considerem as peculia-
ridades dos portadores de necessidades especiais.
Art. 22. Os estabelecimentos poderão aferir e reconhecer, mediante avaliação,
conhecimentos e habilidades obtidos em processos formativos extraescolares,
de acordo com as normas dos respectivos sistemas e no âmbito de suas compe-
tências, inclusive para a educação profissional de nível técnico, obedecidas as
respectivas diretrizes curriculares nacionais.
Art. 23. Os estabelecimentos, sob sua responsabilidade e dos sistemas que os
autorizaram, expedirão históricos escolares e declarações de conclusão, e regis-
trarão os respectivos certificados, ressalvados os casos dos certificados de con-
clusão emitidos por instituições estrangeiras, a serem revalidados pelos órgãos
oficiais competentes dos sistemas.
Parágrafo único. Na sua divulgação publicitária e nos documentos emitidos, os
cursos e os estabelecimentos capacitados para prestação de exames deverão
registrar o número, o local e a data do ato autorizador.
Art. 24. As escolas indígenas dispõem de norma específica contida na Resolução
CNE/CEB 3/99, anexa ao Parecer CNE/CEB 14/99.
Parágrafo único. Aos egressos das escolas indígenas e postulantes de ingresso
em cursos de educação de jovens e adultos, será admitido o aproveitamento
destes estudos, de acordo com as normas fixadas pelos sistemas de ensino.
Art. 25. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revo-
gadas as disposições em contrário (BRASIL, 2007).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. TEXTOS COMPLEMENTARES
Para complementar seus conhecimentos acerca do assunto
estudado nesta unidade, apresentaremos, a seguir, cinco fragmen-
tos do livro: Cidadania, o direito de ser feliz, iguais e desiguais, até
quando?. Esses fragmentos, cuja compreensão é clara, são rele-
vantes para a apropriação do conceito de cidadania.
O Texto 1 faz uma crítica ao discurso demagógico sobre o cri-
tério de cidadania que acentua a igualdade de todos e minimiza o
exercício pleno da cidadania, aproveitando-se do desconhecimen-
to do povo sobre os seus direitos.

Texto 1

Do que se fala e do que se faz–––––––––––––––––––––––––––


Na escola nos ensinam que cidadania é o conjunto de direitos e deveres civis e
políticos de um Estado. Por sua vez, cidadão é o indivíduo, a pessoa no exercício

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52 © Educação de Jovens e Adultos

da cidadania, quer dizer, é o cidadão no gozo dos direitos e no desempenho dos


deveres perante o Estado.
Uma definição subjetiva e essencialmente jurídica, que alguns, de forma propo-
sital, confundem também com o caráter de nacionalidade, ou com o direito de
votar e ser votado.
Se fosse tal qual a definição, quem sabe tudo seria muito simples. Ocorre que exercitar
a cidadania não é tão fácil assim, principalmente devido a uma série de fatores e difi-
culdades que, aos poucos, ficarão evidentes neste livro. É oportuno, ainda, observar
que, ao exercitar a cidadania, as relações interpessoais também devem ser conside-
radas, uma vez que o Estado é apenas uma figura de representação política da nação
que, em tese, deveria garantir o pleno gozo dos direitos e o cumprimento dos deveres.
Pode-se dizer, dentro dessa perspectiva, que o vir a ser da cidadania só se realiza nos
atos e atitudes dos indivíduos, e não apenas no seu enunciado, no seu conceito.
Embora classicamente a cidadania seja uma qualidade atribuída ao cidadão, na
verdade ela principia na pessoa humana; a lei pode trazer no seu bojo preceitos,
definições e formas reguladoras da cidadania, porém, ela não a realiza, não torna
o indivíduo cidadão apenas pela subjetividade. A compreensão de que para ser
cidadão bastaria simplesmente cumprir as leis é totalmente ultrapassada, aliás,
esta sempre foi a lógica do discurso da chamada classe dominante; uma maneira
de reduzir e limitar o exercício da cidadania ao cumprimento unilateral das regras
legais, sem que houvesse a contrapartida do Estado em proporcionar condições
para o gozo dos direitos fundamentais dos cidadãos.
De forma clara, concreta e objetiva, a Cidadania não é o seu enunciado, mas,
sim, o seu exercício. Ela emana da sua prática, do compromisso consciente do
indivíduo ao atuar, ao assumir o papel de agente da transformação histórica e
ocupar o seu espaço de forma objetiva dentro do universo político, econômico, cul-
tural e social. A cidadania é que qualifica o cidadão e ela só se torna transparente
e concreta através da ação. O indivíduo estanque, parado, é só indivíduo e não
sujeito instituído de cidadania. É possível afirmar, utilizando-se do que disse Raul
Seixas em Ouro de Tolo: aquele que fica “sentado no trono de um apartamento,
com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar” dificilmente
chegará a ser um cidadão, embora muitos sejam levados a acreditar no contrário.
A cidadania é também, por assim dizer, uma via de mão dupla: traz consigo o
querer, o desejo, a reivindicação da concretização de um direito, e, por outro
lado, enseja uma contrapartida, uma responsabilidade.
A comunidade de um bairro, por exemplo, ao reivindicar o atendimento do seu
direito ao lazer, solicitando à Prefeitura a construção de uma quadra de esportes,
ao ser atendida, assume a responsabilidade pelos cuidados do bem em ques-
tão. Concretamente, isso significa que a cada “gozo de direito” corresponde uma
nova ação do sujeito da cidadania, aquela que preserva o direito. Sendo assim, a
ação de cidadania “não se aliena e nem se submete”, pelo contrário, a dinâmica
do seu exercício é que dá o tom da emancipação do cidadão.
Vale destacar ainda que, de forma relativa, as chamadas cidadanias civis e polí-
tica estão num campo onde, pode-se dizer, estão mais próximas da sua realiza-
ção; por outro lado, a cidadania social ainda está por se fazer, se concretizar. O
espaço que separa “os que têm dos que não têm”, “os incluídos dos excluídos”,
“os iguais dos desiguais”, ainda é um longo caminho que precisa ser percorrido
a passos largos e sem trégua (GEAQUINTO, 2001, p. 16-17).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 53

A seguir, o Texto 2 pretende expor a conscientização sobre as


atitudes desejadas a um cidadão.

Texto 2

Nem tudo são flores–––––––––––––––––––––––––––––––––––


E há que se cuidar do broto,
pra que a vida nos dê flor
e fruto.
(MILTON NASCIMENTO)

Como já disse no capítulo anterior, a cidadania não se instala apenas pelo enun-
ciado da lei, não é uma condição líquida e certa. E isso se verifica devido a mo-
delos preexistentes na sociedade, modelos estes que habitam, por assim dizer,
o próprio inconsciente coletivo, o imaginário, influenciando o pensamento, os juí-
zos de valores, os comportamentos e tudo o que daí resulta. São esses modelos
preestabelecidos que dificultam o exercício da cidadania. Dentre esses modelos
destaco alguns, tomando como base um texto denominado “O que é preciso
para ser cidadão”, de autoria do Pe. Juvenal Arduini, a fim de que seja possível
entender aquilo que denomino de dificuldades da cidadania.
No Brasil desde os seus primórdios, por força da concentração do poder econô-
mico, a começar pelo período escravagista, estabeleceu-se uma divisão social
onde a maioria do povo é considerada e se acredita inferior. A partir daí, da pri-
mazia selvagem do capital sobre o trabalho, é que foram delimitados os direitos
e deveres de cada um.
Se antes eram os senhores de escravos que dominavam, hoje temos usineiros, la-
tifundiários, empresários nacionais e multinacionais a gerirem o destino da maioria
do povo brasileiro. São os “cidadãos de primeira classe”, proprietários, inclusive,
de meios de comunicação e do acesso ao conhecimento, que gozam dos seus
extremados direitos ignorando suas obrigações e os direitos dos demais. São eles
que acumulam também, além de propriedades e dinheiro, sempre mais poder po-
lítico, num sistema de subordinação e submissão do povo, considerados como
“cidadãos de categoria inferior”; é o modelo sempre em vigor da “casa-grande e
da senzala”: a opressão dos senhores e a condição de oprimidos dos escravos.
Derivado do modelo acima, chamado por muitos de “oligárquico”, temos “o pater-
nalismo”, onde a maioria do povo, dentro da sua visão de inferioridade e abando-
no, de forma filial e submissa, buscando satisfazer as suas carências e necessi-
dades de toda ordem, recorre aos políticos detentores do poder, e estes, por sua
vez, posando de pais do povo, distorcem a realidade e propagam a falsa idéia de
que são generosos e bons, ao invés de exploradores e responsáveis pela miséria
existente. Esse modelo, na verdade, reforça a submissão do povo à exploração
das classes dominantes, pois, na medida em que tais políticos dão migalhas
para aplacar momentaneamente a miséria reinante, contribuem também, de for-
ma significativa, para perpetuar a injustiça social e econômica. O paternalismo
camufla o papel do explorador, transformando-o num benemérito, atribuindo a

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54 © Educação de Jovens e Adultos

este qualidades de um cordeiro, quando na verdade é o lobo que demarca a sua


personalidade e as suas atitudes.
Outro modelo é aquele que se refere ao fatalismo, à fatalidade, ao inevitável, ao
destino. A idéia de que não há como mudar a rota dos acontecimentos, de que
tudo transcorre “naturalmente”, é pregada e aceita como se fosse algo imutável.
Muitas crenças são tornadas verdades absolutas, inclusive aquela de que “Deus
é que fez o mundo assim”, portanto, não há o que mudar apenas conformar-se.
Esse conformismo, em boa dose, pregado pela maioria das religiões, só con-
tribuiu para a perpetuação da dominação, das desigualdades. Essa é a lógica
que sempre uniu algumas religiões e o poder, não só no Brasil, mas, também,
nos chamados países do terceiro mundo, onde vicejam os “sem-cidadania”. Vale
lembrar, que nas últimas décadas, setores progressistas da igreja católica e de
algumas outras religiões vêm incentivando, através das chamadas “políticas so-
ciais”, uma maior participação política e a conscientização para a cidadania.
Outros tantos modelos existem e estão, firmemente, impregnados no consciente
e no inconsciente coletivo a obstruir, a impedir, a dificultar o desenvolvimento de
uma consciência de cidadania.
Além disso, tais formas de manter o indivíduo estático e conformado renovam-se
a cada dia; mensagens sutis ou não, explícitas ou não, são enviadas a todo o
momento pelos meios de comunicação, de maneira a fazer crer à maioria explo-
rada que, apesar de tudo, “este é o melhor dos mundos”. Aliás, a democratização
do acesso ao saber, que para mim é fundamental para tornar-se cidadão, tem
que passar também, inevitavelmente, pela democratização dos meios de comu-
nicação. Sem que isso ocorra, as elites, que ainda hoje detêm esse monopólio,
continuarão impedindo o desenvolvimento da cidadania.
Se dificuldades existem, elas devem ser vencidas. Essa motivação consciente
deve ser a essência das atitudes de quem deseja ser cidadão. Nos próximos
capítulos certamente outras dificuldades ganharão clareza, porém, em contra-
partida, o modo de combatê-las também (GEAQUINTO, 2001, p. 18-19).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O confronto entre cidadania e democracia é o tema central
do Texto 3. Observe-o a seguir:

Texto 3

Dize-me com quem andas––––––––––––––––––––––––––––––


Que te ouçam a fala
Por toda a cidade.
E a dignidade
Possas em vida recriá-la.
A essência do regime político democrático está alicerçada, principalmente, no
princípio da soberania popular, o que, de maneira simples, significa governo do
povo. Dessa afirmativa, uma pergunta, entre tantas outras, se destaca e aguça
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 55

os sentidos: De que povo? É comum ouvirmos, dos porta-vozes das oligarquias


dominantes, que a democracia existe porque quem elege os governantes é o povo,
que o voto é o momento maior da cidadania. E aí surgem outras indagações: será
que todo povo que vota é cidadão? Em que condições o povo exercita o seu voto?
Segundo o Dicionário de política, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gian-
franco Pasquino, a democracia contém “procedimentos que são universais”, e
dentre estes destaco alguns para embasar aquilo que chamo de confronto entre
cidadania e democracia:
“I - Todos os eleitores devem ser livres e votar segundo a própria opinião forma-
da o mais livremente possível...;
II - Devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição
de terem reais alternativas...”.
Tomados os dois enunciados acima, é possível entender o porquê do confronto
entre cidadania e democracia. Sem subjetivismo algum, declaro que somente o
cidadão no exercício pleno da sua cidadania é livre para votar de acordo com a
sua própria opinião, entendido, inclusive, que ele só a forma exercitando livre-
mente o seu senso crítico.
Portanto, não há como desconhecer, minimizar ou subestimar a necessidade da
existência de condições democráticas favoráveis para o exercício da cidadania,
uma vez que a sobrevivência da democracia está intimamente ligada a essa prá-
tica. Acredito, então, que o pilar, a principal condição, da democracia deve ser a
cidadania, claro está, o seu exercício e não apenas a outorga legal.
Um dos ideais que norteiam a democracia, pelo menos implicitamente, é a igual-
dade, que tem sido apresentada como se pudesse mesmo ser realizada, iludindo
de certa forma o indivíduo mais crente. A desigualdade é mostrada como se
fosse apenas uma carência individual e material, econômica. Essa abordagem
interessa tanto aos plantadores das desigualdades, como também aos revolucio-
nários da miséria e demagogos, pois, individualizando e dando uma face apenas
material para a desigualdade, sugere-se a possibilidade do seu fim. Ocorre que
a desigualdade não se mede apenas pelos que “não têm”, mas, também, pelos
que “não são”, pelos que “não sabem”, pelos que “nada esperam”, como bem
exemplifica Pedro Demo em uma de suas obras reflexivas.
Realizar o fim das desigualdades é difícil, realmente utópico, porém é possível,
democraticamente, proporcionar condições de igualdade de oportunidades, as-
sim como é possível alcançar a emancipação, o que, como diz o mesmo Pedro
Demo, “não se instaura a igualdade, mas se possibilita uma sociedade mais de-
mocrática...”. E isso, certamente não será servido em uma bandeja, caberá ao ci-
dadão essa conquista. Ampliar o espaço das chamadas conquistas democráticas
é tarefa da cidadania, do seu fazer constante.
Como disse o poeta, “é preciso estar atento e forte”. Existem situações em que
tanto a democracia como o exercício da cidadania vive momentos do chamado
faz de conta. Exceções à parte, um exemplo disso acontece quando se propõe
a participação popular na elaboração de Planos Plurianuais, Planos de Obras ou
Leis Orçamentárias municipais. As lideranças comunitárias, depois de consulta-
rem suas comunidades, passam praticamente um ano discutindo com técnicos e
secretários municipais a definição das obras consideradas prioritárias para suas
cidades. Depois disso, normalmente, as Leis são aprovadas, quase sempre, por
unanimidade pelas Câmaras Municipais.

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56 © Educação de Jovens e Adultos

Conclusão: A experiência mostra que passados quase quatro anos, a maior parte
das obras prioritárias eleitas pelas comunidades não são realizadas, e as “priori-
dades” de fato acabam sendo ditadas por outros interesses, mormente político-
-eleitorais e econômicos.
O que se deduz desse fato é que é puro engano dizer que as condições da demo-
cracia se medem apenas pelo direito de expressão, de falar. Ao contrário, a boa
democracia é aquela que garante ao cidadão o direito de ser ouvido, é aquela
que proporciona condições objetivas para a realização da cidadania (GEAQUIN-
TO, 2001, p. 20 - 21).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A temática do Texto 4 enaltece a educação como base para
o exercício da cidadania:

Texto 4

Hoje, amanhã e depois de amanhã–––––––––––––––––––––––


A educação só é válida,
se renova e transforma.
Reiventado, o saber valida
o bem que de ti transborda.

Falar de educação, ao contrário do que possa parecer, não é tarefa fácil, já que
no campo conceitual existem divergências e diferenciações, principalmente no
que se refere aos termos educação e instrução. Além disso, outras questões se
impõem como, por exemplo, qual o seu objeto? Ela é adquirida na escola ou na
sociedade? A quem ela serve como instrumento de dominação, ideológico etc.?
Não é meu objetivo entrar na discussão dessas diferenças e nuanças, uma vez
que o tema aqui em exposição é o da cidadania e sua relação com alguns ele-
mentos que podem interferir ou não no seu exercício, ou seja, a educação aqui
será tratada de forma abrangente, “como o povo entende”, como costuma dizer
um amigo meu.
Diz a Constituição brasileira: “A educação, direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Se tomássemos como base o dito
constitucional, sem levar em consideração a realidade, com certeza diríamos que
a educação no Brasil serve à causa da cidadania. Ocorre que entre o enunciado
e a prática existe um vácuo a ser preenchido, não só pelo Estado, mas também
pela família e pela própria sociedade. E o irônico, ou interessante nisso tudo,
é que o exercício da cidadania que o texto constitucional propõe é justamente
aquilo que deve ser acionado para garantir que a educação cumpra o seu papel.
Disso tudo, depreende-se que a educação para a cidadania não depende única
e exclusivamente da “educação oficial”, da instrução escolar, como preferirem,
uma vez que esta tem educado para a submissão, para uma “cidadania menor”
reforçando as desigualdades.
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 57

A reflexão que proponho, a partir do que já foi dito, se baseia principalmente no


fato de que a educação deve ser a base para o exercício da cidadania, e para
que isso aconteça é necessário a compreensão de que deve-se rever todo o sis-
tema educacional vigente, pois, da forma como ele hoje se apresenta, não deixa
de ser mais um agente de inibição do exercício da cidadania.
Se o próprio professor ou educador não se garante como cidadão, tem a sua dig-
nidade, sua auto-estima e o seu amor-próprio, ultrajados a todo instante, como
pode ele ser um agente disseminador, motivador da cidadania? Aqui tomo a liber-
dade de transcrever um trecho de um artigo de David L. Bogomoletz, em Crise da
cidadania..., que vem enriquecer essa reflexão: “... a educação para a cidadania
poderia ser uma idéia louvável. Só que para ser uma prática também louvável, é
indispensável que os que ensinam – do governo ao professor – sejam um exem-
plo concreto do que está sendo ensinado. Caso contrário, acaba-se ensinando
a hipocrisia. Isto acabou sendo muito bem ensinado e, infelizmente, bastante
aprendido”. Sobre o mesmo tema diz Huberto Rohden: “toda a arte de educar
consiste em despertar e estimular no educando suas potencialidades dormen-
tes”, em outras palavras, a educação deve ser um estímulo ao desenvolvimento
do homem em toda a sua essência, capacitando-o para a vida.
Sobre isso, lembro-me das dificuldades que enfrentei nas escolas por onde pas-
sei, nas dificuldades para entender o confronto entre a realidade em que eu vi-
via e aquela que tentavam me fazer crer que existia. Penso que, se eu tivesse
dependido apenas dos estímulos da escola, acreditem: hoje eu não estaria aqui
propondo esta reflexão.
Possivelmente, se não estivesse na escuridão de uma cela, estaria representado
por mais um número na estatística dos miseráveis, dos sem-cidadania.
Entendendo o exercício da cidadania como uma potencialidade que precisa ser
estimulada, motivada no indivíduo, não há como fugir à conclusão de que a edu-
cação, em todas as suas formas, deve servir ao cidadão. Embora saiba que o
exercício da cidadania assusta as elites, às oligarquias, isso tem que ser con-
frontado, a não ser que queiramos continuar perpetuando as desigualdades, ou
então continuar no faz de conta de que queremos mudar alguma coisa.
De nada valem os discursos tipo: “a solução é a educação”, se a ação política
concreta não acontecer na mesma direção. Há que se repensar a educação a
partir do básico, do acesso à escola, dos currículos escolares, da formação dos
professores, da construção de uma ética do professor, dos salários, da gestão
democrática e comunitária da escola, da participação comunitária nas decisões
político-pedagógicas. Tudo isso, bem entendido, partindo da instituição de uma
nova pedagogia que, como diz o mestre Paulo Freire, tome a educação como
prática da liberdade e da cidadania; uma educação voltada e compromissada
com o resgate da cidadania humana em toda a sua extensão.
Certamente, dificuldades existem para que a educação cumpra alguns dos ob-
jetivos propostos; o que posso dizer é que não são intransponíveis; acima dos
interesses econômicos e políticos, é chegada a hora da cidadania também “rein-
ventar a educação” (GEAQUINTO, 2001, p. 22-24).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O Texto 5 é um poema que retrata a busca do sonho para
bem viver em sociedade. Um sonho que pode e deve tornar-se
realidade.

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58 © Educação de Jovens e Adultos

Texto 5

Para repartir com todos––––––––––––––––––––––––––––––––


Com este canto te chamo, porque dependo de ti.
Quero encontrar um diamante, sei que ele existe e onde está.
Não me acanho de pedir ajuda: Sei que sozinho nunca vou poder achar.
Mas desde logo advirto: para repartir com todos.
Traz a ternura que escondes machucada no teu peito.
Eu levo um resto de infância que meu coração guardou.
Vamos precisar de fachos para as veredas da noite que oculta e,
às vezes, defende o diamante.
Vamos juntos.
Traz toda a luz que tiveres, não te esqueças do arco-íris que escondes no porão.
Eu ponho a minha poronga, de uso na selva, é uma luz que se aconchega na
sombra.
Não vale desanimar, nem preferir os atalhos sedutores que nos perdem,
para chegar mais depressa.
Vamos achar o diamante para repartir com todos.
Mesmo com quem não quis vir ajudar, falto de sonho.
Com quem preferiu ficar sozinho bordando de ouro o seu umbigo engelhado.
Mesmo quem se fez de cego ou se encolheu de vergonha de aparecer procu-
rando.
Com quem foi indiferente e zombou de nossas mãos infatigadas na busca.
Mas também com quem tem medo do diamante e seu poder, e até com quem
desconfia que ele exista mesmo.
Existe:
O diamante se constrói quando o procuramos juntos no meio da nossa vida
e cresce, límpido cresce, na intenção de repartir o que chamamos de amor (MEL-
LO in GEAQUINTO, 2001, p. 39-40).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Este é um momento de reflexão sobre o estudo da unidade pro-
posta e, também, um momento de reconhecer se os conhecimentos
pretendidos foram alcançados ou se ainda necessitam ser retomados.
Por meio das questões autoavaliativas, pretendemos que
você se torne mais responsável pela sua evolução educacional,
mais reflexivo, autônomo, motivado e eficiente.
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 59

Assim, acreditamos que a autoconsciência crescente de suas


atitudes, de seu empenho em refletir sobre as questões propostas,
trará a você um amadurecimento natural que, progressivamente,
ganhará forma e consistência.
Acreditamos, ainda, que esse recurso de aprendizagem pos-
sa ser de grande alcance na educação de cidadãos conscientes de
si, do outro e de seu papel na construção de uma sociedade mais
solidária, responsável e humana.
1) Pontue, de acordo com o estudo desta unidade, o que pode contribuir sig-
nificativamente em vários aspectos para o desenvolvimento político, econô-
mico e social de uma sociedade?

2) O exercício da cidadania vai além do cumprimento de deveres que todo cida-


dão possui, necessitando, para tanto, do reconhecimento de que também é
sujeito de direitos. Desse modo, reflita sobre a seguinte questão: por que é
importante o indivíduo reconhecer seus direitos?

3) Descreva qual o melhor caminho a ser percorrido para desenvolver um cidadão?

4) Apesar de a educação hoje ser para todos, a quem ela continua beneficiando?

5) A educação, sem dúvida, tem um sentido social, ético e político, que, por
meio da vivência de experiências diferentes, do indivíduo e da sociedade, faz
nascer, inventa, cria, a cada instante, uma nova sociedade, um novo homem,
uma nova vida. Nesse sentido, como deve ser proposta a EJA?

6) Qual a finalidade da modalidade de ensino de EJA?

7) Já vimos, nesta unidade, que, em dezembro de 1996, foi aprovada a nova Lei
de Diretrizes e Bases n. 9.394/96, que defende a oferta da EJA inscrevendo:
Da Educação de Jovens e Adultos
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que
não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino funda-
mental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e
aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as caracte-
rísticas do alunado, seus interesses, condições de vida e de traba-
lho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a perma-
nência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e com-
plementares entre si.

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60 © Educação de Jovens e Adultos

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supleti-


vos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, ha-
bilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I – no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores
de quinze anos;
II – no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de de-
zoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos
por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.
Com base nesses artigos, descreva como a função reparadora na modalidade
de ensino da EJA foi caracterizada.

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, nossa proposta foi fazer que você não so-
mente conhecesse a constituição histórica da Educação de Jovens
e Adultos em nosso país, mas também refletisse sobre ela.
A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil ainda
necessita reclamar a consolidação de reformulações pedagógicas.
O público que procura essa modalidade de ensino ainda é com-
posto, em sua maioria, por pessoas que já tiveram experiências
fracassadas na escola.
Portanto, ressaltamos que o grande desafio pedagógico a
que a EJA se propõe, no sentido de seriedade e criatividade, é o
de garantir a esses alunos, homens e mulheres, jovens e adultos,
acesso à cultura letrada, possibilitando-lhes participação ativa no
mundo do trabalho, da política e da cultura.
Não tivemos a intenção de esgotar esse assunto, uma vez
que demandaria uma extensa e profunda pesquisa sobre ele, pois,
como pudemos observar, foram várias as etapas necessárias para
que essa modalidade de educação se apresentasse como é hoje.
© U1 – Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 61

Muitos foram os avanços e retrocessos, as lutas e movimen-


tos sociais, contudo, podemos dizer que, no saldo final, essa cons-
trução se deu pelos caminhos da vitória.

11. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
BRASIL. Parecer CNE/CEB 11/2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/secad/
arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2007.
______. LDB n. 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.pge.
sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/cullei9394.htm>. Acesso
em: 25 fev. 2007.
______. Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000.pdf>. Acesso em: 2 set. 2010).
BELLO, J. L. P. Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral. História da
Educação no Brasil. Período do Regime Militar. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993.
Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb10a.htm>. Acesso em: 14
mar. 2007.
FEITOSA, S. C. S. Método Paulo Freire: princípios e práticas de uma concepção popular
de educação (dissertação de mestrado). Disponível em: <http://www.paulofreire.org/
Biblioteca/metodo.htm>. Acesso em: 15 mar. 2007.
GEAQUINTO, W.S. Cidadania, o direito de ser feliz: iguais e desiguais, até quando?
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000245.pdf >.
Acesso em: 15 ago. 2010.
RAMALHO, Z. Cidadão. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/ze-ramalho/
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RIBEIRO, V. M. M. (Coord.). Educação de jovens e adultos: proposta curricular para o 1º
segmento do ensino fundamental. Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org.br/
downloads/parte1.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2007.
SOARES, L. Brasil alfabetizado em foco. PGM 1 – Alfabetização de Jovens e Adultos: um
pouco da História. Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2003/
baf/tetxt1.htm>. Acesso em: 1 abr. 2007.
UNESCO. Declaração mundial sobre educação para todos: satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem Jomtien, 1990. 1998. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.
org/images/0008/000862/086291por.pdf>. Acesso em: 17 set. 2010
VIEIRA, D. G. Método Paulo Freire, ou Método Laubach? Disponível
em: <http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=1627>. Acesso em: 14 mar.
2007.

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62 © Educação de Jovens e Adultos

12. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário eletrônico Aurélio. versão 5.0. Curitiba: Positivo, 2004.
EAD
Caracterização do Alunado
da Educação de Jovens
e Adultos em Face
das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 2
A educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais
felizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poé-
tica de nossas vidas (MORIN, 2003, p. 11).

1. OBJETIVOS
• Caracterizar a Educação de Jovens e Adultos e compreen-
der suas especificidades.
• Repensar e identificar o papel do educador atuante das
classes de Educação de Jovens e Adultos sobre a prática
pedagógica, especialmente como formador de cidadãos
conscientes de seu papel na sociedade.
• Reconhecer a importância dos aspectos socioafetivos en-
tre professores e alunos da Educação de Jovens e Adultos
na mediação da construção de conhecimentos.
64 © Educação de Jovens e Adultos

2. CONTEÚDOS
• Educação de Jovens e Adultos.
• Educador de Jovens e Adultos.
• Aspectos socioafetivos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli-
citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de
Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades
desta obra. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu
desempenho.
2) Para que você possa conhecer um pouco mais a respei-
to da declaração mundial sobre a educação para todos,
assunto que será estudado nesta unidade, recomenda-
mos que você acesse o site disponível em: <http://unes-
doc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf>.
Acesso em: 17 set. 2010.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 1, fizemos um breve histórico da Educação de
Jovens e Adultos no Brasil e conhecemos as leis que garantem a
oferta dessa educação, além de refletir criticamente sobre a in-
tenção política que a permeia. Para dar continuidade aos nossos
estudos, vamos repensar o papel dos educadores que atuam nes-
sas classes.
Iniciamos o século 21 com esperanças e possibilidades de
um mundo melhor, e a todo momento surgem novas realizações
nas quais os avanços tecnológicos, científicos e culturais aconte-
cem em um pequeno espaço de tempo e em um imenso espaço
geográfico, causando, assim, fortes impactos na sociedade.
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 65

Decorrente da globalização e dos recursos tecnológicos, o mer-


cado de trabalho está cada vez mais exigente e seletivo, requerendo
profissionais com capacidade de transferência de conhecimentos,
capacidade crítica, iniciativa, além de relacionamento cooperativo.
Assim, as pessoas com pouca ou nenhuma escolarização sentem, na
pele, o crescimento das desigualdades e da injustiça social, uma vez
que são duplamente exclusas, isto é, não têm acessibilidade à escola
e, consequentemente, ao mercado de trabalho.
O problema da exclusão social, no Brasil, ao longo de sua
história, tem gerado nos sistemas educacionais grande impacto,
pois, inacreditavelmente, milhões de brasileiros ainda não se be-
neficiam do ingresso nem da permanência na escola.
Relatório divulgado pelo Movimento Todos pela Educação aponta
que, em 2008, quase 40% dos jovens com 16 anos ainda não ti-
nham concluído o Ensino Fundamental, ainda que a idade esperada
para o término dessa etapa seja 14 anos (TRIGUEIRO, 2010).

Apresentando-se bastante diversa e, ao mesmo tempo, com-


plexa, a EJA apresenta características e especificidades que não po-
dem ser, de forma alguma, desconsideradas no cenário educacional.
Os alunos dessa modalidade de ensino, de acordo com o
Conselho Nacional de Educação (CNE) (2000, p. 9), podem ser de-
finidos como:
[...] homens e mulheres, trabalhadores/ras, empregados/das e de-
sempregados/das ou em busca do primeiro emprego; filhos, pais e
mães; moradores urbanos de periferias, favelas e vilas. São sujeitos
sociais e culturais marginalizados nas esferas socioeconômicas e edu-
cacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e
sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo do
trabalho, da política e da cultura. [...] Trazem a marca da exclusão
social, mas são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro, for-
mados pelas memórias que os constituem enquanto seres tempo-
rais [...] Muitos, nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar,
quando crianças, em função da entrada precoce no mercado de tra-
balho, ou mesmo por falta de escolas. Jovens e adultos que, quando
retornam à escola, o fazem guiados pelo desejo de melhorar de vida
ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho. São sujeitos de di-
reitos, trabalhadores que participam concretamente da garantia de
sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem.

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66 © Educação de Jovens e Adultos

5. EDUCANDOS JOVENS E ADULTOS E ESCOLA


Para iniciarmos este tópico, é preciso conhecer quem é o
alunado da EJA.
São pessoas que, na idade considerada ideal de estar no
Ensino Fundamental, foram impedidas por algum motivo de con-
tinuar seus estudos. Os motivos para tal afastamento da escola
são vários, como, por exemplo, alto índice de reprovação, falta de
estímulo em permanecer na escola e, especialmente, necessidade
de ingressar no mercado de trabalho para auxiliar no sustento da
casa.
A fim de melhor compreender o que estamos falando, va-
mos conhecer a história de Josué e de Esmeralda:

História de Josué e Esmeralda––––––––––––––––––––––––––


Josué tem 17 anos, nasceu num povoado perto de Paulo Afonso, no norte da
Bahia. É o quarto dos seis filhos de um pequeno sitiante conhecido como Dô e
de Das Dores, uma mulher decidida que acompanha o marido, todos os dias, no
serviço da roça.
Josué não foi à escola quando criança porque a família precisava da ajuda dele
no cuidado com os animais: algumas galinhas, alguns porcos, dois cavalos e três
vacas. Os irmãos mais velhos aprenderam a ler com uma professora que morava
no povoado. Quando chegou a vez de Josué, a professora mudou de cidade e a
escola mais próxima ficava muito longe.
O irmão mais velho resolveu procurar trabalho numa cidade com mais recursos
e foi para Itabuna. Josué, que na época tinha 14 anos, foi junto.
Sem encontrar emprego, mudaram para Vitória da Conquista. Lá o irmão traba-
lha como pedreiro e, dependendo do serviço, leva Josué para ser ajudante. Perto
de onde moram há uma escola que todas as noites enche de jovens. Josué se
animou porque sentia na pele como é dura a vida de quem nem sabe ler. Ele é
agora um aluno da EJA.
Esmeralda é mineira de Montes Claros. Foi criada pela avó, que só colocou a
menina na escola quando ela já tinha 10 anos. Esmeralda parecia imensa ao
lado de seus colegas de menos idade. Isso era motivo de muita gozação. A pro-
fessora parecia ensinar bastante, mas ela aprendia pouco. Foi reprovada duas
vezes na mesma série e sua avó achou que ela não dava para o estudo. Casou
com 16 anos e logo vieram os filhos: Jacira, Helena, Selma, Geraldo, Benedito,
Graça e Aparecida. Cuidar da casa e dos filhos consumiu todo seu tempo. Mas
os meninos foram à escola: Graça é professora, Benedito e Geraldo são motoris-
tas, Jacira trabalha num escritório como secretária e Aparecida está no colegial.
Com os filhos criados e viúva, Esmeralda descobriu que podia realizar um dos
seus sonhos: ir à escola para aprender o que sempre quis: ler, escrever, entender
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 67

tudo que escuta, fazer as contas do que gasta e muitas coisas mais. Ajudada
pelos filhos saiu à procura da escola mais perto de sua casa. E está muito feliz,
dizendo que estudar “é melhor do que podia imaginar (BRASIL, 2006, p. 3-4).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Ao retornar a seus estudos após um período afastada da
escola, a visão de mundo dessa pessoa é bastante diferenciada.
Como protagonistas principais de suas histórias e experiências vi-
vidas, homens e mulheres chegam à escola com valores e crenças
constituídos.
A EJA recebe alunos e alunas:
com traços de vida, origens, idades, vivências profissionais, históri-
cos escolares, ritmos de aprendizagem e estruturas de pensamento
completamente variados. A cada realidade corresponde um tipo de
aluno e não poderia ser de outra forma, são pessoas que vivem no
mundo adulto do trabalho, com responsabilidades sociais e familia-
res, com valores éticos e morais formados a partir da experiência,
do ambiente e da realidade cultural em que estão inseridos (BRA-
SIL, 2006, p. 4).

Jovens e adultos, ao escolher o caminho da escola, viabili-


zam uma via oportuna para promover seu desenvolvimento pes-
soal. Perceba a fala de Marcelo, aluno da EJA:
O meu maior desejo é poder terminar meus estudos, fazer um cur-
so técnico ou mesmo uma faculdade, pois já estou percorrendo
metade do caminho dos meus desejos. Espero da vida a capacida-
de infinita de realizar com êxito qualquer tarefa e decidir agir com
otimismo e autoconfiança, porque dias prósperos não vêm por aca-
so, nascem através de muita luta e persistência (BRASIL, 2006, p. 5).

Podemos reconhecer, assim, que os alunos e as alunas da EJA


têm uma visão de mundo influenciada por seus traços culturais de
origem, entrelaçados à sua vivência social, familiar e profissional.
Podemos dizer que eles trazem uma noção de mundo mais relacio-
nada ao ver e ao fazer, uma visão de mundo apoiada numa adesão
espontânea e imediata às coisas que vê. Ao escolher o caminho
da escola, a interrogação passa a acompanhar o ver desse aluno,
deixando-o preparado para olhar. Aberto à aprendizagem, eles vêm
para a sala de aula com um olhar que é, por um lado, um olhar
receptivo, sensível, e, por outro, é um olhar ativo: olhar curioso, ex-
plorador, olhar que investiga, olhar que pensa (BRASIL, 2006, p. 5).

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68 © Educação de Jovens e Adultos

Isso fica muito claro nas palavras de Diocrésio, aluno da


EJA, conforme Brasil (2006, p. 5-6):
Acredito que duas das minhas melhores qualidades são a perse-
verança e a esperança, porque já passei por inúmeras dificulda-
des, mas hoje sou melhor que ontem. Com as dificuldades a gente
aprende a valorizar as conquistas.

Especialmente no Brasil, a Educação de Jovens e Adultos


está profundamente ligada à situação de extrema pobreza e ex-
clusão social de vários setores da população. Todavia, esses alunos
não devem e não podem ser caracterizados de forma única, pois a
diversidade cultural de nosso país proporciona traços diferencia-
dos de região para região.
Geralmente, acreditamos que a motivação principal que leva
os alunos jovens e adultos a querer retornar à escola seja somente
a conquista de melhores oportunidades profissionais. Entretan-
to, faz-se necessário salientar que essa não é única razão; outras
oportunidades também são motivacionais para esse alunado. Con-
forme Brasil (1996, p. 42), muitos alunos, quando questionados,
referem-se, também, como motivação:
[...] à vontade mais ampla de entender melhor as coisas, se ex-
pressar melhor, de ser gente, de não depender sempre dos outros.
Especificamente as mulheres, referem-se muitas vezes também ao
desejo de ajudar os filhos com os deveres escolares ou, simples-
mente, de lhes dar um bom exemplo.

Com relação aos adolescentes, estes, normalmente, retor-


nam à escola após um período de fracassos sucessivos e apresen-
tam, portanto, conflitos com a rotina escolar. Nesse caso, é papel
do educador a reconstrução de um vínculo favorável com a escola.
Para isso, o professor deverá, em seu projeto pedagógico, privi-
legiar os modos, os gostos e as expectativas característicos dessa
etapa de vida.
A imagem que os educandos têm da escola tem muito a ver com
a imagem que têm de si mesmos dentro dela. Experiências de fra-
casso e exclusão normalmente produzem nos jovens e adultos uma
auto-imagem negativa. Nos mais velhos, essa baixa autoestima se
traduz em timidez, insegurança, bloqueios. Nos mais jovens, é co-
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 69

mum que a baixa auto-estima se expresse pela indisciplina e auto-


-afirmação negativa ("se não posso ser reconhecido por minhas
qualidades, serei reconhecido por meus defeitos") (BRASIL, 1996,
p. 43).

Em qualquer um desses casos, ou seja, de pessoas mais jo-


vens e de pessoas mais velhas, será fundamental que o educa-
dor auxilie esses alunos a reconstruir sua imagem da escola, das
aprendizagens escolares e, especialmente, de si próprios.
Neste momento, gostaríamos de fazer uma reflexão com
você sobre a letra da música a seguir, chamada É preciso saber
viver, de Roberto Carlos (2010):

É preciso saber viver––––––––––––––––––––––––––––––––––


Quem espera que a vida
Seja feita de ilusão
Pode até ficar maluco
Ou morrer na solidão
É preciso ter cuidado
Pra mais tarde não sofrer
É preciso saber viver
Toda pedra do caminho
Você pode retirar
Numa flor que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o bem e o mal existem
Você pode escolher
É preciso saber viver
É preciso saber viver
É preciso saber viver
É preciso saber viver
Saber viver, saber viver!
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Nessa música, podemos reconhecer que a vida é um eterno
aprendizado. Viver é aprender! Além de simplesmente viver, é pre-
ciso saber viver e, para tanto, é necessário estar disposto a apren-
der sempre, pois qualquer momento da vida é tempo de aprender.

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70 © Educação de Jovens e Adultos

A vida, tanto nas sociedades anteriores como na sociedade


contemporânea, oferece inúmeras oportunidades para desenvol-
vermos aprendizagens e, consequentemente, formas de pensa-
mentos autoconscientes e que transcendem nosso contexto de
vivência.
No entanto, não podemos negar que a escola é um lugar pri-
vilegiado para desenvolvermos o pensamento reflexivo. Isso por-
que, segundo Brasil (1996, p. 17), "a escola é o lugar onde as pes-
soas vão para aprender coisas, tendo a oportunidade de pensar
sem estarem premidas pela necessidade de resolver problemas
reais imediatos".
Portanto, a escola é um espaço privilegiado para que todos
os que a frequentam tenham acesso à educação da cidadania,
aprendendo a discutir e a participar democraticamente, bem como
a desenvolver a responsabilidade pessoal pelo bem-estar comum.

6. CONHECIMENTOS JÁ ADQUIRIDOS
Os alunos que procuram tardiamente a escola já adquiriram
vários conhecimentos ao longo de sua trajetória de vida. Entre es-
ses conhecimentos, destacamos o "saber sensível" e o "saber co-
tidiano".
Caracterizado pela Filosofia como um saber pré-reflexivo,
o saber sensível refere-se ao saber do corpo, fundamentado na
percepção das coisas e do outro. É um saber que todos nós pos-
suímos, sustentado pelos cinco sentidos, embora na vida moderna
seja pouco valorizado. Tanto para crianças como para jovens e/ou
adultos, esse saber sensível viabiliza ao aluno abrir-se a um conhe-
cimento mais formal e reflexivo.
Os alunos jovens e adultos, pela sua experiência de vida, são plenos
deste saber sensível. A grande maioria deles é especialmente re-
ceptiva às situações de aprendizagem: manifestam encantamento
com os procedimentos, com os saberes novos e com as vivências
proporcionadas pela escola. Essa atitude de maravilhamento com
o conhecimento é extremamente positiva e precisa ser cultivada e
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 71

valorizada pelo(a) professor(a) porque representa a porta de en-


trada para exercitar o raciocínio lógico, a reflexão, a análise, a abs-
tração e, assim, construir um outro tipo de saber: o conhecimento
científico.
Olhar, escutar, tocar, cheirar e saborear são as aberturas para nosso
mundo interior. Ler e declamar poesia, escutar música, ilustrar tex-
tos com desenhos e colagens, jogar, dramatizar histórias, conversar
sobre pinturas e fotografias são algumas atividades que favorecem
o despertar desse saber sensível (BRASIL, 2006, p. 7).

Já o saber cotidiano, por sua própria natureza, configura-se,


conforme Brasil (2006, p. 07),
como um saber reflexivo, saber da vida vivida, saber amadurecido,
fruto da experiência, nascido de valores e princípios éticos, morais
já formados, anteriormente, fora da escola.

Esse saber origina-se da produção de soluções que seres hu-


manos criam em decorrência dos desafios que enfrentam no dia a
dia, caracterizando-se, assim, como um saber aprendido e consoli-
dado em modos de pensar e agir.
[...] fundado no cotidiano, é uma espécie de saber das ruas, fre-
quentemente assentado no "senso comum" e diferente do elabo-
rado conhecimento formal com que a escola lida. É também um
conhecimento elaborado, mas não sistematizado. É um saber pou-
co valorizado no mundo letrado, escolar e, freqüentemente, pelo
próprio aluno (BRASIL, 2006, p. 7).

Relacionados às práticas sociais, estão os conhecimentos que


os alunos trazem como bagagem cultural, que norteiam tanto os sa-
beres cotidianos, como também os saberes aprendidos na escola.

7. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)


A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade
específica da Educação Básica que visa atender a um público ca-
racterizado por não ter cursado, em sua infância ou adolescência,
os Ensinos Fundamental ou Médio no período destinado a essa
atividade, seja pela oferta irregular de vagas, seja pelas inadequa-
ções do sistema educacional ou pelas condições socioeconômicas
desfavoráveis.

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72 © Educação de Jovens e Adultos

Ressaltamos que a Educação de Jovens e Adultos não é su-


pletiva. A função suplência desapareceu desde que a Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, compatibilizada
com a Constituição Nacional, reconheceu que todo cidadão brasi-
leiro, sem exceção de faixa etária, sexo, religião, etnia ou cor, tem
direito a oito anos de ensino se assim o quiser.
Dessa forma, essa modalidade de educação merece trata-
mento diferenciado e necessita de uma metodologia específica.
Nos cursos supletivos (com carga horária reduzida), é ainda mais
difícil superar tais dificuldades, de modo a favorecer a inserção do
aluno na cultura científica. No caso do jovem com mais de 14 anos,
fica sob sua responsabilidade fazer ou não a opção pelo exercício
da titularidade de seu direito.
A motivação no ensino de adultos torna-se imprescindível e
fundamental para seu êxito, uma vez que o adulto não é obrigado
a estudar.
Por esse motivo, a dificuldade para o aprendizado muitas
vezes está associada à falta de motivação do aluno em virtude da
falta de tempo dedicado ao estudo, da indiferença de professores
quanto aos seus problemas pessoais e da falta de clareza e objeti-
vidade dos docentes em apresentar os conteúdos na sala de aula.
A educação para todos, tanto na Educação Básica como na
educação continuada, no sentido de melhorar a qualidade de vida,
deve oportunizar à pessoa o desenvolvimento de potencialidades,
para que trabalhe com dignidade, saiba tomar decisões, resolver
problemas e, em especial, continuar aprendendo.
De acordo com a Declaração Mundial de Educação para To-
dos:
Na perspectiva de uma educação continuada, a escola deverá mo-
ver-se em sintonia com os quatro pilares da educação para o século
XXI, de modo a permitir, aos seus educandos, o desenvolvimento
das habilidades de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender
a ser e aprender a conviver, as quais possibilitarão o exercício de
suas capacidades intelectuais e coletivas, ampliando as oportuni-
dades educacionais e aperfeiçoando as suas qualificações técnicas
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 73

e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessi-


dades e as da sua sociedade (DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCA-
ÇÃO PARA TODOS in VÓVIO et al., 2000, p. 73).

Nesse contexto, de acordo com Moretto (2000, p. 97a), a es-


cola assume papel importantíssimo,
[...] ao selecionar criteriosamente, dentre todos os conhecimentos
desenvolvidos, aqueles relevantes para a iniciação dos jovens no
mundo social. Ao mesmo tempo, exerce seu papel transformador
ao preparar criticamente os jovens, capacitando-os a analisar sua
sociedade, avaliar as relações existentes, equacionar seus proble-
mas e propor transformações.

À medida que concebe o conhecimento como historicamen-


te construído, como mediadora entre o conhecimento e os alunos,
bem como entre estes e o mundo social adulto, a escola almeja
atuar como elo integrador no cotidiano escolar, no trabalho e no
meio social.
Desse modo, para o professor, torna-se relevante compreen-
der a sala de aula como espaço privilegiado para as interações que
nela ocorram, seja entre professor-aluno, seja entre aluno/aluno,
viabilizando a construção do conhecimento. Lembramos que, na
formação das capacidades cognitivas e afetivas de nossos alunos,
as interações assumem papel importantíssimo.

8. EDUCADOR DE JOVENS E ADULTOS


Algumas das qualidades indispensáveis ao educador de jovens
e adultos são: a confiança na capacidade de todos em aprender e
ensinar, a capacidade de solidarizar-se e a disposição de enfrentar
as dificuldades como desafios estimulantes. Assumindo tal postura,
torna-se imprescindível conhecer seus alunos, bem como suas ex-
pectativas, sua cultura e suas necessidades de aprendizagem.
Nessa modalidade de ensino, tanto o professor como o alu-
no devem ser caracterizados como “trabalhadores". Essa condição
se apoia nas raízes histórico-culturais em que se foram formando
como "ser humano-social".

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74 © Educação de Jovens e Adultos

No processo de apropriação dos resultados da prática social,


a ação do professor deve ser mediadora, pois:
[...] o indivíduo forma-se, apropriando-se dos resultados da história
social e objetivando-se no interior dessa história, ou seja, sua for-
mação realiza-se através da relação entre objetivação e apropria-
ção. Essa relação efetiva-se sempre no interior de relações concre-
tas com outros indivíduos, que atuam como mediadores entre ele
e o mundo humano, o mundo da atividade humana objetivada. A
formação do indivíduo é, portanto, sempre um processo educati-
vo, mesmo quando não há uma relação consciente (tanto de parte
de quem se educa, quanto de parte de quem age como mediador)
com o processo educativo que está se efetivando no interior de
uma determinada prática social (DUARTE apud BASSO, 1998, p. 8).

Esclarecemos que esse processo de mediação, realizado


pelo professor entre o aluno e a cultura, independe do nível de
escolaridade e da idade do aluno. Contudo, cada modalidade de
ensino tem sua própria especificidade.
Para que essa mediação se torne efetiva, o educador da EJA
precisa apropriar-se das condições sócio-históricas de produção em
que os alunos e ele próprio se constituíram como seres sociais, ocu-
pando uma posição na sociedade e no mundo do trabalho atual.
Para a atividade docente, faz-se necessário conhecer o aluno
e ter consciência daquilo que ele idealiza. Isso se torna ainda mais
importante quando falamos de Educação de Jovens e Adultos, pois
essa modalidade de ensino é destinada às pessoas para as quais a
vida foi, de certa forma, injusta.
Professores competentes e compromissados são indispensá-
veis para a universalização da educação, para o bom funcionamen-
to da Educação Básica e para a erradicação do analfabetismo. Isso
inclui a modalidade de ensino EJA.
A formação docente e, especialmente, a qualificação para
educar jovens e adultos têm sido incipientes, uma vez que, ainda
hoje, há pessoas que acreditam que basta apenas ter a experiên-
cia em ensinar crianças para desenvolver, em uma sala de aula de
jovens e adultos, as mesmas metodologias e avaliações.
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 75

Nos cursos oferecidos pelas instituições formadoras, tanto em nível


médio ou superior, sentimos a necessidade de aprofundamentos
teórico-práticos no que se refere à educação de jovens e adultos,
presente na fragilidade da formação do professor, devido à não in-
clusão da EJA nos currículos das instituições, bem como a dificul-
dade de colocar em prática os princípios políticos e pedagógicos
defendidos pela EJA, por falta de subsídios que deveriam ter sido
adquiridos no curso de formação (MOURA, 2003, p. 63).

Não podemos negar que algo comum entre esses alunos,


sejam jovens, sejam adultos, é o fato de eles serem alunos/traba-
lhadores que têm somente o período noturno para se dedicar aos
estudos. Desse modo, os professores que atuam nessa modalida-
de devem buscar metodologias de ensino atraentes e apropriadas.
Conforme Cury (2000, p. 56):
não perceber o perfil distinto destes estudantes e tratar pedagogi-
camente os mesmos conteúdos como se tais alunos fossem crian-
ças ou adolescentes seria contrariar mais do que um imperativo
legal. Seria contrariar um imperativo ético.

Diante disso, como já foi dito, é importante que o professor


da EJA seja capaz de se solidarizar com os alunos, demonstrando
confiança tanto na capacidade de aprender e ensinar como a dis-
posição de encarar dificuldades como desafios estimulantes.
Coerentemente com essa postura, é fundamental que esse educa-
dor procure conhecer seus educandos, suas expectativas, sua cul-
tura, as características e problemas de seu entorno próximo, suas
necessidades de aprendizagem. E, para responder a essas neces-
sidades, esse educador terá de buscar conhecer cada vez melhor
os conteúdos a serem ensinados, atualizando-se constantemente.
Como todo educador, deverá também refletir permanentemente
sobre sua prática, buscando os meios de aperfeiçoá-la (BRASIL,
1996, p. 46).

Compreendendo seu próprio processo de aprendizagem,


jovens e adultos estarão mais aptos a auxiliar outras pessoas a
aprender, uma vez que muitas dessas pessoas já desempenham
o papel de educadores na família, no trabalho e na comunidade.
Ressaltamos que é de responsabilidade do educador da EJA
favorecer acesso dos alunos aos diversos materiais educativos,

Claretiano - Centro Universitário


76 © Educação de Jovens e Adultos

como jornais, revistas, livros, cartazes, textos, vídeos etc., pois,


muitas vezes, estes pertencem a grupos sociais desfavorecidos
economicamente, tendo pouco acesso às fontes de informação.
Para tanto, o educador deverá atualizar-se e refletir sobre
sua prática, constantemente, a fim de compreender e conhecer
melhor os conteúdos a serem ensinados.
O educador deve, ainda, com relação aos objetivos e con-
teúdos educativos, integrantes de um projeto pedagógico, definir
com clareza as estratégias pretendidas, auxiliando os alunos em
seu processo de aprendizagem; uma vez baseado no pressuposto
da diversidade, encontrará em uma mesma turma alunos com ba-
gagens culturais diferenciadas.
Para que os alunos possam avaliar e compreender seu pró-
prio processo de aprendizagem, é especialmente importante que
o educador de jovens e adultos avalie, constantemente, seus pro-
gressos e carências, a fim de colaborar efetivamente para sua au-
tonomia.
Finalmente, os educadores devem estar atentos, pautando-
-se no princípio de que o processo educativo não se encerra no
espaço e no período da aula propriamente dita. Isso significa que
o convívio em uma escola ou em outro tipo de centro educativo,
para além da assistência às aulas, pode ser uma importante fonte
de desenvolvimento social e cultural.
Perceba que a prática do professor representa o eixo central
de sua formação continuada, uma vez que, com base nela e nos
problemas que emergem na sala de aula, o conhecimento teórico
se torna significativo como instrumento primordial na reflexão do
seu fazer pedagógico.
Há que se utilizar a vivência do adulto no trabalho, o que lhe per-
mitiu condições de sociabilidade e aprendizado específico de de-
terminados conteúdos, com base para o ensino dos conteúdos re-
gulares a serem aprendidos, tornando a aprendizagem significativa
para ele (CARVALHO; SENA, 2000, p. 102).
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 77

Assim, é importante que o professor traga para a sala de aula


situações reais vividas por seus alunos, tendo em vista que a von-
tade do adulto em aprender os conteúdos curriculares está vincu-
lada à compreensão que tem de sua aplicabilidade para enfrentar
melhor seus problemas pessoais e profissionais.
Portanto, o adulto tem vontade de aprender o que está re-
lacionado às suas próprias experiências, ou seja, seus interesses
pessoais, pois "aprender é construir explicações para a realidade,
num processo ativo e criativo de resolução de problemas" (ROCHA
apud CAMPOY, 2002, p. 1).
Isso significa que, para o professor de EJA, se torna necessá-
rio problematizar as situações que os adultos trazem para a sala
de aula, a fim de aguçar seu raciocínio e fomentar o interesse pela
aprendizagem, evitando dizer que as respostas emitidas por eles
estão erradas.
Com essa postura, o professor tenta ver nos erros de seus
alunos um importante instrumento mediador de aprendizagem.
De acordo com Ribeiro (1997,p. 47-48), dentre os principais
objetivos da Educação de Jovens e Adultos, podemos destacar que
os alunos sejam capazes de:
• Dominar instrumentos básicos da cultura letrada, que lhes per-
mitam melhor compreender e atuar no mundo em que vivem.
• Ter acesso a outros graus ou modalidades de ensino básico e pro-
fissionalizante, assim como a outras oportunidades de desenvol-
vimento cultural.
• Incorporar-se ao mundo do trabalho com melhores condições de
desempenho e participação na distribuição da riqueza produzida.
• Valorizar a democracia, desenvolvendo atitudes participativas,
além de conhecer direitos e deveres da cidadania.
• Desempenhar, de modo consciente e responsável, seu papel no
cuidado e na educação das crianças, no âmbito da família e da
comunidade.
• Conhecer e valorizar a diversidade cultural brasileira, respeitar di-
ferenças de gênero, geração, raça e credo, fomentando atitudes
de não-discriminação.

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78 © Educação de Jovens e Adultos

• Aumentar a auto-estima, fortalecer a confiança na sua capacida-


de de aprendizagem, valorizar a educação como meio de desen-
volvimento pessoal e social.
• Reconhecer e valorizar os conhecimentos científicos e históricos,
assim como a produção literária e artística como patrimônios cul-
turais da humanidade.
• Exercitar sua autonomia pessoal com responsabilidade, aperfei-
çoando a convivência em diferentes espaços sociais.

Tal educação deve contribuir oferecendo alternativas de atua-


ção e intervenção que proporcionem ao aluno condições de atingir
um nível de desenvolvimento correspondente à sua faixa etária.

9. ASPECTOS SOCIOAFETIVOS
Para Almeida (1999), a afetividade faz-se também presen-
te quando o professor conhece, escuta e conversa com seus alu-
nos. Esses são os componentes mais presentes nas práticas desses
professores e, provavelmente, a motivação maior que seus alunos
têm para não desistir de estudar.
Compartilhando com o pensamento de Snyders (1993), de
que, para o aluno, o conhecimento é trazido pela afetividade,
Cunha (1994, p. 70) afirma que:
[...] as atitudes e valores dos professores que estabelecem relações
afetivas com os alunos repetem-se e intrincam-se na forma como
tratam o conteúdo e nas habilidades de ensino que desenvolvem.

É por meio da afetividade que têm com seus alunos que es-
ses professores vêm conseguindo avanços na aprendizagem. Cada
aluno traz sua história de cansaço, de tristezas e de decepções. São
histórias vividas na aspereza, na pobreza, nos direitos negados, no
salário que mal dá para sobreviver e, especialmente, na educação
subtraída. Isso se reflete no emocional do professor, que se preo-
cupa em saber por que seus alunos faltaram, em como foi o fim de
semana etc.
Essa relação cria vínculos de amizade e a certeza de que os
alunos podem contar com uma palavra amiga, com um gesto de
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 79

solidariedade, bem como faz que esses adultos mantenham acesa


a chama da esperança em melhores dias, sonhados e esperados
pela conclusão de seus estudos.
Reconhecer o adulto como pessoa autônoma, com experiên-
cias de vida diferenciada do professor e (re)conhecer que, acima
de tudo, em sua conquista cotidiana, há desafios sempre novos é
mostrar-se afetivo com o adulto.

10. TEXTOS COMPLEMENTARES


A leitura dos textos seguintes será de grande importância,
pois ajudará você a compreender a importância da EJA na vida dos
jovens e adultos.
O Texto 1 revela a realidade da EJA: os alunos buscam a es-
cola para satisfazer necessidades particulares e para se integrar à
sociedade letrada da qual fazem parte por direito, mas da qual não
podem participar plenamente quando não dominam a leitura e a
escrita.

Texto 1

A procura pela escola––––––––––––––––––––––––––––––––––


Sabemos que a procura de jovens e adultos pela escola não se dá de forma
simples. Ao contrário, em muitos casos, trata-se de uma decisão que envolve as
famílias, os patrões, as condições de acesso e as distâncias entre casa e escola,
as possibilidades de custear os estudos e, muitas vezes, trata-se de um proces-
so contínuo de idas e vindas, de ingressos e desistências. Ir à escola, para um
jovem ou adulto, é antes de tudo um desafio, um projeto de vida.
Além disso, a escola que os alunos têm em seu imaginário, aquela que conhe-
cem porque já passaram por ela anos atrás ou porque acompanham o cotidiano
de seus filhos, nem sempre é aquela com que se deparam nos primeiros dias
de aula. Nesses casos, esperam encontrar o modelo tradicional de escola, ou
seja, um lugar onde predominam aulas expositivas, com pontos copiados da lou-
sa, onde o(a) professor(a) é o único detentor do saber e transmite conteúdos
que são recebidos passivamente pelo(a) aluno(a). Esperam muita lição de casa
porque acreditam que a quantidade de treino leva a boa aprendizagem. Espe-
cialmente, os alunos mais velhos se mostram resistentes à nova concepção de
escola que os coloca como sujeitos do processo educativo, que espera deles
práticas ativas de aprendizagem. Muitos, ao se depararem com uma aula na qual

Claretiano - Centro Universitário


80 © Educação de Jovens e Adultos

são convidados a pensar juntos, em grupo; a resolver desafios diferentes dos


exercícios mais convencionais; a ler textos literários; a aprender com a música,
a poesia, o jornal; a fazer matemática com jogos e cálculos diversos, construir
projetos; estranham, resistem e acreditam não ser esse o caminho para aprender
o que a escola ensina.
Neusa, uma aluna de EJA, descreve bem esse quadro:
“Na primeira semana de aula, eu estava muito assustada, não entendia nada,
tudo era diferente. Cheguei até a pensar em desistir, mas criei coragem e conti-
nuei, e hoje estou muito feliz.”
Este cenário poderá ser transformado na medida em que a escola investir no
acolhimento desse(a) aluno(a), que é alguém especialmente receptivo à apren-
dizagem, repleto de curiosidade e que vai para a sala de aula desejoso de novas
experiências. Da parte do(a) aluno(a), como bem pudemos ver no depoimento
de Neusa, ele(a) também precisa ajustar suas expectativas à realidade que en-
contra quando volta para a escola, um desafio que, por vezes, mostra-se custoso
demais, incorrendo, em muitos casos, no abandono, em nova desistência.
A aluna Nilda, de 28 anos, ao ingressar numa escola de EJA, ficou surpresa ao
saber que teria de assistir a aulas de artes. Com o tempo, através da experiência
obtida no curso, seu olhar sobre a escola se transformou:
“Quando estudei na escola, a educação artística era uma coisa mecânica, não
dava prazer em estudar. Mas fui obrigada a mudar de opinião ao ingressar nesse
colégio [...] De tudo que aprendi, sei que educação artística não se limita so-
mente à régua e compasso. Existe muito além dos limites de simples traçados.
Digamos que a arte é infinita e maravilhosa. Simples, completa e fascinante”.
Nesse sentido, além do aumento da oferta de vagas, é preciso considerar as
condições de permanência do(a) aluno(a) jovem e adulto na escola, bem como
aquelas que lhe permitam concluir a escolarização. Grande parte dos alunos
jovens e adultos que buscam a escola espera dela um espaço que atenda às
suas necessidades como pessoas e não apenas como alunos que ignoram o
conhecimento escolar. Por outro lado, todos eles acreditam que a escola possa
imprimir-lhes uma marca importante e por isso apostam nela.
[...]A professora Suemi, de São Paulo, começou o seu trabalho com uma grande
conversa. Cada um falando de si, de suas histórias, de suas famílias. Num dado
momento da conversa, a professora jogou a questão: por que procuraram a es-
cola? Algumas das respostas que ouviu são bastante intrigantes. Vejamos um
trecho do registro feito por ela, sobre essa conversa:
“Por que procurei a escola?
Nenhuma palavra era vã, cada uma vinha carregada e repleta de seu sentido
essencial. O discurso era interior e todos estavam como num transe. A realidade
de um se confundia com a diferença do outro numa busca comum:
“... quero poder escrever o que eu penso”, 15 anos, mulher.
“... quando tem um sistema novo pra pôr no carro, tenho que pedir pra alguém ler
e explicar”, 22 anos, homem.
“... ler as placas, os ônibus, sair da cidade”, 25 anos, homem.
“...Não dá pra melhorar o meu negócio”, 32 anos, mulher.
“...nas paradas da tropa, meu pai me ensina em pedaços de jornal”, 48 anos,
homem.
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 81

“... saber o que está escrito num livro, numa placa, num bilhete”, 62 anos, mulher.
“...poder escrever e ler uma carta. O que está escrito na nota fiscal que eu levo
da loja”, 27 anos, homem.
“... passar no teste para um emprego melhor”, 27 anos, homem.
A escola aparece como um direito roubado nos tempos do esconde-esconde e
hoje resgatado com o passo lento do reumatismo, com as noites sem namoro e
com a ausência na mesa do jantar. Os homens voltaram mais cedo e as mulhe-
res primeiro formaram seus filhos. Nas falas, aparece a própria sociedade na sua
crueza e a esperança apesar e ainda um aleijão não saber ler e escrever, como
uma dor, uma deformidade” (BRASIL, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O Texto 2 propõe a diversidade de origens do alunado da EJA.

Texto 2

As diferentes raízes culturais––––––––––––––––––––––––––––


Nos centros urbanos, um traço presente nas classes de educação de jovens e
adultos é o da diversidade de origens. Encontram-se, nos espaços da sala de
aula, pessoas que migraram de suas cidades de origem em busca de melho-
res condições de vida, trabalho, moradia, estudos e de novas oportunidades. O
movimento migratório, que data de décadas, teve seu auge nos anos de 1960
e 1970 e continua levando um sem-número de famílias ou pessoas a fincarem
raízes noutros espaços, a mergulharem em outras culturas.
Especialmente nas metrópoles das regiões Sul e Sudeste é comum que uma
sala de EJA componha um retrato do Brasil: os traços físicos, modos de falar,
agir e reagir, formas de lazer, preferências culinárias ou musicais dos alunos
nos remetem a todos os cantos do país. Esse quadro é revelador, inclusive, da
enorme riqueza da cultura brasileira marcada pela diversidade, pela pluralidade.
Noutras regiões, é comum encontrarmos alunos e alunas que saíram do campo,
de um espaço rural, e dirigiram-se para a cidade “para continuar os estudos” ou
“para arrumar um trabalho fixo”.
Se a origem de nossos alunos é diversa, naturalmente, o acúmulo e a bagagem
cultural deles também são. Quando falamos em cultura estamos nos referindo
ao conjunto de ações, elaborações, construções, produções e manifestações de
um grupo de pessoas, que se dá por meio e através de múltiplas linguagens e
pode ser identificado na forma de falar, atuar, reagir, pensar e expressar de cada
pessoa desse grupo. Especificamente no caso dos alunos e alunas jovens e
adultos, referimo-nos a uma cultura popular do fazer, que se aprende fazendo e
vendo fazer. Ela possui uma dimensão muito pragmática, voltada para a ação,
que gosta de se movimentar e fazer junto uma construção marcadamente com-
partilhada e coletiva.
O conjunto cultural formado pelas pessoas que se encontram numa mesma sé-
rie, numa sala de aula, é, então, extremamente rico. A cultura marca a visão de
mundo e é a base onde a construção de conhecimentos vai se dar.
Para relembrar as raízes dos alunos e alunas, a professora Leda, de São Paulo,
usou o tema alimentação e suas memórias afetivas como foco de interesse para

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82 © Educação de Jovens e Adultos

estimular os jovens e adultos a escrever com naturalidade e fluência. Esses tex-


tos, impregnados pelo poder sensorial da comida de infância, também resgatam
tradições culinárias antigas, que se perdem na memória, pois Leda sente que os
alunos migrantes se acostumam com os hábitos de São Paulo muito depressa.
Com os textos produzidos, ela montou um livro de receitas da classe. Na apre-
sentação do livro, Leda escreveu:
“Neste livro estão reunidas algumas das memórias mais queridas e, por que
não?, doloridas de nossa experiência alimentar de quando ainda éramos bastan-
te jovens. Estas lembranças ajudam-nos a compreender os costumes caseiros
do povo do qual fazemos parte, nascidos em diferentes regiões do país. [...] Essa
memória gastronômica aqui registrada vai carinhosamente contando nossa vida
e revelando-nos enquanto seres fazedores de História.
Esperamos, com isso, trazer um pouco mais de felicidade para os momentos,
hoje fugazes, em que parentes e amigos se reúnem em torno à mesa. Privilégio
que vivemos naqueles tempos”.
Abaixo estão alguns trechos dos textos escritos pelos alunos:
“Prato bom era caranguejo servido com arroz e feijão com leite com farinha ado-
çado, do lado. E eu gostava quando o caranguejo tinha ova. Era uma delícia.”
“Comida boa, também, era quando minha mãe ganhava neném. Era um pirão de
galinha caipira bem gostoso. Quem fazia era meu pai, mas ele fazia com tanto
capricho que de longe se podia sentir o cheiro daquela comida. Quando ficava
pronto, o pai me mandava levar a comida no quarto para a mãe. E ele já deixava
a minha parte na panela. Eu voltava correndo para a cozinha e meu pai colocava
um pouco de arroz naquela panela com o final do pirão.
Eu pegava a panela e ia para o quarto fazer companhia para minha mãe. Não
podia sentar na cama dela e ficava no chão, perto dos pés da cama.”
“Bom também era carne-de-sol assada na brasa e piabinhas que eu mesmo
pescava no córrego. E salada de folhas de couve crua, com arroz e feijão. Minha
mãe fazia cortado de abóbora com quiabo e carne de sol picada em pedacinhos
e minha avó, biju de tapioca com coco moído; e ficava delicioso, puro ou com
margarina e café.”
“Eu comia de tudo, até manga verde com sal ou açúcar. Ou leite com farinha de
milho. A mãe levantava de manhã e tirava o leite da cabra, depois coava num
pano e fervia numa panela. Com farinha bem torradinha e um pedaço de rapa-
dura! Hum!”
“O prato mais delicioso... virado de banana com queijo! Lembro-me que meu pai
adorava. Mas tinha que ser com bastante queijo!
Receita: oito bananas nanicas, bem maduras, três ovos, 1 xícara de açúcar, quilo
de queijo meia-cura, três copos de farinha de milho e uma pitada de sal. Primeiro
colocava uma colher de óleo na panela, depois as bananas e os ovos; mexia,
juntava a farinha, mexia, até misturar tudo. Em seguida, os pedaços de queijo
picado e, por último, o açúcar. Mexia tudo até o queijo derreter e desgrudar um
pouco da panela. Servia ainda um pouco quente.”
“O que me lembro do bolo de milho é que ela colocava milho no pilão e socava
com a mão do pilão até que se tornasse fubá. Passava pela peneira várias vezes
até obter um fubá bem fino. Depois colocava em uma panela de barro leite de
coco, ovos, açúcar, cravo e canela e levava ao fogão que era de lenha, até se
transformar em angu. Feito isso, colocava toda aquela massa em uma assadeira
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 83

e levava ao forno de barro, que havia no fundo do quintal. Para assar. Eu me lem-
bro que ela tirava aquela assadeira do forno e regava o bolo com leite de coco. O
bolo ficava com uma casquinha dourada! Comíamos as fatias de bolo com café.”
“Se minha mãe ou meu pai convidassem alguém importante para almoçar na mi-
nha casa, era preciso matar um peru para satisfazer os convidados. Além do peru
era preciso fazer um frango ou uma galinha caipira para fazer galinha cabidela,
que é o nome do prato feito lá em Pernambuco.”
“A galinha, a gente pegava na hora, viva, e cortava o pescoço dela e aparava o
sangue em uma vasilha e reservava. Enquanto isso, preparava a galinha com
vários tipos de tempero. De preferência, coentro, sal, cebola e vinagre. Depois
batia o sangue da galinha num liqüidificador e colocava por cima da galinha já na
panela e misturava até o caldo ficar escuro. Feito isso, era só tampar a panela
e esperar a galinha cozinhar. Depois, servir com feijão, arroz e salada. De pre-
ferência com tomatinhos pequenos, como os que a gente plantava e colhia na
hora que ia comer.”
“Acho que a professora conseguiu o que queria, deixei para trás montes de
exemplos, ninguém resiste à lembrança de um lambari sequinho passado na
farinha ou fubá e frito na hora” (BRASIL, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O Texto 3 aborda o fracasso escolar e como o papel do(a)
professor(a) de EJA é determinante para evitar que esse fracasso
ocorra novamente.

Texto 3

As marcas da exclusão ––––––––––––––––––––––––––––––––


A condição socioeconômica
Os homens, mulheres, jovens, adultos ou idosos que buscam a escola perten-
cem todos a uma mesma classe social: são pessoas com baixo poder aquisitivo,
que consomem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência: aluguel,
água, luz, alimentação, remédios para os filhos (quando os têm). O lazer fica por
conta dos encontros com as famílias ou dos festejos e eventos das comunidades
das quais participam, ligados, muitas vezes, às igrejas ou associações. A televi-
são é apontada como principal fonte de lazer e informação. Quase sempre seus
pais têm ou tiveram uma escolaridade inferior à sua.
A compreensão dessa realidade levou Paulo Freire, ainda nos anos de 1960, a
reconhecer o analfabetismo como uma questão não só pedagógica, mas tam-
bém social e política. É a mesma sabedoria de Freire que nos mostra que educar
a favor dos pobres é educar para a transformação da sociedade geradora da
pobreza.

A baixa auto-estima
Uma característica freqüente do(a) aluno(a) é sua baixa autoestima, muitas vezes
reforçada pelas situações de fracasso escolar. A sua eventual passagem pela es-
cola, muitas vezes, foi marcada pela exclusão e/ou pelo insucesso escolar. Com
um desempenho pedagógico anterior comprometido, esse aluno volta à sala de

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84 © Educação de Jovens e Adultos

aula revelando uma auto-imagem fragilizada, expressando sentimentos de inse-


gurança e de desvalorização pessoal frente aos novos desafios que se impõem.
Luciane, 34 anos, aluna de EJA, abandonou a escola ainda criança, depois de
sucessivas reprovações. Ela lembra como se sentia numa sala de aula da 4ª
série, quando tinha 10 anos:
“Eu tinha medo de ir à escola, me dava um frio na barriga. Tentava prestar aten-
ção na aula, mas entendia tudo pela metade. Tentei participar das aulas, algumas
vezes, mas minhas perguntas sempre causavam risos e a professora nunca fa-
lava nada. Tinha vergonha de não saber!”
Será que o fracasso escolar está na inaptidão dos alunos ou é gerado pela pró-
pria escola?
Esta não é uma pergunta fácil de responder. O fracasso escolar é hoje objeto
de estudos das áreas da Educação e da Psicologia. Suas causas apontam para
uma diversidade e complexidade de fatores, ligados ao psiquismo do aluno: for-
ma como ele interage com o ambiente escolar, modo como estabelece relações
com o saber e com o aprender, seu relacionamento com os professores e com os
colegas, suas relações familiares, os vínculos que constrói com o conhecimento
etc.; à estrutura da escola: as características, o modelo pedagógico adotado, o
perfil dos professores etc.; a uma dimensão social ampla: políticas públicas de
educação e a secular desigualdade econômica e social da sociedade brasileira.
O que se sabe, ao certo, é que o fracasso escolar tece uma espécie de teia, onde
o(a) aluno(a) se enreda e custa a sair. Na maioria dos casos, a teia torna-se tão
emaranhada que não oferece saída e o desfecho dessa situação, tão comum
na realidade brasileira, é o abandono da escola. Mais tarde, quando retornam
aos bancos escolares, os jovens e adultos ficam extremamente suscetíveis a
enredarem-se novamente, a vivenciarem outro fracasso escolar.
Como evitar que isso ocorra? Qual é o papel do(a) professor(a) de EJA nesse
processo?
Se vasculharmos nossas próprias lembranças da escola, tanto as boas quanto as
más, veremos que o que fica na nossa memória não são só os conteúdos, mas
marcantemente os professores. A figura do(a) professor(a) aparece, em nossas lem-
branças, como aquela que marcou uma predileção por determinada área do co-
nhecimento, como alguém que nos influenciou em nossas escolhas profissionais,
mesmo como alguém com quem nada aprendemos ou até como aquela pessoa com
quem não gostaríamos de nos encontrar na rua. Isso nos ajuda a compreender que
o(a) professor(a) exerce um papel determinante e de responsabilidade tanto pelo
sucesso quanto pelo fracasso escolar de qualquer um de seus alunos.
Mais uma vez, é a aluna Luciane quem descreve a professora que contribuiu
decisivamente para o seu abandono da escola:
“Foi nesse tempo assim tumultuado e confuso que conheci a professora Dona
Pedrina, da qual eu nunca me esqueci e acho nunca me esquecerei. Quando um
aluno escrevia alguma coisa errada, por exemplo, ela falava bem alto para todos
na classe ouvirem. E como costuma ser, todas as crianças começavam a rir do
erro cometido por alguém. Ela adorava pôr de castigo o aluno que não fazia a
lição de casa. Colocava-o de pé na frente da classe. Gostava, também, de dar
uma de todo-poderosa, dizendo com voz firme:
– Luciane, vou comprar uma cartilha para você aprender a escrever. Eu vou con-
versar com sua mãe para pôr você no primário de novo!!!
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 85

Com toda essa experiência, o meu comportamento, hoje vejo, só piorava. Pois
eu fingia não estar nem aí, demonstrando isso com palavras e atitudes. Achava
que daquela forma as pessoas não mais ririam de mim.”
As representações que o(a) aluno(a) faz da escola e de seu desempenho na cul-
tura escolar são construídas não somente dentro da própria escola, mas também
no âmbito da família e das relações sociais, através de expectativas próprias e
de expectativas de outros, pais, colegas, amigos, professores que nele são de-
positadas. Muitas vezes, os alunos com dificuldades são preconceituosamente
tachados pelos professores, pais e colegas de “burros”, “preguiçosos”, “deficien-
tes”, “lentos”. Estas palavras são corrosivas e imprimem cicatrizes profundas,
causando efeitos devastadores na autoestima do sujeito.
Sabemos que o sucesso escolar produz auto-estima e um grande efeito de se-
gurança no(a) aluno(a), enquanto o fracasso causa grandes estragos na relação
consigo mesmo. O comportamento de indiferença, que Luciane diz ter adotado
quando criança, muitas vezes, perdura no aluno por mais tempo, até a sua volta
à escola, derivando também em atitudes de indisciplina e agressividade. Desse
modo, as situações de fracasso escolar produzem marcas que afetam profunda-
mente a identidade e ferem a auto-imagem do(a) aluno(a) jovem e adulto.
Nas salas de aula de EJA, estas marcas se evidenciam, de um lado, por atitu-
des de extrema timidez e, por outro, por atitudes de irreverência e transgressão.
Esses alunos e alunas demonstram vergonha em perguntar ou em responder
perguntas, nervosismo exacerbado nas situações de avaliação, ou então se
mostram agitados e indisciplinados. Muitos não conseguem nem olhar nos olhos
do professor e da professora.
O papel do(a) professor(a) de EJA é determinante para evitar situações de novo
fracasso escolar. Um caminho seguro para diminuir esses sentimentos de inse-
gurança é valorizar os saberes que os alunos e alunas trazem para a sala de
aula. O reconhecimento da existência de uma sabedoria no sujeito, proveniente
de sua experiência de vida, de sua bagagem cultural, de suas habilidades pro-
fissionais, certamente, contribui para que ele resgate uma auto-imagem positiva,
ampliando sua auto-estima e fortalecendo sua autoconfiança.
O bom acolhimento e a valorização do aluno, pelo(a) professor(a) de jovens e
adultos, possibilitam a abertura de um canal de aprendizagem com maiores ga-
rantias de êxito, porque parte dos conhecimentos prévios dos educandos para
promover conhecimentos novos, porque fomenta o encontro dos saberes da vida
vivida com os saberes escolares (BRASIL, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O Texto 4 revela como o tema trabalho tem lugar especial na EJA,
pois os alunos, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas vezes, a
experiência do trabalho foi iniciada precocemente em suas vidas.

Texto 4

A marca do trabalho–––––––––––––––––––––––––––––––––––
As alunas e alunos da EJA, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas vezes,
a experiência com o trabalho começou em suas vidas muito cedo. Nas cida-

Claretiano - Centro Universitário


86 © Educação de Jovens e Adultos

des, seus pais saíam para trabalhar e muitos deles já eram responsáveis, ainda
crianças, pelo cuidado da casa e dos irmãos mais novos. Outras vezes, acom-
panhavam seus pais ao trabalho, realizando pequenas tarefas para auxiliá-los.
É comum, ainda, que, nos centros urbanos, estes alunos tenham realizado um
sem-número de atividades cuja renda completava os ganhos da família: guardar
carros, distribuir panfletos, auxiliar em serviços na construção civil, fazer entre-
gas, arrematar costuras, cuidar de crianças etc.
Nas regiões rurais, a participação no mundo do trabalho começa ainda mais
cedo: cuidar da terra, das plantações ou da criação de animais; auxiliar nos ser-
viços caseiros. Muitas vezes, acompanhando os pais e irmãos mais velhos, é
comum encontrar um grande número de crianças e jovens já mergulhados no
trabalho. Nessas regiões, os horários, os períodos de colheita, de chuva e de
seca marcam a vida cotidiana das pessoas e isto, aliado às grandes distâncias,
configura condição bastante precária para a escolarização.
Se cada região de nosso país tem suas particularidades em relação às demais,
todas as salas de EJA se unificam em torno deste fato: a grande maioria dos
alunos são trabalhadores que chegam para as aulas após um dia intenso de tra-
balho. É claro que estas mesmas salas apresentam um número significativo de
desempregados e de trabalhadores temporários ou informais.
Mas, sempre que pensamos em EJA, temos que considerar que nossa atividade
conta com mulheres e homens trabalhadores. Vale notar, ainda, que em todas as
regiões do país, o trabalho é apontado pelos alunos de EJA tanto como motivo
para terem deixado a escola, como razão para voltarem a ela.
Sem dúvida alguma, o tema trabalho tem um lugar especial na EJA e deve impor-
tar ao trabalho dos professores, das professoras e da escola.
Entretanto, é preciso lembrar que o trabalho experimentado pelas alunas e alu-
nos não passa nem de longe pelo trabalho como atividade fundamental pela qual
o ser humano se humaniza e se aperfeiçoa. O trabalho que conhecem é na maior
parte das vezes repetitivo, cansativo e pouco engrandecedor.
Apesar de tudo, vale pensar, por exemplo, na quantidade de saberes que cada
um destes alunos-trabalhadores possui em função das atividades que realizam
ou realizaram. Saberes, certamente, não-escolares, mas saberes. Saberes a
partir dos quais novos conhecimentos poderão ser construídos.
Uma tarefa fundamental para o(a) professor(a) é conhecer que saberes e habili-
dades os alunos e alunas desenvolveram em função do seu trabalho.
[...]O mundo do trabalho se caracteriza hoje pela diversidade de atividades e
vínculos. Nossos alunos, das classes de EJA, são muitas vezes pessoas que ad-
ministram sua sobrevivência econômica: fazem “bicos”, são autônomos, circulam
por diferentes profissões como auxiliares ou ajudantes de pintura, construção,
serviços domésticos, venda ambulante etc. Possuir um certificado escolar ou
profissionalizante não implica em garantia de trabalho, haja vista a quantidade
de profissionais que formados numa área atuam em outra.
Pode ser interessante pensar sobre as habilidades que a escola pode ajudar a
desenvolver e que contribuam para uma atuação mais eficiente nesse universo
diversificado e competitivo que é o do trabalho. Não queremos dizer com isto que
a escola deva tomar para si a responsabilidade da preparação do trabalhador,
nem deixar a responsabilidade da conquista de um “emprego melhor” nas mãos
do(a) aluno(a). Como já sabemos, esta é uma responsabilidade social mais am-
pla e mais próxima das políticas governamentais e empresariais.
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 87

O que queremos pensar é justamente nas formas da escola potencializar essa


competência que os jovens e adultos já desenvolvem em sua vida cotidiana de
administrar suas finanças e sua sobrevivência.
Comunicar-se de forma competente com clareza, ordenação de idéias, argu-
mentação; conhecer as diferentes formas de trabalho da nossa sociedade nos
dias atuais, o trabalho formal e o informal, por exemplo; dominar os caminhos
possíveis para a obtenção de empregos, a procura por agências, a preparação
de currículos; ver na construção de uma pequena fábrica, na abertura de um
comércio em sua região um possível canal de trabalho; conhecer, em sua região
ou comunidade, os espaços gratuitos de formação técnica cursos de eletricidade,
pintura, computação, confecção e outros são saberes passíveis de serem apren-
didos na escola. Ela funcionaria, assim, como espaço de conhecimentos ligados
ao mundo do trabalho.
Vale destacar que outras motivações levam os alunos jovens e adultos para a
escola. Uma delas é a satisfação pessoal, a conquista de um direito, a sensação
de capacidade e dignidade que traz satisfação pessoal (BRASIL, 2010).
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Por meio das questões autoavaliativas propostas a seguir,
você poderá refletir sobre a aprendizagem que obteve nesta uni-
dade.
3) uComo se apresenta a Educação de Jovens e Adultos? Por que ela não pode
ser desconsiderada no cenário educacional?

4) Qual seria a motivação principal que leva os alunos jovens e adultos a querer
retornar à escola?

5) Podemos dizer que a vida é um eterno aprendizado? Por quê?

6) A vida, tanto nas sociedades anteriores como na sociedade contemporânea,


oferece inúmeras oportunidades para desenvolvermos aprendizagens e,
consequentemente, formas de pensamento autoconscientes e que trans-
cendem nosso contexto de vivência. Nesse sentido, qual o local privilegiado
para desenvolvermos o pensamento reflexivo?

7) Para a atividade docente, torna-se imprescindível conhecer o aluno e ter


consciência do que ele idealiza. Isso se torna ainda mais importante quando
falamos de Educação de Jovens e Adultos, pois essa modalidade de ensino é
destinada às pessoas para as quais a vida foi de certa forma injusta. Assim,
que tipo de professor se faz necessário para a Educação de Jovens e Adultos
para a universalização da educação? Além de favorecer a autonomia dos
jovens e adultos, qual é outra responsabilidade importante do educador de
jovens e adultos?

Claretiano - Centro Universitário


88 © Educação de Jovens e Adultos

12. CONSIDERAÇÕES
Ao longo desta unidade, pudemos perceber que a cada dia está
mais visível a dificuldade de os jovens e adultos ingressarem e/ou per-
manecerem no campo de trabalho e, especialmente, acompanharem
as bases tecnológicas no mundo globalizado em que vivemos.
Por isso, cada vez mais, é importante incentivar jovens e
adultos a voltar a estudar. Na escola, eles vão perceber e encon-
trar um ambiente prazeroso, que viabilizará a (re)construção de
conhecimentos.
Trata-se de um processo cauteloso, considerando que, além da
necessidade de estimulação, há a necessidade de oferecer aos alunos
participantes da EJA atividades que os levem à aquisição do saber.
Podemos perceber tristemente que, em pleno século 21, a
alfabetização ainda não é uma apropriação de todo cidadão, o que
exclui grande massa da população brasileira de ter acesso ao mun-
do da leitura e da escrita.

13. E-REFERÊNCIA
BRASIL. Trabalhando com a educação de jovens e adultos: alunas e alunos da EJA.
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4549.pdf>.
Acesso em: 20 maio 2010.
CARLOS, R. É preciso saber viver. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/roberto-
carlos/e-preciso-saber-viver.html >. Acesso em: 25 ago. 2010.
RIBEIRO, V. M. M. Educação de jovens e adultos: proposta curricular para o 1º segmento
de Ensino Fundamental. São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1997. Disponível em:
<http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/parte1.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2007.
TRIGUEIRO, F. 40% dos jovens com 16 anos não concluíram o ensino fundamental.
Disponível em: <http://www.educacionista.org.br/jornal/index.php?option=com_conten
t&task=view&id=4721&Itemid=28>. Acesso em: 17 set. 2010.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BEISIEGEL, C. R. Estado e educação popular: um estudo sobre a educação. São Paulo:
Pioneira, 1974.
© U2 – Caracterização do Alunado da Educação de Jovens e Adultos em Face das Determinantes
Pedagógicas e Sociais 89

­­______. Questões de atualidade na educação popular. Trabalho apresentado na 22ª


Reunião Anual da ANPED, Caxambu, 1999.
BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.
DEMO, P. Desafios modernos da educação. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
FUCK, I. T. Alfabetização de adultos. Relato de uma experiência construtivista. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1994.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Vozes, 1985.
______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MOURA, T. M. M. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens e adultos:
contribuições de Freire, Ferreiro e Vygotsky. Maceió: INEP; EDUFAL, 1999.

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Claretiano - Centro Universitário
EAD
Procedimentos Didáticos
na Ação Docente para
a Educação de
Jovens e Adultos 3
Os métodos da opressão não podem, contraditoriamente, servir à
libertação do oprimido. Nessas sociedades, governadas pelo inte-
resses de grupos, classes e nações dominantes, a "educação como
prática da liberdade" postula, necessariamente, uma "pedagogia
do oprimido". Não pedagogia para ele, mas dele. Os caminhos da
liberação são os do oprimido que se libera (FREIRE, 1981, p. 3).

1. OBJETIVOS
• Apontar alguns procedimentos didáticos necessários à
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
• Conhecer e caracterizar o Método Paulo Freire de Alfabe-
tização e Educação de Jovens e Adultos.
• Demonstrar o uso da cartilha na EJA.

2. CONTEÚDOS
• Um recorte sobre o Método Paulo Freire de Alfabetização
e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
92 © Educação de Jovens e Adultos

• Etapas do método de Paulo Freire.


• Composição do Método Paulo Freire.
• Fases de aplicação do método de Paulo Freire.
• Outro método de alfabetização de adultos.
• Uma reflexão sobre o uso de cartilhas na EJA.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciarmos o estudo desta unidade, é importante
conhecer um pouco da biografia dos pensadores, cujo pensamen-
to subsidia este estudo.

Paulo Freire
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 1921, em Reci-
fe, numa família de classe média. Com o agravamen-
to da crise econômica mundial iniciada em 1929 e a
morte de seu pai, quando tinha 13 anos, Freire passou
a enfrentar dificuldades econômicas. Formou-se em
Direito, mas não seguiu carreira, encaminhando a vida
profissional para o magistério. Suas ideias pedagógi-
cas se formaram da observação da cultura dos alunos
– em particular, o uso da linguagem – e do papel elitis-
ta da escola. Em 1963, em Angicos (RN), chefiou um
programa que alfabetizou 300 pessoas em um mês.
No ano seguinte, o golpe militar o surpreendeu em Brasília, onde coordenava o
Plano Nacional de Alfabetização do presidente João Goulart. Freire passou 70
dias na prisão antes de se exilar. Em 1968, no Chile, escreveu seu livro mais
conhecido, Pedagogia do oprimido. Também deu aulas nos Estados Unidos e na
Suíça e organizou planos de alfabetização em países africanos. Com a anistia,
em 1979, voltou ao Brasil, integrando-se à vida universitária. Filiou-se ao Partido
dos Trabalhadores e, entre 1989 e 1991, foi secretário municipal de Educação de
São Paulo. Freire foi casado duas vezes e teve cinco filhos. Foi nomeado doutor
honoris causa de 28 universidades em vários países e teve obras traduzidas
em mais de 20 idiomas. Morreu em 1997, de enfarte (imagem disponível em:
<http://revistaescola.abril.com.br/img/historia/022-paulo-freire.jpg>. Acesso em:
15 jul. 2010. Texto disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/apren-
dizagem/paulo-freire-300776.shtm>. Acesso em: 15 jul. 2010).
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 93

Frank Charles Laubach

Frank Charles Laubach nasceu em 2 de setembro de 1884


e faleceu em 11 de junho de 1970. Em 1915, Frank Lau-
bach (foto)  fora enviado por uma missão religiosa à ilha
de Mindanao, nas Filipinas, então sob o domínio norte-
-americano, desde o final da guerra Estados Unidos/Espa-
nha. A dominação espanhola deixara à população filipina
uma herança de analfabetismo total, bem como de ódio
aos estrangeiros. Líder religioso, um missionário congre-
gacional e educador, em 1929 desenvolveu cartilhas de
alfabetização para mais de 300 línguas e dialetos em mais
de 100 países. Em 1955, fundou a organização sem fins
lucrativos Laubach Alfabetização Inc. Ele criou o slogan
“Cada um ensina um” (imagem disponível em: <http://www.findagrave.com/cgi-
-bin/fg.cgi?page=pv&GRid=6923472&PIpi=5925585>. Acesso em: 15 jul. 2010.
Texto disponível em: <http://www.textolivre.com.br/cartas/9638-carta-da-viuva-
-de-paulo-freire-a-revista-veja>. Acesso em: 15 jul. 2010).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 2, compreendemos a necessidade de repensar
o papel do educador na Educação de Jovens e Adultos, a fim de
formar cidadãos mais conscientes de seu papel na sociedade. Para
isso, o aluno tem de ser motivado a aprender, pois o adulto não é
obrigado a estudar. Vimos, ainda, que a relação socioafetiva entre
professores e alunos é importante na mediação da construção de
conhecimentos.
Nesta unidade, nosso objetivo é pontuar alguns procedi-
mentos didáticos, algumas metodologias e estratégias de ensino
utilizadas na maioria dos programas de educação oferecidos para
jovens e adultos no país.
Para iniciar, vamos definir o que é didática e procedimentos
didáticos.
A palavra “didática” é de origem grega, pode ser entendi-
da como a arte ou técnica de ensinar, caracterizando-se como um
processo de instruir de maneira sistemática e morosa ao longo dos
tempos. Podemos dizer que são as estratégias de ensino e apren-
dizagem, maneiras de transformar teorias em prática.

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94 © Educação de Jovens e Adultos

Dessa forma, se a didática está relacionada à técnica de en-


sinar, os procedimentos didáticos estão diretamente relacionados
à forma e aos caminhos a serem percorridos para que o conteúdo
ensinado seja aprendido.
Nossa intenção aqui não é esgotar o assunto, mas sim pro-
por um momento de reflexão sobre os avanços que ocorreram em
relação à utilização desses procedimentos didáticos, bem como
sobre o papel que eles ocupam no processo de Educação dos Jo-
vens e Adultos e a necessidade de organizá-los para que a educa-
ção desses educandos seja eficaz.
Quando pensamos sobre os procedimentos didáticos para
a Educação de Jovens e Adultos, fica clara a necessidade de re-
cuperar a autoestima, a autoconfiança do educando em suas po-
tencialidades, para que ele se reconheça como um ser que pensa,
produz ideias, com capacidade de obter sucesso em seu processo
de aprendizagem nas dimensões cognitiva, afetiva e social.
Para isso, é preciso que esse indivíduo, que se encontra à
margem da sociedade, tenha consciência sobre o direito de rece-
ber essa educação em um tempo diferente. Um tempo que lhe as-
segure a oportunidade de (re)encontrar com qualidade sua apren-
dizagem em direção ao pleno exercício da cidadania.

5. FRANK CHARLES LAUBACH


Frank Charles Laubach desenvolveu uma metodologia de
alfabetização de adultos que ficou conhecida como Método Lau-
bach. Seu método foi criado e usado inicialmente nas Filipinas, em
1915, com a ajuda de Donato Gália, educador filipino.
Laubach foi um missionário protestante norte-americano,
em serviço de evangelização nas Filipinas, e sua intenção era que
por meio desse método os habitantes da ilha fossem capazes de
ler a Bíblia.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 95

Para atingir seus objetivos, ele iniciou seu trabalho com a


adaptação do alfabeto inglês para o dialeto mouro, usado pelos
filipinos. Depois, empregou um método de reconhecimento de
palavras escritas, que nomeavam objetos familiares aos alunos, e
pedia-lhes que apontassem as figuras que representavam tais ob-
jetos.
Com o uso desse método, procurava-se dar ênfase à letra ini-
cial das palavras e, posteriormente, essas letras eram identificadas
pelos alunos em outras palavras, que passavam a uni-las formando
sílabas e novas palavras.
Segundo o historiador Daniel Guerreiros Vieira, em meados
da década de 1940, a convite do governo brasileiro, Laubach este-
ve no estado de Pernambuco divulgando seu método de alfabeti-
zação em escolas de Educação Básica e universidades. Suas carti-
lhas eram constituídas de conteúdos com teor filosófico e cristão
e evidenciavam a importância da formação cidadã para a paz, para
a ética pessoal e para a existência de Deus. Tais cartilhas foram
usadas durante algum tempo no Brasil, nos programas de alfabe-
tização de adultos.
Laubach criou um alfabeto, um método associando palavras conhe-
cidas à sua forma escrita e, durante 15 anos, aplicou e aperfeiçoou
sua metodologia, desenvolvendo alfabetos para os 17 dialetos fili-
pinos e alfabetizando mais de 60% da população. O fato tornou-o
mundialmente conhecido (JOINVILLE, 2003).

Método Laubach
A metodologia de Frank Charles Laubach apresenta os se-
guintes princípios:
1. todos são capazes de aprender, basta-lhes oportunidade e incen-
tivo;
2. a educação de jovens e adultos é construída a partir de conheci-
mentos já existentes e cabe ao alfabetizador ajudá-los a construir
novos conhecimentos com base nestes;

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96 © Educação de Jovens e Adultos

3. o aluno se interessa por assuntos que façam parte de seu coti-


diano, assim ele poderá estabelecer pontos entre o conhecido
e o novo;
4. o aluno deve ser motivado sempre, mesmo que erre, e as corre-
ções devem ser feitas de forma a motivá-lo a novas tentativas;
5. elogios, palavras de ânimo e conscientização são pontos relevan-
tes de sua proposta;
6. alfabetizador e aluno mantêm, antes de tudo, uma relação de
amizade, na qual a confiança e o preparo fazem a grande dife-
rença;
7. propor um caminho para a escrita e leitura sem grandes dificul-
dades e abstrações, fazendo que o aluno sinta-se capaz, já que
conseguirá ler palavras e até um pequeno texto na primeira aula;
8. materiais de apoio devem ser feitos. Porém, cabe a cada alfabeti-
zador adaptá-los quando necessário;
9. processo de construção e compreensão referente à linguagem
escrita veiculando significado e representação do objeto, acom-
panhado pelo domínio dos mecanismos do ler e escrever, isto é,
primeiramente o significado para depois mecanizá-los;
10. condições de reconhecer o caminho mais lógico da leitura,
para, a partir deste estágio, elaborar outros caminhos. Partindo
do conhecido para o desconhecido, do geral para o particular.
11. cada aluno tem direito a ter seu próprio ritmo de aprendiza-
gem; ter alunos em diferentes estágios é um ganho e não um
problema;
12. cada alfabetizador deve se esforçar para oferecer o melhor,
porém, não havendo instalações disponíveis, pode-se alfabetizar
em qualquer lugar ou circunstância.
Não importa a idade, todos podem aprender (JOINVILLE, 2003).

6. PAULO FREIRE: PENSAMENTO, POLÍTICA E EDUCAÇÃO


Antes de continuarmos nossa trajetória em busca de novos
conhecimentos, cremos ser de total relevância conhecermos um
pouco mais sobre Paulo Freire, célebre educador brasileiro.
Com atuação e reconhecimento internacional, Freire foi o
mais importante educador brasileiro. Desenvolveu um pensamen-
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 97

to pedagógico assumidamente político, quando elaborou um mé-


todo de alfabetização de adultos que carrega seu nome.
Ele foi um grande estudioso, engajado em causas políticas,
motivo que lhe proporcionou a oportunidade de desenvolver um
"método" de alfabetização e educação de adultos que exaltava a
luta de classes, a teoria marxista, o ateísmo e a afirmação do povo
como massa oprimida. A autenticidade do seu trabalho de alfa-
betização está no processo de conscientização dessa massa, por
meio da aprendizagem, capacitando-a tanto para a aquisição dos
instrumentos de leitura e escrita quanto para a sua libertação.
Em relação às parcelas menos favorecidas da sociedade,
conscientizar o aluno a entender sua situação de oprimido e agir
em prol da própria libertação foram os objetivos maiores da edu-
cação para Paulo Freire.
As chamadas minorias, por exemplo, precisam reconhecer que, no
fundo, elas são a maioria. O caminho para assumir-se como maioria
está em trabalhar as semelhanças entre si e não só as diferenças e
assim criar a unidade na diversidade, fora da qual não vejo como
aperfeiçoar-se e até como construir-se uma democracia substanti-
va, radical (FREIRE, 1992, p. 154).

Seu principal livro, intitulado Pedagogia do oprimido, e os


conceitos nele contidos baseiam o conjunto de sua obra.
Condenava o ensino oferecido pela maioria das escolas, qua-
lificando essa educação de "educação bancária", na qual o profes-
sor, que se julga detentor de conhecimento, atua como aquele que
deposita conhecimento no aluno. Assim, considerava essa escola
como alienante.
Para ele, o professor tem como missão possibilitar a produ-
ção ou a criação de conhecimentos e, portanto, criticava a ideia de
que ensinar é transmitir conhecimentos.
Objetivava para o professor um papel informativo e diretivo,
possibilitando que seus alunos conheçam os conteúdos.

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98 © Educação de Jovens e Adultos

Freire (1981) acreditava que o conhecimento deveria ser me-


diado entre professor-aluno, pois dizia que ninguém ensina nada
a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas, e es-
creveu: “Os homens se educam entre si mediados pelo mundo”
Quando chega à escola, o aluno, alfabetizado ou não, já tem
uma cultura que não é pior nem melhor que a do professor, tor-
nando essa afirmação um princípio fundamental para Freire. Em
sala de aula, ambos, professor e aluno, aprenderão juntos e, para
que tal aprendizagem se efetive, torna-se necessário que as rela-
ções estabelecidas sejam democráticas e afetivas, o que garantirá
a todos possibilidade de expressão.
Formulado inicialmente para o ensino de adultos, em seu
método de alfabetização, a chave para o processo de conscienti-
zação, segundo Paulo Freire, é a valorização da cultura do aluno.
Na síntese de seu pensamento, encontra-se a ideia de que
tudo está em permanente transformação e interação.
“As qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço que
nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e faze-
mos”, escreveu o educador. “Como, na verdade, posso eu continuar
falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o dis-
crimino, se o inibo com minha arrogância?” [...] (FERRARI, 2010).

Para conhecermos um pouco mais sobre esse ilustre edu-


cador, apresentamos um artigo escrito por sua filha, Profª. Fáti-
ma Freire-Dowbor, que o acompanhou no exílio e trabalhou como
educadora em diversos países. Hoje vive em São Paulo e é coorde-
nadora pedagógica do Colégio Oswald de Andrade.

Paulo Freire, um precursor––––––––––––––––––––––––––––––


Para podermos entender a pedagogia de Paulo Freire, antes de mais nada é
importante que localizemos a sua origem, onde e quando ela surge. Paulo é
nordestino e, desde cedo, se sente compromissado com o sofrimento, a injustiça
social e a miséria do seu povo. Surgiram neste meio gigantes como Josué de
Castro, analisando o drama da Geopolítica da Fome, Celso Furtado, um dos cria-
dores mundiais da economia do desenvolvimento, e outros nomes diretamente
vinculados ao drama da pobreza e da exclusão. O próprio Gilberto Freyre pode
ter outros enfoques, mas contribuiu seguramente, com Casa grande senzala,
para colocar a divisão social no centro das discussões.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 99

Manter o povo privado de educação, limitar o seu acesso à cultura formal, à


leitura e à escrita, foi elevado no Nordeste ao nível de política sistemática pelas
tradicionais famílias que controlavam a política e a economia.
Neste contexto, alfabetizar as classes populares não era uma tarefa meramente
técnica. Constituía, desde o início, uma atitude humanista de solidarização e uma
atitude política de desafio.
O famoso método de alfabetização que leva o nome de Paulo Freire surgiu no
final da década de 1950, vinculado às primeiras experiências dos círculos de
cultura, que eram vividos no interior do Movimento de Cultura Popular do Recife,
conhecido como MCP. Os círculos de cultura eram grupos compostos por traba-
lhadores populares, que se reuniam sob a coordenação de um educador, com
o objetivo de discutirem assuntos temáticos, do interesse dos próprios trabalha-
dores, cabendo ao educador-coordenador tratar a temática trazida pelo grupo.
Já naquele então Freire descobre que é possível acrescentar aos temas apre-
sentados pelos grupos outros que ele os chama de “temas de dobradiça”. Estes
“temas de dobradiça”, na verdade, constituem a contribuição do educador-coor-
denador, que introduz outros temas que podem auxiliar e enriquecer a compreen-
são do grupo. O resultado obtido com estes trabalhadores populares nos círculos
de cultura foi muito bom, conseguido-se um bom nível de compreensão, indepen-
dentemente do fato de eles serem alfabetizados ou não. Isto leva Paulo a propor
a mesma metodologia para o processo de alfabetização de adultos.
Este foi um momento importante no seu percurso, já que ele descobre de forma
intuitiva a importância do aspecto metodológico no fazer pedagógico, sem desva-
lorizar, no entanto, o conteúdo específico que mediatiza este fazer. Este aspecto
metodológico percorre e acompanha a sua obra ao longo de todos os seus anos
de produção. Na verdade esta é uma das grandes contribuições do Paulo Freire,
sua metodologia de trabalho, que consiste em possibilitar a tomada de consciên-
cia do educando através do diálogo, que desvela a realidade e mostra as suas
interligações, culturais, sociais e político-econômicas.
Neste sentido, sua contribuição é extremamente atual e importante.
Interessante também é chamar a atenção para o fato de que Paulo traz, com
muita clareza e precisão, a relação entre metodologia e concepção de educação.
Não existe prática pedagógica sem uma metodologia que a define, como tam-
bém não existe uma metodologia que não traga consigo uma prática específica.
Portanto, não existe teoria sem prática e nem prática sem teoria. Ambas fazem
parte de um mesmo pensar e fazer pedagógico.
Ele costumava dizer que não era suficiente unicamente ensinar a pensar, nós,
enquanto professores educadores, temos também como desafio ensinar a pen-
sar bem, a pensar de forma certa. A primeira condição para ensinar a pensar bem
é a convicção de que ensinar não é transferir conhecimento, mas sim construir
com o educando ou possibilitar que ele construa com os seus iguais, mas nunca
construir por ele.
Traduzia o pensar bem e o pensar certo como aquele pensar que era gerado na
relação entre a teoria e a prática, sempre sendo necessário um distanciamento
da prática para poder se refletir sobre esta e, desta forma, poder teorizá-la. É
esta postura que gera a rigorosidade metódica. Sem esta rigorosidade, costu-
mava dizer ele, não há pensar certo. O pensar certo é dialógico e não polêmico,
porque tem como objetivo possibilitar a apreensão e compreensão por parte do
educando do conteúdo que está sendo comunicado. Pensar certo é fazer certo.

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100 © Educação de Jovens e Adultos

Trazendo muito forte o respeito pelos direitos do ser humano, as concepções


pedagógicas que embasam a filosofia de educação de Paulo Freire estão todas
direcionadas para o processo de humanização e transformação, encharcadas de
vida e amor pelo ser humano. Seu método de alfabetização de adultos traduzia
muito forte a marca do seu compromisso com as camadas populares tão forte-
mente injustiçadas, sobretudo no Nordeste brasileiro.
O aspecto político do processo de educação era muito valorizado. Na sua peda-
gogia da libertação e transformação, podemos constatar muito claramente que o
ato de educar é realmente um ato político, no sentido do compromisso assumido
com o outro, para que este possa ser cada vez mais sujeito da sua história e do
seu processo de aprendizagem. Paulo tinha uma forte convicção de que ninguém
pode realmente ser se impede que o outro seja. Como também ninguém se edu-
ca sozinho, mas sim os homens se educam entre si.
A dimensão político-social assume na pedagogia de Paulo Freire um lugar de
destaque. Para ele, era impossível pensar o sujeito desvinculado da sua reali-
dade de vida, do seu contexto sócio-econômico-cultural-histórico. Aliás, foi esta
preocupação que o levou a fazer com que o seu método de alfabetização (desig-
nação que ele nunca apreciou) fosse mais que uma simples forma de aprender
a ler e a escrever palavras, mas sim um instrumento de leitura do mundo e da
realidade, depreendendo daí a sua força metodológica. Força esta que advém
justamente da convicção de que toda leitura da palavra é precedida de uma certa
leitura de mundo de quem lê.
Este ato de ensinar a desvelar a realidade é altamente político, porque exige uma
escolha do sujeito que educa, escolha esta que só tem duas possibilidades, ou
a opção pelo desvelamento da realidade, assumindo, desta forma, uma postura
crítica frente ao mundo e com os educandos; ou a opção de ocultar a realidade,
que leva a uma postura acrítica e autoritária com os educandos.
Sempre foi muito clara na pedagogia de Paulo Freire a importância do diálogo
enquanto elemento-chave na relação educador-educando. É através da postura
dialógica na relação com o educando que o educador torna possível a constru-
ção de um modelo democrático de aprendizagem, que respeita o saber existente
do aluno, não o considerando como um ente vazio a ser preenchido unicamente
pelo saber do professor/educador.
Freire tinha a compreensão da educação enquanto ato político, educação en-
quanto prática democrática que respeita o educando, a sua linguagem, a sua
identidade cultural de classe, educação enquanto aquela que desvela, que desa-
fia, que desoculta, enfim uma educação comprometida com a necessária eman-
cipação das classes oprimidas. Foi justamente o fato de pôr em prática uma
educação deste tipo que o levou à prisão em 1964 e, em seguida, ao exílio por
mais de 16 anos.
Outro aspecto importante na filosofia de educação do Freire é a formação do
professor. Isto porque, para ele, ninguém nasce educador ou marcado para ser.
Nós nos fazemos educadores, nos formamos como educadores, permanente-
mente, na prática e na reflexão sobre a prática. Uma das premissas básicas da
metodologia freireana é a de que o educador desafie os alunos a perceberem
que aprender os conteúdos significa apreender os mesmos enquanto objeto de
conhecimento.
Outro aspecto não menos importante na formação do professor é a familiaridade
ou não com a qual ele circula entre os diferentes saberes que a prática educativa
requer e exige dele. Para Freire, alguns saberes são indispensáveis na formação
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 101

dos professores, tais como o de que ensinar exige rigorosidade metódica, exige
pesquisa, exige respeito aos saberes do educando, exige criticidade, exige risco,
exige reflexão crítica sobre a prática, exige pensar certo, exige liberdade e auto-
ridade, exige humildade e amorosidade pelo outro.
Não poderia terminar este artigo sem chamar a atenção do leitor para um aspec-
to interessante no percurso de Freire enquanto educador nacional e internacional
que foi: o fato de ter mantido até os seus últimos dias de vida, uma coerência
profunda entre o que dizia e o que fazia, uma humildade que só os grandes-
-pequenos homens possuem, uma profunda amorosidade pela vida e por tudo
que é humano, uma capacidade intensa e arraigada de se indignar com injustiças
ou qualquer falta de respeito ao ser humano.
Na verdade, acredito que o Freire foi um grande precursor no que diz respeito
à sua convicção de que é através da cultura que se pode gerar transformações
no processo social de forma geral, e não só da educação. Ele já anunciava esta
idéia há décadas, e só agora estamos vendo a cultura surgir como instrumento
de transformação da sociedade (FREIRE-DOWBOR, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

7. UM RECORTE SOBRE O MÉTODO PAULO FREIRE DE


ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Há muito tempo, vem-se discutindo sobre as metodologias
de alfabetização e educação de adultos, sobre as suas formas de
aprendizagem e procedimentos didáticos necessários para tornar
a aprendizagem desses alunos significativa e dinâmica.
O que podemos perceber de imediato é que a educação de
jovens e adultos precisa ser oferecida de maneira diferenciada,
de forma a atender às necessidades “urgentes” desses alunos,
buscando informações sobre o meio em que vivem, partindo dos
conhecimentos que já possuem, tomando-os como alicerce para
construir novas aprendizagens.
No cenário nacional, o educador Paulo Freire foi uma das
pessoas que mais contribuíram para que a Educação de Jovens e
Adultos fosse um direito daqueles que não tiveram direito a ela em
idade própria e, também, para que ela tivesse a qualidade neces-
sária para desenvolver suas habilidades, especificidades, forman-
do-os para o mercado de trabalho e para a cidadania.

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102 © Educação de Jovens e Adultos

Apesar de ter nascido em uma família de classe média, ele


se preocupava profundamente com a situação de exclusão em que
viviam os jovens e adultos analfabetos e, por isso, sentia neces-
sidade de apresentar uma proposta social que modificasse esse
quadro. Foi um entusiasta dos movimentos populares e defendeu
a causa dos marginalizados como causa própria. Segundo Moacir
Gadotti, Paulo Freire, em uma entrevista concedida à Nilcéa Lemos
Pelandré, em 14 de abril de 1993, disse o seguinte:
Eu preferia dizer que não tenho método. O que eu tinha, quando
muito jovem, há 30 anos ou 40 anos, não importa o tempo, era
a curiosidade de um lado e o compromisso político do outro, em
face dos renegados, dos negados, dos proibidos de ler a palavra,
relendo o mundo. O que eu tentei fazer e continuo hoje foi ter uma
compreensão que eu chamaria de crítica ou de dialética da prática
educativa, dentro da qual, necessariamente, há uma certa meto-
dologia, um certo método, que eu prefiro dizer que é método de
conhecer e não um método de ensinar (PELANDRÉ, 1998. In: GA-
DOTTI, 2001).

Foram muitas as discussões que aconteceram sobre a no-


menclatura dada às recomendações de Paulo Freire, sendo apon-
tadas como:
1) método;
2) teoria;
3) proposta;
4) sistema, entre outras.
Contudo, a expressão “Método Paulo Freire” foi universa-
lizada e cristalizada mundialmente como referência de uma con-
cepção democrática, radical e progressista de prática educativa,
motivo pelo qual a adotaremos ao longo de nosso estudo.

Etapas do Método Paulo Freire


O Método Paulo Freire, aplicado até os dias de hoje para a
alfabetização e a educação de jovens e adultos, busca subsídios
nas experiências vivenciadas pelos alunos, pois parte do princípio
de que a educação é um ato político, de conhecimento e criador.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 103

Dessa forma, propõe que é preciso contextualizá-la e com-


preendê-la cientificamente, para que os jovens e adultos, por meio
da interpretação do meio social em que vivem, possam intervir de
maneira expressiva para a sua transformação.
Tal método, de codificação e decodificação de palavras e te-
mas geradores de caráter interdisciplinar, se divide nas três etapas
pontuadas a seguir:
1) Etapa de investigação: professor e aluno buscam juntos
palavras e temas significativos para a vida do aluno, os
quais façam parte do seu universo vocabular e da comu-
nidade em que ele vive.
2) Etapa de tematização: momento de análise dos signifi-
cados sociais das palavras e dos temas, tornando possí-
vel, por meio dessa análise, a tomada de consciência do
mundo.
3) Etapa de problematização: momento em que o aluno
é desafiado e inspirado pelo professor a superar a visão
mágica e acrítica do mundo, assumindo uma visão cons-
cientizada.

O método em si
Vamos conhecer, a seguir, o método proposto por Paulo Frei-
re, o qual é composto por quatro partes:
1) A primeira inicia-se com um levantamento sobre o uni-
verso vocabular dos alunos, pela coleta das palavras ge-
radoras. Por meio de conversas informais, o professor
estuda com atenção os vocábulos mais usados pelos
alunos e pela sua comunidade. A partir disso, selecio-
na as palavras que servirão de base para as lições – a
quantidade de palavras geradoras deve ficar entre 18 e
23 palavras. Depois de escolhidas, essas palavras devem
ser apresentadas à classe em cartazes com figuras para
que, em grupo, os alunos iniciem uma discussão para
significá-las segundo a realidade deles.
2) A segunda caracteriza o estudo de cada palavra identifi-
cada por meio da silabação, ou seja, da divisão silábica

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104 © Educação de Jovens e Adultos

da palavra asemelhando-se ao método tradicional, de


maneira que cada sílaba se estenda à sua respectiva fa-
mília silábica.
3) A terceira é constituída pela formação de palavras no-
vas, usando como base as famílias silábicas já conheci-
das pelo grupo.
4) A quarta propõe uma discusão sobre os novos temas que
surgiram com base nas palavras geradoras. Trata-se do
momento em que o educando vai além do ato de codi-
ficar e decodificar palavras, sendo chamado a fazer uma
conscientização sobre os problemas enfrentados diaria-
mente, sobre o mundo e sobre a realidade que o cerca.

Fases de aplicação do Método Paulo Freire


A aplicação do Método Paulo Freire consta de cinco fases,
quais sejam:
1) A primeira fase diz respeito ao levantamento do univer-
so vocabular dos grupos com quem se trabalhará; por
meio de interações e de investigações sobre os conhe-
cimentos mútuos do grupo, respeitando-se os dialetos
que usarem.
2) A segunda fase é constituída pela escolha das palavras,
selecionadas do universo vocabular pesquisado, de
acordo com critérios como riqueza fonética, dificuldades
fonéticas – trabalhadas gradativamente, partindo do uso
das mais simples para as mais complexas – e compro-
metimento pragmático, referente ao uso da palavra na
realidade sócio-político-cultural do aluno, do grupo e/ou
de sua comunidade.
3) A terceira fase consiste na criação de situações existen-
ciais típicas do grupo com que se vai trabalhar. Propõe-
-se uma discussão, por meio de uma análise crítica e
consciente de problemas locais, regionais e nacionais, a
fim de se ter novas perspectivas sobre eles.
4) A quarta fase requer a elaboração de fichas-roteiro que
auxiliem os coordenadores de debate no seu trabalho,
oferecendo os subsídios necessários de maneira flexível.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 105

5) A feitura de fichas com a decomposição das famílias fo-


nêmicas correspondentes aos vocábulos geradores é a
quinta fase, que será construída em forma de slides ou
cartazes.
O uso dessa metodologia para alfabetização e educação de
jovens e adultos diferenciou-se muito das que vinham sendo uti-
lizadas até então, pois considerava os conhecimentos de mundo
que o adulto possuía e não os infantilizava. Dessa maneira, possi-
bilitou uma forma de ensino e aprendizagem libertadora, crítico-
-reflexiva, não automática, que promoveu a oportunidade de os
alunos se posicionarem diante dos problemas vivenciados.
Como você pode perceber, o Método Paulo Freire alvitra um
aprendizado integrador, abrangente, não compartimentalizado, in-
terdisciplinar, com acentuado posicionamento político-ideológico,
além de estabelecer a horizontalidade na relação educador-edu-
cando, a valorização da cultura popular e de teor humanista.
Com esse método de educação, Paulo Freire quebra a com-
preensão utilitária do fazer educativo e propõe outra forma de al-
fabetizar e educar, inserindo, também, novos recursos à prática
pedagógica, como, por exemplo, o uso de recursos audiovisuais
(slides, gravuras etc.).
Dessa forma, podemos observar que Freire foi, em seu tem-
po, um homem com muitas ideias avançadas sobre a educação.

Sobre as cartilhas
O uso de cartilhas fundamentou durante muitos anos os tra-
balhos de alfabetização e educação de jovens e adultos em todo o
país. Contudo, muitas discussões foram levantadas sobre o assun-
to. Diante dessa situação, Paulo Freire já defendia a necessidade
de uma alfabetização que partisse dos referenciais dos alunos, de
dentro para fora, somente mediada pelo educador.
Segundo Freire (1979, p. 72):

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106 © Educação de Jovens e Adultos

Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse capaz de


se fazer instrumento também do educando e não só do educador
e que identificasse, como claramente observou um jovem sociólo-
go brasileiro (Celso Beisiegel), o conteúdo da aprendizagem com
o processo de aprendizagem. Por essa razão, não acreditamos nas
cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfi-
ca como uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição
de objeto de alfabetização do que de sujeito da mesma.

Freire defendia a ideia de que a educação é composta por


processos de aprendizagens. Dessa maneira, uma forma de cons-
truir conhecimentos depende da interação do homem com o meio
em que vive, sendo modificado por ele e, também, modificando-o.
Por isso, ao perceber a real necessidade de desenvolver com os
educandos uma educação significativa, os programas mais atua-
lizados procuraram adequar suas metodologias ao alunado que
recebiam, contribuindo para que as cartilhas caíssem em desuso.
De acordo com Ribeiro (1997), desde os anos de 1970 ou até
mesmo antes, o uso da cartilha e de metodologias inadequadas na
Educação de Jovens e Adultos era uma preocupação para os edu-
cadores da época. Essa temática ainda preocupa muitos docen-
tes, pois, ao chegarem às escolas, encontram um material didático
pronto, acabado, com pouquíssima ou inexistente relação com o
contexto em que vive seu alunado e, dessa forma, muitas vezes
não conseguem estabelecer relações entre os assuntos tratados
na aula e a utilização que farão de tais saberes no dia a dia.
Apesar de as políticas educacionais vigentes na época pos-
tularem o contrário, tais metodologias e estratégias didáticas não
estavam contribuindo para a formação de alunos crítico-reflexivos,
uma vez que não havia uma relação entre os exercícios propostos
nas cartilhas e o meio social, cultural e econômico desses alunos.
A importância dada à alfabetização e à Educação de Jovens
e Adultos é cada vez maior, fato que vem contribuindo significati-
vamente para a remodelação do material didático utilizado e para
um prolongamento do tempo de conclusão dessa modalidade de
educação. Dessa forma, os alunos recebem uma maior escolarida-
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 107

de, que transcorre as fases de alfabetizandos e pós-alfabetizandos,


a fim de que possam ter um contato maior com o mundo da leitura
e da escrita e fazer uso, com propriedade, desses conhecimentos
construídos.
Se a educação é, também, um ato político, tais fins contri-
buem ou não para a formação do cidadão conhecedor de seus di-
reitos e deveres?
Ao retomar as transformações históricas e metodológicas
pelas quais passou a Educação de Jovens e Adultos, podemos di-
zer que buscar sempre novos procedimentos, novas estratégias
para atender às necessidades desses alunos, é fundamental não
somente aos alunos da EJA, mas a todos os alunos em qualquer
modalidade educativa.
Para a EJA, a incorporação da cultura e da realidade vivida
por seus educandos, como arranque nas práticas educativas, é es-
pecialmente fundamental para que eles (re)organizem a sua forma
de atuar em sociedade e, também, para que desenvolvam uma
percepção crítica, problematizadora e criativa.
Pensando mais especificamente sobre o processo de alfabe-
tização de jovens e adultos,
Emília Ferreiro realizou um estudo junto a adultos analfabetos,
mostrando que também eles tinham uma série de informações so-
bre a escrita e elaboravam hipóteses semelhantes às das crianças
(RIBEIRO, 1997).

Percebe-se que, independentemente da idade e da situação,


no momento de apropriação do sistema linguístico, as experiências
realizadas sobre a construção da língua e da linguagem são únicas
e, por essa razão, o adulto vivencia as mesmas possibilidades de
hipótese que as crianças.

8. TEXTO COMPLEMENTAR
Para complementar seus estudos acerca do assunto aborda-
do nesta unidade, é importante que você se atente à leitura do

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108 © Educação de Jovens e Adultos

texto a seguir, pois ele estabelece uma relação com a liberdade,


tendo como foco a retomada da origem do conceito de autorida-
de. Trata-se de um capítulo do livro Origens e concepções de au-
toridade e educação para a liberdade em Paulo Freire: (re)visitan-
do intencionalidades educativas, escrito por Gomercindo Ghiggi e
Sandro de Castro Pitano (2009, p. 66- 87).

Autoridade e liberdade na biobibliografia de Freire–––––––––


No Brasil, mesmo na história recente da denominada redemocratização (metade
da década de 80), é possível identificar o quanto se consolidaram tanto concep-
ções autoritárias de democracia quanto concepções democratistas de organi-
zação das relações sociais. É o que nos leva, desde o quadro geral de nossas
relações, a perguntar: o que é a hegemonia de um grupo social na política senão
a sua capacidade de impor o próprio discurso? É óbvio que a construção da
hegemonia pode ser realizada pelo menos de duas formas, mas sempre com a
presença forte do Estado: quer pelo emprego da força e da violência, quer pelo
uso da persuasão. Ambas buscam a obtenção de resultados que dêem estabili-
dade ao poder constituído.
A democracia atual, onde ela acontece, não raras vezes faz com que “massas”
acreditem que estão decidindo, do que decorrem questões como: por que os
homens e as mulheres vivem em sociedade? Por que os seres humanos devem
submeter-se às ordens, aos governos, às leis...? Locke (1983) fala do governo,
constituído e eleito como funcionário do povo para organizar as relações sociais,
concebendo a possibilidade de rebelião desse mesmo povo e a conseqüente
destituição do governo, caso este não execute decisões concebidas por aquele.
Ou, poderíamos questionar, o que é o poder político, considerado como uma re-
lação entre indivíduos que mandam e outros que obedecem? Sempre foi assim?
É algo inscrito na natureza? Como organizar as relações sociais que compulso-
riamente existem e não há como evitar a convivência com elas? Como constituir
essas relações de forma democrática? Como conciliar, conforme afirma Paulo
Freire (1993), a coercibilidade necessária na organização das relações sociais
em geral e a busca desperta da liberdade por parte de cada um dos envolvidos
num dado processo, acreditando na possibilidade da materialização da tese de
que não há democracia sem liberdade e que não há liberdade sem democracia?
Enfim, como pensar tais processos, sabendo-se, ao mesmo tempo, que a liber-
dade e a democracia constroem-se em relação com o mundo e com os outros?
Buscando responder, pelo menos em parte, às questões acima, é possível afir-
mar, pelo exposto até aqui, que a autoridade, historicamente, tem-se constituído
a partir das referências da idade, da força, da sabedoria do espírito ou da capa-
cidade de legitimação da mesma que alguém obtém desde a competência e a
ética, como bem define Freire (1997). Mesmo em sua origem natural ou divina, a
autoridade nem sempre constitui-se desde uma relação de força, mas no direito
de exercê-la: direito que deriva do consenso entre aqueles que sofrem o efeito
do seu exercício ou da luta pela negação da desigualdade, mas sempre luta por
posição hegemônica na sociedade. Há, nesta dimensão, uma forte relação entre
a autoridade e a consciência coletiva. A autoridade, assim, atua como força me-
diadora entre o ser humano singular e a sociedade.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 109

É entendida, também, como instância de coação exterior, não raras vezes bus-
cando, na consciência coletiva, a perspectiva legitimadora das relações sociais,
em detrimento da consciência individual. E é por essa razão que a autoridade
é um conceito que em muitos momentos históricos esteve ligado à dominação
e ao exercício do poder, óia nos mais diversos motivos de submissão, desde a
obediência a hábitos inconscientes até àqueles que se configuram como fins
racionais. É dessa forma que existe a autoridade que se estabelece baseada
no caráter racional e que se fundamenta na crença da legalidade de padrões e
regras normativas postas para os indivíduos. É a autoridade legal propriamente
dita. Há, ainda, a autoridade que tem origem na tradição, isto é, que se baseia
na crença cotidiana das tradições e na tese da legitimidade do status quo, tanto
em relação ao modelo social em que vivem os indivíduos quanto em relação ao
exercício da própria autoridade.
A questão coloca-se, também, para além da necessidade de legitimação da auto-
ridade, na justificação ou da sustentação da mesma, ou seja, autoridade é poder,
é probabilidade de alguém impor a própria vontade dentro de uma relação políti-
ca. Por isso é que, com freqüência, autoridade representa dominação, imposição
de normas, limites que se impõem etc., o que, historicamente, a partir da instau-
ração da racionalidade moderna, especialmente, levou intelectuais pensadores
a questionar a legitimidade da organização social desde “uma autoridade”, seja
qual for a sua origem.
Cremos ter discutido até aqui alguns detalhes acerca da autoridade política e
pedagógica: sua origem, sua legitimidade e sua interferência e realização de in-
tencionalidades educativas. Guzzoni (1995, p. 20) afirma que é possível, a partir
da reflexão sobre a autoridade na política, iluminar a discussão em torno do que
se passa na área pedagógica: como se constitui, quais os fatores que a legiti-
mam, aliás, questões essenciais ao tema proposto neste trabalho. Em relação à
presença da autoridade na educação, a autora, citando Laberthonnière, afirma:
“A autoridade é tida como fundamental na aprendizagem, podendo ser concebida
de modos diversos: 1) a autoridade que escraviza, que se dá numa relação de
coerção e violência e que tem como conseqüente correspondência uma obe-
diência passiva e servil”. Neste caso, para a autora, “não se pode falar legiti-
mamente em autoridade, e, sim, em autoritarismo; 2) a autoridade libertadora
que, ao inverso, direciona e orienta o jovem, as para um fim distinto do primeiro
caso, ou seja, busca conferir-lhe autonomia e não dependência ou submissão da
ação alvos da autoridade escravizante”. Confirmando sua opção Laberthonnière
afirma: “a obediência libertadora, bem como a autoridade liberal, são sempre
relacionais, pois o poder do educador é reconhecido pelo educando como legí-
timo, implicando confiança e aceitação”, pois “visa à autonomia de seus alunos”
(GUZZONI, 1995, p. 21).
Considerando a fala de Guzzoni, a autoridade do educador/da educadora é legí-
tima e necessária ao se constituir em compromisso com a construção da autono-
mia do educando/da educanda. Para a autora, o conhecimento é essencial para
que a autonomia se constitua, pois na medida em que os educandos apropriam-
-se do conhecimento e da cultura, vão adquirindo capacidades para expor critica-
mente o mundo já estabelecido e identificar possibilidades de organização social
diferentes da vigente (idem, p. 22). Em tal perspectiva, há, como afirma Freire,
um desafio à curiosidade epistemológica do educando, permitindo e desafiando
a pesquisa, a busca de informações e, mais ainda, a crítica séria e consistente
aos modelos culturais já produzidos. Atitude contrária do educador/a educadora
não traria outro resultado senão a reprodução da hierarquia social, ou seja, se o

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110 © Educação de Jovens e Adultos

educador e educadora não estiverem a serviço da autonomia do educando e da


educanda, o exercício da sua autoridade desempenhará papel fundamental na
reprodução social.
Furlani (1987), discutindo a problemática da autoridade a partir de professores
e estudantes universitários, observa que os mesmos afirmam que a autoridade
do educador se dá a partir da sua competência, da sua capacidade de discipli-
namento e de avaliação do processo ensino-apredizagem. Snyders, da mesma
forma, discutindo a necessidade da autoridade nos processos de formação hu-
mana, particularmente em posição crítica às propostas não- diretivas, afirma que
é fundamental que os educandos construam, desde o grupo que se constitui em
sala de aula, referências de autonomia e superação do isolamento e do indivi-
dualismo. Mas, será o grupo, os pares ou o mundo da sala de aula suficientes
para a construção de referenciais para a compreensão da realidade e o conse-
qüente posicionamento crítico diante da cultura existente? A autoridade e a direti-
vidade, eticamente constituídas, têm a tarefa de desafiar os alunos a construírem
a denúncia da realidade social em que vivem, a partir da escola (SNYDERS,
1974), o que atribui caráter político-pedagógico à sala de aula.
As teorias acima possibilitam pensar em autoridade escravizante (mesmo que
posta em contexto democrático) e a autoridade libertadora. A dimensão da auto-
ridade, aqui, é assumida em sua relação com a competência e a ética, ou seja,
no caso da escola e da sala de aula (mas, da mesma forma, ligada à educação
em geral e à organização da sociedade), nas dimensões pedagógica (construção
do conhecimento) e política (visão de mundo, compreensão e fundamentação da
ação), conforme já anunciamos a partir de Paulo Freire. Isto é, é a autoridade
que orienta a criação e a recriação do conhecimento, na pesquisa independente
e formação crítica diante dos valores postos pelo modelo cultural vigente. Tal
concepção deve ser filosoficamente fundada, ou seja, o problema da autoridade
liga-se à sua necessária justificação ou ao fundamento que sustenta a sua vali-
dade. Embora a tradição seja indispensável para recuperar o passado que está
em nós, enquanto retomada das grandes mensagens de nossa cultura, de recu-
peração das raízes de nosso modo de ser e pensar, para melhor compreender
a nós mesmos e a história como um todo, tal perspectiva não é suficiente para
garantir legitimidade ao exercício da autoridade. E é por essa via que a dimensão
de poder, sempre presente no exercício da autoridade (acadêmico, político...),
aparece de maneira bastante explícita.
Aceitando a histórica afirmação da intrínseca relação entre autoridade e poder,
passaremos a tecer breves considerações, as quais, entendemos, embasam as
idéias aqui defendidas. Exercitar o poder é atuar para que algo aconteça conforme
o esperado ou conforme o que é desejado ou proposto por quem comanda deter-
minada ação. Ter poder sobre alguém é ter a capacidade de fazer com que a sua
ação se realize de acordo com um objetivo preconcebido por quem detém posição
privilegiada de comando. Mas o que legitima o exercício do poder é a condição de
possibilidade para a constituição ética e competente da autoridade. Corresponde
ao que aparece na proposta freiriana de organização da escola, da sala de aula
e da sociedade em geral. É através da legitimidade que as relações de poder vão
se estabilizando e consolidando, podendo dar origem a relações dialógicas vitais
para a constituição da autoridade. A dominação, o autoritarismo e, por que não,
a licenciosidade são componentes de uma relação de poder que se orienta por
regras que se quer estáveis (mesmo que não legítimas), mantidas pela força ou
pela persuasão, ou seja, são relações encobridoras da concentração do poder no
educador/na educadora, no diretor/na diretora etc., no caso da escola.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 111

Já a autoridade na perspectiva de Paulo Freire é a materialização de uma re-


lação cuja constituição dá-se desde o diálogo que os sujeitos envolvidos es-
tabelecem. Mas como exercer a autoridade, mesmo baseada em concepções
teórico-práticas legítimas, num contexto cultural organizado para consolidar a
submissão a comportamentos necessários à manutenção e à atualização dos
modelos de produção e consumo como os vigentes?
Bourdieu (1997), discutindo a condição de possibilidade da liberdade, da autono-
mia e da ação consciente, aponta quatro problemas que têm causa no sistema
de televisão hoje, particularmente desde o que ele denomina de Telejornalismo:
a difusão de visão parcial do mundo, a anulação do tempo necessário para que
os indivíduos (telespectadores) possam refletir acerca de duvidosas e parciais
informações que recebem, a destruição da heterogeneidade cultural e o risco
a que está exposta a democracia. Ou seja, o que está em questão são as con-
dições dos humanos diante da carga cultural que recebem e sua relação com
outras instâncias de constituição de valores ético-morais para pensar e construir
relações sociais. Isto é, o que está em discussão são as condições de interferên-
cia da escola e da autoridade pedagógico-política do/a educador/a e da escola
diante do poder da industrial cultural. Bourdieu, então, fala dos meios de comu-
nicação como instâncias produtoras de sensibilidade para o consumo e não para
a criação.
Assim, vale questionar: como construir a liberdade ou garantir a liberdade para
todos se o sistema em que vivemos é extremamente perverso, conforme expres-
são do próprio Freire? Frei Betto, através de artigo intitulado “Fora do neolibe-
ralismo há salvação”?, fala do avanço tecnológico como fator de distanciamento
cada vez mais acentuado entre uma minoria privilegiada e a maioria que, no
Brasil, sequer dispõe de rede de esgoto, instalações sanitárias, saúde, educação
qualificada etc. Empresas duplicam ou triplicam a produção cortando pela me-
tade o número de trabalhadores. Qual a possibilidade de liberdade que têm as
pessoas submetidas constantemente à angústia da falta de emprego? Segundo
Betto, o desemprego desestabiliza os humanos. Para os que ainda estão em-
pregados, o medo de perder o emprego cria instabilidade emocional, levando
as pessoas às drogas, ao alcoolismo, ao estresse etc. É assim que vão sendo
firmados os mercados e os produtos na brutal concorrência que o mundo estabe-
leceu recentemente, baseada, pensamos, fundamentalmente nos pressupostos
teóricos elaborados por John Locke no século XVII (FREI BETTO, 1997).

Freire e a condição de possibilidade da liberdade na necessária presença


da autoridade
Diante da relação entre autoridade e liberdade, Freire explora a questão que
anunciamos anteriormente: a autoridade estará na força ou na persuasão, atra-
vés do que, instituições diversas - escolas, prisões, manicômios etc., desenvol-
vem jogos de poder buscando materializar a moral individual e tematizar a idéia
de ação errada ligada ao indivíduo originador da mesma e a de ação correta
ligada à orientação institucional que é veiculada? Mais: cabe perguntar qual a
autoridade que nos ajuda a olhar o mundo? É a que emprega a força ou a que
se constitui desde a ética e a competência político-pedagógica? Como perceber
o quanto se está longe do mundo da vida, constituído por contradições sócio-his-
tóricas que produzem desumanizações? Como descobrir as causas estruturais
que determinam a marginalização e a exclusão de muitas pessoas? Como cons-
truir referenciais que permitam perceber e analisar as relações de autoritarismo

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112 © Educação de Jovens e Adultos

da sociedade, da escola, da família etc.? Como superar a dicotomia da partici-


pação e da democracia em um sistema autoritário, às vezes, e democratista em
outros? Como garantir, enfim, a liberdade humana diante dos limites e possibili-
dades que, na condição histórica em que os humanos se encontram, enfrentam?
Defendemos, na provisoriedade própria de uma hipótese, que Paulo Freire ela-
bora o seu texto a partir de experiências de vida político-pedagógicas orientadas
por um projeto político, o qual parte de uma constatação: a sociedade brasileira é
injusta e o modelo cultural dominante usa mecanismos repressivos e ideológicos
para a sua manutenção. Freire busca, assim, apontar corajosamente caminhos
de libertação, de forma explícita e com direção política. E daí a necessária pre-
sença da “autoridade político-pedagógica” nos processos educacionais em geral,
defendida quando afirma: “Não há disciplina no imobilismo, na autoridade indife-
rente, distante, que entrega à liberdade os destinos de si mesma. Na autoridade
que se demite em nome do respeito à liberdade”. Para ele, “... não há também
disciplina no imobilismo da liberdade, à qual a autoridade impõe sua vontade,
suas preferências como sendo as melhores para a liberdade. Imobilismo a que
se submete a liberdade intimidada ou movimento da pura sublevação”. Por isso,
“... é que a autoridade que se hipertrofia em autoritarismo ou se atrofia em licen-
ciosidade, perdendo o sentido do movimento, se perde a si mesma e ameaça a
liberdade. Na hipertrofia da autoridade, seu movimento se robustece a tal ponto
que imobiliza ou distorce totalmente o movimento da liberdade”.
Da mesma forma, “a liberdade imobilizada por uma autoridade atrabiliária ou
chantagista é a liberdade que, não se tendo assumido, se perde na falsidade de
movimentos inautênticos...”. Defende, por fim, “uma democracia que, afinal, per-
siga a superação dos níveis de injustiças e de irresponsabilidade do capitalismo.
[...] O professor deve ensinar. É preciso fazê-lo...” (FREIRE, 1993, p. 115-8).
É assim que a proposta passa pela crítica à prática produtiva do poder autoritário
à construção da prática produtiva da liberdade coletiva e solidária através da
pedagogia da esperança e do diálogo. A perspectiva freiriana ultrapassa tanto os
limites do autoritarismo quanto da pedagogia da licenciosidade como condição
de possibilidade para a superação do senso comum no processo de construção
do conhecimento e de transformação social. A questão é não negar a liberdade
de ser do outro, mas, da mesma forma, não abandonar a criança, o jovem, o
educando (o/a outro/a) sem referências para a sua formação. Por isso, entende-
mos que é necessário refazer a reflexão sobre a democracia e o poder político.
Esse poder, sim, que existe, mas nem sempre é facilmente percebido. Daí a
concepção de poder que, para Freire, como já dito, aproxima-se do conceito de
autoridade que desenvolve, correspondendo à capacidade que humanos têm de,
mediados pelo diálogo, aceitando a diferença (não do antagônico), problematizar
o “mundo vivido” ou a experiência imediata e desafiar (e deixar-se desafiar) o
interlocutor à superação do estágio em que se encontra. É a materialização da
possibilidade da “convivência com os diferentes para que se possa melhor lutar
com os antagônicos” (FREIRE, 1994, p. 39), o que possibilita a construção de
uma perspectiva que ultrapassa a visão dicotômica de poder, compreendendo as
relações humanas como interdependentes e concebendo a influência das insti-
tuições e das pessoas, umas sobre as outras.
O mundo vivido e imediato no qual se situa a escola deve passar por análises
aprofundadas em relação aos processos de formação das pessoas em geral. A
racionalidade sempre faz desafios à universalidade ou à globalidade. E não ra-
ras vezes, os nossos referenciais de análise pouco contemplam de racional, no
sentido original do termo, ou seja, de compreensão ampla e global do contexto
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 113

desde o qual um determinado fenômeno (neste caso, a escola) é refletido. Re-


cordamos Sünker (1994, p. 107), quando afirma: “Contra todas las críticas post-
modernas al logocentrismo, hay que sostener que no há tenido lugar un exceso
de Ilustración sino uma carencia de ella. [...]”. E segue o autor: “En consecuencia,
contra las posiciones postmodernas hay que sostener en forma decisiva que la
‘pluralización de formas de vida’ [...] sólo puede conseguirse sobre el fundamento
de un pensamiento universal, que nos proporcione la base para una teoría del
sujeto fundamentada teórica e intersubjetivamente, y que nos remita tanto desde
la perspectiva de la teoría como de la política social a las condiciones de posibi-
lidad de un discurso sobre las ‘diferencias’”.
Por outro lado, as críticas que educadores/as têm feito ao planejamento, à exe-
cução e à avaliação do processo pedagógico, à ausência de democracia, à falta
de oportunidade de participação etc., são legítimas. Mas democracia não pode
ser confundida com luta por licenciosidades. Isto é, lutar por democracia não é
suficiente e não resolve os problemas com os quais se defronta a escola pública,
particularmente. São preocupações importantes, fundamentais, mas apenas a
partir de um contexto de lutas maiores que envolvem a revisão do constructo
axiológico da sociedade como um todo na qual se situa a escola. A fala de Freire,
a seguir, revela o caráter da discussão que aqui instauramos: “O fato, contudo,
de na teoria dialógica, no processo de organização, não ter a liderança o direito
de impor arbitrariamente sua palavra, não significa dever assumir uma posição
liberalista, que levaria as massas oprimidas – habituadas à opressão – a licencio-
sidades”. Para Freire, “teoria dialógica da ação nega o autoritarismo como nega
a licenciosidade. E, ao fazê-lo, afirma a autoridade e a liberdade. Reconhece que
se não há liberdade sem autoridade, não há esta sem aquela”. Atando a discus-
são acerca da autoridade, Freire lembra: “A fonte geradora, constituinte da autori-
dade autêntica, está na liberdade que em certo momento se faz autoridade. Toda
liberdade contém em si a possibilidade de vir a ser, em circunstâncias especiais
(e em níveis existenciais diferentes), autoridades [...] (FREIRE, 1982, p. 210-11).
Ou seja, considerando a história humana, encontrar respostas à problemática da
relação e coexistência, sempre tensa, porque humana, entre liberdade e autori-
dade, que Freire coloca também em relação à disciplina, é trabalho também de
educadores/as, portadores da tarefa da formação humana.
Uma das questões relacionadas às condições de possibilidade da liberdade dos
seres humanos é, conforme o próprio liberalismo clássico, como já dito, a jus-
ta articulação entre os poderes da sociedade e os do Estado e a consequente
instauração da autoridade política. É a questão do jogo-limite entre a liberdade
pessoal dos indivíduos e a idéia da autoridade necessária do Estado ou qualquer
outra instituição social para a garantia das liberdades individuais. Eis a grande
discussão que se instalou na modernidade. A tese defendida por Locke é que,
sem a autoridade, a liberdade torna-se frágil, inconsistente e restrita a grupos ou
indivíduos cujas posições na sociedade têm, na relação de poder, hegemonia.
Mas esqueceu o mesmo Locke que a sua própria proposta acabava por garantir
liberdade a um grupo – a classe burguesa – em detrimento de outros. Portanto,
mesmo as instituições sociais, como o Estado, criadas pelos humanos para a
organização de suas relações, não garantiram a liberdade para todos os huma-
nos. Talvez porque esqueceram que o mundo humano é essencialmente “tarefa
cultural”, ou seja, é desafio permanente para a (re)construção do já construído
e a construção de novos elementos culturais, parte integrante do mundo da vida
de humanos em sociedade e não dádiva divina, natural ou obra de poucos ilu-
minados.

Claretiano - Centro Universitário


114 © Educação de Jovens e Adultos

A ação humana livre dá-se quando os humanos agem conscientemente, ou seja,


quando sabem o que fazem e por que fazem o que fazem, mesmo que enfren-
tando os limites que as relações sociais lhes impõem. O ser humano, racional, é
tanto mais livre quanto mais responsável for, ou seja, quanto mais razão houver
na constituição dos atos praticados, considerando que a ação humana desenvol-
ve-se à luz do conhecimento, proposta de Kant para que os homens cheguem
à felicidade, embora dimensão insuficiente para compreender a complexidade
do humano. Assim, o humano como ser de razão é um ser livre. Livre é quem
“é causa de si” na autodeterminação. Mas essa tese só se sustenta diante da
dimensão de universalidade dessa faculdade, ou seja, ser livre na relação, “infer-
nal” (expressão sartreana) ou não, com os outros. Pela racionalidade, o humano
pode tornar-se capaz de transcender o mundo da cultura e da sociedade já esta-
belecidos, enquanto instâncias limitadoras, mesmo que aí residam, também, as
possibilidades de realização desse mesmo humano.

Freire: cruzando autonomia com a liberdade e a autoridade


Avançando na discussão proposta para este terceiro capítulo, pretendemos
apresentar, a seguir, a problemática da autonomia e a tensa relação com a au-
toridade e a liberdade. O propósito é dar destaque à concepção de autonomia
em Freire, buscando a elaboração de indicadores que auxiliem na reflexão sobre
a sua relação com a liberdade e a autoridade, dimensões particularmente pre-
sentes na escola. Conscientização, da mesma forma, é tema importante para o
presente estudo.
Para construir uma reflexão em torno da autoridade e da liberdade a partir de
Freire, a dimensão da autonomia é uma discussão que se impõe, pois esta pare-
ce ser a meta freiriana no processo educativo.
O ponto de partida são as relações político-pedagógicas que ocorrem particular-
mente na escola, onde há, não poucas vezes, um processo de ensino-aprendiza-
gem que forma as pessoas para o individualismo, levando educando, educanda,
educador e educadora àquilo que se denomina de anomia ou mantendo-os em
estado heterônomo. Lembramos encontros com professoras em cursos de for-
mação inicial e seus relatos. As professoras afirmam que passaram a superar o
autoritarismo e que a autonomia dos estudantes vai sendo firmada à medida que
refletem a própria prática à luz de teorias e experiências que trocam e realizam
com colegas. Mas, com que conceito de autonomia trabalham? A construção do
conhecimento a partir da experiência da criança e a solução dos problemas que
surgem neste processo, pela própria criança, serão elementos suficientes para
que possamos afirmar que estamos construindo a autonomia, tendo presente
a necessária referência de sociedade injusta e desigual na qual estas mesmas
crianças vivem? Será que em muitas escolas não estamos trabalhando na di-
reção do conceito de autonomia que, hoje, interessa sobremaneira ao modelo
produtivo e consumidor hegemônico? Autonomia, criatividade, autocrítica etc.,
conforme as exigências dos novos pressupostos do mundo da produção e do
consumo: serão tais concepções garantidoras de consciência crítica e de inde-
pendência em relação aos modelos culturais postos hegemonicamente hoje?
As recentes Políticas de Educação no Brasil propuseram que o aluno ingresse
na escola aos seis anos, que o ensino fundamental aumente de oito para nove
anos e que o educando tenha uma jornada cada vez maior na escola, passando
das atuais quatro horas (quando isso acontece) para sete ou mais horas diárias.
Na perspectiva do modelo hegemônico, parece importante que isto ocorra na
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 115

medida em que o aumento da escolaridade favorecerá uma qualificação mais só-


lida para o processo de produção econômica que os novos tempos demandam.
A realização de atividades complementares às aulas, na escola, com colegas e
com assessoria de pessoal especializado, da mesma forma, garantirá padrão de
qualidade capaz de colocar a criança em condições de igualdade nas diversas
relações sociais em que se coloca. Assim, a criança orientada poderá, mais au-
tonomamente e com mais qualidade, desempenhar a sua situação de indivíduo
em formação. Mas será isto suficiente à formação para a autonomia consciente,
crítica, que habilite pessoas a interferirem nos destinos da história a ser construí-
da, a qual, para o modelo hegemônico, já está determinada?
A concepção de autonomia presente neste trabalho vincula-se à independência
cooperativa que os sujeitos envolvidos, problematizados pela autoridade legíti-
ma, são capazes de realizar, ou seja, vincula-se à capacidade que as pessoas
adquirem de, conscientemente, assumirem posições de solidariedade e de cons-
trução coletiva de projetos que atendam a objetivos comuns, desde as elabo-
rações singulares possíveis. A relação pedagógico-política que se trava entre
os sujeitos envolvidos em um determinado processo de ensino-aprendizagem
é mediada por jogos de poder. É nestas relações que se constituem ou não as
condições de possibilidade para a instaurarção da liberdade. Por isso é que a
autoridade em Freire é uma presença formadora, na perspectiva da construção
da autonomia crítica e capaz de assumir posições independentes e solidárias, ao
mesmo tempo, na busca desperta da liberdade.
Originalmente, o termo autonomia _ autós _ significa por si próprio ou de si mes-
mo. É a capacidade que alguém adquire de se governar por si mesmo; direito ou
faculdade de se reger (uma ação) por leis próprias; liberdade ou independência
moral ou intelectual; propriedade pela qual os seres humanos pretendem poder
escolher as leis que regem sua conduta.
Tendo por base a tradição filosófica, autonomia tem sua origem fortemente mar-
cada por Kant, o qual procurou designar a independência da vontade em relação
a todo desejo ou objeto de desejo e a capacidade dessa mesma vontade do in-
divíduo para determinar-se, sempre em conformidade com uma lei própria, a da
razão. Kant contrapõe a autonomia à heteronomia pela qual a vontade é determi-
nada pelos objetos da faculdade de desejar. Da mesma forma, os ideais morais
de felicidade ou de perfeição supõem a heteronomia da vontade, supõem que ela
seja determinada pelo desejo de alcançá-los e não por uma lei sua e própria. A
independência da vontade em relação a qualquer objeto desejado é a liberdade
no sentido negativo, ao passo que a sua legislação própria (como razão prática)
é a liberdade no sentido positivo. A lei moral não exprime nada mais do que a
autonomia da razão prática, isto é, da liberdade.
Kant desenvolve as suas reflexões pedagógicas tendo presente o constructo fi-
losófico acima anunciado, buscando atender às exigências da constituição do
“imperativo moral” que recai sobre o indivíduo, cuja observância garante a esse
mesmo indivíduo autonomia. A questão central em Kant parece ser a seguin-
te: para além de relações pedagógicas na atividade formativa ou no processo
formativo que se dá entre educador e educando, há o problema do mundo que
depende do homem para ser compreendido e produzido.
Há uma possível aproximação, a partir de perspectivas epistemológicas e sociais
diferentes, entre as reflexões de Kant e de Freire. Destacamos um elemento que
tem sido objeto de dúvidas e questionamentos, elaborados e expressados por pro-
fessoras e professores com os quais temos atuado, buscando interlocuções em

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116 © Educação de Jovens e Adultos

torno da relação entre autoridade e liberdade: é possível garantir liberdade, tanto


ao educando quanto ao educador, diante do exercício da autoridade por parte de
alguém? As diferenças político-antropológico-pedagógicas entre Freire (“social”) e
Kant (“individual”) não impedem aproximações entre os pensadores, em especial
no que diz respeito à constituição das condições de liberdade pelo ser humano.
Kant foi aqui retomado porque a sua reflexão, apostamos, é provocativa e in-
fluenciadora de produções seguintes sobre moral, autonomia etc. Mas a discus-
são que propomos neste texto inverte o ponto de partida kantiano e a reflexão
é elaborada a partir das condições de possibilidade dos humanos, isto é, face o
mundo da não liberdade, da autoridade autoritária e, não raras vezes, da hetero-
nomia, ou, até, da anomia.
Paulo Freire não se detém no desenvolvimento de um conceito de autonomia, a
priori, anterior ao que a experiência refletida possibilita. A sua reflexão está pre-
sente nas incursões que vai fazendo a respeito de “saberes necessários à prática
educativa”, conforme reflexão exposta em Pedagogia da autonomia (1997) e ou-
tros escritos. Mais ainda: Freire intitula Pedagogia da autonomia a uma de suas
últimas e principais obras, refletindo exaustivamente temas como autoridade,
liberdade, competência, ética etc. O que leva Freire a apresentar, assim, a sua
reflexão sobre autonomia? É, pensamos, a própria compreensão de autonomia
que o faz seguir o caminho da discussão sobre ética, competência e autoridade.
O fim da opressão do ser humano e a conseqüente produção de condição para
participar de processos sociais de construção da vida, em especial o respeito à
dimensão humana do educando, conforme Freire passam pela construção da
autonomia do mesmo. Para tanto, há que se criticar (no sentido original de “pôr
em crise”) permanentemente “à malvadez neoliberal, ao cinismo da ideologia
fatalista e sua recusa inflexível ao sonho e à utopia” (FREIRE, 1997), às incer-
tezas do futuro, não apenas na dimensão existencial, mas, especialmente, em
relação às incertezas diante do mundo do trabalho, por exemplo. A luta para
mudar o quadro posto passa pela formação para a autonomia, ou seja, não se
justificaria a preocupação com autonomia se a história apenas fosse reconhe-
cida como dada, previamente determinada ou imutável. Portanto, a construção
de referenciais para pensar a autonomia depende do reconhecimento de que
somos condicionados, mas não determinados. É assim exposta a possibilidade
da construção da própria história.
O que ocorre, segundo Freire, é que a “ideologia fatalista, imobilizante, que ani-
ma o discurso neoliberal, anda solta no mundo. Com ares de pós-modernidade,
insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social, que,
de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural” (id, p. 65), onde o
que aparece em destaque é a coerência que é exigida de quem busca e defende
a autonomia do outro, do educando. “Saber que devo respeito à autonomia, à
dignidade e à identidade do educando e, na prática, procurar a coerência com
este saber, me leva inapelavelmente à criação de algumas virtudes ou qualida-
des sem as quais aquele saber vira inautêntico...” (idem, p. 69).
Para o educador que sabe que deve respeitar a dignidade do educando, a sua
autonomia e a sua identidade no processo, Freire aponta uma exigência de rea-
lização e não de negação deste conhecimento, o que demanda reflexões críticas
permanentes sobre a prática educativa.
Freire não separa a reflexão sobre autonomia, identidade e dignidade do educan-
do. Esta reflexão conjunta exige um acentuado esforço do educador no sentido
de diminuir, cada vez mais, a distância entre o que é dito e o que é feito.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 117

Ao iniciar esta reflexão, apontávamos para a indispensável relação entre autori-


dade e autonomia, ou seja, a autoridade legítima, conforme Freire, que possibilita
a instalação de condições para a construção da autonomia séria, competente,
comprometida etc. A autoridade, neste sentido, tem a indispensável presença
na formação dos educandos para a autonomia. É o que Freire afirma na citação
abaixo, aqui retomada na perspectiva da construção da autonomia: “Se trabalho
com crianças, devo estar atento à difícil passagem ou caminhada da heterono-
mia para a autonomia, atento à responsabilidade de minha presença que tanto
pode ser auxiliadora como pode virar perturbadora da busca inquieta dos edu-
candos...”. Da mesma forma, se o trabalho é com jovens ou adultos: “... não me-
nos atento devo estar com relação a que o meu trabalho possa significar como
estímulo ou não à ruptura necessária com algo defeituosamente assentado e à
espera de superação (idem, p. 78).
Se a autoridade pode ser presença negativa, isto é, a presença que inibe a busca
inquieta do educando, a que nega a possibilidade da curiosidade epistemologi-
camente humana, pode, essa mesma autoridade, conforme Freire, ser presen-
ça desafiadora, competente e ética, capaz de produzir formação autônoma, mas
comprometida com a construção de uma vida humanamente digna para todos. E
a autonomia é construída, no âmbito da formação escolarizada, pela capacidade
que o educador tem de atuar com segurança, com competência profissional e com
generosidade. Esse é o pressuposto para o exercício da autoridade libertadora ou
a serviço da formação para a liberdade. O fundamental, “... nas relações entre edu-
cador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas,
é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia (idem, p. 105).
Partindo da tese de que a “liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade
asfixiada ou castrada” (idem, p. 118) é que Freire defende a possibilidade da
construção da autonomia. Autonomia essa que, além de histórica, constrói-se
na criatividade e na tensa relação entre liberdade e autoridade: “Uma pedagogia
autoritária, ou um regime político autoritário, não permite a liberdade necessária
à criatividade, e é preciso criatividade para se aprender” (FREIRE e SHOR, 1996,
p. 31). E Freire continua: “... corremos também o risco de, negando à liberdade
o direito de afirmar-se, exacerbar a autoridade ou, atrofiando esta, hipertrofiar
aquela” (1994, p. 23). A indispensável liberdade “é uma conquista e não uma
doação, exige permanente busca [...] que só existe no ato responsável de quem
a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisa-
mente porque não a tem” (FREIRE, 1982, p. 35).
Ou seja, é decidindo, com os/as outros/as, que se aprende a decidir, por exem-
plo, num mundo repleto de autoritarismos e licenciosidades. A minha liberdade,
a liberdade de cada um (autonomia), cresce no confronto com outras liberdades,
com outras opções etc., com as diferenças, em cuja história de perversão social
e de exclusão exige que se construam elos de encontros na busca desperta e
utópica de relações sociais dignas para todos. É o que Freire reflete diante da
relação entre pais e filhos: “O que é preciso [...] é que o filho assuma eticamente,
responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia. Ninguém é autôno-
mo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência
de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas” (FREIRE, 1997, p. 120).
A humildade permite que, conhecendo os limites, o caminho na direção do ser
mais seja iniciado; é a atitude de coragem que o humano, sabendo dos limites,
sabe o que quer e avança no possível; que sabe que nunca “está pronto”, que
não se contenta com o que faz e que busca sempre avançar, analisando sempre
as condições que existem como ponto de partida.

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118 © Educação de Jovens e Adultos

Portanto, liberdade, autoridade e autonomia são construções inseparáveis em


Freire, o que garante um processo, em nível de escola, por exemplo, não des-
colado do mundo da vida e, por isso, comprometido com a construção de uma
história radicalmente humana, como um ato solidário de intervenção no mundo.
Para tanto, Freire é extremamente exigente com a coerência pedagógica, ética,
humana, social dos educadores: “Não há nada talvez que desgaste mais um
professor que se diz progressista do que sua prática racista, por exemplo. É inte-
ressante observar como há mais coerência entre os intelectuais autoritários, de
direita e de esquerda. Dificilmente contribui, de maneira deliberada e consciente,
para a constituição e a solidez da autonomia do ser do educando” (idem, p. 123).
Ele é intransigente na luta apaixonada pela formação autônoma das pessoas,
formação esta que “aposta no ser humano” e que não se dá separada de outras
lutas. É o que afirma ao apresentar a obra de McLaren (1997): “O gosto pela
autonomia, a luta por mantê-la, a busca da criatividade [...], a busca da clareza,
a coragem de expor-se, o gosto do risco, a pureza sem puritanismo, a humildade
sem servilismo são aspirações à procura de concretização... (FREIRE, in MCLA-
REM, 1977, p. 12).
Outro caminho, não descolado do que até aqui buscamos trilhar, para construir
ou reconstruir a reflexão sobre autonomia em Freire, é a relação que esta cate-
goria tem com “conscientização, com construção ou formação da consciência,
com a formação do espírito crítico etc., e a busca desperta, pela curiosidade, da
compreensão do mundo”. Assim, coloca-se Freire diante da questão: “A cons-
cientização é o aprofundamento da tomada de consciência, mas nem toda toma-
da de consciência se alonga obrigatoriamente em conscientização”. E é neste
sentido, prossegue o autor, “... que a pura tomada de consciência a que falte a
curiosidade cautelosa, mas arriscada, a reflexão crítica, a rigorosidade dos pro-
cedimentos de aproximação ao objeto fica no nível do ‘senso comum’” (FREIRE,
1991, p. 113).
Os seres humanos vivem permanentemente em tensão entre o reino da neces-
sidade e o reino da liberdade. A dimensão física do humano, reino de necessi-
dades, não está posta, como em algumas teorias clássicas ou contemporâneas,
independentemente da liberdade. O ser humano, mesmo que se admita ser fun-
damentalmente sujeito de sua própria história, é condicionado em sua situação
de liberdade pelas circunstâncias em que vive. A moral, então, que é uma dimen-
são do social do qual os humanos participam, regula as ações dos indivíduos.
Assim, a busca da autonomia está, em Freire, diretamente relacionada à condi-
ção de possibilidade de realização tanto da necessidade quanto da liberdade,
dimensões, respectivamente, histórica e ontológica, constituidoras do humano.
Mais ainda: o humano, em Freire, não é um ser pré-existente ou desde sempre
constituído, mas produz-se na medida mesma da construção histórico-social que
ele vai realizando. A aposta na capacidade do humano de construir a própria
história garante a condição para interferir na formação de si, na transformação
dos objetos com os quais interage e, da mesma forma, na ação com os demais.
Para tanto, o ponto de partida para a construção da autonomia do ser humano
e do educando em particular são os próprios sujeitos envolvidos: o seu mun-
do, a sua cultura, a representação que fazem de si, da história, dos outros etc.
Freire acentua, neste particular, a dimensão política e a formação da subjetivi-
dade através das reflexões sobre consciência e conscientização. Quando os/as
educadores/as escrevem os seus relatórios, as suas dúvidas, as suas práticas,
os seus memoriais, em torno dos quais, felizmente, hoje, muitas salas de aula
constituem-se, descobrem-se como subjetividades, cujas identidades não ainda
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 119

estão constituídas. Esse jogo de descobrir-se ao recompor a sua trajetória faz


parte da descoberta e da afirmação do educador.
E é nesse contexto que se coloca a compreensão da condição de possibilidade
para a construção da autonomia e, consequentemente, da relação entre liberda-
de e autoridade interferidora na formação moral do humano, presente em Freire.
Mais: a autoridade é positivamente posta como condição de possibilidade para a
autonomia e para a liberdade.
Há em Freire uma reflexão sobre a perspectiva da ação responsável diante de
um mundo que precisa ser construído com referências éticas universais. Ante
tal observação, colocamo-nos em posição de concordância com Canan quando
afirma: “Se desconsiderarmos a idéia de universalismo moral e defendermos um
relativismo cultural/moral, provavelmente nossos argumentos em defesa de uma
sociedade mais justa, mais humana e igualitária não existirão”. Para a autora,
“relativizar os valores morais, fazendo-os provir unicamente do meio social em
que são produzidos, faz com que a idéia de universalidade seja abandonada
como se nela já não estivessem contidas diferenças produzidas pelos diversos
meios sociais” (CANAN, 1997, p. 66).
Retomando, Freire fala da autonomia pela via da conscientização. Na relação
de aprendizagem, pensamos, o autor não descarta, na perspectiva da forma-
ção para a autonomia, dimensões como educando ativo, mediação pelo diálogo,
mudança das atividades relacionadas com o conteúdo que tenha como ponto
de partida a própria realidade cultural do educando etc. Em particular, o diálo-
go, sendo uma exigência existencial, é uma relação de criação que educador,
educadora, educando e educanda produzem. Educando, na criação dialógica,
encontra-se a caminho da formação para a autonomia. O diálogo é a condição
de possibilidade para a problematização do senso comum, das ingenuidades,
tanto do educando quanto do educador, cuja superação permite-lhes situar-se no
mundo de forma autônoma, mas com os outros.
Ainda: Freire fala da ética necessária para que uma ação, autônoma, possa ser
considerada moralmente correta. Condenando a ética pragmatista do capitalis-
mo, ao mesmo tempo neoliberal e selvagem, Freire afirma: “Falo, pelo contrário,
da ética universal do ser humano. Da ética que condena o cinismo do discurso
[...], que condena a exploração da força de trabalho do ser humano [...]. A ética
de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça,
de gênero, de classe” (FREIRE, 1997, p.17).
É possível e fundamental demonstrar que Freire tem um projeto político-pedagó-
gico a partir do qual entende que deve se dar a ação e a reflexão do educador. A
práxis pedagógica a que se refere envolve o mundo das relações mais amplas,
nas quais educador e educando atuam. E para capturar essa dimensão, não
há outra saída senão entrar em sintonia com essa história que acontece coti-
dianamente. Mas é imprescindível a ação político-pedagógica de alguém para
que, nas relações sociais amplas, os sujeitos possam atuar de maneira crítica,
criativa, independente, autônoma, mas sempre solidária. Portanto, as ações de
intervenção social a favor da formação dos sujeitos dependem de formação, não
apenas de formação escolar. E a questão é que o ponto de partida é extrema-
mente exigente e complexo, ou seja, a situação socioeconômica em que vivemos
é das mais desumanas. Mas esta é a referência a partir da qual se deve iniciar
o processo de ação junto aos sujeitos com os quais buscamos eticamente atuar
como educadores.

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120 © Educação de Jovens e Adultos

Para tanto, central é a compreensão do mundo complexo das relações de po-


der. O oprimido também é opressor e não apenas potencialmente um ser que
carrega consigo a opressão. No cotidiano das relações que experiencia, o opri-
mido oprime familiares, vizinhança, colegas de trabalho, de escola etc. Ademais,
central é afirmar que o conceito ou o par conceitual opressor-oprimido não está
ultrapassado nem pela história que homens e mulheres continuam fazendo e
nem pelo próprio Paulo Freire, visto que em seus últimos escritos, como, por
exemplo, Pedagogia da autonomia (1997) e Cartas pedagógicas (2000), fala da
necessidade do diálogo permanente. Diálogo que supera o autoritarismo e que é
indicador de uma relação que ultrapassa a própria “atitude licenciosa” e a tendên-
cia à opressão. É a sempre presente vigilância que todos devemos nos colocar
como tarefa. A autonomia é fruto da superação das condições de submissão que
vive o humano.
Os conceitos de tomada de consciência e conscientização em Freire são ca-
minhos que possibilitam pensar a dimensão da autonomia. Há um processo
descrito em Freire para que o humano alcance o estágio da conscientização e,
pensamos, conseqüentemente, da autonomia. É como que uma possibilidade
de poder transitar por diferentes estágios para chegar a um momento de cons-
ciência interferidora e autônoma no mundo. Isto é, estágio em que o humano faz
história, cria cultura de forma crítica e consciente (FREIRE, 1980).
A consciência do inacabamento em Freire é dimensão indispensável ao processo
de construção da autonomia. Isso porque tal dimensão permite ao humano inse-
rir-se em um processo de “fazer e refazer” a história. Processo, este, desafiador,
capaz de provocar no sujeito a necessária tomada de atitude diante do mundo
em que ele se insere. E isto só é possível na dimensão da autonomia que torna o
sujeito capaz de, sabendo-se incompleto, inacabado, agir teórica e praticamente
(CHIGGI; PITANO, 2009).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Para que uma aprendizagem ocorra, ela deve ser significati-
va, exigindo que seja vista como a compreensão de significados, re-
lacionando-se a experiências anteriores e vivências pessoais, per-
mitindo a formulação de problemas de algum modo desafiantes
que o incentivem a aprender mais, estabelecer diferentes tipos de
relações entre fatos, objetos, acontecimentos, noções e conceitos,
desencadeando modificações de comportamentos e contribuindo
para a utilização do que é aprendido em diferentes situações.
Este é um momento de reflexão sobre o estudo da unidade
proposta, bem como de reconhecimento se os conhecimentos fo-
ram alcançados ou se, ainda, necessitam ser retomados.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 121

Por meio da autoavaliação, pretendemos que você se torne


mais responsável pela sua evolução educacional, mais reflexivo,
autônomo, motivado e eficiente.
Acreditamos, ainda, que o recurso da autoavaliação da
aprendizagem possa ser de grande alcance na educação de cida-
dãos conscientes de si, do outro e de seu papel na construção de
uma sociedade mais solidária, responsável e humana.
1) Você saberia dizer qual o conceito de didática? O que são procedimentos
didáticos?

2) Em seu método de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de


adultos, qual a chave para o processo de conscientização comungado por
Paulo Freire?

3) Freire foi um grande estudioso, engajado nas causas políticas, motivo que
lhe proporcionou a oportunidade de desenvolver um "método" de alfabeti-
zação e educação de adultos que exaltava a luta de classes, a teoria marxista,
o ateísmo e a afirmação do povo como massa oprimida. Em que consiste a
autenticidade do seu trabalho de alfabetização?

4) O uso da metodologia freiriana para alfabetização e educação de jovens e


adultos diferenciou-se muito das que vinham sendo utilizadas até então,
pois considerava os conhecimentos de mundo que o adulto possuía e não
os infantilizava. Você saberia dizer que forma de ensino-aprendizagem essa
metodologia possibilitou? O que ela promovia?

5) Dada a riqueza de informações sobre os autores Frank Charles Laubach e


Paulo Reglus Neves Freire, desenvolva sua crítica sobre os métodos aborda-
dos nesta unidade.

6) Explique, com breves palavras, qual a essência do estudo proposto em rela-


ção aos conceitos abordados.

10. CONSIDERAÇÕES
Com os estudos realizados nesta unidade, pudemos perce-
ber que os procedimentos didáticos usados na alfabetização e na
educação de jovens e adultos no país já evoluíram muito, tanto no
que diz respeito às metodologias quanto às estratégias e aos obje-
tivos dessa modalidade de educação.

Claretiano - Centro Universitário


122 © Educação de Jovens e Adultos

Apesar disso, acreditamos que algumas reflexões acerca des-


se assunto ainda precisam continuar sendo feitas, como: o que a
educação escolar pode trazer de novo para esses jovens e adultos?

11. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
FEITOSA, S. C. S. Método Paulo Freire: princípios e práticas de uma concepção popular
de educação (dissertação de mestrado). Disponível em: <http://www.paulofreire.org/
Biblioteca/metodo.htm>. Acesso em: 15 mar. 2007.
FERRARI, M. Paulo Freire: o mentor da educação para a consciência. Disponível
em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/mentor-educacao-
consciencia-423220.shtml>. Acesso em: 12 maio 2010.
FREIRE-DOWBOR, F. Paulo Freire, um precursor. Disponível em: <http://www.dc.mre.gov.
br/imagens-e-textos/revista7-mat3.pdf>. Acesso em: 3 set. 2010.
GADOTTI, M. Paulo Freire: a prática à altura do sonho. Disponível em: <http://www.
paulofreire.org/gadotti_pf.htm>. Acesso em: 3 mar. 2007.
GHIGGI, G; PITANO, S. de C. Origens e concepções de autoridade e educação para a
liberdade em Paulo Freire: (re)visitando intencionalidades educativas. São Luis: EDUFMA,
200. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fm000013.
pdf>. Acesso em: 20 ago. 2010.
JOINVILLE possui programas de alfabetização. Revista eletrônica, Joinville, 4 nov.
2003. Disponível em: <http://redebonja.cbj.g12.br/ielusc/revi_2005/revi_mod_reg.
php?id=0510>. Acesso em: 3 set. 2010.
RIBEIRO, V. M. M. Breve histórico Ed. Adultos: alfabetização de adultos na pauta das
políticas educacionais. Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/
histadul.htm>. Acesso em: 3 mar. 2007.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.
_____. Plano Nacional de Educação, Lei n. 10.172 de janeiro de 2001.
_____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 20 de dezembro de 1996.
_____. Parecer n. 11 de maio de 2000 e Resolução CNE/CEB, n. 1, de 5 de julho de 2000.
Estabelece Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, 2000.
BORGES, L. Alfabetização de jovens e adultos no século XXI: o sapo que virou princesa.
Tramandaí: Isis, 2004.
FREIRE, P. Educação e Mudança. 12 ed. Tradução de Moacir Gadotti e Lilian Lopes Martin.
São Paulo: Editora Paz e Terra, 1979.
© U3 – Procedimentos Didáticos na Ação Docente para a Educação de Jovens e Adultos 123

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
_____. Educação como prática da liberdade. 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.
GADOTTI, M.; ROMÃO J. E. (Orgs.). Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e
proposta. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2000.
GADOTTI, M. Um legado de esperança. São Paulo: Cortez, 2001.

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Claretiano - Centro Universitário
EAD
Profissionais da Educação
de Jovens e Adultos e as
Ferramentas Essenciais à sua
Ação Metodológica
(Observação,
Registro e Avaliação)
1
4
Não tenha medo de mudanças, pois, na maioria das vezes, elas re-
presentam libertação (BELTRAME, 2006, p. 97).

1. OBJETIVOS
• Distinguir como ocorre a formação dos profissionais da
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
• Definir a organização da sala de aula na EJA.
• Identificar possibilidades de organização do espaço em
sala de aula, considerando situações de aprendizagem e
rotina de trabalho.
• Compreender e identificar a função da observação e do
registro na EJA.
• Empregar a avaliação na EJA.
• Analisar e explicar como avaliar na EJA.
126 © Educação de Jovens e Adultos

2. CONTEÚDOS
• Educandos jovens e adultos e escola.
• Repensando o papel dos profissionais EJA.
• Formação dos profissionais da EJA.
• Sala de aula na EJA.
• Situação de aprendizagem.
• Rotina de trabalho.
• A observação e o registro.
• Avaliação na EJA.
• Como avaliar na EJA.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli-
citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de
Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades
desta obra. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu
desempenho.
2) Para que você possa compreender um pouco mais sobre
o papel da avaliação no processo de ensino-aprendiza-
gem, recomendamos que você acesse o site disponível
em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/ea000432.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Conforme dissemos nas unidades anteriores, com base na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN n. 9.394/96, a
Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos Artigos 37 e 38:
apresenta-se como uma modalidade de ensino a ser oferecida a
todos os cidadãos, potencialmente trabalhadora, constituída de
jovens e adultos que não tiveram acesso à educação em idade pró-
pria.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 127

Nesta unidade, buscaremos compreender as especificidades


da formação e da atuação dos profissionais da EJA, a fim de ul-
trapassar os componentes executórios e técnicos inseridos nessa
realidade, almejando uma formação que lhe possibilite um “novo
olhar”.

5. FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO


DE JOVENS E ADULTOS (EJA)
De acordo com a colocação de Tardif (2002, p. 149):
O profissional do ensino é alguém que deve habitar e construir seu
próprio espaço pedagógico de trabalho de acordo com limitações
complexas que só ele pode assumir e resolver de maneira cotidia-
na, apoiado necessariamente em visão de mundo, de homem e de
sociedade.

Ao tratar da Educação de Jovens e Adultos, a Lei de Diretrizes


e Bases da Educação Nacional – LDBEN n. 9.394/96, no parágrafo
1º do Art. 37, diz:
[...] os sistemas de ensino deverão assegurar oportunidades edu-
cacionais apropriadas, consideradas as características do alunado,
seus interesses, condições de vida e de trabalho.

Mesmo sendo a Educação de Jovens e Adultos (EJA) uma ati-


vidade especializada e com características próprias, são poucos os
cursos de formação de professores que oferecem formação espe-
cífica aos que queiram atuar nessa modalidade de ensino.
Mas como exigir que os professores da EJA garantam tais
práticas educativas se não lhes é dada uma formação adequada,
voltada a esse tipo de modalidade?
Em primeiro lugar, é preciso que os professores que atuam
nessa modalidade de ensino tenham claro para si a compreensão
da distância existente entre crianças, adolescentes e adultos. Na
EJA, essa distância é caracterizada pela própria experiência de vida
que o adulto possui em comparação às outras fases de desenvol-
vimento.

Claretiano - Centro Universitário


128 © Educação de Jovens e Adultos

Uma nova reflexão e prática pedagógica fazem-se necessá-


rias para alfabetizar jovens e adultos, pois trata-se de um alunado
com características que necessitam ser valorizadas, evitando-se,
assim, infantilizar essa modalidade de ensino e oferecendo a esses
alunos o mesmo tratamento digno que é oferecido aos demais.
A realidade de trabalhar com adultos não faz parte da forma-
ção inicial. Nesse sentido, a formação em serviço ou continuada
é de grande importância. Conforme Cavaco (in NÓVOA, 1992, p.
161):
a partir da organização de um corpo docente nuclear, empenhado
e dialogante que consegue aglutinar grupos de professores para
projetos comuns, pode gerar um ambiente de acolhimento e parti-
cipação que estimule a formação interveniente de todos.

A trajetória profissional propõe experiências ligadas à convi-


vência com colegas de trabalho, formando laços afetivos, pessoais
e profissionais que interferem em nossas opções pedagógicas e
profissionais.
Sempre se reconheceu o valor da apropriação dos saberes profis-
sionais através da experiência. Aprende-se com as práticas do tra-
balho, interagindo com os outros, enfrentando situações, resolven-
do problemas, refletindo as dificuldades e os êxitos, avaliando e
reajustando as formas de ver e de proceder (CAVACO in NÓVOA,
1992, p. 162).

Partindo da realidade de uma especificidade da educação


de jovens e adultos, é muito importante a formação de um do-
cente que contemple as competências e os saberes necessários
às aprendizagens fundamentais de jovens e adultos trabalhadores,
bem como que tenha prática com a alfabetização.
Diante da diversidade de saberes de seu grupo representa-
tivo de diferentes lugares sociais, o professor assume o papel de
mediador de sua própria aprendizagem, por meio da ação dialó-
gica e da fala argumentativa, constituindo-se em um sujeito que
aprende.
É da interlocução dos saberes que resulta a aprendizagem enquan-
to saber novo, saber reconstruído a partir dos saberes prévios dos
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 129

interlocutores, isto é, saberes constituídos em anterioridade, pré-


vios às relações com que se vão reconstruir enquanto aprendiza-
gem, não mera repetição ou cópia, mas efetiva reconstrução en-
quanto desmontagem e recuperação de modo novo na perspectiva
do diálogo de interlocutores constituídos em comunidades de livre
conversação e de argumentação (MARQUES, 1996, p. 6).

Acreditamos ser relevante que você conheça a síntese dos


objetivos gerais esperados pelos educandos da EJA. Observe-os:
• Dominar instrumentos básicos da cultura letrada que lhes per-
mitam melhor compreender e atuar no mundo em que vivem.
• Ter acesso a outros graus ou modalidades de ensino básico e
profissionalizante, assim como a outras oportunidades de de-
senvolvimento cultural.
• Incorporar-se ao mundo do trabalho com melhores condições
de desempenho e participação na distribuição da riqueza pro-
duzida.
• Valorizar a democracia, desenvolvendo atitudes participativas,
conhecer os direitos e deveres da cidadania.
• Desempenhar de modo consciente e responsável seu papel no
cuidado e na educação das crianças, no âmbito da família e da
comunidade.
• Conhecer e valorizar a diversidade cultural brasileira, respeitar
diferenças de gênero, geração, raça e credo, fomentando atitu-
des de não-discriminação.
• Aumentar a auto-estima, fortalecer a confiança na sua capa-
cidade de aprendizagem, valorizar a educação como meio de
desenvolvimento pessoal e social.
• Reconhecer e valorizar os conhecimentos científicos e históri-
cos, assim como a produção literária e artística como patrimô-
nios culturais da humanidade.
• Exercitar sua autonomia pessoal com responsabilidade, aper-
feiçoando a convivência em diferentes espaços sociais (BRASIL,
1996, p. 47-48).

6. SALA DE AULA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADUL-


TOS
De acordo com Pichon-Riviere (2010) um grupo:

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130 © Educação de Jovens e Adultos

é um conjunto de pessoas movidas por necessidades semelhantes,


unidas em torno de uma tarefa específica em busca de um obje-
tivo comum". Um grupo constrói-se pela constância do diálogo,
pela produção em equipe e pela expressão individual, garantindo
o direito à voz na busca pelo conhecimento ou por algo que o faça
crescer.

Inicialmente, a diversidade em uma sala de aula de turmas


de Educação de Jovens e Adultos, relacionada tanto à diferença de
idade como à variedade de valores, crenças e gêneros é, muitas
vezes, considerada empecilho à formação do grupo. Porém, con-
forme essas pessoas passam a se conhecer melhor, o sentimento
de pertença fortalece-se. Segundo Brasil (2006, p. 21), "é experi-
mentando participar de um grupo que os alunos descobrem que
juntos sempre é possível aprender melhor".
A forma de atuação e agir do professor é fundamental para
que, verdadeiramente, a sala de aula seja um espaço de apren-
dizagens e trocas. É o professor como mediador quem facilita e
provoca o diálogo, a produção e, principalmente, favorece ajuda e
trocas mútuas.
É o professor que ajuda a quebrar as barreiras dos preconceitos e
cria situações de estreitamento de amizade entre todos. É aquele
que propõe situações que aproximam, diminuem a distância entre
as idades, as crenças, os valores. [...] desempenha, ainda, papel im-
portante quando evidencia a potencialidade do grupo ao mesmo
tempo que garante a expressão individual (BRASIL, 2006, p. 21).

O que define a dinâmica e a produtividade em sala de aula


é a escolha das atividades a serem propostas, as quais deverão,
cotidianamente, garantir a motivação, o envolvimento e a apren-
dizagem do grupo.
Ressaltamos que a função de cada atividade deve ser com-
partilhada com os alunos, pois é importante que eles saibam e
conheçam o que se pretende com determinada proposta, o que
podem aprender com ela e o que se espera que façam.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 131

Além do que dissemos, é importante que as atividades a se-


rem propostas aconteçam num mesmo dia ou ao longo de uma
semana. Devem, ainda, ser diversificadas, pois a diversidade, se-
gundo Brasil (2006, p. 29):
permite que os alunos acompanhem um mesmo conteúdo sob di-
ferentes olhares, por diferentes caminhos, o que permite a eles ter
uma visão mais global sobre o que estão aprendendo.

Você pode se perguntar: diversificar as atividades seria criar


uma novidade a cada dia?
Diversificar as atividades significa, conforme Brasil (2006,
p. 29), criar “atividades que dêem lugar à experiência inteira do
aprender: ver, agir, pensar, fazer, experimentar, com todos os sen-
tidos acionados".
Assim, Zabala (1998, p. 30) afirma que:
Dada a diversidade dos alunos, o ensino não pode se limitar a pro-
porcionar sempre o mesmo tipo de ajuda nem intervir da mesma
maneira em cada um dos alunos e alunas. É preciso diversificar os
tipos de ajuda:
1. fazer perguntas ou apresentar tarefas que requeiram dife-
rentes níveis de raciocínio e realização, possibilitar sempre
respostas positivas, melhorando-as quando inicialmente são
mais insatisfatórias;
2. não tratar de forma diferente os alunos com menos rendimen-
to;
3. estimular constantemente o progresso pessoal.
Mas também é imprescindível diversificar as atividades, a fim de
que os alunos possam escolher entre tarefas variadas, e propor
diversas atividades com diferentes opções ou níveis possíveis de
realização.
Para que tudo isso seja possível, é preciso tomar medidas de or-
ganização do grupo, de tempo e espaço e, ao mesmo tempo, de
organização dos próprios conteúdos, que possibilitem a atenção às
necessidades individuais. Agrupamentos flexíveis, equipes fixas ou
variáveis, trabalho individual, oficinas etc., com o objetivo de dispor
de tempo e oportunidades para proporcionar a todo momento a
ajuda de que cada aluno necessita (disponível em: <http://www.
dominiopublico.gov.br/download/texto/me4550.pdf>. Acesso em:
8 fev. 2010).

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132 © Educação de Jovens e Adultos

7. SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM
Quando os alunos estão agindo mentalmente – escrevendo,
lendo, conversando, ouvindo um caso, ficando atentos a uma ex-
plicação – ou fisicamente, eles estão em atividade na sala de aula.
Se a atividade que o aluno realiza foi planejada pelo profes-
sor com o objetivo de intervir na aprendizagem de algum conteú-
do, essa atividade é denominada de situação de aprendizagem.
Portanto, as situações de aprendizagem são resultantes da ativida-
de planejada pelo professor, sendo combinadas com a intervenção
pedagógica realizada durante essa atividade para incidir na apren-
dizagem dos alunos.
Entretanto, nem toda atividade de classe em que os alunos
estão sempre e necessariamente ativos pode ser considerada uma
boa situação de aprendizagem, uma vez que pode possibilitar uma
aprendizagem muito pequena.
Segundo Brasil (2006, p. 32), na EJA, é comum solicitar aos
alunos atividades mecânicas, como:
1. copiar tudo o que está escrito no quadro, sem saber o que estão
escrevendo;
2. memorizar nomes de letras como se isso ajudasse a ler e a es-
crever;
3. realizar numerosas cópias de listas de palavras que o aluno es-
creveu de forma incorreta do ponto de vista ortográfico, para
que aprenda a escrevê-las corretamente;
4. fazer cópias de tabuadas das quatro operações para que apren-
dam a operar com adições e multiplicações.

As atividades mencionadas anteriormente são consideradas


contraexemplos do que é estar em situação de aprendizagem.
Apresentamos a Tabela 1, na qual você pode ver mais clara-
mente a diferença entre uma atividade e uma situação de aprendi-
zagem por meio de alguns exemplos.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 133

Tabela 1 Situações de aprendizagem.


ATIVIDADES SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM
Desenhar, a partir da discussão de uma experiência vivida
Desenhar
ou de textos lidos, um estudo do meio.
Escrever a continuação de uma história conhecida, uma
Escrever
biografia, um artigo de jornal.
Ler, escolher e memorizar, ensaiar um poema para dizê-lo
Ler
para os colegas.
Participar de um debate sobre tema da atualidade
previamente conhecido e estudado como responsável
Conversar pela defesa de um ponto de vista; conversar sobre
passeios realizados durante o fim de semana, tendo que
descrever espaços visitados.
Acompanhar a leitura de uma história realizada pelo
Ouvir uma história professor ou participar de uma situação de leitura
compartilhada com o professor e os colegas.
Acompanhar uma aula expositiva sobre o desenvolvimento
Ouvir uma explanação do e organização de cooperativas, sabendo que fornece
professor informações importantes para o desenvolvimento da
comunidade onde vive.
Assistir a um seminário ou painel que sintetiza um trabalho
Acompanhar a fala de um de pesquisa realizado por colegas, que contribui para
colega estudos realizados em classe, pedindo esclarecimentos e
anotando as relações que pode fazer com o que já sabe.
Fonte: Brasil (2006, p. 33-34, grifos nossos).

8. ROTINA DE TRABALHO
Rotina é um instrumento para concretizar as intenções edu-
cativas, revelando-se na forma que são organizados os espaços,
os materiais, as propostas e as intervenções do educador. Assim,
“construir uma rotina é tecer uma articulação harmoniosa entre
as atividades, no tempo e no ritmo que se desenvolve o espaço”
(FREIRE, 2006, p. 28).
Conforme Anastaciou e Alves (2005, p. 17), "qualquer si-
tuação de aprendizagem exige uma rotina pedagógica, pois não
ocorrerá de forma espontaneísta ou mágica”. Além disso, exige,
em virtude da intencionalidade e da busca do êxito da ensinagem,

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134 © Educação de Jovens e Adultos

a escolha e a execução de uma metodologia que se operacionaliza


nas estratégias selecionadas, adequadas aos objetivos, aos con-
teúdos do objeto de ensino e, especialmente, aos alunos.
Um trabalho bem estruturado na rotina de uma sala de aula
proporciona maior autonomia aos jovens e aos adultos, que en-
contram um "norte" para direcionar seus esforços.
Para que você compreenda melhor, apresentamos, na Tabe-
la 2, uma rotina estruturada de um grupo de EJA, correspondente
ao primeiro segmento do Ensino Fundamental.

Tabela 2 Rotina semanal.


SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA
Roda de Roda de
conversa. Roda de Roda de conversa. Biblioteca.
Leitura de conversa e conversa. Leitura feita Atividades
notícias leitura feita Leitura feita pelos alunos de escrita
do final de pelos alunos. pelo professor. e com o matemática.
semana. professor.
Atividades
Trabalho Atividades de
Expressões diversificadas Jogos de
individual com matemática
plásticas. (cantos de Lógica.
escrita. em duplas.
trabalho).
Roda de
Trabalho Trabalho Trabalho Trabalho conversa;
em grupo: em grupo: em grupo: em grupo: avaliação da
projetos. projetos. Projetos. Projetos. semana.
Registro Registro Registro Registro Indicações
coletivo do individual do coletivo do individual do de atividades
dia. dia. dia. dia. para o final da
semana.
Fonte: Brasil (2006, p. 41).

A rotina apresentada anteriormente atende a alguns princí-


pios importantes do trabalho com a EJA, como:
1. Todos os dias há um espaço para conversas que giram em torno
da vida dos alunos, dentro e fora da sala de aula (as notícias do
mundo estão presentes às segundas-feiras, as possibilidades de
programação do final de semana e uma avaliação do trabalho
às sextas-feiras).
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 135

2. A leitura, em suas diferentes modalidades, aparece diariamen-


te. Isso tem especial relevância no trabalho: é preciso ler para
aprender, para desfrutar; é preciso exercitar a própria leitura e é
fundamental contar com o modelo leitor do professor (BRASIL,
2006, p. 42).

Finalmente, ressaltamos que uma rotina adequada corres-


ponde ao ritmo, aos interesses e às necessidades dos alunos que
compõem cada grupo, buscando o equilíbrio entre a diversidade e
a constância.

9. A OBSERVAÇÃO E O REGISTRO
A observação e o registro são ferramentas metodológicas
essenciais do(a) professor(a), pelas quais toma ciência da aprendi-
zagem de seus alunos, como também da qualidade dos relaciona-
mentos que acontecem na sua sala de aula entre aluno-professor-
-conhecimento.
Em sua prática pedagógica, essas ferramentas (observação
e registro) estão intrinsecamente relacionadas, mesclando-se nas
diferentes ações que serão desenvolvidas.
Vamos, então, conhecer um pouco mais dessas ações.

Observação
Não fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade,
nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu
em nós paralisia, fatalismo, cegueira (MADALENA FREIRE in BRASIL,
2006, p. 6).

Como podemos perceber, nem sempre nossa capacidade de


observar está suficientemente desenvolvida.
A capacidade de observação, como instrumento de forma-
ção do professor, ocupa um lugar-chave na possibilidade de aper-
feiçoamento de sua prática pedagógica, pois, para o professor,
essa ação é sua principal fonte de informação.
Conforme Brasil (2006, p. 9):

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136 © Educação de Jovens e Adultos

é através de um diagnóstico constante das atuações de seus alunos, a


partir das informações que tem, do que infere ou interpreta, que o(a)
professor(a) pode alcançar uma melhoria em sua prática educativa.
Como ferramenta básica do seu fazer, a observação está presente
nas diferentes atividades de um professor:
• Na busca de compreender cada vez melhor seus alunos. Nes-
te sentido, a observação busca saber como trabalham na sala
de aula, quais seus interesses, suas dificuldades e facilidades,
sua forma de relacionar com os colegas, com o(a) professor(a)
e suas características pessoais: timidez, tranqüilidade, agitação,
concentração, habilidades, sua forma de pensar.
• Na avaliação do que sabem os alunos. A observação contribui
para a análise das hipóteses que quer provar, no que parece
incompreensível, no que é só intuição.
• No acompanhamento do planejamento. Ao acompanhar o de-
senvolvimento das ações planejadas, o(a) professor(a) avalia sua
própria ação, notando os aspectos onde planejou de acordo com
a realidade de sua classe e nos momentos onde se afastou dela.
• No registro do(a) professor(a). A observação cumpre um papel
relevante ao contribuir para a percepção da realidade - objeto
do registro do(a) professor(a). Ela faz notar o que não aparece
com evidência e que exige saber ver, ouvir e interpretar (BRA-
SIL, 2006, p. 9).

Mas como a observação poderá ser feita?


Não há outro caminho: só é possível aprender a observar
observando.
Além do exercício diário de observação, quando comenta
com outros professores e/ou coordenador suas observações, o
professor também aprende.
Três pontos destacam-se no olhar de um professor:
• O da sua atuação como guia dos alunos na busca do conheci-
mento. Questões relativas ao que o(a) aluno(a) percebeu que
aprendeu; o que lhe foi mais significativo; em que aspecto quer
aprofundar o estudo, como foi sua participação no grupo.
• O da dinâmica onde ele (ela) percebe as relações estabelecidas
entre os elementos do grupo e entre o grupo e o seu objeto de
estudo. Entre esses elementos, destacam-se a tensão em torno
do erro, o prazer de conhecer e de ajudar o outro.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 137

• O do aprendizado individual e/ou coletivo, onde seu olhar vai


procurar o que foi mais significativo aprender para os alunos e
para ele (ela). Nesse ponto, pode ser objeto de observação do(a)
educador(a) a forma como trabalhou, como respeitou os diferen-
tes ritmos dos alunos e como socializou suas descobertas com os
outros professores e professoras (BRASIL, 2006, p. 10).

Registro
Escrevo à mão, em caderno, não importa em que lugar da casa. Pre-
firo o lápis à caneta. Sempre carrego o caderno, mesmo em viagem,
para registrar um episódio, um acontecimento que tenha natureza
poético-literária. Sei que é a semente do texto. É meu dever regis-
trar aquilo [...] (PRADO, Adélia. in: BRASIL, 2006, p. 44).

Pensar é uma das formas para aperfeiçoarmos ainda mais


nosso aprendizado. Porém, o pensar que auxilia o aprender é um
pensar organizado, que pergunta e, portanto, vai em busca das
respostas.
Paulo Freire (2006, p. 11), o mais importante educador bra-
sileiro, afirmava que “pensamos melhor quando pensamos a partir
da prática".
No entanto, pensar sobre a prática sem registrá-la tem mui-
tas limitações.
O pensamento acaba se tornando mais uma lembrança e, por ficar
só na oralidade, perde a possibilidade de ser repensado e revisto.
O registro escrito mostra o pensamento de seu autor. O próprio ato
de escrever já leva o(a) professor(a) a um certo distanciamento do
seu fazer, dando-lhe um olhar mais amplo e facilitando a escrita do
seu pensamento (BRASIL, 2006, p. 11-12).

Certamente, é muito importante que o professor estabeleça um


diálogo entre o seu pensamento e o dos autores que o apoiam em seu
referencial teórico. Porém, se não refletir sobre seus registros, o pro-
fessor correrá o risco de ser apenas um copista da teoria de outros.
O registro da prática do professor constitui importante ins-
trumento de aperfeiçoamento de seu trabalho pedagógico, uma
vez que, ao registrar, ele relata sua experiência por meio de pala-
vras que podem ser lidas, revisadas e analisadas concretamente.

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138 © Educação de Jovens e Adultos

Trabalhando com essa representação, ele(a) é estimulado(a) a re-


pensar a prática ali representada. Poderá descobrir atitudes que
deveriam ter sido tomadas, destacar as alternativas adequadas
que foram utilizadas e todo um conjunto de procedimentos que
levariam a melhores resultados. Além disso, o registro da prática
do(a) professor(a) quando comunicado a outros educadores sugere
novas práticas pedagógicas (BRASIL, 2006, p. 14).

Certamente, registrar não é uma tarefa fácil. É preciso or-


ganizar nosso pensamento, o que requererá tomada de decisão e
disciplina.
Em situações informais, é comum observarmos professores
socializando suas experiências, registradas de diferentes formas:
fotos, cartazes, produção do aluno, relato oral. Nessas situações,
os professores exercitam sua comunicação e, consequentemente,
refletem, rememoram e partilham o seu fazer pedagógico.
Apresentando uma diversidade de funções, o registro está a
serviço de diferentes objetivos, quais sejam: refletir, documentar,
organizar, rever, comunicar. Os registros escritos deixam transpa-
recer esses objetivos, obrigando-nos a questionamentos, a levan-
tar hipóteses, tecendo a história de nossos alunos.
Para melhor exemplificarmos o que dissemos até o presente
momento, apresentamos o registro de uma aula de alfabetização
da professora de uma classe inicial de EJA, Maria Célia Rocha.

Um ditado diferente –––––––––––––––––––––––––––––––––––


Hoje fiz ditado diferente com a minha turma. Comecei explicando como seria:
Avisei: “Hoje o nosso ditado vai ser diferente. Todos vão receber uma lista com
os nomes de 10 ônibus que passam pela rua da escola. Vou falar cada um dos
nomes da lista e vocês vão procurar onde está a palavra na lista. Vocês vão pro-
curando os nomes e colocando na frente deles o número que vou dizer.
Mal distribuí as folhas com os nomes das linhas de ônibus, algumas pessoas
começaram a tentar decifrar o que estava escrito:

SÃO MIGUEL
PATRIARCA
IBIRAPUERA
PAISSANDU
ANHANGABAÚ
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 139

PENHA
CLÍNICAS
PRAÇA DA REPÚBLICA
TATUAPÉ
GUAIANAZES

- Esse eu conheço, é “Penha”. Eu pego esse ônibus todos os dias.


- O meu é esse, o “Paissandu”., ele ‘tá’ sempre cheio.
- É ‘São Miguel’. Olha, parece que vai escrever “São Paulo” (e apontou o São),
mais depois muda pra “São Miguel”. Eu descobri isto porque ia lá de ônibus (em
São Miguel) toda semana quando estava doente...”

Comecei o ditado: “Número 1. Vamos encontrar o nome: Praça da República.


Depois, vamos marcar o nome “Praça da República” com o número 1.
Fui seguindo até o final da lista.
Em seguida, fizemos a correção. Copiei, no quadro, a lista que os alunos haviam
recebido. Perguntei: “Quem quer mostrar, no quadro, onde está escrito ‘Praça da
República’?”.
Bem rápido, José foi até o quadro e apontou, com acerto, o nome ditado. Fez
questão de escrever na frente o número 1.
Sabendo que os alunos não liam convencionalmente, perguntei como haviam
chegado àquela solução. Era uma boa oportunidade de aprendizagem para os
que ainda não haviam construído recursos de leitura. Queria, também, que eles
fizessem relações, comparações, entre a lista que era nova e o que já sabiam.
Que pensassem sobre como se escreve.
- Era o único nome que tinha três partes: praça/da/república (Ivo).
- Porque é um nome muito comprido e os outros são mais pequenos (Diva).
- Porque praça tem P no começo (Maria B.).
Provoquei a turma mostrando outras palavras da lista que também começavam
com a letra P. Foi um grande barulho.
- O jeito é olhar também para o fim e vê como é que acaba (Gilda).
- É isto mesmo porque Paissandu acaba com “du” e é menor (Rosário).
[...]
Fomos até o fim da lista, sempre comentando sobre a forma usada para desco-
brir as palavras procuradas. Para ajudar, muitas vezes relacionei a palavra ditada
com nomes de alunos ou outras palavras já conhecidas.
Percebi que para alguns alunos era difícil arriscar, fazer tentativas. Acreditavam
que só errariam. Quando corrigíamos, alguns deles conseguiram se soltar com
os comentários dos colegas.
O interesse foi grande por se tratar da lista de ônibus do bairro. Muitos usavam
estes ônibus, diariamente, mas só observavam o número e a cor. No final, dis-
seram que, agora, olhariam também para os letreiros (BRASIL, 2006, p. 28-30).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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140 © Educação de Jovens e Adultos

Observe que há riqueza nas descrições apresentadas, permi-


tindo ao leitor imaginar a situação da sala de aula: os alunos falan-
do, debatendo, o professor intervindo e os conhecimentos sendo
construídos.
Ao relatar graficamente a sequência de atividades, o profes-
sor documenta a trajetória que ele e seu grupo percorreram para
pensar e aprender sobre determinado tema, apontando formas de
intervenção(ões) para a dinâmica vivenciada.
Há inúmeras formas de registrar e todas têm seu significado.
Porém, destacamos o registro escrito por entendermos que este,
por suas características, é um importante instrumento de aprimo-
ramento.
Embora possa trazer satisfação, reconhecemos que escrever
é um ato difícil. Assim, sugerimos algumas formas de organização
que podem contribuir para sua construção com relação:

Ao ato de registrar ––––––––––––––––––––––––––––––––––––


a. Ter um caderno para registrar fatos e comentários acontecidos ou rela-
cionados à sala de aula.
b. Organizar uma pasta para guardar as produções dos alunos, os plane-
jamentos, os textos que foram utilizados na realização de um determi-
nado trabalho, suas reflexões sobre ele e tudo mais que julgar signifi-
cativo.
c. Utilizar fichas com questões que orientam o registro.
d. Em relação ao tempo:
• Todos os dias, dedicar algum tempo para escrever sobre o vivido em
relação ao trabalho educativo. Esse tempo pode variar de acordo
com suas possibilidades. Mesmo que bem pequeno, 10, 15 minutos,
a criação de uma rotina ajuda muito a capacidade de registrar.
• Síntese semanal: uma vez por semana, escolher um ou mais aspec-
tos do trabalho para documentar mais detalhadamente.
• Registro final: concluído o projeto, estudo ou período de aula, é che-
gada a hora de escrever sobre o caminho percorrido, as conquistas,
as dificuldades, o que ainda continua sendo um desafio, os resulta-
dos conseguidos e as suas sensações na realização do trabalho [...]
(BRASIL, 2006, p. 46-47).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Trabalhando há algum tempo com o registro do professor,
Cezar Sena comenta as diferentes formas do registro:
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 141

Diferentes formas de registro–––––––––––––––––––––––––––


Existem vários meios e funções para o ato de registrar. O meio mais comum é
o registro escrito. Temos o registro fotográfico, o registro sonoro, pictográfico,
registro cinematográfico – filmes em vídeo e DVD –, registro mental – nossas
memórias etc. No que se refere ao ato de registrar por escrito, destacamos três
formas: a dissertativa, a narrativa e a descritiva.
Escrever de forma dissertativa é expor opiniões, pontos de vista fundamenta-
dos em argumentos e raciocínios baseados em nossa vivência, nossas leituras,
nossas posturas, nossas conclusões a respeito da vida, dos colegas e de nós
mesmos. Exerce-se, assim, o direito de ter idéias e expressá-las, respeitando as
idéias dos outros, assumindo uma postura que problematize a realidade e mostre
os fundamentos de tal problematização.
A narração é uma das mais antigas e fecundas expressões da linguagem. É uma
aventura que tem o poder de nos fazer viajar, mergulhar nos relatos alheios e perceber
neles os nossos próprios relatos, subentendidos ou explicitados, vividos ou sonhados.
Narrar é contar, relacionar situações e personagens no tempo e no espaço, é
perceber o que aconteceu, o que poderia ter acontecido e contar, relatar, repartir
com os ouvintes ou leitores as histórias de nossas histórias.
Para se descrever algo, consideram-se primariamente dois elementos: quem ob-
serva e o objeto a ser observado. Descrevemos fatos e acontecimentos com base
no que conseguimos captar através dos nossos sentidos. Quanto mais amplas fo-
rem nossas observações, maior será a riqueza de detalhes do material registrado,
facilitando a reconstrução, possibilitando maior reflexão por parte do leitor.
Independente do estilo de escrita de cada professor, se faz necessário reforçar
o princípio básico da reflexão e da intencionalidade nesta ação. Registrar para
refletir. Refletir para tomar consciência do momento presente para redirecionar,
se necessário, sua prática (BRASIL, 2006, p. 48-49).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A fim de melhor compreender e pensar sua prática pedagógi-
ca, são muitos os temas que podem ser registrados e que orientam
o professor em sua compreensão do ato de ensinar, bem como a
sua forma de ver o mundo e a realidade.
Com relação aos temas a serem registrados, sugerimos:

Sugestões de registro––––––––––––––––––––––––––––––––––
a) Registrar sobre quem são as alunas e alunos.
b) Escrever sobre experiências positivas vividas na semana: quais e por que
foram positivas.
c) Escrever sobre experiências que não tiveram êxito: quais e por quê.
d) Escrever como os alunos escrevem, calculam, resolvem problemas mate-
máticos, pensam o mundo, a vida.
e) Escrever sobre a dinâmica do grupo.
f) Escrever idéias de continuidade, de aprofundamento ou de mudanças ne-
cessárias.

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142 © Educação de Jovens e Adultos

g) Escrever sobre os pontos fortes do trabalho ou estudo e sobre os pontos


que precisam ser revistos ou mudados.
h) Escrever sobre as próprias aprendizagens durante um certo tempo: se-
mestre ou ano, por exemplo (BRASIL, 2006, p. 49).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Finalmente, o uso constante do registro em sala de aula tor-
na o professor autor de sua teoria e, consequentemente, ajuda-o
a atuar positivamente em sua sala de aula.

10. AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


(EJA)
Diante dos grandes desafios presentes no processo de ensi-
no e aprendizagem, um tema bastante discutido pelos especialis-
tas e pelos profissionais da área da educação é a avaliação.
A fim de favorecer a aprendizagem, a avaliação na perspec-
tiva inclusiva da Educação de Jovens e Adultos vai além das avalia-
ções classificatória, recriminatória, excludente e competitiva, uma
vez que requer práticas formativas e reflexivas.
A avaliação formativa justifica-se por ser contínua e processual: o
momento investigativo de diagnóstico é tão importante quanto o
momento de aferição de resultados. Nesta, realizada com partici-
pação, diálogo e negociação entre educadores e educandos, forne-
ce aos agentes educativos elementos de análise e julgamento que
permitem planejar e rever, continuamente, as decisões relativas ao
processo de construção do conhecimento (BRASIL, 2010).

Assim como em outras modalidades, a avaliação na EJA deve


ser processual, auxiliando na aprendizagem e fortalecendo a au-
toestima dos educandos. Deve permitir, ainda, que esses jovens e
adultos possam acompanhar suas conquistas, suas dificuldades e
suas possibilidades ao longo do processo de aprendizagem.
Buscando trilhar o melhor caminho para garantir a evolução
de todo o grupo, a avaliação formativa compreende, diante da di-
versidade dos alunos da EJA, que todos possuem ritmos e proces-
sos de aprendizagem diferentes.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 143

11. COMO AVALIAR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS (EJA)
Com o intuito de executar bem um plano, fazendo os ajus-
tes necessários para que os seus objetivos se cumpram, o edu-
cador da modalidade de ensino EJA deve ter constante postura
avaliativa.
Ao longo de todo o processo, deve avaliar tanto a dinâmica geral
do grupo, que lhe vai dar indicações quanto à necessidade de mo-
dificar as linhas gerais do plano, quanto o desempenho de cada um
dos alunos, indicando a necessidade de criar estratégias pontuais.
Assim, não se avalia somente o que os alunos, homens e mulheres
trabalhadores sabem ou não fazer, mas avalia também a proposta
pedagógica e a adequação do tipo de ajuda que o educador está
oferecendo a seus alunos (RIBEIRO, 2010).

É fundamental mencionar a importância de os educandos jo-


vens e adultos participarem da avaliação contínua de suas apren-
dizagens, alcançando, assim, mais consciência e controle sobre
seus conhecimentos e suas atividades.
A tomada de consciência implica o reconhecimento tanto do que
já sabem como do que ainda precisam ou desejam saber. Por isso,
o educador deve cuidar para não enfatizar apenas os erros ou as
ignorâncias dos educandos, mas também tornar evidente para eles
tudo o que já conseguiram aprender (BRASIL, 1996, p. 226).

A avaliação continuada das aprendizagens dos alunos nor-


teia o professor de elementos, a fim de que possa proceder a uma
avaliação final do processo.
Entretanto, os critérios de avaliação final referem-se às
aprendizagens essenciais e àquelas que os alunos jovens e adultos
já teriam condições de ter aprendido no período proposto.
As aprendizagens essenciais nesse nível de ensino, corres-
pondente aos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, estão
relacionadas aos procedimentos, isto é, ao "saber fazer". O princi-
pal objetivo é que o educando aprenda a aprender.
Todavia, segundo Brasil (1996, p. 228):

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144 © Educação de Jovens e Adultos

as pessoas só aprendem a aprender aprendendo diversas coisas es-


pecíficas e é isso que justifica a diversidade de objetivos propostos
àqueles que são essenciais, procurando explicitar e negociar isso
também com os educandos.

Em um programa de alfabetização:
[...] é possível promover muitas aprendizagens que podem melho-
rar significativamente as condições de inserção profissional e so-
cial dos educandos e, principalmente, promover sua confiança na
própria capacidade de aprender. [...] É fundamental, portanto, que
o ensino fundamental de jovens e adultos considere a importân-
cia de que os educandos continuem aprendendo, seja dentro do
sistema de ensino formal, seja aproveitando ou lutando por mais
oportunidades de se desenvolverem como trabalhadores, como ci-
dadãos e como seres humanos (BRASIL, 1996, p. 229).

Para avaliar as atividades de ensino, apresentamos, a seguir,


alguns critérios:
1. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se per-
mite ao aluno tomar decisões razoáveis de como desenvolvê-la
e ver as conseqüências de sua escolha.
2. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se atri-
bui ao aluno um papel ativo em sua realização.
3. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se atri-
bui ao aluno uma investigação de ideias, processos intelectuais,
acontecimentos ou fenômenos de ordem pessoal ou social e o
estimula a comprometer-se com ela.
4. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se atri-
bui ao aluno interagir com a sua realidade.
5. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se pode
ser realizada por alunos de diversos níveis de capacidade e com
interesses diferentes.
6. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se obri-
ga o aluno a examinar idéias ou acontecimentos que normal-
mente são aceitos pela sociedade.
7. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se colo-
ca o aluno e quem ensina em uma condição de êxito, fracasso
ou crítica.
8. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se obri-
ga o aluno a reconsiderar e a revisar seus esforços iniciais.
9. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se leva
a aplicar e dominar regras significativas, normas ou disciplinas.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 145

10. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se ofe-


rece ao aluno a possibilidade de planejá-la com outros, partici-
par de seu desenvolvimento e comparar os resultados obtidos.
11. Em iguais condições, uma atividade é preferível a outra se é
relevante para os propósitos e interesses explícitos dos alunos
(RATHS, 1973 in BRASIL, 2006, p. 43-44).

12. TEXTOS COMPLEMENTARES


A leitura dos textos que veremos será de grande importância
para complementar o estudo desta unidade.
O Texto 1 discutirá as diferentes dimensões do processo de
avaliação diagnóstica na EJA, bem como sua relevância.

Texto 1
Diagnosticar o que sabem os jovens e os adultos: ponto de
partida para a aprendizagem*–––––––––––––––––––––––––––

Cláudia Lemos Vóvio


Ação Educativa/SP
O presente artigo tem como objetivo discutir a relevância e as diferentes dimen-
sões do processo de avaliação diagnóstica na Educação de Jovens e Adultos.
Deu-se especial atenção aos usos que o educador pode fazer de indicadores
coletados no processo de avaliação e à sistematização dessas informações para
guiar o planejamento e as escolhas didáticas para essa modalidade educativa.
Nas sociedades ocidentais, urbanas e burocratizadas, a escola tem como função
a transmissão de uma parte da cultura historicamente construída, preparando os
indivíduos para o compartilhamento de práticas sociais valorizadas. A linguagem
escrita, os conhecimentos científicos e o modo como são produzidos são os con-
teúdos mais relevantes de que se ocupa a escola, promovendo, dessa forma,
o acesso dos indivíduos à cultura da qual fazem parte. Pode-se afirmar que a
escolarização e o conseqüente domínio da linguagem escrita, além de serem
elementos centrais na socialização dos indivíduos, promovem a aquisição de um
conjunto de conhecimentos, de instrumentos e de habilidades de pensamento
que condicionam a participação plena na sociedade e o exercício da cidadania.
Muitos pesquisadores se dedicaram ao estudo comparativo entre sociedades
letradas e não-letradas, investigando o funcionamento cognitivo de pessoas em
diferentes culturas, buscando explicações e generalizações sobre as diferenças
interculturais nos processos de pensamento. Um consenso entre esses investi-
gadores é que a escolarização, mais que qualquer outro fator, promove transfor-
mações no pensamento, gerando diferenças na maneira de enfrentar as tarefas
propostas nas investigações (TULVISTE, 1991).

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146 © Educação de Jovens e Adultos

Uma pergunta subjacente a essas pesquisas é a de como sujeitos pouco ou não


escolarizados pertencentes a sociedades letradas operam cognitivamente, já
que convivem, em sociedades letradas, com situações nas quais a linguagem es-
crita é central. Nesse convívio, esses sujeitos tomam a linguagem escrita como
objeto, refletindo sobre suas características e funcionamento, criam representa-
ções sobre sua função social e elaboram estratégias e respostas às demandas
que essas práticas propõem.
No caso do Brasil, 15,57% da população com 15 anos ou mais são considerados
analfabetos (IBGE, 1996), e 32,24% freqüentaram menos de quatro anos de es-
cola (IBGE, 1997). De modo geral, pode-se afirmar que essa parcela substancial
da população não teve acesso aos modos de operar tipicamente letrados, por
não compartilhar de práticas culturais próprias da sociedade da qual faz parte
e, em conseqüência, de procedimentos, de modalidades de operação cognitiva
e de conhecimentos característicos das sociedades modernas. Como conse-
qüência, jovens e adultos pouco ou não escolarizados, mesmo se encontrando
imersos em situações nas quais a linguagem escrita é central, estariam alijados
dessas práticas culturais, diferentemente daqueles que passaram pelo processo
de escolarização.
Pesquisas realizadas por Oliveira (1995 e 1998) têm trazido importantes insumos
para a compreensão das diferenças no modo de operação cognitiva de sujeitos
não ou pouco escolarizados, pertencentes a sociedades letradas. A autora afirma
que jovens e adultos excluídos do processo de escolarização, portanto do com-
partilhamento de práticas culturais socialmente valorizadas, apresentariam dife-
renças na maneira como realizam operações cognitivas quando comparados aos
modos tipicamente letrados de pensamento. Oliveira (1995) aponta para a difi-
culdade de esses sujeitos operarem com categorias genéricas e com problemas
cujas informações fogem ao contexto concreto e à experiência pessoal (pensa-
mento descontextualizado) tomarem consciência sobre os próprios processos
e ações intelectuais (procedimentos metacognitivos) e controlarem a produção
cognitiva no que tange à capacidade de seguir instruções e controlar as etapas
envolvidas num processo. Indica também que, para além da escola, outras ativi-
dades desenvolvidas pelas pessoas poderiam contribuir para o desenvolvimento
de habilidades cognitivas: o trabalho, a participação política em movimentos so-
ciais e sindicais ou, ainda, atividades que se desvinculam da experiência
concreta das pessoas, que promovam a reflexão e o distanciamento de rotinas.
Sob essa perspectiva, a análise de como pessoas não ou pouco escolarizadas
operam cognitivamente e participam de situações comunicativas pode oferecer
importantes informações para que se possa compreender e explicar as estraté-
gias e os procedimentos que elas usam, distintos daqueles mecanismos utiliza-
dos por pessoas que passaram pelo processo de escolarização e, conseqüen-
temente, dominam a escrita e dela fazem uso. No caso da Educação de Jovens
e Adultos, é o ponto de partida para estabelecer diretrizes curriculares, delinear
objetivos, selecionar conteúdos e estabelecer formas do fazer docente adequa-
das às especificidades dessa modalidade de ensino público atendido.
Os jovens e os adultos, antes mesmo de ingressarem na escola, possuem uma
série de conhecimentos, pontos de vista, procedimentos, crenças e valores, que
se relacionam tanto direta como indiretamente ao que aprenderão na escola.
A consideração de que jovens e adultos são portadores de cultura e dominam
uma série de conhecimentos, habilidades, procedimentos e representações so-
bre a linguagem escrita e outros domínios do conhecimento não é nova para
muitos professores e pesquisadores, mas suas implicações para as práticas
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 147

que se estabelecem em salas de aula são ainda pouco sistematizadas. A razão


para conhecer o que eles já sabem se deve à constatação de que as pessoas
quando deparam com determinada situação mobilizam aquilo que já sabem para
enfrentá-la. Quando uma pessoa enfrenta uma nova aprendizagem, arma-se de
uma série de conceitos, representações, valores, procedimentos e conhecimen-
tos adquiridos ao longo de sua existência em experiências anteriores. São essas
chaves de leitura e interpretação que permitem uma primeira aproximação ao
novo e condicionam, inicialmente, o que utilizar e como fazer para aprender.
Além de permitir esse contato inicial com um novo conteúdo, esses conhecimen-
tos prévios são os fundamentos destinados à construção de novos significados e
sentidos para o que se aprende.
Há muito por descobrir sobre como esses conhecimentos prévios são construí-
dos, que tipos de relações os educandos estabelecem ao aprender algo novo
e como tomá-los como referência para a elaboração de currículos e planos de
ensino. Esforços devem ser empreendidos no sentido de explicar como jovens
e adultos adquirem conhecimentos, como formulam suas teorias e crenças em
diferentes campos do conhecimento. Para o professor, esse é um campo investi-
gativo novo, no qual há muito por se fazer, referindo-se basicamente a uma etapa
do processo de avaliação: a avaliação diagnóstica ou inicial.

Avaliação diagnóstica ou inicial: o que é e para que serve?


Durante muito tempo, a avaliação restringiu-se ao levantamento de informações
sobre os resultados de aprendizagem obtidos pelos alunos, que eram tidos como
únicos responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso escolar. Hoje, sabe-se que o
ato de avaliar pode servir a outros fins que não se restringem apenas a saber se
o aluno alcançou ou não certos objetivos de aprendizagem. A avaliação engloba
diferentes sujeitos e objetos e possui diversas funções, especialmente quando é
concebida como um elemento do planejamento e como uma prática que integra
o processo de ensino e aprendizagem.
As práticas pedagógicas englobam sempre mais que um sujeito: os educandos e
os educadores. Assim, devemos considerar que a avaliação tem de focalizar tan-
to o processo de aprendizagem quanto o tipo de ensino que se promove. Quando
focalizada no aluno, a avaliação se torna instrumento de análise do processo de
aprendizagem e verifica o desenvolvimento de competências (capacidades, ha-
bilidades e atitudes, a aquisição de conhecimentos e sua capacidade de aplicá-
-los em diferentes situações). Quando focalizada no educador, a avaliação se
torna instrumento de análise do processo de ensino planejado e executado, de
suas expectativas em relação ao grupo ou a cada aluno, da adequação dos con-
teúdos e das estratégias didáticas. Nessa perspectiva, a avaliação se presta ao
acompanhamento do processo de aprendizagem de cada aluno e do grupo de
alunos e, ao mesmo tempo, à regulação do planejamento e à verificação de sua
adequação às necessidades de aprendizagem.
Outro equívoco freqüente relativo à avaliação é a visão de que é algo que deve
ser realizado apenas no final de alguma etapa do processo de ensino e aprendi-
zagem. Na realidade, a avaliação só terá um valor educativo para o aluno e para
o educador se for encarada como processual, que integra a prática educativa
do início ao fim. O ponto de partida para a aprendizagem dos alunos implica
investigar pelo menos três domínios: a disposição dos alunos para aprender,
os instrumentos e as habilidades de que dispõem e sua bagagem de conheci-
mentos prévios. Uma avaliação diagnóstica ou inicial é essencial para que se

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148 © Educação de Jovens e Adultos

tome conhecimento do que os alunos já sabem, quais procedimentos dominam,


que atitudes os predispõem ou indispõem para realizar a aprendizagem do con-
teúdo em pauta. Tendo essas informações, o educador pode ajustar seu plano
de intervenção pedagógica, adequando-o às condições em que seus alunos se
encontram.

A disposição dos educandos para aprender


Os jovens e os adultos apresentam uma determinada disposição para realizar
as aprendizagens escolares. Essa disposição ou modo como abordam a situa-
ção de aprendizagem é, em muitos casos, previsível e pode ser explicada por
inúmeros fatores de tipos pessoal e social. A auto-imagem e a autoestima, suas
experiências anteriores de aprendizagem, sua capacidade de assumir riscos,
sua persistência diante de desafios, sua capacidade de pedir, receber e oferecer
ajuda são alguns aspectos do tipo pessoal, aspectos subjetivos que influem no
desempenho deles diante da aprendizagem.
Relacionados aos fatores de ordem pessoal, temos fatores sociais, tão importan-
tes de serem identificados como os anteriores. Reconhecer as condições de vida
e sociabilidade dos educandos nos dá pistas para planejar situações de apren-
dizagem. A idade, as características socioculturais, a inserção ou não no mundo
do trabalho, o local de moradia, a relação com o lazer e a produção cultural, entre
outros, são elementos que variam de modo significativo e podem ser decisivos
na seleção do que e como ensinar.
Além desses, outros elementos, como a representação inicial dos alunos sobre
seu professor e seus colegas, sobre o conteúdo e a tarefa propostos (e seu inte-
resse por ela), também influem diretamente no modo como se posicionam diante
da aprendizagem e no sentido que lhe atribuirão.
Para levantar informações desse tipo, é preciso saber dialogar, ouvir e observar
os educandos – pressupõe uma postura investigativa por parte do professor. É
preciso se deixar levar pela curiosidade de saber quem são, de ouvir suas his-
tórias de vida, de identificar os desafios que enfrentam cotidianamente e prestar
atenção ao que dizem, de observar como e por que se mobilizam. Entrevistas in-
dividuais e em grupos, dinâmicas de apresentação, fichas de apresentação feitas
pelos alunos e produções de textos podem ser bons instrumentos para identificar
as condições de vida e a disposição para aprender dos educandos.

Os instrumentos, as estratégias e as habilidades para aprender


Os jovens e os adultos dispõem de determinadas capacidades, instrumentos,
estratégias e habilidades gerais, que colocam em jogo diante de situações de
aprendizagem. As capacidades cognitivas são ferramentas do pensamento,
como a capacidade de abstrair, generalizar, pensar sobre o próprio pensamento,
planejar etapas para desenvolver determinada atividade, controlar e avaliar o
próprio processo de pensamento.
Além dessas capacidades, contam ainda com instrumentos, como a linguagem
escrita e a representação numérica, e com habilidades, geralmente aprendidas
no trabalho e em experiências anteriores na escola, como tomar medidas, prever
e planejar ações, tomar notas, sublinhar, resumir, ter estratégias para pesquisar,
entre outras.
Descobrir quais capacidades, instrumentos e habilidades possuem é também
um fator decisivo para a organização de situações de aprendizagem. Trata-se de
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 149

saber se dispõem das ferramentas necessárias para enfrentar a atividade plane-


jada. Os próprios alunos são fontes fundamentais para identificar os recursos de
que dispõem e aqueles que o professor precisa desenvolver para que realizem
determinada tarefa. No caso de esses educandos terem passado por outras tur-
mas ou séries do processo de escolarização, pode-se consultar documentos,
como:
• os referenciais curriculares dos ciclos anteriores, verificando quais competên-
cias estavam previstas para serem desenvolvidas pelos alunos;
• os planos de ensino e os registros de atividades dos professores que acompa-
nharam seu grupo numa série anterior;
• os resultados de determinadas atividades elaboradas pelos alunos, como re-
latórios de pesquisa, produções textuais, trabalhos de final de curso, provas
finais, entre outros materiais;
• os dossiês de alunos, relatórios ou boletins, nos quais se possa identificar seu
desempenho diante de situações de aprendizagem;
• os livros didáticos utilizados em séries anteriores.

Os conhecimentos prévios
Os jovens e os adultos, antes mesmo de ingressarem na escola, possuem uma
série de conhecimentos, pontos de vista, crenças e valores, que se relacionam
tanto direta como indiretamente ao que aprenderão na escola. Esses conheci-
mentos são construídos nas experiências de vida e de trabalho, sendo gerados
como respostas a necessidades e a problemas. Funcionam para o contexto em
que foram desenvolvidos, mas não são generalizáveis e, muitas vezes, não são
representados segundo normas e convenções disseminadas pela escola.
Além de permitir o contato inicial com um novo conteúdo, esses conhecimentos
prévios são os fundamentos da construção de novos significados e sentidos para
o que se aprende. Uma aprendizagem é tanto mais significativa quanto mais rela-
ções o aluno for capaz de estabelecer entre o que já conhece e o novo conteúdo
que lhe é apresentado como objeto de aprendizagem.
O ponto de partida para novas aprendizagens consiste nos conhecimentos pré-
vios dos alunos. Sempre que se inicia uma nova aprendizagem, é preciso saber
o que os alunos já sabem e partir dessas constatações para regular as etapas,
rever a seleção do que se pretende ensinar, prever o que deve ser enfatizado ou
diminuído, que recursos poderão colaborar para a aprendizagem (textos, ima-
gens, gráficos, filmes etc.), entre outras ações.
O professor pode adotar dois critérios básicos para identificar os conhecimentos
prévios dos educandos:
• as competências que se quer desenvolver e os conteúdos a serem aprendidos,
ou seja, o que os alunos precisam para poder entrar em contato, desenvolver
e atribuir significado inicial ao que se pretende que eles aprendam;
• os objetivos da aprendizagem, isto é, o que se quer que os alunos aprendam
sobre esses conteúdos.
Conhecer os educandos demanda do professor uma atividade que se realiza pelo
menos em três dimensões. Implica construir instrumentos, delinear estratégias e
criar mecanismos de registros mediante os quais se identifiquem a disposição
dos educandos para aprender; as capacidades, os instrumentos, as estratégias e
as habilidades que possuem para aprender, e os conhecimentos, as informações

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150 © Educação de Jovens e Adultos

e os fatos adquiridos por eles nas atividades sociais de que participam. Enfim,
radiografar e compreender o que se passa dentro de suas cabeças, o que sa-
bem, o que desejam, o que os motiva para aprender é uma estratégia privilegiada
para adequar o ensino às suas necessidades e expectativas de aprendizagem
(VÓVIO; MANSUTTI, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Querendo contribuir com os educadores que atuam na EJA,
o Texto 2 apresenta ideias sobre a construção de uma avaliação
democrática.

Texto 2
Avaliação: aspecto curricular que garante mudanças na
prática educativa dos professores e êxito nas aprendizagens
dos alunos–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Maria Amábile Mansutti


PCN em Ação – SEF/MEC
Resumo

Este texto pretende trazer alguma contribuição para os educadores que atuam
na Educação de Jovens e Adultos e estão preocupados com a questão da ava-
liação, reconhecendo que as práticas rotineiras muitas vezes são utilizadas como
atos de uso e abuso de poder e, de modo geral, contribuem para que o fracasso
escolar seja encarado como fracasso pessoal do aluno.
Ele apresenta idéias sobre a construção de uma avaliação democrática, que res-
peita o direito de os alunos serem informados sobre seus processos de apren-
dizagem, e critérios utilizados para avaliá-los e de serem orientados e ajudados
em suas dificuldades. Sem informação, não é possível promover participação,
reflexão, compreensão de erros e êxitos e, também, não é possível garantir que
os alunos assumam responsabilidades perante a própria aprendizagem e se sin-
tam estimulados para progredir.
Mais que isso, o texto aponta a necessidade de que os alunos participem efeti-
vamente dos processos de avaliação, por meio de negociações e acordos esta-
belecidos com o professor, nos quais se definem objetivamente as finalidades,
as ações, as condições de realização, as responsabilidades e a colaboração na
tomada de decisões.

Introdução
As análises e as considerações sobre avaliação tratadas neste texto pressupõem que
se tomem como eixo central dois aspectos a partir dos quais elas foram construídas.
1. A perspectiva atual que tem orientado a construção dos currículos escolares.
Nas últimas décadas, os currículos estão voltados para o desenvolvimento de
capacidades e competências fundamentais para o exercício da cidadania e co-
locam em relevância o contexto social em que se produz a aprendizagem dos
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 151

alunos. É essa perspectiva que tem orientado a elaboração dos documentos


curriculares recentemente produzidos pelo MEC.
2. O reconhecimento de um distinto e singular perfil da clientela da Educação de
Jovens e Adultos. Essa clientela caracteriza-se pela heterogeneidade de ex-
periências, demandas, necessidades e motivações, pelo domínio de um amplo
e diversificado rol de conhecimentos, construídos a partir da experiência do
cotidiano, e por peculiares disponibilidades para novas aprendizagens.
A avaliação como elemento constituinte do currículo e a tomada de decisões di-
recionadas para o aprimoramento das aprendizagens dos alunos são questões-
-chave para quem ensina no segmento de jovens e adultos.
Se, por um lado, somos conscientes de que mudanças na definição de objeti-
vos, na maneira de conceber a aprendizagem, na interpretação e na abordagem
dos conteúdos, implicam repensar as finalidades da avaliação, por outro lado,
também sabemos que é por meio da avaliação praticada que revelamos nossas
incoerências pedagógicas.
Por mais que compactuemos com as idéias inovadoras sobre currículo e afirme-
mos que elas orientam nosso trabalho em sala de aula, a forma como avaliamos os
alunos é que mostra o quanto nosso desejo está sendo concretizado. A avaliação
põe a descoberto o chamado currículo oculto dos professores, e é por ele que se
reconhecem facilmente os objetivos implícitos, que seguramente foram promovi-
dos de forma significativa e os alunos perceberam como mais importantes.
Portanto, a prática pedagógica efetivamente exercida e a avaliação praticada são
atividades inseparáveis que se condicionam mutuamente. Infelizmente, também
sabemos que, de modo geral, a avaliação é o aspecto do trabalho docente que
menos tem motivado o professor e talvez mais o aborreça, enquanto para os
alunos é a atividade mais temida e menos gratificante.
Se for legítimo o desejo de aprimorar a prática pedagógica, no sentido de que ela
contribua significativamente para a aprendizagem dos alunos, temos de começar
a construir esse caminho revendo a avaliação.

O caminho percorrido
Aos poucos, estamos abandonando a idéia de avaliar como prática para medir
resultados, em prol de outra idéia que a considera como prática de análise do
processo e identificação de obstáculos à aprendizagem.
Isso se deve à forte influência da perspectiva construtivista, que preconiza a apren-
dizagem como uma construção do sujeito, para a qual concorrem, em igual nível
de importância, as idéias prévias sobre o que se está aprendendo, a compreensão
da proposta apresentada e as estratégias mobilizadas para resolvê-la.
No interior dessas novas idéias, surge uma nova concepção de avaliação. Avaliação
como processo ou avaliação formativa, termo introduzido em 1967 por M. Scriven para
se referir aos procedimentos utilizados pelos professores com a finalidade de adequar
seu trabalho aos progressos e às necessidades de aprendizagem dos alunos.
Embora ainda não seja amplamente praticada, a avaliação formativa não é uma
novidade para os professores, e podemos afirmar que, no plano das represen-
tações, há um certo consenso em relação à sua relevância e à compreensão de
seus aspectos mais importantes:
• Considerar a aprendizagem um amplo processo em que o aluno vai reestrutu-
rando seu conhecimento por meio das atividades que lhes são propostas.
• Buscar estratégias e seqüências didáticas adequadas às condições de apren-
dizagem dos alunos.

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152 © Educação de Jovens e Adultos

• Ampliar os conhecimentos do professor sobre os aspectos cognitivos dos alu-


nos. Compreender como o aluno aprende, identificar suas representações men-
tais e as estratégias que utiliza para resolver uma situação de aprendizagem.
• Interpretar os erros não como deficiências pessoais, mas como manifestação
de um processo de construção. A construção do conhecimento supõe a supe-
ração dos erros por um processo sucessivo de revisões críticas. Considerar os
erros como objetos de estudo, uma vez que eles revelam as representações e
as estratégias dos alunos.
• Diagnosticar as dificuldades dos alunos e ajudá-los a superá-las.
• Evidenciar aspectos de êxito nas aprendizagens.
Influenciados por essas idéias, os professores têm tentado, ainda que em tímidas
experiências, modificar suas práticas de avaliação. Assim, procuram identificar os
conhecimentos iniciais dos alunos sem recorrer a provas e testes; buscam com
mais freqüência adaptar as programações em função de resultados de diagnós-
ticos iniciais; detectam erros e dificuldades, reforçam êxitos nas aprendizagens.
Enfim, procuram observar não só os resultados, mas também os processos de
aprendizagem de seus alunos.
Porém, essas experiências também têm colocado dificuldades de ordens diver-
sas e bastante complexas para os professores, como, por exemplo: identificar as
causas que provocam erros na aprendizagem, decidir sobre a intervenção ade-
quada para superar determinadas dificuldades dos alunos, realizar a avaliação
formativa em classes numerosas ou, quando o professor atua em várias turmas,
dispor de tempo e instrumentos apropriados para recolher informações etc.
Para avançar, no sentido de encontrar respostas para essas questões, é preciso
inicialmente considerar que a avaliação não pode ser um processo de respon-
sabilidade única do professor, uma vez que ela implica uma grande quantidade
de decisões a serem tomadas, em distintas singularidades de cada situação di-
dática que se avalia e em supor os contextos heterogêneos em que ocorrem as
aprendizagens. É preciso, portanto, incorporar outros aspectos que permitam ao
professor compartilhar a avaliação e poder praticá-la com a função de regular
o processo de ensino e aprendizagem. Isso implica buscar informações para
compreender como cada aluno atua diante das tarefas propostas e possibilitar
os meios de formação que respondam adequadamente às características parti-
culares desses alunos.
Aspectos que precisam ser incorporados pelo professor para pensar a avaliação
como função reguladora da aprendizagem:
• A aprendizagem se concebe como uma construção pessoal do sujeito que
aprende, influenciada tanto pelas características pessoais – esquemas de pen-
samento, idéias prévias, motivação, experiências anteriores etc. – como pelo
contexto social em que ela se desenvolve.
• O êxito na aprendizagem também é garantido pelas mediações que se produzem
entre o aluno e o professor, entre o aluno e os demais. Em função de esquemas
de conhecimentos diversos e de contextos culturais diferentes, os alunos nem
sempre percebem, da mesma maneira, as demandas do professor. Por isso,
é necessário promover processos de negociação que possibilitem aos alunos
compartilhar as mesmas idéias sobre os objetivos a serem atingidos.
• A aprendizagem pode ser favorecida se os alunos se apropriarem progressi-
vamente, por meio de situações didáticas adequadas, dos instrumentos e dos
critérios de avaliação do professor.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 153

• A autonomia dos alunos é promovida quando o professor compartilha com eles


o controle e a responsabilidade sobre suas aprendizagens, mediante estra-
tégias e instrumentos de auto-avaliação que propiciem a construção de um
sistema pessoal para regular seus processos de aprendizagem.
Esses novos aspectos imprimem um caráter comunicativo e abrem novas pers-
pectivas para a avaliação, uma vez que propõem a interação e a gestão social da
aula e possibilitam compartilhar responsabilidades sobre a aprendizagem. Eles
direcionam o professor a buscar estratégias didáticas alternativas que auxiliem o
aluno a aprender a aprender.
Estratégias propostas pelo professor que podem promover o processo de auto-
-regulação da aprendizagem
Comunicar objetivos e comprovar as representações construídas pelos alunos
Experiências realizadas em sala de aula evidenciam que os alunos aprendem
de maneira mais significativa quando conseguem reconhecer o que o professor
quer lhes ensinar e de que maneira ele pensa fazê-lo. Os estudantes precisam
ser informados sobre o que vão aprender e por que determinadas atividades es-
tão sendo propostas. É preciso fazer que eles construam uma representação do
produto final que se espera de cada atividade e dos resultados que se pretende
alcançar.
Para tanto, é preciso formular os objetivos, de modo que possam ser compreen-
didos pelos alunos. Certamente, não basta enumerá-los tal qual estão formula-
dos no currículo. É preciso planejar atividades que facilitem, para os alunos, o
reconhecimento das intenções do professor. As atividades podem ser simples,
mas precisam estar voltadas para os interesses dos alunos, de modo que eles se
sintam envolvidos na sua realização.
Essa estratégia tem dupla função: situar para os alunos o que se pretende que
eles aprendam, os conteúdos pelos quais se inicia o estudo, e permitir a cada
um deles construir uma primeira representação do que se quer atingir com a se-
qüência didática proposta. Desse modo, o caráter unidimensional e estático dos
objetivos, que são formulados pelo professor, torna-se multidimensional. Cada
estudante percebe os objetivos de maneira pessoal e evolutiva, uma vez que
suas percepções irão se modificando durante a aprendizagem e incorporando
novos elementos. Esse processo, que tem por base a comunicação, é conduzido
por negociações constantes entre professor e alunos e acordos que visam ao
aprimoramento da aprendizagem.
Favorecer aos alunos o exercício da antecipação e planificação das ações
A antecipação é uma espécie de predição sobre resultados esperados em razão
de ações e caminhos previstos para chegar aos objetivos propostos. A planificação
é a concepção de um plano de trabalho que poderá ser modificado em função dos
resultados que forem sendo obtidos no decorrer de seu desenvolvimento.
Planificar implica combinar três elementos: os objetivos, ou finalidades, as ações
e as condições de realização. Na planificação, revelam-se o conhecimento dispo-
nível nos alunos e os conhecimentos a serem construídos por eles.
O aluno que sabe antecipar e planificar é capaz de representar mentalmente as
ações que vai realizar para ter êxito na resolução das tarefas.
Na realidade das salas de aula, constata-se, com freqüência, que os alunos não
têm o domínio dessas capacidades que são decisivas para se obter êxito nas
aprendizagens. Eles precisam que o professor lhes ofereça situações didáticas
que facilitem o desenvolvimento dessas capacidades.

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154 © Educação de Jovens e Adultos

Ao planejar essas situações, é preciso que o professor esteja atento ao fato de


que a lógica de quem está aprendendo é diferente da lógica da disciplina ou do
especialista. Quem aprende precisa construir uma representação da ação a ser
executada, incluindo todas as ações intermediárias necessárias para alcançar
o resultado pretendido. Muitas vezes, o professor já interiorizou as ações inter-
mediárias e não propicia aos alunos a oportunidade de identificá-las, o que pode
constituir um obstáculo para os alunos atingirem os objetivos, uma vez que não
conseguem, sozinhos, preencher essas lacunas. A capacidade de antecipar e
planificar ajuda a minimizar essa dificuldade.

Possibilitar aos alunos a apropriação dos critérios e dos instrumentos de avaliação


Não é comum que os professores explicitem para os alunos os instrumentos e
os critérios que utilizam para saber quem aprendeu determinado conteúdo. De
modo geral, parece que os professores interiorizam esses critérios de forma in-
tuitiva e não sentem necessidade de objetivá-los. Na prática, essa atitude pode
fazer que, numa situação de avaliação, se avaliem conteúdos que não são repre-
sentativos das aprendizagens promovidas em sala de aula ou que se modifiquem
os critérios de correção diante dos procedimentos utilizados pelos alunos.
Portanto, parece adequado explicitar para os alunos os critérios que serão consi-
derados para decidir sobre o entendimento de um conceito, de um procedimento
ou de uma atitude esperada na realização de um trabalho. É preciso ensinar aos
alunos como identificar as intenções do professor e as exigências dele. Além de
comunicá-las, o professor precisa prever situações que propiciem a legitimação
dos critérios e dos instrumentos de avaliação pelos alunos, o que pode ser feito
por meio de auto-avaliação, da avaliação mútua e da avaliação compartilhada
pelo aluno e pelo professor.
Para que os alunos aprendam a auto-regular suas aprendizagens, é preciso criar
dispositivos pedagógicos facilitadores, como, por exemplo, propor unidades di-
dáticas estruturadas e seqüenciadas em etapas de aprendizagem, que possibi-
litem: um bom domínio dos conteúdos envolvidos; construir uma representação
adequada dos objetivos e dos critérios de avaliação; realizar com segurança a
antecipação e a planificação das ações. Isso supõe um planejamento prévio pelo
professor, que depois será apresentado e negociado com os alunos. Nesse pro-
cesso, sobressaem-se o diálogo e as verbalizações, que facilitam a explicitação
e a análise das representações dos alunos e seu conseqüente aprimoramento.
Com a incorporação dos aspectos comunicativos, completa-se o quadro que per-
mite indicar as duas dimensões primordiais da avaliação:
• A dimensão social, que é a de fornecer aos alunos informações sobre o desen-
volvimento das capacidades e das competências exigidas socialmente e auxi-
liar os professores a identificar os objetivos atingidos, com vistas a reconhecer
as capacidades e as competências dos alunos que favorecem a inserção deles
no mercado de trabalho e possibilita maior participação na vida sociocultural.
• A dimensão pedagógica, que é a de fornecer aos professores e aos alunos
informações sobre como está ocorrendo a aprendizagem, sobre os conheci-
mentos prévios e os conhecimentos adquiridos, sobre os raciocínios desen-
volvidos e as representações construídas, sobre valores e hábitos dos alunos.
A partir dessas constatações, será negociada a realização das revisões e das
reelaborações de conceitos e procedimentos ainda parcialmente consolidados.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 155

Estratégias e instrumentos que podem ser utilizados para avaliar as aprendiza-


gens
Contrato didático. Texto no qual se registram as negociações e os acordos rea-
lizados entre professor e alunos, indicando objetivos a serem atingidos, conteú-
dos a serem estudados, tarefas a serem realizadas, responsabilidades a serem
cumpridas. O contrato didático também pode conter acordos sobre organização,
comportamentos e atitudes, tempo e outros aspectos importantes para a realiza-
ção do trabalho. A avaliação consiste na análise do cumprimento desses acordos
e na tomada de decisões sobre as ações necessárias para corrigir erros e me-
lhorar o rendimento.
Observação do professor. Registros abertos de fatos, acontecimentos, conver-
sas, comentários e registros estruturados com pautas de observação de aspec-
tos predeterminados.
Testes e provas. Rotineiros, desafiadores, prova em grupo seguida de prova in-
dividual, testes-relâmpago, testes cumulativos.
Questões ou situações-problema. Tradicionais, desafiadoras, abertas, elabora-
das pelos alunos.
Atividades que exigem justificativas escritas orais. Questionários, entrevistas in-
formais e estruturadas.
Mapas conceituais. Para realizar diagnósticos para explorar e aprofundar con-
teúdos, para orientar a sistematização de conhecimentos para verificar apren-
dizagens.
Atividades que utilizam linguagem escrita ou oral. Memórias, diários, redação
de cartas poesias, crônicas, músicas e jogos, diálogos e histórias em quadrinho.
Atividades de culminância de uma unidade didática. Projetos, campeonatos,
olimpíadas, seminários, exposições e portfólios.
O portfólio como estratégia de avaliação
O portfólio pode ser visto como um recurso para processar informações por meio
da expressão oral e escrita, ferramentas indispensáveis para a aprendizagem.
Trata-se de uma coleção de trabalhos realizados pelo aluno, no decorrer de uma
unidade didática, que evidenciem seus acertos, habilidades, criatividade, interes-
ses, esforços, áreas fortes e vulneráveis, melhores idéias etc.
Para orientar a organização do portfólio, inicialmente, o professor precisa pensar
em algumas questões:
• O que os alunos vão aprender?
• Que atividades são importantes e necessárias que eles realizem?
• As tarefas propostas são uma mostra válida de suas capacidades? São re-
presentativas dos processos e dos produtos desenvolvidos no decorrer do
trabalho?
• Como vou avaliar o progresso dos alunos?
• Que oportunidades serão oferecidas para que os alunos possam fazer pergun-
tas, revisar e refinar estratégias e procedimentos?
• Minhas expectativas quanto às aprendizagens dos alunos são adequadas?
Quais critérios me servem de modelo?
O portfólio pode conter diários, cadernos, comentários sobre trabalhos, reflexões
pessoais e de grupo, expressões de sentimento, idéias sobre projetos, inves-
tigações, gravações, vídeos, fotografias, disquetes, evidências do esforço dos

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156 © Educação de Jovens e Adultos

alunos para cumprirem as tarefas, exercícios, provas, testes, trabalhos de grupo,


rascunhos e trabalhos revisados.
A análise de portfólios pode ser um recurso de avaliação para o professor, na
medida em que permite observar como os alunos escrevem em diferentes con-
dições e circunstâncias, para vários destinatários e com diferentes propósitos;
obter informações sobre o processo e os produtos desenvolvidos pelo aluno no
decorrer do trabalho. Para os alunos, sua construção possibilita realizar a planifi-
cação do processo de aprendizagem, desenvolver a criatividade, a autoestima e
o compromisso da auto-avaliação.

Conclusão
Em torno da avaliação, gira todo o trabalho escolar. Ela condiciona o quê, quan-
do, como se ensina e todos os ajustes que se devem introduzir para atender à
diversidade de necessidades geradas em aula.
Mudar pontos de vista sobre a avaliação implica mudar radicalmente muitas das per-
cepções que se tem sobre como ensinar para conseguir que os alunos aprendam.
Pensar na avaliação como ponto central do currículo, e não como atividade secun-
dária, não é habitual, porém é um dos caminhos que mais favorecem mudanças na
prática educativa dos professores e no êxito das aprendizagens dos alunos.
Para iniciar essa reflexão, permitamo-nos responder:
• Por que não...
... compreender a avaliação totalmente integrada no processo de aprendizagem
e evitar confundi-la com momentos particulares em que se aplicam testes, pro-
vas, exames?
... considerar que avaliar, antes de atribuir uma nota, é conhecer a estratégia uti-
lizada pelo aluno na solução de uma tarefa e, dessa forma, identificar as causas
de suas dificuldades?
... deixar de crer que as provas com perguntas de respostas fechadas são mais
objetivas que as de respostas abertas?
... romper com a idéia de que as provas indicam os alunos que fracassam e os
que têm êxito na aprendizagem? Em muitos casos, não serão os próprios proce-
dimentos de avaliação responsáveis pelo fracasso dos alunos?
... pensar que os próprios alunos podem ser capazes de reconhecer seus êxitos
e dificuldades e deixar de crer que a avaliação é somente de responsabilidade
do professor?
... acreditar que todos os alunos, ou a maioria deles, são capazes de realizar
aprendizagens significativas e mudar a idéia de que em toda classe sempre há
um percentual de alunos fortes, fracos e médios? (VÓVIO; MANSUTTI, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

13. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Este é um momento de refletir sobre o estudo da unidade
proposta, bem como reconhecer se os conhecimentos pretendi-
dos foram alcançados ou se ainda necessitam ser retomados.
© U4 – Profissionais da Educação de Jovens e Adultos e as Ferramentas Essenciais à sua Ação
Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 157

Por meio das questões autoavaliativas, pretendemos que


você se torne mais responsável pela sua evolução educacional,
mais reflexivo, autônomo, motivado e eficiente.
Para que uma aprendizagem ocorra, ela deve ser significati-
va, exigindo que seja vista como a compreensão de significados,
relacionando-se às experiências anteriores e às vivências pessoais,
permitindo a formulação de problemas de algum modo desafian-
tes que o incentivem a aprender mais, estabelecer diferentes ti-
pos de relações entre fatos, objetos, acontecimentos, noções e
conceitos, desencadeando modificações de comportamentos e
contribuindo para a utilização do que é aprendido em diferentes
situações.
1) De posse dos conhecimentos adquiridos, você saberia reconhecer a diferen-
ça entre fazer uma atividade e estar numa situação de aprendizagem?

2) O que você acha que acontece mais em sala de aula na EJA: atividades ou
situações de aprendizagem?

3) Para que possa fazer os ajustes necessários para que seus objetivos se cum-
pram, qual a postura avaliativa que o educador deve ter?

4) Dentre os objetivos gerais esperados pelos alunos da Educação de Jovens e


Adultos, qual lhe chamou mais atenção? Por quê?

5) Nem sempre nossa capacidade de observar está suficientemente desenvol-


vida. Como instrumento de formação do professor, qual a relevância da ca-
pacidade de observação?

6) Qual a importância da discussão, da observação e do registro, propostos


nesta unidade, para a sua formação? Justifique.

7) Explique, em breves palavras, qual a essência do estudo da avaliação para se


pensar uma proposta na Educação de Jovens e Adultos.

14. CONSIDERAÇÕES
A fim de ultrapassar os componentes executórios e técnicos
inseridos na realidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), al-
mejando uma formação e uma atuação dos profissionais que pos-
sibilitem um “novo olhar”, esperamos, ao final desta unidade, que

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158 © Educação de Jovens e Adultos

você, aluno, reconheça, a partir de agora, as especificidades que


essa modalidade de educação deve se constituir.
Cada vez mais, a educação contemporânea requer uma for-
mação docente, contemplada pelas competências e pelos saberes
necessários às aprendizagens fundamentais de jovens e adultos.
Finalizamos com uma reflexão de Paulo Freire, a qual enten-
demos pertinente à toda a unidade estudada:
Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me
adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem
um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade
que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar
de práticas com ela coerentes.

15. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
BRASIL. Conselho Estadual de Educação de Mato Grasso. Batáru. Disponível em: <http://
www.cee.mt.gov.br/producoes-do-cee/Bataru/bataru-eletronico-edicao-2008.pdf>.
Acesso em: 10 set. 2010.
PICHON-RIVIERE . A sala de aula como espaço de vivência e aprendizagem. Disponível
em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4550.pdf>. Acesso em: 8
fev. 2010.
RIBEIRO, V. M. M. (Coord.). Educação para jovens e adultos: Ensino Fundamental –
Proposta curricular – 1º segmento. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/secad/
arquivos/pdf/eja/propostacurricular/primeirosegmento/propostacurricular.pdf>.
Acesso em: 16 set. 2010.
VÓVIO, C. L.; MANSUTTI, M. A. Avaliação das aprendizagens e formação de professores:
educação de jovens e adultos. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/me004854.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010).

16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. Joinville: Univille, 2005.
BASSO, I. S. Significado e sentido do trabalho docente. Caderno SEDES, Campinas, v. 19,
n. 44, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Educação para
Jovens e Adultos. Ensino Fundamental. Proposta Curricular – 1º Segmento. Brasília, 1996.
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Metodológica (Observação, Registro e Avaliação) 159

______. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Trabalhando


com a Educação de Jovens e Adultos – A sala de aula como espaço de vivência e
aprendizagem. Caderno 2, Brasília, 2006.
______. Ministério da Educação. Salto para o futuro: construindo a escola cidadã. Projeto
político-pedagógico/ Secretaria de Educação a Distância. SEED, 1998.
CURY, C. R. J. Diretrizes curriculares nacionais para a educação de jovens e adultos.
Parecer n. 11 e Resolução da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação. Brasília, 2000.
MACÁRIO, E. Determinações ontológicas da educação: uma leitura à luz da categoria
trabalho. 21ª Reunião ANPED, 2001.
MARQUES, M. O. Educação/Interlocução, aprendizagem/reconstrução de saberes. Ijuí:
Unijuí, 1996.
MOURA, M. da G. C. Educação de jovens e adultos: um olhar sobre sua trajetória histórica.
Curitiba: Educarte, 2003.
NÓVOA, A. (Org.). Os professores e as histórias de vida. Porto: LDA, 1992.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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EAD
Educação de Jovens
e Adultos: Reflexões
sobre o Mercado
de Trabalho 5
1. OBJETIVOS
• Demonstrar as divisões, as divergências e a distância en-
tre saber (possuir conhecimentos) e fazer (atuar como
mão de obra), e refletir sobre elas.
• Apresentar dados sobre as possibilidades de avanços, de
conquistar melhores condições de trabalho e de vida, por
meio da Educação de Jovens e Adultos.
• Oferecer meios para que o aluno pondere sobre a Educa-
ção Básica e as suas contribuições para o aluno diante do
trabalho.

2. CONTEÚDOS 
• A distância entre saber e fazer.
• Possibilidades de avanços por meio da Educação de Jo-
vens e Adultos.
• Educação Básica para o trabalho.
162 © Educação de Jovens e Adultos

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante saber
que a concepção progressivista se norteia pelas seguintes ideias:
1) Os fins da educação podem ser identificados com desenvolvi-
mento tanto intelectual quanto moral.
2) A educação assim concebida proporciona as condições para a
passagem através de estágios ordenados e conectados.
3) Tal definição de desenvolvimentista dos fins e processos edu-
cacionais requer tanto o método da filosofia ou ética quanto o
método da psicologia ou ciência.
4) A compreensão dos princípios lógicos e éticos seja um fim prin-
cipal da educação.
5) O fim educacional democrático, para todo ser humano, deve ser
“o desenvolvimento de um caráter livre e firme”.
6) O desenvolvimento e educação por princípios é liberal, demo-
crática e não doutrinária. Ela confia nos métodos abertos de es-
timulação através de uma seqüência de estágios, numa direção
de movimento que é universal para todos. Nesse sentido, ela é
natural (KOHLBERG; MAYER, 1972, p. 49-50).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O estudo das unidades anteriores teve como objetivo apre-
sentar dados significativos e relevantes sobre a Educação de Jo-
vens e Adultos, como, por exemplo: a história da oferta da EJA
em nosso país, a delimitação e o reconhecimento dos alunos que
frequentam os cursos de Educação de Jovens e Adultos e a apre-
sentação de alguns métodos de alfabetização que foram desenvol-
vidos considerando as necessidades e as especificidades de jovens
e adultos.
Agora, apresentaremos, além de dados significativos quanto
à oferta da Educação para Jovens e Adultos, um exercício de refle-
xões críticas, tendo como foco de discussão o mercado de trabalho
e a Educação de Jovens e Adultos em uma relação em que saber é
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 163

poder e a capacitação do trabalhador é feita visando a maiores lu-


cros para os empresários. Também discorreremos sobre a forma-
ção docente ideal para atender às necessidades desses educandos
e, por fim, a forma de avaliá-los.
Antes de iniciarmos nossa conversa, é interessante ler o poe-
ma de Rosene:

O relógio de ponto–––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Rosene Mara Monteiro de Toledo

É quase dia, a cama não esquenta,


e ela pensa no relógio de ponto.
O jantar, mal engoliu, ainda o sente,
e ela pensa no relógio de ponto.
O café, meio fraco, o pó, quase não deu,
e ela pensa no relógio de ponto.
O tecido tão macio, linha, tesoura,
e ela pensa no relógio de ponto.
A máquina de costura a contragosto,
resmungando…
e ela pensa no relógio de ponto.
O marido, os filhos, tudo certo, mas nem tanto,
e ela pensa no relógio de ponto.
A dor da unha encravada, o teto alto da fábrica,
e ela pensa no relógio de ponto.
O dinheiro do gás, a regra atrasada,
e ela pensa no relógio de ponto.
O futebol insuportável, a vizinha de saia curta,
e ela pensa no relógio de ponto.
O choro do caçula, o doce de banana,
e ela pensa no relógio de ponto.
O tecido macio, a regra atrasada, o teto alto, o
marido, o doce
de banana, o café fraco, e a máquina de costura
resmungando...
O sono e o relógio de ponto (BRASIL, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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164 © Educação de Jovens e Adultos

A década de 1990 foi marcada por inúmeras reformas gover-


namentais com o intuito de sanar ou, pelo menos, minimizar as
crises pelas quais passava (e ainda passa) o nosso país nos âmbitos
econômico, político e educacional.
Entre essas reformas, podemos citar a ampliação da respon-
sabilidade de empresas privadas, ONGs e outros tipos de institui-
ções sobre a oferta de educação oferecida à população em geral,
com o objetivo de lhe oportunizar um nível maior de desenvolvi-
mento – por meio da participação em atividades como dança, mú-
sica, representações teatrais e práticas esportivas, além de cursos
de informática, de idiomas e profissionalizantes, com o intuito de
capacitá-la para atender a algumas das exigências do mercado de
trabalho – e, consequentemente, possibilitar que tenham melho-
res condições de vida.
Para tanto, cabe aqui retomarmos os objetivos gerais da
Educação de Jovens e Adultos:
• Oportunizar a inclusão social e no mercado de trabalho
àqueles que não frequentaram a escola regular em idade
própria.
• Oferecer oportunidades para que construam sua cidada-
nia e para que se reconheçam como cidadãos qualifica-
dos profissionalmente.
• Aumentar a porcentagem de escolarização entre a popu-
lação.
Nesta unidade, nosso objetivo é ponderar sobre os sujeitos
que compõem as relações capitais no mercado de trabalho, as
reais possibilidades de atuação do sujeito trabalhador, determina-
das, em grande parte, pela classe social de que é oriundo, e as pos-
sibilidades de modificação nesse contexto por meio da Educação
de Jovens e Adultos.
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 165

5. DISTÂNCIA ENTRE SABER E FAZER


Como já discutimos em outros momentos do curso, especial-
mente nas obras que abordaram questões relacionadas à história
da educação e aos fundamentos e métodos do Ensino Fundamen-
tal e do Ensino Médio (sua organização, objetivos e finalidades), a
educação é reconhecida como um bem universal.
Como observamos até agora, sua distribuição não se dá de
maneira igualitária, impossibilitando que todas as pessoas, per-
tencentes às mais diversas classes sociais, tenham acesso aos mes-
mos tipos de informação e conteúdo. Isso ocorre pelo fato de que
a educação, como forma efetiva de desenvolvimento, construção
de conhecimento e manutenção da sociedade, por exemplo, ainda
atende aos interesses da elite dominante, agora, mais que nunca,
representada pelos donos do poder: os empresários. Segundo Br-
zezinski (2000, p. 64-65):
[...] os princípios da racionalidade, eficiência e produtividade foram
transplantados da teoria econômica e adaptados à educação. [...]
O direcionamento dado à política educacional pelos planejadores
deixava clara a intenção de subordinar o sistema educacional aos
imperativos de um modelo de desenvolvimento assentado estri-
tamente no aspecto econômico, limitando a oferta de educação à
demanda do sistema produtivo.

Podemos dizer que o atual objetivo da educação é possibi-


litar que os sujeitos sejam racionais, eficientes e produtivos para
corroborarem a sustentação do sistema econômico vigente, fazen-
do que seja limitada a oferta de educação às pessoas que, de ma-
neira geral, farão parte das linhas de produção. Complementando
a afirmação de Covre (1990, p. 8-9):
O acesso desigual à educação (e, portanto, ao conhecimento) está
vinculado intrinsecamente à divisão social do trabalho. A forma em
que se efetiva isso refere-se à distribuição de tarefas desiguais do
trabalho sobre a natureza – em que uns organizam e mandam, e
outros obedecem. [...] Portanto, o cerne da divisão social do traba-
lho é, num primeiro momento, a divisão entre o trabalho manual e
o trabalho intelectual. 

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166 © Educação de Jovens e Adultos

De acordo com a autora, podemos dizer que é função da


educação garantir que haja intelectuais amplamente capacitados
que tenham construído conhecimentos por meio de conteúdos
que lhes possibilitarão organizar, gerir, coordenar, inspecionar e
avaliar o trabalho manual produzido pelos funcionários braçais –
aqueles que receberam o mínimo de educação possível.
Temos caracterizado, então, um sistema econômico-educa-
cional que cuida para que uma minoria privilegiada tenha acesso
à maior quantidade de saber, ao passo que, à grande maioria, o
mínimo é oferecido.
De acordo com Covre (1990), a organização societária em
que vivemos resulta da própria maneira em que estão dividas as
classes sociais em nosso país, em que um grupo pequeno "usurpa
o poder dos outros", posicionando-se privilegiadamente em rela-
ção a eles.
Para a autora, em um primeiro momento, essa hierarquiza-
ção acontecerá pela força; em um segundo momento, será neces-
sário haver consentimento (mesmo que coercitivo) por parte dos
demais, que lhes conferirá poder para comandar o processo social.
Podemos dizer que é aí que se estabelece o Estado como forma
de manter o privilégio de determinado(s) grupo(s) em detrimento
do outros. E é também aí que se encontra o cerne da divisão social
do trabalho, em que estes grupos agora poderosos encaminham
um tipo de divisão social de trabalho em que eles projetam o que
vai ser feito (como pretensos detentores do saber) e os outros de-
vem executar. Nas organizações societárias a educação serve basi-
camente ao poder e será restrita, distribuída desigualmente, con-
trolada, conforme o caso das necessidades das formas de divisão
social do trabalho (COVRE, 1990, p. 10).

Por meio dessa concepção, podemos chegar às ideias de-


fendidas pelos tecnocratas, que, de acordo com Covre (1990), são
aqueles que possuem o saber teórico, o qual os leva a crer que
detêm o poder sobre os meios de produção e, por conseguinte,
um poder acima, até mesmo da política.
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 167

Característico e resultante da sociedade capitalista e neoli-


beral da qual fazemos parte é o fato de que os trabalhadores –
que não possuem o saber e, tampouco, o poder – estarão fada-
dos a realizar atividades manuais. A restrição que sofrem quanto
à educação que recebem afirma o processo de exploração do tra-
balhador, uma vez que, como já dissemos, o acesso à educação,
ao conhecimento e ao saber é, diretamente, o acesso ao poder, à
participação política, social, econômica etc.
A teoria da tecnocracia se iniciou em 1814, através da obra 'Réor-
ganisation de la Société Européenne', do sociólogo francês Claude-
-Henri de Rouvroy, na qual o mesmo pregava a substituição da po-
lítica pela ciência da produção. Tecnocracia é o governo exercido
pelos técnicos, que em tese, controlariam os meios de produção e,
consequentemente, superariam o poder político.
Os tenocratas rejeitam a espontaneidade, auto-regulação e impul-
sividade animal; para eles, "a economia não é uma ciência; é mera-
mente uma política disfarçada". Na tecnocracia, quanto mais, me-
lhor, não importa se de produtos, serviços, impostos, informações,
estudantes ou qualquer outro elemento.
Em síntese, a idéia central do modelo tecnocrata é a proposta de
que, se nossos métodos de produção evoluíram, existe também a
necessidade de evolução dos modelos de distribuição de renda no
trabalho (MUNDO EDUCAÇÃO, 2009).

Na corrida pelo poder e pelo acúmulo do lucro, com o avan-


ço da tecnologia e os investimentos em maquinários modernos,
cresce, também, a necessidade de mão de obra qualificada para
operar os novos equipamentos de produção que chegam ao mer-
cado para minimizar as possibilidades de erros e desperdícios de
matéria-prima. Essa qualificação, geralmente, é justificada pela
apresentação de títulos, certificados e diplomas obtidos dentro ou
fora da empresa.
Segundo Covre (1990), no mercado de trabalho, é crescen-
te a exigência de títulos para que o trabalhador possa ocupar um
cargo que, a priori, não teria tal necessidade de qualificação por
conta de sua pouca valia quanto à sua eficácia na formação do
educando. Essa degradação se justifica pela degradação escolar,
pela degradação do ensino que é oferecido, especialmente, pelas

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168 © Educação de Jovens e Adultos

escolas públicas, que são responsáveis pela formação das massas


que ocuparão os lugares na linha de produção, realizando serviços
manuais.
Cada vez mais homens e mulheres estudam, pesquisam durante
toda uma vida para atender à produção, fazendo parte da buro-
cracia direta ou indireta – da empresa, do Estado, da universidade.
A aproximação de uma resposta começa pelo próprio caráter tec-
nologizante que assume o saber, em grande parte de sua expres-
são, na etapa contemporânea, quando mesmo o saber apropriado
pelo trabalhador deverá servir primordialmente ao capital. E ainda
diríamos que o capital lida com a preservação do seu monopólio
intelectual (COVRE, 1990, p. 27).

Passar pelos bancos escolares tornou-se imperativo! Possuir


títulos, certificados ou diplomas que atestem o saber é, pratica-
mente, condição sine qua non para fazer parte do mercado de tra-
balho, assim como conhecer e dominar a tecnologia.
Covre (1990, p. 30) afirma:
que há um deslocamento no interior da ideologia capitalista, da
identificação de homem à propriedade para a de homem à edu-
cação. Acesso à educação, investir em si próprio em educação, é
‘fazer parte do capital’.

Na medida em que estuda e se desenvolve, o sujeito angaria


atrativos para se destacar em um mercado no qual dezenas, cen-
tenas de pessoas disputam a mesma vaga; assim, ao constituir-se
como capital, o trabalhar torna-se interessante e favorável à em-
presa.
Covre (1990, p. 30) atesta que
A outra face é a reivindicação ao direito de educação, que deve ser
provido pelo planejamento do Estado supostamente voltado para
a justiça social, para que todos os cidadãos possam transformar-se
em recursos humanos.

Desse modo, podemos dizer que, cientes dessa condição


para ter meios de ingressar e manter-se no mercado de trabalho
meritocrático, estudar se tornou um ato compulsório, cabendo
àquele que não estuda um estado de marginalização no sentido li-
teral da palavra, fazendo referência aos sujeitos que se encontram
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 169

no limiar entre ter acesso legal aos recursos necessários à vida do


homem e ter de encontrar meios ilegais para consegui-los, o que
levaria à consumação de atos delinquentes.
Pensando especificamente nos sujeitos centrais da nossa re-
flexão, ou seja, nos jovens e adultos, da maneira que se prescre-
vem os objetivos propostos para a sua educação, Covre (1990, p.
45) afirma que:
[...] os indivíduos que saem do Movimento Brasileiro de Alfabeti-
zação (MOBRAL) podem continuar analfabetos (como pesquisas
demonstram), entretanto eles não se sentem analfabetos, pois se
postam como portadores de um diploma. Assim os supletivos po-
dem continuar a processar o ritual democrático dos inúmeros cida-
dãos que gastam suas pequenas reservas econômicas para nunca
atingir seus objetivos. Sustenta-se na ideologia de que os que são
capazes devem conseguir. É, por fim, o individuo que sai da univer-
sidade completamente despreparado, mas ele é um psicólogo, ele
é um sociólogo, ou ele é um arquiteto.

Segundo a autora, o MOBRAL, os cursos supletivos e as ins-


tituições particulares de Ensino Superior apresentam-se, nesse
contexto, como apaziguadores da "ânsia" pelo saber e pela par-
ticipação formal na sociedade e nos bens culturais para as classes
mais baixas.
Ao ter acesso a essa sensação de pertencimento, de fazer
parte de uma sociedade ativa, minimizam-se as possibilidades de
conflito entre as classes sociais. Contudo, nossa reflexão precisa
avançar em relação às nossas discussões iniciais sobre a distância
entre saber e fazer também no sentido das possibilidades do tra-
balhador. Paulo Freire (1997, p. 20), sob a luz de seu referencial
humanista, chama a atenção para o fato de que:
Quanto mais me capacito como profissional, quanto mais siste-
matizo minhas experiências, quanto mais me utilizo do patrimô-
nio cultural, que é de todos, e ao qual todos devem servir, mais
aumenta minha responsabilidade com os homens. Não posso, por
isso mesmo, burocratizar meu compromisso de profissional, servin-
do, numa inversão dolosa de valores, mais aos meios que ao fim do
homem. Não posso me deixar seduzir pelas tentações míticas, en-
tre elas a da minha escravidão às técnicas, que, sendo elaboradas
pelos homens, são suas escravas e não suas senhoras.

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170 © Educação de Jovens e Adultos

Segundo o autor, a tecnologia deve ser um recurso facilita-


dor nas ações produtivas do homem para sua valorização e não
um fator de escravização. Precisamos nos capacitar para, entre ou-
tras coisas, dominar a técnica e não ser subservientes a ela. Nesse
mesmo sentido, Brandão (1995, p. 18-19) afirma que:
Dissemos valorização do ser humano. Mas há muitas maneiras de
se valorizar o ser humano. Existem os chamados motivos meno-
res, puramente materiais, de âmbito restrito, de valor relativo. Por
exemplo, aumentar a rentabilidade pelo treinamento de pessoal.
Trata-se de razão menor, quer dizer, motivo sem grandeza moral.
O resultado meramente material não está dentro do verdadeiro
engrandecimento, não só da empresa, como também das pessoas
que dela participam. Um enriquecimento interior, este sim, é ver-
dadeiramente um motivo de alegria, de felicidade, de tranqüili-
dade, de plena realização. O processo de valorização humana vai
aumentar a rentabilidade, mas isso deve ser conseqüência, não ob-
jetivo. Também a chamada competitividade, que vai levar a ganhar
concorrência, derrotar mais adversários, conseguir mais benefícios
não passa, se for apenas isso, de um agir egoístico. Também fazer
a melhoria do pessoal para não prejudicar equipamentos caros e
perder muito dinheiro não deixa de ser válido, mas é insuficiente.
A motivação, nesse caso, é sempre na valorização das coisas, e as
pessoas são usadas para melhorar coisas. É a coisificação do ho-
mem.

6. POSSIBILIDADES DE AVANÇOS POR MEIO DA EDU-


CAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Considerando a educação oferecida aos jovens e aos adul-
tos que não tiveram acesso à escola regular em idade própria e
as disposições legais do Parecer CNE/CEB n. 1/2000, que definiu
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos, constatamos que tal oferta de educação abrange funções
mais amplas e específicas do que as abordadas até agora. São elas:
a função reparadora, a função equalizadora e a função permanen-
te (qualificadora). Você pode estar se perguntando o que prescre-
ve cada uma dessas funções. Vejamos:
A função reparadora ante a educação de jovens e adultos deverá
ser efetivada não somente pela restauração do direito à educação
até então negado. Ela reafirma o direito a uma escola de qualidade,
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 171

de seus direitos enquanto cidadão, além do "reconhecimento da-


quela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Dessa
negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o aces-
so a um bem real, social e simbolicamente importante” (PARECER
CNE/CEB N. 11/2000. (BRASIL, 2009).

A função equalizadora garantirá a jovens, adultos, trabalha-


dores em geral, migrantes, aposentados e encarcerados que tive-
ram seus estudos interrompidos (por evasão e importunidades de
permanência de maneiras adversas) a reinserção no sistema edu-
cacional:
[...] possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do
trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos
canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para
estes “novos” alunos e “novas” alunas, demandantes de uma nova
oportunidade de equalização (BRASIL, 2009).

A equalização na educação contribuirá para que, por meio do de-


senvolvimento humano, as desigualdades sociais sejam reduzidas.
A função permanente ou função qualificadora possibilitará que to-
dos os educandos atualizem seus conhecimentos ao longo de suas
vidas. Caracterizando-se como o próprio sentido da EJA, tomando
como ponto de partida o caráter incompleto do ser humano, com
potencialidades e habilidades a serem desenvolvidas, adequando-
-se e atualizando-se por meio da educação formal (escolar) ou não-
-formal (não-escolar). "Mais do que nunca, ela é um apelo para a
educação permanente e criação de uma sociedade educada para o
universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade" (BRA-
SIL, 2009).

Concordando com essa premissa, Freire (1997, p. 28) afirma


que:
o ser humano é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua
perfeição. A educação, portanto, implica numa busca realizada por
um sujeito que é homem. O homem deve ser o sujeito de sua pró-
pria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa
ninguém.

Podemos dizer que a educação é um processo que se dá so-


cialmente e em coletividade. Considerando sua função reparadora,
equalizadora e qualificadora, parte do princípio de que o homem
é um sujeito histórico e um sujeito da sua história, cabendo aos

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172 © Educação de Jovens e Adultos

organismos competentes garantir que seus direitos de educação


sejam resguardados pela possibilidade de acesso e de permanên-
cia, contribuindo com o seu desenvolvimento pleno para que pos-
sua os conhecimentos necessários para modificar a sua vida, bem
como o meio em que vive.
Assim, reafirmam-se as ideias de que o nível superior de
desenvolvimento humano é fator decisivo em sua qualificação e
de que a necessidade de qualificação representa uma forma de
ruptura diante da ordem social do capital. A educação deveria ser
compreendida como meio para a constituição de uma sociedade
que busca o aprimoramento e a evolução tecnológica, mas não
nega as necessidades humanas.
Dessa forma, reforça-se a proposta de educação estabeleci-
da pelas políticas públicas nacionais, a qual tem como finalidade,
por meio da ampliação de possibilidades e da oferta de educação,
garantidas pelo aumento de investimentos tanto do Estado quanto
das iniciativas privadas, das organizações não governamentais e
dos movimentos sociais, propiciar o desenvolvimento de jovens
e adultos, qualificando-os para que façam parte do mercado de
trabalho ou do exército de reserva.
Para Fernandes (2004, p. 14):
[...] o modelo de parcerias se apresenta como real alternativa para a
solução de problemas básicos – embora complexos – que o governo
federal e os governos locais, em âmbito estadual e municipal, na maio-
ria das vezes, não se dispõem a resolver. Esses investimentos ocorrem
numa época em que há tanto uma ausência de políticas públicas para
a educação de jovens e adultos, como ainda uma preocupação das
empresas com a qualificação dos seus trabalhadores.

Configura-se, nesse cenário, a empresa como grande forma-


dora de recursos humanos, pois ela passa a oferecer aos funcio-
nários cursos de capacitação para que eles desempenhem suas
funções com qualidade.
Estamos chamando de qualificação profissional aquela que
atende às exigências de uma educação ampla que garanta ao tra-
balhador possibilidades para se adaptar às mudanças impostas
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 173

pelo mercado de trabalho. Tais mudanças demandariam a efeti-


vação de uma escola com capacidade para formar o cidadão de
maneira que, por meio do desenvolvimento de suas habilidades,
competências e conhecimentos construídos, ele adquira, em servi-
ço, outras qualificações que forem exigidas, conforme prescreve a
política inclusivista de educação para todos. Segundo Covre (1990,
p. 46), a proposta de educação para todos possui:
[...] enquanto parte do pensamento dominante, um caráter preten-
samente universal (portanto com o acesso aos direitos sociais – no
caso da educação – a todos). Ela possui um caráter equivocado pelo
voluntarismo, que atribui à educação uma autonomia inexistente
(que se constata no vínculo mecânico estabelecido entre o econô-
mico – necessidade do processo industrial de mão-de-obra espe-
cializada – e o educacional – a "incapacidade" para formar aquela
mão-de-obra de forma ampla). Mas isso, que aparentemente não
serve ao capital, acaba por servi-lo realmente porque à empresa in-
teressa um profissional semipreparado, para que ela possa aplicar
sua própria pedagogia empresarial.

De certa forma, a empresa servirá melhor um profissional


que ainda não está pronto, que se encontra inacabado, tendo em
vista que procurará imprimir nele, por meio de suas políticas inter-
nas e pelos cursos de capacitação que venha a oferecer, entre ou-
tras coisas, os seus valores e objetivos, eliminando a possibilidade
de contratar um sujeito com determinados "vícios" de mercado,
resultantes de formações anteriores.
O crescente investimento em capital humano por parte das
empresas também tem como objetivo ascender aos padrões de
competitividade e de produtividade no campo industrial. Assim, a
educação oferecida aos funcionários na empresa e pela empresa
configura-se como alternativa para a sustentação da competitivi-
dade interna – entre funcionários – e externa – pelos concorrentes
do mercado.
Toda oferta de educação voltada para a alfabetização de traba-
lhadores jovens e adultos e com a finalidade de qualificação ou requa-

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174 © Educação de Jovens e Adultos

lificação profissional amplia as oportunidades de a empresa conquis-


tar um certificado de qualidade total ao passar por avaliação.
De acordo com Fernandes (2004, p. 4), o processo de am-
pliação das desigualdades sociais é incitado, em países conside-
rados em desenvolvimento, como o Brasil, predominantemente,
pela ação de:
[...] representantes legítimos dos interesses de uma minoria que
vem se consolidando como hegemônica na nossa sociedade – a
burguesia industrial –, mas que, na prática, serve predominante-
mente para aumentar as desigualdades sociais e econômicas exis-
tentes e, por conseguinte, as relações de poder e a manutenção
dessa hegemonia.

Complementando essa ideia, veja que:


[...] as empresas podem e devem disponibilizar informações a seus
empregados, as quais, além de auxiliarem na execução do seu tra-
balho, possibilitem o desenvolvimento do seu potencial, reforçan-
do o reconhecimento do valor do capital humano. Já é sabido que
o custo de formação profissional, bem administrado, transforma-se
em lucros, pois aumenta a produtividade geral do trabalho (CAR-
DOSO, 2001 apud FERNANDES, 2004).

Em conformidade com o exposto até agora, podemos dizer


que todas as formas de investimentos realizados pela empresa
presumem um retorno em forma de lucro, inclusive o destinado
ao capital humano.
O investimento destinado ao capital humano será conver-
tido em lucro, por exemplo, como já esboçamos anteriormente,
se os trabalhadores realizarem as atividades sem desperdício de
matéria-prima, se reduzirem o número de acidentes de trabalho,
se tornarem profissionais polivalentes, capazes de realizar tarefas
diferentes dentro da empresa, e se apresentarem capacidade de
solucionar os possíveis problemas de seu campo de atuação. Po-
demos perceber que se trata de uma via de mão dupla. No que
diz respeito às ações da iniciativa privada na Educação de Jovens e
Adultos, o Parecer CNE/CEB n. 11/2000 pondera que:
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 175

Os empresários, dentro de seus objetivos, reconhecendo a impor-


tância da educação e incorporando sua necessidade, têm tomado
iniciativas próprias ou buscado o fortalecimento de parcerias, seja
com os poderes públicos [...]. Os trabalhadores, conscientes do va-
lor da educação para a construção de uma cidadania ativa e para
uma formação contemporânea, tomam a EJA como espaço de um
direito e como lugar de desenvolvimento humano e profissional
(BRASIL, 2000, p. 54).

De acordo com o Parecer, fica claro que as ações da socie-


dade civil são reconhecidas e reafirmadas pelas Diretrizes Curri-
culares Nacionais por entenderem a necessidade e a exigência do
espaço “empresa” como alternativo na formação e na escolariza-
ção de jovens e adultos trabalhadores. Por meio dessas oportuni-
dades, de acordo com Freire (1997, p. 37):
[...] as massas descobrem na educação um canal para um novo sta-
tus e começam a exigir mais escola. Começam a ter uma apetência
que não tinham. Existe uma correspondência entre a manifestação
das massas e a reivindicação. É o que chamamos educação das
massas. [...]. Percebem que outros têm mais facilidade que eles e
descobrem que a educação lhes abre uma perspectiva.

Para o autor, a educação funcionará para esses sujeitos como


instrumento de libertação tanto das suas "ignorâncias" quanto da
ideologia dos empresários, dos políticos e dos economistas, ofe-
recendo-lhes os recursos necessários para construir suas próprias
opiniões por meio de suas experiências de vida, de seus valores,
de seus referenciais. Essa nova possibilidade de atuação social
contribuirá, também, para que evoluam como trabalhadores.
Segundo Gentili (1998, p. 82), essa “solidariedade responsá-
vel” a que se submetem os empresários os favorece, ao passo que
se torna um apelo moral capaz de justificar e legitimar “um com-
promisso maior dos homens de negócios com os problemas sociais
do país". Freire (1997, p. 19) aponta que, nessas ações:
[...] o verdadeiro compromisso é a solidariedade, e não a solida-
riedade com os que negam o compromisso solidário, mas com
aqueles que, na situação concreta, se encontram convertidos em
"coisas". Comprometer-se com a desumanização é assumi-la e, ine-
xoravelmente, desumanizar-se também.

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176 © Educação de Jovens e Adultos

O compromisso, nesse sentido, deve ser com o sujeito, que,


aos olhos de alguns empresários, é apenas número, “coisa” com a
qual se lida na empresa e não com a solidariedade que caracteriza
o processo que contribuirá para a retomada da humanização do
trabalhador. Fernandes (2005, p. 15) acredita que:
[...] não podemos perder de vista que, antes do retorno para as
empresas, toda oferta de escolarização ou qualificação profissional
oferecida à classe trabalhadora garante uma ampliação dos campos
de saberes dos sujeitos envolvidos. Os conhecimentos aprendidos
poderão ser utilizados pelos trabalhadores em diferentes espaços
onde os mesmos estabeleçam relações sociais e profissionais, seja
na própria empresa ou fora dela.

Eles são trabalhadores, mas, acima de tudo, homens e mu-


lheres com vidas próprias fora da empresa que, de uma forma ou
de outra, alcançarão um nível de desenvolvimento superior ao
qual se encontravam antes de participarem do curso oferecido
pela empresa e que poderão fazer uso dos novos conhecimentos
construídos para, igualmente, obterem melhorias no meio em que
vivem.
Contudo, essa oferta de educação para jovens e adultos por
meio de ações oriundas da esfera privada não pode ser considera-
da a única e viável alternativa na formação do trabalhador. Como
cidadãos, eles precisam ter seus direitos referentes ao acesso e à
permanência na escola regular garantidos, ultrapassando as ques-
tões relacionadas à dualidade e ao preconceito, que, ao longo dos
anos, têm acompanhado a história da EJA em nosso país.

7. EDUCAÇÃO BÁSICA PARA O TRABALHO


A reestruturação nas formas de produção tem acontecido,
muitas vezes, em virtude dos avanços científicos e tecnológicos,
que atingem, também, os recursos da empresa, os quais contri-
buem significativamente para que as desigualdades sociais sejam
reforçadas, ampliando, consequentemente, o nível de exclusão na
sociedade.
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 177

Mais do que nunca, os empresários buscam maior lucrativi-


dade em suas produções, lançando mão desses recursos e descon-
siderando tanto o caráter humano do trabalhador quanto as suas
necessidades.
Entretanto, não podemos dizer que o problema está no avan-
ço, no desenvolvimento científico e tecnológico especificamente,
uma vez que não são os avanços os responsáveis pelas relações
interpessoais estabelecidas nas empresas. Poderíamos dizer que
eles contribuem significativamente para que os postos de traba-
lhos sejam reduzidos, afinal, estes são substituídos por máquinas,
agravando o quadro de exploração humana por parte dos capita-
listas. Segundo Brandão (2006, p. 113):
[...] ocorre que não é o uso de uma máquina automática que ga-
rante relações de produção capitalista. O processo de trabalho ca-
pitalista, ou as relações de produção que aquele estabelece, não
são fundamentalmente determinadas pelas técnicas e pelos instru-
mentos materiais de produção, e sim pelos interesses do capital
em confronto com os interesses dos trabalhadores. Se em sua for-
ma capitalista, a grande indústria tem levado ao sacrifício da classe
trabalhadora, há que se admitir os avanços que traz consigo, como
processo de desenvolvimento social que exige transformações na
produção e nas relações sociais em geral.

De acordo com a autora, precisamos reconhecer que tais


avanços implicam diretamente a necessidade de desenvolvimento
científico – produção de conhecimentos – e de sua socialização.
Dessa forma, os empresários acabam por exigir do trabalhador,
em geral, o domínio de um conhecimento cada vez mais amplo,
considerando a função que ele desempenha na empresa.
A racionalização da produção e a sua flexibilização, que, a
priori, tornarão mais eficientes os processos produtivos na indús-
tria por meio do emprego de métodos científicos e das novas tec-
nologias, reforçarão a importância da escola como lugar privilegia-
do para a difusão do saber socialmente produzido e acumulado ao
longo da história na formação dos trabalhadores.

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178 © Educação de Jovens e Adultos

Conforme atesta Brandão (2006), a educação profissional


não pode ser encarada como uma formação profissional em ní-
vel técnico que equivale ao Ensino Médio, conferindo ao aluno, na
conclusão do curso, uma habilitação profissional de técnico.
A autora complementa a ideia afirmando que a formação
profissional se constitui por níveis que variam de acordo com as
finalidades e os objetivos propostos. Um deles é o nível básico,
voltado para a qualificação, a requalificação e a (re)profissionaliza-
ção de trabalhadores, sem que lhes seja previamente exigido que
tenham cursado outro nível de escolaridade.
O nível básico, definido em lei como não-formal, de duração variá-
vel e não sujeito à regulamentação curricular, confere ao trabalha-
dor um certificado de qualificação profissional, e não um diploma
com uma habilitação profissional regulamentada por lei, e o nível
tecnológico, que atende às necessidades de um curso de nível su-
perior na área tecnológica, é oferecido aos alunos que tenham con-
cluído o ensino médio e técnico (BRANDÃO, 2006, p. 113, grifos
nossos).

Brandão (2006, p. 114) acrescenta que é importante que


você saiba que:
vem sendo dado incentivo às instituições, públicas ou privadas,
para que organizarem cursos em nível de educação profissional. Es-
tes cursos geralmente são de pequena duração, e em grande parte
financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Em rela-
ção à rede federal de Educação Profissional, esse incentivo toma a
forma de obrigatoriedade legal. É com esses cursos que o gover-
no pretende tornar a educação profissional [...] acessível a toda
a população que dela precise. Esse projeto, utilizando também a
rede federal, reservaria cem horas anuais de educação profissional
por trabalhador, tendo a capacidade de atingir a cada ano cerca
de vinte por cento da PEA (população economicamente ativa). Se
fizermos as contas, veremos o que essas cem horas anuais signifi-
cam: em um ano letivo de dez meses, cada trabalhador teria apro-
ximadamente duas horas e trinta minutos de educação profissional
por semana! Após cinco anos, toda a PEA poderia ter sido atendida
nas mesmas condições! Esse é o tempo para "educação" (ou "qua-
lificação", ou ainda desenvolvimento de "competências"?) que o
governo reserva àqueles que "dela precisam". E, mais ainda, essa
é a formação que, segundo, o mesmo governo, garantiria ao país
competitividade no mercado globalizado, cujo processo produtivo
tem sofrido intensas transformações.
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Tais cursos de pequena duração representam, para o traba-


lhador, uma forma de aprimoramento para que ele se mantenha
no emprego em que está ou, ainda, um benefício na conquista de
uma vaga no mercado. Há de se convir que toda oferta de educa-
ção/formação representará uma conquista; no entanto, é preciso
ficar atento para que essa oferta não seja transformada em uma
simples fábrica de diplomas.
Considerando os prós e os contras, não podemos dizer que
essa é a solução ideal e viável para a melhoria da qualificação pro-
fissional de que necessita o país. Para Brandão (2006, p. 115, grifo
nosso), ao considerar o:
[...] nível técnico da Educação Profissional, deve-se ressaltar a se-
paração curricular em relação à formação geral: de um lado, há o
ensino médio (antigo segundo grau e etapa final do que hoje se
considera a educação básica) e, de outro, tem-se o curso técnico,
que habilita profissionalmente. São dois cursos independentes, po-
rém complementares – o diploma de técnico só é conferido a quem
apresentar a conclusão do Ensino Médio.

Conforme vimos, essa oferta de educação poderá destacar-


-se como uma possibilidade a mais de democratização do ensino,
especialmente no que diz respeito ao fato de as escolas técnicas
funcionarem como suplemento para a Educação Básica, que, como
vimos, ainda não consegue garantir a todos os educandos o direi-
to de acesso e permanência na escola e, tampouco, a qualidade.
Assim, os cursos técnicos serão procurados, inicialmente, por pes-
soas interessadas em adquirir formação profissional, sendo-lhes
facultativa a realização de um curso superior.
De acordo com Brandão (2006), a educação profissionalizan-
te precisa ser organizada e oferecida em módulos independentes,
possibilitando que o jovem e/ou o adulto curse diferentes módulos
em momentos e em instituições diferentes. Cada módulo cursado
conferirá um certificado de qualificação profissional ao estudante,
que, por ora, é, também, um trabalhador. A somatória dos certifi-
cados referentes aos módulos realizados, resultando na quantida-
de ideal estabelecida com antecipação, garantirá ao estudante um
diploma de técnico.

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Voltando à questão da qualidade da educação que é ofere-


cida aos jovens e aos adultos, precisaremos delimitar o que, na
atualidade, melhor define essa questão. Considerando o contexto
capitalista, empresarial, como plano de fundo dessa formação pro-
fissional, surge, em meio às discussões sobre o tema, uma palavra
que abrange grande parte do tema. A palavra é: "competência".
Para Brandão (2006, p. 116), "hoje, é o modelo de competências
que está em pauta, o que não quer dizer que todos os outros ter-
mos se esgotaram".
Ainda que existam imprecisões nas discussões sobre seu significa-
do, devido à novidade do conceito, podemos destacar o que parece
ter se tornado consensual. O trabalhador que as novas bases do
processo produtivo estariam demandando, seria aquele com com-
petências relacionadas menos a uma qualificação para um posto
específico de trabalho, a um saber técnico (o saber-fazer), e mais a
características gerais e essencialmente comportamentais (o saber
ser) (BRANDÃO, 2006, p. 116-117).

Isso não quer dizer que a competência possibilita ao educan-


do desconsiderar os conhecimentos teóricos e técnicos construí-
dos até então, mas que esses conhecimentos precisam ser conver-
tidos em uma maneira específica de se comportar e de agir com a
finalidade específica de “saber-ser”.
A competência, característica necessária ao perfil do traba-
lhador, não é uma exigência que surge em nossos dias. Há algum
tempo, empresários, intelectuais e o governo procuram, por meio
de políticas públicas educacionais, uma maneira de possibilitar e,
consequentemente, de garantir que o educando, em todos os ní-
veis de ensino, tenha as habilidades e as competências necessárias
para desempenhar diferentes tarefas, como, por exemplo, traba-
lhar em equipe, colaborar com os demais, resolver problemas que
venham a surgir, ter iniciativa e autonomia, envolvendo-se e parti-
cipando nas mais diferentes situações de trabalho a fim de produ-
zir melhor e com coeficiente mais elevado de qualidade. Brandão
(2006, p. 117) apresenta suas críticas ao conceito e à sua forma de
utilização:
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Em primeiro lugar, e mais uma vez, seguindo a tradição liberal, foca-


-se no indivíduo todas as possibilidades de êxito ou fracasso social,
numa correlação direta com seus méritos pessoais. Nesse modelo,
são as capacidades (ou competências) individuais do trabalhador
que determinam, de forma direta, se ele tem um lugar no mercado
de trabalho ou não. E é principalmente o seu comportamento, in-
dividual, que determina se ele é competente ou não. Dessa forma,
recai completamente sobre o indivíduo a responsabilidade sobre
sua trajetória social, escamoteando as determinações sociais de
construção do próprio indivíduo.

Podemos dizer que outros fatores externos ao sujeito e não


passíveis às suas vontades, como a sua história e o meio em que
vive, se constituem como determinantes no quesito competência,
contribuindo para que ele venha ou não a possuí-las.
O mercado, a empresa e a sociedade eximem-se da possibili-
dade de recair sobre si qualquer indício que aponte numa direção
divergente aos seus interesses, desconsiderando dados que infor-
mam que a falha não está apenas no homem, uma vez que, sendo
um sujeito histórico-social, sofre o desígnio da condição econômi-
ca, social, cultural e política do meio a que pertence.
Em segundo lugar, e talvez aqui esteja o cerne da questão, devemos
nos perguntar: competência para qual objetivo? Parece já estar cla-
ro que, para aqueles que defendem uma educação/formação do
ponto de vista dos interesses do trabalhador, competência deveria
ser para todas as dimensões da vida, numa perspectiva de liber-
dade, que amplie horizontes. No entanto, parece também já estar
claro que, para os que vêm defendendo a importância de nos guiar-
mos por esse "novo" conceito, "competente" é aquele que se adap-
ta às relações de produção capitalista, é aquele que atende espe-
cificamente às necessidades do mercado de trabalho – capitalista.
Para eles, competente é aquele que se comporta, sabe ser, da ma-
neira esperada pelo capital, isto é, se mobiliza, em última instância,
na direção da valorização do capital (BRANDÃO, 2006, p. 117-118).

As colocações da autora vão ao encontro das finalidades e


dos objetivos propostos pela educação progressivista libertadora,
que procura oferecer, ao sujeito em desenvolvimento, oportunida-
des reais na construção de conhecimentos para que, fazendo uso
deles, seja capaz de se modificar como sujeito e de mudar o meio
em que vive para que, como já dissemos anteriormente, se liberte
dos dogmas apregoados pelo discurso da elite.
Por fim, uma questão de fundo. Podemos perceber que, através

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desse conceito de competência que tem sido construído, se reen-


troniza, por um lado, o discurso de naturalização das relações so-
ciais capitalistas e, por outro, o fim dos conflitos de classes no in-
terior dessas relações. Se essas relações são tidas como naturais,
então não se tem o objetivo de modificá-las, porém tem-se a ne-
cessidade de que os trabalhadores vistam a camisa das empresas,
comportem-se de maneira adequada à valorização do capital, sai-
bam ser. Como consegui-lo? Proclamando o fim dos conflitos de
classes (como se esse fim fosse uma conseqüência da introdução
das novas tecnologias no processo produtivo), mas não o fim das
relações sociais capitalistas (já que elas é que garantem e legitimam
o lucro). Proclamando que ser moderno é saber negociar, alcançan-
do resultados que se traduzem em qualidade, produtividade, com-
petitividade, enfim, em melhorias para todos (BRANDÃO, 2006, p.
118).

A harmonia e a conformidade defendidas pelos ideários


capitalistas são insustentáveis nas relações de trabalho vigentes.
Esse campo de relação foi, é e possivelmente será, por muitos
anos, conflituoso por unir interesses divergentes. De um lado, os
empresários buscam funcionários que “vistam a camisa”, que as-
sumam o seu discurso e que façam o possível e o impossível para
que a produção e o lucro sejam cada vez maiores. De outro lado,
um sujeito com vida e necessidades próprias busca, na empresa, o
reconhecimento por seus feitos, convertido em melhores salários,
para que possa ter melhores condições de vida.
Resolver esse impasse não é simples: como reconhecer os
feitos do trabalhador, beneficiá-lo e continuar somando lucros
cada vez maiores? Nessa relação, para que os interesses de um
sejam acatados, proporcionalmente, os do outro serão rejeitados.
Podemos dizer que, para formar trabalhadores competentes
da maneira que demanda o mercado, as práticas pedagógicas e
os conteúdos a serem trabalhados precisarão estar voltados para
os interesses do capital, que serão assumidos como interesses da
população nacional em geral. Brandão (2006, p. 119, grifo nosso)
considera que:
[...] através do trabalho o ser humano constrói sua própria história,
acumulando conhecimentos científicos e transformando concre-
tamente a natureza e a sociedade. Portanto, se a lógica que hoje
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norteia a vida é científica, isso significa que, a partir das mudanças


que o desenvolvimento da indústria traz para a natureza do tra-
balho – mudanças ocorridas devido ao desenvolvimento científico
– tecnológico produzido pelos homens e sua aplicação ao processo
produtivo –, mudam também as formas de vida e de organização
social. Como conseqüência, a realidade exige um novo homem,
que se conforme às necessidades dessa realidade e, portanto, exi-
ge também uma nova formação. É nesse sentido que o trabalho
moderno, industrial, a partir do momento que não dissocia ciência
e tecnologia, teoria em prática, pode se tornar um princípio edu-
cativo; e isso, não apenas para a produção na fábrica, mas para a
produção na vida.

Tomar o trabalho como origem da educação implica com-


preender que ciência, tecnologia e educação, da maneira que se
apresentam, se consolidam como fruto de uma construção huma-
na, histórica em sociedade. E vai além, pois requer a compreensão
de que a realidade social à qual cada um de nós está fadado foi
historicamente determinada.
Assim, precisamos acreditar que as ações que praticamos
no presente, nossas buscas e nossas aprendizagens serão deter-
minantes no tipo de futuro que teremos em nossas possibilidades
de vida.
Considerando que vivemos em uma sociedade politicamen-
te democrática, as escolas precisam oferecer possibilidades reais
para a construção de conhecimentos que possibilitem a todos os
educandos uma formação científico-tecnológica, ao mesmo tempo
em que garantam as aprendizagens necessárias para as atividades
diretivas na sociedade fundamentadas em valores e em conformi-
dade com uma consciência crítica. De acordo com Freire (1997, p.
40-41), a consciência crítica formada apresenta as seguintes carac-
terísticas:
1) Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se sa-
tisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de
meios para a análise do problema.
2) Reconhece que a realidade é mutável.
3) Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autên-
ticos de causalidade.

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184 © Educação de Jovens e Adultos

4) Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta


às revisões.
5) Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de pre-
conceitos. Não somente na captação, mas também na análise
e na resposta.
6) Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se
mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquie-
tude, e vice-versa. Sabe que é na medida em que é e não pelo
que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base
da autenticidade.
7) Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade
e aceita a delegação das mesmas.
8) É indagadora, investiga, força, choca.
9) Ama o diálogo, nutre-se dele.
10) Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o
novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são váli-
dos.

O sujeito que obteve, na escola, as oportunidades necessá-


rias para desenvolver sua consciência crítica não aceita as explo-
rações capitalistas que sofre de maneira indiferente; ele analisa,
questiona, discute, reflete, verifica, liberta-se de preconceitos, ex-
põe suas ideias, reconhece suas especificidades, suas capacidades
e suas limitações, é autêntico, choca! Pondera sobre as inovações
com a finalidade de tirar conclusões próprias sobre o que lhe pare-
ce. Não desconsidera o velho nem o novo, aceita-os. Dessa forma,
a escola, diante da:
[...] realidade objetiva, ao condicionar a percepção que dela tem os
indivíduos, condiciona também a forma de enfrentá-la, suas pers-
pectivas, suas aspirações, suas expectativas. Condiciona também
os vários níveis de percepção que, por sua vez, explicam as formas
de ação dos indivíduos.
Até o momento em que uma realidade for vista como algo imu-
tável, superior às forças de resistência dos indivíduos que assim a
veem, a tendência destes será adotar uma postura fatalista e sem
esperança. Ainda mais e por isso mesmo, sua tendência é procurar
fora da própria realidade a explicação para a sua impossibilidade de
atuar (FREIRE, 1997, p. 58).
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 185

Assim, podemos dizer que essa citação de Freire justifica e


responde a muitos questionamentos levantados até agora. Em ou-
tras palavras, podemos dizer que comandar, administrar e enca-
brestar sujeitos que não tiveram a oportunidade de desenvolver
sua consciência crítica é, indiscutivelmente, mais fácil que buscar
explicações para aqueles a quem a escola foi um diferencial, cum-
prindo efetivamente sua função social com objetivos e finalidades
que culminam na possibilidade do desenvolvimento pleno do edu-
cando, independentemente de ser ele uma criança, um adolescen-
te, um jovem, um adulto ou um idoso.

8. TEXTO COMPLEMENTAR
O texto apresentado a seguir será de grande importância
para enriquecer o estudo desta unidade.

O desemprego tecnológico–––––––––––––––––––––––––––––
Lauro A. Monteclaro César Jr.
O problema mais grave destes primeiros anos do terceiro milênio talvez seja
a ameaça do chamado desemprego tecnológico – o desemprego gerado pela
combinação da utilização em grande escala da tecnologia de informática e tele-
comunicações, aliada às novas técnicas como meio de aumentar a produtividade
das empresas, com a conseqüente redução da mão-de-obra.
Os estudiosos do problema costumam se dividir em dois grupos com opiniões
divergentes. De um lado, os pessimistas que pensam que a automação elimi-
nará rapidamente os empregos industriais e os de serviços. Consideram que
o desemprego global atingiu seu nível mais alto desde a década de 1930, com
mais de 800 milhões de pessoas no mundo desempregadas ou subempregadas.
Essas ideias costumam ser refutadas pelos otimistas, que acreditam que a ativi-
dade econômica mudaria da produção de bens para a prestação de serviços. O
fim do emprego rural seria seguido pelo fim do emprego industrial, em benefício
do emprego do setor de serviços. E este constituiria a maioria esmagadora das
ofertas de emprego. A nova economia aumentaria a importância das profissões
com grande conteúdo de informação e conhecimentos em suas atividades. As
profissões administrativas, especializadas e técnicas cresceriam mais rápido que
qualquer outra, e constituiriam o cerne da nova estrutura social.
Assim, de acordo com o partido “otimista”, não há nada com o que se preocupar:
depois de um período de ajustes, o fim de empregos nos setores convencionais
seria compensado por uma grande oferta de colocações. Essas colocações, no
entanto, exigiriam alta qualificação profissional. A solução, portanto, seria sim-
ples: aumentar o nível de escolaridade e a capacitação técnica da população.

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Infelizmente, não é o que se observa no dia-a-dia, e os números demonstram


que o partido “pessimista” tem razão. Até mesmo os “otimistas” concordam que
para tudo dar certo é necessário haver um “espetáculo do crescimento” em ter-
mos globais: se os governos não forem capazes de intervir para reduzir as jorna-
das de trabalho, as conseqüências seriam aquelas descritas pelos “pessimistas”.
Vamos analisar como cada país deverá agir para se inserir na nova economia. A
partir de discursos de empresários e economistas, o que fica claro é o seguinte:
• É necessário o aumento de produtividade mesmo à custa do aumento do de-
semprego, pois o superávit gerado poderá ser usado para criar novos empre-
gos.
• Alegam que a expansão do comércio global faria com que essa competição en-
tre nações não tivesse como resultado uma “soma zero”, ou seja, o aumento
da riqueza global. Na realidade, faria com que o superávit obtido por cada país
fosse maior a cada ano, de modo que todos ganhariam.
• É aí que está o problema. Porque o que se observa é o seguinte:
• As empresas se valem das novas tecnologias para transferir empregos de seus
países para outros onde a mão-de-obra é mais barata.
• O superávit obtido é investido, cada vez mais, em tecnologias substitutivas de
mão-de-obra em seus próprios países.
• Os governos são cada vez mais impotentes para influir sobre qualquer decisão
importante que envolva a economia global.
Ora, uma das condições absolutamente necessárias para o aumento da deman-
da é o aumento da renda das populações. Mas o quesito básico para a inserção
de qualquer país pobre na economia global acaba sendo o de sua população
permanecer pobre. Se os salários e benefícios aumentarem, o país deixará de
ser competitivo e sua população voltará imediatamente à “exclusão”.
Para os países ricos sobra a opção de transferir seus cidadãos de empregos com
altos salários para empregos terceirizados, temporários, de meio período, contra-
tados por projeto etc. Em todos os casos há redução de salários e/ou benefícios.
Então fica a pergunta: se a renda nos países ricos deve cair e nos países pobres
deve se manter baixa, de onde virá o aumento da demanda? Apenas o consumo
de luxo será capaz de gerá-la?
Por outro lado, toda a pressão política que vem sendo feita, tanto em países
ricos quanto nos subdesenvolvidos, é no sentido de uma menor interferência do
Estado na economia. Quanto “menos governo” melhor. Por toda parte se fala em
desregulamentação, em flexibilização das leis trabalhistas etc. Outra pergunta:
de onde virá uma possível reação capaz de reduzir as jornadas de trabalho e
não o emprego?
Apesar de haver um aumento das exigências em termos de educação e treina-
mento, a maioria dos profissionais apenas consegue manter em parte sua renda.
De outro lado, um pequeno grupo passou a obter salários cada vez maiores e os
empresários de sucesso fizeram fortunas inimagináveis.
O aumento das desigualdades gera conflitos sociais de todo tipo. É urgente ree-
quilibrar as sociedades para evitar os conflitos. Quem poderá fazer isso? Os
governos e partidos políticos atuais? Será possível fazê-lo por meios pacíficos e
institucionais?
Essas são de fato as perguntas mais importantes, cuja capacidade de resposta
dependerá do futuro das novas lideranças políticas e sociais (BRASIL, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 187

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Ao realizar as Questões Autoavaliativas, você se tornará re-
flexivo, autônomo, motivado e eficiente, ou seja, responsável por
sua evolução educacional. A sua autoconsciência crescente e o seu
empenho em refletir sobre as questões propostas vão proporcio-
nar a você o amadurecimento natural, que, progressivamente, ga-
nhará forma e consistência.
O recurso das Questões Autoavaliativas pode ser de grande
alcance na educação de cidadãos conscientes de si, do outro e de
seu papel na construção de uma sociedade solidária, responsável
e humana.
Apresentamos, a seguir, essas questões, a fim de que você
possa verificar se a unidade proposta foi ou ainda necessita ser
revista para a conquista efetiva de novos conhecimentos.
1) A década de 1990 foi marcada por inúmeras reformas governamentais com o
intuito de sanar ou, pelo menos, minimizar as crises pelas quais passava (e ainda
passa) o nosso país nos âmbitos econômico, político e educacional. Entre essas
reformas, podemos citar a ampliação da responsabilidade de empresas priva-
das, ONGs e outros tipos de instituições sobre a oferta de educação oferecida à
população em geral com o objetivo de oportunizar a ela um nível maior de de-
senvolvimento – por meio da participação em atividades como dança, música,
representações teatrais e práticas esportivas, além de cursos de informática, de
idiomas e profissionalizantes, com o intuito de capacitar essa população para
atender a algumas das exigências do mercado de trabalho – e, consequente-
mente, possibilitar que tenha melhores condições de vida.
De posse dessa breve introdução, procure se lembrar: quais são os objetivos
gerais da Educação de Jovens e Adultos?

2) À medida que estuda e se desenvolve, o sujeito angaria atrativos para se des-


tacar em um mercado no qual centenas de pessoas disputam a mesma vaga;
assim, ao constituir-se como capital, o trabalhador torna-se interessante e
favorável à empresa. Ciente dessa condição para ter meios de ingressar e
manter-se no mercado de trabalho meritocrático, o que se faz necessário?

3) No que diz respeito às ações da iniciativa privada na Educação de Jovens e


Adultos, o Parecer CNE/CEB n. 11/2000 pondera que:
Os empresários, dentro de seus objetivos, reconhecendo a importân-
cia da educação e incorporando sua necessidade, têm tomado inicia-
tivas próprias ou buscado o fortalecimento de parcerias, seja com os

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188 © Educação de Jovens e Adultos

poderes públicos [...]. Os trabalhadores, conscientes do valor da edu-


cação para a construção de uma cidadania ativa e para uma formação
contemporânea, tomam a EJA como espaço de um direito e como lu-
gar de desenvolvimento humano e profissional (BRASIL, 2000, p. 54).
Reflita sobre o que esse parecer esclarece.

4) Como a educação profissionalizante necessita ser organizada? Justifique.

5) A competência, característica necessária ao perfil do trabalhador, não é uma


exigência que surge em nossos dias. Há algum tempo, empresários, intelec-
tuais e o governo procuram, por meio de políticas públicas educacionais,
uma maneira de possibilitar e, consequentemente, de garantir que o edu-
cando, em todos os níveis de ensino, tenha as habilidades e as competên-
cias necessárias para desempenhar diferentes tarefas, como, por exemplo,
trabalhar em equipe, colaborar com os demais, resolver problemas que ve-
nham a surgir, ter iniciativa e autonomia, envolvendo-se e participando nas
mais diferentes situações de trabalho a fim de produzir melhor e com coefi-
ciente mais elevado de qualidade.
Como Brandão (2006) apresenta suas críticas ao conceito e à sua forma de
utilização? Justifique sua resposta.

6) A formação profissional constitui-se por níveis que variam de acordo com as


finalidades e os objetivos propostos. Nesse sentido, a que se refere o nível
básico?

7) Cite a diferença entre nível básico e nível tecnológico.

8) Conforme estudos desta unidade, o que você compreendeu por qualificação


profissional? Justifique sua resposta.

9) Apresente a sua crítica sobre a unidade. Destaque e explique os pontos fun-


damentais e os pontos divergentes.

10. CONSIDERAÇÕES
Romper com o limiar das ideias que afirmam os interesses
da elite, aqui representados por donos de empresas, tornou-se
uma questão urgente em nossa sociedade.
Para “manter o status" social que cada sujeito ocupa, a edu-
cação procura estabelecer alguns limites em suas possibilidades
de ofertas, o que privilegia aqueles que se perpetuam no poder
em detrimento das massas que compõem as largas filas de mão de
obra braçal no mercado de trabalho.
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 189

Nesse contexto, ingressar no sistema educacional é, entre os


problemas, o menor. Por falta de qualidade em diferentes segmen-
tos, a escola é incapaz de oferecer aos educandos, de acordo com
suas necessidades e suas especificidades, os recursos necessários
para mantê-los no sistema e desenvolvê-los. Fala-se muito em
garantir o acesso dos alunos à escola, especialmente quando os
sujeitos desse processo são os jovens e os adultos trabalhadores;
porém, para aqueles que buscam por (re)colocação no mercado,
pouco se tem falado.
Conforme vimos, a iniciativa privada tem investido ampla-
mente na formação e na qualificação dos trabalhadores. Ao lhes
oferecer essa possibilidade de educação, explicitam seu desígnio
de acumular lucro, tendo em vista que um profissional mais bem
capacitado desperdiça menos material, produz mais em menor es-
paço de tempo, previne-se contra acidentes de trabalho, desem-
penha qualquer outra função que lhe seja atribuída, substitui um
profissional ausente e domina os maquinários produzidos com
"ciência e tecnologia" de ponta com facilidade. As críticas tecidas
alertam para a subserviência do sujeito, que passa a fazer parte do
capital da empresa.
O quadro atual sustentado pelas políticas públicas de edu-
cação leva-nos a refletir sobre o quanto ainda há a ser modifica-
do para que a educação oferecida nacionalmente seja de quali-
dade e para todos, atendendo a alguns dos direitos legítimos do
cidadão.
Para a boa formação do cidadão, é fundamental que haja re-
visão das reformas educacionais, econômicas e políticas, avaliação
das ações exercidas por um Estado intervencionista e realização
contínua de práticas democráticas a serem iniciadas por nós no dia
a dia, posicionando-nos contra os estigmas do autoritarismo que
nos acomete. Para encerrar esta unidade, propomos a você mais
uma reflexão:

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190 © Educação de Jovens e Adultos

Se a educação, em seu estatuto de bem universal, é parte da cons-


trução da vida, tudo o que delineamos até aqui, da apropriação
particular desse bem, significa apropriação. A educação é restrita,
controlada, ritualizada, significa também que parte da alma huma-
na é abafada, controlada, distorcida. E eis quão pouco do humano
(quando o imaginamos no seu sentido mais pleno) é aflorado (CO-
VRE, 1990, p. 75).

11. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
BRASIL. Parecer CNE/CEB n. 11/2000 – Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.
br/pdf/ccs/pebII/11_parecer_cne-ceb_11-2000.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2009.
­­­­______. Cadernos da EJA: tecnologia e trabalho. Texto 9. p. 23. Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/12_cd_al.pdf>. Acesso em: 08 out. 2010.
FERNANDES, A. P. A relação trabalho e EJA na década de 1990: expectativas e
perspectivas presentes nos discursos dos operários da construção civil. – UERJ – SME/RJ.
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CAp/UERJ – SME/RJ. GT: Educação de Pessoas Jovens e Adultas /n. 18, 2004. Disponível em:
<http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt18/t183.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2009.
MUNDO EDUCAÇÃO. Tecnocracia. Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.
br/politica/tecnocracia.htm>. Acesso em: 12 dez. 2009.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos. Brasília, 2006.
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2. ed. Campinas: Papirus, 2000.
COVRE, M. L. M. Educação, tecnocracia e democratização. São Paulo: Ática, 1990.
FOGAÇA, A. Educação e qualificação profissional nos anos 90: o discurso e o fato. In:
FREIRE, P. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
GENTILI, P. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do
neoliberalismo. Petrópolis: Vozes, 1998.
ISHIKAWA, K. Controle de qualidade total à maneira japonesa. Rio de Janeiro: Campus,
1993.
© U5 – Educação de Jovens e Adultos: Reflexões sobre o Mercado de Trabalho 191

KOHLBERG, L.; MAYER, R. Desenvolvimento como meta da educação. Tradução de Luci


Samartini e Nélio Parra. Harvard Educational Review, n. 42, v. 42, p. 449-496, nov./1972.
OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, M. R. T. (Orgs.). Política e trabalho na escola: administração dos
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RUMMERT, S. M. Educação e identidade dos trabalhadores: as concepções do capital e
do trabalho. São Paulo: Xamã; Niterói: Intertexto, 2000.

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EAD
Andragogia e
Aprendizagem dos
Adultos
6
Nós aprendemos aquilo que fazemos.
A experiência é o livro-texto do aprendiz (LINDERMAN, 1926).

1. OBJETIVOS
• Compreender e definir os enfoques que surgem em rela-
ção ao adulto, desde sua transformação em ser adulto até
sua vivência como ser adulto.
• Identificar como a Andragogia pode contribuir para o pro-
cesso de desenvolvimento e aprendizagem de adultos.
• Compreender e identificar as características da aprendi-
zagem adulta.
• Analisar a relação entre Pedagogia x Andragogia no con-
texto da Educação de Jovens e Adultos.
194 © Educação de Jovens e Adultos

2. CONTEÚDOS
• Andragogia.
• Abordagem filosófica a respeito da aprendizagem dos
adultos.
• Psicologia do adulto.
• Educação do adulto.
• Dificuldades de aprendizagem do adulto.
• Relação da Pedagogia x Andragogia com a educação.
• Características da aprendizagem adulta.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli-
citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de
Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades
desta obra. Isso pode facilitar sua aprendizagem e seu
desempenho.
2) Nesta unidade, pretendemos que você considere em sua
prática pedagógica as singularidades do aluno adulto,
recorrendo ao modelo de ensino-aprendizagem ainda
muito pouco conhecido: a Andragogia.
3) É importante que você reflita sobre isto: o sistema edu-
cacional persiste em ensinar adultos como se ensina
uma criança, desconsiderando as experiências acumula-
das ao longo de nosso ciclo vital.
4) A Andragogia recorre a uma metodologia específica para
a aprendizagem do adulto, seja ele estudante, seja ele
trabalhador.
5) Para que você possa compreender bem o conceito de
Andragogia, sugerimos que leia os livros indicados nas
Referências Bibliográficas ou acesse os sites indicados
nas E-referências.
© U6 – Andragogia e Aprendizagem dos Adultos 195

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Para dar continuidade aos nossos estudos, vamos com-
preender que a Andragogia, que, inicialmente, visava à educação
de adultos, surge como um modelo de aplicabilidade universal e
atual. Porém, essa educação de adultos, que é a proposta andra-
gógica, existe desde o início dos tempos.
Entre todos os seres da natureza, o mais desenvolvido é o
homem, uma vez que é o único a ter consciência dos atos que pra-
tica e, também, o único com capacidade de ampliar e apropriar-se
de conhecimentos por vontade própria.
Durante toda a sua vida, ele evolui por meio do aprendizado
contínuo. Portanto:
a Andragogia estuda o adulto por completo: sua vida, seu traba-
lho, seus sentimentos, suas habilidades, seus gostos, seu compor-
tamento, enfim, tudo que está relacionado com o seu ser (RODRI-
GUES, 2010).

5. ANDRAGOGIA
Em 1833, o professor alemão Alexander Kapp usou pela pri-
meira vez o termo “Andragogia” para descrever a teoria educativa
de Platão.
Estudamos em unidades anteriores que as experiências de
vida na aprendizagem dos adultos é de grande relevância. E, para
que eles possam participar ativamente do processo de ensino-
-aprendizagem, intervindo nas rotinas e nos programas em condi-
ções de equidade com seus pares e professores, a Andragogia tem
muito a oferecer.
À medida que se amadurece, várias transformações ocorrem
no ser humano. Knowles (1970) descreve-as assim:
• as pessoas deixam de ser dependentes para se tornarem indiví-
duos independentes, auto-direcionados;

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196 © Educação de Jovens e Adultos

• acumulam experiências de vida, as quais serão o fundamento e


o substrato de seu próprio aprendizado futuro;
• seus interesses pelo aprendizado se direcionam para o desen-
volvimento de habilidades que serão utilizadas na sua vida pes-
soal e profissional;
• esperam uma imediata aplicação prática do que foi aprendido e
reduzem seu interesse por conhecimentos de aplicação futura;
• preferem aprender para resolver problemas e desafios do co-
tidiano, mais do que simplesmente aprender um determinado
tema;
• passam a apresentar motivações internas, como desejar uma
promoção, sentir-se realizado por ser capaz de realizar uma ação
recém-aprendida, melhorar sua qualidade de vida, etc. Esta mo-
tivação interna é muito mais intensa que motivações externas
como notas e avaliações de provas e testes (FAVA, 2010).

6. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ANDRAGOGIA


O professor, assumindo a condição de facilitador, deve consi-
derar os seguintes princípios:
• compartilhar experiências é fundamental para o adulto, tanto
para reforçar suas crenças como para influenciar as atitudes dos
outros;
• a relação educacional do adulto é baseada entre o professor e o
aluno, também denominado aprendiz, onde ambos aprendem
entre si, em clima de liberdade e pró-ação;
• o foco central é a aprendizagem, não o ensino;
• aprender significa adquirir conhecimentos, habilidades e atitudes;
• o processo de aprendizagem se desenvolve na seguinte ordem:
sensibilização (motivação), pesquisa (estudo), discussão (escla-
recimento), experimentação (prática), conclusão (convergên-
cia) e compartilhamento (sedimentação);
• o diálogo é a essência do relacionamento, portanto a comunica-
ção só se efetiva através dele;
• professor (facilitador) e aluno (aprendiz) compartilham o co-
nhecimento de um com a experiência do outro. Fica difícil dis-
tinguir quem aprende mais, se o professor ou o aluno. O apren-
dizado andragógico é caminho de duas vias e não um caminho
de mão única como a Pedagogia;
© U6 – Andragogia e Aprendizagem dos Adultos 197

• o professor necessita ter humildade suficiente para "descer do


pedestal da cátedra" e situar-se no mesmo plano de aprendiza-
gem para, através do compartilhamento, se desenvolver junto
com o aluno;
• o aluno (aprendiz) deve ter consciência que também necessi-
ta mudar seus valores e suas crenças (aprender a desaprender
para reaprender) e ter mais flexibilidade para aumentar sua ca-
pacidade de aprendizado;
• o aluno (aprendiz) deve estar motivado para uma aprendiza-
gem ao longo de toda a sua vida, tornando-se, com o passar
dos anos, mais competente, seguro de suas habilidades e com-
prometido com a sociedade na qual vive e onde serve (FAVA,
2010).

7. PILARES DA ANDRAGOGIA
Linderman (1926), um dos maiores pesquisadores da educa-
ção de adultos, descreve os cinco pilares da Andragogia. São eles:
• adultos são motivados a aprender à medida que percebem que
as necessidades e interesses que buscam estão e continuarão
sendo satisfeitos. Por isso estes são os pontos mais apropriados
para se dar início à organização das atividades de aprendizagem
de adultos;
• a orientação da aprendizagem dos adultos está centrada em
vida; portanto, as unidades apropriadas para se organizar seu
programa de aprendizagem são as situações de vida e não disci-
plinas. O aluno é quem deve determinar junto aos professores o
que deve ser ensinado para que seus anseios sejam satisfeitos;
• a experiência é a mais rica fonte para o adulto aprender; as-
sim, o centro da metodologia da educação do adulto é a análise
das experiências externas e do próprio cotidiano de cada aluno.
Praticamente todo o conteúdo deve ser de utilidade prática e
imediata; porém, devem resultar em mudanças de atitude e
aperfeiçoamento de habilidades passíveis de gerar resultados a
longo prazo. O adulto aprende aquilo que faz e vivencia, sendo
a experiência seu próprio livro-texto;
• adultos têm uma profunda necessidade de ser auto-dirigidos:
por isso o papel dos professores é engajar-se no processo de
mútua investigação  com os alunos e não apenas transmitir-lhes
seu conhecimento e depois avaliá-los;

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198 © Educação de Jovens e Adultos

• as diferenças individuais entre as pessoas crescem com a idade;


desta forma, a educação de adultos deve considerar as dife-
renças de estilo, tempo, lugar e ritmo de aprendizagem (FAVA,
2010).

8. ABORDAGEM FILOSÓFICA A RESPEITO DA APREN-


DIZAGEM DOS ADULTOS
Vamos conhecer, a seguir, as abordagens filosóficas de vários
autores sobre Andragogia.
Etmologicamente, o termo "pedagogia" refere-se à educa-
ção de crianças, e o termo “andragogia”, a educação e à aprendiza-
gem de adultos, os quais já possuem um "rol" de conhecimentos
e experiências e, por isso, não devem ser tratados como crianças.
Os fatos estudados de acordo com a perspectiva da Psicolo-
gia apontam resultados que demandam respostas práticas (peda-
gógico-andragógicas). Como afirma Mello (1974, p. 242):
não se tem conseguido todavia um plano de didática, com resulta-
dos muito positivos quando se trata de aprendizagem complexa,
que envolvem vários aspectos intelectuais, motores e afetivos que
comprometem toda a personalidade de quem quer aprender.

9. PSICOLOGIA DO ADULTO
A palavra “adulto” vem do latim “adultus”, que significa
“crescer”. Em sua opinião, em qual idade a pessoa é considerada
adulta? Para responder a essa questão, vamos continuar nossos
estudos. Conforme Oliveira (2001, p. 18) afirma, a pessoa adulta:
[...] traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais
complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões
sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas.
Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas pe-
culiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem
com que ele traga consigo diferentes habilidades e dificuldades
(em comparação à criança) e, provavelmente, maior capacidade de
reflexão sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de
aprendizagem.
© U6 – Andragogia e Aprendizagem dos Adultos 199

Podemos reconhecer que as características especiais refe-


rentes ao aprendizado do adulto dependem da psicologia própria
à idade evolutiva.

10. EDUCAÇÃO DO ADULTO


O processo de formação que se inicia com pessoas maiores
de 18 anos que não tiveram acesso ao sistema educativo ou que,
por algum motivo, tiveram de sair sem terminá-lo ou concluí-lo é
conhecido por Educação de Adultos. Isso permitirá que a pessoa
adulta enfrente os desafios impostos pela família, pelo mundo do
trabalho e pela comunidade nos diversos contextos socioculturais
distintos, enriquecendo conhecimentos e desenvolvendo aptidões
e, consequentemente, a competência profissional e técnica.
Compreendida como um conjunto de metodologias, teorias,
técnicas e estratégias, a Pedagogia do adulto propõe a aprendiza-
gem individual e o ensino, inicialmente em suas potencialidades
como pessoa para que o aluno se relacione bem com o outro.

11. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DO ADULTO


Vamos apresentar, agora, algumas das dificuldades em rela-
ção à aprendizagem do adulto, segundo Arretio (apud FERREIRA;
OLIVEIRA, 2010):
• Alcance das metas sonhadas na adolescência.
• Diminuição da curiosidade juvenil.
• A inteligência paralisa-se e a memória diminui. Nessa
fase, não há interesse pelas teorias e ideias abstratas, mas
sim pelos problemas da vida.
• Há redução da reação sensorial, o que torna o aprendiza-
do lento.
• Quem tem pouca experiência no estudo se considera
pouco dotado para o desafio de determinadas metas in-
telectuais.

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200 © Educação de Jovens e Adultos

• Adaptação lenta a novas situações.


• Cansaço e escassez de tempo para dedicar-se aos estu-
dos.

12. RELAÇÃO DA PEDAGOGIA X ANDRAGOGIA COM


A EDUCAÇÃO
Busca-se trilhar caminhos novos com clareza e compreensão
para o adulto por meio da Andragogia, em um processo participa-
tório e contínuo, auxiliando a pessoa a significar sua experiência.
Exploram-se, assim, a personalidade do adulto e o seu mundo,
de modo a objetivar mudanças em sua vida e no mundo do outro.
O processo de aprendizado do adulto ou de uma criança
mantém-se em constante evolução por toda a vida. Entretanto, o
modelo atual de educação nem sempre respeita a diversidade cul-
tural desses alunos, principalmente no que se refere à faixa etária.
Dessa forma, na Educação de Adultos (alfabetização), é pre-
ciso observar atentamente os fatores que os acompanham, como:
sua rotina, seus hábitos, se são conformados, observadores, expe-
rientes, independentes e inteligentes. Por não conseguirem atuar
integralmente na sociedade, sentem-se inibidos e, muitas vezes,
consideram que tudo é mais difícil para eles. Entre os preconceitos
sociais contra os adultos, destacamos os seguintes:
• Eles têm muita dificuldade de aprender coisas novas.
• Não têm boa memória para coisas novas.
• Têm pouco interesse ou curiosidade.
Atualmente, vivemos a era do conhecimento, na qual o “sa-
ber fazer” passa a ser essencial. Portanto, torna-se imprescindível
oportunizar o aprendizado às pessoas.
Assim, em todas as suas instâncias – educacional ou profis-
sionalmente – a Andragogia deve explorar e estabelecer parâme-
tros novos em relação à Educação de Adultos.
© U6 – Andragogia e Aprendizagem dos Adultos 201

Para compreender melhor, vejamos o Quadro 1, no qual es-


tão situadas as características da aprendizagem na Andragogia.

Quadro 1 Características da Aprendizagem.


CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM ANDRAGOGIA
A aprendizagem adquire uma
característica mais centrada no aluno,
Relação professor/aluno
na independência e na auto-gestão da
aprendizagem.
Pessoas aprendem o que realmente
Razões da aprendizagem precisam saber (aprendizagem para a
aplicação prática na vida diária).
A experiência é rica fonte de
aprendizagem, por meio da discussão e
Experiência do aluno
da solução de problemas em grupo.
Aprendizagem baseada em problemas
exigindo conhecimentos para se chegar à
Orientação da aprendizagem
solução.
Fonte: Teixeira (2010).

13. CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM ADULTA


É necessário que você saiba que a aprendizagem do adulto
deve ser diferenciada, pois ele traz consigo uma grande bagagem
pessoal, que tem como pilares:
1. Aprender a conhecer: desenvolver habilidades, destrezas, hábi-
tos, atitudes e valores, que lhe permita adquirir as ferramentas
da compreensão como meio para entender o mundo em que
vive; viver com dignidade, comunicar-se com os demais e valo-
rizar as vantagens do conhecimento e da investigação.
2. Aprender a fazer: desenvolver sua capacidade de inovar, criar
estratégias, meios e ferramentas que permitam combinar os
conhecimentos teóricos e práticos com o comportamento so-
ciocultural; desenvolver aptidões para trabalhar em equipe e
capacidade de iniciativa, assumindo responsabilidades.
3. Aprender a ser: desenvolver a integridade física, intelectual,
social, afetiva e ética da pessoa, em sua qualidade de adulto,
de trabalhador, de membro de uma família, de estudante e de
cidadão (FERREIRA; OLIVEIRA, 2010).

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202 © Educação de Jovens e Adultos

Na Andragogia, o formador é um incentivador da aprendiza-


gem. Para estabelecer a orientação adequada dos conhecimentos
e metodologias de aprendizagem, ele deve saber como o traba-
lhador qualificado e o semiqualificado aprendem. Assim, é possí-
vel dirigir o desenvolvimento das capacidades que necessitam ser
potencializadas.
Toda intervenção educativa no adulto deve considerar que,
no aprendizado, desaprender é a parte mais relevante e que se
constitui em resistência interna do sujeito.

14. ANDRAGOGIA: NOVAS POSSIBILIDADES


Para permanecer no mercado de trabalho, os profissionais
conscientizam-se, cada vez mais, de que devem investir na apren-
dizagem contínua, processada na criação e na elaboração de no-
vos conhecimentos.
Em pleno século 21, mudanças vêm ocorrendo em todas as
áreas e, quanto mais rapidamente ocorrem, maior o impacto so-
bre os educandos, uma vez que estes têm de se adaptar à nova
situação.
O que garante a sobrevivência e o desenvolvimento acadê-
mico do educando adulto é justamente esse processo de adapta-
ção contínua, conduzindo-o com capacidade para decidir, mudar,
aprender e, principalmente, aprender a aprender (aliás, um dos
quatro pilares da educação neste século). Assim, para Mucchielli
(1981 apud GIANCATERINO, 2010), educar é:
assinalar como de relevância a presença de forte identidade e ou
intercessão conceitual, quanto à importância dada à experiência, e
na ênfase à reflexão e à solução de problemas, características ope-
rativas comuns a Andragogia ativa da descoberta ou por projeto
e que denotam idêntico privilégio à idéia de aprendizagem como
processo prazeroso de investigação ativa, proativa, contextualiza-
da e criativa, que valoriza a autonomia, autodireção e a motivação
intrínseca do sujeito, como ator/autor de seu processo de apren-
dizagem.
© U6 – Andragogia e Aprendizagem dos Adultos 203

15. ANDRAGOGIA NAS EMPRESAS


Na área de recursos humanos, os princípios da Andragogia já
estão sendo aplicados. Conforme Cavalcanti, a gestão baseada no
modelo andragógico:
[...] vem substituir o controle burocrático e hierárquico, aumentan-
do o comprometimento, a auto-estima, a responsabilidade e a ca-
pacidade de grupos de funcionários resolverem seus problemas no
trabalho (FAVA, 2010).

Reconhecendo as vantagens da aplicabilidade dos conceitos


andragógicos, as empresas rapidamente vêm implantando progra-
mas de formação para capacitar os funcionários.
Atualmente, no mercado de trabalho, essas empresas neces-
sitam preparo constante, uma vez que requerem de seus colabo-
radores competitividade e produtividade. Nesse contexto, as prá-
ticas andragógicas assumem papel decisório, principalmente para
aqueles que exercem liderança.
A seguir, são mencionados alguns pontos a serem levados
em consideração pela pessoa que exerce liderança:

Liderança & Andragogia––––––––––––––––––––––––––––––––


1. O líder também é membro da equipe. Assim como a orquestra necessita do
maestro, a equipe necessita do líder. O líder, além de integrar a equipe, tem
a  importante missão de desenvolver a integração entre si e seus liderados.
Para isso, o líder deve ter humildade suficiente para, além de se tornar um
aprendiz, transformar-se em um tutor eficiente, capaz de demonstrar a im-
portância prática daquilo que será estudado, transmitir o entusiasmo pelo
aprendizado e demonstrar que o aprendizado irá mudar a vida, tanto de seus
liderados como a de outras pessoas. Não existe mais espaço para líderes
arrogantes, donos da verdade, egocêntricos e orgulhosos na prática dos prin-
cípios andragógicos. Integrado à própria equipe, o líder passa a ser crítico e
participante ao mesmo tempo.
2. Uma equipe é feita por pessoas. E, como tal, o líder deve ter a sensibilidade
de perceber que não existem duas pessoas iguais. Ele irá liderar uma equipe
de seres humanos, cada um com seus princípios, suas crenças e seus va-
lores. Para tanto, ele terá de respeitá-los como são e harmonizá-los, com a
finalidade de alcançar um objetivo comum. E isto pode não ser fácil, porém
não é impossível. Mas, se lembrar que  deve tratar o próximo como gostaria
de ser tratado, a distância entre as pessoas vai diminuir bastante.
3. As pessoas têm idade e vivências diferentes. As pessoas que compõem a
equipe podem ser jovens, mais velhas, de meia idade, enfim, algumas mais

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204 © Educação de Jovens e Adultos

ousadas e imediatistas, outras mais ponderadas e realistas. O líder deve ter


ciência de que os valores mudam para cada geração. Enquanto os jovens
podem contribuir com idéias novas, arrojadas, os mais velhos têm a experiên-
cia de vida. E é neste ponto que o papel do líder é fundamental. Fazer com
que o jovem aceite a experiência do mais velho, e o mais velho, por sua vez,
aceite a inovação do mais jovem. A busca do equilíbrio é fundamental para a
manutenção da coesão da equipe, visto que não existe mais o conceito pe-
dagógico onde um ensina e o outro aprende. Na prática andragógica, todos
ensinam e todos aprendem.
4. A comunicação deve ser eficiente. A comunicação deve ser sempre franca,
sincera e no momento apropriado, por cada um dos membros, inclusive o
líder, com a finalidade de manter a união existente no grupo.
Como as pessoas são diferentes, uma mesma mensagem pode ser interpretada
de maneiras também diferentes. O líder deve estar alerta, visto que inter-
pretações erradas podem gerar conclusões inadequadas levando a conflitos
dentro da equipe.
5. Clima de descontração. O líder deve ter ciência de que a criação de um clima
descontraído para a aprendizagem favorece a confiança, o respeito e uma
melhor aceitação por parte dos aprendizes. Uma atmosfera mais livre e aber-
ta encoraja a sensação de que as pessoas estão realmente engajadas no
processo de aprendizagem.
6. Rótulos, nem pensar. Partindo-se do pressuposto de que cada pessoa tem
o seu próprio ritmo, que seus problemas são diferentes uns dos outros, que
suas prioridades são distintas, tudo isso pode levar as pessoas a se rotula-
rem até de forma injusta.
O líder deve lembrar que todos os membros são seres humanos, com seus de-
feitos e suas virtudes, e o comportamento de um rotular o outro deve ser banido
do grupo.
Volto ao exemplo da orquestra. Cada membro está ali para aprender e realizar
uma determinada tarefa em prol do bem comum e de um objetivo a ser alcança-
do, independentemente de seus princípios, crenças e valores.
7. Saber ouvir. Em um procedimento andragógico, todos falam, relatam situa-
ções, propõem soluções baseadas em suas experiências de vida, enfim, to-
dos se comunicam. Então os conflitos são perfeitamente previsíveis. O gran-
de desafio é enfrentá-los com respeito, profissionalismo e de forma aberta.
Não só o líder, mas todos os liderados devem desenvolver a habilidade do
saber ouvir ou do ouvir com qualidade. Para o líder, como afirma Paulo Gau-
dêncio, “o outro é uma pessoa e o respeito à dignidade dela começa por lhe
dar identidade, ouvindo e considerando o que ela diz”. Não esquecer que as
estatísticas demonstram que, na comunicação, uma pessoa gasta 65% de
seu tempo ouvindo, 20% falando, 9% lendo e 6% escrevendo. E as escolas,
com o ensino pedagógico, enfatizam o ler e o escrever e não se esforçam na
prática do falar e, principalmente, do ouvir. Prestar atenção às pessoas é uma
necessidade humana legítima que os líderes não devem negligenciar, como
afirma James C. Hunter.
8. A situação sempre é de ganha-ganha. O líder deve ser a pessoa que dá o pri-
meiro passo. A partir daí a cooperação de todos faz com que cada um ganhe
um pouco e toda a equipe, muito mais. Todos devem lucrar.
© U6 – Andragogia e Aprendizagem dos Adultos 205

Fica terminantemente excluída a máxima de que “a vitória de um ocorre à custa


da derrota do outro”.
9. Espírito participativo. O líder deve ter em mente que a participação dele e de
seus liderados de forma freqüente, é o caminho onde todos aprenderão. Tal
freqüência, feita de forma repetitiva e uniforme, faz os indivíduos adquirirem
novos hábitos e novas formas de pensar.
10. Motivação. A motivação é elemento básico da aprendizagem porque de-
senvolve novas habilidades. A motivação auxilia no querer aprender, pois,
sem motivação, pouco ou nada se aprende. O líder não deve ser apenas um
agente motivador, mas deve manter a equipe motivada. Ele deve desenvolver
a percepção nos liderados de que a aprendizagem vai ajudá-los a obter no-
vas informações, aprender e ter contato com novas técnicas e novas idéias,
ter progresso no trabalho, etc. Desta forma, eleva-se não só a auto-estima
de todos, como aumenta a satisfação pelo trabalho realizado. A motivação
está diretamente relacionada à expectativa de sua melhoria profissional e na
busca de seu crescimento pessoal.
11. Feedback. Todos na equipe, líder e liderados devem aprender a dar feed-
back entre si. O feedback sincero, autêntico, é essencial para o progresso da
equipe e deve ser dado o mais rápido possível. E lembrar sempre: feedback
não é crítica pessoal e talvez seja a maneira mais importante para se reforçar
a aprendizagem.
12. Elogio e reconhecimento. A cada vitória alcançada, líder e liderados devem
elogiar e reconhecer o trabalho do membro da equipe que alcançou o objetivo
de sua tarefa e devem ser sinceros e específicos e, de preferência, com todos
os membros presentes.
13. Incentivo constante. O líder deve sempre incentivar seus liderados a seguir
aprendendo, pois isto será o estímulo de seu constante crescimento pes-
soal e profissional para que sejam sempre bem-sucedidos. O verdadeiro líder
sempre deseja que seus liderados sejam melhores do que ele.
14. “Não sei” é uma resposta sábia. Além de todas estas considerações, o líder
deve ter em conta que ele não é nenhum super-homem. Ele é um ser humano
como qualquer um dos membros de sua equipe. E, como tal, não é dono de
todo o conhecimento. Portanto, dizer “não sei” aos seus liderados demonstra
honestidade e sinceridade, qualidades do verdadeiro líder.
O que deve estar sempre presente na cabeça de todos é que não existe um
exército sem um general ou um time de futebol sem um técnico. Todos têm um
papel a desempenhar. Se a vitória, o sucesso, é o objetivo, a equipe deve ter um
líder integrado e consciente de que todos, sem exceção, são seres humanos,
diferentes uns dos outros.
A partir daí as coisas se facilitam e o sucesso é alcançado de forma mais rápida
(FAVA, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Claretiano - Centro Universitário


206 © Educação de Jovens e Adultos

16. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Por meio das questões autoavaliativas, pretendemos que
você se torne responsável pela sua evolução educacional, reflexi-
vo, autônomo, motivado e eficiente.
Para que uma aprendizagem ocorra, ela deve ser significa-
tiva, exigindo que seja vista como a compreensão de significados,
relacionando-se às experiências anteriores e às vivências pessoais,
permitindo a formulação de problemas de algum modo desafiantes
que o incentivem a aprender mais, estabelecer diferentes tipos de
relações entre fatos, objetos, acontecimentos, noções e conceitos,
desencadeando-se modificações de comportamentos e contribuin-
do para a utilização do que é aprendido em diferentes situações.
Esse é o momento de reflexão sobre o estudo da unidade
proposta, bem como o de reconhecer se os conhecimentos pre-
tendidos foram alcançados ou se necessitam serem retomados.
Gostaríamos que você aproveitasse o máximo desse mo-
mento de grande alcance na educação de cidadãos conscientes de
si, do outro e de seu papel na construção de uma sociedade soli-
dária, responsável e humana.
1) O que a andragogia estuda?

2) O que significa, etmologicamente, a palavra “adulto”?

3) Qual a relação da Pedagogia e da Andragogia com a Educação?

4) Reflita sobre a seguinte afirmação: é na desaprendizagem que o adulto encon-


tra sua “segunda oportunidade”; a oportunidade de fazer de sua vida atual
uma vida nova, em que o compartir familiar, a gestão corporativa e a atitude
cidadã são estimulados por novas ideias que o fazem mais feliz e próspero.

5) Como deve ser a relação professor-aluno de acordo com os propósitos da


Andragogia? Comente.

6) Quais são as possibilidades da Andragogia no ensino de terceiro grau? Comente.

7) Dada à riqueza de informações, desenvolva a sua crítica pessoal sobre os


temas trabalhados nesta unidade.
© U6 – Andragogia e Aprendizagem dos Adultos 207

17. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Nesta unidade, conhecemos não apenas as características do
adulto no papel de estudante, como também a Andragogia como
uma metodologia específica para sua aprendizagem, seja ele estu-
dante, seja ele trabalhador.
Teóricos, professores, filósofos e empresários de todos os seg-
mentos reconhecem a necessidade de tratar o ser humano como aque-
le que cresce e tem habilidades, ideias, individualidades e vontades.
Acreditamos ser prioritário repensar a educação de adultos
e alertar os diversos setores do nosso país compromissados com
a Educação de Jovens e Adultos, a fim de valorizar, de fato, esse
cidadão, que merece respeito e oportunidade.

18. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
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www.andragogia.com.br/>. Acesso em: 20 set. 2010.
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com.br/gestao-e-lideranca/artigos/2726/lideranca-e-andragogia>. Acesso em: 20 set.
2010.
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+a+ser:+desenvolver+a+integridade+física,+intelectual,+social,+afetiva+e+ética+da+pes
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GIANCATERINO, R. Andragogia: novas possibilidades no ensino do terceiro grau.
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Acesso em: 19 out. 2010.
MUCCHIELLI. Andragogia: novas possibilidades no ensino do terceiro grau. Disponível em:
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Claretiano - Centro Universitário


208 © Educação de Jovens e Adultos

RODRIGUES, I. M. S. Aprendizagem na idade adulta. Disponível em: <http://bdigital.


unipiaget.cv:8080/dspace/bitstream/123456789/118/1/Iris%20Rodrigues.pdf>. Acesso
em: 16 set. 2010.

Lista de quadro
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19. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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OLIVEIRA, M.K. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. In:
RIBEIRO, V. M. (Org.). Educação de jovens e adultos: novos leitores, novas leituras.
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PABLO C. L. Em psicologia e professor de ensino médio e superior em psicologia. Buenos
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TIGHT, M. Adult Learning and education. London: Croom Helm, 1983.

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