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FUNDAMENTOS DA
NEUROPSICOPEDAGOGIA: ÉTICA E
ATUAÇÃO PROFISSIONAL
2

Sidney Lopes Sanchez Júnior

FUNDAMENTOS DA NEUROPSICOPEDAGOGIA:
ÉTICA E ATUAÇÃO PROFISSIONAL
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2022
3

© 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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Revisor
Juliana Zantut Nutti

Editorial
Beatriz Meloni Montefusco
Carolina Yaly
Márcia Regina Silva
Paola Andressa Machado Leal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________
Sanchez Júnior, Sidney Lopes
Fundamentos da neuropsicopedagogia: ética e atuação
S211f
profissional / Sidney Lopes Sanchez Júnior. – São Paulo:
Platos Soluções Educacionais S.A., 2022.
32 p.

ISBN 978-65-5356-117-5

1. Neuropsicopedagogia. 2. Atuação. 3. Código de


ética. I. Título.
CDD 370.1
_____________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB: 010289/O

2022
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
4

FUNDAMENTOS DA NEUROPSICOPEDAGOGIA: ÉTICA E


ATUAÇÃO PROFISSIONAL

SUMÁRIO

Apresentação da disciplina ___________________________________ 05

Neuropsicopedagogia – fundamentos e definições___________ 07

Neuropsicopedagogia e processos de ensino-aprendizagem _18

Campos de atuação em neuropsicopedagogia _______________ 29

Código de ética profissional em neuropsicopedagogia _______ 40


5

Apresentação da disciplina

A neuropsicopedagogia consiste em uma ciência transdisciplinar, com


objetivo de compreender funções cerebrais envolvidas no processo
de aprendizagem, as quais podem contribuir significativamente para
intervenções que promovam reabilitação e prevenção de possíveis
problemas de aprendizagem.

Desse modo, através da disciplina Fundamentos da


Neuropsicopedagogia: Ética e Atuação Professional, você se aprofundará
nos conhecimentos da neurociência que dialogam com a educação e
a psicologia e que trazem valiosas contribuições para a formação do
professional da neuropsicopedagogia. Assim, os assuntos abordados
incluirão a aprendizagem em uma perspectiva neurobiológica, as
implicações que tais conhecimentos trazem para a prática profissional,
bem como campos de atuação e ética profissional.

A neuropsicopedagogia surge a partir das contribuições das área de


neurociência, psicologia e pedagogia, com o objetivo de responder às
demandas dos processos de ensino e aprendizagem de professores
que atuam em diferentes etapas da educação, sendo uma área que tem
formado profissionais para trabalhar em diversos espaços no contexto
escolar e clínico, especialmente na promoção da inclusão e na tentativa
de diminuir os impactos negativos das dificuldades e dos transtornos de
aprendizagem que resultam em fracasso escolar.

Discutir fracasso e sucesso escolar consiste em entender um fenômeno


multifatorial que pode apresentar influências tanto dos meios externos
(como social, histórico, econômico) como de fatores internos (ou seja,
endógenos, biológicos).
6

Dessa maneira, discutir, estudar e aprofundar os conhecimentos sobre


as temáticas abordadas neste curso, no que concerne aos saberes
pedagógicos, psicológicos e da neurociência, têm sido um diferencial
para profissionais que atuam à frente dos desafios do cotidiano escolar,
assim como em espaços não escolares, mas que buscam desenvolver
intervenções qualificadas para superar as dificuldades de aprendizagem
e os fatores de fracasso escolar.

Bons estudos!
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Neuropsicopedagogia –
fundamentos e definições
Autoria: Sidney Lopes Sanchez Júnior
Leitura crítica: Juliana Zantut Nutti

Objetivos
• Conhecer fundamentos teóricos sobre a
neuropsicopedagogia.

• Apresentar as contribuições da neuropsicopedagogia


como a área que discute e analisa os processos de
aprendizagem.

• Dialogar com os conhecimentos advindos das


neurociências, da psicologia e da educação.
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1. Fundamentos da neuropsicopedagogia

A neuropsicopedagogia é uma área multidisciplinar que dialoga com


diversas áreas do conhecimento, especialmente com a neurociência,
psicologia e pedagogia, na busca de caminhos para pensar os processos
de ensino e de aprendizagem. Os estudos recentes das neurociências,
acerca da aprendizagem em uma perspectiva neurobiológica,
contribuem significativamente para pensar as estratégias de ensino,
bem como a avaliação de habilidades cognitivas necessárias para o
desenvolvimento das capacidades humanas.

Conhecer e se aprofundar nos fundamentos dessa área do


conhecimento se faz necessário na tentativa de compreender os avanços
das pesquisas sobre os processos de ensino e de aprendizagem,
que vêm ganhando espaço nas discussões entre pedagogos,
neurocientistas, psicólogos e profissionais da educação, saúde e outras
áreas. Dessa maneira, esta disciplina é um convite para mergulhar
nesses conhecimentos, bem como identificar aspectos relevantes em
cada área e que contribuem para a ação do profissional que atua em
neuropsicopedagogia.

1.1 Contribuições das neurociências

Vivemos em constante troca, interagindo com o meio em que estamos,


e assim encontramos caminhos para sobreviver, nos adaptamos a
contextos e realidades, tais como: alimentação, fuga de situações de
medo, perigo, predadores e encontrar parceiros para reprodução. Ou
seja, nos relacionamos com o meio ambiente e com os seres que nele
estão.

O cérebro é órgão central do sistema nervoso, responsável por


processar informações do meio ambiente, assim como organizar
essa comunicação e trocas com o meio exterior. Por meio do sistema
9

nervoso, processamos as informações do meio externo e damos


respostas a elas. Através dos órgãos do sentido, as informações
sensoriais chegam ao organismo, que ao processar tais impulsos,
responde de forma voluntária ou involuntária (COSENZA; GUERRA,
2014).

Pesquisas na área das neurociências têm buscado elucidar curiosidades


acerca da natureza humana, como a forma que ouvimos, o motivo de
sentirmos prazer em determinadas situações, nossos sentimentos,
os movimentos que fazemos, a forma que pensamos e a razão de
pensarmos determinados temas, a maneira com que aprendemos e
o modo como esquecemos. Tudo isso tem despertado interesse de
pesquisadores neurocientistas na tentativa de compreender o sistema
nervoso em diferentes perspectivas.

O estudo do cérebro ou encéfalo já tem sido objeto de pesquisa de


áreas como medicina, biologia, física, química, matemática, psicologia e
outras. Porém, considerando a revolução no campo das ciências, com
o surgimento das neurociências, o termo foi utilizado pela primeira vez
pela Sociedade de Neurociência, aproximadamente na década de 1970,
e modificou o entendimento acerca do sistema nervoso ao estudá-lo em
uma perspectiva interdisciplinar.

Provavelmente, você já ouviu falar acerca do sistema nervoso e conhece


curiosidades sobre o cérebro, a medula espinal e os nervos do corpo,
que são estruturas biológicas essenciais para nossa vida, de maneira que
nos permitem sentir, experimentar, nos mover e pensar. Desse modo,
desde a Antiguidade, há cerca de 7 mil anos já se ouviam relatos de
pessoas que perfuravam o crânio com o objetivo de fornecer cuidados
medicinais e até mesmo para conhecimento acerca do encéfalo.

A compreensão sobre tais processos implica conceber que o


comportamento é reflexo das atividades do sistema nervoso. Por meio
de pesquisas experimentais, foi constatado que o cérebro humano
10

apresenta muitos mecanismos em comum com outras espécies


de animais, de modo que os estudos possibilitaram uma relação e
aproximação com experimentos realizados com seres humanos. Assim,
constatou-se que os impulsos nervosos que anteriormente foram
descobertos em lulas se aplicam igualmente aos seres humanos.

Muitas pesquisas já utilizaram modelos animais para examinar


processos cerebrais que auxiliam os estudos com seres humanos.
Por exemplo, podemos citar experimentos realizados com ratos que
apresentam sinais de dependência química de modo semelhante ao ser
humano. Ao comparar áreas especializadas do encéfalo na realização de
determinadas atividades, os neurocientistas identificaram quais partes
do cérebro são responsáveis por processar determinadas informações,
assim como desempenham diferentes funções comportamentais.

Na época da Roma Antiga e até meados do século XVIII, havia uma


crença de que o cérebro funcionava por intermédio de espíritos gerados
no interior dos indivíduos, de modo que as células nervosas, ou seja,
os neurônios, só vieram a ser descobertos no século XX (COSENZA;
GUERRA, 2011).

A década de 1990 foi marcada como a “Década do Cérebro” nos Estados


Unidos, especialmente, pois ocorreram grandes avanços nas pesquisas
neurocientíficas que trouxeram muitas descobertas sobre as funções
cerebrais (RATTO; CALDAS, 2010). A união entre tais conhecimentos
cerebrais e aspectos que envolvem os processos de aprendizagem é
inevitável, uma vez que a neurociência cognitiva busca compreender as
atividades mentais e os comportamentos, visto que a aprendizagem se
configura e perpassa a neuroplasticidade cerebral (SANCHEZ JÚNIOR,
2018).

Atualmente, sabe-se que os neurônios são células nervosas que


transmitem e processam informações recebidas pelos órgãos dos
sentidos, por meio de impulsos nervosos, que percorrem um longo
11

trajeto até chegarem ao sistema nervoso central e serem processados


pelo encéfalo (COSENZA; GUERRA, 2011).

Essa profunda relação entre neurociência, pedagogia e psicologia


traz grandes contribuições para as práticas pedagógicas, visto que
os modelos pedagógicos precisam ser repensados, especialmente
para atender às demandas sociais do trabalho e das tecnologias
da informação e comunicação, que se encontram em constante
transformação. Medeiros e Bezerra (2013) destacam que técnicas de
memorização e repetição não são suficientes para a construção de
conhecimento em um mundo tão acelerado.

O professor ou profissional que possui um conhecimento mais profundo


de como acontecem os processos de aprendizagem, ou seja, como
aprendemos, tem melhores condições para repensar as práticas
educativas.

A neuropsicopedagogia tem se destacado como área que se fundamenta


nas pesquisas da neurociência cognitiva ao discutir o funcionamento do
cérebro de sujeitos, especialmente em situações de aprendizagem.

Essa área do conhecimento vem se destacando nos últimos anos, na


tentativa de buscar a compreensão dos processos cognitivos por meio
das tecnologias de imagem ao investigarem o sistema nervoso e as
atividades cerebrais relacionadas à aprendizagem.

Ao entender que a aprendizagem é um fenômeno que deve ter destaque


nas pesquisas e discussões de profissionais da educação, a neurociência
tem avançado no sentido de trazer mais profundidade e qualidade
para organizar as interações que envolvem os processos de ensinar
e aprender. Desse modo, a neurociência é compreendida como um
grande guarda-chuva que abarca diferentes áreas em seus diversos
aspectos, na tentativa de compreender as relações entre os sujeitos e
o meio, as conexões cerebrais, o surgimento das sinapses e os circuitos
12

neuronais que se integram sistematicamente de forma dinâmica


(FONSECA, 2014).

Esses conhecimentos, por exemplo, elucidam os processos cognitivos


que envolvem o processamento de informações de sons e letras,
presentes na etapa de alfabetização de uma criança e até mesmo de
um adulto. Tais conhecimentos contribuem para o contexto educacional
e a abordagem da dislexia, por exemplo, dando conhecimentos ao
professor para desenvolver estratégias de ensino a fim de lidar com
estudantes com essa ou até mesmo outras dificuldades e transtornos
específicos de aprendizagem.

1.2 Aprendizagem em uma perspectiva neurobiológica

Entender a aprendizagem na perspectiva neurobiológica consiste em


observar vários fatores que permeiam as interações do sujeito, ou seja,
fatores ambientais, estado emocional, condições sociais e econômicas, o
próprio professor e suas estratégias de ensino, uma vez que se entende
que as aprendizagens acontecem no cérebro, ou seja, no sistema
nervoso central (SNC). Do mesmo modo, os processos internos também
são importantes, visto que, na ocorrência de patologias, algumas
funções podem ser comprometidas e afetadas.

O SNC é, basicamente, composto por cérebro, cerebelo e medula


espinal. As informações, quando chegam ao sistema nervoso central,
evocam mecanismos de memória, atenção e emoções para que
possam constituir ou alterar o sistema nervoso central, o que pode ser
considerado aprendizagem.

A permanente plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade de


reorganização das cadeias neuronais, assim como de realizarem
inúmeras novas conexões, é uma característica importante do cérebro
humano, na medida em que estabelece novas interações com o meio
exterior (SANCHEZ JÚNIOR, 2018).
13

As inúmeras interações do sujeito com o meio desencadeiam processos


que envolvem a neuroplasticidade, modificando e construindo novas
estruturas no sistema nervoso de quem aprende, o que resulta e dá
lugar a novos comportamentos (COSENZA; GUERRA, 2011).

Compreender e respeitar a maneira como o cérebro aprende


possibilita uma abordagem profissional, tanto no contexto clínico como
escolar, de forma científica, ao considerar os processos de ensino
e de aprendizagem para dar ao profissional condições de pensar
suas práticas de forma mais objetiva e científica. Cosenza e Guerra
(2011) afirmam que estimular uma criança na escola, em sala de
aula, é desencadear a criação de novas sinapses e processamento de
informações, alterando os circuitos neurais, cognitivos e motores.

Outrossim, o desuso ou doenças podem afetar as ligações neuronais,


e até mesmo desfazer ligações já existentes, o que resulta em uma
comunicação entre neurônios mais enfraquecida (COSENZA; GUERRA,
2011). Ainda assim, tais conhecimentos não garantem total sucesso
na aprendizagem, tendo em vista que consiste em um fenômeno
multifatorial, que envolve aspectos das conjunturas cultural e social,
tais como: a família, interações realizadas em sala de aula, experiências
e vivências fora do contexto escolar, qualidade de vida, alimentação
saudável, desenvolvimento nos primeiros anos de vida e outros
(SANCHEZ JÚNIOR, 2018).

Os primeiros anos de vida (ou seja, a primeira infância) são cruciais para
o desenvolvimento de competências e habilidades que o sujeito tem ao
longo da vida, pois, nessa fase, o SNC está mais propício à realização
de inúmeras conexões neurais, de maneira que a ausência de vivências
e experiências significativas pode afetar negativamente a criança
(SANCHEZ JÚNIOR, 2018).

Um ambiente rico em interações e desafios é essencial para que a


criança desenvolva mecanismos que favorecem a aprendizagem, como
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a atenção e a concentração, que permitem focar determinados objetos e


dispensar outros. Por isso, eleva-se sobremaneira a importância de tais
conhecimentos para a prática do professor, uma vez que antecipar fases
e processos pode ser prejudicial para o desenvolvimento da criança,
em seus aspectos cognitivos, motores e emocionais e sobretudo na
aprendizagem (SANCHEZ JÚNIOR, 2018).

Ao estudar o cérebro e suas áreas específicas de processamento


de informação, é possível afirmar que determinadas dificuldades
ou transtornos de aprendizagem podem caracterizar distúrbios
neuropsicológicos. No caso da dislexia, caracterizada como transtorno
do neurodesenvolvimento com déficit nas habilidades de leitura, o
sujeito pode apresentar falhas no processamento da percepção visual
e no processamento fonológico, que demonstram disfunções cerebrais
que justificam tais desordens.

A relação entre neurociências e educação pode estabelecer diagnósticos


de transtornos de aprendizagem específicos que são possíveis de
identificar, bem como fomentar discussões em âmbitos de formação
de professores e até mesmo em políticas públicas, para investimento
em melhor qualidade e atendimento a pessoas que possuem tais
transtornos.

O surgimento da neuropsicopedagogia, que busca o entendimento de


tais fenômenos, especialmente no âmbito escolar, abarca uma gama de
possibilidades de compreensão dos processos educativos, sobretudo
no que tange à educação inclusiva, ao perceber o sujeito em suas
diferenças e individualidade e ao pensar em estratégias de ensino que
possam vir ao encontro de necessidades mais específicas.

A neuropsicopedagogia, desse modo, tem sido uma área em


ascensão, uma vez que possibilita maior conhecimento dos processos
neurobiológicos que incidem diretamente na aprendizagem. Ela deve
ser inserida em cursos de formação inicial e compartilhada, para que a
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apliquem a suas práticas pedagógicas a fim de favorecer os processos


de ensino e de aprendizagem de crianças com e sem dificuldades no
contexto escolar.

Esses conhecimentos contribuem para que mudanças aconteçam no


contexto educacional, especialmente ao serem superadas práticas
engessadas, por meio do ato de pensar em instrumentos e recursos
pedagógicos que favoreçam as interações entre professor, aluno e
conhecimento. Eles fazem, também, com que a aprendizagem deixe de
acontecer somente de forma mecânica e maçante, tornando-a cada mais
significativa.

Os avanços em estudos e pesquisas nessa área têm feito com que


cada vez mais profissionais se envolvam com os problemas reais do
cotidiano escolar, ou seja, educadores, pedagogos, psicólogos, médicos,
psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas, neurocientistas e famílias
estão na missão de superar os desafios dos processos de ensinar e
aprender, assim como combater o fracasso escolar.

A presença de uma equipe multidisciplinar em espaços escolares


favorece substantivamente a mediação de conflitos que refletem
na aprendizagem e remetem ao fracasso escolar. Desse modo, é
importante compreender que as questões de ensino e de aprendizagem
não são específicas somente do professor, de sua didática, mas estão
presentes nas funções cerebrais da criança, nas políticas públicas e nos
cursos de formação, que devem se articular para melhor atender às
demandas educacionais e de saúde.

Contemplar e reconhecer a importância desse conhecimento na


formação de professores e demais profissionais é valorizar a inclusão
e a equidade, de modo que todas as pessoas tenham condições para
aprender, independentemente das suas condições físicas e cognitivas,
garantindo assim os seus direitos à educação, instrução e cidadania.
Mesmo que no cenário brasileiro não se encontre a presença de uma
16

equipe multidisciplinar no ambiente escolar, sugere-se que municípios


e secretarias de educação façam parcerias e construam redes de apoio
para acolher e atender a essa demanda.

Educadores e demais profissionais devem atentar aos avanços da


neurociência e de pesquisas no que concerne à aprendizagem,
especialmente na perspectiva neurobiológica, estreitando as relações
entre escola, sala de aula, clínica e laboratório, para que avancem nas
hipóteses sobre o funcionamento cerebral e os mecanismos subjacentes
à aprendizagem.

Estudar os processos que engendram o ensinar e o aprender, bem como


instrumentos para avaliar sujeitos com dificuldades de aprendizagem,
é o foco da neuropsicopedagogia, uma vez que o profissional que
compreende todos esses processos é capaz de promover interações
mais ricas e qualificadas.

Desse modo, o profissional de neuropsicopedagogia apresenta um


campo de atuação promissor ao relacionar os saberes que envolvem
funcionamentos neurobiológicos, especialmente os comportamentos,
os pensamentos, as emoções, os movimentos e a afetividade, a fim
de se equipar de instrumentos que permitem avaliar e intervir em
diferentes contextos, especialmente nas dificuldades e nos transtornos
de aprendizagem, com o objetivo de promover melhor qualidade de vida
e, especialmente, êxito e sucesso escolar.

Referências
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação: como o cérebro aprende.
Porto Alegre: Artmed, 2011.
FONSECA, V. Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem:
uma abordagem neuropsicopedagógica. Revista Psicopedagogia, Portugal, 2014.
17

MEDEIROS, M.; BEZERRA, E. de L. Contribuições da Neurociências à Compreensão da


Aprendizagem Significativa. Revista Diálogos, Cuiabá, n. 10, nov./2013. Disponível
em: https://silo.tips/download/contribuioes-das-neurociencias-a-compreensao-da-
aprendizagem-significativa-doi-v. Acesso em: 15 mar. 2022.
RATTO, J. R.; CALDAS, A. C. Neurociências e educação: Realidade ou ficção? Actas do
VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia Universidade do Minho,
Portugal, 4-6 fev. 2010.
SANCHEZ JÚNIOR, S. L. Contribuições da neurociência no processo de ensino e
aprendizagem. Diálogo e interação, Cornélio Procópio, v. 12, n. 1, 2018.
18

Neuropsicopedagogia e processos
de ensino-aprendizagem
Autoria: Sidney Lopes Sanchez Júnior
Leitura crítica: Juliana Zantut Nutti

Objetivos
• Conhecer fundamentos teóricos sobre a
neuropsicopedagogia.

• Apresentar fundamentos da aprendizagem em uma


perspectiva neuropsicopedagógica.

• Analisar processos cerebrais envolvidos no ensinar e


aprender.
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1. Neuropsicopedagogia e os processos de
ensino e aprendizagem

A aprendizagem está relacionada a diferentes fatores, tanto externos


como internos. Como fatores externos podemos mencionar as
condições sociais, as estratégias de ensino adotadas pelo professor,
as diferenças econômicas, os recursos e materiais pedagógicos
empregados, enfim, os elementos relacionados aos aspectos sociais
e ambientais e até mesmo relativos às estratégias adotadas pelo
professor. Os fatores internos são diversos, como questões emocionais,
desenvolvimento saudável, horas de sono adequado, patologias,
traumas, ansiedade, alimentação e outros.

A neuropsicopedagogia se ocupa em pensar tais processos e propor


intervenções que atendam às demandas específicas de cada indivíduo.
Posto isso, vale realizar uma discussão mais profunda acerca dos
processos que envolvem o aprender nessa perspectiva.

1.1 Neuropsicopedagogia e aprendizagem

Quando uma informação chega ao sistema nervoso, por meio dos


órgãos do sentido, perpassa as comunicações neuronais, que caminham
quase sempre do sistema nervoso periférico para o central. O
mecanismo da memória é evocado, a fim de recrutar o que já se tem de
conhecimento alicerçado na estrutura cognitiva do sujeito.

As alterações provocadas nas cadeias neuronais causam mudanças


significativas no SNC, nas estruturas cerebrais, o que pode ser
caracterizado pelo fenômeno da aprendizagem.

Estudos neurocientíficos, especialmente voltados para a área da neuro-


histologia, descrevem que neurônios e células da glia estão envolvidos
no processo de aprendizagem, uma vez que as células gliais são de 10
20

a 15 vezes mais numerosas que os neurônios (RIESGO apud ROTTA;


OHLWEILER; RIESGO, 2016).

As funções cognitivas envolvidas no processo de aprendizagem são


inúmeras, e pode-se apontar funções como memória, linguagem,
atenção e emoções que são produzidas pelas atividades neuronais e que
estão presentes em nosso cérebro (COSENSA; GUERRA, 2011).

O encéfalo humano está em constante atividade neuronal, uma vez


que as células neuronais se integram umas às outras, formando
redes neurais que estruturam os conhecimentos. Cabe lembrar que
os neurônios são células altamente excitáveis que se comunicam e
conduzem informações por meio de uma linguagem eletroquímica.

Um comportamento observável é resultado de inúmeros neurônios


envolvidos e que modulam e modificam a atividade celular, acentuando
ou inibindo a transmissão de informações. Os neurônios, em sua
maioria, são compostos por três regiões principais, específicas em
funções: o corpo celular, os dendritos e o axônio, como se pode observar
na imagem a seguir.

Figura 1 – Célula nervosa: neurônio

Fonte: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/neuronios.htm. Acesso em: 8 fev. 2022.


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As conexões entre neurônios são denominadas sinapses, e com a


ocorrência de um grande número de sinapses realizadas, as conexões
vão se tornando redes neuronais que desenvolvem cadeias neuronais,
as quais se estabelecem e se tornam cada vez mais complexas à medida
que os sujeitos interagem com os meios interno e externo (COSENZA;
GUERRA, 2011).

Dessa forma, quanto mais rico o ambiente e maior o número de


interações, maiores são as possibilidades de conexões neuronais, que
contribuirão para o desenvolvimento e a aprendizagem de sujeitos em
qualquer contexto, especialmente no ambiente escolar.

Pensando nisso, é verdade que uma criança pouco estimulada em


casa, ou até mesmo na escola, não exposta a situações desafiadoras,
que não causam desafios cognitivos geradores de conexões neuronais,
pode apresentar déficits na aprendizagem ou mesmo atrasos em seu
desenvolvimento.

Em caso de crianças que pertencem a ambientes pouco estimuladores


e apresentam um nível de desenvolvimento e habilidades insuficientes
(em relação ao que é esperado para sua idade), essas necessitarão
de intervenções específicas para desenvolver funções, competências
e habilidades em suas lacunas. Por isso, é importante contar com um
profissional que tenha formação e qualificação para essa abordagem.

Ainda sobre as estruturas biológicas que implicam atividades que


culminam em desenvolvimento e aprendizagem, os neurônios são
células que compõem o SNC, juntamente com as células gliais.

As células gliais possuem funções diferentes dos neurônios e atuam


como suporte, defesa e auxílio na transmissão dos impulsos nervosos,
assim como na produção do líquor.
22

As células da glia atuam juntamente com os astrócitos, os


oligodendrócitos, a micróglia e as células ependimárias, que possuem
funções várias e primordiais, dando suporte para conexões neuronais,
assim como estabelecendo a captação de neurotransmissores para que
os neurônios atuem em seus devidos lugares em todo o processo de
desenvolvimento.

Figura 2 – Estrutura neuronal

Fonte: https://www.preparaenem.com/biologia/celulas-nervosas.htm. Acesso em: 8 fev.


2022.

Os oligodendrócitos possuem função de produção da bainha de mielina,


que atua como isolante lipoproteica revestindo os prolongamentos dos
axônios, e aceleram e facilitam a transmissão do impulso nervoso nos
neurônios (RIESGO apud ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).
23

A micróglia atua na defesa celular, enquanto as células ependimárias


produzem o líquor ou líquido espinal-encefálico, que atua no
revestimento de todo o sistema nervoso, criando uma barreira mecânica
contra impactos (LENT, 2010).

O encéfalo, um órgão único, compõe o sistema nervoso juntamente


com o cerebelo e o tronco encefálico. Toda a estrutura do encéfalo
está localizada no interior do crânio. Já o cérebro é o órgão responsável
pelas emoções, pela aprendizagem, pelo raciocínio e até mesmo pelas
sensações e pelos movimentos voluntários. É importante apontar
que há áreas cerebrais que processam determinados estímulos e são
responsáveis por funções específicas e globais.

A plasticidade cerebral consiste na capacidade do organismo de


se adaptar ou readaptar algumas funções cerebrais, por meio do
recrutamento de diferentes cadeias neuronais, que podem impactar
todo o processo de ensino e de aprendizagem. Um neurônio em
situação de aprendizagem pode manifestar diferentes modificações
em suas estruturas, como o brotamento de espículas dendríticas e o
surgimento de novos axônios colaterais, e até mesmo realizar novas e
diferentes conexões.

A neuroplasticidade compõe um fator importante para o


desenvolvimento da criança, de modo que consiste em uma propriedade
do SNC, responsável pela modificação e pelo funcionamento das
estruturas que compensam e organizam os estímulos ambientais ou
lesionais em determinadas situações (OLIVER; ANTONIUK; BRUCK, 2017).

Essa capacidade cerebral, orgânica e biológica, constitui a


fundamentação a partir da qual a neurociência compreende o processo
de aprendizagem e suas nuances. O professor que possui esse
conhecimento pode planejar estratégias pedagógicas que explorem
características multissensoriais a fim de ativar as múltiplas redes
24

de neurônios que farão conexões e associações entre si (COSENZA;


GUERRA, 2011).

A aquisição progressiva de habilidades é a tarefa primordial do


SNC, uma vez que o processo de amadurecimento é denominado
desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento é considerado o resultado
das ações simultâneas entre fatores genéticos e ambientais dotados
de uma plasticidade e que se modificam mutuamente. De acordo com
a história e interações de cada indivíduo, ela pode alcançar aquisições
de habilidades e níveis cada vez mais complexos de funcionamento
(OLIVER; ANTONIUK; BRUCK, 2017).

Nesse sentido, é preciso observar que o desenvolvimento infantil


apresenta aspectos importantes, havendo os padrões universais,
as diferenças individuais e as influências do ambiente, que ocorrem
normalmente de forma progressiva e sequencial, com ritmos
semelhantes e até mesmo previsíveis. Isso justifica a utilização de
instrumentos avaliativos, tanto em contexto escolar quanto clínico, dos
padrões considerados normais ao desenvolvimento infantil.

Dessa maneira, o uso de um instrumento de avaliação pode ser valioso


para um profissional que atua em contexto clínico e até mesmo escolar,
de modo que permite especialmente ao profissional orientar a família
e os professores em intervenções adequadas, indicando os estímulos
necessários para cada etapa e fase do desenvolvimento, a fim de que
este ocorra da melhor maneira possível.

As mudanças biológicas ocorrem por meio das estruturas físicas


e orgânicas, enquanto o desenvolvimento psicológico se dá como
resultado de eventos ambientais e socioculturais (OLIVER; ANTONIUK;
BRUCK, 2017).

Para que o desenvolvimento ocorra de forma adequada, devem ser


oferecidas condições favoráveis, que serão acrescidas aos fatores
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biológicos do ser humano. Vale destacar que o desenvolvimento


orgânico, assim como o cognitivo é o resultado de fatores positivos
e negativos que ocorrem durante a vida, sendo que fatores de risco,
podem influir negativamente no desenvolvimento do sujeito.

Estudar o sistema nervoso central favorece a compreensão dos


processos de aprendizagem. Assim, é importante saber que o SNC
obedece a estágios do desenvolvimento de maneira sucessiva, como:
formação do tubo neural; migração, diferenciação e formação de
sinapses e circuitos neurais; morte celular programada e mielinização.
Todas as etapas precisam ser cumpridas corretamente para que o SNC
e o cérebro atinjam um desenvolvimento estrutural normal (OLIVER;
ANTONIUK; BRUCK, 2017).

Tais mudanças sequenciais previsíveis nos padrões de comportamento


de um sistema orgânico servem de base para compreender o conceito
de desenvolvimento em uma perspectiva neurobiológica, enquanto o
desenvolvimento e a aprendizagem acontecem em um progresso obtido
como resultado das inúmeras interações complexas que perpassam as
vias neurológicas (motora, visual, auditiva, linguagem), de modo que
são associadas aos fatores intelectuais, emocionais e sociais (OLIVER;
ANTONIUK; BRUCK, 2017).

O trabalho com crianças em fase de desenvolvimento é instigante e


fascina profissionais, professores e pesquisadores ao conhecerem
a amplitude desvendada pelas diversas ciências do saber. O
desenvolvimento humano é explicado por diferentes teorias e
concepções filosóficas e sociais. Contudo, entender pela ótica da
neurociência requer observar os processos de transformações
complexas, dinâmicas e progressivas que perpassam o SNC e suas
funcionalidades, além dos processos de maturação e crescimento,
psíquicos e sociais que são importantes para o ensinar e o aprender.
26

O ser humano precisa se desenvolver de forma saudável desde a


fecundação, especialmente para ter uma vida em condições favoráveis.
Após o nascimento, esse processo já se inicia de forma progressiva,
na execução de tarefas psicomotoras que vão se tornando cada vez
mais complexas, no processo que caminha da dependência para a
independência, de forma autônoma e contínua.

Assim, elencam-se alguns fatores para que o encéfalo se mantenha


saudável e não haja impedimentos para o bom desenvolvimento
e aprendizagem. Riesgo (apud ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016)
destaca que a prática regular de exercícios físicos, como natação,
caminhada, musculação, dança e outros, traz prazeres para quem a
realiza. Uma alimentação saudável e balanceada contribui para o bom
desenvolvimento, o que inclui uma dieta rica em proteínas, carboidratos,
gorduras, sais minerais e vitaminas.

Uma noite de sono tranquila pode regular os níveis de stress e as


emoções, o que tem implicações diretas na aprendizagem, sendo um
momento de consolidação de ligações sinápticas em cadeias neuronais.
Os autores ainda destacam que ter bom humor e boa autoestima para
se viver, assim como manter a mente em constante funcionamento,
buscando desafios e superações, são práticas que contribuem para que
o desenvolvimento e a aprendizagem aconteçam de forma significativa e
prazerosa (RIESGO apud ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016).

A educação busca, por meio do funcionamento do cérebro, encontrar


recursos para a aprendizagem, especialmente na modificação
dos métodos didáticos, bem como avaliativos. A maior parte das
transformações e mudanças no cérebro ocorre nos primeiros anos de
vida, sobretudo quando as crianças aprendem os sons e a coordenar
movimentos amplos e finos, distinguem cores e identificam sentimentos,
que são resultados das ações e interações que acontecem no convívio
familiar, justamente com as questões fisiológicas e biológicas que estão
intimamente ligadas a cada faixa etária (AVELINO, 2019).
27

Uma atividade pedagógica que assume o caráter de repetição, muitas


vezes, não é tão ruim, pois produzirá, desde que de forma significativa,
sinapses mais consolidadas. Desse modo, compreender a aprendizagem
não implica discutir somente elementos externos ao sujeito, mas tais
fatores são essenciais para um desenvolvimento saudável e esperado
para determinada fase ou faixa etária.

A neuropsicopedagogia possuí extrema ligação com a neurociência na


busca pelo entendimento do funcionamento do cérebro ao encontrar
soluções que influenciam a aprendizagem, considerando os fatores
sociais, afetivos, psicomotores, perceptivos e outros, e visando ao pleno
desenvolvimento humano, na ampliação de habilidades e competências
que os indivíduos devem adquirir ao longo dos anos.

É importante lembrar que o desenvolvimento acontece de forma


gradativa, de modo que rapidamente a criança adquire habilidades que
lhe permitirão outras oportunidades de aprendizagens e interações com
o mundo que a cerca. Assim, condições favoráveis são importantíssimas
para que essa evolução ocorra da melhor maneira, sendo necessário
considerar as condições de saúde, proteção e segurança, interações
positivas que resultarão em oportunidades de aprendizagens
adequadas.

A qualidade desse desenvolvimento implica tais fatores, que influenciam


sobretudo a vida adulta, de modo que profissionais da saúde e da
educação se empenhem na responsabilidade do conhecimento e
aprofundem os conhecimentos acerca dos marcos/das fases/dos
processos do desenvolvimento. Além disso, é preciso conhecer os
comportamentos e o desempenho da criança em suas diferentes etapas
do desenvolvimento, com o objetivo de identificar, prevenir e intervir
nos possíveis atrasos que podem causar riscos ao desenvolvimento e à
aprendizagem.
28

Referências
AVELINO, W. F. A Neuropsicopedagogia no cotidiano escolar da Educação Básica.
Revista Educação em Foco, n. 11, 2019.
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação: como o cérebro aprende.
Porto Alegre: Artmed, 2011.
LENT, R. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais de neurociência. 2.
ed. São Paulo: Atheneu, 2010.
OLIVER, K. A.; ANTONIUK, S. A.; BRUCK, I. Neurodesenvolvimento infantil: definição
e conceito. In: RIECHI, T. I. J. S.; VALIATI, M. R. M. S.; ANTONIUK, S. A. Práticas em
neurodesenvolvimento infantil. Fundamentos e vidências científicas. Curitiba:
Editora Íthala, 2017. 197 p.
RIESGO. R. dos S. Anatomia da Aprendizagem. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.;
RIESGO, R. dos S. Transtornos da Aprendizagem: abordagem neurobiológica e
multidisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
SANCHEZ JÚNIOR, S. L. Contribuições da Neurociência no processo de ensino e
aprendizagem. Diálogo e Interação, Cornélio Procópio, v. 12, n. 1, 2018.
29

Campos de atuação em
neuropsicopedagogia
Autoria: Sidney Lopes Sanchez Júnior
Leitura crítica: Juliana Zantut Nutti

Objetivos
• Conhecer e discutir os campos de atuação da
neuropsicopedagogia.

• Discorrer sobre os desafios da atuação do


profissional de neuropsicopedagogia.

• Apontar caminhos e possibilidades para atuação do


neuropsicopedagogo.
30

1. Campos de atuação da neuropsicopedagogia

A atuação do neuropsicopedagogo pode ser vista como a possibilidade


de um profissional trabalhar diretamente com o sujeito da
aprendizagem, tornando-o cada vez mais consciente e ativo no seu
processo de aprendizagem. Desse modo, mesmo atuando em uma
perspectiva multidisciplinar, é preciso definir e limitar algumas áreas e
frentes de trabalho.

A reflexão sobre a atuação prática do neuropsicopedagogo destaca


a amplitude de possiblidades em âmbitos institucionais, clínicos e
contextos não escolares, assim como nas relações entre família, escola
e profissional da neuropsicopedagogia, incluindo possíveis propostas de
intervenção e contribuições que essa área do conhecimento pode nos
dar.

Como a neuropsicopedagogia é uma área em ascensão no campo


educacional e, até mesmo, na saúde, tais estudos procuram ampliar a
visão sobre a aprendizagem, os sujeitos e o mundo, especialmente, ao
apontarem as mudanças que precisam ocorrer em termos de interações
afetivas, cognitivas e psicomotoras, na linguagem, entre outras.

Atuar no campo da neuropsicopedagogia consiste em enfrentar os


desafios e as resistências para superar as lacunas de aprendizagem
ocasionadas por um ensino mecanicista e reducionista. Em outras
palavras, o profissional da neuropsicopedagogia precisa ressignificar as
experiências vividas, a fim de orientar novas e saudáveis aprendizagens.

1.1 A instituição escolar e a neuropsicopedagogia

É importante pensar que o surgimento da neuropsicopedagogia está


intimamente relacionado com os avanços das ciências, especialmente
das neurociências, e da educação, preocupando-se com as dificuldades
31

da aprendizagem. Porém, a neuropsicopedagogia tem ampliado sua


área de atuação de modo a prevenir possíveis dificuldades, ou seja, com
uma ação anterior ao aparecimento de problemas de aprendizagem que
podem chegar ao contexto da clínica.

As instituições de ensino que podem ser campo de atuação do


profissional da neuropsicopedagogia constituem ambientes profícuos
para intervenções em caráter preventivo ou de reabilitação cognitiva
ou pedagógica. Assim, esse profissional pode abordar tais questões
de maneira individual ou até mesmo em grupo, uma vez que o
neuropsicopedagogo entende que as mudanças devem ocorrer em uma
visão sistêmica e global.

Na clínica, a atuação do profissional da neuropsicopedagogia se dá na


superação dos obstáculos da aprendizagem dos sujeitos atendidos, de
modo a transformar a prática em prevenção das possíveis dificuldades,
ou até mesmo ressignificar a ação do professor no âmbito institucional,
valorizando o imenso universo de informações que circunda a realidade.

Para Bossa (2000), atuar no âmbito institucional requer pensar os


processos de construção do conhecimento do sujeito, uma vez que
as demandas institucionais correspondem à filosofia, aos valores e
à ideologia da instituição, seja esta a família, a escola, a empresa, o
hospital, a creche ou a organização assistencial.

Dessa maneira, a atuação do neuropsicopedagogo pode se dar em


instâncias como:

Familiar: na orientação, de modo a ampliar as percepções sobre


os processos de aprendizagem, conscientizando acerca do papel
fundamental das famílias nos processos de ensinar e aprender, uma vez
que os pais desempenham uma função importante na valorização e no
respeito às habilidades individuais de seus filhos.
32

Empresarial: o neuropsicopedagogo pode ampliar formas de


treinamento, resgatando a visão do todo, das múltiplas inteligências, e
valorizando a criatividade e as diferentes maneiras de resolver conflitos
e dar respostas aos problemas. Assim, ele ressalta os valores, objetivos
e filosofias da empresa, ao mesmo tempo que problematiza e dialoga
sobre os projetos e as execuções.

Hospitalar: potencializando as situações de aprendizagem,


proporcionando e valorizando o lúdico, por intermédio de oficinas
lúdicas com os indivíduos que estão hospitalizados.

Escolar: a atuação do neuropsicopedagogo no contexto escolar consiste


em priorizar, pensar, articular e planejar diferentes projetos, além de ter
ferramentas para tecer um diagnóstico avaliativo da escola, contribuir
para a construção de sua identidade e auxiliar na definição de papéis na
dinâmica relacional e das funções diante do ensinar e aprender.

O neuropsicopedagogo atua na instrumentalização de professores,


coordenadores, gestores e orientadores acerca das práticas educativas
que buscam superar os desafios do ensinar e aprender, além de
trabalhar na reprogramação do currículo e implantação de programas
e sistemas para avaliar as dinâmicas escolares. Desse modo, esse
profissional pode promover oficinas para a vivência de experiências
e reflexões sobre temáticas que engendram o contexto escolar,
ressignificando os sistemas de avaliação, recuperação e reintegração dos
estudantes no processo de aprender.

Visca (1997) propõe uma análise dos processos de aprendizagem


com base em quatro unidades de análises que devem ser observadas
e consideradas em diferentes âmbitos. São elas: indivíduo, grupo,
instituição e comunidade, que podem ser vistas na figura a seguir.
33

Figura 1 – Unidades de análise do processo de aprendizagem

Fonte: adaptado de Visca (1997, p. 22).

O indivíduo está na primeira unidade de análise, sendo compreendido


com foco na prevenção e na superação das dificuldades de
aprendizagem. O grupo é visto como a segunda unidade para analisar
as funcionalidades do sujeito, uma vez que é por meio do grupo que
emergem formas de resolução de conflitos cognitivos e afetivos,
considerando que existem duas maneiras de analisar essa perspectiva,
ou seja, a aprendizagem que acontece no grupo e a aprendizagem do
grupo.

O grupo consiste em um sistema ativo que torna possível reconhecer


processos estratégicos que engendram mecanismos cognitivos
(intrínsecos), o que pode configurar a aprendizagem do grupo e
construir aprendizagens a partir das interações grupais.

A terceira unidade de análise, segundo Visca (1997), é a instituição e seu


conjunto de normas, costumes e usos, que fazem parte da dinâmica
34

escolar e são referência para a conduta do grupo. Nesse sentido, no


interior da instituição os grupos se inter-relacionam entre si, ao mesmo
tempo que configuram novas normas e padrões de conduta diante das
normas institucionais.

As relações tecidas no interior das instituições permitem a ação do


neuropsicopedagogo na condução de tomadas de consciência e
resiliência, para que a escola cumpra sua função social, socializando e
compartilhando saberes e conhecimentos, assim como promovendo
inúmeras possibilidades de interações e experiências que efetuam o
desenvolvimento cognitivo, social e afetivo.

1.2 Atuação institucional e clínica

O profissional especialista em neuropsicopedagogia busca, além


de compreender o funcionamento do cérebro em situações de
aprendizagem, adequar métodos e estratégias educacionais para
sujeitos com déficits cognitivo e emocionais. Tanto em um ambiente
institucional quanto fora dele, o neuropsicopedagogo tem por função
propor caminhos, exercícios de estimulação a pacientes/estudantes,
para que auxilie e potencialize as atividades cerebrais.

O cérebro, por sua vez, ao receber informações do meio externo,


seleciona, processa e memoriza elementos que trarão mudanças e
transformações aos sistemas neuronais. Assim, o trabalho realizado
por um profissional especializado em neuropsicopedagogia consiste
em auxiliar nos processos didáticos e pedagógicos na dinâmica
institucional, para melhorar cada vez mais tais processos de ensino e de
aprendizagem, além de direcionar o olhar para os sujeitos que possuem
uma dificuldade mais acentuada ou até mesmo um transtorno específico
de aprendizagem.

A instituição escolar é, sem dúvidas, um local para ampliar as vivências,


experiências e interações que favorecerão as aprendizagens. Contudo,
35

ao receber inúmeras demandas e tarefas, é preciso alinhar os objetivos,


para que a preocupação não deixe de ser a aprendizagem dos alunos.

Mesmo com suas limitações, todas as pessoas possuem capacidades


de aprendizagem, inclusive estudantes público-alvo da educação
especial. Ou seja, pessoas com deficiências físicas, sensoriais, mentais
e cognitivas, ou com transtornos do neurodesenvolvimento com
déficits significativos que comprometem a aprendizagem, precisam ser
assistidas, uma vez que a educação é um direito coletivo. Desse modo, a
atuação do neuropsicopedagogo na inclusão e integração de estudantes
com deficiências no contexto escolar se faz necessária, uma vez que
a escola precisa se adequar e se adaptar para atender às demandas
específicas de todos.

O sucesso de tais processos de inclusão, ensino e aprendizagem


no contexto escolar também pode ser agregado ao papel do
neuropsicopedagogo, uma vez que esse profissional, ao conhecer as
potencialidades, funções cerebrais e limitações de cada estudante,
pode tornar ainda mais possível a inclusão de todos, especialmente
por conhecer os distúrbios, transtornos de aprendizagem, assim como
aspectos sobre a aprendizagem humana, o que o torna capaz de
identificar, avaliar, orientar e encaminhar para outros profissionais, bem
como elaborar pareceres.

Tais observações específicas realizadas pelo profissional da


neuropsicopedagogia podem compor laudos de outros profissionais da
saúde, a partir dos sintomas e comportamentos avaliados na criança,
como dificuldades de leitura, de escrita, na matemática, na fala, na
visão, nas questões motoras e auditivas, entre outras. Para isso, o
neuropsicopedagogo pode auxiliar o indivíduo a trilhar um caminho
para a solução de problemas de aprendizagem.

Após um laudo ou diagnóstico de outro especialista, o


neuropsicopedagogo atua juntamente com a escola e a família no
36

processo de intervenção pedagógica, respeitando os limites e almejando


avanços e evolução sistêmica do sujeito. Mesmo que caminhemos a
passos lentos para que especialistas em neuropsicopedagogia estejam
presentes no espaço escolar, ressalta-se a importância de ter esse
profissional atuando nesse contexto.

O Código de Ética Tecnico do profissional da Neuropsicopedagogia


nº 5/2021, da Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia, em seu
art. 30, deixa claras as funções do neuropsicopedagogo, dentre elas,
destacamos:

I -Observação, identificação e análise dos ambientes e dos grupos de


pessoas atendidas, focando nas questões relacionadas a aprendizagem
e ao desenvolvimento humano nas áreas motoras, cognitivas e
comportamentais, considerando os preceitos da Neurociência aplicada
a Educação, em interface com a Pedagogia e Psicologia Cognitiva. II –
Criação de estratégias que viabilizem o desenvolvimento do processo
ensino-aprendizagem dos que são atendidos nos espaços coletivos e,
quando necessário, de forma individual para triagem. III -Análise do
histórico escolar dos grupos de escolares, identificando dificuldades a
serem trabalhadas em grupos através de ações específicas como Projetos
de Trabalho e Oficinas Temáticas. IV –Em casos pontuais, quando ações
coletivas não se aplicarem às especificidades do sujeito, deve-se buscar
as origens das dificuldades apresentadas por meio de triagem e/ou
sondagem. V -Encaminhamento, quando necessário, a profissionais de
áreas específicas através do Relatório de triagem e/ou sondagem. (SBNPp,
2021, p. 5-6).

Ao conhecer os processos de aprendizagem, o neuropsicopedagogo


pode auxiliar nas atividades didáticas do professor da sala de aula
comum e na elaboração dos currículos, a fim de influenciar a aquisição
de conhecimentos, assim como compreender, avaliar e intervir nas
lacunas de aprendizagem, desenvolvendo um papel significativo
no diagnóstico e na aplicação de ferramentas que potencializem os
processos de ensino e de aprendizagem.
37

As defasagens na aprendizagem e questões de indisciplina podem


ser amenizadas no contexto escolar quando as famílias participam do
processo de aprendizagem e da vida escolar.

A atuação clínica visa desenvolver as funções cerebrais e cognitivas em


consultórios clínicos e postos de saúde, na realização de avaliações
e intervenções com crianças e adolescentes com dificuldades de
aprendizagem, ou até mesmo com um transtorno, como Transtorno
do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro
Autista (TEA), dislexia, discalculia e outros.

O neuropsicopedagogo atua auxiliando a avaliar as habilidades que


são e estão comprometidas por esses transtornos, e busca intervir nas
dificuldades, no vínculo afetivo, nos atrasos motores e da linguagem
e na relação entre escola, clínica e família. Relvas (2010) destaca
que cada habilidade ou comportamento tem íntima relação com as
funcionalidades cerebrais. Assim, o neuropsicopedagogo, na condução
da avaliação, pode realizar testes, utilizando materiais lúdicos, jogos,
anotações e intervenções.

1.3 Avaliação neuropsicopedagógica

A avaliação neuropsicopedagógica envolve o atendimento realizado


por um especialista da neuropsicopedagogia e objetiva identificar as
dificuldades de aprendizagem, com a intenção de propor superações
cognitivas, intelectuais e emocionais, enquanto oferece ferramentas
para melhorar os processos de aprendizagem, aumentando a
autoconfiança e motivação. O profissional da neuropsicopedagogia
diante dessas demandas intermedia, ajuda, auxilia de maneira
personalizada cada indivíduo, respeitando suas maneiras de aprender e
buscando sua autonomia cognitiva.

A avalição no âmbito da neuropsicopedagogia visa observar as funções


do pensamento, da reflexão, da atenção, da memória, da associação
38

de ideias, da resolução de problemas, da curiosidade, da criatividade e


da linguagem, de modo que estes são focos do trabalho e da avaliação
neurocognitiva.

A neuropsicopedagogia no campo clínico emprega como recurso


principal a realização de entrevistas, que tem como objetivo resolver
problemas individuais e grupais daqueles que buscam por esse serviço.
No âmbito clínico, a atuação do neuropsicopedagogo pode desencadear
novas necessidades, especialmente as voltadas para o desejo de
aprender e melhorar o rendimento escolar. Assim, é necessário ter
contatos e encontros periódicos, estabelecidos em cronograma tratado
e acordado com o aprendiz e a família, para se alcançar melhores
resultados e feedbacks positivos.

Referências
AVELINO, W. F. A Neuropsicopedagogia no cotidiano escolar da Educação Básica.
Revista Educação em Foco, n. 11, 2019.
BOSSA, N. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2. ed.¬
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação: como o cérebro aprende.
Porto Alegre: Artmed, 2011.
LENT, R. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais de neurociência. 2.
ed. São Paulo: Atheneu, 2010.
OLIVER, K. A.; ANTONIUK, S. A.; BRUCK, I. Neurodesenvolvimento infantil: definição
e conceito. In: RIECHI, T. I. J. S.; VALIATI, M. R. M. S.; ANTONIUK, S. A. Práticas em
neurodesenvolvimento infantil. Fundamentos e vidências científicas. Curitiba:
Editora Íthala, 2017. 197 p.
RISGO. R. dos S. Anatomia da Aprendizagem. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.;
RIESGO, R. dos S. Transtornos da Aprendizagem: abordagem neurobiológica e
multidisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
RELVAS, M. P. Neurociência e transtornos de aprendizagem – as múltiplas
eficiências para uma educação inclusiva. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2010.
SBNPp. Resolução SBNPp nº 05/2021. Dispõe sobre o Código de Ética
Técnico Profissional da Neuropsicopedagogia. Joinville, 2021. Disponível
39

https://www.sbnpp.org.br/arquivos/Codigo_de_Etica_Tecnico_Profisisonal_da_
Neuropsicopedagogia_-_SBNPp_-_2021.pdf. Acesso em: 15 mar. 2022.
SANCHEZ JÚNIOR, S. L. Contribuições da Neurociência no processo de ensino e
aprendizagem. Diálogo e Interação, Cornélio Procópio, v. 12, n. 1, 2018.
VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. São José dos
Campos: Pulso Editorial, 1997.
40

Código de ética profissional em


neuropsicopedagogia
Autoria: Sidney Lopes Sanchez Júnior
Leitura crítica: Juliana Zantut Nutti

Objetivos
• Conhecer os fundamentos éticos e legais do
profissional de neuropsicopedagogia.

• Aprofundar a discussão sobre as questões legais e


de atuação do neuropsicopedagogo.

• Ampliar o debate e a discussão sobre os desafios do


neuropsicopedagogo.
41

1. Código de ética profissional em


neuropsicopedagogia

A Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia tornou público, em maio


de 2020, o Código de Ética Técnico Profissional da Neuropsicopedagogia,
sendo um documento redigido pela entidade, que foi deliberado na 2°
Reunião de Assembleia Extraordinária. Trata-se de um órgão importante
de formação de opinião na comunidade, com compromisso de manter
a ética e moral da profissão, garantindo maior justiça social e atuação
no âmbito profissional de forma justa e integrada às instituições
responsáveis pela normatização e codificação das relações entre
beneficiários e destinatários dos serviços de neuropsicopedagogia
(SBNPp, 2020).

Desse modo, o profissional da neuropsicopedagogia assume um papel


social ao se comprometer com o atendimento individual e de grupos no
contexto institucional e clínico, definido sobretudo no Código Brasileiro
de Ocupações, sendo uma conquista que classifica a agrega empregos e
formas de trabalho (SBNPp, 2020).

O Código Brasileiro de Ocupações (CBO, [s. d.]) dispõe as relações e


ocupações registradas pelo Ministério da Economia, o que possibilita
e determina ocupações que possam ser exercidas nas políticas de
recursos humanos e contratação profissional assistida pelos direitos
trabalhistas e previdenciários garantidos na legislação nacional.

Por sua vez, o código de ética oficializa as relações trabalhistas do


neuropsicopedagogo clínico e institucional na execução das atividades
educativas em empresas, sindicatos, escolas, serviços de imigração e
demais atividades que requeiram o trabalho do neuropsicopedagogo.
Essa conquista foi possível através do engajamento de profissionais da
área, especialmente em mostrar a relevância do trabalho do profissional
42

da neuropsicopedagogia nas intervenções relativas aos processos e às


interações que envolvem o ensinar e o aprender.

1.1 Questões éticas e de atuação do neuropsicopedagogo

O neuropsicopedagogo tem a função de promover uma educação com


qualidade e inclusiva, tendo como prioridade o atendimento de crianças
e jovens com dificuldades de aprendizagem, atuando juntamente
com a equipe técnica das escolas no atendimento coletivo e individual
das demandas de aprendizagem, na intervenção específica e nas
particularidades relacionadas à construção do conhecimento científico e
acadêmico, promovendo o desenvolvimento sociopessoal e educacional
de todos os sujeitos com dificuldades e/ou transtornos específicos de
aprendizagem.

Toda a ação desse profissional deve se pautar pelo Código de Ética


Técnico Profissional da Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia –
SBNPp, de modo que ele deve possuir registro e cadastro de associado
nesse conselho. Assim, a formação do neuropsicopedagogo deve
atender ao que preceitua a Resolução nº 3/2014 da SBNPp, em seu
capítulo V, arts. 68, 69 e 70, que determina que o processo de formação
se dá em curso de pós-graduação lato sensu em Neuropsicopedagogia,
a qual deve ser ministrada por uma Instituição de Ensino Superior
(IES) devidamente credenciada por órgãos competentes, conforme a
legislação do Ministério da Educação (SBNPp, 2020).

Ao concluir o curso específico, o neuropsicopedagogo garante a


condição técnica, especialmente pela elaboração e produção de
um trabalho de conclusão de curso, de cunho científico, o que lhe
dá condições para pensar em processos e pesquisas para atuação
profissional.

A Resolução n° 5, de 12 de abril de 2021, dispõe sobre o Código de Ética


Técnico Profissional da Neuropsicopedagogia, alterando as Resoluções
43

n° 3/2014 e n° 4/2020 e assumindo um caráter humano. Ela contém


normas, princípios e diretrizes que devem ser seguidos por todas as
pessoas físicas e jurídicas que atuam como neuropsicopedagogos
devidamente associados à SBNPp, por adesão voluntária, aceitando e
concordando com os princípios contidos nesse código de ética (SBNPp,
2020).

O mencionado código de ética tem como funções apresentar, denominar


e discorrer sobre os objetivos da profissão do neuropsicopedagogo,
assim como definir os princípios fundamentais e as diretrizes da atuação
profissional. Assim, apresenta as atividades e responsabilidades que
devem ser observadas e seguidas pelo profissional, bem como os seus
direitos e deveres na formação e no reconhecimento institucional.

A abrangência do código de ética se dá em um contexto amplo, que


norteia todos os associados da SBNPp, sendo esse um documento
anexado ao projeto de lei que busca aprovação nacional da profissão
do neuropsicopedagogo em âmbito clínico e institucional, legitimando e
descrevendo a importância e a responsabilidade desse profissional na
sociedade.

O objetivo principal do Código de Ética Técnico Profissional (CETP)


é assegurar valores e condutas relevantes para a sociedade,
fortalecendo padrões e reconhecimento social do profissional da
neuropsicopedagogia. Assim, ele apresenta modelos ideais desse
profissional, fomentando uma reflexão acerca das práticas educativas e
de seus contextos (SBNPp, 2020).

Com base na Declaração dos Direitos Humanos, o CETP se pauta por


princípios de respeito ao sujeito humano e seus direitos fundamentais,
não podendo ser visto como normas fixas e imutáveis, especialmente
por refletir a realidade de um país, da sociedade em geral. Por isso, ele
deve ser revisto e atualizado a cada dois anos.
44

O capítulo II do CETP define a neuropsicopedagogia como uma ciência


transdisciplinar que tem como objeto de estudo a relação entre o
funcionamento do sistema nervoso e a aprendizagem humana em
uma perspectiva sistêmica, social e educacional, compreendendo o
desenvolvimento cognitivo e as profundas relações do processo de
ensinar e aprender (SBNPp, 2016).

O art. 11 do CETP (SBNPp, 2020, p. 3) destaca que o trabalho clínico e


institucional do neuropsicopedagogo se fundamentará em “respeito,
liberdade, dignidade, igualdade e a integridade do ser humano”,
buscando contribuir para a saúde física e mental e para a qualidade do
trabalho durante o processo de formação.

Ainda preceitua esse CETP que o profissional da neuropsicopedagogia


trabalha para a promoção da qualidade de vida da sociedade e
dos indivíduos que vão em busca de atendimento e passam por
intervenções empreendidas por ele, de modo a contribuir para eliminar
quaisquer formas de negligência, omissão, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, almejando o desenvolvimento das
potencialidades humanas de todos os que buscam os seus serviços.

Por isso, cabe ao profissional da neuropsicopedagogia recorrer


aos recursos técnicos disponíveis, especialmente para avaliação e
intervenção, proporcionando o melhor serviço possível, garantindo a
responsabilidade social e ética e considerando as condições sociais e
humanas durante a atuação.

A atuação do profissional especialista em neuropsicopedagogia


deve ocorrer com responsabilidade, na busca compromissada pelo
aprimoramento profissional. Ele precisa estar atento aos avanços dessa
ciência, sendo estes em âmbitos científicos, políticos, econômicos,
sociais e tecnológicos, que contribuem para a melhor atuação prática
diante das demandas do trabalho clínico e institucional, assim como
45

aprimorar os instrumentos e métodos de avaliação técnica-científica,


pedagógica e clínica.

A promoção da universalização do saber acerca das informações sobre


a neuropsicopedagogia consiste na função desse profissional, além de
divulgar informações, necessidades e avanços dos serviços e padrões
éticos em relação à sociedade, zelando para que suas atividades sejam
desenvolvidas com cuidado, dignidade e confiança, e tendo o direito de
receber remuneração pelo serviço prestado.

Vale destacar que o trabalho sem remuneração, ou seja, sem fins


lucrativos, pode ser prestado pelo profissional da neuropsicopedagogia
a instituições filantrópicas. Contudo, a transparência das ações e
decisões contribui para a qualidade e confiabilidade do trabalho do
neuropsicopedagogo, uma vez que deve ser garantida para todos
aqueles que usufruem dos serviços prestados.

Em todos os relatórios, documentos e pareceres prescritos, é importante


que o neuropsicopedagogo indique sua qualificação profissional,
acompanhada do número de registro de associado à SBNPp, a fim de
cumprir com as obrigações éticas e profissionais contidas na política dos
associados.

O capítulo III do CETP do neuropsicopedagogo destaca o exercício


das atividades e responsabilidades desse profissional, uma vez que
contextos clínicos e institucionais possuem características próprias
para atuação. O atendimento virtual é possível, desde que utilize
instrumentos abertos de sondagem/triagem/avaliação validados pela
comunidade brasileira, de maneira autorizada para aplicação e utilização
de profissionais da saúde e educação (SBNPp, 2021).

O neuropsicopedagogo com formação específica para trabalhar em


contexto institucional fica delimitado a atuar exclusivamente em
ambientes educacionais ou instituições de atendimento coletivo, como
46

escolas públicas e particulares, centros de educação, instituições de


educação superior e terceiro setor, para oferta de serviços de avaliação
das funções cognitivas (exceto funções intelectuais, transtornos de
humor e personalidade) no atendimento a pessoas com dificuldades
de aprendizagem, em programas de inclusão (quando necessário) e na
realização de avaliação, sondagem e/ou triagem acadêmica.

O neuropsicopedagogo com formação para atuação clínica delimita seu


trabalho e seus atendimentos em settings adequados, como consultório
particular, espaço de atendimento em postos de saúde e terceiro setor.
Em ambiente hospitalar, o atendimento fica condicionado a projetos de
interesse da instituição na qual o profissional esteja inserido.

De acordo com o CETP, é dever de todo neuropsicopedagogo conhecer,


divulgar, cumprir e fazer cumprir o referido código de ética. Para
tanto, faz-se necessária a atualização dos conhecimentos científicos e
técnicos, a fim de que ocorra o pleno desenvolvimento das atividades
profissionais sobre a aprendizagem humana. Assim, o art. 38 do
CETP (SBNPp, 2020, p.7) deixa claro que o neuropsicopedagogo deve
responsabilizar-se pelas intervenções realizadas, além de fornecer
informações claras aos seus beneficiários e responsáveis, por meio de
discussões feitas e de estudos de casos.

Cabe ao profissional reconhecer suas limitações, assim como recorrer a


outros especialistas quando necessário, mantendo relações profissionais
pautadas por respeito e cooperação, ao considerar a atuação em
equipe multiprofissional, buscando colaborar para os avanços da
neuropsicopedagogia e sua atuação diante das demandas sociais e
educacionais.

O neuropsicopedagogo se responsabilizará pelos encaminhamentos que


se fizerem necessários, a fim de garantir proteção integral do atendido,
além de comunicar aos responsáveis as medidas e decisões que
precisam ser tomadas para o beneficiário atendido.
47

Do mesmo modo, os documentos que embasam as atividades


realizadas em equipe multiprofissional devem ser registrados pelo
neuropsicopedagogo, de modo que somente constem as informações
necessárias que condizem com sua área de atuação, visando, assim,
preservar a integridade de quem está recebendo atendimento.

Em caso de desligamento ou interrupção do trabalho e do atendimento


neuropsicopedagógico por quaisquer motivos, os documentos, os
laudos, os pareceres e as avaliações devem ser arquivados de forma
confidencial. Se porventura houver substituição do profissional
da neuropsicopedagogia que prestará atendimento aos sujeitos,
recomenda-se que todo o material utilizado no processo de intervenção
e avaliação seja repassado ao profissional substituto, de maneira lacrada
e confidencial.

Além disso, o neuropsicopedagogo pode atuar em pesquisas científicas


e divulgação do conhecimento científico para o desenvolvimento da
ciência e tecnologia na área. Contudo, deve-se observar os riscos,
os procedimentos e a garantia da participação voluntária mediante
a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, a fim
de proteger os envolvidos, e assegurar o sigilo e a preservação da
identidade do indivíduo ou do grupo quando não for autorizada a
divulgação da identidade.

O CETP ainda trata dos instrumentos que podem ser utilizados pela
neuropsicopedagogia, sendo ferramentas que servem de objeto de
estudo, capacitação e formação técnica e profissional. Assim, a escolha
dos instrumentos deve acontecer de forma cuidadosa, de modo que
eles não sejam restritos a outras especialidades, ou seja, eles devem
ser abertos à prática neuropsicopedagógica, tendo sido validados
pela população brasileira, com resultados embasados cientificamente,
pedagogicamente e clinicamente.
48

Posto isso, toda avaliação utilizando testes deve conter um olhar


neuropsicopedagógico, pautado pelos conhecimentos da neurociência
aplicada à educação, com interfaces da psicologia cognitiva, deixando
claro o caráter transdisciplinar e ficando vetada a utilização de qualquer
instrumento não reconhecido no campo neuropsicopedagógico.

Assim, os protocolos de avaliação devem conter fundamentos básicos


sobre a aprendizagem e o desenvolvimento das funções executivas,
bem como das habilidades de linguagem, atenção e raciocínio lógico-
matemático, além de informações relativas a aspectos neuromotores
e psicomotores, em casos institucionais e clínicos. Fica vetado ao
neuropsicopedagogo avaliar a inteligência e os transtornos de humor
e de personalidade, assim como realizar testes projetivos, conforme o
parágrafo 3°, art. 66, do CETP (SBNPp, 2020, p.13).

É preciso ter clareza quanto ao campo de atuação e às questões éticas


do trabalho do neuropsicopedagogo, uma vez que compreende uma
ciência multiprofissional, com olhar plural, mas especificada nos
processos de aprendizagem, a partir da compreensão dos mecanismos
que engendram a aprendizagem em uma perspectiva neurobiológica.
A assistência, o acompanhamento, a avaliação e a intervenção do
neuropsicopedagogo assumem um caráter importante, uma vez que se
entrelaçam com o trabalho realizado por psicólogos, fonoaudiólogos,
terapeutas, coordenadores, gestores, professores, famílias e outros.

Além disso, não se deve perder o caráter inclusivo do trabalho


neuropsicopedagógico, uma vez que o acolhimento, a avaliação, o
acompanhamento e as intervenções se dão no plano individual, na
compreensão do todo, no âmbito dos aspectos escolares e pedagógicos
e coletivamente, a fim de vincular os alunos com deficiência ou
dificuldades de aprendizagem a contextos escolares mais normalizados,
auxiliando na elaboração de propostas e no planejamento de ações que
podem ser dirigidas a alunos, famílias, grupos escolares e salas de aula,
49

na tentativa de superar os desafios e tornar o espaço escolar menos


excludente.

Ainda sobre o apoio a pessoas com deficiência, a atuação


neuropsicopedagógica deve privilegiar o desenvolvimento e a superação
das limitações e lacunas na aprendizagem, até mesmo em questões
de acessibilidade. A pessoa com deficiência visual, por exemplo, teria a
atuação do neuropsicopedagogo na mediação dos recursos de braile;
para a pessoa com deficiência auditiva ou surdez, o trabalho seria para
garantir atendimento especializado; a pessoa com deficiência mental
ou física, para que os direitos lhe sejam garantidos, teria acesso a
adequações curriculares e nas avaliações, a fim de que haja inclusão, e
não exclusão da pessoa.

Como profissional que atua na interface da educação e saúde,


é importante que o neuropsicopedagogo conheça os direitos
educacionais, a fim de entender o seu papel na luta por direitos e
oportunidades para desenvolver o máximo das capacidades humanas.
Os alunos serem atores da escola é algo que parte da transformação
das instituições de ensino e clínicas, que devem ser capazes de acolher,
incluir e dar apoio a todo esse processo educacional que busca superar
as dificuldades para uma aprendizagem de qualidade.

Para isso, destaca-se o trabalho multiprofissional, na tentativa de


encontrar alternativas para minimizar tais situações, com base nas
contribuições da neurociência, pedagogia e psicologia, no sentido de
buscar a compreensão do mecanismo do aprender, a partir do sistema
nervoso, que organiza todos os comportamentos, emoções e interações
entre os bilhões de neurônios no nosso cérebro.

Assim, a especificidade do trabalho do neuropsicopedagogo


é regulamentada e orientada pela Sociedade Brasileira de
Neuropsicopedagogia, delimitando a atuação educacional, institucional
50

e clínica com sua objetividade e intencionalidade na construção do


conhecimento.

Dessa maneira, destaca-se a importância de que todo profissional que


atue na neuropsicopedagogia conheça e se aprofunde nas questões
éticas e legais para formação, atuação e avaliação do trabalho, seja
no contexto clínico ou institucional, uma vez que o comprometimento
e a seriedade desse profissional farão com que cada vez mais sejam
conquistados campos e espaços ainda não alcançados, além do
reconhecimento da ciência e da profissão, e da valorização desse
profissional para a sociedade em geral.

Referências
BRASIL. Ministério do Trabalho. CBO. Código Brasileiro de Ocupações. Brasília:
Ministério do Trabalho, [s.d.]. Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/
pages/pesquisas/BuscaPorTitulo.jsf. Acesso em: 30 dez. 2021.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEUROPSICOPEDAGOGIA. SBNPp. Resolução
SBNPp nº 03/2014. Dispõe sobre o Código de Ética Técnico Profissional da
Neuropsicopedagogia. Joinville, 2020. Disponível em: https://www.sbnpp.org.br/
arquivos/codigo_de_etica_2016.pdf. Acesso em: 15 mar. 2022.
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