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DMT, HIPNOSE E TRANSE

Antonio Almeida Carreiro. Dr. Sc.

No final dos anos 90 surge mais uma explicação para se enteder a hipnose envolvendo a fisiologia cerebral relacionada
ao composto quimíco N,N-Dimetiltriptamina (DMT), reconhecido na literatura como um neurotransmissor, “liga” um
neurônio ao outro transmitindo impulsos eletroquímicos. O DMT é naturalmente presente no corpo humano e também em
muitos vegetais. (Jacob, 2005).1
O DMT é mais potente do que a serotonina e faz as ligações entre os neurônios de forma mais acelerada, ou seja, causa
maior velocidade na comunicação neural. Este estado, alterado a velocidade do pensamento, produz visões e sensações
diferentes da forma como processa a serotonina (Goodman, 2007).2 Mas não existem ainda respostas conclusivas sobre
as funções deste DMT interno, isto é, produzido pelo próprio organismo, tão pouco sobre o órgão responsável por esta
produção, embora essa função seja atribuída à hipófise, conhecida como glândula pineal. Embora também sem prova
científica conclusiva, há uma série de apontamentos, hipóteses e teorias quem caminham na direção de que
procedimentos hipnóticos podem produzir o aumento do DMT no cérebro.
As pesquisas nesta área se iniciam com os textos de Terence McKenna (1993, 1995 e 1996)3 e apontam para o sentido
de que a ação do DMT, acelerando e aumentando o processo cognitivo, pode revelar uma forma diferente do
funcionamento convencional do cérebro conhecido como transe. Parece que o DMT desliga a função de filtrar informações
no cérebro, permitindo que a mente seja inundada por eventos mentais que costumam ser excluídos por não terem valor
de utilidade imediata. Esse estado de transe, provocado pelo fluxo excessivo de informações, seria mais uma explicação.
Rick Strassman (2001)4 investigou o uso do DMT e, à medida que administrava aos seus voluntários percebia que todos
eles entravam em transe, concluindo que este composto químico projeta a mente para fora do corpo e dentro de outra
dimensão. Em sua pesquisa Rick especula que o aumento da quantidade de DMT produzidas no próprio cérebro pode criar
um estado mental semelhante ao transe hipnótico.
Insinua Terence McKenna (1993, 1995 e 1996) e Rick Strassman (2001) que o aumento do DMT no cérebro pode ocorrer
em condições especiais como nas sessões de hipnose ou em momentos de grande expectativa, participação em rituais,
danças, orações, devoção, meditação ou em outras praticas também aceitas como hipnóticas. Mas, afirmam que o DMT
pode também ser consumido de fonte externa, é contido nos chamados vegetais enteógenos, seu consumo pode levar
os indivíduos ao transe ou aos mesmos estados mentais atingidos por técnicas hipnotizadoras.
Graham Hancock (2005),5 comentando a pesquisa de Rick Strassman, afirma que já se sabe que o DMT ocorre no
metabolismo humano natural, mas não se tem certeza onde e como ele é produzido no organismo. Para Hancock, Rick
Strassman encontrou indícios que apontam para a possibilidade de ser a glândula pineal a fonte desse composto, mas
conclui que isso ainda é uma hipótese não confirmada cientificamente. Prejudica a pesquisa de Strassman o fato de não
ser reducionista, ele não reduz a produção do DMT à química cerebral, tenta uma explicação intuitiva que transcende
os limites do procedimento cartesiano laboratorial e, ainda admite certo grau de espiritualidade como pressuposto para
suas conclusões.
Explicando o que ocorre no estado alterado de consciência, Hancock (2005) acredita que o cérebro é um receptor,
semelhante a um receptor de televisão e, para a maioria de nós, esse receptor está sintonizado no “Canal Normal” o tempo

1
Jacob, M. S. e Presti, D. E. Endogenous psychoactive tryptamines reconsidered: an anxiolytic role for dimethyltryptamine.
Amsterdã, Medical Hypotheses, n.64, p.930-7, 2005.
2
Goodman, L. S. e Gilman, A. As bases farmacológicas da terapêutica. 11ª ed., RJ, Editora McGraw-Hill, 2007.
3
McKenna, T. Alimento dos Deuses. RJ, Editora Record/Nova Era, 1995 - McKenna, T. Retorno à cultura arcaica. RJ, Editora
Record/Nova Era, 1996.
4
Strassman, R. DMT: The Spirit Molecule: A Doctor’s Revolutionary Research into the Biology of Near-Death and Mystical Experiences.
EUA, Park Street Press, 2001.
5
Hancock, G. Supernatural: Meetings With The Ancient Teachers of Mankind. UK, Editora Century, 2005.
inteiro. Mas quando a substância DMT age no cérebro humano, seja produzida em excesso pelo próprio cérebro, por
exemplo, quando se pratica hipnose convencional ou quando é consumido de fonte externa, a sintonização do aparelho
receptor é alterada e, então, passa a sintonizar aquilo que o Rick Strassman chamou de “Canal DMT”. Neste caso, outras
dimensões da mente, que não são acessíveis em estados ordinários de consciência, mas durante o transe são subitamente
acessíveis.
Para Hancock, a ação do DMT no cérebro humano parece abrir um portal dentro da mente que leva os pensamentos para
outra dimensão. Rick Strassman está absolutamente convencido que a realidade percebida pelos sentidos humanos é
muito mais ampla e complicada do que se imagina, para ele, o que se percebe é como um iceberg, a ponta está acima da
superfície, mas 90% dele estão abaixo. A consciência diária normal pode ser apenas a ponta, a maior parte da realidade
pode estar fora da percepção humana. Para encontrá-la, a forma de acesso é o estado de transe conquistado através do
DMT.
Acredita-se hoje que a busca do transe hipnótico por ingestão de DMT é o método mais direto (embora menos comum)
para o Ser Humano entrar temporariamente em fascinantes mundos do seu inconsciente. Desde as antigas civilizações,
diversos vegetais com propriedades hipnóticas têm sido utilizados com esta finalidade, apresentando um papel importante
em ritos religiosos. Segundo Schultes e Hofmann (1982), o uso destas plantas permitia ao curandeiro entrar em transe,
aumentar a percepção sobre coisas, fatos e pessoas, realizar cura, fazer adivinhações e orientar a tribo nas estratégias
de guerra.
Segundo Ott (1994),6 a partir dos anos 60 pesquisadores da etnobotânica começaram chamar a atenção para o fato de
que alguns vegetais possuíam ou desencadeavam o aumento do DMT no cérebro humano. Definiram um termo para essas
plantas e as chamaram de vegetais “enteógenos” que significa “que faz nascer Deus dentro”. Outro termo também usado
é plantas mestras ou plantas professoras. Este conceito está amplamente difundido principalmente entre os vegetalistas
peruanos mestiços, mas também é bastante presente no contexto xamânico da Amazônia. Os vegetalistas consideram
certos vegetais como fonte de seu saber e de poder cosmológico, mitológico e terapêutico (Luna, 2009).7
Há unanimidade entre os autores pesquisados quando afirmam que, embora a farmacodinâmica do DMT seja objeto de
estudo científico, seu efeito sobre a consciência humana não é um problema satisfatoriamente respondido. O fato é que,
para a ciência atual, o efeito do DMT ainda é misterioso. Também é difícil explicar como acontece a produção do transe,
induzido através de meras sugestões verbais ou visuais e que podem até ser praticados por autossugestão. É preciso
questionar porque a sintomatologia e os efeitos do transe hipnótico convencional são também produzidos por esse
composto químico. Associar estas questões e relacionar com o DMT talvez possa contribuir para interpretar um lado pouco
conhecido e muito mistificado do Ser Humano, o transe hipnótico.
As duas principais fontes de DMT externo ao organismo humano usado em rituais para produzir transe são: a) o chá
ayahuasca, feito a partir do cozimento concomitante de talos socados do cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi), e das
folhas do arbusto chacrona ou rainha (Psychotria viridis), é consumido pelos adeptos das chamadas religiões
ayahuasqueiras; b) o chá da casca da raiz da jurema-preta (Mimosa hostilis), consumido em rituais de candomblé.
Para estabelecer diferenças e semelhanças entre o transe hipnótico convencional e o transe produzido pelo consumo de
chá ayahuasca, foi realizada em 2010 uma pesquisa e, o resultado demonstrou que entram em transe em média 90% das
pessoas que experimentaram o chá ayahuasca. Entre estes, 70% apresentaram sintomatologia semelhante ao transe
hipnótico de nível leve, o que permite entrar ou sair do transe com muita facilidade, dependendo apenas da necessidade
e de sua vontade. Permaneceram em nível intermediário 20% e os 10% restantes apresentaram sintomatologia idêntica
ao transe nos níveis sonambúlicos e plenos. A investigação demonstrou com clareza que o transe produzido pelo chá em
muito se assemelha aos provocados por outros meios ou processos hipnóticos, sem ingestão de qualquer substância
(Carreiro, 2012).8

Nota
Texto extraído do Livro CARREIRO, A. A. Hipnose: Mítica, Filosófica e Científica. Editora JM, 2014 - copyrigth
© CIP. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor.

6
Ott, J. Ayahuasca analogues - Pangean Entheogens. USA, Natural products, 1994.
7
Luna, L. E. Xamanismo amazônico, ayahuasca, antropomorfismo e mundo natural. In: Labate, B. C.; Araujo, W. S. (Orgs). Uso
ritual da ayahuasca. SP, Editora Mercado de Letras, 2009.
8
Carreiro, A. A. Antropologia e Espiritualidade: Hipnose, Religião e Rituais de Cura. BA, Editora JM, 2012.

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