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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Psicologia

Disciplina: Psicopatologia II – Psicoses e Perversões

Prof. Drª. Helida Magalhães da Costa Lima

Andreza Costa Bezerra – 2016096875

Resenha Do Caso Schreber

João Pessoa

Paraíba

2018
Ao tentar chegar a uma compreensão de um caso de paranoia, Freud propõe dois

caminhos: um se faz através das próprias memórias ou declarações do paciente e o

outro, parte das causas que teriam ativado sua paranoia. O primeiro é considerado viável

por Freud devido ao alto nível de inteligência do paciente e da sua capacidade descritiva

dos acontecimentos que, através de delírios ou negações, facilitavam a realização da

interpretação do caso.

Inicialmente, Schreber se queixa do aborrecimento criado pelos chamados

“pássaros miraculados” ou “pássaros falantes”, aos quais atribui certo número de

qualidades extraordinárias. Segundo ele, esses pássaros repetiam frases que eram sem

sentido, as quais foram aprendidas de cor, confundiam palavras parecidas e estavam

impregnados com veneno que era usado contra ele. Na interpretação, esses pássaros são

a representação de moças, que eram consideradas burras ou sem instrução, e foram

consideradas de grande importância para a compreensão das “ante-salas do céu” às

quais Schreber se referia e as quais formavam os pássaros.

A utilização das memórias traz um problema na medida em que partes do livro

escrito pelo paciente são retiradas para a publicação por ele mesmo, pois continham,

segundo ele, conteúdos impróprios para publicação. O capitulo retirado era o terceiro, e

nele continham acontecimentos que haviam ocorrido com outros membros da família de

Schreber e que, segundo ele, poderiam se achar vinculados ao “assassinato de alma” que

surgem em seus delírios.

Com o objetivo de remontar o núcleo da estrutura delirante relacionando-os com

motivos humanos familiares, Freud chama a atenção para outra parte da história clinica

segunda a qual não foi dada peso suficiente nos relatórios, mas que o paciente tentou

colocar como importante. Essa parte diz respeito às relações de Schreber com seu

primeiro médico, o Professor Flechsig. Freud coloca Flechsig como primeiro autor de
todos os atos de perseguição que predominavam os delírios de Schreber no início de sua

doença. Para Schreber, seu médico cometeu ou tentou cometer o “assassinato de alma”

contra ele, sendo que esse ato estava associado ao Diabo, que tentava tomar posse de

uma alma. Por conta de outra omissão referente às memórias, a significação de

“assassinato de alma” é dificultada. Após isso, uma outra manifestação dos delírios de

Schreber afetou sua relação com Deus, sem, no entanto, afetar a sua relação com

Flechsig, seu médico.

Flechsig, ou sua alma, desempenhava um papel importante na vida de Schreber

pois até Deus teria se rendido à sua influência, de modo que ele pudesse abrir caminho

aos céus ou tornar-se líder dos raios sem morrer ou passar por qualquer purificação

anterior. A alma de Flechsig sofreu de 40 a 60 divisões, sendo as maiores chamadas por

Schreber de Flechsig superior e médio. Após uma espécie de reconciliação, que se deu

através da entrada da alma de seu novo médico, Weber, as almas sofreram uma

incursão, sobrando apenas uma ou duas delas, e essas também perderam inteligência e

poder, passando a ser descritas como “Flechsig posterior”. Esses delírios apenas

demonstram o quão importante o médico era para seu paciente, que depois de ser

transferido para Sonnestein escreveu uma carta à Flechsig, que falava sobre a crença e o

médico ter experienciado as mesmas coisas sobrenaturais que ele.

Assim, chega-se à conclusão de que a pessoa a quem o delírio atribui tanto poder

e influência é idêntica ou substitui a alguém que desempenhou papel de igual

importância na vida emocional do paciente antes de sua enfermidade. Os papéis se

invertem na medida em que a pessoa que agora é odiada e temida, por se tratar de um

perseguidor, foi, em um outro momento, amada e honrada. Para Freud, o principal

propósito da perseguição que ocorre nos delírios do paciente é justificar a modificação

em sua atitude emocional.


O sentimento cordial de Schreber para com Flechsig após este último tratar tão

bem das suas enfermidades é importante para o entendimento do surgimento de seu

distúrbio nervoso, que se manteve incubado e surge posteriormente, através de sonhos,

após Schreber ser nomeado para novo posto. Esses sonhos remetem ao reaparecimento

da doença e, em um deles, lhe vem a impressão de que seria bom ser mulher e

submeter-se ao ato da cópula. A partir disso, Freud reúne sonhos e fantasias de

Schreber, inferindo que, ao mesmo tempo em que lembrava da doença, recordava-se

também de seu médico e que a atitude feminina que assumiu na fantasia foi, desde o

início, dirigida para o médico. Freud especula que, talvez, o sentimento de dependência

afetuosa do médico fora aumentando até chegar ao grau de intensidade de desejo

erótico, por razões desconhecidas. Daí surge um conflito entre a fantasia feminina e o

protesto masculino.

Sabe-se, então, que o paciente temia sofrer abuso sexual nas mãos do próprio

médico, e que a causa ativadora da doença fora uma manifestação de libido

homossexual. O objeto sexual fora, desde o princípio, Flechsig, e suas lutas contra o

impulso libidinal produziram o conflito que deu origem aos sintomas. Depois disso, o

cenário dos delírios de Schreber muda, e ele admite uma atitude feminina para com

Deus. Um novo colapso nervoso surge quando sua esposa, após viajar, retorna, e a

presença desta pode ter atuado como proteção contra o poder atrativo dos homens a seu

redor. Tudo isso serve de base para confirmar que a suposição de Freud acerca da base

da doença de Schreber estava correta, e essa base é a irrupção de um impulso sexual.

O desenvolvimento ulterior do caso de Schreber, segundo Freud, é o que o

diferencia dos outros, além da transformação sofrida por este. A substituição de

Flechsig para a figura de Deus, a princípio, parece um sinal de agravamento do conflito,

mas logo se torna evidente que preparava o caminho para o segundo conflito e
resolução. Era impossível, para Schreber, representar o papel de uma devassa para com

seu médico, mas a missão de fornecer ao Próprio Deus as sensações voluptuosas que

Este exigia não provocava tal resistência por parte de seu ego. Sendo assim, a

emasculação deixava de ser calamidade e se encontrava em consonância com a “Ordem

das Coisas”, assumindo lugar numa cadeia cósmica de eventos e servindo de

instrumento para a recriação da humanidade após a extinção desta.

O ego do paciente encontrava, então, satisfação na megalomania (delírio de

grandeza) e sua fantasia feminina de desejo avançava e tornava-se aceitável, podendo

então cessar a luta e a doença. A transformação em mulher poderia ocorrer a qualquer

momento e sua personalidade permanecia intacta. A decomposição dos perseguidores,

que eram Deus e Flechsig, progride nos últimos estágios da doença, sendo esse processo

de decomposição comum na paranoia.

Deus é, por fim, associado ao pai de Schreber, que era médico, quando este fala

que Deus sucumbira à influência desencaminhadora de Flechsig, e portanto era incapaz

de aprender qualquer coisa por experiência e não compreendia os homens vivos, porque

só sabia lidar com cadáveres, manifestando Seu poder numa sucessão de milagres que

eram fúteis e ridículos. A submissão reverente e insubordinação amotinada encontrada

na relação de Schreber com Deus refletem sua relação com seu pai.

No estágio final de seu delírio, Schreber alcançou vitória magnífica pelo impulso

sexual infantil, pois a voluptuosidade tornou-se temente a Deus e o próprio Deus (o pai)

nunca se cansava de exigi-la dele. A ameaça paterna mais temida, a castração, na

realidade forneceu o material para sua fantasia de desejo, a principio combatida, mas

depois aceita, de ser transformado em mulher. Sua fantasia feminina de desejo é

explicada por Freud como associada à alguma frustração, alguma privação da vida real.

O próprio Schreber admite ter sofrido privação deste tipo quando se refere ao seu
casamento que, apesar de o próprio descrever como feliz, não lhe deu filhos, e muito

menos filho homem que poderia tê-lo consolado da perda do pai e do irmão, e sobre

quem poderia ter drenado suas afeiçoes sexuais insatisfeitas. O próprio Schreber pode

ter formado a fantasia de que se fosse mulher, poderia tratar do assunto de ter filhos

com mais sucesso, e dessa forma pode ter retornado à atitude feminina em relação ao

pai que apresentara nos primeiros anos de sua infância. O delírio de gerar uma nova raça

de homens tem relação com a intenção de oferecer uma solução para a sua falta de

filhos.

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