Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise (1933[1932])
Este conjunto de conferências dá continuidade às
conferências que Freud proferiu entre os anos de 1915 e 1917 na Universidade de Viena como membro da mesma. Na ocasião, estas conferências foram ouvidas por alunos de todos os cursos da Universidade, o que significa que tinham o objetivo de divulgar os especializados conhecidos da psicanálise a um público leigo, que como Freud disse, recebia o interlocutor com um interesse benévolo ainda que cauteloso. Neste novo conjunto, Freud, impossibilitado de falar em público por causa do câncer no palato e, não mais obrigado a dar conferências na Universidade (ele sempre se ressentiu de ter nela um papel meramente decorativo), fala a uma platéia imaginária, o que lhe possibilita, segundo ele, não esquecer de levar em conta o leitor. O que dá às conferências a aparência de que realmente o estamos ouvindo falar com nós. Outro aspecto deste novo conjunto de conferências é a capacidade extraordinária que Freud demonstra em falar de coisas complexas de um modo conciso e claro, o que só pode ser atingido por alguém que pensou muitos e muitos anos sobre o assunto. De outro lado, não consente na exposição com nenhum tipo de simplificação de coisas que são complexas, alertando para o fato de que a inabilidade dos seres humanos para tratar cientificamente os assuntos da psicologia (o que não ocorre em outras áreas como a astronomia e a física, por exemplo) é exemplar.
Conferência XXIX - Revisão da teoria dos sonhos
É evidente o sentimento de decepção de Freud com o fato
de ser a teoria dos sonhos, eixo central na psicanálise, mesmo depois de tanto tempo, interpretada tão erroneamente pelos seus contemporâneos. O apego às fórmulas fáceis que paira no pensamento das pessoas as fez, por exemplo, considerar correto algo que Freud nunca disse sobre os sonhos, a saber, terem eles sempre um sentido sexual. Já aspectos cruciais da teoria como a distinção entre o conteúdo manifesto e os pensamentos oníricos do sonho, o fato de os sonhos serem realizações de desejos não contradizer os sonhos de ansiedade, a impossibilidade de se interpretar um sonho sem as associações do sonhador e o essencial dos sonhos é ele ser um processo de elaboração onírica; tudo isso ou foi desconsiderado ou completamente mal entendido.
Conferência XXX - Sonhos e Ocultismo
Freud propõe nesta conferência que possamos olhar para
os fenômenos ocultos com um olhar não preconceituoso, mas científico, para ver o que se pode apreender daí. Cita que muitas coisas já foram vistas com incredulidade pelos homens, por exemplo, que meteoritos tenham chegado à Terra do espaço e que rochas muito antigamente fossem leitos de mar, assim como o próprio achado do inconsciente, coisas que se puderam provar corretas na medida em que a ciência avançou. Acerca de se considerar um estudo sério sobre o ocultismo, Freud diz que haveria pelo menos quatro barreiras que o homem da ciência precisaria vencer. A barreira intelectual, ou seja, ser capaz de levar a sério afirmativas que os ocultistas fazem e que parecem por vezes muito absurdas, causando repúdio imediato no homem de espírito científico logo. Preconceito que por vezes pode se mostrar correto, mas em outras não. A outra barreira, psicológica, corresponde ao fato de sabermos que a grande maioria dos seres humanos têm uma tendência geral a acreditar em qualquer coisa que os tire, ainda que por poucos momentos, da monotonia e da implacabilidade das leis da realidade. Isso explica a curiosidade geral das pessoas por leituras de futuro, contato com espíritos, etc., na medida em que ressurge nelas a esperança de poderem se livrar das incertezas sobre a própria vida e de verem confirmadas na realidade seus próprios desejos, por seres que veriam muito além delas mesmas. A terceira barreira, histórica, reside no fato de ficarmos desconfiados até que ponto a ressurgência da crença no oculto, que aliás sempre existiu entre os homens, não adviria do enfraquecimento das religiões e do importância do mundo extraordinariamente imaginativo dos homens, ambos enfraquecidos pelo progressivo fortalecimento da ciência. Um exemplo disso é o enfraquecimento, mesmo entre os fiéis, da crença literal de que todos os homens teriam sido gerados por Adão e Eva. De todo modo, todas estas barreiras precisam ser colocadas de lado pelo homem da ciência, e este deve se indagar: afinal, os fenômenos ocultos existem ou não? Mesmo esta pergunta é difícil de ser respondida, pois os ditos fenômenos ocultos costumam ocorrer no escuro e na penumbra, após longos períodos de vã expectativa, tornando incertos o que ouvimos e vemos. Dizem-nos que é exatamente pela nossa atitude descrente que os fenômenos não ocorrem para nós, o que é difícil de julgar correto, na medida em que não se deveria julgar existente ou não um fenômeno somente na medida em que ele é relativo à crença do observador. Outra coisa é que os médiuns, que se dizem dotados de qualidades sensíveis, não costumam se distinguir por um caráter, inteligência ou qualidades excepcionais, e muitos deles acabam sendo desmascarados como charlatães. Resta ao estudioso se aproximar do tema, aparentemente tão obscuro, por aquilo que está mais próximo dele: os sonhos e sua possível relação com a telepatia. A relação entre sonhos e telepatia não é direta, pois esta última pode ocorrer com a pessoa também acordada. O que ocorre é que tudo indica que o estado de sono parece favorecer a recepção de mensagens telepáticas. Freud cita o exemplo de um paciente, um homem instruído e inteligente, que escreveu para lhe indagar sobre a natureza telepática de seu sonho: havia sonhado, na noite do dia 16 para 17 de novembro, que sua segunda esposa havia dado à luz gêmeos, enquanto sua própria filha, havia parido gêmeos na manhã do dia 18. Freud interpreta o significado do sonho como este homem revelando seu desejo de que sua segunda esposa pudesse ser tão boa mãe quanto ele imaginava que sua filha seria, já que ele próprio estava infeliz no casamento e não queria ter mais filhos com sua segunda esposa por julgar que ela não tinha aptidão para ser mãe. Embora nada saiba explicar sobre o aspecto telepático deste. Outro fenômeno dito oculto que tem relação direta com a telepatia é a transmissão de pensamento. Sobre isso, Freud cita o exemplo de sua infeliz paciente, que foi visitar um vidente aos 27 anos, graças à sua infelicidade por ainda não ser mãe. Ele lhe disse para não ficar triste, pois aos 32 anos, teria 2 filhos. Analisando o caso, Freud demonstra que a paciente não tinha a menor ideia do que significavam estes dois números 32 e 2 em sua vida, mas ele sim. Tratava-se da história reprodutiva de sua mãe, à qual frequentemente as filhas imitam. Assim, o que o vidente captou foi o desejo inconsciente desta jovem de que, aos 32 anos (idade na qual sua mãe já tinha 2 filhos), ela também pudesse tê-los. Outro exemplo foi um paciente que visitou uma vidente, que lhe disse que seu rival no amor pela irmã (o cunhado) morreria em julho ou agosto por intoxicação por lagosta. Quando o paciente conta isso a Freud, o prazo já havia passado, e o rival não havia morrido, mas, de fato, um mês antes da consulta na vidente, o cunhado havia se intoxicado por lagosta. Isso leva Freud a concluir que a vidente captou o desejo escondido do paciente de que o cunhado morresse, já que parecia ainda não ter superado o ódio por este. Um outro caso ainda é o de um homem que, nutrindo um antigo desejo de vingança contra uma mulher mais velha e casada com quem se ligou na juventude, contra a vontade dela, após uma séria tentativa de suicídio, fez de uma “mulher da vida” o bode expiatório de seu antigo desejo vingativo contra a outra, ligação que confidenciava constantemente à outra. Levando à um grafólogo, a letra desta, este lhe disse que tratava-se de alguém em franco desespero, que iria cometer suicídio dali há alguns dias. Revelando com isso o desejo oculto do paciente de que sua antiga amante morresse. Finalizando, o último exemplo é do próprio Freud, o que lhe causou tamanha impressão. O caso é complexo, mas resumidamente, certo dia ele havia recebido a visita do Dr. Forsyth, que tinha vindo de Londres para se analisar com ele, após o término da guerra. Meia hora depois, Freud recebe o paciente P, que, em suas associações, fala o nome Forsyte (sobrenome dos personagens de uma saga escrita por Galsworthy, cujos livros o paciente havia emprestado à Freud). Outra transmissão vivida com o mesmo paciente: certo dia Freud o estava esperando, mas como não tinha aparecido, foi visitar seu amigo, Dr. Anton von Freund, e descobre que este morava na mesma pensão de seu paciente P. Na sessão seguinte, sem Freud dizer nada, o paciente pergunta se Freund-Ottorego, que estava dando um ciclo de conferências, era sua filha. Só que o nome correto da conferencista era Freud e não Freund. Terceira transmissão: Freud estava sentado na saleta com o paciente P, enquanto chega Ernest Jones, a quem Freud manda entrar em sua sala. Na sessão, o paciente faz associações com a palavra Alptraum, o mesmo nome (“Pesadelo”) de uma monografia recém-escrita por Jones. As associações de Freud caminham no sentido de compreender que o paciente P captou o quanto ele, Freud, estava envolvido com todas estas outras pessoas em sua mente, sendo uma delas, inclusive, o Dr. Forsyth, responsável pela interrupção de sua análise. Assim, ter que concorrer pelo amor de Freud com todas estas outras pessoas, mais importantes e competentes que ele, deixou-o ao mesmo tempo enciumado e com um sentimento de inferioridade. Algo como: É claro que você vai me deixar por eles. Eu nunca escreverei uma monografia sobre pesadelos. Tudo o que posso ser, como minha namorada me chama, é o “Senhor cuidado”. Tudo isso leva Freud a considerar que a transmissão de pensamento, de fato, existe, podendo ser compreendida como uma forma primitiva de comunicação entre duas pessoas.
Conferência XXXI - A dissecação da personalidade psíquica
Freud propõe neste item uma síntese de seus estudos sobre
o ego. A experiência comum das pessoas em relação a seus egos é que eles são seres coesos e não divididos, mas uma observação atenta de nós mesmos mostra que isso não é verdade. A mente opera de forma dividida entre várias instâncias que “conversam” e às vezes brigam entre si. Exemplos: em algumas ocasiões, se prestarmos bem atenção, poderemos ouvir internamente uma voz nos dizendo algo como “você não devia ter feito aquilo” ou “fique tranquila que vai ficar tudo bem”. Na análise, para associar livremente, o ego do analisando tem que se dividir em uma parte que observa os próprios pensamentos e outra que os narra ao analista. Então, enquanto no ego das pessoas saudáveis encontra-se uma divisão plástica (o ego divide-se e depois volta a operar coordenadamente ou sem grandes conflitos entre suas partes), no ego dos doentes mentais, houve uma divisão ou fragmentação permanente tão grande dessas partes, que uma passa a operar em franco conflito com a outra ou então a domina completamente. Exemplo, no ego do paranoico a instância observadora/julgadora (superego), que no homem saudável opera de forma relativamente harmoniosa com o restante do ego, dividiu-se e entrou em um conflito tão grande com o restante do ego que a pessoa ouve os julgamentos do seu superego projetado nos outros (“então eles estão dizendo que eu sou um merda”). Um outro exemplo é o melancólico, cujo conflito entre o ego e o superego ficou tão insuportável, pela ferocidade e violência deste último, que o ego passa a se submeter aos seus desmandos para ver se consegue angariar o seu amor. A diferença entre o paranoico e o melancólico é que o primeiro exterioriza seu superego no mundo externo ao passo que o melancólico o interioriza, dirigindo seus ataques ao próprio eu. Assim, a “consciência”, que as pessoas chamam no senso comum, nada mais é do que o permanente estado de vigilância e observação que o superego exerce sobre o ego, e que na infância foi exercido pela autoridade dos pais em relação aos filhos. Nesse aspecto, a culpa é o sentimento, por parte do ego, de não ter estado à altura ou ter correspondido às expectativas do superego. Enquanto o sentimento de inferioridade deriva da dor narcísica por ter sido preterido e/ou excluído do amor de alguém por alguma pretensa inferioridade (na menina: do clitóris, no menino, pelo tamanho do pênis, no C. de Édipo, pela exclusão da relação amorosa entre os pais, etc.)
As origens do ego e do superego
Freud descobriu que tanto o ego quanto sua instância
adjacente, o superego, derivam das identificações que a criancinha pequena faz com as características de seus pais, ou mais especificamente com o superego destes. Assim define-se um grupo psicológico (família, por exemplo) como aquele onde um certo número de pessoas partilha do mesmo superego compartilhado, identificando-se entre si nos seus egos. Na cultura, é pelo superego que se transmite o que se designa por valores, ideologia e tradição, que só muito lentamente se altera frente ao novo. Voltando ao superego individual, só se pode educar eficientemente uma crianças pelo medo que esta tem de perder o amor dos pais. Medo que, no adulto, perpetuar-se-á através da ansiedade moral. Muitos adultos permanecerão infantis e nunca superarão este medo. Nesse aspecto, é tocante e ao mesmo tempo deprimente pensar que a ânsia que os seres humanos têm de serem bons deriva do temor infantil, nunca completamente superado, de serem amados e admirados pelos pais e/ou quaisquer outras autoridades que os substituam. O que talvez explique a extrema sensibilidade das pessoas para avaliar corretamente suas questões morais.
Identificação e C. de Édipo
O modo intenso com que a criança se identifica com os pais,
incorporando-os em seu interior, explica-se pelo fato de que esta é uma compensação que ela encontra por ter tido que renunciar a eles como objetos eróticos, já que sabemos que a identificação com o objeto perdido é sempre uma forma de se compensar a dor de ter perdido o objeto mantendo-o vivo dentro de si. Na contramão disso, se a renúncia ao Édipo é apenas parcial ou incompleta isso significará um superego mais débil e fragilizado também, o que explica porque em pessoas que seguem eroticamente vinculadas aos pais na vida adulta, encontram-se sempre algum tipo de imaturidade moral. À medida que cresce, identificações com outros modelos vão se incorporando ao superego (professores, tios, etc.), e este vai se tornando cada vez mais impessoal. Tais neo-identificações vão se chocando ou se somando às identificações precoces com os pais onipotentes da infância. Também à medida que cresce, a criança mais velha e depois o púbere vão percebendo que os pais não são seres extraordinários e ocorrem identificações com aspectos mais sóbrios e realistas deles, embora estas só sejam incorporadas agora ao ego e não mais ao superego, cuja instância é formada prevalentemente pelas identificações precoces. A diferença entre as identificações incorporadas no ego e no superego é que as primeiras são conscientes, e se pode julgar serenamente acerca delas ao passo que as segundas são inconscientes e exercem seu poder de modo implacável sobre o ego.
A segunda tópica
A percepção por parte de Freud de que o ego dos pacientes
exercia uma resistência ao trabalho do analista de trazer o reprimido à tona, resistência sobre a qual eles próprios muitas vezes não tinham consciência, e também a ampliação do seu conhecimento acerca de uma região completamente obscura da mente, que ele só pôde conhecer decifrando os sonhos e os sintomas de seus pacientes, o levou a formular melhor a divisão que tinha estabelecido até então entre o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. Esta nova divisão não anulou a anterior, mas deu mais complexidade a ela. Estabeleceu então que a mente humana é constituída de três reinos, sendo eles o ego, o superego e o id. Este último é um reino desconhecido, estranho e obscuro sendo praticamente inacessível por outras vias que não a dos sonhos, dos atos falhos, dos sintomas e da transferência. É o que causa mais estranheza e repulsa ao ser humano quando é trazido à luz. Está intimamente conectado ao nosso soma, sendo permanentemente alimentado por representações pulsionais que só conhecem a via da satisfação e do prazer. Também desconhece a noção de tempo e de espaço. Possui uma forma própria de se expressar (lógica subjetiva), criando símbolos, deslocando, condensando e desconhecendo a negativa. O id é herdeiro direto de um modo muito antigo de funcionamento psíquico, o único encontrado em nossos ancestrais muito longevos, e que foi soterrado quando o homem adquiriu a capacidade de se expressar pela linguagem verbal. Em termos de conteúdo, no id encontram-se impulsos que nunca chegaram a se tornar conscientes, assim como impulsos que chegaram à consciência e foram recalcados. O superego está visceralmente conectado ao id que ao ego, embora também se relacione intimamente com este, já que quase todo ele é inconsciente e opera de forma selvagem, como o id. Sua severidade se deve ao fato dele ser o responsável direto pela criança conseguir proibir, em si mesma, seus desejos incestuosos e demais impulsos sexuais perversos, contra a qual a ela lutará para finalmente ser aceita e inserida na sociedade, inserção que é feita através da autoridade dos pais. O superego se relaciona com o ego a partir do sentimento de culpa, ameaçando este último de retirar seu amor dele caso não cumpra o seu Ideal. Já o ego é a parte do id que se diferenciou a partir do contato com o mundo externo. É a instância responsável pelas percepções, por organizar e sintetizar pensamentos e desejos, por registrar a passagem do tempo e por negociar com o id a realização de seus desejos levando-se em conta a realidade, coisas que o id não pode fazer. É dele que emana a resistência que opera na análise contra o retorno daquilo que foi reprimido. Não é possível estabelecer uma equivalência completa entre a primeira forma de dividir a mente (inconsciente/pré-consciente/consciente) e a segunda (id, ego, superego), já que só o id corresponde exatamente ao inconsciente, só podendo vir a ser conhecido com o auxílio do ego. Freud reafirma que a psicanálise é um objeto de cultura (e não de barbárie) na medida em que sua proposta é que o homem aprenda a domar suas paixões, conhecendo-as bem de perto.