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Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1917 [1915])

Freud aprofunda neste artigo uma investigação que já tinha


iniciado em “A interpretação dos sonhos” (1900), a saber, que é o
estado de sono o responsável por sonharmos à noite.
Isso ocorre porque, no estado de sono, regredimos ao
estádio do narcisismo primário e ao modo alucinatório de
satisfazermos os nossos desejos, que é o estado em que vivíamos
quando éramos bebês.
Um exemplo deste modo alucinatório de suprirmos nossos
desejos é, durante o sono, estarmos com vontade de fazer xixi e
sonharmos que estamos urinando.
Esta situação em que um processo interno é experimentado
como sendo real e externo também é vista na psicose alucinatória
ou amência de Meynert.
Supõe-se que tal estado também pode ser artificialmente
provocado pelo uso de algumas substâncias psicodélicas.

Como se produzem os sonhos?

Ao dormirmos as catexias do pré-consciente desligam-se


mas não completamente, ao mesmo tempo que as catexias do
inconsciente podem finalmente se descarregar, pelo afrouxamento
da barreira de censura.
Então, tais catexias oriundas do inconsciente, que ele chama
no texto de impulsos carregados de desejo, ligam-se aos restos
diurnos do pré-consciente e, graças ao estado regressivo
(regressão topográfica), provocado naturalmente pelo estado do
sono, podem finalmente se expressar através do sonho.
Daí a produção dos sonhos corresponderem a uma espécie
de acordo entre o desejo do ego de dormir e o desejo imperioso
do id de se impor, o que explica muitas perturbações do sono.
Pois, se os impulsos do id são ou estão muito indômitos e o
ego se sente frágil em dominá-los enquanto dorme, a pessoa
poderá desistir de dormir, podendo ser esta a situação de muitos
casos de insônia:

A pessoa renuncia ao sono por temer seus


sonhos.
Outra situação que prejudica o narcisismo do sono é,
segundo Freud, os pensamentos pré-conscientes do dia não
quererem ceder. É o caso de quando estamos muito preocupados
ou excitados com algo e não conseguimos dormir.

Diferença entre a regressão dos sonhos e a esquizofrenia

Na elaboração onírica, que corresponde à regressão


topográfica que ocorre nos sonhos e também na amência, há um
retorno do sistema Cs ao sistema Pcpt. No caso de estarmos
dormindo, porque o sistema Cs está fechado, e na amência
porque ele não está funcionando corretamente em sua
capacidade discriminativa.
Já o esquizofrênico, como vimos semana passada,
desinveste do seu sistema Ics e superinveste no sistema Cs,
fazendo-o, por exemplo, tratar as palavras com meticulosidade.
Dito de outro modo: nos sonhos e na amência, o que está
sujeito ao processo primário são as representações-coisa do Ics, e
na esquizofrenia são as representações-palavras do Cs, às quais
foram cortadas de sua conexão com o Ics.
Isso leva Freud a formular que todo processo onírico,
presente nos sonhos e nos sintomas alucinatórios é o conteúdo
de um pensamento transformado em percepção sensorial.
Tenho atendido um jovem paciente que tem me relatado
seus momentos de amência.
Neles, ele fica completamente absorvido por seus devaneios,
deixa de sentir seu peso corporal e perde completamente a noção
de tempo e espaço. Para quem viu o filme Avatar, imagino que seja
algo parecido com aquilo. Não se trata tão somente dele ter uma
imaginação fértil, mas de realmente transportar-se para “outra
realidade”, o que temos juntos chamado de “transe”. Ele gosta
muito de experimentar isso, e só fica envergonhado quando
ocorre em público. Quando está muito ansioso ou preocupado,
não consegue entrar nesse estado, o que o deixa muito irritado, e
com saudade dele. Relata experimentar isso desde criança. O
“transe” pode ser evocado naturalmente se ele vê uma imagem
(certo dia, entrou em “transe” ao ver uma daquelas máquinas de
pescar bichos de pelúcia) ou mesmo sem motivo algum. Ainda não
pudemos investigar à quais pensamentos estas imagens
correspondem porque o trabalho está muito no início.
Finalizando, Freud conclui que é a Cs a responsável por
discriminar para a pessoa o que é interno ou externo, real ou não
real, que é exatamente o que se perde no sonho e na amência,
processo que se chama teste de realidade. Podemos pressupor
que em meu jovem paciente a instância Cs bem como o teste de
realidade não se estabeleceram a contento, o que tem favorecido
seus estados de regressão alucinatória.
As pessoas explicam isso dizendo: não sei se eu realmente
percebi algo que existiu ou se foi “da minha cabeça”.
Já quando uma pessoa está bem doente, tudo o que é “da
cabeça dela” será percebido por ela como sendo real e externo a
ela, sendo o nome disso projeção. Diz-se dela que está
alucinando.
Um exemplo é o ciumento paranoico que tem certeza de
estar sendo traído, quando é ele quem deseja trair.

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