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jo se tornara problemático não somente porque ele era
judeu como também pMque numa recente publicação
conjunta com um colega mais velho, o dr. Breuer, se pro-
nunciara a favor de teorias tão impopulares e tão univer-
salmente perturbadoras que até mesmo seu colaborador
se distanciara dele.
Prosseguindo, Erikson se refere às idéias científicas
de Freud naquele momento e sintetiza:
"Eis a situação: num meio acadêmico que parecia
restringir suas oportunidades devido à sua condição de ju-
deu; num momento em que começava a notar com in-
quietação os primeiros sinais da idade e doença; angustia-
do pela responsabilidade de uma família em rápido cresci-
mento, como médico vê-se confrontado com a decisão de
empregar seus dotes, como demonstrara poder fazê-lo, a
serviço da clínica e da pesquisa convencionais, ou aceitar
a tarefa de verificar em si mesmo e comunicar ao mundo
um novo conhecimento: que o homem desconhece o que
há de melhor e de pior em si ( ... ) No momento do sonho
sabia que teria que dar à luz um grande descobrimento''.
Vejamos outra descrição da situação em que se acha-
va Freud: a de Didier Anzieu (1978), que também rea-
liza uma das interpretações mais exaustivas (e talvez
mais extremas) do sonho:
"Em julho de 1895, Freud partiu com sua família
paza passar a primeira parte de suas férias numa pensão,
ao que parece contígua ao hotel-restaurante Bellevue,
numa colina arborizada, fresca e verdejante que domina
Viena ( ... ) Nessa época, já distanciado de Breuer e tendo
em Fliess um valioso confidente, tinha pressa em prosse-
guir seu caminho ( ... ) Inicialmente Freud não estava
preocupado com sua obra. Tinha preocupações de saúde,
de trabalho e de família ( ... ) sobretudo problemas médi-
cos". (Anzieu refere-se a notícias desagradáveis em rela-
ção à evolução de diversos pacientes.)
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Assim, cada autor que analisa o sonho assinala as
circunstâncias que posteriormente destacará na interpre-
tação. Schur ( 1972), por exemplo, põe em relevo a am-
bivalência da relação com Fliess e revela a significação do
episódio de Emma, paciente em cuja cavidade nasal Fliess
cometeu o grosseiro erro de esquecer gaze cirúrgica.
Marthe Robert ( 1976) oferece uma possível explica-
ção da "discreta" e ao mesmo tempo tão notória exclusão
da sexualidade na análise do sonho:
"É verdade que um mal-estar interno crescente, pro-
blemas psíquicos e somáticos semelhantes ao que Freud
observa em seus pacientes, um penoso marasmo intelec-
tual ( ... ) decidem-no a analisar sistematicamente seus
sonhos. ( ... ) Tem muitas razões para se sentir cansado,
inquieto, desamparado. É-lhe forçoso admitir que não ob-
tém verdadeiras curas ( ... ) Sua clientela, já bastante
instável, reduz-se dia a dia a ponto de ameaçar sua se-
gurança material.
"Amargo, humilhado, temendo por seu futuro e o
de seus filhos, irritado contra seus doentes recalcitrantes
( ... ) com um sentimento de culpa por fazê-los pagar
por uma cura que não estava em condições de lhes ga-
rantir ( ... ) ao contrário se obstina em se embrenhar
ainda mais nos continentes desconhecidos. Decide apli-
car [o procedimento aparentemente responsável de seu
infortúnio] a seu próprio caso. ( ... ) O primeiro sonho
analisado por ele nessas condições é o célebre sonho cha-
mado 'A injeção em Irma'. ( ... )
"Para evitar qualquer mal-entendido, no entanto,
Freud tem o cuidado de advertir o leitor que não publi-
cará integralmente o que lhe for dado apreender sobre si
mesmo ( ... ) Limitar-se-á deliberadamente a um relato
parcial, reservando-se o direito de se calar sobre os motivos
excessivamente pessoais ou os que julgar comprometedo-
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res. Em resumo, tudo o que se refira diretamente à sua
vida amorosa e sexual.
"De fato, Freud interrompe a interpretação todas as
vezes que não pode continuar sem deixar de abordar di-
retamente certos temas escabrosos ( ... ) de maneira que
o importante na vida profunda de Freud não parece em
absoluto ser a sexualidade, porém o desejo de triunfar,
de alcançar a fama, de se imortalizar através de uma des-
coberta fulminante, com a violência e a falta de escrú-
pulos que sempre caracterizam tais exigências. O para-
doxo resultante dessa reticência deliberada do autor
falseia evidentemente a perspectiva autobiográfica da
obra ( ... )
"Seu dilema é significativo: tem quarenta anos e se
não ocorrer uma mudança ainda possível em sua carreira,
pode encarar sua vida como definitivamente comprome-
tida. Casado, pai de seis filhos, carregado conseqüente-
mente de pesadas obrigações materiais e morais, ele leva
uma existência já determinada, não dispondo dos meios
nem da vontade para alterá-la. ( ... ) É então forçado
a dissimular suas repugnâncias e predileções, visto não
ter moral de recâmbio adequada para modificá-las. ( ... )
Se tem que dar o passo, pelo menos deve fazê-lo sem se
prejudicar excessivamente e sem deixar de proteger sua
família contra }oda intrusão ( ... )
"Esse compromisso explica-se em parte pela necessi-
dade de não espantar um público pudibundo e evitar as
recriminações de colegas ( ... ) . Porquanto o decoro da
época não se refere tanto à própria sexualidade como à
maneira de falar a respeito ( ... ) Tornar o sexo em sua
existência diária, detalhadamente e ao vivo, como Freud
se vê obrigado a fazê-lo pela natureza de seu discurso,
isso não é viável pois significa atrair para si a acusação
de pornografia. ( ... ) Em compensação ninguém iria
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escandalizar-se se revelasse seu desejo imperioso de 'subir',
o secreto desejo de eliminar rivais e concorrentes para
alcançar uma meta elevada, a ambição de ser o primeiro,
fatos que não são julgados com excessiva severidade por
uma sociedade que se empenha em favorecê-los. Freud
pode 'esquivar a questão do sexo', como afirma a Fliess,
e deixar que a 'sujeira' se exiba ( ... ) Seus contemporâ-
neos se incomodarão bem menos com tal 'sujeira' do que
com as poucas inconveniências sexuais que inevitavelmen-
te terão filtrado, apesar de tudo".
Após explicar de maneira tão eloqüente a exclusão
das motivações e significados sexuais no sonho de Irma,
Marthe Robert retoma o tema das ambições de Freud
(pelo citado, considerou-o tão-somente uma máscara)
como o eixo central do mesmo. Argumenta que suas am-
bições sociais e de poder, seu desejo de "passar para o outro
lado" (não só a outra condição sócio-econômica mas o
desejo de ser gentio e não judeu) são os desejos latentes
e fundamentais do sonho. Conclusão coerente com a tese
de todo o seu livro, mas que trai as teses principais do
próprio Freud e as que a autora já expusera em outras
oportunidades.
Seriam, por acaso, a mesma discrição e as mesmas
apreensões que nos impedem ainda hoje de estabelecer de-
talhadamente, vivamente, a sexualidade de Freud em suas
exigências diárias? Não há praticamente nenhuma inter-
pretação do sonho que considere Freud como um homem
comum, com desejos sexuais prosaicamente físicos, adul-
tos, vigentes.
Erikson interpreta brilhantemente que o sonho exis-
tiu para «que a psicanálise fosse descoberta" e assinala,
entre outras motivações acertadas, a inveja produzida
pela gravidez de sua mulher, arraigada na inveja infantil.
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Schur considera que o desejo principal do sonho foi
desculpar Fliess pelo erro que cometeu no caso de Emma.
O sonho gratificava o desejo de não deixar estremecer a
relação com seu amigo predileto.
Lea vi tt ( 19 6 5 ) , em notável coincidência, pois seu
trabalho é anterior ao de Schur, assinala a ambivalência
de Freud em relação a Fliess e o desejo de Freud de sal-
vá-lo - e também de vigiá-lo e de salvar-se de suas errô-
neas teorias.
Kanzer e Glenn interpretam-no como o desejo de
se desculpar, de corrigir injustiças com os pacientes e
consigo mesmo e também assinalam o desejo de reconci-
liação com Fliess.
Stepansky ( 1977) pensa que o desejo latente era
não somente ser inocente, desculpar-se do ponto de vista
médico e social, como também castigar agressivamente a
quem pensasse de maneira diferente. Na base do sonho
haveria um desejo retaliativo. Convém não esquecer que,
em seu livro, Stepansky estuda o conceito de agressão em
Freud.
Schorske ( 19 8 O) , investigando com grande habilida-
de, acredita detectar nesse sonho (ou em outros) as am-
bições políticas de Freud, as quais finalmente se .resol-
vem quando ele cria uma teoria da experiência humana
onde a política pode reduzir-se a uma manifestação epi-
fenomênica dos esforços psíquicos. Seria uma revanche
tardia sobre seu próprio passado político frustrado.
Somente Grinstein (1980) insinua timidamente os
desejos sexuais de Freud por Irma.
Todas essas interpretações são plausíveis; têm uma
aura de certeza e convicção. A de Anzieu ( 1978), no
entanto, parece-me exorbitante. Na verdade, ele tem o
mérito de reconhecer em Irma, Ana Hammerschlag, a
filha do professor de hebreu de Freud em sua adoles-
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cência, o qual o preparou para o Bar Mitzva; também o
de sintetizar numerosas interpretações anteriores e clas-
sificá-las. Porém Anzieu se equivoca e exagera em vários
pontos:
1. Quando interpreta que "o desejo que se rea-
liza no sonho é o de não se comportar com Irma como
Breuer se comportou com Anna O. ( ... ) não permanecer
cego nem insensível ao desejo inconsciente dessas jovens
solteiras ou viúvas transferido a seu terapeuta; evidente-
mente o desejo de ter um filho com o próprio pai; tam-
pouco se deixar dominar por esse desejo incestuoso e pela
tentação de satisfazê-lo na realidade".
Um desejo em negativo?
2. Equivoca-se igualmente quando supõe que Freud
critica Fliess por "ter engravidado sua mulher (Ida
Bondy), embora Fliess diga estar prestes a revolu-
cionar os métodos contraceptivos calculando, a partir
de sua teoria dos períodos, as datas em que a mulher fe-
cunda ( ... ) o erro cometido por Fliess com Emma e o
cometido com Ida, sua mulher ( ... ) Ida Fliess está grá-
vida, como Martha, apesar dos sábios cálculos contracep-
tivos de seu marido".
Mas depois nos informa que se trata da primeira
gravidez de Ida Fliess, após vários anos de casamento. Não
deveríamos supor que era desejada? Por que Freud have-
ria de censurá-la por algo que não seria realmente um
erro?
3. Por último, sua concepção de que o sonho de
Irma "constitui um sonho-programa de toda a série de
descobrimentos que constituirão a psicanálise" é uma in-
terpretação exagerada, a meu ver, feita no entusiasmo de
divertidas, imaginativas e temerárias associações, despro-
vidas de validade, apesar de sua pretensão de científici-
dade.
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Depois de transcorridos quase noventa anos após ter
sido sonhado, penso que se justifica a tentativa de uma
interpretação sexualizada do "sonho de Irma".
Situemos o personagem, enfocando sua sexualidade
adulta.
Trata-se de um homem de trinta e nove anos, su-
postamente abstinente até o casamento nove anos antes.
Sua esposa está grávida pela sexta vez consecutiva, isto é,
nesses nove anos, houve poucos intervalos em que não
esteve grávida. O que nos leva a pensar que era um casal
que não apreciava os métodos anticoncepcionais ou os uti-
lizava com dificuldade.
Como foi a última gravidez, também podemos in-
ferir que Freud deve ter considerado a possibilidade de
interromper sua atividade procriadora. No momento do
sonho, talvez ele já tivesse posto em prática a abstinência.
Freud é um homem forte sexualmente, com desejos
intensos. Terá que encontrar uma maneira de satisfazê-los
e ao mesmo tempo evitar a procriação, que tornaria ainda
mais pesada a tarefa a que está se dedicando.
Nesse momento tem idéias claras e definidas sobre a
sexualidade humana. Acha que o coitus interruptus pro-
voca neuroses, que a masturbação tem conseqüências de
tipo neurótico análogo. Supomos que outros métodos an-
ticoncepcíonais como os preservativos não o agradam; os
cálculos periódicos, aos quais seu amigo Fliess é tão afeito,
não são de sua inteira confiança. Qual é a solução possí-
vel? Curiosamente, sua paciente Irma (Anna H.), jo-
vem viúva, está na mesma situação de abstinência, e ele
a aconselhou que se casasse ou procurasse um amante.
Ela não aceitou tal "solução". . . Freud tem um pro-
blema semelhante, também tem que procurar sua pró-
pria solução. . . A hipótese de que no sonho da "injeção
em Irma" um dos motivos inconscientes (pré-conscien-
tes?) tenha sido o desejo sexual por Irma é tão óbvia,
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as mJeções fantasiadas. As reais, as que unirao sua ge-
nitalidade a seu amor harmoniosamente, terão a forta-
leza e a paixão de um homem que aprendeu a ser cuida-
doso, cuja seringa estará sempre limpa de agora em diante.
Freud aceitou interromper sua capacidade procria-
dora biológica e, em compensação, intensifica sua produ-
ção intelectual. Sua imortalidade deve ser reafirmada
através de sua obra. Os filhos são como os pacientes, nem
sempre aceitam "nossa solução", e portanto não assegu-
ram nossa posteridade.
Anna Hammerschlag (lrma) desempenhou na vida
onírica de Freud um papel complementar ao que o pai
dela, o professor de hebreu, desempenhou em sua vida de
vigília. Foi ele provavelmente quem o iniciou, através do
Bar Mitzva, na sua vida adulta, reconheceu a responsa-
bilidade de sua potencialidade reprodutiva sexual. Anna
brindou sua imagem para que Freud a enclausurasse de
forma responsável e consciente.
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QUASE UMA AVENTURA ...
Hans Sttchs
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Theodor Reik, discípulo nostálgico do mestre, co-
nhecia bem o itinerário, pois muitas vezes o esperava an-
sioso por acompanhá-lo e sorver de suas sábias palavras:
"Depois de jantar, Freud dava um longo passeio, sempre
pelo mesmo trajeto, da Berggasse, onde morava, até a
Ringstrasse e de lá para a Kaerntnerstrasse. Depois, vol-
tava para casa pela Freyung."
É inegável que nessas caminhadas - precurssoras do
moderno Jogging - Freud meditava, ordenava suas
idéias, preparando-se para a tarefa noturna de escrever.
Freud sempre gostou de caminhar e de escalar. Seu
físico robusto exigia exercício.
Na Kaerntnerstrasse havia uma espécie de promena-
de onde, ao entardecer, passeavam cavalheiros e damas
bem vestidos e mais tarde, já adiantada a noite, mulheres
mais bem vestidas ainda esperavam a vinda de possíveis
clientes.
Freud andava muito rápido, meditando sobre o que
escreveria ao voltar para casa.
Na noite de ano-novo, a Kaerntnerstrasse se trans-
formava no lugar mais concorrido de Viena. Nessa noite,
a Ópera de Viena sempre apresentava uma das operetas
mais alegres de Strauss~ O morcego, que culmina com
uma canção que diz:
Irmãozinhos, irmãzinhas
todos desejamos ser.
Uni-vos a mim
irmãozínhos e irmãzinhas.
Vinde, conheçamo-nos, sejamos amigos íntimos
para toda a eternidade
exatamente como somos. agora.
Quando amanhã, contudo, pensarmos nisso,
tratemo-nos por tu.
Primeiro um beijo, depois um "tu".
Tu, tu, tu ...
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Em Viena, quando duas pessoas querem travar ami-
zade, brindam pela "fraternidade", com um cálice de vi-
nho, beijam-se .e a partir de então tratam-se por tu.
Na noite de ano-novo há na Kaerntnerstrasse uma
espécie de bacanal vienense. Em meio à alegria e à diver-
são geral, quando os sinos da catedral de Santo Estêvão
soam meia-noite, todos se desejam feliz ano-novo e quase
todos cantam "Irmãozinhos, irmãzinhas todos desejamos
,,
ser ...
Freud fazia uma longa caminhada, sempre pelo mes-
mo itinerário. Da Berggasse até Rinsgtrasse e de lá para
a Kaerntnerstrasse. . . depois do jantar ...
Já avançada a noite, na Kaerntnerstrasse algumas
mulheres muito bem vestidas esperavam a vinda de pos-
síveis clientes ...
Para Sachs, a influência de Viena sobre Freud foi
real, porém negativa. Opôs-se à cidade e não sucumbiu a
seus encantos. Embora em seu período de formação deve
tê-la aceito e repudiado intermitentemente ...
31 de dezembro de 19 . .
Annaliese Lotte estava apaixonada. Estava fascinada
pelo homem moreno, barbudo, que todas as noites pon-
tualmente marchava a passo de bersagliero pela Ring e
chegava agitado à Kaerntnerstrasse. Muitas vezes, recos-
tada nas balaustradas da promenade, imaginava que subi-
tamente ele deteria seu passo marcial, fitá-la-ia com seus
profundos olhos castanhos e sorriria.
À noite, no pequeno quarto da pensão onde escon-
dia sua pobreza, ela sonhava com os velhos tempos. Quan-
do seu pai, um pequeno proprietário rural da província,
ainda estava vivo. Naquela época, as ilusões e as ambi-
ções pareciam mais tangíveis. A morte do pai mer-
gulhou-a na pobreza e foi obrigada a buscar em Viena
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meios de sobrevivência. Como preceptora, a solidão a
deprimiu e logo caiu vítima, devido à ansiedade, das se-
duções de um tenente de artilharia que a seduziu e de-
pois a abandonou. Perdeu seu emprego e pouco a pouco,
insensivelmente, de amigo em amigo, converteu-se em
süsse madel - delicado eufemismo que em seu caso, con-
tudo, era correto. Conservava em sua alma aflita uma
doçura, uma pureza e uma ingenuidade provenientes do
esforço por se manter digna apesar de viver na mais in-
digna das situações.
Esse homem sério, de forte estatura, inspirava-lhe
confiança. Sob o exterior austero, parecia a brigar uma
ternura que a atraía irresistivelmente. Sozinha, fantasia-
va com ele. O amor que sentia era como um toque de
beleza que acalmava a sordidez de sua vida abjeta. Escre-
via-lhe cartas que nunca se animava a entregar-lhe, car-
tas deste teor:
Meu bem-amado:
Já te escrevi sete vezes e sete vezes rasguei todas as folhas.
Lutei contra mim mesma semanas a fio para não te dar a
conhecer os ardores de meu coração. Sei que é loucura, que
é uma insensatez, que não tenho o direito de te amar. Se eu
fosse uma mulher digna, respeitável, poderia aspirar a te mere-
cer. Mas, quando te aproximas de mim, esqueço-me de todos
os meus comedimentos e, sentindo-me como se fosse aquela que
gostaria de ser para ti, meu coração se exalta loucamente. Per-
doa-me, infinitamente amado, por este amor que não pretendo
te impor. Sou como uma prisioneira que deve esperar paciente-
mente até que tu chegues. Quando isso acontece, imagino que
tua pressa se deve à ansiedade por me encontrar e tenho de-
sejo de correr para ti, te abraçar e te apertar contra mim.
Agora que conheces a minha paixão, rogo-te que não sejas
cruel comigo. Mesmo o ser mais miserável tem que ter algum
orgulho. Não pretendo que correspondas a meu amor, só pre-
tendo que toleres que eu te espere. Que toleres que eu te ame,
escrava de tua presença, e que teu olhar não se afaste de mim,
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que não repudies minha esperança, que não me castigues com
o desprezo ou a indiferença. Imploro-te que perdoes meu atre-
vimento. Sem ti, sem tua presença diária, não há para mim
senão desesperança.
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BREVE NOTA SOBRE MASTURBAÇÃO E
HOMOSSEXUALIDADE