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INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA E À
SOCIOLOGIA JURÍDICA
Marcus Vinicius de Freitas Teixeira Leite
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Olá!
Você está na unidade. Conheça aqui as abordagens de dois campos de estudos: a Sociologia do Direito e a
Antropologia Jurídica. Para tanto, estudaremos o significado, o objeto e âmbito da Sociologia geral, a partir de
uma perspectiva histórica, além do objeto e do significado da Antropologia Jurídica e da Sociologia aplicada ao
Direito. Essas noções serão fundamentais para os conceitos estudados ao longo da disciplina e também para uma
Bons estudos!
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1. Significado, objeto e âmbito da Sociologia
Neste tópico, a proposta é compreender do que trata a Sociologia Geral, qual o seu objeto de estudo e o que ela
aborda. Além disso, veremos sua origem histórica, com enfoque na figura de Augusto Comte e no Positivismo.
Veremos que a Sociologia tem uma enorme relevância para os estudos sobre a sociedade, o que fortalece a
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1.1 Concepção e objeto da Sociologia
A Sociologia pode ser considerada uma ciência que tem por objetivo analisar os processos e as estruturas
sociais, ou seja, como se dá a vida humana em sociedade. A partir de diferentes perspectivas, o que os principais
teóricos da Sociologia fizeram foi oferecer explicações para se compreender a sociedade como um todo, em
análises sobre alguns aspectos da estrutura social e das relações que se estabelecem no seu interior.
Ao estudar as formações sociais e suas causas, a Sociologia se insere em uma análise acerca do desenvolvimento
histórico de tais formações, na medida em que tenta compreender os fatores que levaram a uma dada situação
social vivida em determinados contextos. Assim, pode-se dizer que a Sociologia está comprometida com os
processos de transformação social, desvendando mistérios da vida social do passado e, através desse
maneira simplificada, o objeto de estudo da Sociologia seria, então, as formações sociais passadas, presentes e
O sociólogo José Manuel de Sacadura Rocha destaca também necessidade de que a Sociologia, para ser ciência,
seja pensada em um contexto de liberdade. Isso porque, para o autor, como a Sociologia está comprometida com
a reflexão sobre as transformações sociais, seria difícil defender esse papel de agente de mudanças em um
Além disso, é importante pontuar a extrema relevância da Sociologia para a compreensão do ser humano acerca
de si mesmo. Historicamente, o ser humano constitui-se de maneira social, isto é, em relação com outros seres
humanos e com o ambiente que os cerca. Essas relações ajudam a moldar, condicionar e até determinar a forma
Mesmo que nós possamos agir de maneira isolada e individual, o comportamento continua sendo social, na
medida em que sobre ele “recai o peso da orientação coletiva de determinado grupo” (ROCHA, 2019. p. 11).
Evidentemente, há sempre certo espaço para a ação individualizada e nem tudo é absolutamente determinado e
condicionado socialmente. Mas não se pode negar a influência dos fatores sociais na constituição dos
comportamentos humanos. Como exemplo, podemos pensar na forma de utilização do tempo pelas pessoas. Por
que tantas pessoas habitualmente acordam em uma faixa de horário similar, se locomovem ao trabalho e
perceptível, na medida em que somos condicionados a utilizar nosso tempo dessa forma.
Assim, quando se diz que a Sociologia estuda processos e estruturas sociais, concretamente seu objeto está
hierarquias sociais, as estruturas de raça e gênero, por exemplo, que implicam na vivência de determinadas
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experiências, as regras sociais tácitas e explícitas que ditam nossa forma de viver, dentre tantos outros exemplos
possíveis.
Todas essas condições da vida humana são construções realizadas ao longo do tempo pelo próprio ser humano,
influenciado também pelas contingências contextuais. Isso traz à tona o papel constituinte do ser humano em
geral, já que os grupos acabam por ter a capacidade de construir seu conjunto de regras, normas e
comportamentos, que vão se modificando ao longo do tempo. Mesmo que seja possível entender o papel do ser
humano nessas transformações de maneira muito distinta conforme a perspectiva sociológica adotada, o fato é
que as sociedades são diferentes e sofrem modificações constantes (ROCHA, 2019. p. 12).
Como essas transformações são absolutamente pertinentes ao estudo sociológico, não há como negar a
importância crescente da Sociologia no contexto atual, tão marcado por mudanças e pelo dinamismo, através,
sobretudo, das transformações tecnológicas. É nesse sentido que F. A. de Miranda Rosa (2004, p. 23) destaca a
crise profunda em que se encontram as sociedades humanas, mas também o potencial transformador nelas
existente:
internas dos grupos sociais, ou as tensões entre grupos diferentes; a ideologia se apresenta com
enorme capacidade de polarização do pensamento e da ação; o sentido, mesmo, que deve ter a vida
humana, é posto em questão; mas em meio aos problemas e aos conflitos, há uma vitalidade imensa,
quando a procura de unidade no essencial rivaliza com a afirmação das diferenças inerentes à
personalidade.
É notável, portanto, a importância que se deve dar à Sociologia no mundo atual. Ao vivermos tantas mudanças
Diante de tamanha complexidade da vida humana em sociedade, especialmente nos dias atuais, o objeto de
estudo da Sociologia mostra-se bastante abrangente. Para Anthony Giddens, então, a Sociologia é “o estudo da
vida social humana, dos grupos e das sociedades”, ou seja, seu objeto está centrado no nosso próprio
comportamento como seres sociais e sua abrangência é vasta, na medida em que inclui “desde a análise de
encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a investigação de processos sociais globais” (GIDDENS, 2005. p.
24).
Ainda segundo Giddens, a Sociologia traz vantagens para as pessoas em geral, pois permite ao ser humano ter
mais consciência das diferenças culturais, já que dá subsídios para que nós vejamos o mundo a partir de pontos
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de vista distintos do nosso. Além disso, o autor considera também que a Sociologia é uma importante aliada
prática na avaliação dos resultados de iniciativas políticas, na medida em que considera vários fatores
pertinentes à atuação estatal na construção de políticas públicas, por exemplo. Por fim, Giddens destaca que a
Sociologia pode nos fornecer certo auto-esclarecimento: “ (...) quanto mais sabemos por que agimos como
agimos e como se dá o completo funcionamento de nossa sociedade, provavelmente seremos mais capazes de
Percebe-se, portanto, que a Sociologia abarca uma variedade enorme de visões teóricas sobre a realidade, que
enriquece as análises e formas de compreensão do mundo. A Sociologia não é, então, um campo intelectual
abstrato, mas na verdade possui implicações prática de extrema relevância para a vida das pessoas, na medida
em que se debruça sobre os comportamentos, processos e estruturas sociais (GIDDENS, 2005. p. 36).
Figura 1 - Sociedade
Fonte: Karavai, Shutterstock, 2020
#PraCegoVer Vemos uma diversidade de pessoas diferentes, convivendo e interagindo no mesmo espaço,
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1.2 Origem da Sociologia: Augusto Comte e o Positivismo
Para entender a origem da Sociologia, é preciso primeiramente esclarecer o contexto em que ela surgiu, na
França do século XIX. Àquela época, sentindo os efeitos da Revolução Industrial, a França se tornava pouco a
pouco uma sociedade industrial, marcada pela exploração de mão de obra barata, sobretudo de mulheres e
crianças, em condições nítidas de precarização, além de um fluxo desordenado de pessoas que saíam do campo
para as cidades, o que gerava problemas de habitação, higiene, alta mortalidade infantil, etc. (ROCHA, 2019. p.
14).
Nesse contexto repleto de transformações e dificuldades sociais, surge a Sociologia, com o intuito de
compreender, por exemplo, os motivos pelos quais a sociedade é estruturada assim e como e por que as
sociedades mudam (GIDDENS, 2005. p. 28), questões pertinentes até hoje nos estudos sociológicos.
Embora não seja possível atribuir a criação desse campo de estudo exclusivamente a uma pessoa, certamente o
francês Augusto Comte (1798-1857) possui grande destaque na origem da disciplina, já que ele foi o primeiro
A perspectiva adotada por Comte é a da ciência positiva. Para o teórico, a Sociologia deveria adotar os mesmos
métodos científicos que a Física ou a Química para o estudo do mundo físico. Assim, para o Positivismo, a
ciência deve se preocupar apenas com aquilo que pode ser observável e conhecido através da experiência. Tendo
por base as observações sensoriais, seria possível inferir as leis que regem as relações entre os fenômenos
Nas palavras do próprio Augusto Comte, “ (...) todos os bons espíritos repetem (...) que somente são reais os
conhecimentos que repousam sobre fatos observados” (COMTE, 1978. p. 4). Segundo Comte, o pensamento
humano teria passado por três estágios na tentativa de compreensão do mundo: teológico, metafísico e positivo.
No plano teológico, os esforços eram guiados pelas ideias religiosas e crença segundo a qual a sociedade era a
expressão da vontade divina. Já no estágio metafísico, ocorrido mais ou menos na época da Renascença, a
sociedade passa a ser vista da perspectiva natural, e não sobrenatural. Por fim, no estágio positivo, influenciado
pelas descobertas de Copérnico, Newton e Galileu, tem-se a aplicação de técnicas científicas (das ciências
Além disso, ainda no que diz respeito à primazia da experiência, preconizada por Comte, o autor considera
importantes dois principais fatores: a observação em si, ou seja, “o exame direto do fenômeno tal como ele se
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Diante da influência decisiva das ditas “leis naturais”, a concepção positivista de Comte aduz que a evolução
social está, na verdade sujeita, a essas leis naturais, que não podem ser modificadas pela natureza humana. Isso
leva à inutilidade, do ponto de vista comteano, da resistência ao desenvolvimento inevitável da sociedade. Assim,
como consequência lógica da teoria de Comte, chega-se a um dos pontos mais importantes e também mais
polêmicos de sua teoria, que considera haver um determinismo no mundo social, em que os fatos estão “(...)
rigorosamente encadeados uns aos outros, segundo leis naturais, que a observação filosófica do passado pode
descobrir, e determinam, para cada época, de maneira inteiramente positiva, os aperfeiçoamentos que o estado
De todo modo, a teoria positivista teve e ainda tem uma forte influência na concepção de diferentes conceitos e
teorias nas mais diversas áreas do conhecimento, incluindo o Direito. Embora haja um grande determinismo na
explicação do mundo social, que deixa as análises herméticas em alguma medida, sem dúvida Augusto Comte
possibilitou importantes formas de análise da sociedade e dos processos e estruturas sociais inerentes à vida
humana.
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2. Significado e objeto da Sociologia e da Antropologia do
Direito
Agora, é importante nos determos mais sobre a Sociologia já no contexto do Direito. Como veremos, há uma
enorme pertinência não só da Sociologia no campo jurídico, como também da Antropologia. Por isso, veremos o
que cada um desses ramos tem por objeto e sua relevância para o Direito, além de diferenciarmos a Antropologia
e a Sociologia do Direito.
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2.1 Concepção e objeto da Sociologia do Direito
Após tratarmos da Sociologia geral compreendendo seu escopo, seu objeto e sua origem, cabe agora melhor
analisar sua pertinência no estudo jurídico propriamente dito. Como já vimos, a Sociologia se debruça sobre os
um todo. Nas sociedades contemporâneas, o Direito é entendido também como o conjunto de normas que
regulam a vida social, servindo para dirimir conflitos e estabelecer parâmetros de conduta (CAVALIERI FILHO,
2007. p. 7).
Segundo José Manuel de Sacadura Rocha, a Sociologia aplicada ao Direito interessa-se pelo estudo do Direito
com base nos fenômenos sociais. Isso porque as sociedades instituem regras e leis que orientam e obrigam os
indivíduos em sua sobrevivência conjunta. Para o autor, “o objeto da Sociologia Jurídica é a contribuição que o
determinado grupo humano empresta para a consagração e formalização dessas regras, ou seja, entender a
norma, escrita (aparelho jurídico formal), ou não escrita (extrajurídico) ”, a partir de da relação dos fenômenos
sociais com formações sociais específicas de cada sociedade (ROCHA, 2019. p. 23).
Rocha (2019, p. 23) aponta algumas perguntas sobre as quais a Sociologia Jurídica busca refletir, tais como: qual
a magnitude do Direito na sociedade?; o que existe no Direito além de códigos e dos conceitos meramente
O que tem se observado já há bastante tempo é a insuficiência em relação à compreensão dos fenômenos sociais
pelo Direito, o que frequentemente implica em erros de julgamento e falhas sérias na efetivação da justiça. Isso
se dá também com a efetividade das normas jurídicas, por vezes produzida e interpretada com certo
distanciamento da realidade fática vivida pelas pessoas. Assim, é nítido que o Direito positivado – estabelecido
em normas, leis e códigos – não contempla toda a complexidade da vida em sociedade. Os fenômenos sociais
estão acima e antes dos códigos legislativos e da formalização no sistema jurídico (ROCHA, 2019. p. 23).
Rocha chama atenção, ainda, às confusões comumente feitas em relação à Sociologia Jurídica. Segundo o autor,
por vezes juristas tendem a subordinar a Sociologia ao Direito, o que implica em um privilégio equivocado da
norma em detrimento da formação social. Para ele, “não é um erro simples; é, simplesmente, a supressão da
ordem das coisas como estas são”, que pode resultar em um Direito desprovimento de movimento e flexibilidade
Erro semelhante é cometido, também, pelos cientistas sociais que retiram do Direito seu papel ativo na
sociedade e submete-o integralmente aos fenômenos sociais, tratando-o de como um mero conjunto de normas
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Trata-se, igualmente, de uma visão reducionista e empobrecedora em relação ao Direito. A relação entre os
objetos da Sociologia e o Direito é dialética e dialógica, de constituição mútua: da mesma forma que os
fenômenos sociais constituem o Direito, tais fenômenos são por ele constituídos. O Direito faz parte da realidade
social; não pode ser visto como letra fria e sem vida, como se sua existência não repercutisse diretamente na vida
das pessoas:
O Direito tem de observar de perto essa dinâmica, a interação entre sociedade e norma, encarar a
mudança na medida exata da mudança das estruturas sociais e de seu aparato jurídico, diante das
expectativas e tensões pertinentes na vida prática dos agentes sociais inseridos em um contexto de
Nesse sentido, apesar dessa relação indissociável entre a Sociologia e o Direito, é possível dizer que a Sociologia
Jurídica goza de certa autonomia, já que seu objeto é mais específico em relação a outros campos do
conhecimento. Segundo Cavalieri Filho, a Sociologia Jurídica tem por finalidade o estabelecimento de “(...) uma
relação funcional entre a realidade social e as diferentes manifestações jurídicas, sob forma de regulamentação
da vida social, fornecendo subsídios para suas transformações, no tempo e no espaço” (CAVALIERI FILHO, 2007.
p. 58).
É importante ter em mente, ainda, que a norma jurídica é resultado da realidade social. Conforme Rosa: “Ela
emana da sociedade, por seus instrumentos e instituições destinados a formular o Direito, refletindo o que a
sociedade tem como objetivos, bem como suas crenças e valorações”. Aliás, o próprio estudo histórico das
sociedades comprova isso, na medida em que é facilmente observável a existência de estruturas jurídicas bem
distintas no tempo e no espaço, conforme a realidade e o contexto do momento (ROSA, 2004. p. 44). Sem nos
determos sobre este ponto, basta pensarmos nas mudanças que o divórcio sofreu ao longo do tempo no sistema
jurídico brasileiro, com uma aceitação muito maior em relação às décadas passadas, acompanhando também
transformações sociais.
Além disso, de Acordo com Rocha (2019), a Sociologia Jurídica tem algumas premissas que merecem ser
destacadas brevemente:
Pluralismo Jurídico, ou se, a diversidade de concepções do que vem a ser o Direito, das fontes do Direito e das
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Eficácia normativa, ou seja, os efeitos produzidos pela norma.
Assim, o que se percebe com essas premissas é uma relação mais concreta que a Sociologia Jurídica estabelece
com os fenômenos jurídicos, já que se referem às formas de estruturação do Direito e às normas em sua
realidade prática e os seus efeitos possíveis. A Sociologia Jurídica, mesmo que através de diferentes perspectivas
teóricas, explora os fenômenos jurídicos em seus efeitos, causas, processos e estruturas sociais, focando o olhar
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2.2 Concepção e objeto da Antropologia Jurídica
Além da Sociologia do Direito, há um outro campo de estudo social no Direito, a chamada Antropologia Jurídica
. Da mesma forma que ocorre com a Sociologia, o objeto de estudo antropológico é abrangente e de difícil
Olney Queiroz Assis e Vitor Frederico Kümpel destacam esse caráter diversificado da Antropologia, que aborda
diferentes aspectos da realidade humana. No seu surgimento, em meados do Séxulo XIX, a Antropologia debruça-
se sobre as sociedades primitivas (ASSIS et al.,2010. p. 17), a fim de entender suas formas de organização,
Posteriormente, já no século XX, a Antropologia amplia seu objeto e passa a analisar não apenas as sociedades
primitivas, mas qualquer sociedade em qualquer tempo, de modo que seu objeto passaria a ser “o estudo do
homem inteiro”. Assim, ela visaria o conhecimento por completo do ser humano, implicando no estudo do
Diante da complexidade da vida humana, a Antropologia se divide em alguns ramos, com enfoques diferentes. O
primeiro ramo é o da Antropologia cultural, que consiste segundo Assis et al. (2010, pp. 17-18): “ (...) no estudo
de tudo que constitui as sociedades humanas: seus modos de produção econômica, suas descobertas e invenções,
suas técnicas, sua organização política e jurídica, (...) suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia (...)”.
Temos, ainda, a Antropologia biológica. Nesse caso, o enfoque de estudo está voltado para a evolução do homem,
sua distribuição em grupos étnicos, além da análise de relações entre patrimônio genético e espaços geográficos.
Já a Antropologia pré-histórica, por sua vez, envereda-se pelo estudo dos vestígios materiais deixados nos
ambientes ocupados pelo ser humano, na busca da reconstituição de sociedades e grupos desaparecidos. Por fim,
relevância dos processos comunicacionais para a expressão de pensamentos, crenças e valores (ASSIS et al.,
2010).
Evidentemente, todos esses ramos se entrelaçam de alguma maneira e possuem uma relação de
campo jurídico, já que seu objeto relaciona-se mais com o Direito e com as estruturas e formações políticas,
normativas e sociais tão pertinentes ao Direito. Nesse sentido, a Antropologia cultural é dividida entre a
Etnografia e a Etnologia, consideradas métodos da pesquisa antropológica. Segundo Assis et al. (2010),
Etnografia diz respeito ao trabalho de campo de observação, descrição e análise de grupos humanos,
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Etnologia busca utilizar comparativamente os documentos apresentados pelo etnógrafo, integrando
As conexões do Direito com a Antropologia são evidentes, visto que o ser humano constitui objeto central dessas
duas áreas do conhecimento, motivo pelo qual temas como igualdade e diferença são, ao mesmo tempo, jurídicos
e antropológicos. Além disso, o direito constitui um dos aspectos da cultura, e esta constitui objeto específico da
antropologia cultural. A antropologia, tal como o direito, também se interessa pelos conflitos sociais,
principalmente no que diz respeito à intervenção normativa na decisão jurídica desses conflitos, bem como pelo
desdobramento da ordem jurídica diante das transformações culturais, sociais, políticas e econômicas.
Quando inserida especificamente no estudo jurídico, então, a Antropologia tem por objeto o estudo do ser
humano enquanto “ser normativo”, isto é, “(...) a utilidade e eficiência das regras de conduta a partir do conjunto
de mecanismos culturais que cada grupo estabelece para sobreviver” (ROCHA, 2018. p. 36).
Além disso, a Antropologia jurídica permite descobrir e compreender o Direito encoberto pela legislação, pela
normatividade formal. Isso é importante também para que a sociedade acompanhe as evoluções jurídicas para
um Direito mais flexível e maleável, por exemplo. Nesse sentido, o Pluralismo jurídico (sobretudo do ponto de
vista normativo) ocupa igualmente um espaço de relevância para a Antropologia, na medida em que se aceita
com mais clareza a existência de normatividades diferentes daquelas legislativas e estatais (ASSIS, KÜMPEL,
Como exemplo, Assis e Kümpel destacam a normatividade existente em favelas do Rio de Janeiro, onde há uma
legalidade alternativa para resolução de conflitos e solução de outros problemas comunitários, o que representa
o exercício de um poder político alternativo, mesmo que de forma incipiente. Segundo os autores, a
preponderância de procedimentos com maior oralidade e informalidade tem inspirado mudanças no direito
estatal, sobretudo em tribunais de pequenas causas e na aplicação das penas ditas alternativas (ASSIS, KÜMPEL,
Assim sendo, embora a Antropologia pareça ser complexa, seu estudo é pertinente para o Direito justamente nas
formas mais simples e cotidianas de normatividades e legalidades, que mostram formas de organização de
condutas, bem como possibilitam a análise dos efeitos das normas estatais em grupos e comunidades, avaliando
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Figura 2 - Vista aérea da favela da Rocinha no Rio de Janeiro (RJ)
Fonte: Donatas Dabravolskas, Shutterstock, 2020
#PraCegoVerVemos uma foto aérea da cidade do Rio de Janeiro, destacando a favela da Rocinha, e a sua
proximidade com bairros nobres. Nota-se o contraste entre as construções da favela e dos bairros vizinhos.
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3. Paradigmas do pensamento social
Ao refletirmos sobre os paradigmas do pensamento social, vamos focar em dois paradigmas principais: a
Modernidade e a Pós-modernidade. Embora a princípio possa parecer uma tarefa complexa, veremos que se
trata de entender os modelos e padrões de pensamento social em determinadas épocas, ou seja, compreender
basicamente como se estruturam os pensamentos sociais a partir desses paradigmas tão importantes
historicamente e na atualidade.
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3.1 Paradigmas do pensamento social: a Modernidade
Historicamente, podemos afirmar que a Modernidade tem início com a Revolução Francesa, ocorrida no fim do
século XVIII. Esse contexto foi marcado pela tomada do poder pela burguesia, e pelo surgimento de novas
concepções filosóficas de mundo, como o Iluminismo, com a defesa da “(...) crença na razão como promotora de
progresso e da felicidade, a rejeição ao governo absolutista e aos privilégios da nobreza e do clero, e também a
Com a influência das ideias iluministas, cresceu também a defesa de um governo regido por leis, que protegeria
os cidadãos contra abusos de poder por parte dos governantes e consagraria a igualdade formal entre os
cidadãos. Além disso, o Racionalismo igualmente passou a ganhar importância, de modo a propugnar a razão
como instrumento de solução dos problemas vividos. Paralelamente a esses fatos, inovações tecnológicas foram
pouco a pouco implementadas na sociedade e o modo de produção capitalista substituiu as formas econômicas
A Modernidade trouxe, portanto, uma orientação para o futuro, havendo um sentido de continuidade e
transformação da Modernidade veio não só das mudanças tecnológicas, mas também de aspectos
epistemológicos, isto é, em relação àquilo que passou a ser considerado válido como conhecimento e saber.
Antes, o ser humano estava de certa forma preso às certezas das perspectivas míticas e religiosas que
generalizadora do projeto civilizatório pensado nessa época, de modo que se levava em conta postulados com a
pretensão universalista acerca da natureza humana para se compreender o ser humano de maneira homogênea.
Assim, quaisquer conflitos poderiam ser resolvidos a partir dessas noções aplicáveis a todos em qualquer
É preciso ressaltar, ainda, que essa mudança na maneira de enxergar o mundo e o ser humano, com uma
valorização do papel da razão em detrimento do pensamento mítico-religioso, não era homogênea. Diferentes
perspectivas situadas na tradição moderna chocaram com abordagens diversas e até críticas a alguns aspectos
da própria Modernidade, como é o caso de Karl Marx e Max Weber, que veremos melhor nessa disciplina.
De todo modo, a Modernidade ficou caracterizada pelo surgimento de um sujeito autônomo, com pretensões
mais claras de liberdade e que passou a enxergar na sua existência com um potencial de transformação da
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3.2 Paradigmas do pensamento social: a Pós-Modernidade
Diante dos sérios problemas vividos na Modernidade, como as duas grandes Guerras Mundiais, a ascensão de
começaram a ser questionados e dar lugar a outras ideias e lutas até então relativamente silenciadas nos pelos
paradigmas dominantes. Assim, nas décadas de 1960 e 1970, apareceu o que se convencionou chamar de
pensamento pós-moderno.
Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, surgiram outras categorias de sujeitos e de entendimento em
relação à própria vivência humana. “Emergem novas categorias sociais: o colonizado, a raça, a marginalidade, o
gênero e similares”, além de uma crescente contestação por parte das populações de países tidos como
Assim, a Pós-Modernidade fundou-se na crítica à crença moderna na razão como instrumento para
emancipação universal do ser humano, como se a história fosse um processo unitário que, por meio de formas
universais, pudesse levar a humanidade ao progresso. Porém, “(...) pensar a história como processo unitário só
era possível porque tal pensamento se ancorava na existência de um centro a partir de onde se recolhiam e
em geral, de modo que considerar a história como tal um processo unitário seria ignorar essas tantas e variadas
formas de vivências. Nesse sentido, alguns teóricos (como Vattimo) entendem que as mídias de massa
contribuíram para esse processo ao dar voz a essas novas narrativas, mesmo que essas mesmas mídias tenham
contribuído também para a massificação e hegemonia de determinadas estruturas culturais (BEZERRA, 2011. p.
196).
“metarrelatos”, ou seja, a uma grande narrativa que explica o ser humano e o mundo, como a da Modernidade a
respeito da razão como instrumento para o progresso histórico. Assim, a função narrativa “(...) se dispersa em
nuvens de elementos de linguagem narrativos, mas também denotativos, prescritivos, descritivos etc., cada um
Como consequência dessas alterações que decompuseram os “grandes relatos”, Lyotard acredita que houve a
dissolução do vínculo social e a passagem de coletividades sociais a uma massa composta por átomos
individuais. Nesse processo, a comunicação e os jogos de linguagem ganham cada vez mais centralidade
(LYOTARD, 2009. p. 30), como foi dito a respeito das mídias de massa, por exemplo.
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Segundo Bauman, há um amontoamento das diferenças, que se tornam objeto de disputa, com estilos e padrões
concorrentes. Trata-se de um suposto amor à diferença, em que todos devem se mostrar seduzidos pela “(...)
infinita possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de se regozijar com a sorte de
vestir e despir identidades, de passar a vida na caça interminável de cada vez mais intensas sensações”
Dessa forma, é importante pensar a Pós-Modernidade como a época da relativização das grandes narrativas e
de certos valores que eram tidos como pretensamente universais, como a crença no progresso natural da
humanidade e na razão como instrumento para tal. E, nesse contexto, surgem novas identidades sociais, novos
comportamentos que brigam por espaço, sendo que o. O caráter cibernético e informatizado da sociedade é um
traço marcante das novas formas de comunicação e entendimento da realidade, tornando essa nova realidade
Há no Brasil, nos últimos anos, novas correntes sociológicas que vêm apresentando visões
diferentes sobre a realidade brasileira, com noções de interseccionalidade e as problemáticas
de raça, gênero, classe etc, além das perspectivas chamadas de “decoloniais”, que buscam
construir um conhecimento a partir de paradigmas próprios da vivência brasileira e periférica.
é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• aprender que a Sociologia busca estudar as estruturas, processos e comportamentos sociais, de modo a
tentar entender o funcionamento da sociedade;
• compreender o Positivismo, como uma das formas originárias da Sociologia, marcado pela crença de que
a sociedade é regida por leis universais, tal como as ciências naturais;
• entender a Sociologia do Direito como uma disciplina que foca na análise da normatividade na vida
social, observando os fenômenos jurídicos em seus efeitos e causas nas estruturas e processos sociais;
• analisar as diferenças entre a Sociologia do Direito e a Antropologia do Direito que foca na análise da
normatividade na vida social, observando os fenômenos jurídicos em seus efeitos e causas nas estruturas
e processos sociais;
• compreender que a Antropologia jurídica tem por objeto o ser humano enquanto ser social, a partir da
observação de comportamentos de grupos e sociedades;
• analisar a Modernidade e a Pós-Modernidade como como paradigmas do pensamento social, em que a
primeira diz respeito à primazia da razão como forma de compreender o mundo e como instrumento
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para o progresso da humanidade, e a segunda é fortemente marcada pela fluidez e relativização de
identidades e comportamentos, bem como pela inexistência de metanarrativas para a sociedade.
Referências
ASSIS, et al. Manual de antropologia jurídica – São Paulo: Saraiva, 2011.
BEZERRA, T. C. E. “Modernidade e pós-modernidade: uma abordagem preliminar”. In: Textos e Debates (UFRR),
v. 1, p. 176-202, 2011.
ROCHA, J. M. de S. Sociologia Jurídica: fundamentos e fronteiras – 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
ROSA, F. A. de M. Sociologia do direito: o fenômeno jurídico como fato social – 17ª ed. rev. e atual. – Rio de
SOUZA, R. L.de. A ordem e a síntese: aspectos da sociologia de Auguste Comte. In: Revista Cronos, Natal-RN, v. 9,
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