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[1]
O cientista político André Singer, em seu trabalho Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro (2000),
demonstra que, em geral, os brasileiros identificam-se com a polaridade direita-esquerda, reconhecendo-a,
porém não sabem exatamente o que significam essas categorias: “[...] os dados da pesquisa Cultura
Política/89 e Cultura Política/90 mostram que mais de 60% dos eleitores não sabiam dizer o que significava
esquerda e direita. [...] Mesmo assim, os 60% de eleitores brasileiros que não sabiam o que significava
esquerda e direita contrastam fortemente com o uso coerente da escala esquerda-direita que, como
mostramos, a imensa maioria do eleitorado brasileiro fez entre 1989 e 1994. Como pode o eleitor usar seu
posicionamento em um espectro esquerda-direita para orientar a decisão do voto, se não sabe o que é
esquerda e direita? A nosso ver, trata-se, como assinala a bibliografia internacional (Miller & Shanks1996;
Knight & Lewis 1996), de um conhecimento intuitivo, de um sentimento do que significam as posições
ideológicas. Esse sentimento permite ao eleitor colocar-se na escala em uma posição que está de acordo
com as suas inclinações, embora não as saiba verbalizar” (Singer, 2000, p.142). Ressalto que, apesar do
trabalho de Singer ser valioso do ponto de vista das informações e dos dados empíricos, ele apresenta uma
orientação ideológica de esquerda, que fica visível na passagem que segue: “Nesses 60% estamos incluindo
tanto os que declaravam não saber responder quanto os que produziram respostas como: esquerda é o
‘errado’, é o ‘negativo’ e direita ‘é o certo, o melhor’. Vale destacar que esse último tipo de resposta,
embora equivocada, tem uma longa tradição desde que os termos esquerda e direita entraram em uso, na
época da Revolução Francesa (Sartori, 1982; Bobbio, 1995). [...] Em contrapartida, aceitamos como
respostas ‘corretas’ as que definiram esquerda como ser contra o governo, e direita a favor. Esse tipo de
resposta, que representou em torno de 20% das amostras, corresponde tanto à história brasileira quanto aos
padrões internacionais, em que a esquerda é vista como sendo uma força de oposição” (Singer, 2000, p.
142). O cientista político paulista considera sem importância e valor a impressão de senso comum,
“intuitiva”, de que a esquerda é o negativo e a direita é o certo, o positivo. Pergunto: por que desprezar –
desconsiderar – este dado elementar, esta primeira percepção presente em boa parte da população brasileira
e mesmo mundial? Por que não rastrear as origens remotas e as motivações sutis dessa intuição? Por sua
vez, por que aceitar com facilidade a idéia de que ser de esquerda é ser contra o governo, ser oposição, e ser
de direita é ser favorável ao governo? Parece que o autor aceita como correta e válida apenas as opiniões
populares que favorecem determinada visão e narrativa, já sedimentada pela própria intelligentsia e pela
mídia mainstream, acerca da esquerda, e rejeita e desvaloriza de cara os dados e as impressões que podem
associar a direita com o que é bom, justo e reto. Vale lembrar que André Singer é filiado ao Partido dos
Trabalhadores. Foi secretário de Imprensa do Palácio do Planalto (2005-2007) e porta-voz da Presidência da
República no primeiro governo Lula, (2003-2007).
[2]
O filósofo Norberto Bobbio (1995, p. 69) sublinha que, além desta metáfora espacial (direita-esquerda),
existe, na linguagem política, uma metáfora temporal: “que permite distinguir os inovadores dos
conservadores, os progressistas dos tradicionalistas, os que se deixam guiar pelo sol do futuro dos que
procedem guiados pela inextinguível luz que vem do passado. Não está dito que a metáfora espacial, que
deu origem à dupla direita-esquerda, não possa coincidir, em um de seus significados mais freqüentes, com
a metáfora temporal”.
[3]
O sociólogo belga Léo Moulin escreveu um importante livro sobre esse tema com o título La Gauche, la
Droite et le Péché Originel: et autres essais (1984).
[4]
Laponce (1981) ressalta ainda que os termos direita e esquerda começaram a fazer parte do vocabulário
da política somente a partir do século XVIII, durante a Revolução Francesa. Com essa revolução igualitária,
a dimensão horizontal (direita-esquerda) substitui o ordenamento vertical e hierárquico presente nas
sociedades tradicionais, representado nas figuras do rei, dos sacerdotes e dos guerreiros. A direita toma o
lugar da noção de “alto”, relacionada com os estamentos mencionados; e a esquerda identifica-se com a
categoria “baixo”, que representaria o povo e as classes sociais produtivas: o proletariado e a burguesia. Em
resumo, a metáfora espacial horizontal esquerda e direita sobrepõe-se ao simbolismo vertical do alto e do
baixo presente nas culturas políticas pré-modernas do antigo regime.
[5]
Ao realizar a pesquisa para este livro, notei a escassez de obras e trabalhos sobre este tema no Brasil.
Enquanto nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa existem livros muito importantes acerca desta
questão, em nosso país e mesmo em outros países da América Latina, os poucos trabalhos publicados
pecam por seu indisfarçável viés ideológico esquerdista.
[6]
Acerca deste traço do pensamento de esquerda, comenta Jean Revel (2001, p. 255): “O ideólogo, por sua
vez, só percebe o totalitarismo em seus adversários, nunca nele próprio, já que ele é o dono da Verdade
absoluta e tem o monopólio do Bem”.
[7]
O desprezo pela direita não ocorre apenas no Brasil, mas é algo que caracteriza todo o mundo ocidental.
Esse desprezo intenso tem muitas motivações e causas. Indico aqui apenas duas apontadas pelo filósofo
político Marcello Veneziani (2010): a) o fato de que, por via de regra, os direitistas opõem-se ao
politicamente correto e aos modismos culturais e ideológicos, apresentando e expondo opiniões e posturas
que estão de acordo com o senso comum; preferindo, os valores tradicionais, civis e religiosos; b) a
avaliação e o juízo negativo e extremamente crítico que a direita faz do comunismo, que diverge
integralmente do cânone dominante sobre esse movimento e ideologia no universo cultural progressista.
[8]
Acerca das relações entre a esquerda e o movimento intelectual pós-moderno, é essencial a leitura do
livro do filósofo Stephen Hicks, Explicando o Pós-modernismo: ceticismo e socialismo – de Rousseau a
Foucault (2011).
[9]
Conde Joseph de Maistre (1753-1821) era um pensador, escritor e diplomata francês de linha
tradicionalista católica. As Veladas de São Petersburgo é um belíssimo romance filosófico escrito por esse
autor, publicado em 1821. No Brasil, até o presente momento, é claro, a obra ainda não foi publicada. Existe
uma publicação em espanhol desse livro pela editora Aldus do México, do ano de 2007.
[10]
Filósofo e político italiano. O manifesto dos conservadores (Manifesto dei Conservatori em italiano) foi
publicado em 1972.
[11]
Eminente pensador conservador americano. The Conservative Mind foi publicado em 1953.
[12]
Conforme demonstra o filósofo Olavo de Carvalho (2013, p. 190), a esquerda e, de um modo mais
amplo, o movimento revolucionário, em muitos momentos históricos, apoderou-se desses conceitos,
desfigurando seu sentido primordial: “De um lado, a esquerda é a revolução em geral, e a direita a contra-
revolução. Não parecia haver dúvida quanto a isso no tempo em que os termos eram usados para designar as
duas alas dos Estados Gerais. A evolução dos acontecimentos, porém, fez com que o próprio movimento
revolucionário se apropriasse dos dois termos, passando a usá-los para designar suas subdivisões internas.
Os girondinos, que estavam à esquerda do rei, tornaram-se a ‘direita’ da revolução, na mesma medida em
que, decapitado o rei, os adeptos do antigo regime foram excluídos da vida pública e já não tinham direito a
uma denominação política própria. Esta retração do ‘direitismo’ admissível, mediante a atribuição do rótulo
de ‘direita’ a uma das alas da própria esquerda, tornou-se depois um mecanismo rotineiro do processo
revolucionário. Ao mesmo tempo, remanescentes contra-revolucionários genuínos foram freqüentemente
obrigados a aliar-se à ‘direita’ revolucionária e a confundir-se com ela para poder conservar alguns meios de
ação no quadro criado pela vitória da revolução. Para complicar mais as coisas, uma vez excluída a contra-
revolução do repertório das idéias politicamente admissíveis, o ressentimento contra-revolucionário
continuou existindo como fenômeno psicossocial, e muitas vezes foi usado pela esquerda revolucionária
como pretexto e apelo retórico para conquistar para a sua causa faixas de população arraigadamente
conservadoras e tradicionalistas, revoltadas contra a ‘direita’ revolucionária imperante no momento. O apelo
do MST à nostalgia agrária ou a retórica pseudotradicionalista adotada aqui e ali pelo fascismo fazem
esquecer a índole estritamente revolucionária desses movimentos. O próprio Mao Dzedong foi tomado,
durante algum tempo, como um reformador agrário tradicionalista. Também não é preciso dizer que, nas
disputas internas do movimento revolucionário, as facções em luta com frequência se acusam mutuamente
de ‘direitistas’ (ou ‘reacionárias’). À retórica nazista que professava destruir ao mesmo tempo ‘a reação’ e
‘o comunismo’ correspondeu, no lado comunista, o duplo e sucessivo discurso que primeiro tratou os
nazistas como revolucionários primitivos e anárquicos e depois como adeptos da ‘reação’ empenhados em
‘salvar o capitalismo’ contra a revolução proletária”.
[13]
Na música, destaco o compositor britânico John Tavener. Na pintura, o espanhol Augusto Ferrer-
Dalmau. Na arquitetura, o catalão Antoni Gaudí e o luxemburguês Léon Krier.
[14]
Um exemplo cabal disso é o famoso Dicionário Crítico do Pensamento de Direita (2000), que
apresenta 300 verbetes escritos por 120 acadêmicos. Este livro, que distorce por completo a direita, foi
analisado criticamente pelo filósofo Olavo de Carvalho no artigo “Tudo o que você queria saber sobre a
direita – e vai continuar não sabendo”, publicado no jornal O Globo de 22 de setembro de 2000. Outro livro
que tem a pretensão de analisar academicamente o ressurgir da direita no Brasil, mas que, entretanto,
apresenta um indisfarçável viés esquerdista, é Direita, Volver: o retorno da direita e o ciclo político
brasileiro. Esta obra foi publicada em 2015, com apoio da Fundação Perseu Abramo, vinculada ao Partido
dos Trabalhadores.
[15]
Poderia expandir minha amostra citando autores estrangeiros, contudo coloco o foco da minha atenção
em intelectuais brasileiros. Para ficar só num exemplo de deturpação das idéias da direita por pensadores de
outros países cito o lamentável livro da filósofa feminista Simone de Beauvoir O Pensamento de Direita,
Hoje, editado no Brasil pela editora Paz e Terra, em 1991.
[16]
Essa entrevista foi publicada em 27/10/2016. Em outro momento, o sociólogo uspiano afirma que o PT
é um partido de direita: “O PT bota o carimbo de direita em todo mundo. Eles nem sabem o que é direita.
Na verdade, eles são a direita hoje, porque se tornaram o partido do poder, não o partido de uma causa, da
superação dos problemas políticos e sociais do país”.
[17]
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/10/1826671-intelectuais-divergem-sobre-
posicao-ideologica-de-partidos.shtml>. Acesso em: 18/12/2016.
[18]
O fato citado ocorreu em 12 de maio de 2016.
[19]
Sobre o papel da esquerda, nesse novo contexto político de hipotético domínio da direita, o autor do
citado artigo assevera: “O que temo não é a esquerda perder o poder – ela já não o tinha mais pela força do
presidencialismo de coalizão –, o que temo é o silêncio da esquerda após o golpe, revelação da angústia e
do vazio. Resta à esquerda o papel de ser a sombra da direita, o que significa segui-la aonde quer que vá,
pois só assim poderá, quem sabe, no futuro, ser cúmplice do seu desaparecimento” (Zero Hora,
12/05/2016). Fica explícito, conforme o que é dito pelo autor, que o objetivo da esquerda é fazer a direita
desaparecer: com ela, não deve existir diálogo, pois sua existência não é permitida nem como oposição! O
autor não reconhece, dessa forma, um regime democrático de direita e escancara o objetivo totalitário da
esquerda.
[20]
Edição de 6 de junho de 2015. A entrevista com o sociólogo paulista, radicado em Paris, trata, também,
sobre o lançamento do seu novo livro Revolta e Melancolia.
[21]
O artigo foi publicado em 26/05/2015. Disponível em: <http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-
e-politica-direto-ao-ponto/post/4065990/afinal-que-serdireita>. Acesso em: 09/09/2015 .
[22]
Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/brenoaltman/2014/11/11/carniceiros-da-direita-sao-
ameaca-real-3/>. Acesso em: 10/09/2015.
[23]
Esta citação encontra-se no artigo “A direita a serviço da esquerda”, escrito pelo filósofo Olavo de
Carvalho no Diário do Comércio de 9 de abril de 2007.
[24]
As manifestações mais significativas ocorreram em 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto de 2015, e a
maior da história política do país em 13 de março de 2016.
[25]
O texto foi publicado em seu blog pessoal: <http://domomb.blogspot.com.br/ e no site brasil 247.
[26]
Sobre o emprego de procedimentos tipicamente stalinistas por parte da esquerda contemporânea,
comenta Jean Revel (2001, p. 114): “[...] a ideologia marxista-leninista, embora desacreditada pela
realidade prática, ou pelo menos assim deveria ser, continua impregnada em nossos esquemas
interpretativos e comportamentos culturais. Os procedimentos típicos dos regimes de Stalin e Lenin
continuam em uso. A calúnia, a mentira, a desinformação, a deformação, o casuísmo, a injúria difamatória,
o rótulo fascista, colaboracionista, ou mesmo anti-semita, aplicado a todos aqueles que os contradizem,
enfim, a afronta imerecida e insidiosa, continuam sendo aceitas em nossos meios políticos e mesmo
artísticos ou literários. A acusação mais trivial é tratar de nazista qualquer um que desaprova a seita,
independentemente da natureza do debate, mesmo que nada tenha a ver com a política”.
[27]
Artigo publicado em 29/05/2015. Disponível em: <http://cartamaior.com.br/?/Coluna/O-direito-contra-
a-direita/33611>. Acesso em: 08/08/2015.
[28]
A ideia de que a direita é, por natureza, antidemocrática é praticamente um lugar-comum entre os
esquerdistas. Para ilustrar o meu argumento, cito o comentário, no Twitter, da deputada federal petista
Maria do Rosário, logo após a posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos: “A posse de
Trump nos leva a pensar sobre o Brasil: temos que construir unidade contra a direita. Não existe democracia
com direita no poder (21 de janeiro de 2017)”.
[29]
Acerca do fascínio que o marxismo exerce nas classes falantes é indispensável a leitura da obra do
sociólogo francês Raymond Aron O Ópio dos Intelectuais (2016).
[30]
O artigo foi publicado no site da revista em 20/05/2015. Disponívelem:
<http://www.cartacapital.com.br/politica/a-falencia-do-pt-a-ascensao-da-direita-e-aesquerda-orfa-
7538.html>. Acesso em: 10/08/2015.
[31]
O artigo foi publicado no site da revista em 13/10/2014. Disponível em:
<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-reich-tropical-a-onda-fascista-no-brasil-2883.html>. Acesso
em: 10/10/2015.
[32]
Hino oficial do Partido Nacional Socialista (NSDAP), mais conhecido como partido nazista.
[33]
Palavra italiana que significa líder. O termo era usado, na Itália fascista, para designar o chefe-supremo
da nação, Benito Mussolini.
[34]
A estratégia desonesta de acusar de fascista todos os adversários políticos vem de longa data. Na
realidade, foi elaborada pelo Comintern (Internacional Comunista), na década de 1930. Cabe lembrar que os
comunistas qualificavam de fascistas não apenas os adeptos de Mussolini ou Hitler, mas também os liberais,
os conservadores e os socialistas.
[35]
Como esclarece o historiador Stanley Payne (1986), um dos principais pesquisadores do tema, o termo
fascismo talvez seja o mais vago dos termos políticos contemporâneos.
[36]
É essencial lembrar que Benito Mussolini foi, inicialmente, um militante político socialista. Chegou a
dirigir um dos mais importantes jornais italianos de esquerda no começo do século XX, o Avanti! Além
disso, conforme demostrou o historiador israelense Zeev Sternhell, em seu brilhante estudo sobre a
ideologia fascista The Birth of Fascist Ideology (1994), essa doutrina política nasce de uma revisão do
marxismo. De uma revisão voluntarista e antimaterialista do socialismo marxista iniciada na França, com a
obra de George Sorel. Grosso modo, a ideologia fascista seria uma síntese de nacionalismo tribal e orgânico
com o socialismo.
[37]
O livro da filósofa feminista Marcia Tiburi Como Conversar com um Fascista (2016) é um exemplo
perfeito do uso equivocado e abusivo desse termo.
[38]
Alain Besançon lembra que essa expressão foi cunhada pelo historiador Pierre Chaunu.
[39]
Conforme observa Jacques du Perron (1991), o primeiro e principal teórico da esquerda é Rousseau. É o
autor Do Contrato Social (1762) que fornece as primeiras “pedras” do edifício conceitual antitradicional. O
filósofo genebrino constrói os cinco axiomas fundamentais do pensamento de esquerda: 1º o homem é
naturalmente bom; 2º o homem é perfectível; 3º os homens são naturalmente iguais; 4º a propriedade é a
causa principal da má organização da sociedade; 5º o único soberano é o povo. Rousseau é o pai da
democracia moderna que se fundamenta na idéia de que o poder “vem de baixo”, das massas – a vontade
geral – e, assim, de um novo tipo de humanidade e organização política e social. O aspecto idealista e
sanguinário da Revolução, encarnado historicamente nas figuras de Robespierre e Saint-Just, bem como a
nova moralidade igualitarista, eivada de rancores e ressentimentos, é construída originalmente por este
pensador liberal.
[40]
Scruton (2011, p. 67) assim descreve o utopismo esquerdista: “As utopias são visões de um estado
futuro em que os conflitos e problemas da vida humana se resolvem completamente, em que as pessoas
vivem juntas em unidade e harmonia e em que tudo é ordenado de acordo com uma vontade única que é a
vontade da sociedade como um todo [...]. O desejo é de uma solução final, não só para um problema, mas
para os problemas como tal, de modo que seja o que for que exista seja compatível com o que cada pessoa
quiser. Tudo o que criar tensão e conflito é para eliminar”.
[41]
Sobre a utopia, afirma, de maneira irônica, Jean Revel (2001, p.30): “A utopia não tem obrigação de
apresentar resultados. Sua única função é permitir aos seus adeptos a condenação do que existe em nome do
que não existe”.
[42]
Corrente religiosa e filosófica que se desenvolveu nos primórdios do cristianismo. Os gnósticos antigos
acreditavam que o mundo material foi criado por uma falsa divindade. O homem estaria aprisionado no
corpo e neste demoníaco mundo físico. O único modo de libertar-se deste cárcere terreno seria por meio de
um conhecimento superior e místico, a gnose.
[43]
Com sarcasmo, Revel (2001, p. 197) afirma: “A arte de ‘pensar como socialista’ consiste em perceber
na realidade o contrário daquilo que demonstram os fatos mais concretos e evidentes”.
[44]
Para Voegelin (2009), todos os grandes movimentos políticos de massa da modernidade, como o
nazismo, o fascismo, o socialismo e o comunismo, apresentam uma feição gnóstica e escatológica.
[45]
O cientista social Alain Besançon (2000) considera a perspectiva salvacionista do marxismo-leninismo
como otimista, comparável à salvação anunciada pela profecia bíblica: “Seu objetivo é superar a natureza
como ela é, o homem como ele é; chegar a um tempo messiânico de paz e justiça, em que o lobo conviva
com o cordeiro, em que as disciplinas e as frustações do casamento, da família, da propriedade, do direito,
da penúria sejam abolidas. Finalmente, é a própria morte que é vencida: houve devaneios sobre esse tema
no começo da revolução bolchevique, alimentados por um certo Fedorov, um quimérico da ressureição
científica dos corpos e da imortalidade. ‘O homem novo’, produto do socialismo, é um tipo de corpo
glorioso tal como a profecia o entrevê. E sua salvação está nas mãos dos homens. Ela é obtida por meios
políticos” (Besançon, 2000, p. 88).
[46]
O sociólogo Luciano Pellicani (2000) afirma que, além do gnosticismo, outro traço específico da
esquerda marxista é o milenarismo. O milenarismo parte de uma visão do mundo baseada na contraposição
entre o mundo real e aquele sonhado, e na esperança de um cataclismo que porá fim à corrupção e ao erro,
dando início a um novo mundo de justiça e verdade. A meta suprema do milenarismo é o “totalmente outro”
que se materializará mediante um processo dialético de negação, inversão e destruição do que existe.
Quando as três grandes tradições apocalípticas, o milenarismo, o messianismo e o maniqueísmo,
secularizam-se temos o surgimento da mentalidade revolucionária. O revolucionarismo socialista moderno é
herdeiro direto dessas tradições; não é possível entender o ativismo revolucionário moderno sem
compreender o espírito escatológico. Há uma relação umbilical entre o mito da revolução e os três m(s)
apocalípticos: messianismo, milenarismo e maniqueísmo. Com efeito, a política da tábula rasa, própria do
espírito revolucionário socialista, que visa destruir o “velho mundo” corrompido, regenerando e purificando
a humanidade, fundamenta-se numa concepção apofática da revolução. A revolução total e permanente é
dominada pela fé mística na potência criadora e purificadora da negação e da violência. A destruição e o
terror revolucionário são concebidos como forças libertadoras e transformadoras. Essa é a tese central do
sociólogo Luciano Pellicani (2014). Sugiro a leitura do excelente trabalho desse autor From Apocalypse to
the Revolution.
[47]
O pensamento revolucionário é uma atitude espiritual baseada na crença de uma salvação total do
homem. A revolução universal e final eliminaria o mal e sofrimento do mundo, libertando o homem de
todas as formas de repressão e autoridade, ambicionaria também a mutação completa da sociedade. Sobre
esse traço do pensamento revolucionário, assevera Leszek Kolakowski (1985, p, 13): “O messianismo
revolucionário, que se fundamenta no princípio ‘tudo ou nada’, tem naturalmente tendência a assinalar a
descontinuidade radical da cultura, pois afirma que a Revolução Socialista deve transformar a sociedade em
todos os pontos de vista, e que toda a cultura do passado não era nada mais do que um conjunto de
instrumentos, servindo para reforçar os interesses das classes privilegiadas. Na retórica revolucionária da
década de 20, na União Soviética, encontra-se uma grande quantidade de fenômenos que manifestam essa
crença na descontinuidade fundamental da cultura: a utopia da deterioração do Estado (em conformidade
com a doutrina de Marx) estava em voga, e, além disso, vimos aparecer teorias que profetizavam o
desparecimento da escola, da família, a morte da filosofia e até proclamaram o caráter de classe da
linguagem [...]”.
[48]
O escritor e jornalista francês Claude Lanzmann, num interessante livro L’Homme du Gauche (O
homem de esquerda), assevera que a esquerda é marcada por tal negatividade e criticismo radical, é a
encarnação desse “momento negativo”, rebelando-se contra a realidade e rechaçando a ordem existente
(Lanzmann, 1958, p. 8).
[49]
A ideia de uma revolução mundial permanente e destruidora da ordem existente é uma particularidade
da esquerda marxista, conforme observa o sociólogo Luciano Pellicani (2000, p. 213): “[...] a revolução
conduziria a uma declaração de guerra ao mundo inteiro, animada pela convicção de que construir o
socialismo significava destruir os ordenamentos existentes. Dito de outro modo, significava adotar a política
de tábua rasa. De fato, não havia Engels sentenciado que ‘tudo o que existia era digno de morrer?’, não
havia afirmado Marx que a cena mundial estava ocupada pelo duelo mortal entre o ‘partido conservador’ e
o ‘partido destruidor’ e que este, uma vez no poder, haveria de ‘aniquilar o velho mundo’?”.
[50]
É notável a metamorfose do outrora impulso revolucionário marxista da esquerda ortodoxa em um
prosaico e enfadonho romantismo humanitarista secular que, entre outras coisas, consiste em repetir
insistentemente os mesmos clichês e slogans: igualdade, justiça social, democracia participativa, inclusão,
diversidade, defesa das minorias, luta contra a opressão, direitos humanos, etc. Trata-se de uma retórica
emotivista, pueril e entediante, planejada para agradar os censores da ideologia liberal-progressista
dominante; não é preciso salientar que o establishment e os arquitetos da nova ordem mundial agradecem
efusivamente por essa estrepitosa claudicação. O esquerdismo chic e politicamente correto, ávido de
novidades superficiais e suscetível aos mais torpes modismos intelectuais, parece ter definitivamente
suplantando o marxismo ortodoxo. Foucault, Rorty, Deleuze e “Cia Ltda” derrotaram Marx e Lênin.
[51]
Sobre os anseios libertários da esquerda, comenta Anthony Giddens (1995, p. 106): “A perspectiva
política da esquerda – e, em reação, portanto contrária, à da direita – esteve sempre centrada em uma idéia
de emancipação. Emancipação significa liberdade, ou melhor, liberdade de vários tipos: liberdade em
relação à tradição, em relação aos grilhões do passado; liberdade em relação ao poder arbitrário; e liberdade
das restrições da pobreza ou privação material. A política emancipatória é uma política de oportunidades de
vida. Ela está relacionada à autonomia da ação”.
[52]
Thomas Molnar (1972) assevera que a atração que o progressista tem pelo marxismo revela uma dupla
natureza: um elemento deriva de seu racionalismo extremo e, assim, surge o sonho de uma sociedade
organizada racionalmente, o outro é proveniente de seu sentimentalismo igualmente extremo, que emerge
quando o progressista expressa seu amor abstrato pela humanidade.
[53]
O cientista político Yuval Levin, no livro The Great Debate: Edmund Burke, Thomas Paine, and the
Birth of Right and Left (2013), defende a controversa tese de que, na verdade, a dicotomia direita-esquerda
nasce com a fundação da república estadunidense, em 1776, mais especificamente com o acirrado debate
público entre Edmund Burke e Thomas Paine.
[54]
Na Inglaterra, a partir de 1730, os deputados do partido governamental posicionam-se, em Westminster,
à direita do speaker (presidente do Parlamento), já os da oposição situam-se à esquerda deste (Nogueira
Pinto, 1996).
[55]
Esta agremiação surgiu, mais precisamente, em 4 de março de 1933, para opor-se ao governo e aos
movimentos de esquerda que dominavam o cenário político espanhol.
[56]
Importa lembrar que as correntes políticas e ideológicas chamadas de direita na Europa continental são
conhecidas no mundo anglo-saxão pela expressão conservador (conservative); já a esquerda é designada
com o termo liberal. Nos países hispânicos e latino-americanos, utilizamos a palavra progressista para se
referir às posições de esquerda. Mais particularmente na Inglaterra, a contraposição inicial é entre tories e
whigs (Nogueira Pinto, 1996).
[57]
A nova direita é uma escola de pensamento que surge na França, em 1968.
[58]
Baseio-me aqui no resumo feito por Lukes (2003) da pesquisa de Eatwell e O’Sullivan.
[59]
Um estudo pormenorizado da doutrina da Ação Integralista Brasileira é efetuado por Rosa Maria
Feiteiro Cavalari (1999) no seu livro Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no
Brasil (1932-1937).
[60]
Inicialmente chamada de Centro Monarquista de Cultura Social e Política Pátria-Nova, esta organização
começa suas atividades em 3 de março de 1928.
[61]
Para uma análise cuidadosa desta organização, recomendo o livro Império e Missão: um novo
monarquismo brasileiro, da historiadora Teresa Malatian (2001).
[62]
Salazar comandou Portugal de 1933 até 1974. O nacional-sindicalismo foi bastante forte nos primeiros
anos da década de 1930. Já o integralismo lusitano foi atuante de 1914 a 1932 .
[63]
O cientista político Arnaud Imatz (2016) explica que o “fascismo genérico” não é uma ideologia de
direita, nem de esquerda: ele nasce do encontro do radicalismo de direita com o radicalismo de esquerda.
Nem de direita, nem de esquerda, o fascismo é um membro da vasta família das ideologias da chamada
terceira via. É o ramo mais radical e revolucionário dessa “terceira posição”.
[64]
Outros binômios semelhantes como tradição-revolução, permanência-progressão e ordem-progresso
também poderiam ser citados (Negro,1999).
[65]
Uma valiosa análise psicológica do homem de direita e do homem de esquerda é realizada por Jean
Jaélic no livro La Droite: cette inconnue (1963).
[66]
O escritor romeno Vintila Horia também vincula a direita à religião cristã. Cito um trecho da entrevista
deste autor na revista Hespérides da Espanha: “A direita não é uma ideologia, é um estilo de vida que
coincide com os valores fundamentais e dentro desses valores, em primeiro lugar, como cúpula de todos
eles, estão os valores cristãos. A direita é um estilo de vida permanente dentro do qual está o amor, a
família, a propriedade privada, a fé religiosa, a moral, o heroísmo na guerra como na paz, esses são os
valores fundamentais que sempre caracterizaram as direitas porque contra eles sempre se manifestaram os
de esquerda [...]. Eles inventaram uma ideologia, uma filosofia para poder atacar esses valores que não
necessitam de nenhuma ideologia [...]. A direita representa a vida e a esquerda a morbidez [...]. A direita é
pelo amor normal ou natural, contra o aborto, em defesa da família, contra a droga, e não em vão, porque
isto significa defender a vida. Do outro campo, do campo das ideologias, que são sempre de esquerda, vêm
sempre os ataques contra a vida, defendendo sempre atitudes contra-natura”. Disponível em: <http://accao-
integral.blogspot.com.br/2012/03/direita.html>. Acesso em: 09/10/2014.
[67]
Entrevista publicada com o historiador francês em 21 de março de 2007, no jornal argentino La Nación.
Disponível em: <http://www.lanacion.com.ar/893182-ya-nohay-diferencias-de-fondo-entre-la-derecha-y-la-
izquierda>. Acesso em: 10/02/2015.
[68]
Além de uma dimensão antropológica, a dualidade direita e esquerda possui um caráter epistemológico
e gnoseológico. Perron (1998) e Upinsky (1991) ressaltam que a clivagem realismo-nominalismo
corresponde à divisão política direita e esquerda que serve de base a toda a nossa vida política. O
pensamento de esquerda é abstracionista, “geométrico”, já o pensamento de direita é concreto, realista. A
abstração é a chave do pensamento nominalista, como a “encarnação” marca o realismo. O nominalista
buscará constantemente reduzir as realidades do “alto” aos fenômenos de “baixo”. Para ele, o mundo
espiritual não passa de uma abstração do mundo temporal-material. Para o pensamento da “encarnação”,
realista, da direita tradicional, segundo Upinsky (1991), Deus faz-se homem; para o abstracionismo
progressista, o homem faz-se Deus. Dessa orientação epistêmica derivam as ambições prometéicas da
esquerda: o homem-deus realizará o Paraíso na Terra. Indubitavelmente, a esquerda intelectual e utópica
está impregnada de idealismo e nominalismo, apesar de existir uma esquerda visceralmente materialista,
que, em termos históricos, remonta ao pensamento de Epicuro e Lucrécio. Em linhas gerais, a esquerda
combina o materialismo ontológico com o idealismo moral e social; e, ainda, um idealismo epistemológico
com uma concepção materialista do conhecimento como transformação ou produção do real. Para o
idealismo epistemológico, toda forma de conhecimento, interpretação e julgamento apresenta um aspecto
criador e construtor, rejeitando assim o núcleo central do pensamento realista de que o conhecimento é um
modo de assimilação e conformação ao objeto. De acordo com esta perspectiva gnoseológica idealista, há
uma espécie de dissolução do objeto no sujeito, do mundo material no mundo conceitual (Molnar, 1970a).
[69]
A natureza utópica, salvacionista e irrealista do pensamento político de esquerda fica evidente no artigo
“Por que sou de esquerda ainda”, escrito pelo doutor em educação Jorge Barcellos, no jornal Zero Hora de
17 de fevereiro de 2016. Quase ao final do texto, o autor relaciona o projeto da esquerda com a “utopia da
redenção do homem” e, na frase de conclusão, afirma: “[...] ser de esquerda é estar inteiro em cada instante,
é querer a palavra contra o poder e contra o princípio de realidade. Isto é ser de esquerda”.
[70]
Disponível em: <http://www.lanacion.com.ar/893182-ya-no-hay-diferencias-defondo-entre-la-derecha-
y-la-izquierda>. Acesso em: 10/02/2015.
[71]
Há autores católicos tradicionalistas que contestam o valor heurístico da dicotomia direita-esquerda.
Destaco os nomes do jusfilósofo italiano Danilo Castellano (1989) no seu trabalho A Proposito della
Definizioni di Destra, de Gustavo Corção na obra o Século do Nada (1973) e do cientista político francês
Arnaud Imatz no livro Droite-Gauche: pour sortir de l’équivoque (2016). Para Castellano, os termos direita
e esquerda têm origem hegeliana, de modo que seria impróprio e ilegítimo tratar dessas categorias fora do
sistema hegeliano. Por sua vez, Arnaud Imatz acredita que a clivagem direita e esquerda mascara outra
polaridade mais fundamental nos dias atuais, que opõe os partidários do enraizamento, das identidades
fortes e da defesa das soberanias nacionais contra os adeptos do mundialismo, do cosmopolitismo e do
multiculturalismo.
[72]
Como explica Sacheri (2014, p. 212): “[...] a autoridade política deve introduzir uma ordem no conjunto
de operações que os cidadãos desempenham cotidianamente. Tal ordenamento encontra sua expressão
exemplar na ordem jurídica. De fato, as leis não são mais do que os grandes meios adotados pelo legislador
para a realização do bem comum. Dentro do marco legal, os cidadãos exercem suas respectivas funções, de
modo tal que o efetivo respeito às leis vigentes assegura a obtenção do bem comum. Isso supõe,
evidentemente, que a ordem normativa de uma sociedade seja intrinsecamente justa, isto é, respeitadora dos
valores humanos fundamentais”.
[73]
Fenômeno que o filósofo russo Nicolas Berdiaeff (1953) definiu como “idolatria do social e do
coletivo”. Trata-se, essencialmente, da preocupação exagerada de muitos agentes e muitas organizações
culturais e religiosas com os problemas sociais, políticos e de uma exaltação mórbida do coletivo e do
societal em detrimento da personalidade humana. É a transformação dos valores sociais, políticos e
econômicos, fundamentalmente relativos, em valores absolutos.
[74]
A noção de uma ordem eterna, de uma ordem natural, é antiquíssima e deita raízes na tradição indo-
européia e greco-romana.
[75]
Para o filósofo político Eric Voegelin (2008, p. 117), a ordem “é a estrutura da realidade como
experienciada pelo homem, bem como a sintonia entre o homem e uma ordem não fabricada por ele, isto é,
a ordem cósmica”.
[76]
O racionalismo, o voluntarismo e o irracionalismo são doutrinas modernas eivadas do espírito
revolucionário, notavelmente definido pelo filósofo tomista Carlos Sacheri (2014, p. 93): “O espírito
revolucionário inclui essencialmente uma vontade de autonomia, de autodeterminação, que exclui qualquer
aceitação de uma moralidade objetiva, realista, como é a moral cristã. A vontade revolucionária supõe a
vontade de erigir uma ordem fundada na vontade do homem, e não fundada na ordem divina [...]”.
[77]
Há também uma conexão etimológica e semântica entre a tradicional expressão hindu dharma, cujo
significado é maneira de ser natural, adequada, correta, que deriva da raiz DHRI, e os vocábulos derecho
em castelhano e right em inglês (Vedoya, 1985).
[78]
Para os dados e informações etimológicas apresentados neste capítulo baseei-me, principalmente, no
trabalho de Martinez (1974).
[79]
Conforme Erik von Kuehnelt-Leddihn (1974), em todas as línguas européias, incluindo as eslavas e o
húngaro, a direita relaciona-se com o que é justo, direito, certo e correto. No russo, pravo (lei) e pravda
(verdade) conectam-se com as categorias direita e direito, bem como o búlgaro levitsharstvo e o húngaro
jobb que também significam melhor, superior. Já bal, esquerda em húngaro, é usando para designar algo
negativo, sendo que balsors, um derivado de bal, significa má sorte.
[80]
Vale destacar que mesmo em línguas que não fazem parte do universo indo-europeu, como o basco, o
termo esquerda, ezker ou esquerra, neste estranho e misterioso idioma, tem o sentido de algo obscuro,
negativo e sinistro.
[81]
Para maiores detalhes sobre esse mito, ver René Guénon (1991) em seu livro O Rei do Mundo.
[82]
Parmênides acreditava que o sexo da criança era determinado, ou pelo menos poderia ser vaticinado,
pela posição da criança no útero da mãe. Os meninos estariam situados à direita e as meninas à esquerda.
Hipócrates afirmava que o testículo direito continha as sementes que dariam origem aos meninos e o
testículo esquerdo as sementes para o nascimento das meninas (Laponce, 1981).
[83]
Primazia e preferência dada ao lado direito. Neologismo inspirado de termo da língua espanhola.
[84]
Preferência pela direita, destreza e desenvoltura.
[85]
Monge inglês do século do século VIII, proclamado Doutor da Igreja por Leão XIII.
[86]
Sobre a representação simbólica dos lados direito e esquerdo na arte ocidental, sugiro a leitura da obra
de James Hall The Sinister Side: How left-right symbolism shaped western art (2008).
[87]
Lembro que o nome hebreu Benjamin quer dizer “filho da direita”, referindo-se à direita como símbolo
da força e da virtude.
[88]
Para os dados e as informações referentes ao simbolismo metafísico da direita e da esquerda
apresentados neste capítulo, baseei-me, principalmente, no trabalho de Martinez (1974).
[89]
Hertz (1980) observa que, para as culturas antigas e primitivas, a morte, o mal e a miséria penetravam o
âmago do ser humano pelo lado esquerdo. Desta forma, esse lado indefeso e exposto a influências deletérias
precisava ser reforçado por meio de amuletos protetivos. Por isso o uso do anel no terceiro dedo da mão
esquerda, que visa, primordialmente, a manter as tentações e outras coisas negativas longe dos homens.
[90]
Num de seus últimos livros, O Camponês do Garona, o pensador católico francês Jacques Maritain tece
algumas considerações pertinentes sobre a clivagem direita-esquerda, a despeito de certos equívocos: “Num
primeiro sentido é-se da direita ou da esquerda por uma disposição do temperamento, tal como o ser
humano nasce bilioso ou sanguíneo. É inútil, neste sentido, pretender nem ser da direita nem da esquerda; o
mais que se pode fazer é corrigir o temperamento e levá-lo a um equilíbrio que se aproxime, mais ou
menos, do ponto superior, onde as duas ladeiras se encontram; porque, no extremo limite inferior destes
pendores, há uma espécie de monstruosidade que se desprende diante do espírito – na direita, o puro
cinismo; na esquerda, o puro irrealismo, segundo a expressão de Jean-Jacques: o que não é aquilo que é; o
puro homem de direita detesta a justiça e a caridade, preferindo sempre, e por hipótese, segundo a expressão
de Goethe [...], a injustiça à desordem. Um nobre e belo tipo de homem de direita é Nietzsche; um nobre e
belo tipo de homem de esquerda, Tolstói” (Maritain 1967, p. 34).
[91]
Como bem salienta Michéa (2011), o elogio sistemático e o culto do progresso e da modernização
pertencem ao núcleo duro do programa esquerdista. Progresso e modernização que implicam na ruptura
com as formas de ordem moral e societal tradicionais, orientadas e estribadas em princípios meta-históricos,
religiosos e espirituais.
[92]
Não se trata de um xingamento, mas de um termo técnico, com longa história na tradição filosófica
ocidental.
[93]
Termo cunhado e estudado pelo escritor austríaco Robert Musil.
[94]
Movimento político e intelectual de esquerda que surge na década de 1960 e voltado para a luta contra
as opressões de gênero, raça e sexualidade. Caracteriza-se por forte ativismo social. O cientista social Paul
Edward Gottfried, em seu livro The Strange Death Of Marxism (2005), define esta nova esquerda como
pós-marxista e multiculturalista, visceralmente hostil à herança cultural e histórica do Ocidente e, portanto,
preocupada em promover uma revolução cultural e antropológica que liberte a sociedade ocidental de seus
resíduos fascistas. Aliás, a luta constante contra o “fascismo” é uma das obsessões desta nova esquerda pós-
marxista.
[95]
Utiliza essa palavra no seu sentido original latino subvertere, que indica um revolver de baixo para
cima, uma perturbação e convulsão que parte do baixo.
[96]
A modernidade deve ser entendida ao longo deste trabalho principalmente em seu sentido axiológico
como sinônimo de subjetivismo e relativismo, e não em seu aspecto meramente histórico e cronológico,
conforme explica o jurista e filósofo Danilo Castellano (2013).
[97]
Para o economista austríaco, o comunismo, o nacional-socialismo alemão e o positivismo são religiões
políticas, religiões seculares, que divinizam o meramente humano: “O Estado e o governo de que falam os
planejadores, o povo para os nacionalistas, a sociedade para os marxistas, a humanidade para os positivistas
comtianos, são nomes dos deuses dessas novas religiões” (Mises, 1990, p.687).
[98]
Disponível em: <http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/polilogismokarl-marx-nazistas/>.
Acesso em: 20/10/2014.
[99]
Disponível em: <http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/polilogismokarl-marx-nazistas/>.
Acesso em: 20/10/2014.
[100]
Disponível em: <http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/polilogismo-karl-marx-nazistas/>.
Acesso em: 20/10/2014.
[101]
Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=750>. Acesso em: 15/10/2015.
[102]
Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1224>. Acesso em:12/12/2015
[103]
Este é o liberalismo de David Hume, Adam Smith, Edmund Burke, Gladstone, Macaulay, Lord Acton
e Tocqueville.
[104]
Hayek está sempre a destacar a liberdade individual, distinguindo-a de outras liberdades, como, por
exemplo, a liberdade política entendida como a participação dos indivíduos na eleição de seu governo.
Sobre isso declara: “Muita gente tem consciência de que a liberdade política é algo diferente da liberdade
individual. Um povo livre, neste sentido, não é necessariamente um povo de homens livres. Não é
necessário participar desta liberdade coletiva para ser livre como indivíduo” (Hayek, 1957, p.11). Hayek
também sublinha que a liberdade individual, no sentido original e verdadeiro, não significa fazer o que se
quer, não se trata de uma liberdade que significa onipotência, ausência de restrições e obstáculos para a
realização de nossos desejos. Acerca disso, coloca: “A transição do conceito de liberdade individual ao de
liberdade no sentido de poder foi facilitada em grande parte pela tradição filosófica que emprega o termo
‘restrição’ onde usamos ‘coerção’. Restrição seria de certo modo uma palavra mais conveniente, se sempre
se recordar com claridade que em seu sentido estrito se refere a uma atividade humana e pressupõe a ação
de uma pessoa ou pessoas que restringem algo. Usado neste sentido, tem a vantagem de recordar-nos de que
as limitações da liberdade consistem em grande escala em impedir que as pessoas façam coisas, enquanto
que o conceito de coerção acentua mais o sentido que obriga a realizar coisas determinadas” (Hayek, 1957,
p.15).
[105]
O filósofo tradicionalista italiano Marcello Veneziani resume, de um modo bastante esclarecedor, o
pensamento político de Hayek: “O liberalismo de Hayek fundamenta-se num curioso triângulo isósceles: os
dois lados simétricos, o individualismo e o mercado, apóiam-se numa base insólita, a tradição. Hayek, por
uma parte, correlaciona estreitamente a liberdade individual à exigência de valores comuns e, por outra, faz
derivar do vínculo social e do costume (a sociedade livre) a relação mercantil. No primeiro caso, Hayek é
filho de Tocqueville; no segundo, estende seu débito a Bernard Mandeville e a Adam Ferguson. Mas o
conceito-chave de Hayek que une liberdade à tradição (e, portanto, indivíduo a valores comuns, e mercado a
ligação social) é a ordem espontânea, filha da ordem natural. Odiando todo construtivismo, Hayek identifica
assim o vínculo tradicional com a ordem espontânea sobre a qual se funda tanto a iniciativa individual como
o livre mercado” (Veneziani, 2005, p. 85).
[106]
Para Hayek, o sistema de preços resultou de uma longa evolução social, e não de um plano ou desenho
deliberado. É um sistema complexo que permite a comunicação e a transmissão de informações econômicas
que se encontram dispersas e fragmentadas entre milhões de pessoas. O mercado é, assim, um método de
transmissão e utilização do conhecimento.
[107]
Os conceitos de ordem espontânea e organização são tipos ideais, ferramentas teóricas para a análise
de situações sociais (Flanagan,1984).
[108]
Oliva (1993) vai mais longe ao afirmar que boa parte das teorias políticas se inspiram em teorias do
conhecimento. Sobre isso, declara: “Há sempre uma teoria do conhecimento pressuposta, tácita ou
abertamente, quando se faz a defesa de uma ordem social. É comum a suposição de que a certeza é
alcançável se se fizer acompanhar da convicção de que não há limites aos nossos intentos de criar um
mundo melhor sobre os escombros da ordem espontânea abatida ‘pela arma da crítica e pela crítica das
armas’. A isso junta-se o pressuposto de que a ordem social é inculcada nos indivíduos, que se limitam a
absorvê-la passivamente. Ora, se os indivíduos são receptáculos passivos da ordem social, mudá-la, em
consonância com algum modelo de perfeição, vai dar ensejo a que os indivíduos se ajustem a um mundo
(social) melhor, em si mesmo existente” (Oliva, 1993, p. 79-80).
[109]
Sobre a ideia de tradição em Hayek é indispensável a leitura do artigo Hayek on Tradition, do filósofo
Edward Feser (2003 ).
[110]
Como destaca Flanagan (1984), o positivismo jurídico de Kelsen é também uma forma de
construtivismo, ao conceber todas as leis válidas e legítimas de uma sociedade como um comando do
soberano. Dessa maneira, acaba por confundir a ordem, cujas normas desenvolvem-se organicamente, com
a organização que depende de uma estrutura rígida e mecânica que proclama regras. Conseqüentemente,
subsume o kosmos da sociedade na taxis do Estado. O positivismo é, na esfera legal, o que o socialismo é na
esfera econômica. O primeiro deprecia “a bárbara confusão do direito costumeiro e jurisprudencial”, já o
socialismo condena “a anarquia do mercado”. O sonho do socialismo é substituir os processos impessoais
do mercado pelo planejamento centralizado e o controle organizado. Em suma, tanto o socialismo marxista
como o positivismo jurídico e sociológico de Kelsen, Saint-Simon e Augusto Comte pretendem construir
uma sociedade nova, comandada por cientistas e tecnocratas, convertendo a ordem espontânea da sociedade
numa organização coercitiva racionalizada e burocrática.
[111]
Para o cientista político Thomas Flanagan (1984), profundo estudioso do pensamento de Hayek, o
racionalismo construtivista é o erro intelectual de interpretar a ordem como se essa fosse uma organização,
concebendo estruturas autogeradas e espontâneas como sistemas deliberadamente criados e controlados
pelo homem. A conseqüência lógica dessa errônea premissa é: já que o homem criou a seu bel-prazer as
instituições da sociedade e a civilização, ele é capaz de alterá-las de acordo com a sua vontade para
satisfazer os seus desejos e suas necessidades. Em síntese, o construtivismo adula o homem, fazendo-o crer
que é dotado de um poder criativo quase que divino.
[112]
De acordo com Thomas Flanagan (1984), a noção de construtivismo em Hayek pode ser amplamente
aplicada às diversas ideologias modernas. Para além de suas variações, há em todas elas uma tendência
comum: o desejo de submeter a sociedade ao controle consciente dos homens pela agência do Estado, bem
como a glorificação do conhecimento e da vontade humana e, portanto, a suposta capacidade dos homens
de remodelar a vida social. Em resumo, por meio de algum conhecimento esotérico e de sua vontade
absoluta, o homem tornar-se-ia o legislador de si mesmo, autoconstruindo-se de acordo com os seus desejos
pessoais ou o esquema doutrinário previamente elaborado.
[113]
Interessante notar que, conforme o cientista político Thomas Flanagan (1984), o pensamento político
de Hayek possui pontos de contato com a filosofia clássica e, portanto, com o pensamento tradicional que
orienta a cosmovisão da verdadeira direita. Ambas partem da intuição fundamental de que o homem busca a
ordem do cosmos, que não é feita, produzida, e que não depende da vontade ou decisão consciente dos
indivíduos. É essa ordem algo que existe objetivamente, transcendendo a pessoa individual. Trata-se de uma
ordem extremamente sutil e complexa que provoca nos homens o assombro e o maravilhamento. Uma
ordem que suscita o espanto e a curiosidade intelectual, mas que, da mesma forma, alimenta o senso do
mistério e uma atitude de reverência e humildade diante da grandeza e infinitude do cosmos.
[114]
A obra que melhor explica tais distinções entre o liberalismo americano, francês e britânico é, sem
dúvida, Os Caminhos para a Modernidade (2011), da historiadora Gertrude Himmelfarb.
[115]
Como existe, também, é claro, uma mentalidade progressista e esquerdista e uma mentalidade
conservadora e tradicionalista.
[116]
Uma profunda e esclarecedora análise da “ideologia individualista moderna” é feita pelo antropólogo
Louis Dumont, no livro O Individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna (1993).
[117]
John Gray desenvolve uma análise crítica devastadora do neocapitalismo global, a partir de uma
perspectiva conservadora, no livro Falso Amanhecer: os equívocos do capitalismo global (1999).
[118]
O jurista católico tradicionalista Álvaro D’Ors (1990, p. 1) afirma sem rodeios: “O capitalismo, cuja
conseqüência é o consumismo, o que faz é aumentar os vícios, aumentando as riquezas, aumentar as
riquezas para os vícios, para o prazer [...]”.
[119]
Ressalto que, nesse e em outros aspectos, o liberalismo conservador de Hayek apresenta uma visão
mais nuançada.
[120]
Para o liberalismo, conforme Sacheri (2014, p. 69): “No plano da conduta, o sujeito não pode estar
submetido a nenhuma regulação ética que não provenha de sua autodeterminação. Esse subjetivismo moral
acarreta a negação de toda ordem objetiva de valores, do direito natural e da lei ou Providência divina”.
[121]
O liberalismo fundado na idéia de que a sociedade humana resulta de um pacto social parece ter
olvidado essa finalidade superior. Esse artifício contratual existe unicamente para proporcionar a
subsistência e a segurança física aos homens, conforme explica o filósofo Rubén Bouchet (1989, p. 23): “A
ordem social imposta pelo pacto não alenta outro propósito. Nada que recorde o bom viver aristotélico nem
sua noção de eudaimonia e muito menos algo que faça pensar na idéia de salvação. Se existe uma sociedade
destinada a manter viva a presença do traditum religioso e fazer da salvação eterna o propósito fundamental
da vida humana, o liberalismo tolera a título provisório, como garantia de uma disposição favorável à
realização da paz social e ao cumprimento geral dos contratos particulares”.
[122]
Thomas Molnar (1979) demonstra que a ideologia democrático-liberal é anti-institucional em sua
essência. Intenciona apagar, na alma dos indivíduos, qualquer noção de lealdade e sacrifício,
desestabilizando as instituições tradicionais e desmontando os mecanismos legítimos de autoridade e
governo. Segundo o filósofo húngaro, observando os tribunais, as universidades, as igrejas, os parlamentos,
os corpos profissionais, as famílias, as instituições culturais, a política, o exército, nota-se uma dificuldade
de todos esses organismos em cumprirem com uma função determinada, com a sua função essencial.
Utilizando-se de uma linguagem filosófica, pode-se afirmar que persistir em seu próprio ser converteu-se
numa atitude superada, pois a tendência atual destas instituições é deixar-se levar pelo devir. Na realidade
cotidiana, isso se traduz em uma profunda carência, desestruturação e enfraquecimento da autoridade. As
instituições atuais parecem ter como tarefa primordial a busca de seu próprio desmantelamento. Por
conseguinte, os indivíduos encontram-se isolados, atomizados, desamparados diante de um Estado cada vez
mais centralizador e invasivo.
[123]
Hayek não aceitava com bons olhos o rótulo de conservador. Chegou a escrever um texto, Why I Am
Not Conservative (1960), condenando os equívocos do conservadorismo. Definia-se com um liberal da
velha guarda (seguidor de Lord Acton, Burke, Macaulay, Gladstone e Tocqueville). Era, essencialmente, um
Whig, o partido da liberdade no Reino Unido. Sobre o debate em torno do caráter conservador do
pensamento de Hayek, recomendo a leitura do estudo de Roger Scruton, Hayek and Conservantism (2007).
[124]
O filósofo político John Gray aponta para o caráter teleológico da doutrina social de Hayek. Há na
especulação do pensador austríaco certa fé no futuro e, assim, a realização de uma harmonia final, com a
concretização de uma ordem social orientada pelas forças espontâneas do mercado. Gray (2008, p. 139)
ressalta a dimensão utópica do liberalismo de Hayek: “Nada existe nos processos de mercado que os torne
auto-reguláveis. A grande contribuição de Hayek foi mostrar que uma economia planejada bem-sucedida é
uma utopia. Mas ele não foi capaz de ver que o mesmo se aplica ao mercado auto-regulável”.
[125]
O liberalismo, na realidade, não se opõe ao projeto revolucionário, mas somente a uma de suas
manifestações, o socialismo, conforme explica o filósofo Olavo de Carvalho (2010): “O liberalismo, em
contraste, é a resistência a uma modalidade específica de projeto revolucionário, o socialismo. Ambos
nasceram no século XIX e se definem um ao outro como irmãos inimigos. Ao socialismo a proposta liberal
opõe a defesa da economia de mercado e das liberdades políticas no quadro do moderno Estado laico. A
todos os componentes do movimento revolucionário que escapem da definição formal de socialismo, que
portanto não ataquem diretamente esses dois pilares da ideologia liberal, o liberalismo não pode oferecer
nenhuma oposição eficaz. Nada, no discurso liberal, oferece fundamento sólido para a rejeição do
abortismo, do feminismo radical, da liberação de drogas, do gayzismo, do multiculturalismo, da guerra
assimétrica, da abolição das soberanias nacionais ou da destruição de todos os pilares culturais e religiosos
milenares em que se assenta a possibilidade de existência do próprio liberalismo. Quando essas bandeiras se
tornam as principais armas de propaganda do movimento socialista, só resta ao liberalismo opor-lhes uma
resistência muito fraca, fundada em argumentos de legalidade formal, ou então aderir a elas, na esperança
louca de parasitar a força retórica do discurso socialista para fins de imediatismo eleitoral. Nesta última
hipótese, cada miúdo triunfo eleitoral dos liberais torna-se mais uma vitória ideológica de seus adversários”.
[126]
Para Alain de Benoist (2010, p. 87): “Hoje, mais do que nunca, o burguês é a exceção que se toma por
norma, o particular que se apresenta como o universal. Hoje [...] lhe são alheios o gosto pelo inútil, a
gratuidade, o sentido do gesto, o gosto pelo dom; em suma, tudo o que poderia dar à presença no mundo
uma significação que excedesse a mera existência individual”.
[127]
Para essa analogia, inspiro-me no formidável livro da historiadora e antropóloga Chantal Delsol, La
Haine du Monde. Totalitarismes et Postmodernité (2016).
[128]
A palavra conservadorismo é de origem relativamente recente. Surge da pluma do pensador, político e
diplomata francês François de Chateaubriand, mais especificamente quando ele lança o periódico Le
Conservateur (O Conservador), em 1819, para propagar as idéias da restauração monárquica na França.
Depois, seu uso espalha-se para a Alemanha e Inglaterra na década de 1830 (Rabier, 2014).
[129]
Uma análise minuciosa do pensamento de um dos pais do conservadorismo norte-americano é
realizada por Alex Catharino, em Russel Kirk - O Peregrino na Terra Desolada (2015).
[130]
O historiador João Camilo de Oliveira Torres traça uma interessante distinção entre conservadorismo e
conservantismo: “O instinto de conservação é normal, e devemos procurar conservar o patrimônio e
substâncias nacionais. Mas devemos evitar o conservantismo isto é, a preocupação de conservar tudo, de
bom ou de mau, só por ser antigo. O antigo é belo e nobre; mas o velho pode ser caduco e decrépito (refiro-
me a realidades sociais e não indivíduos). Cumpre reformar e renovar, mas conservar também. Quem
condena o passado como tal, quem acha que uma idéia antiga é má, esquece-se de que a Idade Média nos
deu São Francisco e São Luís, a Suma Teológica e a Divina Comédia, as catedrais góticas e as corporações
de ofício. Em muitas coisas os séculos posteriores não superaram o medievo, eis tudo. Mas não vamos
morar em castelos, nem dispensar os computadores em nome dos pergaminhos góticos (Camilo Torres,
2016, p. 94)”.
[131]
O cientista político Noël O’Sullivan (1976) definiu o conservadorismo como uma filosofia da
imperfeição .
[132]
Para João Camilo de Oliveira Torres (2016, p. 91), as ideologias são idéias absolutizadas: “O mal do
mundo são as ideologias, isto é, a transformação de uma idéia em absoluto e a sua utilização em mito, no
sentido de Sorel, isto é, de uma constelação emocional movimentando as ações humanas”.
[133]
Para o filósofo político Richard Weaver (2012, p. 125): “O homem de cultura considera relevante todo
o passado, ao passo que o burguês e o bárbaro consideram relevante apenas o que está estreitamente ligado
à satisfação de seus apetites. Só os que são capazes de recordar têm um senso de ligação com os outros
[...]”.
[134]
Edmund Burke, em seu famoso livro Reflexões sobre a Revolução em França, já advertia acerca da
importância dos “métodos antigos e eclesiásticos de educação”: “Acreditamos tão firmemente na certeza
dos métodos eclesiásticos de educação que poucas mudanças foram introduzidas depois dos séculos XIV ou
XV, bem de acordo com a nossa velha máxima de nunca destruir totalmente, ou de uma vez só, aquilo que é
antigo. Chegamos à conclusão de que esses métodos antigos de educação são favoráveis à moralidade e à
disciplina e estamos certos de podermos aperfeiçoá-los sem destruí-los. Acreditamos que esses métodos são
capazes de guardar, aperfeiçoar e sobretudo de conservar o patrimônio da ciência e da literatura, como
tendo evoluído segundo os ditames da vontade divina. E antes de tudo, em decorrência dessa educação
gótica e monástica (ela realmente o é nos seus fundamentos), podemos fazer valer nossos direitos, muito
mais do que qualquer outra nação européia, a uma parte considerável dos progressos da ciência, da arte e da
literatura que iluminou e ornamentou o mundo moderno. Acreditamos que uma das causas principais desse
progresso tenha sido o fato de que nunca menosprezamos o patrimônio de conhecimentos que nos foi
legado por nossos antepassados” (Burke, 1982, p. 119).
[135]
Uma interessante análise, a partir de uma perspectiva conservadora, da decadência educacional e
cultural contemporânea é realizada pelo cientista político Allan Bloom, no livro traduzido no Brasil com o
título O Declínio da Cultura Ocidental: da crise da universidade à crise da sociedade (1989).
[136]
Importante cardeal e teólogo católico inglês. Beatificado por Bento XVI, em 2010. Autor de várias
obras nos campos da filosofia, espiritualidade, história, literatura e educação. Escreveu uma obra essencial
sobre a educação superior, com o título The Idea of a University (1852).
[137]
Importante político e intelectual do partido conservador da Inglaterra, nas primeiras décadas do século
XX.
[138]
Um exame eminentemente filosófico do conservadorismo em suas dimensões religiosas e seculares é
realizado por Edward Feser no ensaio The Metaphysics of Conservatism (2006).
[139]
O estudioso de religião comparada Titus Burckhardt definiu, com belas e expressivas palavras, o
drama do homem conservador nos tempos atuais: “Desde a derrocada, não apenas da natureza hierárquica
da sociedade, mas de quase todas as formas tradicionais, o homem conscientemente conservador encontra-
se por assim dizer em um vácuo. Ele se acha só em um mundo que, com toda a sua escravidão opaca, jacta-
se de ser livre e, com toda a sua uniformidade compressora, jacta-se de ser rico. Gritam-lhe aos ouvidos que
a humanidade está-se desenvolvendo continuamente em sentido ascendente, que a natureza humana, depois
de se desenvolver por tantos e tantos milhões de anos, passou agora por uma mutação decisiva, que a levará
à sua vitória final sobre a matéria. O homem conscientemente conservador encontra-se só entre notórios
bêbados, é o único desperto em meio a sonâmbulos que tomam sonhos por realidade. Pelo entendimento e
pela experiência, ele sabe que o homem, com toda a sua paixão pela novidade, continua fundamentalmente
o mesmo, para o bem ou para o mal; as questões fundamentais da vida humana têm sido sempre as mesmas;
as respostas a elas são conhecidas desde sempre e, na medida em que podem ser expressadas em palavras,
têm sido transmitidas de geração em geração. O homem conscientemente conservador interessa-se por esta
herança” (Burckhardt, 2014). Disponível em: <https://fschuon.files.wordpress.com/2014/01/o-
homemconservador1. pdf> . Acesso em: 13/10/2016 .
[140]
Neste ano, explodiram, em vários países europeus, revoltas contra os sistemas políticos monárquicos.
[141]
Em seu tempo, Chesterton afirmou algo semelhante: “Os revolucionários fazem a reforma; os
conservadores apenas conservam a reforma. Eles jamais reformam a reforma, o que geralmente é muito
mais necessário” (2013, p. 184).
[142]
O gênio de Chesterton aponta para o caráter moderno do conservadorismo de Burke, ressaltando os
aspectos relativistas e historicistas da filosofia política do insigne pensador irlandês no livro O Que Há de
Errado com o Mundo (2013), mais particularmente na parte V, intitulada “O lar do homem”.
[143]
Para Thomas Molnar (1972, p. 200): “[...] na corrente histórica dos últimos dois séculos, o tipo que
chamamos conservador tem permanecido em geral na defensiva, tanto filosófica como historicamente [...]”.
[144]
Trata-se de um capítulo do livro The Constitution of Liberty (1960).
[145]
Baseio-me aqui na tradução em português do texto de Hayek Why I Am Not a Conservative, disponível
em: <http://ordemlivre.org/posts/por-que-nao-souconservador>. Acesso em: 15/10/2015.
[146]
O metafísico francês René Guénon (1945) observa que, ao constatar as formas mais visíveis da
desordem moderna, algumas forças pretendem executar uma reação. Neste momento, determinados
“agentes” entram em cena procurando confundir e amortecer os esforços reacionários. Esses agentes sabem
que o melhor meio de paralisar e tornar ineficaz essa reação é dirigi-la a alguma das etapas anteriores ou
menos avançadas do “desvio moderno”, estágios em que a desordem não havia ainda se tornado tão
manifesta, apresentando-se sob aparências mais aceitáveis (como, por exemplo, a defesa apaixonada por
parte de determinada direita conservadora de um sistema político e social liberal, individualista, capitalista e
democrático diante do perigo estatizante e coletivista do socialismo e do comunismo). Esse tipo de ação
neutralizadora visa impedir uma verdadeira reação tradicional, transmutando-a em um mero retorno a uma
situação de menor desordem, assim dissimulando o verdadeiro caráter dessa última, fazendo-a passar
erroneamente por uma situação de ordem.
[147]
Similar posicionamento é defendido pelo filósofo Marcello Veneziani (2005, p. 49): “Com respeito às
duas atitudes, do conservador e do destruidor, a tarefa do espírito tradicional é, porém, a de pôr a salvo os
princípios, e não os vestígios; e de empreender, aqui e agora, a obra de construção, sejam quais forem o
clima e os recursos disponíveis. Sem preocupação em apressar a morte das tradições cansadas ou murchas,
ou, vice-versa, em retardar seu desaparecimento definitivo. É essa a tarefa de quem está à altura da
fidelidade criadora”.
[148]
Acerca desse ponto, o historiador e filósofo tomista Rubén Bouchet (1980, p.12) formula uma pergunta
provocadora e instigante: é a religião uma instituição social ou a sociedade humana é uma instituição
religiosa?
[149]
Perron (1998) ainda destaca que, além do sacerdote e do guerreiro, o camponês representa um
arquétipo do homem tradicional, pois respeita as leis do cosmo: vivendo em conformidade com a natureza,
rechaça as mudanças bruscas, é, por essência, um conservador. A esquerda revolucionária e radical,
historicamente, perseguiu não apenas os sacerdotes e a nobreza como também os camponeses.
[150]
Lembro que, etimologicamente, a palavra tradição deriva do latim traditio, que, por sua vez, origina-se
de tradere, que significa transmitir, entregar.
[151]
O metafísico francês René Guénon (1945) chega a afirmar que é ilegítimo o uso da palavra tradição
para referir-se aos usos e costumes, porque induz a confundi-la com coisas meramente humanas e privadas
de sentido profundo. A rigor, o verdadeiramente tradicional encontra-se somente em realidades que
possuem um elemento supra-humano
[152]
Mais além da diversidade de tradições espirituais, culturais e religiosas há uma prototradição ou
revelação primitiva, uma tradição primordial, uma tradição constitutiva, conforme assevera o historiador
católico Rubén Bouchet (1980). O teólogo e filósofo católico tomista Josef Pieper (1994) utiliza o conceito
de “revelação original” para tratar sobre o tema da tradição no esclarecedor estudo Tradition: The concept
and its claim upon us. Em outro estudo, explica o sentido do termo revelação: “Mediante o termo revelação
se indica [...] o ato comunicativo original, [...] por meio do qual uma palavra de Deus (um theios logos) se
faz perceptível primariamente”. O pensador católico conecta a idéia de Revelação divina com a noção de
tradição: “Tradição sagrada é o processo – através das gerações – de entrega e recepção por meio do qual
aquela revelação que se deu um dia mantém-se presente” (Pieper, 1981, p. 131).
[153]
Para o sociólogo e jusfilósofo Francisco Elías de Tejada (2001), importante teórico do tradicionalismo
hispânico, de um ponto de vista ideal, a tradição é a instauração da mensagem e dos mandamentos de Cristo
como normas da vida social, restabelecendo nas circunstâncias do mundo atual aquele espírito que foi
próprio da cristandade medieval.
[154]
O historiador católico Roberto de Mattei considera que o coração da tradição está no próprio Deus:
“Neste mundo, quer se trate da vida moral ou da vida física, há coisas que passam e coisas que
permanecem. Mas apenas aquilo que reflete a lei natural e divina vive e merece viver na história. Aquilo
que é antinatural, que se afasta da ordem divina, é destinado a cair e se corromper. A Tradição é o elemento
incorruptível e imutável da sociedade. E só na Tradição é possível o progresso, porque nós não podemos
progredir e aperfeiçoar-nos nas coisas que passam, mas somente nas que permanecem. A Tradição não é o
passado, porque o passado não existe mais e não pode voltar. A Tradição é aquilo do passado que vive no
presente, aquilo que deve viver para que nosso presente tenha um futuro. Mas a raiz última de tudo o que é
e do que será é o próprio Deus, em quem passado, presente e futuro se fundem em um único ato infinito de
ser. [...] A Tradição é aquilo que é estável nas perenes alterações das coisas. É aquilo que é imutável no
mundo que muda e o é porque tem em si um reflexo da eternidade. É por isso que as palavras de Santa
Teresa ressoam em nossos corações como um manifesto da Tradição: ‘Tudo passa, só Deus não muda’.
Porque só aquilo que se funda e repousa em Deus merece ser conservado, transmitido e guardado. E, na
atual época de Revolução, onde poderiam os homens e os povos procurar a estabilidade e a paz, senão
Naquele que é o princípio e centro de tudo o que existe e que é sempre igual a si mesmo, na infinidade de
suas perfeições” (Mattei, 2013, p.13).
[155]
Martin Lings, estudioso de religião comparada, define, de maneira magnífica, o verdadeiro rosto da
civilização moderna: “Esta civilização não tem o direito de ser chamada como tal se vamos seguir falando
da civilização hindu, budista, cristã e islâmica, para tomar somente quatro dos exemplos mais importantes.
O objetivo de todas essas (e de seus exemplares) consistia em preservar a herança primordial do homem tal
como havia sido parcialmente restaurada pelas Revelações nas quais se baseiam suas respectivas religiões, e
atrasar o inevitável processo de degeneração. A civilização moderna é a antítese direta de tudo o que elas
reivindicavam, pois não é mais que um sistema organizado de subversão e degeneração. Em lugar de opor
resistência às tendências descendentes naturais do homem, aos distanciamentos dos princípios, ao avanço
do superior ao inferior, do interior ao exterior, abre-lhes os braços e fomenta-os em nome do progresso e da
evolução” (Lings, 2009, p. 70).
[156]
Revolução é uma palavra que deriva do latim revolutio – ato de revolver. É um conceito físico-político
que, sinteticamente, originariamente, tem um significado astronômico; é o movimento de translação de um
astro em relação a outro e, também, o retorno periódico de um astro a um ponto da própria órbita. Trata-se,
em suma, de uma noção que, num primeiro momento, referia-se ao movimento regular dos corpos celestes.
Contudo, a partir do século XVI, esse termo assume um sentido eminentemente político. Segundo Giacomo
Marramao (1995), trata-se da aplicação na esfera da política do esquema cíclico da revolutio. A difusão
deste modelo rotatório está intimamente vinculada à experiência da Revolução Inglesa, a chamada
Revolução Gloriosa de 1688. O citado autor ainda demonstra que o conceito de revolução, assim como o
conceito de progresso, relaciona-se com o processo de secularização. Há, em ambos os conceitos, uma
dimensão utópico-projetual que deriva da secularização da teologia judaico-cristã. A revolução é assim uma
espécie de mundanização e dessacralização da escatologia da tradição cristã, uma projeção no futuro
histórico-temporal da ideia de redenção: “[...] o tema da redenção é recuperado/transvalorado no da
libertação – isto é possível somente em virtude da futurização da história introduzida pelo par ao mesmo
tempo opositivo e complementar, progresso e revolução” (Marramao, 1995, p. 112). O autor também
lembra que o termo revolucionário foi cunhado justamente por Condorcet, pensador francês ao qual se deve
a primeira formulação doutrinária do conceito de progresso.
[157]
Pode-se constatar a existência de revoluções políticas, revoluções sociais, revoluções econômicas,
revoluções culturais, revoluções sexuais, revoluções comportamentais, revoluções religiosas, revoluções
psicológicas, etc.
[158]
Esta tese é desenvolvida pelo pensador católico tradicionalista Jean Ousset, no livro Pour qu’il Règne
(1959).
[159]
Uma visão mais detalhada dessas revoluções e seu caráter anticristão é realizada pelo professor Plinio
Corrêa de Oliveira, no excelente e importantíssimo livro Revolução e Contra-Revolução (1998).
[160]
Como se pode notar, primeiramente nega-se a autoridade da Igreja Católica, depois a autoridade de
Cristo e a própria religião cristã são colocadas em questão, posteriormente a autoridade de Deus é
rechaçada, e, por fim, contesta-se a idéia de que a pessoa humana foi criada à imagem de Deus, com o
anúncio por parte de alguns filósofos pós-modernistas da tese da “morte do homem”.
[161]
É preciso sempre ressaltar que a ideologia revolucionária possui duas facetas: a utópica e a anárquica,
ou melhor, um rosto liberal e outro socialista e progressista, como explica Thomas Molnar (1975, p. 156):
“A dominação adota duas formas principais, as únicas admitidas pelo compromisso revolucionário no
terreno ideológico: a liberal ao estilo de 1789, e a coletivista, ao estilo de Hegel e da esquerda hegeliana. O
liberalismo desorganiza a comunidade em nome de uma liberdade impossível, e o coletivismo destrói as
liberdades em nome de uma comunidade impossível também. O mundo posterior a 1945 é uma explosiva
mescla dos dois. Onde manda o comunismo, a liberdade brilha por sua ausência, e os ‘valores comunitários’
são um engana-bobos; onde reina a democracia, as comunidades se desintegram em nome de uma liberdade
falsa e aparente, fictícia e formal. Somente se compreendemos que essas duas formas pertencem à mesma
raiz espiritual [...] poderemos perceber a dominação ideológica com que nos debatemos”.
[162]
O sociólogo Jules Monnerot (1969), em seu espetacular trabalho Sociologie de la Révolution, assevera
que o nosso tempo se caracteriza por certa disposição psicológica difusa – o revolucionarismo.
[163]
A nova esquerda tem adotado esta linha doutrinária, conforme declara Jesús Trillo-Figueroa (2005, p.
111): “A nova esquerda cultural se perdeu na contracultura, empenhada em um estéril debate filosófico,
substituindo a prática política reformista pela prática revolucionária cultural mediante a subversão e a
transgressão”.
[164]
Segundo Juan Vallet de Goytisolo (1974), a revolução cultural é uma revolução silenciosa que é
implementada através de projetos legislativos, reformas administrativas ou fiscais, planificações, e por meio
da difusão de idéias engendradas abstratamente por quem pretende fabricar um mundo novo de acordo com
seus sonhos, prescindindo da ordem natural e da experiência do real transmitida pela tradição viva e
enriquecida pelas novas experiências e pelos novos conhecimentos reais.
[165]
Diante do exposto, pode-se notar que, para a direita tradicional, a história das sociedades humanas é
um longo processo de involução e decadência espiritual, em total antítese, portanto, com as posturas
progressistas e evolucionistas da esquerda.
[166]
Segundo o cientista político Mark Lilla (2016), os termos reação e reacionário surgem na história do
pensamento político na Europa no século XVIII. Durante o período jacobino da Revolução francesa,
qualquer agente ou força política que resistia às mudanças radicais trazida por esse acontecimento era
tachado como reacionário. Este termo adquiriu nesta época uma conotação moral negativa por conta da
propaganda e da agitação política dos revolucionários.
[167]
A reação é, em primeiro lugar, um imperativo biológico, uma luta contra o instinto de morte, como
acentua Armando Plebe em sua refinada análise filosófica desta temática, realizada na obra Filosofia della
Reazione (1971).
[168]
“El reaccionario auténtico” é o título de um texto escrito por Gómez Dávila para uma revista
colombiana em 1995.
[169]
Assim era chamado pelos seus amigos .
[170]
Utilizo, neste capítulo, a abreviatura GD para o sobrenome Goméz Dávila.
[171]
Trata-se de um comentário, uma anotação feita à margem de um texto.
[172]
Ayuso (2007, p. 810) destaca as diferenças entre o reacionário e o conservador, lembrando um
pensamento do grande escritor peruano Riva-Agüero: “Hay tan poco que conservar y tanto contra lo que
reaccionar” .
[173]
Haveria, deste modo, uma reação conservadora ou um mesmo um reacionarismo conservador? Para o
filósofo italiano Michele F. Sciacca (1974, p. 15), a posição tradicional cristã procura conciliar a renovação
com a conservação, superando a antítese conservadorismo e progressismo: “Basta ser integralmente cristão
para transformar qualquer situação, para recriar conservando e conservar renovando. Isso explica porque
uma consciência autenticamente cristã não pode colocar-se numa posição de ruptura nem frente à tradição,
como faz a revolução, nem frente ao progresso, como faz o conservadorismo. [...] adota a posição justa de
conservar renovando e de renovar conservando, que é dialética ou a relação que une tradição e progresso,
porque não há progresso verdadeiro e construtivo sem tradição e não há tradição viva e operante sem
progresso; [...]”.
[174]
Disponível em: <http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/16245-2015-12-13-18-42-22.html.>
Acesso em: 09/02/2016 .
[175]
Disponível em: <http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/16245-2015-12-13-18-42-22.html>.
Acesso em: 09/02/2016.
[176]
Trata-se de uma palavra de origem grega que significa conversão interior.
[177]
Conforme observa Miguel Ayuso (2007, p. 806): “[...] a denúncia do gregarismo, da fealdade e da
estultícia do mundo moderno são típicas de um reacionário”.
[178]
Termo da teologia cristã usado para designar aquilo que ultrapassa o natural.
[179]
O citado autor assinala que o termo contra-revolução é de origem francesa.
[180]
O pensador católico tradicionalista Joseph de Maistre, em sua clássica obra Considerações sobre a
França, destaca uma característica fundamental da contra-revolução: “[...] a que se chama contra-revolução
não será uma revolução contrária, mas o contrário da revolução” (Maistre, 2010, p. 277). Para o pensador
francês, a contra-revolução jamais terá os traços violentos e totalitários da revolução: “O retorno à ordem
não pode ser doloroso, porque será natural, e porque será favorecido por uma força secreta, cuja ação tudo
cria. Ver-se-á precisamente o contrário de tudo o que se viu. Em vez de comoções violentas, de rupturas
dolorosas e de oscilações perpétuas e desesperantes, uma certa estabilidade, um repouso indefinível, um
bem-estar universal anunciarão a presença da soberania” (Maistre, 2010, p.277).
[181]
Sobre a cristandade enquanto modelo inspirador para o combate contra-revolucionário, afirma Miguel
Ayuso (1993, p.749): “[...] a Cristandade foi a melhor e mais densa impregnação alcançada na história das
estruturas sociais e políticas pela mensagem bíblica e o magistério da Igreja”.
[182]
Devo esta passagem de um artigo de Jean Madiran a uma citação que se encontra no valioso livro La
Política, Ofício del Alma (2007), do jusfilósofo tradicionalista hispânico Miguel Ayuso.
[183]
Sandoval (1992) define, resumidamente, o arquétipo ideal do contra-revolucionário integral: a)
conhece a Ordem, a Revolução e a Contra-revolução em seu espírito, doutrinas e métodos; b) Ama a Ordem
e a Contra-revolução e detesta a Revolução e seus frutos; C) Constitui em eixo de sua vida inteira esse amor
e essa repugnância.
[184]
Em tempos como o nosso, levantar o estandarte da tradição é já um ato de heroicidade, como destaca
Marcello Veneziani (2005, p. 29): “Às vezes, nas sociedades dominadas por um espírito antitradicional, a
Tradição é a única verdadeira transgressão”.
[185]
Conforme argumenta Marcello Veneziani (2005, p. 163), a família é a metáfora universal da tradição:
“O espírito antitradicional se configura, com efeito, como parricídio. Livrar-se do pai é o programa de todo
pensamento antitradicional. A tradição nasce no seio da família. De pai para filho”.
[186]
Uma das organizações que mais tem se destacado na luta contra o petismo, o estatismo e o socialismo
é o MBL (Movimento Brasil Livre), que apresenta uma agenda política tipicamente liberal. Ao ler as
propostas aprovadas no primeiro congresso nacional realizado por este movimento, em novembro de 2015,
nota-se a preocupação com a defesa da economia de mercado, o livre comércio, a privatização, a
desburocratização e a redução de impostos. Destaco algumas propostas: fim da função social da propriedade
– a propriedade privada não pode ser relativizada; inserção plena da economia brasileira no comércio
internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas
econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia; revisão do capítulo econômico da
Constituição (adotar a economia de mercado: qualquer interferência do Estado deverá ser justificada e seus
resultados, posteriormente, avaliados); acabar com o limite de 30% de participação de capital estrangeiro
em veículos de imprensa; fim do voto obrigatório; fim do alistamento militar obrigatório; legalização do
homeschooling e apresentação do Projeto de Lei “Escola sem Partido” em legislativos estaduais e
municipais.
[187]
Semelhante plataforma apresenta o Vem Pra Rua, outro ator que teve um importante protagonismo nas
mobilizações e manifestações a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O Vem Pra Rua
define-se com uma organização suprapartidária que procura defender os valores democráticos e
republicanos: “[...] Vem Pra Rua convida os brasileiros a se unirem para continuar manifestando esta
indignação sempre que necessário, com o objetivo de resgatar a esperança seqüestrada pela corrupção,
exigir mais eficiência e transparência no gasto público e defender a redução da carga tributária e da
burocracia. Sonhamos com um Brasil em que cada cidadão possa viver dignamente do seu trabalho e ser
atuante na construção de uma sociedade próspera. País rico é aquele em que seus cidadãos não têm medo de
lutar por seus direitos, dentro da legalidade, respeitando o Estado de Direito. É onde a liberdade econômica
é estimulada e o Estado não é maior que o necessário, a fim de que o empreendedorismo e a livre iniciativa
gerem riquezas e oportunidades para todos” (Disponível em: <http://www.vemprarua.net/manifesto/>.
Acesso em: 23/10/2016). Levanta-se contra a impunidade dos poderosos da República, advogando pela
ética e transparência na política. Opõe-se a qualquer forma de autoritarismo e extremismo: “Acreditamos na
força do povo brasileiro, na sua capacidade inventiva, na sua generosidade e no seu trabalho – e num Estado
que garanta minimamente segurança, educação básica, saneamento básico e saúde pública para todos.
Queremos menos impostos e mais Brasil. Queremos uma sociedade que ofereça igualdade de oportunidade
a todos, sem distinção. Queremos mais concorrência e menos clientelismo. Quando o governo e os políticos
agem apenas em interesse próprio, impedem o desenvolvimento deste Brasil que todos merecemos. Esta é
uma distorção que cabe a nós, cidadãos brasileiros, corrigir. Somos a favor da democracia, da ética na
política e de um Estado eficiente e desinchado. Somos contra qualquer tipo de violência e condenamos
qualquer tipo de extremismo (separatismo, intervenção militar, golpe de Estado) e não compactuamos com
governos autoritários. E, assim, vamos clamar juntos por um Brasil ético, justo, próspero e com valores
sólidos. E, acima de tudo, por um Brasil unido!” (Disponível em: <http://www.vemprarua.net/manifesto/>.
Acesso em: 23/10/2016).
[188]
Além dessa multiplicidade de institutos e organizações, uma nova intelectualidade liberal e liberal-
conservadora tem despontado no cenário nacional. Cito aqui alguns nomes: o economista Rodrigo
Constantino, o filósofo Luiz Felipe Pondé, o jornalista Reinaldo Azevedo, o jornalista e arquiteto Percival
Puggina, o escritor Diogo Mainardi, o cientista político Bruno Garschagen, o publicitário Alexandre
Borges, o coordenador do MBL Kim Kataguiri, entre muitos outros.
[189]
O Príncipe imperial Dom Bertrand de Orléans e Bragança é trineto do imperador Dom Pedro II.
[190]
O cientista político Patrick Deneen trata sobre essa questão no livro Conserving America? Essays on
Present Discontents (2016).
[191]
As obras sociológicas e antropológicas de Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, dois cientistas sociais
conservadores que precisam ser mais lidos por nossos direitistas, mostram essa realidade de uma maneira
incontestável.
[192]
O grande jusfilósofo tradicionalista José Pedro Galvão de Sousa chama atenção para o caráter
massificador e nivelador do capitalismo: “Por vários aspectos o capitalismo tornou-se um elemento de
massificação, suscitando, entre outros efeitos tendentes a este resultado, a produção em série, a conseguinte
formação da massa consumidora e a pressão exercida sobre esta pela propaganda para estimular o consumo,
donde a sociedade de consumo de massas” (Galvão de Sousa, 1973, p.58).
[193]
O filósofo político Jean-Claude Michéa, no excelente livro L’Empire du Moindre Mal: essai sur la
civilisation libérale (2007), esclarece, com grande riqueza de argumentos e dados, que o liberalismo é a
ideologia moderna par excellence.
[194]
Segundo o cientista político Arnaud Imatz (2016), a direita liberal-libertária e a esquerda pós-moderna
convergem na defesa da ideologia soft da contemporaneidade, cujos principais elementos definidores são a
moral secularista, a apologia das virtudes do mercado, a exaltação da democracia e dos direitos humanos, o
multiculturalismo e o cosmopolitismo.
[195]
A palavra símbolo origina-se do grego syn-ballein, que significa reunir, colocar junto.
[196]
Um corolário do princípio da ordem é a ética do dever: dos deveres morais da pessoa singular – de
carne e osso – para com Deus, para consigo mesma, para com a sua família e para com sua comunidade
(município, região e nação).
[197]
Destacam, ainda, os pensadores tradicionalistas brasileiros: “Que devam incluir-se no mundo hispânico
Portugal e o Brasil, é o que decorre de se acharem estas nações unidas à Espanha e aos povos de origem
espanhola numa comunidade espiritual e histórica. Já, nos Lusíadas, Camões (1525-1580) denomina os
portugueses ‘gente fortíssima de Espanha’ (Canto I, 31). O humanista André de Resende (1500-1573)
escrevia: ‘Hispania omnes sumus’. E Almeida Garret (1799-1854) dizia que todos os que habitam a
península hispânica devem ser chamados hispânicos. O vocábulo hispanidade, utilizado desde a antiguidade
(hispanitas, hispanitatis), foi restaurado pelos humanistas da Renascença e adquiriu maior sentido afetivo
na pena de Miguel de Unamuno (1864-1936)” (Galvão de Sousa, Lema Garcia e Teixeira de Carvalho,
1998, p. 496).
[198]
Sublinha, ainda, Galvão de Sousa (1973), que a faina civilizadora e evangelizadora dos missionários
cristãos no Brasil caracterizou-se, dentre outras coisas, pela abertura de escolas e universidades. Nesses
centros de ensino estudava-se o latim, a literatura clássica, o direito romano, e ensinava-se o catecismo aos
indígenas, muitas vezes mediante a língua natural dos silvícolas, como fazia o Padre Anchieta, ensinando
aos “curumins” de São Paulo de Piratininga e escrevendo para eles uma gramática da língua tupi. Por sua
vez, nas aulas de teologia, chegavam aos bancos universitários as grandes lições dos mestres de Salamanca,
Alcalá e Coimbra.
[199]
O filósofo Alberto Buela (2002) desenvolve a tese da existência de uma visão histórico-ontoteológica
do Ocidente em antítese à concepção moderna dessa civilização. Os traços mais significativos desse
Ocidente profundo são os seguintes: a) o indo-europeu como substrato lingüístico fundamental; b) a noção
de ser descoberta pela filosofia grega; c) a concepção do ser humano como pessoa vinculada à propriedade
privada, esta como espaço de expressão da vontade livre, núcleo de uma antropologia que tem origem na
cultura jurídica romana; d) o Deus transcendente, uno e trino, pessoal e redentor, em que a fé sem obras
nada vale, como contribuição mais significativa do cristianismo católico; e) a idéia de razão humana como
poder científico e tecnológico sobre o mundo e a natureza.
[200]
A palavra moderno deriva do latim modernus, que significa o que é novo, recente, atual. Relaciona-se
com as palavras moda e modo, do latim modus.
[201]
Os filósofos católicos tradicionalistas Claude Polin e Claude Rousseau (1997) defendem a existência
de uma Direita Eterna (droite éternelle).
[202]
Utilizo-me aqui de categorias da filosofia política de Eric Voegelin. O magistral pensador germânico
assim explica as conexões entre as diversas ordens da realidade: “O homem tem a experiência de participar
através da sua existência numa ordem do ser que não só abrange a si mesmo, mas também Deus, o mundo e
a sociedade. Esta é a experiência que se pode tornar articulada na criação de símbolos da ordem penetrante
do ser, tal como os previamente indicados maat egípcio, ou tao chinês, ou nomos grego. O homem
experiencia, outrossim, a ansiedade da queda possível desta ordem do ser, com a conseqüência da sua
aniquilação na parceria do ser; e, correspondentemente, ele experiencia uma obrigação de sintonizar a
ordem da sua existência com a ordem do ser. Finalmente, ele experiencia a queda possível e a sintonia com
a ordem do ser como dependente da sua ação, isto é, ele experiencia a ordem da sua própria existência como
um problema para a sua liberdade e responsabilidade. No âmbito da sociedade, a realização da ordem do ser
é experienciada como o fardo do homem” (Voegelin, 1998, p. 94).
[203]
Neologismo empregado pelo filosofo francês Jean-François Mattéi (2001).
[204]
Sobre a suposta defesa, pelos marxistas, da existência de uma ordem universal, esclarece Martinez
(1974, p. 24): “Não obstante, uma doutrina tão esquerdista como o materialismo dialético parece admitir a
vigência de uma ordem universal: para os marxistas tudo se desenvolve de acordo com leis dialéticas, dando
lugar à formação de tríades de teses, antíteses e sínteses. Mas estas leis são muito especiais e não
correspondem à noção clássica de lei como princípio universal e necessário. Toda lei tomada neste sentido
implica o princípio de não-contradição, segundo o qual uma coisa não pode ser e não ser, ao mesmo tempo
e sob o mesmo aspecto. Mas o marxismo não reconhece este princípio (dialética, explica Lênin, é a teoria
de como os contrários podem ser idênticos), o que faz com que o universo concebido pelos marxistas seja,
em última análise, alegal. Porque a noção de lei inclui, como dissemos, a idéia de necessidade, de algo que
deve ser; [...]”.
[205]
Sem titubear, a filósofa feminista de esquerda Simone de Beauvoir afirmou certa feita: “A natureza é
direitista”, acrescentando: “[...] a natureza é um dos grandes ídolos da direita” (Beauvoir apud Martinez,
1974, p. 24).
[206]
Conforme explica o jusfilósofo Danilo Castellano (2010), a liberdade negativa é a liberdade exercida
unicamente com o critério da liberdade, ou seja, a liberdade sem critério algum. É a liberdade que se
identifica com o direito à autodeterminação absoluta. Esta liberdade, própria das ideologias modernas, é
indiferente aos fins e à ideia de natureza humana.