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Arqueologia do Capitalismo

Aluno: Lucas Parreira Álvares


Resenha: POLANYI, Karl. A Grande Transformação (capítulo 2).

A Grande Transformação: as origens políticas e econômicas de nossa época1, de Karl


Polanyi, é uma obra que consegue ter uma dupla consequência: agradar gregos e troianos.
No mundo do conhecimento presente, poderíamos dizer que os gregos são os
economistas e os troianos os antropólogos. Uma obra capaz de agradar tanto economistas
quanto antropólogos tem que ter alguma originalidade. Como antropólogo, eu diria que
uma das qualidades de Polanyi é a de não reduzir a fórmulas simples e teorias genéricas
algumas das questões que, para a antropologia, não passa por despercebida. É por isso que
Polanyi não reproduz os jargões dos manuais de história do pensamento econômico
sobre “escambo”, por exemplo, e nem mesmo se abstém de pensar outras formas de
sociabilidade não ocidentais no âmbito de seu escopo investigativo. Essas opções
proporcionam à obra de Polanyi uma originalidade pertinente que é, ao mesmo tempo é
capaz de oferecer insumos rigorosos ao leitor, é também factível de seduzí-lo de alguma
forma. Nessa pequena resenha, tratarei do capítulo 2 dessa obra.
No início de seu livro, Polanyi demonstra como a “paz” - ou pelo menos uma
espécie de pacto internacional pela paz como oposição da guerra - foi responsável pela
instituição e expansão do capitalismo pelo globo. Isso é importante pois normalmente a
história do capitalismo é contatada por ferro e fogo, como disse Marx em “A Assim
chamada acumulação primitiva”, capítulo de O Capital. Mas essa “paz” que durou por
volta de um século, foi sucumbida pela instabilidade econômica que desencadeou
tensões e conflitos suficientes para a emergência da Grande Guerra, a I guerra mundial.
As grandes famílias de banqueiros, como os Rothscild e os Morgan, cederam lugar à
expansão mais distributiva da moeda e do crédito como “salvaguarda possível da paz
entre Estados soberanos” (p. 73). Ao passo que a década da guerra seria conhecida por se

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Me utilizei a versão da editora Contraponto, de 2020, por ser a edição que tenho em casa. Em razão
de opções de tradução, o segundo capítulo indicado para resenha pelo programa da disciplina tem
o nome de “A revolução econômica”. No entanto, na minha edição, chama-se “Anos 1920
conservadores, anos 1930 revolucionários”. A despeito disso, trata-se de o mesmo texto.
tratarem de “anos conservadores”, a década pós-guerra ficou conhecida por seus anos
“revolucionários”, mas essa revolução não aconteceu no plano da política insurgente ou
da tomada de poder como previam as teorias oitocentistas, mas sim, no plano das
transformações econômicas e consequentemente sociais do século vinte. Só que Polanyi
demonstra que essa década pós guerra não foi essencialmente revolucionária: “o espírito
dessa década era [também] profundamente conservador e expressava a convicção quase
universal de que só o restabelecimento do sistema anterior a 1914, desta vez sobre bases
sólidas, poderia restaurar a paz e a prosperidade” (p. 74). Ou seja, ela não era conservadora,
em seus termos, mas antes, romântica reacionária, no sentido etimológico que essas
expressões condizem.
Talvez a questão de maior importância nesse capítulo seja a relação dos países
frente ao padrão ouro, que Polanyi denominou como “a religião da época” (p. 76). Em que
consistia, pois, o dogma dessa religião? A crença de que as cédulas oficiais tinham valor
por representar o ouro. Além das discordâncias entre as nações, a crença no padrão-ouro
era talvez um elemento que as homogeneizaram, Ele era a “realidade invisível à qual a
vontade de viver podia apegar-se, enquanto a humanidade se preparava para a tarefa de
restaurar sua existência em ruínas” (p. 77).
Ligando uma coisa na outra, o desaparecimento do padrão-ouro promoveu,
também, o desaparecimento da Liga das Nações e das grandes famílias banqueiras
(Morgan e os Rothschild, por exemplo), e isso significou, no espectro de um mundo em
crise, uma autêntica e talvez a mais importante transformação social dos meios de vida
no século XX.

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