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XENÓFANES DE

CÓLOFON

Prof. José Lourenço


Vida e obra

■ Originário de Cólofon, na região da Jônia, deixou sua cidade natal depois de


conquistada pela Lídia, em 546, tendo viajado por diversas cidades gregas como
poeta e cantor. Se seu testemunho é correto, teria vivido até os 92 anos. Escreveu
versos satíricos, os Silloi, tratando de cosmologia e teologia; fez críticas aos
costumes e a crenças religiosas tradicionais, sendo considerado por alguns
estudiosos como precursor do ceticismo. Segundo certa tradição, foi fundador da
filosofia eleática e professor de Parmênides; contudo, se sua tese da existência de
um deus uno, eterno e imutável pode ter influenciado Parmênides em sua
concepção do ser, fazer Xenófanes mestre de Parmênides é assumir acriticamente
como verdadeira a afirmação categórica de Aristóteles, reiterada por Teofrasto, de
acordo com Simplício, baseada no comentário nada histórico de Platão, no Sofista,
de que Xenófanes começa a escola eleática.
Teologia

■ A teologia de Xenófanes apresenta duas faces: (i) a crítica e (ii) a construtiva.


■ (i) Na teologia crítica, ele ataca (a) a imoralidade e (b) a natureza antropomórfica
dos deuses da religião tradicional. Xenófanes ficou conhecido no mundo antigo
como escritor de críticas satíricas e de denúncia.
■ As críticas de maior peso foram reservadas para Homero e Hesíodo, os dois poetas
que determinaram para os gregos a natureza de seus deuses:
■ Frag. 11: Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que para os homens é
opróbrio e vergonha: roubo, adultério e fraudes recíprocas.
Teologia

■ Xenófanes parece não ter se preocupado em explicar a origem das crenças


nos deuses da religião tradicional. Simplesmente condena representações
dos deuses da religião popular com sendo crenças meramente formadas e
convencionadas, e passadas pela tradição que varia de cultura para cultura.
■ Frag. 15: Mas se mãos tivessem os bois, os cavalos ou os leões, ou se com
elas desenhassem e obras compusessem como os homens, os cavalos
desenhariam as formas dos deuses iguais a cavalos, e os bois iguais a bois,
e os corpos fariam tais quais o corpo que cada um deles tem.
Teologia

■ (ii) Na sua teologia construtiva, Xenófanes afirma a existência de uma única


divindade não antropomórfica.
■ Frag. 23: Um único deus, o maior entre os deuses e homens, nem na figura,
nem no pensamento semelhante aos mortais.
■ Frag. 24: Todo inteiro vê, todo inteiro entende, todo inteiro ouve.
■ Frag. 25: E sem esforço move tudo com a força do seu pensamento.
■ Frag. 26: Permanece sempre imóvel no mesmo lugar; e não lhe convém
mover-se de um lugar para outro.
Teologia

■ Nesses fragmentos Xenófanes parece defender a existência


de um deus um onipotente, onisciente e onipresente;
portanto, por sua natureza e excelência esse deus é
incomensurável com os padrões humanos, de sorte que a
divindade não admite paralelo com quaisquer aspectos dos
mortais. Se Xenófanes acreditou em um deus único, esta
divindade deve ser não antropomórfica, moralmente boa,
eterna, completamente autossuficiente e independente.
O mundo natural

■ Os intérpretes discordam entre si quanto à originalidade, significado e consistência


das opiniões de Xenófanes a respeito do mundo natural. É inegável, porém, que ele
mostrou interesse pelas mesmas questões dos filósofos de Mileto: materiais
básicos (frags. 27, 29), fenômenos astronômicos e meteorológicos (frags. 30, 31,
32), a origem da vida (frag. 33).
■ Mas, diferentemente de seus predecessores milésios, ele não teve uma
cosmogonia. Aristóteles (Metafísica 986b10 segs.) atribui a Xenófanes a tese
monista, ou seja, que o universo é um; também que o universo era eterno e era um
deus (panteismo).
O mundo natural

■ No entanto, alguns fragmentos (29; 30; 33) atestam que Xenófanes teria defendido
um dualismo material, postulando terra e água como as substâncias básicas a
partir das quais todas as outras coisas são feitas. Xenófanes teria notado que estes
elementos são abundantes no mundo a nossa volta, e pensado que as coisas deles
derivam sendo algumas compostas de ambas, outras apenas da terra, outras ainda
apenas da água.
Teoria do conhecimento

■ A importância da contribuição de Xenófanes para história da epistemologia é


amplamente reconhecida. Ele chama a atenção para distinção entre conhecimento
e mera opinião.
■ Frag. 34: Pois homem algum viu e não haverá quem possa ver a verdade acerca
dos deuses e de todas as coisas das quais eu falo; pois mesmo se alguém
conseguisse expressar-se com toda exatidão possível, ele próprio não se
aperceberia disto. A opinião reina em tudo.
■ Não há boas razões para tomar Xenófanes como cético, ou seja, alguém que
afirmou que tudo nos é incognoscível. O frag 34 fará mais sentido se
contextualizado na teologia xenofaneana.
Teoria do conhecimento

■ Enquanto o deus é onipotente e onisciente, aos mortais parece vetada a


possibilidade de alcançar um conhecimento claro e seguro. Xenófanes reitera o
contraste tradicional entre “o conhecimento fidedigno e o que não merece
confiança: ninguém conhece o saphes, o claro, o evidente; apenas o dókos, a
aparência, se oferece ao homem e, decerto, encontra-se em todas as coisas”.
■ Nesse sentido, o homem não estaria alijado de todo conhecimento, mas da nitidez
e absoluta certeza de seu saber – isso, como dissemos, é privilégio apenas de
deus, “testemunha ocular” de todas as coisas. Assim, em comparação ao saber do
deus, o conhecimento humano permanece inseguro e incerto.
Teoria do conhecimento

■ Mas essa piedosa modéstia cognitiva não lança o homem na ignorância nem
condena como inevitavelmente enganosa toda crença humana. Sempre em
condição inferiorizada em relação à do deus, e na dependência deste, os mortais
podem progredir no saber desde que se apliquem à investigação:
■ Frag. 18: Não, de início os deuses não desvendaram tudo aos mortais; mas, com o
tempo, procurando, estes descobriram o melhor.
Teoria do conhecimento

■ A busca do saber não é, portanto, totalmente impossível ao homem; com esforço e


perseverança, limitadamente o ser humano é capaz de conhecer. Todavia, para
fazer-se sábio, na medida do humanamente possível, é necessário ultrapassar o
domínio da aparência, que embora mais clara para nós, não é o mais evidente em
si. O grande desafio para nós, segundo Xenófanes, parece ser, então, penetrar na
aparência para apreender o verdadeiro atrás dela. O que o deus faz sem o menor
esforço, nisto mesmo os mortais só a custo e precariamente podem ser bem-
sucedidos.
Referências Bibliográficas

■ GUTHRIE, W. K. C. A History of Greek Philosophy, vol. I. Cambridge: CUP, 1962.


■ KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. 4 ed. Trad. C. A.
L. Fonseca. Lisboa: Gulbenkian, 1994.
■ LESHER, J. Early Interest in Knowledge. In: LONG, A. A. The Cambridge Companion to
Early Greek Philosophy. Cambridge: CUP, 1999.
■ McKIRAHAN, R. A filosofia antes de Sócrates: uma introdução com textos e
comentários. Trad. E. W. Pereira. São Paulo: Paulus, 2013.

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