49 Eliade
do escritor bíblico
Paulo, que disse: ‘As qualidades invisíveis
[de Deus] são claramente vistas desde
a criação do mundo, porque são percebidas
por meio das coisas feitas, mesmo seu
sempiterno poder e Divindade.’ — Romanos
1:19, 20.
Hahari
para
pessoas modernas a morte é um problema técnico que pode e deve ser
resolvido.
Ele faz isso muito influenciado pelo discurso poético-filosófico dos pré-
socráticos. É latente, também, o interesse do autor pela autoridade que a
ciência estava recebendo no século XIX: ele apresentou como alternativa um
pensamento alegre, jovial, gaio, que questionasse as certezas científicas e
suas implicações na vida do homem moderno. Já que a ciência encerrava um
novo idealismo, com sua promessa de progresso futuro, como uma das
“sombras de Deus”, nas palavras do filósofo: ou seja, resquício de relação com
o divino apesar do enfraquecimento da presença da ideia de Deus na
sociedade. “Deus está morto; mas, tal como são os homens, durante séculos
ainda haverá cavernas em que sua sombra será mostrada. — Quanto a nós —
nós teremos que vencer também a sua sombra!” (NIETZSCHE, 2001, p.135)
[...] daí que se ache tão pouca nobreza entre os homens; pois a
marca desta sempre será não temer a si próprio, nada esperar de
vergonhoso de si próprio, não hesitar em voar para onde somos
impelidos — nós, pássaros nascidos livres! Aonde quer que
cheguemos, tudo será livre e ensolarado à nossa volta. (NIETZSCHE,
2001, p. 199)
O símbolo é um objeto convencional que tem como razão de ser o acordo dos
espíritos e a reunião dos sujeitos. Mais do que uma coisa, é uma operação e
uma cerimônia: não a do adeus, mas sim do reencontro (entre velhos amigos
que se perderam de vista). Simbólico e fraterno são sinônimos: não se
fraterniza sem alguma coisa para partilhar, não se simboliza sem unir o que era
estranho. Em grego, o antônimo exato de símbolo é o diabo: aquele que
separa. Dia-bólico é tudo o que divide, sim-bólico, tudo o que aproxima. (61)
DEBREY
Octavio Paz
Poder-se-ia apontar uma curva entre o pensamento de Nietzsche e a
poesia de Lenilde: enquanto a segunda busca o divino, o primeiro o nega. No
entanto, essa discordância se dá em linha tênue. A negação de Deus em
Nietzsche é a negação do idealismo ocidental que tolhe a vontade de potência,
a coragem necessária para uma vida de plenitude. Nietzsche é contrário aos
males oriundos da ideia do Deus cristão, onipresente e inquisidor. Quando
Nietzsche percebe a morte Deus, ele está reivindicando, também, a
possibilidade de uma vida humana plena, consciente de sua potência e de seus
limites. Ele deseja a morte da letargia a qual pode o homem ser levado se
deixar que sua vida se restrinja ao pensamento e ao modo de viver
estabelecidos no cristianismo.
Um olhar a menos
— trapezistas balançando
na lembrança —
o ouro esporádico
da vida.
(2001, p. 31)
Guardando o dia
A cor do mundo
A paisagem confundida
— bem guardada.
Esquecimento
Não há peso, culpa, desespero, há a aceitação da vida, dos contornos que ela
assume sem nosso consentimento.
Que
Viver é despedir-se.
Esta sensação
De verso perfeito
De um poema rasgado
Do efêmero eternizado
Os olhos do tempo
O dia
E lustra os sapatos
Ao mistério do mundo.
O dia se extingue
escorre do céu
ruborizando a mangueira
Dedos transparentes
e acendem a candeia
(2001, p. 21.)
Para construir uma singular paisagem do pôr do sol, a poeta fez uso de
termos “ardentes”, que reforçam o momento de cores celestes intensas e clima
abafado do entardecer — como fogo, lava escarlate, ruborizando, envernizam e
acendem a candeia. Como em uma erupção vulcânica no céu, o sol derrama
sua “lava” vermelho vivo e rubifica os elementos naturais da tarde. Em uma
bela imagem — as cores genuínas da vida dispostas num poleiro tais quais
aves que repousam e mostram sem esforço nem interesse sua exata beleza —
a última estrofe revela os ideais de encantamento e olhar atento tão presentes
na obra poética de Lenilde. As riquezas estão nos bolsos de Deus, fonte
recôndita frequentada pelo poeta que acurou a percepção e a recepção no que
há de mais dado na natureza e na humanidade e, por isso mesmo, mais
misterioso. Essa expressão (bolsos de Deus) ao mesmo tempo nos diz da
tensa relação de distância e intimidade com o divino. Como se o poeta tivesse
acesso ao divino exatamente por reconhecer seus limites diante dele,
aceitando o que é dado ao homem no que nos rodeia.
Quanto eu vi partir.
O ar desfigurava as nuvens,
(1987, p. 69)
acesso à insignificância 76
cercanias
há um prazo certo
um tempo justo
— de relance.
Vão-se as paisagens
Cercanias e miragens
— última chance.
Invernal
A água escorre
Ainda ontem
e o gurada-sol-azul-de-Deus
o recobria.
(2010, p. 71.)
A chegada do inverno torna aquoso o dia que, até ontem, era tomado
pelo azul do verão. Nesse texto, o céu é uma espécie de rede de proteção do
que está abaixo dele, como se a natureza se compusesse de seus próprios
cuidados. A expressão composta guarda-sol-azul-de-Deus, para denominar o
céu, une criador e criação de forma inexorável. O poema é, também, uma
reflexão sobre a fugacidade do tempo, notória nos movimentos cíclicos da
natureza, como as mudanças de estações do ano.
Nietzsche, por sua vez, reivindica um olhar cético sobre a natureza, sem
o idealismo romântico e a noção de destino atrelada à conformidade das leis
naturais e à ideia subjacente de criação:
Identidade
A um pássaro
É este renovar de penas.
A aventura das palavras indica bem o fato, e a ordem em que vai acontecendo. A reprodução
precedeu o original, o in visu fez o in situ. Os pintores suscitaram os espaços, e as paisagens de
nossos campos surgiram dos quadros com o mesmo nome. O olhar sobre a natureza é um fato
de cultura, cultura que foi visual antes de ser literária [escrita] [...] os historiadores das
mentalidades ensinaram-nos que a Montanha e o Mar são instituições culturais. O midiólogo
toma nota de que “natureza” e “arte” são categorias abstratas que, na realidade, não existem
independentemente uma da outra. Uma certa arte engendrou nossa natureza. E uma certa
natureza engendrou nossa arte. (190) DEBREY
Denominando o visível
Havia a alma
O existir
(1989, p. 52)
Uma leitura ao modo Rudolf Otto afirmaria que o último verso revela o
caráter irredutível do divino e a posição de assombro do homem que,
reconhecendo as limitações de sua própria natureza, humilde aceita o que foge
ao seu controle e entendimento. O numinoso em seus aspectos tremendum e
mysterium, e o sujeito em seu sentimento de criatura.
“Os artistas glorificam sem cessar — não fazem outra coisa [...]”
(NIETZSCHE, 2001, p. 114)
- Limites da linguagem
[...] não há autêntica transmissão sem transcendência. Não há energia sem desnivelamento.
[...] A imagem, assim como a palavra, servem de agentes de ligação porque existe a montante
do grupo uma ausência primordial a ser reparada. O suporte, porém, não cria o efeito de
ausência que se chama sentido; ele o pressupõe. É a razão pela qual não é possível se
interessar pelos fatos de transmissão sem se interessar pelo fato religioso. (61) DEBREY
Rosset
Homem e matéria não fazem parte da natureza, que está entre os dois
acesso à insignificância 76
poesia
[...] a felicidade é a única experiência relativamente séria e a única
relativamente nobre: séria porque é a única a não figurar no registro da
insignificância, nobre, porque é a única a implicar necessariamente a assunção
do acaso e da finitude. 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS