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De certo ponto de vista, pode se dizer até que

o homem religioso – sobretudo o das sociedades primitivas – é por excelência um


homem paralisado pelo mito do eterno retorno. Um psicólogo moderno seria
tentado
a decifrar num tal comportamento a angústia diante do risco da novidade, a
recusa a
assumir a responsabilidade de uma existência autêntica e histórica, a nostalgia de
uma situação “paradisíaca” justa mente porque embrionária, insuficientemente
libertada da Natureza.

Mas trata se de um tipo de responsabilidade diferente daquelas que, a nossos


olhos, parecem ser as únicas autênticas e válidas. Trata-se de uma
responsabilidade
no plano cósmico, diferente das responsabilidades de ordem moral, social ou
histórica, as únicas conhecidas pelas civilizações modernas. Na perspectiva da
existência profana, o homem só reconhece responsabilidade para consigo mesmo
e
para com a sociedade. Para ele, o Universo não constitui um Cosmos, ou seja,
uma
unidade viva e articulada; é simplesmente a soma das reservas materiais e de
energias físicas do planeta. E a grande preocupação do homem moderno é a de
não
esgotar inabilmente os recursos econômicos do globo

49 Eliade

Não há homem moderno, seja qual for o grau


de sua irreligiosidade, que não seja sensível aos “encantos” da Natureza. Não se
trata unicamente dos valores estéticos, desportivos ou higiênicos concedidos à
Natureza, mas também de um sentimento confuso e difícil de definir, no qual
ainda
se reconhece a recordação de uma experiência religiosa degradada. 75

Quantos são os teus trabalhos, ó Jeová! A todos eles fizeste em sabedoria. A


terra está cheia das tuas produções. Salmo 104:24

No entanto, pergunte aos animais, por favor, e eles o ensinarão;Também às aves


dos céus, e elas o informarão. 8  Ou observe* a terra, e ela o ensinará;E os peixes do
mar lhe contarão. 9  Quem dentre todos eles não sabeQue foi a mão de Jeová que fez
isso?10  Ele tem nas mãos a vida de todos os seres vivos*E o espírito* de todos os
humanos. Jó 12

do escritor bíblico
Paulo, que disse: ‘As qualidades invisíveis
[de Deus] são claramente vistas desde
a criação do mundo, porque são percebidas
por meio das coisas feitas, mesmo seu
sempiterno poder e Divindade.’ — Romanos
1:19, 20.

Edward o Wilson, A criação

O biólogo, na introdução, fala sobre como algumas premissas evangélicas de


apocalipse contribuem para o esquecimento dos cuidados que devem ser
dados à manutenção da natureza – ambientalismo – Darwin, reação ao ver
uma floresta no Brasil (salmista)

Algumas religiões, apegando-se ao futuro prometido, como razão de ser e


existir, abrem mão do agora. É preciso conciliar futuro (esperança, que todos
querem) e presente (que todos já têm e sofrem com ele)

Hahari

valor supremo da cultura contemporânea: a valorização da vida


humana. Somos constantemente lembrados de que ela é o que há de mais
sagrado no universo 25

Por se constituir em uma clara violação desse direito, a morte é um crime


contra
a humanidade, e temos de travar uma guerra total contra ela.

Durante a História, religiões e ideologias não santificaram a vida em si


mesma. Santificaram sempre algo que está acima ou além da existência
terrena,
e consequentemente foram bem tolerantes com a morte.

para
pessoas modernas a morte é um problema técnico que pode e deve ser
resolvido.

Para Epicuro, a busca da felicidade era uma procura pessoal. Pensadores


modernos, em contrapartida, tendem a considerá-la um projeto coletivo. Sem
planejamento governamental, recursos econômicos e pesquisa científica,
ninguém conseguirá ir longe na sua busca da felicidade. 32

nossa felicidade é determinada por nosso sistema


bioquímico, 39

Ao buscar a felicidade e a imortalidade, os humanos estão na verdade


tentando promover-se à condição de deuses. Não só porque esses atributos
são
divinos, mas igualmente porque, para superar a velhice e o sofrimento, terão de
adquirir primeiro um controle de caráter divino sobre o próprio substrato
biológico. 43

No século XXI, o terceiro grande projeto da


humanidade será adquirir poderes divinos de criação e destruição e elevar o
Homo sapiens à condição de Homo deus. Esse terceiro projeto obviamente
engloba os dois primeiros e é por eles alimentado. Queremos ter a capacidade
de
fazer a reengenharia de nosso corpo e mente acima de tudo para escapar à
velhice, à morte e à infelicidade, mas, uma vez dispondo disso, o que mais
poderíamos fazer com tal capacidade? Assim, bem podemos pensar que a
nova
agenda humana na realidade consiste em um só projeto (com muitos ramos):
alcançar a divindade. 46
Se isso não soa científico ou se parece totalmente excêntrico, é porque
com frequência as pessoas entendem mal o sentido da divindade. Divindade
não
é uma vaga qualidade metafísica. E não é o mesmo que onipotência. Quando
se
fala em elevar humanos à condição de deuses, a ideia diz mais respeito aos
deuses gregos, ou aos devas hindus, do que a um pai celestial bíblico e
onipotente.
Nossos descendentes ainda teriam seus pontos fracos, suas imperfeições e
limitações, assim como Zeus e Indra tiveram os seus. Mas seriam capazes de
amar, odiar, criar e destruir numa escala muito maior do que a nossa.
Segundo teorias biológicas atuais, nossas memórias, nossas
ideias e nossos pensamentos não existem em algum campo superior e imaterial.
Em vez disso, são também avalanches de sinais elétricos disparados por bilhões
de neurônios. 101

Similarmente, durante 4 mil anos os humanos recorreram a Deus para


explicar numerosos fenômenos naturais. O que desencadeia o relâmpago? Deus.
O que faz a chuva cair? Deus. Como começou a vida na Terra? Deus fez isso.
Nos séculos mais recentes, os cientistas não descobriram nenhuma evidência
empírica da existência de Deus, enquanto encontravam explicações muito mais
detalhadas para os relâmpagos, a chuva e a origem da vida. Como resultado,
com exceção de alguns subcampos da filosofia, nenhum artigo em nenhumarevista científica de análise crítica leva a sério a existência de Deus.
Historiadores não alegam que os aliados venceram a Segunda Guerra Mundial
porque Deus estava do seu lado; economistas não atribuem a Deus a culpa pela
crise econômica de 1929; e geólogos não invocam a vontade divina para explicar
os movimentos das placas tectônicas. 103

Na essência, nós humanos não somos diferentes de ratos, golfinhos ou


chimpanzés. Como eles, tampouco temos alma. Como nós, eles também têm
consciência e um complexo mundo de sensações e emoções. É claro que todo
animal tem traços e talentos exclusivos. Os humanos têm suas aptidões especiais.
Não deveríamos humanizar os animais desnecessariamente, imaginando que são
apenas uma versão mais peluda de nós mesmos. Isso não só configura uma
ciência ruim, como igualmente nos impede de compreender e valorizar outros animais em seus próprios termos. 114

Potência e paixão na poesia: o divino na “epidermidade”

Como o próprio Nietzsche assinala em seu prólogo, os aforismos de A


gaia ciência são resultantes de um estado de espírito formado num período de
convalescença do autor, quando recobrava a saúde física e, com um novo
olhar para a vida, foi tomado pela esperança e pela fé. Já no início da obra nos
é indicada uma demonstração da relação entre o corpo e o pensamento, de
como as condições psicofísicas interferem na escrita:

Todo este livro não é senão divertimento após demorada privação e


impotência, o júbilo da força que retorna, da renascida fé num
amanhã e no depois de amanhã, do repentino sentimento e
pressentimento de um futuro, de aventuras próximas, de mares
novamente abertos, de metas novamente admitidas, novamente
acreditadas. (NIETZSCHE, 2001, 9)

Esperança e fé na própria vida, com suas limitações e possibilidades


terrenas, e no próprio homem, autor dessa vida. O que Nietzsche propõe,
inclusive, é a (re)tomada dessa autoria, do domínio do humano pelo homem,
em contraposição ao idealismo platônico acentuado no cristianismo: “[...]
queremos ser os poetas-autores de nossas vidas, principiando pelas coisas
mínimas e cotidianas” (NIETZSCHE, 2001, p. 202).

Ele faz isso muito influenciado pelo discurso poético-filosófico dos pré-
socráticos. É latente, também, o interesse do autor pela autoridade que a
ciência estava recebendo no século XIX: ele apresentou como alternativa um
pensamento alegre, jovial, gaio, que questionasse as certezas científicas e
suas implicações na vida do homem moderno. Já que a ciência encerrava um
novo idealismo, com sua promessa de progresso futuro, como uma das
“sombras de Deus”, nas palavras do filósofo: ou seja, resquício de relação com
o divino apesar do enfraquecimento da presença da ideia de Deus na
sociedade. “Deus está morto; mas, tal como são os homens, durante séculos
ainda haverá cavernas em que sua sombra será mostrada. — Quanto a nós —
nós teremos que vencer também a sua sombra!” (NIETZSCHE, 2001, p.135)

Em oposição ao ideal está, para Nietzsche, o corpo, símbolo do


pensamento aliado às sensações, firmado na natureza humana, com os pés no
chão. É dessa noção dionisíaca de materialidade, de impermanência, que o
homem, para o filósofo, pode alcançar sua mais alta liberdade, alçando voos
em direção a si próprio, com consciência do seu pensar e do seu agir.

[...] daí que se ache tão pouca nobreza entre os homens; pois a
marca desta sempre será não temer a si próprio, nada esperar de
vergonhoso de si próprio, não hesitar em voar para onde somos
impelidos — nós, pássaros nascidos livres! Aonde quer que
cheguemos, tudo será livre e ensolarado à nossa volta. (NIETZSCHE,
2001, p. 199)

Desse modo, Nietzsche é um acusador ferrenho das ilusões propostas


pela religião, em especial a cristã, da recusa desta ao corpo, ao caráter mais
humano em cada homem. Fazendo isso, ele se torna um grande defensor da
alegria em se viver a vida livre das amarras da culpa e da promessa.
A obra de Nietzsche é muitas vezes lida como uma defesa do ateísmo
em seu sentido genérico, a recusa categórica da crença da existência de Deus.
De fato, o filósofo espera mais do homem que a submissão aos ditames de
uma religião, que podem limitar sua capacidade consciente de ser livre em
ação e pensamento. Entretanto, e é isso que quero discutir neste texto,
apaziguar o sofisticado pensamento de Nietzsche nessa afirmação simplória
(Deus não existe) seria alimentar uma verdade, o oposto da proposta do
filósofo. Como a literatura é uma fonte exemplar das contradições e
possibilidades humanas, o que o alemão sabia muito bem, tentarei pensar a
recusa da ideia de Deus em Nietzsche, em particular em sua Gaia ciência, com
a ideia de divino que reverbera ainda hoje na tradição literária. Pois, se a
presença desse tema ainda é constante entre muitos poetas, provavelmente
ela pode nos dizer de forças gerativas na vida do homem contemporâneo. Não
questionarei a morte de Deus (o enfraquecimento da religião no mundo), mas
questiono a presença do divino articulado na linguagem literária. Não se trata
de discutir fé, mas de buscar compreender esse tema na produção poética
atual. Para isso, tentarei dialogar com alguns poemas da poeta Lenilde Freitas.

- Aspecto religioso da poesia

O simbólico, por etimologia e função, é o que religa o homem ao homem. (107)

O símbolo é um objeto convencional que tem como razão de ser o acordo dos
espíritos e a reunião dos sujeitos. Mais do que uma coisa, é uma operação e
uma cerimônia: não a do adeus, mas sim do reencontro (entre velhos amigos
que se perderam de vista). Simbólico e fraterno são sinônimos: não se
fraterniza sem alguma coisa para partilhar, não se simboliza sem unir o que era
estranho. Em grego, o antônimo exato de símbolo é o diabo: aquele que
separa. Dia-bólico é tudo o que divide, sim-bólico, tudo o que aproxima. (61)
DEBREY

Octavio Paz
Poder-se-ia apontar uma curva entre o pensamento de Nietzsche e a
poesia de Lenilde: enquanto a segunda busca o divino, o primeiro o nega. No
entanto, essa discordância se dá em linha tênue. A negação de Deus em
Nietzsche é a negação do idealismo ocidental que tolhe a vontade de potência,
a coragem necessária para uma vida de plenitude. Nietzsche é contrário aos
males oriundos da ideia do Deus cristão, onipresente e inquisidor. Quando
Nietzsche percebe a morte Deus, ele está reivindicando, também, a
possibilidade de uma vida humana plena, consciente de sua potência e de seus
limites. Ele deseja a morte da letargia a qual pode o homem ser levado se
deixar que sua vida se restrinja ao pensamento e ao modo de viver
estabelecidos no cristianismo.

Mas o encontro com o que em cada um dinamiza a personalidade é um


percurso pessoal. Logo, a celebração da vida por meio do encontro com o
divino não necessariamente está em desacordo com a busca da alegria
proposta por Nietzsche, desde que a ideia de divino não acapache o humano
em nós. Não se trata de religião, nem de acreditar ou não na existência de um
Deus criador, mas de uma relação íntima e intransferível com uma realidade
outra, que nos escapa, mas que nem por isso mingua nossa capacidade de
sermos o que somos, animais pensantes e artísticos, que cria seu próprio
divinamento, sem saber dizê-lo ou explicá-lo. O perigoso não é deus no
homem, mas o homem se tornar menos humano por causa de seu deus.

Sendo assim, um ponto de interseção entre a poesia de Lenilde e a


“ciência” de Nietzsche: a fuga da apatia por meio da celebração da vida
cotidiana, superficial, e do que nesta se percebe como latência do espírito. O
entusiasmo (do grego enthousiásmos, “transporte divino”) comum ao artista em
seu ofício. Deus, na poesia de Lenilde, está relacionado a esse
maravilhamento, proposto e desenvolvido pelo homem, que, enquanto poeta,
alarga e reorganiza as realidades que nos circundam por meio de seu trabalho
com a linguagem. Linguagem tal que a todo momento esbarra na sua própria
incompletude, no seu não poder dizer, e, nesse caso em particular, na
incapacidade de se colocar em palavras o que o verbo não alcança com
exatidão: o próprio divino. Daí tentar compreender Deus — essa instância
incompreensível que alguns não abriram mão — nos assombros da vida, em
tudo o que faz o poeta suspender sua respiração e tentar descrever, nunca
com sucesso completo.

O divino, na poesia de Lenilde, não é máscara de uma adoração que


recusa a vida, que paralisa o corpo do homem, antes, é o encanto íntimo com
as possibilidades que todos nos deparamos na cotidianidade, desde que
cultivemos uma atenção para tudo o que acentua nossa humanidade e nos dá
a chance de realização, de felicidade. Um olhar amoroso diante da vida aponta
o divino nela. Lemos em seu poema Instante:

Um olhar a menos

e não seria possível

ver no amarelo dos cajus

— trapezistas balançando

na lembrança —

o ouro esporádico

da vida.

(2001, p. 31)

O cacho de cajus balançando: trapezistas se apresentando num picadeiro. “Um


olhar a menos”: responsabilidade pessoal, não uma prostração contemplativa.

Guardando o dia

Há que guardar um pouco deste dia:

A cor do mundo

A paisagem confundida

A exaurida hora, a manhã

A tarde, ou mesmo a noite


Acesa sem medida.

Há que guardar um pouco deste dia:

Pois o cair da vida sobre a vida

Evapora a memória acumulada.

E se cada vez mais menos somos

Na dissolvência das estrofes consumidas,

Há que guardar um pouco deste dia:

Há que guardar alguma coisa

— bem guardada.

Viver: trabalho constante de (res)significação: apaziguadamente

Esquecimento

O nada não deita sombra.

(o passado não deveria se impor com o peso de uma sombra)

Não há peso, culpa, desespero, há a aceitação da vida, dos contornos que ela
assume sem nosso consentimento.

Segundo poema pessoano

Alegro-me pelo que não fui

E pelo que fui não fico triste.


Se o que em mim é

Não sou eu — eu me vou.

Que

Viver é despedir-se.

Questionamento da eternidade e da completude:

Sonhando sem sentir

Tão sem porquê

Esta sensação

E estrela que brilha

Num céu emprestado

De verso perfeito

De um poema rasgado

De pássaro ao ver sua sombra

Do outro lado do viveiro.

E tão sem motivo esta ilusão

De ser da estação o fruto primeiro

Esta euforia do perdido reencontrado

Do efêmero eternizado

De uma vida vivida por inteiro.

Toda angústia, como o pode confirmar a psicanálise, vincula-se ao sentimento


de perda de um objeto; sentimento que supõe que esse ou aquele objeto esteja
previamente dado [...] se muitos homens conhecem a angústia da constante
perdição daquilo que criam possuir, não é menos verdade que o pensamento
de nunca terem possuído nada, nem a si mesmos nem a ninguém, conduziu
alguns dentre eles à cura [...] Se se estabelece que nunca nenhum sentido foi
dado a ninguém (determinando precisamente a representação de uma
existência independente de toda natureza), a angústia diante do absurdo se
dissipa como que por encantamento [...] 72 Rosset

Conversão à natureza, na conclusão, a antinatureza:

Em alguns poemas de Lenilde, notamos a acepção clichê de “natureza”,


idealizada, imaculada, anti-humana. Como no texto seguinte, em que é
anunciada uma conversão à natureza, a qual se dá nas semelhanças entre
características corporais e afetivas do eu lírico (cabelos, olhar, voz, passo) e
aspectos físicos de determinados elementos geográficos (relva, cometa,
cotovia, pássaro, pétala)

Porque não é sempre

Porque não é sempre

Que eu me converto em natureza

E faço dos meus cabelos relva acetinada

Do meu olhar raríssimo cometa

De minha voz cotovia subornada;

Porque não é sempre que eu liberto pássaro

E a cada passo ou gesto viro pétala

Que cai displicente, descuidada

Sobre um jardim já coberto de outras pétalas;


Porque não é sempre que o sol

De repente fica igual a quase nada

— tendo que ir mesmo pelo rio

Mandei minha sombra pela estrada.

Em outros poemas de Lenilde Freitas, fenômenos geográficos e


biológicos são tomados como demonstrativos do destino humano. Como se a
chamada “natureza” fosse uma instância “divina” (misteriosa, onipotente) que
governasse o homem e refletisse seus desígnios e destino.

Nem o homem está completamente sujeito aos fenômenos físicos da


Terra e do universo, nem neles podem exercer total controle.

[...] mundo desnaturalizado é mundo de júbilo e tranquilidade recobradas: não


há nenhum objeto a perder, todas as circunstâncias são aproveitadas 73

[...] aquilo que é reconhecido como existente no mundo da não-natureza é


incapaz de se duplicar, quer se trate de uma reprodução ou de um comentário.
Daí a absoluta simplicidade do que existe: simplicidade não só designa o
contrário da complicação, mas também o contrário de toda inteligibilidade. Pois
aquilo que é o mais simples é simultaneamente o mais incompreensível; e, na
linguagem comum, o mais simples e o mais complicado se equivalem. [...] o
mais complicado de toda complicação ser a simplicidade, já que por definição
escapa à interpretação; a simplicidade irremediavelmente furta-se a qualquer
significação. É nesse sentido que, numa perspectiva de desnaturalização, toda
coisa no mundo aparece perfeitamente simples, perfeitamente emocionante,
perfeitamente inocente. 74 Rosset

Os olhos do tempo

O dia

Que penetra pela fresta


Ilumina o quarto

E lustra os sapatos

Porque seus donos

Não têm brilho.

Perecível como o soluço,

A manhã se entrega em holocausto

Ao mistério do mundo.

Não faço planos: nada é tão grande

Que não caiba no infinito,

Nem tão pequeno que seja invisível

Aos olhos do tempo.

Já Nietzsche, atento ao que na vida é inexplicável cientificamente, pensa


o acaso como nossa providência pessoal (não uma divina Providência):

[...] vamos deixar em paz os deuses e também os prestativos gênios


e satisfazer-nos com a suposição de que nossa própria habilidade
prática e teórica em interpretar e arrumar os acontecimentos tenha
atingido seu ponto alto. Tampouco vamos ter em bem alta conta essa
destreza de nossa sabedoria, se por vezes nos surpreender muito a
maravilhosa harmonia que surge de nosso instrumento: uma
harmonia que soa bem demais para que ousemos atribuí-la a nós
mesmos. De fato, aqui e ali alguém toca conosco — o querido acaso
[...] (NIETZSCHE, 2001, p. 189)
Como comentário a esse pensamento de Nietzsche, Clemént Rosset
desenvolveu uma crítica ao conceito de natureza no seu estudo A antinatureza:
elementos para uma filosofia trágica.

Alguns homens se tornam hábeis em aprisionar no texto um pedaço da


vida e transformá-lo em matéria livre e eterna: poesia. Para isso, entendem que
precisam vigiar a eterna novidade do Mundo, nas palavras de Alberto Caeiro
(PESSOA, 2011, p. 43). Para Nietzsche, também, há potência suficiente na
vida superficial, cotidiana, epidérmica, e sobre esta o homem deveria colocar
sua atenção e sua paixão. “Todo homem das profundezas acha felicidade em
igualar vez por outra os peixes voadores, brincando nas cristas das ondas;
estimam que o melhor, nas coisas, é terem uma superfície: a sua
‘epidermidade’ [...]” (NIETZSCHE, 2001, p. 183).

É essa disposição espiritual e sensitiva diante das coisas que a poeta


Lenilde Freitas indica em seu texto Pôr do sol:

O dia se extingue

em seu próprio fogo.

Uma lava escarlate

escorre do céu

ruborizando a mangueira

que este ano floriu mais cedo.

Dedos transparentes

envernizam os ramos, as folhas

e acendem a candeia

para a noite que se aproxima.


Diante de mim — empoleiradas —

as cores genuínas da vida:

nos bolsos de Deus

encontro minhas riquezas.

(2001, p. 21.)

Para construir uma singular paisagem do pôr do sol, a poeta fez uso de
termos “ardentes”, que reforçam o momento de cores celestes intensas e clima
abafado do entardecer — como fogo, lava escarlate, ruborizando, envernizam e
acendem a candeia. Como em uma erupção vulcânica no céu, o sol derrama
sua “lava” vermelho vivo e rubifica os elementos naturais da tarde. Em uma
bela imagem — as cores genuínas da vida dispostas num poleiro tais quais
aves que repousam e mostram sem esforço nem interesse sua exata beleza —
a última estrofe revela os ideais de encantamento e olhar atento tão presentes
na obra poética de Lenilde. As riquezas estão nos bolsos de Deus, fonte
recôndita frequentada pelo poeta que acurou a percepção e a recepção no que
há de mais dado na natureza e na humanidade e, por isso mesmo, mais
misterioso. Essa expressão (bolsos de Deus) ao mesmo tempo nos diz da
tensa relação de distância e intimidade com o divino. Como se o poeta tivesse
acesso ao divino exatamente por reconhecer seus limites diante dele,
aceitando o que é dado ao homem no que nos rodeia.

A riqueza do poeta, em Lenilde, é a matéria da poesia, tudo que há no


mundo que se encaminhe para a realização de um poema. Ora essa riqueza se
revela aos olhos do poeta, como numa espécie de encantamento, ora o escritor
a descobre após o escrutínio das coisas, das ideias e dos sentimentos.
Contudo, esse descobrimento, ou revelação, não é gratuito, não é dado pela
musa ou pelos deuses; a atividade incessante de descamar os sentidos ocultos
na vida é que o torna possível. Daí lembramos Nietzsche: “Quero cada vez
mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: — assim
me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas” (2001, p. 187).
Outro poema de Lenilde no qual encontramos a ideia de felicidade
possível no caos comum é Da janela:

Lá longe, no ponto máximo

Que a minha vista alcança desta estrada,

Começam meus olhos a vislumbrar

Alguma coisa vindo vindo devagar.

Ó Deus, que realidade tão esperada!

Ó Deus, há quanto tempo nada passa aqui!

Quanto sol eu vi chegar,

Quanto eu vi partir.

O ar desfigurava as nuvens,

O verão secava as folhas,

Que o inverno tornava a molhar.

Mas eis que alguma coisa vem vindo ali...

Anoitece e já estou bem cansada...

Não, não posso dormir agora,

Não, não posso dormir.

(1987, p. 69)

Nesse poema, a interjeição Ó Deus é mencionada duas vezes, em


versos contíguos. O eu lírico mora em uma região deserta, como percebemos
nos versos “há quanto tempo nada passa aqui!/ Quanto sol eu vi chegar,/
Quanto eu vi partir”. No quarto verso, a duplicação do verbo no particípio vindo
seguida do advérbio devagar reforçam as noções de constância e
vagarosidade e ocasionam uma particular sonoridade com a repetição dos
sons do v (três vezes), fricativo, e do d (três vezes), oclusivo. Embora essa
paisagem nos remeta a um território ensolarado e sem agito urbano, como uma
cidade do sertão, é possível pensarmos na referência a qualquer lugar, sem
definição geográfica, se lermos essa calmaria como uma alegoria para a
solidão. A janela enquadra a visão do mundo, e este tem o tamanho e os
limites que o vão impõe. Desse enquadramento, uma miragem, uma revelação,
tão especial, pela singularidade do acontecimento, quanto banal: uma simples
constatação da chegada de “alguma coisa”.

Porém, essa banalidade se transforma em alumbramento pela energia


que propele, a ponto de impedir o sono, interromper o andamento natural da
vida. Uma metáfora para a esperança e para o que, no cotidiano mais vulgar,
desperta o desejo de esperar, de confiar num futuro, atitude cara à Nietzsche.
Pois, a morte de Deus não deveria representar a morte da esperança no
homem, que agora deve ampliar suas fontes possíveis de sedução do espírito.
O filósofo, sobre a mudança de prisma metafísica do homem moderno, que
abandona a religião, diz o seguinte:

Sob o domínio de ideias religiosas, habituamo-nos à concepção de


um “outro mundo” (atrás, abaixo, acima de nós) e sentimos, após o
aniquilamento da ilusão religiosa, uma privação e um vazio
incômodos — e desse sentimento brota mais uma vez um “outro
mundo”, agora apenas metafísico, não mais religioso. No entanto,
aquilo que nos tempos primitivos levou à suposição de um “outro
mundo” não foi um impulso ou necessidade, mas um erro na
interpretação de determinados processos naturais, uma perplexidade
do intelecto. (2001, pp. 160, 161)

“Conceber um mundo como artifício, e unicamente como tal, implica uma


apreensão da insignificância: o mundo desnaturalizado, que não é nem
insensato [porque nunca teve sentido] nem absurdo [pela mesma razão], é
certamente insignificante.” Rosset

acesso à insignificância 76
cercanias

há um prazo certo

um tempo justo

para olhar este mundo

— de relance.

Num abrir e fechar de olhos,

Vão-se as paisagens

Cercanias e miragens

— última chance.

A espiritualidade da poesia de Lenilde está intimamente ligada à


natureza. Em sua obra, não se compreende Deus senão através das coisas
vistas e apalpadas. Deus está na natureza, nela se converte e se revela. Como
no poema seguinte:

Invernal

A água escorre

pela abismal face do dia.

Ainda ontem

tranquilo o mar dormia

e o gurada-sol-azul-de-Deus

o recobria.
(2010, p. 71.)

A chegada do inverno torna aquoso o dia que, até ontem, era tomado
pelo azul do verão. Nesse texto, o céu é uma espécie de rede de proteção do
que está abaixo dele, como se a natureza se compusesse de seus próprios
cuidados. A expressão composta guarda-sol-azul-de-Deus, para denominar o
céu, une criador e criação de forma inexorável. O poema é, também, uma
reflexão sobre a fugacidade do tempo, notória nos movimentos cíclicos da
natureza, como as mudanças de estações do ano.

Nietzsche, por sua vez, reivindica um olhar cético sobre a natureza, sem
o idealismo romântico e a noção de destino atrelada à conformidade das leis
naturais e à ideia subjacente de criação:

Guardemo-nos de crer também que o universo é uma máquina;


certamente não foi construído com um objetivo [...] Guardemo-nos de
dizer que há leis na natureza. Há apenas necessidades: não há
ninguém que comande, ninguém que obedeça, ninguém que
transgrida [...] Quando é que todas essas sombras de Deus não nos
obscurecerão mais a vista? Quando teremos desdivinizado
completamente a natureza? Quando poderemos começar a
naturalizar os seres humanos com uma pura natureza, de nova
maneira descoberta e redimida? (NIETZSCHE, 2001, p. 135, 136)

Identificação com a natureza:

Identidade

Além da identidade do canto

Nas horas serenas

O que mais me assemelha

A um pássaro
É este renovar de penas.

A aventura das palavras indica bem o fato, e a ordem em que vai acontecendo. A reprodução
precedeu o original, o in visu fez o in situ. Os pintores suscitaram os espaços, e as paisagens de
nossos campos surgiram dos quadros com o mesmo nome. O olhar sobre a natureza é um fato
de cultura, cultura que foi visual antes de ser literária [escrita] [...] os historiadores das
mentalidades ensinaram-nos que a Montanha e o Mar são instituições culturais. O midiólogo
toma nota de que “natureza” e “arte” são categorias abstratas que, na realidade, não existem
independentemente uma da outra. Uma certa arte engendrou nossa natureza. E uma certa
natureza engendrou nossa arte. (190) DEBREY

Lenilde: bucolismo, arcadismo, natureza ideal, clichê, próxima do cristianismo

Se Lenilde Freitas lança mão de tantas imagens, analogias e metáforas


para dizer Deus poeticamente é porque se dá conta da impossibilidade de se
narrar linearmente uma experiência que foge à ordenação linguística.

Denominando o visível

Havia a alma

Com seus corredores em penumbra

Que terminavam ali


Na presença daquela xícara

Quebrada diante dos seus olhos.

Era preciso ler nas artérias dos cacos

O existir

Antes que o relógio de Deus parasse

Também a alegria da vida

Que ardia nos lábios do sol:

Porque a Deus ela não pedia explicações.

(1989, p. 52)

Na primeira estrofe, o substantivo “corredores” anuncia uma imagem que


se alonga no espaço do poema, mas logo é interrompida com a presença
“daquela xícara quebrada diante dos seus olhos”. A extensão da alma,
penumbrosa, tem como limite aquele objeto, que desencadeia uma reflexão
sobre a função do homem no seu próprio tempo.

Uma leitura ao modo Rudolf Otto afirmaria que o último verso revela o
caráter irredutível do divino e a posição de assombro do homem que,
reconhecendo as limitações de sua própria natureza, humilde aceita o que foge
ao seu controle e entendimento. O numinoso em seus aspectos tremendum e
mysterium, e o sujeito em seu sentimento de criatura.

Todavia, no poema, não são as sinuosidades de uma borra de café que


revelam o destino, tal numa cafeomancia. Mas os traçados deixados nos
pedaços da xícara quebrada, numa operação de exame individual da própria
história. Os vestígios da vida lidos naquele objeto espedaçado: a fragmentação
do existir, o nosso existir em cacos. Ao homem é dada a tarefa de se espelhar
e buscar-se compreender em sua vida fragmentada, ler sua existência, algo
mais exigente que confiar o destino a uma arte divinatória.

A fatalidade inerente ao cotidiano pode ser exata como “o relógio de


Deus”. Insubordinada aos nossos anseios, assim como os ciclos naturais, a luz
do sol que para em sua própria hora — “a Deus ela não pedia explicações”.
Essa compreensão, no entanto, não exime o homem da necessidade contínua
de ler a si próprio e saber enxergar a vitalidade possível em meio a seus
estilhaços. Pelo contrário: é no que resta (e não é pouco) ao homem de
possibilidade e livre-arbítrio que ele vai construir sua autonomia.

Ora, o visível já está dado, quase autodenominado, porque partilhado


em experiência comum a todos os homens que veem. O que faz a linguagem
poética senão alargar essa visão? Estabelecer outro enfoque, outro ângulo?
Apontar gravidade ao que é reles no senso comum, ou vice-versa? A partir da
individuação do olhar do poeta enriquecer essa experiência comum?
Denominar o visível para que, nele e a partir dele, reconheçamos entusiasmos
invisíveis?

Portanto, não vemos no poema a negação do visível. Antes, sua


perscrutação, para dar-lhe nome e importância.

“Os artistas glorificam sem cessar — não fazem outra coisa [...]”
(NIETZSCHE, 2001, p. 114)

- Limites da linguagem

[...] não há autêntica transmissão sem transcendência. Não há energia sem desnivelamento.
[...] A imagem, assim como a palavra, servem de agentes de ligação porque existe a montante
do grupo uma ausência primordial a ser reparada. O suporte, porém, não cria o efeito de
ausência que se chama sentido; ele o pressupõe. É a razão pela qual não é possível se
interessar pelos fatos de transmissão sem se interessar pelo fato religioso. (61) DEBREY

Rosset

Natureza: independente da atividade humana (grama que cresce)

Matéria: acaso, sem principio e lei (inércia, pedra)

Artifício: homem (risco: consolida ou destrói a natureza)

Homem e matéria não fazem parte da natureza, que está entre os dois

Platão e Aristóteles 15, 16


força natural: irrepresentável, silenciosa, misteriosa como o feminino18

tudo é oposto à natureza, determinado a partir dela 19

o nada necessário aos conceitos metafísicos

a metafísica é uma física (heidegger) 20

escape do artifício: acentuação do artifício

preparação naturalista, paródia da natureza 21

artifício artificial: disfarçado de natureza

autenticidade do gesto humano, seu verdadeiro “natural” (acaso, singular) 22

a ideia de natureza não existe 23

natureza desnaturalizada, artifício naturalizante

justifica a culpabilidade do homem, pureza

miragem, ilusão (derivada do desejo) 26

não é erro, o intelecto não refuta

religião (sobrenatureza) x natureza (torna deus inútil, mas segunda


religiosidade) x materialismo

dado ideológico de base ‘fornece a primeira pedra’

conceber um mundo como artifício, e unicamente como tal, implica uma


apreensão da insignificância: o mundo desnaturalizado, que não é nem
insensato [porque nunca teve sentido] nem absurdo [pela mesma razão], é
certamente insignificante

acesso à insignificância 76

poesia
[...] a felicidade é a única experiência relativamente séria e a única
relativamente nobre: séria porque é a única a não figurar no registro da
insignificância, nobre, porque é a única a implicar necessariamente a assunção
do acaso e da finitude. 78

“[...] Nietzsche faz da experiência de felicidade o princípio único e incondicional


de toda avaliação filosófica. [...] o que supõe especialmente que não peçamos
à criação estética proteção contra o efêmero e o frívolo, mas apenas o
testemunhar alguns instantes de felicidade, que lhe assegure suficientemente
razão de ser e fim.” 79

Além do bem e do mal:

Vosso orgulho sempre demolida pretende


impor à Natureza vossa moral e vosso ideal. Sim, porque
desejais que tudo quanto existe se reduza à vossa própria
imagem, fazendo uma prodigiosa e eterna apoteose e uma
generalização do estoicismo. Porém, apesar de todo nosso amor
pela verdade, vos empenhas em ver a Natureza como ela não é,
em vê-la estóica, e finalmente, não podeis vê-la de outro modo. (18)

Antes de afirmar que o instinto de conservação é o instinto


motor do ser orgânico, dever-se-ia refletir. O ser vivo necessita
e deseja antes de mais nada e acima de todas as coisas dar
liberdade de ação à sua força, ao seu potencial. A própria vida é
vontade de potência. O instinto de conservação vem a ser uma
conseqüência indireta, e em todo caso, das mais freqüentes.
Resumindo, neste ponto como em outros deve-se desconfiar de
princípios teológicos inúteis tais como o instinto de
conservação e o esforço de preservar o ser (23)

O que há de claro aqui? O que é que


parece "claro"? Antes de mais nada o que se pode ver e tocar. (23)
Este modo platônico de
submeter ao mundo, de interpretá-lo tinha em si mesmo um
gozo de qualidade muito diferente da que nos oferecem os
,físicos de hoje ou esses operários da filosofia, darwinistas e
antifinalistas, com seu princípio do "mínimo de energia" que é
o máximo de estupidez. "Ali onde o homem não pode ver nem
tocar nada, não há nada que procurar", o que não deixa de ser
um imperativo muito distinto daquele de Platão, porém
adaptável a uma raça dura e laboriosa de futuros mecânicos e
futuros engenheiros que apenas tenham de cuidar de trabalhos
superlativamente grosseiros. (24)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREITAS, Lenilde. A corça no campo. Recife: Ed. da autora, 2010.

______________. Cercanias. São Paulo: João Scortecci Editora, 1989.

______________. Desvios. São Paulo: João Scortecci Editor, 1987.

______________. Grãos na eira. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das


Letras, 2001.

PESSOA, Fernando. Poemas completos de Alberto Caeiro. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 2011.

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